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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO
Adriano Bakchachian Chalegh Ferreira dos Santos
A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
COM BASE EM UM ESTUDO DE CASO
São Paulo
2011
Adriano Bakchachian Chalegh Ferreira dos Santos
RA 003200700226
A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
COM BASE EM UM ESTUDO DE CASO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Coordenação do Curso de Direito da
Universidade São Francisco, como requisito
parcial para a obtenção do Título de Bacharel
em Direito, orientado pelo Professor Me. Ivan
de Oliveira Silva.
São Paulo
2011
347.7 Santos, Adriano Bakchachian Chalegh Ferreira dos.
S233d A desconsideração inversa da personalidade jurídica
com base em um estudo de caso / Adriano Bakchachian Chaleg Ferreira
dos Santos – São Paulo, 2011. 48 p.
Monografia (graduação) - Universidade São
Francisco.
Orientação de: Ivan de Oliveira Silva.
1. Direito Comercial. 2. Personalidade jurídica.
3. Sociedades empresarias . 4. Desconsideração.
I. Silva, Ivan de Oliveira. II. Titulo.
.
Adriano Bakchachian Chalegh Ferreira dos Santos
RA 003200700226
A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS COM BASE EM UM ESTUDO DE
CASO
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado do
Curso de Direito, da Universidade São
Francisco, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Data da Aprovação: ___ /___ /____
Banca Examinadora:
............................................................................................................................................
Prof. Me. Ivan de Oliveira Silva
.............................................................................................................................................
Prof. Graduada Ceile Ione de Carvalho Mavropoulos
.............................................................................................................................................
Prof. Especialista Jaime dos Santos Penteado
Dedico este trabalho aos meus pais, que
lutaram para fazer de mim a pessoa que sou
hoje.
Aos meus mestres e colegas, por me
proporcionarem a sabedoria e depositarem a
confiança, que fará de mim um excelente
profissional, ético e qualificado e para o
exercício da advocacia.
Agradeço:
Aos meus pais e às pessoas que sempre estão
ao meu lado, me apoiando me apoiando nas
decisões mais importantes de minha vida.
“O executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar,
isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”.
Carlos Maximiliano
SANTOS, Adriano Bakchachian Chalegh Ferreira dos. A Desconsideração Inversa da
personalidade Jurídica com base em um Estudo de Caso, 48 pp., Curso de Direito, São
Paulo, USF, 2009.
RESUMO
O presente trabalho feito a partir de uma pesquisa teórica tem como objetivo esclarecer a
posição dos tribunais acerca da desconsideração da personalidade jurídica do modo inverso,
ou seja, ao invés do sócio responder pela obrigação da sociedade, é esta que responde pela
obrigação de seu sócio. Esta teoria não tem previsão legal específica, porém utiliza-se das
regras do artigo 50 do Código Civil, que dispõem sobre a desconsideração propriamente dita.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência, defendem a aplicação desta forma de
desconsideração de forma analógica, ante a ausência de previsão legal específica, com base no
entendimento doutrinário sobre o assunto, de que se faz necessária a comprovação da fraude
pela transferência de bens particulares do sócio para a sociedade. Há também opiniões
contrárias sobre o assunto, que defendem ser possível esta forma de desconsideração somente
em determinados ramos do direito. A conclusão obtida com esta pesquisa é de que a
desconsideração do modo inverso é perfeitamente aplicável em qualquer das situações em que
ficar provada a fraude através da transferência de bens particulares do sócio para a sociedade
que controla, ficando assim na situação de insolvente perante seus credores.
Palavras chave: Direito Comercial. Personalidade jurídica, Sociedades empresariais,
Desconsideração
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
SEÇÃO 1 – DA PERSONIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES
EMPRESÁRIAS
11
1.1 - Aspectos históricos sobre a pessoa jurídica 11
1.2 - Conceito de personificação; 12
1.3 - Efeitos da personalização 13
1.4 - Conceito de sociedades empresárias 15
1.5 - Espécies sociedades empresárias e critérios para sua diferenciação
1.6 – Responsabilidade dos sócios
1.7 – Dissolução das sociedades empresárias
1.7.1 – Causas da dissolução das sociedades empresárias
16
17
19
20
SEÇÃO 2 – A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 23
2.1 - Origem histórica da teoria da desconsideração 23
2.2 - A desconsideração da personalidade jurídica no Brasil 24
2.3 - Natureza jurídica; 25
2.4 - Pressupostos de licitude 26
2.5 - Previsão legal 28
2.5.1 - A teoria maior (art. 50 do Código Civil de 2002) 28
2.5.2 - A Teoria Menor (art. 28 do CDC) 29
2.6 - Aplicabilidade da disregard nos demais ramos do direito; 30
2.6.1 - No Direito Tributário
2.6.2 - No Direito do Trabalho
2.6.3 - No Direito Ambiental
2.6.4 - No Direito Econômico
2.6.5 - No Direito Falimentar
2.6.6 - No Direito Civil
2.6.7 - No Direito do Consumidor
30
32
33
33
35
35
35
2.7 - Aspectos Processuais
36
SEÇÃO 3 – DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE
JURÍDICA
38
3.1 - Fundamentos da teoria 38
3.2 - Entendimento jurisprudencial 38
3.3 - Hipóteses de aplicação 40
SEÇÃO 4 – ESTUDO DE CASO – JULGADO DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE SÃO PAULO
42
4.1 - Argumentos trazidos pelo Relator acerca da matéria 43
4.2 - Fatos caracterizadores da fraude 43
4.3 - Fato caracterizados da confusão patrimonial 44
4.4 - Conclusões gerais do recurso
45
CONCLUSÃO
47
REFERÊNCIAS 48
10
INTRODUÇÃO
Desde o surgimento das sociedades empresárias como um ser autônomo da pessoa de
seus sócios, dotadas também de autonomia patrimonial; muitos dos sócios, visando a prática
fraudes para se beneficiarem nos negócios jurídicos, utilizavam da pessoa jurídica para tais
atos, nos quais os benefícios seriam convertidos à pessoa dos sócios, e quando a parte
prejudicada fosse buscar perante a justiça o ressarcimento dos prejuízos causados por esta
sociedade, nada seria encontrado em nome dela, pois seus sócios utilizam desta pessoa
jurídica somente para estas práticas. Surgiu então o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica onde, verificada essa fraude, o magistrado aplica tal instituto para
responsabilizar seu sócio, com seus bens particulares, pela fraude ou abuso praticado pela
sociedade.
Com o desenvolver desta teoria no direito brasileiro, alguns doutrinadores falam sobre a
possibilidade da aplicação desta teoria do modo inverso, ou seja, quando o sócio desconsidera
a personalidade jurídica da sociedade para responsabilizá-la por obrigação contraída por seu
sócio controlador, que transfere para a sociedade que controla todo o seu patrimônio
particular objetivando praticar a fraude em nome próprio.
Nesta linha, o estudo é fundamentado por uma pesquisa doutrinária, responsável pela
criação desta forma de desconsideração; e jurisprudencial, responsável pela interpretação e
aplicação desta, ante a falta de previsão legal específica sobre o assunto.
A seção 1 inicia o estudo pela abordagem das sociedades empresárias e sobre a
personalidade jurídica, tornando estas sociedades pessoas diferente da de seus sócios,
principalmente do que diz respeito à autonomia patrimonial.
Já na seção 2 o estudo é dirigido à desconsideração da personalidade jurídica
propriamente dita, no que se refere ao seu conceito, origem histórica, previsão legal e suas
várias formas de aplicação no direito brasileiro.
Na seção 3, aprofunda-se o estudo na desconsideração inversa da personalidade jurídica,
trazendo alguns conceitos doutrinários sobre o assunto e, pela falta de obras que fazem uma
abordagem mais aprofundada do assunto, ressalta-se o entendimento dos tribunais sobre o
assunto, que aplicam esta forma de desconsideração de maneira analógica à desconsideração
propriamente dita.
Por fim, a última seção é dedicada ao estudo de um julgado do Tribunal de Justiça de
São Paulo, que aplica ao caso trazido, a desconsideração inversa da personalidade jurídica,
destacando a presença dos requisitos para sua configuração, trazidos na seção anterior.
11
1. DA PERSONIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
1.1 - Aspectos históricos sobre a personalidade jurídica
Esta seção será dedicada ao estudo da personalidade jurídica desde seu contexto
histórico, suas espécies, requisitos para que uma pessoa jurídica adquira personalidade, seus
efeitos, proteção no mundo jurídico, e suas formas de dissolução; estudo este que será voltado
às sociedades empresárias, um dos objetos deste trabalho.
Falar em personalidade jurídica, não dá para deixar de mencionar a pessoa jurídica em
si, pois esta pressupõe a existência daquela. Como preceitua Carlos Roberto Gonçalves (2007,
p. 181) “Desde a unidade tribal dos tempos primitivos até os tempos modernos, essa
necessidade de se agrupar para atingir uma finalidade, para alcançar um objetivo ou ideal
comum, tem sido observada...”. Este agrupamento mencionado compreende a reunião de
esforços e de recursos para utilização em um fim comum.
O resultado desta união de esforços faz necessária sua individualização da pessoa dos
seus componentes, esta que somente se dá com a personalização concedida pelo mundo
jurídico, que vai permitir que esta terceira pessoa atue em nome próprio com capacidade
jurídica própria.
Silvio de Salvo Venosa (2003, p.244) conta que o surgimento da personalidade jurídica
teve farta contribuição do direito Romano, onde teve lenta evolução, aperfeiçoando-se
somente na era pós clássica. Durante a era clássica, quando um grupo de pessoas era titular de
um patrimônio em comum, tinham seus efeitos e responsabilidades atribuídos a cada um de
seus proprietários, pois não se reconhecia esta junção como a formação de uma entidade
abstrata.
Mais tarde com seu reconhecimento, surgiu a corporação. Esta entidade passou a ter
seus direitos e obrigações iguais aos de uma pessoa natural, porém não era conhecida quanto à
sua finalidade. No Direito Romano pós-clássico, passou então a existir a idéia de fundação,
que consistia na união de um patrimônio para determinado fim, surgindo assim nesta época
duas espécies de pessoas jurídicas, as universitates personarum, que são as associações de
pessoas dotadas de personalidade própria e patrimônio próprio; e as universitades rerum, que
são as fundações destinadas a fins religiosos ou de instrução, estas que segundo o autor,
vieram por influência do Crianismo
12
Naquela época, para a constituição de uma pessoa jurídica era necessário um quórum
mínimo de três pessoas, para tomares as decisões por maioria, além da existência de um pacto
o que hoje são os chamados estatutos. (VENOSA, 2003, p.244).
Assim nasce a personalidade jurídica, na qual o direito atual conta com imenso respaldo
legal, principalmente no que concerne aos direitos e obrigações contraídos no mundo jurídico.
1.2 - Conceito de personificação
A personificação de um agrupamento de pessoas, que uniram seu patrimônio para
determinado fim, significa dar capacidade jurídica distinta da de seus componentes. Conforme
afirma Clóvis Beviláqua, personalidade “é a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a
alguém, para exercer direitos e contrair obrigações.” (BEVILÁQUA apud NÁUFEL, 1984,
p.741).
No mesmo sentido Luiz da Cunha Gonçalves diz a respeito: “Personalidade, num
sentido, é suscetibilidade de direitos e obrigações, isto é, a aptidão genérica para adquirir
direitos e ficar sujeito a obrigações. Noutro sentido, personalidade é o conjunto de direitos,
interesses, atributos físicos e espirituais inerentes à pessoa humana.” (GONÇALVES apud
NÁUFEL, 1984, p.741).
Muitos associam a personificação de uma sociedade empresaria com a separação da
responsabilidade desta com a de seus sócios. Fabio Ulhoa Coelho, explica a respeito:
“Há direitos como no Reino Unido, que associam a personalização da
sociedade à limitação da responsabilidade dos sócios. Para tais sistemas, as
sociedades em que os sócios respondem integralmente pelas obrigações
sociais são despersonalizadas. Em outras ordens jurídicas, inclusive a
brasileira, não existe necessária correlação entre esses dois temas societários.
A personalização da sociedade não esta ligada sempre a limitação da
responsabilidade dos seus integrantes. Quer dizer, há no Brasil sociedades
personalizadas em que os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações
sociais (. Ex., a sociedade empresaria em nome coletivo), assim como há
uma hipótese de articulação de esforços despersonalizada, em que os
participantes podem responder dentro de um limite (o sócio participante da
conta de participação, se assim previsto em contrato). (COELHO, 2008, p.7).
Neste sentido, O autor se refere diz que a verdadeira importância da personalização das
sociedades se da por titularizarem direitos e obrigações próprias.
Diante disso, importante se faz distinguirmos o conceito de personificação, já explicito
acima, com o de pessoa jurídica, pois diferente daquele, a pessoa jurídica consiste na reunião
13
de pessoas e bens, dotados de personalidade, e destinados a determinada finalidade, como
preceitua Carlos Roberto Gonçalves (2007, p.182): “Pessoas jurídicas são entidades a que a
lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações. A sua
principal característica é a de que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos
indivíduos que as compõem.”
Antigamente, para a constituição de uma pessoa jurídica bastava a presença do elemento
volitivo das pessoas naturais que vierem a constituí-la, ou seja, bastava a reunião de esforços e
de patrimônio para a sua formação, desde que determinados a um fim. No direito atual, não
basta somente à vontade para a sua constituição. Segundo Silvio de Salvo Venosa (2003,
p.250), “A lei impõe certos requisitos a serem obedecidos, para que a pessoa jurídica possa
ser considerada regular e possa agir com todas as suas prerrogativas na vida jurídica.”, e
seguindo os requisitos impostos pela lei, a personalidade desta, até então em abstrato.
Carlos Roberto Gonçalves (2007, p.186) no mesmo sentido diz que para a formação de
uma pessoa jurídica é necessário o preenchimento de dois elementos: o elemento material que
consiste na constituição por escrito de duas ou mais vontades convergentes ligadas por uma
intenção comum (affectio societatis1); e um elemento formal que nada mais é do que o
registro órgão competente (Junta Comercial ou Cartório de Registro Civil das Pessoas
Jurídicas), dos acordos de vontade tomados a termo, sendo denominado como estatuto no caso
das associações, contrato social no caso das sociedades, e escritura publica no caso das
fundações, todos estes necessários para o surgimento da personalidade destes entes. No que se
refere às pessoas jurídicas de direito publico, estas são criadas por lei ou atos administrativos,
de acordo com os interesses da sociedade.
Por fim, registra-se que os direitos da personalidade são reconhecidos pela nossa lei
civil, e estão amparados nos artigos 11 ao 21 da Lei nº. 11.406 de 10 de janeiro de 2002, que
reconhece tanto a personalidade natural quanto jurídica.
1.3 - Efeitos da personificação
Conforme afirma Carvalho de Mendonça, a personalização das sociedades permite a
elas: “capacidade de determinar-se agir para a defesa e consecução de seus fins, por meio dos
indivíduos, que figuram como seus órgãos; patrimônio autônomo, isto é, não pertencente a
1 Também dito como animus societário, é o intento de associar-se, é a vontade constituir sociedade. Refere-se à
disposição de ingressar em uma sociedade empresária, de correr o risco inerente à atividade empresarial, Quem
contrata a criação de uma sociedade empresária quer ser sócio. (FAZZIO JR, 2006, p.178).
14
nenhum dos indivíduos que às compõem; obrigações ativas e passivas a seu cargo exclusivo;
e a representação em juízo.” (MENDONÇA apud ALMEIDA, 2009, p.6).
No mesmo sentido, Rubens Requião (2009, p. 413) descreve sobre os efeitos de uma
sociedade personificada: “A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede
judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por
intermédio de qualquer administrador.”
Com a definição da sociedade empresária como pessoa jurídica, a própria lei estabelece
a separação desta sociedade, dos sócios que a compõem, pois esta união para a produção de
determinada atividade econômica é explorada em conjunto, onde os sócios não podem
responder diretamente pelas obrigações geradas por ela; sem serem os detentores dos direitos
inerentes a ela, nem serem responsabilizados por suas obrigações. Fabio Ulhoa Coelho (2008,
p.14), diz que personalização causa alguns efeitos que ilustram as sociedades empresárias, a
saber: titularidade patrimonial, titularidade obrigacional e titularidade processual. As relações
obrigacionais contratuais e extracontratuais, originadas da exploração da atividade econômica
entre a pessoa jurídica personificada e terceiros, os aproximam. Nesta espécie de relação, os
sócios não são participantes dela, e sim a sociedade.
Quanto à titularidade processual, a personificação da sociedade empresaria traz uma
importante questão que se refere acerca da legitimidade desta para atuar nos processos nos
quais suas obrigações lhe deram causa. Sobre a titularidade processual, Rubens Requião
(2009, p. 413), discorre sobre a possibilidade de uma sociedade empresária ser ainda sujeito
passivo em ação penal, entendimento este, tirado de um julgado do Supremo Tribunal Federal
em decisão proferida pelo Tribunal Pleno, na Ação Penal nº. 223-RJ, que teve ainda seu
acórdão inserido na RTJ nº. 76/18. AL julgado acolheu a queixa-crime por crime de
difamação.
Por fim, o último dos efeitos causados pela personificação das sociedades empresárias, a
responsabilidade patrimonial, considerado também um dos princípios mais importantes do
direito societário. Alguns doutrinadores fazem confusão acerca do patrimônio das sociedades,
pois este é de direito da pessoa jurídica, onde somente ela pode exercer o direito de
propriedade ou de qualquer outra natureza. Já quanto ao patrimônio dos sócios, a estes
pertencem as quotas da sociedade limitada ou ações no caso de sociedade anônima. Devemos
distinguir a participação societária e os bens pertencentes à sociedade, pois se tratam de
patrimônios distintos, inconfundíveis e incomunicáveis os dos sócios com os da sociedade.
Sabemos que em regra, a garantia do credor é representada pelo patrimônio do devedor, logo
15
se devedora é a sociedade, o patrimônio desta é que deve responder pela divida, e não o de
seus sócios (COELHO, 2008, p.14-16).
Em seqüência a este último efeito, o mesmo autor expõe:
“Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos na
exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens
particulares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou
mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas
a desenvolver novas atividades empresarias. No final, o potencial econômico
do País não estaria eficientemente otimizado, e as pessoas em geral ficariam
prejudicadas, tendo menos acesso a bens e serviços. O princípio da
autonomia patrimonial é importantíssimo para que o direito discipline de
forma adequada à exploração da atividade econômica.” (COELHO, 2008,
p.17).
Como todo direito comporta uma exceção, há casos em que os sócios respondem pelas
obrigações contraídas pela sociedade, onde o principal deles e por meio da desconsideração
da personalidade jurídica que é o objeto deste trabalho.
1.4 - Conceito de sociedades empresárias
O conceito de sociedades empresárias, chamadas antigamente de sociedades comerciais,
nasce a partir da pessoa jurídica, porém em toda história, era sempre mencionada de forma
genérica, sem prever algum efeito mercantil, ou seja, sem mencionar a finalidade da obtenção
do lucro na qual ela é destinada.
Vários diplomas legais conceituavam as sociedades empresárias. Rubens Requião
(2009, p.385), fala sobre uma antiga lei espanhola que dizia sobre o assunto: “Siete Partidas,
descrevia minuciosamente a sociedade comercial: Fazem companhia os mercadores e outros
homens entre si, para ganhar mais facilidade, juntando seus capitais em um, do que às vezes
serem recebidos nela por companheiros: uns que sabem e entendem de comprar e vender,
embora não tenham capital para fazê-lo; outros que o têm, mas lhes falta àquela instrução, e
outros que, sem embargo de ter capital e inteligência, não querem usar deles para si mesmos”.
Segundo o autor, em nosso país este conceito somente aperfeiçoou dando-lhe cunho
mercantil, com a advinda do Código Civil de 2002, em seu art. 981, a saber:
“Art. 981. celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se
obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade
econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
16
Parágrafo único: A atividade pode restringir-se ä realização de um ou mais
negócios determinados.”
No mesmo modo, Fabio Ulhoa Coelho (2008, p.3), classifica como pressuposto das
sociedades: “a aglutinação de esforços de diversos agentes, interessados nos lucros que elas
prometem propiciar”. Assim, este autor se refere às sociedades, como uma alternativa no
campo do direito para a composição de seus interesses, que têm por conseqüência de sua
criação algumas alterações no que diz respeito ao regime tributário aplicável, custo da
atividade diferenciado, que refletirá também refletirá sobre os resultados, enfim, gerando
várias alterações no mundo jurídico decorrentes desta reunião de esforços.
Dado seu conceito, não podemos deixar de relacionar as sociedades com a
personalização mencionada anteriormente, pois conforme relatado, é através desta que a
sociedade adquire capacidade jurídica própria para os atos da vida civil. Alessandro Sanches
(2009, p.48), classifica que a personificação das sociedades empresárias se da com o registro
do contrato social destas, no órgão de registro das empresas mercantis competentes, se
sociedades civis, no Cartório de Registro Civil das pessoas Jurídicas, pois estas não exercem
nenhuma atividade empresarial; e, na Junta Estadual nos casos das empresas mercantis.
1.5 - Espécies sociedades empresárias e critérios para sua diferenciação
São seis os tipos de sociedades empresarias existentes em nosso ordenamento jurídico
brasileiro: nome coletivo, comandita simples, comandita por ações, anônima, por conta de
participação e por quotas de responsabilidade limitada. Toda vez que criada uma sociedade
empresária e levado à registro seus atos constitutivos, esta deve obedecer a uma destas
espécies, pois caso contrário será considerada atípica.
Embora sejam seis os tipos de sociedades empresárias, não é considerada a conta de
participação como uma sociedade, isto devido às suas particularidades quanto ao seu perfil
jurídico, e por esta união de esforços não ser dotada de personalidade própria. Esta consiste
em um contrato de investimento comum, disciplinado erroneamente pela nossa legislação, nos
capítulos do direito societário (COELHO, 2008, p,23-24).
Ainda quanto às espécies de sociedades, destas, as de maior importância para os
operadores do direito, são as sociedades anônimas e limitadas, pois são as únicas voltadas
para a atividade econômica. Fabio Ulhoa (2008, p.23) diz sobre a relevância do estudo destas
sociedades sobre as outras: “A tecnologia jurídica, portanto, na medida em que tem a função
17
de desenvolver parâmetros para a solução dos conflitos de interesse, deve ocupar-se
principalmente das sociedades anônima e limitada, priorizando o seu estudo em relação ao das
demais espécies.”
Para classificar essas sociedades, a doutrina estabelece alguns critérios a serem
obedecidos que às diferenciam. Fabio Ulhoa (2008, p.24-27) estabelece que para a instituição
de um a sociedade, primeiramente deve-se se observar se a sociedade será de pessoa ou de
capital, que consiste na importância dos atributos de cada sócio para com a sociedade, Em
algumas, as atribuições do sócio são essenciais para a realização da atividade da empresa, já
em outras, o que realmente importa é o capital investido, sendo completamente irrelevantes
estas atribuições do sócio. Preceitua ainda o autor outro fator que diferencia as sociedades
acerca deste critério, que é acerca da alienação das quotas sociais, pois nas sociedades que
dependem dos atributos individuais do requerente, é necessária a concordância dos demais
sócios; diferente das sociedades por ações que não exigem este critério.
Outro critério a ser verificado, é se estas sociedades são contratuais ou institucionais, A
sociedade contratual é constituída por um contrato entre os sócios, aplicando-se a elas os
dispositivos contidos no Código Civil; será institucional se constituída por um ato de vontade
não contratual, sendo aplicada a estas a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76).
Analisados estes critérios, devemos verificar qual o tipo de vínculo estabelecido entre os
sócios desta sociedade, ou seja, se este vínculo é estável ou instável. Em algumas sociedades
o sócio pode se desligar a qualquer tempo da sociedade, por ato unilateral imotivada, sem a
verificação de qualquer fato jurídico que o autorize, sendo assim, considera-se como instável
o vínculo estabelecido entre os integrantes desta sociedade.
Há também outra espécie de sociedade em que o sócio não pode se desligar dela a
qualquer tempo por uma declaração unilateral e imotivada, sendo permitida esta somente em
algumas hipóteses definidas na lei, titularizadas como direito de recesso ou de retirada,
originados quando, por exemplo, ocorre uma alteração no objeto social da empresa ou a
incorporação da sociedade em outra etc. Nestes casos, o vínculo jurídico entre os sócios é
estável, porque não se rompe exceto nos casos definidos em lei.
1.6 - Responsabilidade dos sócios
Quando nos referimos a uma sociedade dotada de capacidade para exercer seus direitos
e obrigações perante a sociedade, é necessário deixar claro quem responderá pelas obrigações
auferidas por ela. Em regra, quem primeiramente responde por essas obrigações é o
18
patrimônio da sociedade, sendo subsidiária a responsabilidade dos seus sócios. Este direito
está previsto no artigo 596, caput do Código de Processo Civil, bem como no artigo 1024 do
Código Civil, a saber:
Art. 596 – Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da
sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo
pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os
bens da sociedade.
Art. 1.024 - Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por
dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.
No mesmo sentido destes dispositivos legais, afirma Fabio Ulhoa Coelho (2008, p.28):
afirma:
“Em razão da personalização das sociedades empresárias, os sócios têm,
pelas obrigações sociais, responsabilidade subsidiária. Isto é, enquanto não
exaurido o patrimônio social, não se pode cogitar de comprometimento do
patrimônio do sócio para a satisfação de dívida da sociedade.”
Dando seqüência a este pensamento, o autor diz que nos casos em que o contrato social
ou o estatuto da sociedade prever a regra da responsabilidade solidária, a esta é assegurado
aos seus sócios o direito do benefício de ordem, onde através da indicação de bens sociais
livres e desembaraçados, a execucão recairá primeiramente sobre estes bens indicados.
Como toda regra comporta uma exceção, há uma hipótese que a questão da
subsidiariedade não se aplica, que é nos casos das sociedades irregulares, sem registro dos
seus atos constitutivos no órgão competente, vez em que responsabilidade deste sócio será
direta, e não subsidiária (COELHO, 2008, p.29). Esta previsão de responsabilidade direta do
sócio está também contida no Código Civil em seu artigo 9902.
Falada da subsidiariedade e da solidariedade dos sócios para com a sociedade de que
fazem parte, é necessário também que seja analisado outro critério que diz respeito ao limite
da responsabilidade desses sócios, podendo esta ser limitada ou ilimitada. Fabio Ulhoa
Coelho (2008, p.29) estabelece uma divisão desta limitação em três espécies: as sociedades de
responsabilidade ilimitada que são aquelas nas quais os sócios respondem de forma ilimitada
pelas obrigações sociais, como é o caso da sociedade em nome em coletivo; as sociedades de
responsabilidade mista, quando parte dos sócios responde de forma ilimitada pelas obrigações
2 Art. 990 – Todos os sócios respondem solidariamente e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do
benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade.
19
sociais, e a outra parte de forma limitada, como é o caso das sociedades em comandita
simples ou por ações; e por fim, temos as sociedades de responsabilidade limitada que são
aquelas em que os sócios respondem dentro de um limite que está relacionado com o valor
que se propuseram a realizar na sociedade.
Nos casos de responsabilidade ilimitada, Rubens Requião (2009, p.466), diz que: “o
sócio de responsabilidade ilimitada é solidário com os demais companheiros desta categoria,
respondendo igualmente pelas obrigações sociais.” Já quanto aos de responsabilidade
limitada, este autor diz que: “Os sócios de responsabilidade limitada, comanditados ou
cotistas, têm responsabilidade circunscrita: os primeiros, à sua parte-capital, os segundos ao
capital social; e o acionista, apenas ao valor de sua contribuição representada na ação.”
Ainda acerca da responsabilidade limitada, Fabio Ulhoa Coelho (2008, p.29) relaciona a
esta limitação da responsabilidade dos sócios como uma forma de controle de riscos por parte
do empreendedor, motivando-o a investir seu capital no país gerando novas empresas (2008,
p.29).
1.7 - Dissolução das sociedades empresárias
Dissolução como o próprio significado da palavra expressa, consiste na extinção da
sociedade empresária mediante causas e procedimentos previstos em lei. Boa parte da
doutrina entende este sua definição como ambígua. Fabio Ulhoa Coelho classifica-a como
“dissolução-procedimento” e “dissolução-ato”. Acerca do primeiro conceito, o autor
preceitua:
“A dissolução entendida como procedimento de terminação da personalidade
jurídica da sociedade empresária, abrange três fases: a dissolução (ato ou
fato desencadeante), a liquidação (solução das pendências obrigacionais) e a
partilha (repartição do acervo entre os sócios).” (COELHO, 2008, p. 452).
Já acerca da dissolução-ato, explica o autor que consiste na distinção desta dissolução
em judicial ou extrajudicial. E assim explica:
“Quando os sócios estão de acordo que o negócio se mostra inviável,
dissolvem extrajudicialmente a sociedade, mas se apenas a minoria está
convencida da inviabilidade da empresam, a dissolução só poderá ser
judicial. O que distingue, assim, as espécies de dissolução-ato é o
instrumento pelo qual se viabilizam: a extrajudicial é instrumentalizada por
20
ato dos sócios (deliberação assemblear formada em ata e distrato ou só
distrato), e a judicial, por decisão do Judiciário.” (COELHO, 2008, P. 454).
Voltando a falar da modalidade de dissolução que diz respeito ao procedimento para a
extinção da sociedade empresária, falaremos em seguida acerca de cada uma das fases deste
procedimento.
1.7.1 - Causas da dissolução das sociedades empresárias
Trataremos aqui, dos motivos para que ocorra a dissolução das sociedades empresárias.
Fabio Ulhoa Coelho (2008, p,454-474), divide a dissolução das sociedades em total ou
parcial. A total, o autor a separa em 6 hipóteses: vontade dos sócios; decurso do prazo
determinado de duração; falência; unipessoalidade; irrealizabilidade do objeto social; e pela
extinção da autorização de funcionamento.
A dissolução da empresa por vontade dos sócios quando tratamos de sociedade
anônima, devem ser obedecidos alguns requisitos contidos na LSA, que determina um
quorum específico de pelo menos metade das ações com direito de voto, em assembléia geral
extraordinária, podendo assim ser decretado o encerramento desta sociedade mesmo contra a
vontade de grande parte de seu integrante. Já nas sociedades limitadas, estas regidas pelo
Código Civil, sua dissolução depende da aprovação de ¾ do capital social, conforme dispõe o
artigo 1076, I3 do referido diploma, manifestada em assembléia, onde, havendo um único
sócio contra sua dissolução, esta não ocorrerá, e este sócio terá o direito de continuar com a
sociedade desde que reembolse o valor das quotas aos demais integrantes no prazo de 180
dias e conseguir integrar à sociedade mais um integrante para que não seja caracterizada a
unipessoalidade que é outra forma de dissolução da sociedade como veremos a seguir.
Ainda na dissolução por vontade dos sócios, a lei resguarda tanto as sociedades por
ações quanto as sociedades limitadas o direito de estabelecerem em seu contrato ou estatuto, a
ocorrência da dissolução se verificadas determinadas situações como a redução do número de
sócios por exemplo.
A segunda causa de dissolução das sociedades empresárias, que diz respeito ao decurso
do prazo determinado de duração. Neste caso, estamos nos referindo às sociedades instituídas
com prazo determinado de duração, esta que têm como principal objetivo assegurar os sócios
3 Art. 1076 ressalvadas o disposto no art. 1061 e no §1º do art. 1063, as deliberações dos sócios serão tomadas:
I- pelos votos correspondentes, no mínimo a ¾ (três quartos) do capital social, nos casos previstos nos incisos V
e VI do art. 1071.
21
contra o arrependimento de qualquer um deles, principalmente nas sociedades limitadas, eis
que para a saída unilateral de qualquer um devem ser obedecidos alguns requisitos legais.
A falência é mais uma causa de dissolução das sociedades empresárias. Esta ocorre
quando a sociedade está insolúvel, ou seja, quando seu patrimônio não é suficiente para pagar
suas obrigações. As causas específicas deste instituto estão previstas nos incisos do artigo 94
da Lei 11.101/05, conforme se verifica abaixo:
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação
líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma
ultrapasse o equivalente a quarenta salários mínimos na data do pedido de
falência;
II – executado por qualquer quantia líquida, não para, não deposita e não
nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
III – Pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de
recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio
ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar
pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou
da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento
de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu
passivo;
simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de
burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
d) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem
ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
e) ausenta-se sem deixar representante habilitado com recursos suficientes
para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu
domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
f) deixa de cumprir, no prazo estabelecido obrigação assumida no plano de
recuperação judicial.
Logo, para garantir a paridade dos credores desta sociedade insolvente, deve-se invocar
este instituto que consiste em um processo judicial de execução concursal.
Há casos em que as quotas ou ações da sociedade empresária encontram-se em poder de
uma única só pessoa, o que conhecemos por unipessoalidade, mais uma forma de dissolução
das sociedades empresárias. Em se tratando de sociedade anônima, em que a titularidade das
ações encontra-se em uma só pessoa, a pluralidade de acionistas deve ser restabelecida até a
próxima assembléia geral extraordinária, sob pena de dissolução. Em se tratando de sociedade
limitada, o prazo para que a pluralidade de sócios seja restabelecida é de 180 dias, quando
esta encontrar-se também na situação da unipessoalidade. Em ambas as situações se não
restituída a pluralidade dos sócios no tempo concedido pela lei, e o único empresário nada
22
fizer a respeito da dissolução e continuar operando normalmente, está sociedade se
enquadrará na posição de sociedade irregular, respondendo este sócio ilimitadamente pelas
obrigações sociais.
Outras duas situações apontam a dissolução da sociedade empresária pela
irrealizabilidade do objeto social, causa esta que se enquadra em duas hipóteses, a saber:
quando não há mercado suficiente para o produto oferecido; ou quando insuficiente o capital
social para o exercício da atividade da empresa. Nas sociedades anônimas, este tipo de
dissolução pode ser requerido judicialmente quando acionistas com pelo menos metade das
ações concordam que não é o caso de insistir na exploração da atividade; já nas sociedades
limitadas, este tipo de dissolução pode ser invocado a partir do momento que se torna
impossível o convívio dos sócios, dificultando o andamento de quaisquer questões da
sociedade.
Por fim, a última causa de dissolução da sociedade empresária, diz respeito à extinção
da autorização de funcionamento, quando ela está sujeita à autorização do governo, vez que
sua extinção pode causar dissolução, como é o caso dos Bancos e Seguradoras. Esta
autorização depende do regime de direito público aplicável, que pode prever apenas a
proibição de a sociedade continuar operando na referida atividade.
Dadas estas hipóteses de dissolução total das sociedades empresárias, falaremos agora
da dissolução parcial, mencionada pelo autor. A respeito deste instituto, Fabio Ulhoa faz
menção ao princípio da preservação da empresa, que segundo o autor, tanto a doutrina como a
jurisprudência o está adotado visando proteger múltiplos interesses, a saber:
“O principio da preservação da empresa, esculpido na doutrina e na
jurisprudência principalmente a partir dos anos 1960, recomenda a
dissolução parcial da sociedade limitada, como forma de resolver conflitos
entre os sócios, sem comprometer o desenvolvimento da atividade
econômica nem sacrificar empregos, reduzir o abastecimento do mercado de
consumo ou prejudicar pessoas direta ou indiretamente beneficiadas com a
empresa.” (COELHO, 2008, p. 463).
Tal espécie de dissolução consiste na rescisão dos vínculos contrato social que unem
determinado sócio aos demais, com o decorrente desligamento deste da sociedade. Este tipo
de dissolução é regulado pelo Código Civil de 2002, cujas hipóteses estão previstas em seus
artigos 1028 a 1032, 1085 e 1086. Sua principal importância é evitar a dissolução total da
sociedade empresária, anteriormente determinada pelo juiz nas ações ajuizadas por apenas um
sócio contra a vontade dos outros. (COELHO, 2008, p.454-474).
23
2. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
2.1 - Origem histórica da teoria da desconsideração
A teoria da desconsideração surgiu em um momento da história em que começaram a
aparecer com certa freqüência, sócios que se acobertavam na autonomia patrimonial da pessoa
jurídica para a prática de atividades ilícitas, abusivas ou fraudulentas. Diante disso, com base
na construção da doutrina e da jurisprudência, nasce a teoria da disregar of a legal entity, ou
desrigard doctrine, ambas conhecidas no Brasil como teoria da desconsideração da
personalidade jurídica.
Muitos doutrinadores defendem que o surgimento de tal instituto se deu em 1809 no
caso Bank of United States vs. Deveaux, porém, tal teoria ganhou destaque no caso Salomon
vs. Salomon & Co. em 1897, conforme conta Amador Paes de Almeida (2009, p. 195):
“O comerciante Aaron Salomon havia constituído uma company, em
conjunto com outros seis componentes de sua família, e cedido o seu fundo
de comércio à sociedade assim formada, recebendo 20.000 ações
representativas de sua contribuição ao capital, enquanto para cada um dos
outros membros foi distribuída uma ação apenas; para a integralização do
valor aporte efetuado, Salomon recebeu ainda obrigações garantidas de dez
mil libras esterlinas. A Companhia logo em seguida começou a atrasar os
pagamentos, e um ano após, entrando em liquidação, verificou-se que seus
bens eram insuficientes para satisfazer as obrigações garantidas, sem que
nada sobrasse para os credores quirografários. O liquidante, no interesse
desses últimos credores sem garantia, sustentou que a atividade da company
era ainda a atividade pessoal de Salomon para limitar a própria
responsabilidade; em conseqüência Aaron Salomon devia ser condenado ao
pagamento dos débitos da company, visando o pagamento de seu crédito
após a satisfação dos demais credores quirografários. O magistrado que
conheceu do caso em primeira instância, secundado depois pela Corte de
Apelação, acolheu essa solicitação, julgando que a company era exatamente
apenas uma fiduciária de Salomon, ou melhor, um seu” agent” ou “truste”,
que permanecera na verdade o efetivo proprietário do fundo de comércio”.
Neste caso, ficou mais do que provado o controle de Aaron Salomon sobre a própria
personalidade jurídica da sociedade, justificando assim a desconsideração da personalidade
jurídica.
André Pagani de Souza (2009, p.32) fala sobre outro marco histórico desta teoria, que
foi a obra Forma e Realidade da Pessoa Jurídica do alemão Rolf Serick, defendida em tese
de doutorado na Universidade de Tübingen, na Alemanha, em 1953, e considerada como
pioneira sobre o assunto. Neste trabalho, o jurista procurou deixar evidentes os critérios que o
24
magistrado pode utilizar para ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, em relação
às pessoas que às compõem, estas que utilizam da personalidade jurídica para a realização de
fraudes ou abuso de direito.
Menciona ainda o autor, que Serick dividiu os casos em que a personalidade jurídica
pudesse ser desconsiderada em dois grupos, de um lado encontram-se os casos em que há o
abuso na utilização da personalidade para a prática de atos fraudulentos; e de outro,
encontram-se os casos em que a desconsideração é feita para aplicar a uma pessoa jurídica
uma lei quando o seu objetivo assim o exija, e ao final, faz menção a quatro princípios que
sintetizam o estudo da teoria. O primeiro diz respeito ao abuso na forma da constituição da
pessoa jurídica; o segundo diz respeito a autonomia das pessoas jurídicas em se tratando se
situações lícitas; o terceiro faz uma analogia dos atributos, da capacidade e dos valores
humanos que podem também ser aplicados às pessoas jurídicas, o quarto e último está ligado
a diferenciação ou identidade das pessoas jurídicas. (SOUZA, 2009, p.32-34).
Mais tarde, este entendimento tornou-se pacífico em todo o mundo. Fabio Ulhoa Coelho
ainda neste sentido, diz que: “A disregard é o instrumento hábil que possibilita ao credor o
direito de livrar-se da fraude e do abuso praticado, obscuramente, por aquele que gere a
pessoa jurídica mantendo-a, entretanto, íntegra, o que também ocorre com sua autonomia
patrimonial” (COELHO apud BRUSHI, 2009, p. 28-29).
2.2 – A desconsideração da personalidade jurídica no Brasil
No Brasil, a teoria foi trazida pelo jurista paranaense Rubens Requião, conforme
discorre André Pagani de Souza (2009, p.36-38), que em conferência proferida na Faculdade
de Direito da Universidade Federal do Paraná, intitulada “Abuso de direito e fraude através da
personalidade jurídica: disregard doctrine”, o jurista cita as obras de Rolf Serick e Piero
Verrucoli, (os pioneiros no mundo inteiro a tratarem sobre o assunto), e ainda defende a
aplicação da teoria no direito brasileiro. Com base nas palavras desses dois doutrinadores,
Requião afirma se nestas situações, o juiz deve fechar os olhos diante do fato de que a pessoa
jurídica é utilizada para fins contrários ao direito, ou se ele deve valer-se desta teoria para
equiparar o sócio à sociedade evitando manobras fraudulentas, e sustenta ainda que o
magistrado tem o livre arbítrio para apurar a fraude ou o abuso de direito, para desprezar a
25
personalidade jurídica para alcançar as pessoas que se escondem por traz da pessoa jurídica
para fins ilícitos ou abusivos4.
Na conclusão de seu estudo o Requião diz que mesmo com este livre arbítrio, o juiz
deve ter muita cautela para a aplicação da disregard doctrine, esta que deve ser aplicada
somente em casos excepcionais, a fim de preservar o instituto da pessoa jurídica.
Outro destaque histórico que o autor faz sobre o tema, é da obra do professor Fábio
Konder Comparato, intitulada O poder de controle na sociedade anônima, que trata em um
de seus capítulos sobre a personalidade jurídica e seu poder de controle. Para o professor
Comparato, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é feita como uma forma de
controle do poder societário, e divide ainda suas hipóteses de aplicação em dois grupos. O
primeiro diz respeito aos casos em que ocorre o abuso de poder ou a fraude à lei. No segundo,
estão os casos em que há a confusão patrimonial entre o controlador e o controlado, ou seja,
confundem-se o patrimônio do sócio com o da sociedade (SOUZA, 2009, p. 36-38).
2.3 – Natureza jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica se dá com a não aplicação do princípio da
autonomia patrimonial da pessoa jurídica em determinados casos como veremos mais adiante.
Gilberto Gomes Bruschi (2009, p.33-45) afirma que o que se busca com a aplicação da teoria
da desconsideração, é a ineficácia relativa, pois ela será aplicada somente em um determinado
caso, sendo assim ineficaz a personalidade jurídica para uma pessoa e eficaz para as demais.
Ao relacionar a desconsideração à ineficácia relativa dos atos jurídicos, o autor faz um
paralelo desta com a fraude à execução, prevista no artigo 593 do CPC e à fraude contra
credores, e diz que “a desconsideração está intimamente ligada à fraude à execução, pelo
menos no que diz respeito aos seus fins e à forma de sua aplicação”, pois em ambas as teorias,
busca-se a uma declaração de ineficácia de um ato jurídico relacionado a um determinado
fato, permanecendo válido para os demais.
4 Fabio Ulhoa Coelho (2008, p. 47-49), aponta um caso bastante comum de sociedades empresárias em que
também se verifica sua utilização como instrumento para a prática de fraudes ou abusos. São as “offshore
companies”, conhecidos por algumas pessoas como “paraísos fiscais”. Isto não significa que essas empresas
consistem em um indício de fraude, pois se trata de instrumento legítimo, com o objetivo de os empresários
proprietários delas valerem-se da diferença entre os regimes tributários com o intuito de aumentar a lucratividade
de seus negócios. Esta prática como visto é lícita, desde que preservada a legalidade dos atos praticados. Assim,
afirma ainda o autor quer as offshore companies “Não são necessariamente fraudulentas, mas podem servir como
todas as demais sociedades, de instrumento para fraudes ou abusos. Nesse caso, a exemplo das demais, podem
ter a sua autonomia patrimonial desconhecida.” (COELHO, 2008, p.49).
26
Desta forma, a natureza jurídica da desconsideração deve ser interpretada como uma
forma de recusa dos efeitos do ato jurídico societário, para um determinado caso em concreto,
mantendo-se válidos esses efeitos para os demais que não tiverem relação com o fato
ocorrido. (BRUSCHI 2009, p.33-45).
2.4 – Pressupostos de licitude
Para seja aplicada a desconsideração da personalidade jurídica, é necessário quer
estejam presentes alguns pressupostos. André Pagani de Souza (2009, p.45-47) diz que a
desconsideração da personalidade jurídica é aplicada quando a autonomia da pessoa jurídica
se apresenta como um obstáculo, impedindo que o sócio, acionista ou administrador
respondam pela ilicitude ou abuso de direito praticados. É claro que existem algumas
hipóteses em que não se faz necessária a aplicabilidade da disregard doctrine, casos estes em
que a própria autonomia patrimonial não impedirá a responsabilização destes, por seus atos
praticados, ou até mesmo nas hipóteses em que a lei prever a responsabilização direta dessas
pessoas, exemplo disso está contido nos artigos 1.010, §3º e 1.016 do Código Civil, a saber:
Art. 1.010, §3º. Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma
operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a
aprove graças ao seu nome.
Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a
sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas
funções.
Com esta explicação, o autor deixa claro que não deve ser aplicada a disregard doctrine
nos casos em que a autonomia patrimonial não impedir a imputação da responsabilidade a
alguém, e ainda afirma: “Como é possível perceber, a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica serve para alcançar atos com aparência de licitude praticados por meio
da pessoa jurídica e que só têm a sua ilicitude revelada se a autonomia da pessoa jurídica for
descartada.”
Ao final, o autor deixa claro que a disregard somente deve ser aplicada se verificada a
prática de abuso de direito ou fraude por parte dos integrantes da pessoa jurídica, vez em que
não será desconstituída sua personalidade jurídica, mas sim a declaração de ineficácia
momentânea, vez em que somente naquele caso específico a personalidade jurídica será
ignorada (SOUZA, 2009, P.45-47). Com isso, o autor segue as palavras de Fabio Ulhoa
Coelho sobre o assunto:
27
“Admite-se a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade
empresária para coibir atos aparentemente lícitos. A ilicitude somente se
configura quando o ato deixa de ser imputado à pessoa jurídica da sociedade
e passa a ser imputado à pessoa física responsável pela manipulação
fraudulenta ou abusiva do princípio da autonomia patrimonial.” (COELHO,
2008, p.44),
Não bastassem esses pressupostos previstos na norma infraconstitucional, para que a
desconsideração da personalidade jurídica em um caso concreto seja lícita, o magistrado deve
observar também alguns princípios constitucionais que produzem efeitos também sobre esse
assunto. Tais preceitos constitucionais consistem em que a aplicação da disregard doctrine
deve obedecer o devido processo legal (Due Process of Law), previsto no artigo 5º, LIV5 da
Carta Magna. Sobre este preceito constitucional, Vicente Greco Filho, Professor Titular da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em parecer exarado nos autos do
processo nº. 0037715-38.2007.8.26.00006, fala sobre o assunto:
“A garantia do due process of law é dupla. O processo, em primeiro lugar, é
indispensável à aplicação de qualquer pena, conforme a regra nulla poena
sine judicio, significando o devido processo como o processo necessário,
valendo, também, a regra para qualquer restrição de direitos pessoais ou
patrimoniais. Em segundo lugar o devido processo legal significa o
adequado processo, ou seja, o processo que assegure a igualdade das partes,
o contraditório e a ampla defesa. A regra é dirigida tanto ao processo penal,
quanto ao processo civil, especialmente no que concerne à perda de bens e
outras restrições.”
Findo esses esclarecimentos, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo relaciona este princípio ao do acesso à justiça previsto no artigo 5º, XXXV7, da
Constituição Federal através dos instrumentos processuais específicos previstos no Código de
Processo Civil, ou através das ações conhecidas como remédios constitucionais, como o
mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data, habeas corpus, ação popular e
ação civil pública.
5 Art. 5º, LIV. LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
6 TJSP, processo nº. 0037715-38.2007.8.26.0000: Mandado de Segurança interposto por Motorola Industrial
Ltda. contra Desembargador Relator da 17ª Câmara de Direito Privado, prolator do acórdão nos autos do agravo
de instrumento nº. que determinou a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa na qual a
impetrante é sócia, alegando abuso do Relator na aplicação da teoria da desconsideração. 7 Art. 5º, XXXV. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça à direito.
28
2.5 – Previsão legal
No direito brasileiro, a teoria da desconsideração segue dois caminhos diferentes na
legislação. De um lado, há previsão desta no artigo 50 do Código Civil de 2002, conhecida
como teoria maior, exige que estejam presentes alguns requisitos no caso em concreto para
que ela seja aplicada. De outro lado, temos a teoria menor prevista no artigo 28 do Código de
Defesa do Consumidor, teoria esta menos exigente onde basta a existência de um crédito e a
insolvência da sociedade empresária devedora, para que ela seja aplicada.
Fabio Ulhoa Coelho (2008, p. 36), faz menção às duas teorias, no sentido de que na
primeira, do Código Civil, procura-se caracterizar a manipulação fraudulenta ou abusiva da
pessoa jurídica para a afetação do patrimônio no sócio ou responsável por tais práticas, sendo
esta chamada de teoria maior. A outra, conhecida como teoria menor, diz o autor que trata-se
de teoria menos elaborada, pois refere à aplicação da desconsideração em toda e qualquer
hipótese em que ficar demonstrada a inexistência de bens sociais e a solvência de qualquer
sócio ou responsável, para atribuir a este a obrigação da pessoa jurídica.
2.5.1 – Teoria maior (art. 50 do Código Civil de 2002)
Esta forma de desconsideração prevista no art. 50 do Código Civil, a saber:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir
no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações
sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da
pessoa jurídica.
Este dispositivo legal tem seu enfoque no uso fraudulento ou abusivo da personalidade
jurídica por parte das pessoas físicas controladoras dela. Rolf Serick entende como “abuso da
forma qualquer ato que, por meio do instrumento da pessoa jurídica, vise frustrar a aplicação
da lei ou o cumprimento de obrigação contratual, ou, ainda, prejudicar terceiros de modo
fraudulento” (SERICK apud COELHO, 2008, p. 37). Assim, a configuração do abuso é
fundamental para que seja aplicada a disregard, onde somente em outras ocorrências como a
simples insatisfação do credor da sociedade, seria impossível.
29
2.5.2 – Teoria menor (art. 28 do Código de Defesa do Consumidor)
Esta forma de desconsideração, conforme explicitado acima é menos rigorosa do que a
outra quanto aos seus requisitos de aplicação. Fabio Ulhoa Coelho (2008 p.47) refere-se a tal
teoria como uma formulação menor da disregard doctrine e não no desconhecimento de seus
pressupostos. Para esta, basta que a sociedade devedora de um crédito titularizado não possua
patrimônio, e que seus sócios sejam solventes para que seja aplicada a teoria. Ela não se
preocupa em configurar a utilização fraudulenta ou abusiva do instituto da pessoa jurídica,
mais sim à simples eliminação do princípio da autonomia patrimonial.
O autor menciona que no Brasil, o primeiro o primeiro dispositivo legal a referir-se
sobre o tema, foi o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, a saber:
“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato
social. A desconsideração também será efetivada quanto houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.
§ 1º - (vetado).
§ 2º - As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades
controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes
deste Código.
§ 3º - As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste Código.
§ 4º - As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5º - Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.”
Tal dispositivo possui contrariedades com a elaboração doutrinária da teoria, pois este
artigo visa a aplicação da teoria da desconsideração em benefício dos consumidores, omitindo
a fraude, que como vimos é um dos principais pressupostos doutrinários para que ocorra a
desconsideração. Acerca do objetivo do texto de lei em, Fabio Ulhoa afirma que “a
dissonância entre o texto da lei e a doutrina nenhum proveito traz à tutela dos consumidores,
ao contrário, é fonte de incertezas e equívocos” (COELHO, 2008, p.50).
Conforme exposto no dispositivo legal acima, o caput traz alguns fundamentos da
desconsideração em favor do consumidor: o abuso de direito, que é correspondente com a
construção doutrinária da teoria; o excesso de poder, que consiste na responsabilização de
sócio pela prática de um ato ilícito próprio; e por fim a falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade, e má administração, são todos temas diversos do direito
30
societário, cuja responsabilização da sociedade, não exime o administrador desta a obrigação
de ressarcir a parte interessada pelos danos causados.
Além dos fundamentos mencionados, o referido dispositivo legal prevê também a
desconsideração no caso de qualquer prejuízo patrimonial que o autor venha a sofrer. A
doutrina majoritária entende que a interpretação desta parte do dispositivo legal não deve ser
feita de forma literal, pois ela contraria todos os fundamentos doutrinários acerca da teoria,
bem como os previstos no caput do referido dispositivo legal.
2.6 - Aplicabilidade da disregard nos demais ramos do direito
A desconsideração da personalidade jurídica não é aplicável somente nos casos regidos
pelo Código Civil ou pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme os fundamentos legais
da teoria já demonstrados. Há também previsão de aplicabilidade nos demais ramos do
direito, nos quais a desconsideração é aplicada com base em leis específicas ou a por
analogia no caso de falta de previsão legal específica.
Veremos brevemente acerca de cada uma das hipóteses, porém não de forma
aprofundada por não se tratar do tema específico deste trabalho, onde cada espécie merece
tratamento específico quanto ao seu conteúdo. Gilberto Gomes Bruschi (2009, p.82), na obra
Aspectos Processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica, relata de maneira
sucinta algumas hipóteses, nas quais veremos a seguir.
2.6.1 – No direito tributário
No direito tributário não há previsão legal específica para a desconsideração da
personalidade jurídica, porém na doutrina este tema é bastante discutido. O entendimento
majoritário diz que como o direito tributário segue estritamente o princípio da legalidade
previsto no artigo 5º, II8, e no artigo 150
9, ambos da Constituição Federal de 1988, e diante
desses dispositivos, os doutrinadores entendem que seria impossível a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica neste ramo do direito, com base em dispositivos
contidos em outros diplomas legais.
8 Art. 5º, II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”
9 Art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”
31
Mesmo diante entendimento acerca da impossibilidade da aplicação da desconsideração
da personalidade jurídica, os artigos 13410
e 13511
do CTN dispõem sobre a responsabilidade
solidária dos sócios e de terceiros que venham atuar em nome da sociedade. Expressamente, o
artigo 135, dispõe sobre a responsabilidade solidária como uma derivação da desconsideração
da personalidade jurídica, pois ambos possuem os mesmos requisitos de aplicação, gerando
esta última a solidariedade entre os sócios, configurada segundo o artigo 12412
do CTN, pelo
interesse comum na realização do fato jurídico tributário (BRUSCHI, 2009, p.62-64).
É este também o entendimento do judiciário paulista a respeito do assunto:
"Tributário - Execução fiscal – Sócio - Responsabilidade. Prescrição.
1. Enquanto a responsabilidade tributária do contribuinte decorre da gênese
da obrigação tributária, diretamente decorrente da ocorrência do fato
gerador, a dos "responsáveis" vem definida por outros atos que não se ligam
direta e imediatamente, àquele fato e podem em momento posterior.
2. Se a responsabilidade surge da "impossibilidade de exigência do
cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte" (art. 134) e atinge os
sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas (VII), e os diretores,
gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado quanto às
obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes
ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III), o direito de
ação só surge quando decretada a liquidação ou ocorrência dos referidos
atos, o que pode acontecer após os cinco anos contados da citação da pessoa
jurídica.
3. Se o fato, caracterizador da responsabilidade do sócio gerente, é
contemporâneo à gênese do fato gerador, merece prevalecer o entendimento
do Colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "o
redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco
anos da citação da pessoa jurídica.
4. Se a responsabilidade solidária ou pessoal dos sócios emerge de fato,
ocorrido após o ajuizamento do processo de execução e durante o seu
processamento (vg. Liquidação irregular sem reserva de bens, etc.), não se
10
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte,
respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I
- os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por
seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV -
o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela
massa falida ou pelo concordatário; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos
devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de
liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de
penalidades, às de caráter moratório.
11
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de
atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no
artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de
pessoas jurídicas de direito privado.
12
Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o
fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
32
pode considerar extinto o direito de ação antes de seu nascimento. Recurso
“provido”. (TJSP – 3ª Câmara de Direito Público - Apelação nº.
990.10.161490-1 – Relator Desembargador Laerte Sampaio, decisão de 22
de junho de 2010).
Assim, podemos concluir com base na afirmação de Bruschi, que não há que se falar
em desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, eis que existe previsão
legal no sentido de que a responsabilidade dos sócios, gerentes, administradores etc., é
solidária caso um deles venha a praticar algum dos atos enumerados no CTN.
2.6.2 – No direito do trabalho
Muitos autores compartilham o entendimento de que a Consolidação das Leis do
Trabalho contribuiu na introdução da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no
Brasil, onde em seu artigo 2º, § 2º13
, dispõe sobre a responsabilidade solidária entre empresas
do mesmo grupo para responder por obrigações decorrentes de relação de trabalho. Desta
forma, mesmo com personalidade jurídica própria, uma empresa responde solidariamente por
obrigações trabalhistas contraídas por outra do mesmo grupo. Isto ocorre porque nestes casos,
o empregador é o mesmo.
Nos casos dos grupos econômicos, Sérgio Pinto Martins se posiciona ao dispor que:
“mesmo que o grupo não tenha personalidade jurídica própria, não haverá sua
descaracterização para os efeitos do direito do trabalho, pois é possível se utilizar da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, ou levantar o véu que encobre a corporação”
(MARTINS apud BRUSCHI 2009, p.70). Neste sentido, o patrimônio de cada integrante
deste grupo será atingido para responder pelas obrigações trabalhistas contraídas por empresas
do seu grupo.
Sobre o dispositivo supracitado da CLT, o entendimento doutrinário é diverso acerca da
aplicabilidade da teoria da desconsideração. Tal dispositivo versa sobre a responsabilidade
solidária de outra empresa pertencente ao mesmo grupo, responsabilidade esta que não
decorre de ilicitude, mas mesmo assim, os doutrinadores entendem que por este dispositivo, a
aplicabilidade desta teoria existe de maneira muito abrangente, aplicando-se a execução
diretamente contra os sócios nos casos de abuso de direito ou fraude na aplicação da teoria da
13
Art. 2º, § 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica
própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial, ou
de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente
responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
33
desconsideração. O objetivo deste entendimento acerca da aplicabilidade da desconsideração
é a aplicação do caráter protecionista do Direito do Trabalho em relação ao empregado.
Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, em seu artigo 50 que trata
expressamente sobre o assunto, abriu-se a possibilidade de sua aplicação na esfera trabalhista,
já que o art. 2º da CLT segundo entendimento dos tribunais, tratava do assunto de maneira
muito abrangente; pois além de controlar a fraude ou o abuso de direito por parte dos
responsáveis pela pessoa jurídica, o dispositivo do Código Civil controla também a aplicação
abusiva e indiscriminada da teoria, Sérgio Pinto Martins entende desta forma, que o artigo 50
do Código Civil é perfeitamente aplicável na esfera trabalhista, pois para ele a CLT é omissa
sobre o assunto. (BRUSCHI, 2009, p.69-74).
2.6.3 - No direito ambiental
Neste ramo do direito também é possível a aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica nos casos de ressarcimento de danos causados pelas sociedades
empresárias, ao meio ambiente. Tal conduta está prevista na Lei nº. 9.605 de 1998, que dispõe
sobre as sanções penais e administrativas para condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente. O artigo 4º14
do referido diploma legal prevê a aplicação da disregard of legal
entity nos casos em que o instituto da personalidade jurídica servir de obstáculo para o
ressarcimento dos prejuízos causados ao meio ambiente (BRUSCHI, 2009, p.82).
O entendimento acerca deste dispositivo de lei vem sendo interpretado pelos tribunais
em consonância com a Súmula 435 do STJ, ao dispor que: “Presume-se dissolvida
irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação
aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-
gerente.”
2.6.4 – No direito econômico
O direito econômico é regulado pela Lei nº. 8.884 de 1994, conhecida como Lei
Antitruste15
, responsável por regular a atividade econômica e financeira do Estado prevenindo
14
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
15
Da língua inglesa, o termo "trust" designa o acordo entre empresas de forma que uma delas, geralmente a que
detenha uma posição central no processo de produção, detenha o poder de administração sobre as demais, como
34
e reprimindo as infrações que venham a surgir contra está, por intermédio do CADE
(Conselho Administrativo da Defesa Econômica), órgão com jurisdição em todo o território
nacional com responsável pelo controle e aplicação desta lei.
Sobre este ramo do direito, Gilberto Gomes Bruschi (2009, p.80) os relaciona à dois
princípios que devem estar sempre presentes: o da primazia da realidade e o interesse social, e
sobre estes afirma:
“A regra da primazia prevê que o direito econômico deve obedecer à
realidade econômica ao invés de distorcê-la. Já a regra do interesse social,
como o próprio nome indica, tem como fundamento a prioridade e a
preservação do interesse social, objetivando, através de juízos de valor,
sempre utilizar os princípios da justiça distributiva.” (BRUSCHI, 2009,
p.80).
O que se objetiva com esses primados é a livre concorrência, cuja concentração de
grandes empresas causa um efetivo abalo a ela, caracterizando assim o abuso do poder
econômico. A partir deste contexto, a desconsideração da personalidade jurídica no direito
econômico, foi considerado o instituto para coibir o abuso de poder por parte destas grandes
empresas, caracterizado pelo domínio dos mercados, eliminação da concorrência e aumento
arbitrário dos lucros.
O referido diploma legal que trata sobre a matéria, traz em seu artigo 1816
, previsão
semelhante à do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. A doutrina majoritária
entende que o mencionado dispositivo de lei em nada inovou o ordenamento jurídico
brasileiro, pois nada de novo fez a não ser reproduzir o que estava disposto no Código de
Defesa do Consumidor, com os mesmos desacertos no que se refere ao respeito ao princípio
da autonomia patrimonial da pessoa jurídica por se tratar de um ente com personalidade
própria, diferente da de seus sócios. (BRUSCHI, 009, p.80-82)
forma de promover a racionalização e a diminuição de custos e assim tornarem-se mais competitivas. Sob o
aspecto da cultura jurídica, denomina as formas que se assemelham a estes acordos e que passaram a ser
proibidas por força da lei norte-americana, tendo sido a primeira delas o "Sherman Act", de 1890, cujo verbete
foi adaptado pata o português, com idêntico sentido. Porém, "trust" também significa, em seu uso comum anglo-
saxão, "confiança", e mui propriamente, haveremos de demonstrar, nas linhas seguintes, porque a lei antitruste é,
antes de tudo, uma lei "anti-confiança". (PIRES, Klauber Cristofen. A Lei Antitruste e a AMBEV. Uma análise
sob a norma-da-razão. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2277, 25 set. 2009. Disponível em:
http://jus.com.br/revista/texto/13568. Acesso em: 11 de maio de 2011).
16
Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada
quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
35
2.6.5 – No direito falimentar
Como se sabe, os processos falimentares hoje são regidos pela Lei nº 11.101/2005, que
regula não somente a falência como também a recuperação judicial destas sociedades. A
questão da desconsideração da personalidade jurídica nestes processos ainda é bem discutida,
pois alguns doutrinadores que entendem ser possível a desconsideração nesses casos para que
seja determinada a arrecadação de bens dos sócios e administradores da sociedade falida em
substituição à ação de responsabilidade, por se tratar de medida com presteza imediata.
Por outro lado, a corrente majoritária entende que a aplicação da teoria da
desconsideração nos processos falimentares deve ocorrer somente em situações excepcionais,
porque pelo novo diploma, as questões de fraude podem ser solucionadas por meio da ação
revocatória, que, conforme dispões o artigo 130 e 132 da Lei 11.101/2005, pode ser ajuizada
logo após a decretação da quebra, até o prazo final de três anos.
2.6.6 – No direito civil
A aplicação da teoria no direito civil se dá nos exatos termos do que foi mencionado
anteriormente acerca da teoria maior da desconsideração, embasada no artigo 50 do Código
Civil onde, quando verificada a fraude ou o abuso de direito na utilização da personalidade
jurídica, que consiste no desvio de finalidade desta ou na confusão patrimonial desta com o de
seus sócios, aplica-se a disregard, que consiste no afastamento do instituto da personalidade
jurídica para que o patrimônio de seus sócios responda por aquele ato.
2.6.7 – No direito do consumidor
Na seara consumerista a aplicação desta teoria também já foi explicada anteriormente,
mas esta refere-se à teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, aplicando-se
nas relações de consumo o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. Conforme já
explicitado, este dispositivo é bastante discutido na doutrina no que diz respeito ao seu §5º,
que prevê a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica nos casos em que ela
estiver sendo um obstáculo para o ressarcimento de qualquer prejuízo ao consumidor.
Os doutrinadores entendem que este dispositivo afronta os princípios da teoria da
desconsideração, por não respeitar o princípio da autonomia patrimonial, aonde, em casos
36
concretos, magistrados vêm desconsiderando a personalidade jurídica das empresas sem
sequer verificar se o patrimônio desta é suficiente para sanar a dívida.
2.7 – Aspectos processuais sobre a desconsideração da personalidade jurídica
A aplicação deste instituto deve ser feito dentro de um processo judicial, por um
magistrado competente para julgar o caso, no qual verificará os pressupostos. Como esta
medida consiste na privação de bens de uma particular, ela deve respeitar o disposto no artigo
5º, LIV e LV da Constituição Federal, que prevêem o direito do contraditório e da ampla
defesa nos processos judiciais:
Art. 5º, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal
Art. 5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes;
O professor Fabio Ulhoa Coelho, (2008, p. 56-57), faz algumas considerações acerca
dos aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, de acordo com cada
uma das teorias que o magistrado seguir, seja pela teoria maior ou pela teoria menor. Em
ambas, independente de seus pressupostos específicos de aplicação, para o autor, elas devem
obedecer aos princípios constitucionais mencionados.
Na teoria maior, como esta visa apurar a fraude ou o abuso de poder por parte do sócio
ou administrador na utilização da pessoa jurídica, faz-se necessário que as pessoas que
venham a ser responsabilizadas por esta prática, integrem o pólo passivo da ação para que
possam ser responsabilizados por tal conduta. Se a fraude é constatada antes do ajuizamento
da ação, logo, a ação deve ser proposta contra os responsáveis pela fraude. Agora, se já
proposta a ação contra a sociedade, e obtida sua condenação em uma ação de conhecimento; e
na propositura da execução se verifica a sua utilização de maneira fraudulenta, para
responsabilizar os responsáveis por tal prática, deve ser proposta uma medida judicial contra
estes sócios ou administradores, obtendo então contra eles o título executivo. Ainda neste
sentido o autor discorre:
“A desconsideração não pode ser decidida pelo juiz por simples despacho
em processo de execução; é indispensável a dilação probatória através do
meio processual adequado.”(COELHO, 2008, p. 56).
37
Segundo o autor, os juízes que simplesmente aplicam a desconsideração da
personalidade jurídica, com a penhora de bens dos sócios ou administradores, transferindo a
discussão para os embargos de terceiro a serem propostos pela parte prejudicada, produzem
uma incorreta inversão do ônus probatório (COELHO, 2008, p. 56).
Já para os juízes que adotam a teoria menor da desconsideração, como os seus
requisitos de aplicação consiste simplesmente na insolvabilidade da pessoa jurídica, o autor
afirma que: “a discussão acerca dos seus aspectos processuais é, por evidente, mais simplista.
Por despacho no processo de execução, esses juízes determinam a penhora de bens de sócio
ou administrador, e consideram os eventuais embargos de terceiro o local apropriado para
apreciar a defesa deste.” (COELHO, 2008, p. 57). E em continuação a este pensamento,
complementa sua afirmação: “Como não participaram da lide durante o processo de
conhecimento e não podem rediscutir a matéria alcançada pela coisa julgada, acabam os
embargantes sendo responsabilizados sem o devido processo legal, em claro desrespeito aos
seus direitos subjetivos constitucionais.” (COELHO, 2008, p. 57).
Para o autor, independente da teoria aplicada, nas quais comportam pressupostos de
aplicação diferente, não altera em nada a discussão acerca dos aspectos processuais da teoria,
ou seja, será sempre necessário que participe do pólo passivo da ação aquele cuja
desconsideração se pretende.
38
3. A DESCONSIDERACÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
3.1 – Fundamentos da teoria
Conforme demonstrado, no decorrer de todo este trabalho a desconsideração da
personalidade jurídica é um instrumento utilizado como meio de coibir eventuais fraudes ou
abusos na utilização da pessoa jurídica como um ser autônomo para contrair direitos e
obrigações, assim, se verificadas essas práticas por parte dos sócios ou administradores, eles
responderão obrigações geradas com seus bens particulares.
Será tratado agora sobre uma forma de desconsideração que surgiu através de uma
construção doutrinária, cujo entendimento foi formado através dos pressupostos deste
primeiro instituto. Consiste na aplicação da teoria da desconsideração do modo inverso, ou
seja, nos casos em que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica será desconsiderada para
responsabilizá-la por obrigações de seu sócio. Para Fabio Ulhoa Coelho (2008, p. 46), a
fraude que esta espécie de desconsideração coíbe é o desvio de bens do devedor para a
sociedade empresária que ele detém o absoluto controle, desta forma, ele continuará
usufruindo desses bens, mas eles serão de propriedade da pessoa jurídica controlada.
Com este desvio dos bens, os credores estariam completamente impedidos de executá-
los, pois eles não seriam de propriedade dos devedores, por pertencerem a uma pessoa
completamente excluída do liame obrigacional. Assim, a única coisa que poderá ser
penhorada deste sócio por ora devedor, são suas quotas ou ações da sociedade na qual ele
controla, estas que são permitidas sua constrição judicial de acordo com nosso ordenamento
jurídico, desde que a sociedade não seja uma sociedade de pessoas, na qual as atribuições do
sócio são essenciais para o exercício da atividade empresária (Seção 1, item 1.5).
Afirma ainda o autor, que se a sociedade trata-se de uma fundação ou associação, e seu
sócio tiver o controle absoluto sobre seus órgãos administrativos, a prática de uma fraude com
o desvio de bens, pode se concretizar com maior intensidade. (COELHO, 2008, p. 46).
Apesar de a doutrina prever esta forma de aplicação da teoria da desconsideração, ela
não se aprofunda muito sobre o tema, este que teve a sua evolução na jurisprudência.
3.2 – Entendimento jurisprudencial
Na prática, os tribunais vêm consolidando o seu entendimento sobre o assunto, a partir
de sua previsão doutrinária. O Supremo Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº. 948.117
39
– MS17
, cuja relatoria foi da Ministra Nancy Andrighi, já pronunciou a respeito sobre esta
forma de desconsideração:
“De início, impende ressaltar que a desconsideração inversa da
personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia
patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na
desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente
coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica
por obrigações do sócio. Conquanto a conseqüência de sua aplicação seja
inversa, sua razão de ser é a mesma da desconsideração da personalidade
jurídica propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário
por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um instrumento
hábil para combater a prática de transferência de bens para a pessoa jurídica
sobre o qual o devedor detém o controle, evitando com isso a excussão de
seu patrimônio pessoal. A interpretação literal do art. 50 do CC/02, de que
esse preceito de lei somente serviria para atingir bens dos sócios em razão de
dívidas da sociedade e não o inverso, não deve prevalecer. Há de se realizar
uma exegese teleológica, finalística desse dispositivo, perquirindo os reais
objetivos vislumbrados pelo legislador. Assim procedendo, verifica-se que a
finalidade maior da disregard doctrine, contida no referido preceito legal, é
combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. A
utilização indevida da personalidade jurídica da empresa pode, outrossim,
compreender tanto a hipótese de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa
jurídica para fraudar terceiros, quanto no caso de ele esvaziar o seu
patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integralizar na pessoa
jurídica, ou seja, transferir seus bens ao ente societário, de modo a ocultá-los
de terceiros.”
E ainda complementa seu entendimento:
“Ademais, ainda que não se considere o teor do art. 50 do CC/02 sob a ótica
de uma interpretação teleológica, entendo que a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade inversa
encontra justificativa nos princípios éticos e jurídicos intrínsecos a própria
disregard doctrine, que vedam o abuso de direito e a fraude contra
credores.”
Note-se que a Ministra do Superior Tribunal de Justiça fala na interpretação teleológica
do artigo 50 do Código Civil como um dos fundamentos para a aplicação da desconsideração
inversa da personalidade jurídica. Esta forma de interpretação, segundo o Carlos
Maximiliano18
(2010, p. 124-128), consiste em um método de interpretação complexo, onde
através de vários elementos como: o histórico, o sistemático e o político além, da finalidade
da norma, pois através desta se descobre os meios empregados para esta finalidade, onde cada
17
STJ – Resp nº 948.117, Brasília, DF, 22 de junho de 2010. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=985791&sReg=200700452625&sData=2010
0803&formato=PDF - Acesso em: 13 de maio de 2011. 18
MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 19ª Ed, Forense, 2010.
40
meio serve para alcançar determinado objetivo. Ainda sobre esta forma de interpretação
afirma o autor:
“O Direito progride sem se alterarem os textos, desenvolve-se por meio da
interpretação, e do preenchimento das lacunas autorizado pelo artigo 3º da
Introdução do Código Civil Brasileiro, semelhante ao artigo 4º do Código
Francês. Aceitam os mestres da Hermenêutica, inclusive os próprios
tradicionalistas adiantados, tudo o que é possível encasar na letra do
dispositivo, sob o fundamento de que o legislador assim determinaria se lhe
ocorresse a hipótese hodierna, ou ele redigisse normas no momento atual;
fornecem espírito novo à lei velha; atribuem às expressões antigas um
sentido compatível com as idéias contemporâneas.” (MAXIMILIANO,
2010, p. 127).
Sobre a explicação do professor Maximiliano, podemos concluir que pelo entendimento
da Ministra do STJ, a finalidade da desconsideração da personalidade jurídica é coibir a
fraude; e a sua aplicação do modo inverso, um dos meios utilizados para alcançar sua
finalidade. Além da interpretação teleológica, a Ministra fundamenta sua aplicação também
nos mesmos pressupostos da desconsideração propriamente dita, que diz respeito ao abuso de
direito ou à fraude.
3.3 – Hipóteses de aplicação
A doutrina que trata sobre o assunto, enumera como três as hipóteses de aplicabilidade
da desconsideração do modo inverso. A primeira é a mais simples de todas, onde o sócio,
objetivando fraudar seus credores, transfere para a pessoa jurídica na qual detém o controle
todo o seu patrimônio particular.
A segunda espécie de desconsideração inversa refere-se aos casos de direito de família.
Gilberto Gomes Bruschi (2009, p. 132) considera-a como: “A finalidade mais visível e
premente da utilização da desconsideração inversa ou invertida...”. Esta forma é possível em
duas hipóteses: a primeira consiste nos casos de dissolução de sociedade conjugal, onde um
dos cônjuges tenta fraudar o outro quando durante a sociedade conjugal transfere para
sociedade empresária de seu controle, todo o seu patrimônio particular, permanecendo com a
posse sobre tais bens. A outra hipótese consiste nos casos em que a personalidade jurídica é
utilizada para fraudar o pagamento de pensão alimentícia, onde o devedor utiliza-se da
sociedade empresária na qual detém o controle, para omitir seu patrimônio particular,
fraudando o credor de alimentos. Nesta modalidade, Bruschi (2009, p. 134), diz que:
41
“Casos há em que devedores de alimentos, insensíveis e irresponsáveis,
valem-se de pessoas jurídicas de que participam como sócios para engendrar
esquemas mirabolantes com o intuito obstinado e inequívoco de burlar o
credor de alimentos, impedindo ou dificultando que este consiga obter
informações concretas sobre os rendimentos e proventos efetivamente
recebidos, bem como seu patrimônio pessoal, até mesmo quando se tratar do
bem de família de que trata a Lei nº 8.009, de 1990”.
Por fim, a última hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica, ocorre
no direito sucessório, onde o herdeiro legítimo utiliza-se desta teoria para reclamar sua parte
da herança que fora doada às ocultas por intermédio de uma pessoa jurídica. Acerca da
proteção da legítima, Rolf Madaleno afirma que:
“quanto a legítima de algum herdeiro necessário é violada por disposição
testamentária, ou mesmo por doações realizadas em vida, o herdeiro atingido
pode obter o complemento daquilo que falta da sua legítima, através da ação
sucessória de redução das doações inoficiosas, feitas quer a outros herdeiros,
quer em benefício de terceiros, aí incluídas aquelas hipóteses freqüentes de
doações encobertas pela forma societária, em fraude à legítima. Reputa a lei
como inoficiosa aquela doação cujo valor exceda a parte que o doador podia
dispor, sendo reduzido, sendo reduzido todo o excesso da porção
disponível.” (MADALENO apud BRUSCHI, 2009, p.138).
Assim sendo, o herdeiro necessário tem todo o direito de reclamar o quinhão da herança
que lhe pertence, mesmo que haja doações às ocultas sob a aparência de contrato de
constituição de sociedade comercial. Neste sentido, o autor citado afirma em complemento
que:
“quando a realidade fática prova que a pessoa jurídica encontra-se
vulnerável pela invocação ao primado da separação da personalidade e
distinção de patrimônios, violando estreitos princípios de ordem pública da
legítima e agredindo às próprias bases do direito comercial, é que insta
então, atentar para a inafastável teoria da disregard, também conhecida
como desestimação oi despersonalização da pessoa jurídica. (MADALENO
apud BRUSCHI, 2009, p.139).
Desta forma, verifica-se que neste caso a desconsideração inversa deve ser aplicada para
a proteção da parte legítima da herança do herdeiro hereditário na sucessão.
42
4. ESTUDO DE CASO – JULGADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Esta seção será dedicada ao estudo de um julgado do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, que vem colaborar com a explanação de motivos acima mencionados, no que se
refere ä desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Trata-se de acórdão proferido pela 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, nos autos do agravo de instrumento nº 1.198.103-0/019
, interposto
contra decisão proferida em ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença, que
indeferiu o pedido de desconsideração inversa para determinar que o patrimônio das
sociedades indicadas respondesse pela dívida do executado, sócio dessas empresas.
Nas razões do agravo, sustenta o agravante ser possível a aplicação desta forma de
desconsideração da personalidade jurídica indeferida pelo juízo a quo, pois o devedor é sócio-
controlador e “dono absoluto” das empresas Caoa do Brasil Ltda. e Caoa Montadora de
Veículos S.A., nas quais exerce o controle total delas. Fundamenta em seu pedido na
existência de fraude, requisito contido no artigo 50 do Código Civil, diante da inexistência de
bens particulares do executado passíveis de penhora. Ressalta em seu apelo a possibilidade do
dono de uma das maiores revendedoras de veículo da América Latina não ter sequer um
automóvel em seu nome.
O pedido de liminar foi deferido pelo Relator, ordenando a penhora on-line das contas
bancárias ou aplicações financeiras em nome das sociedades Hyunday Caoa do Brasil Ltda. e
Caoa Montadora de Veículos S.A.
Nas suas contrarrazões o agravado sustenta que aplicação desta medida deve ocorrer
somente em casos excepcionais em que comprovado o desvio e transferência de bens
particulares do sócio à sociedade empresária, continuando a usufruir desses bens transferidos.
Alega que no caso em referência, não foi regularmente intimado para o pagamento da dívida,
negando ainda ter cometido qualquer fraude ou ilícito; prova não estar insolvente, pois
ofereceu bem à penhora de valor mais alto do que a quantia executada. Requer por fim seja
julgado prejudicado o recurso.
19
TJSP. Agravo de Instrumento nº. 1.198.103-0/0. Agravante: Manuel Alceu Affonso Ferreira Advogados.
Agravado: Carlos Alberto de Oliveira Andrade. Partes Interessadas: Hyundai Caoa do Brasil Ltda. e Caoa
Montadora de Veículos S/A. Relator: Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças. Data do Julgamento:
26/11/1989. Ementa: Cumprimento de sentença condenatória. Deferimento de penhora "on-line" de numerário
existente em contas bancárias/aplicações do devedor. Frustração da penhora em face da informação da
inexistência de saldo nas contas bancárias. Devedor é sócio controlador de sociedades empresárias e considerado
o maior revendedor de veículos da América Latina.
43
Ambas as sociedades empresárias apresentaram contraminuta alegando ter a decisão que
determinou a desconsideração inversa da personalidade jurídica afrontada o artigo 50 do
Código Civil, por não constar nos autos prova do abuso da personalidade jurídica, com o fim
de lesar terceiro, nem infração de lei ou ao contrato, pressupostos legais exigidos para o
deferimento do pleito da agravante. Reforçam também que a desconsideração inversa somente
pode ser aplicada em situações extremas, em demandas na área trabalhista, consumerista ou
de direito de família, e se fosse este o caso de desconsideração inversa, o agravado não
compõe o quadro societário da presente sociedade. Por fim, alega que para a desconsideração
da personalidade jurídica é necessária a propositura de ação autônoma porque a questão
demanda ampla dilação probatória.
4.1 – Argumentos trazidos pelo relator acerca da matéria
Após as alegações trazidas, foram julgadas prejudicadas as questões argüidas em sede
de preliminar, inclusive no que diz respeito à admissibilidade da discussão acerca da
desconsideração da personalidade jurídica incidentalmente em processo de execução, sobre a
égide de que este procedimento não obsta o direito de defesa. Resolvidas estas questões, o
relator passa a examinar o mérito do recurso, no que diz respeito à desconsideração inversa.
O relator faz algumas considerações sobre o tema da desconsideração propriamente dita
nos mesmos termos tratados neste trabalho, desde a sua origem, evolução histórica, sua
chegada ao Brasil, até chagar no acatamento pelos tribunais atualmente.
Acerca da desconsideração inversa, o relator menciona alguns doutrinadores que
mencionam sobre o tema, dentre eles o Professor Fábio Konder Comparato, destacando-a
como aplicável nos casos em que for verificada a confusão patrimonial entre sócio majoritário
e companhia.
4.2 – Fatos caracterizadores da fraude
Conforme mencionado, no referido caso a agravante diante das várias diligências para o
bloqueio virtual do agravado visando o pagamento do valor executado em ação de cobrança
em fase de cumprimento de sentença, tentativas estas que restaram infrutíferas, requereu então
fosse determinada a desconsideração inversa da personalidade jurídica, diante das evidências
de que o se trata o agravado de empresário reconhecido pela mídia como milionário, que
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aplica centenas de milhões de dólares em sua fábrica de veículos da marca Hyundai,
cognominado ainda pela imprensa como o “Henry Ford” brasileiro.
Outra forte evidência para corroborar com a tese da agravante acerca da verificação da
fraude consiste no fato de que recentemente o agravante se retirou da sociedade, na qual
detinha 99% das quotas, permanecendo somente sua mulher com os 1% restantes, sociedade
esta que foi sucedida pela Caoa Family Participações S.A., com sede no mesmo endereço que
o anterior, distanciado por apenas um andar. A outra empresa de propriedade do agravado,
situada no Estado de Goiás, encontra-se na mesma situação, por não haver sócios cadastrados,
porém possui escritório em São Paulo no mesmo endereço da sociedade anterior.
Menciona ainda o relator que o fato de se utilizar o agravado do nome CAOA, que
consiste nas iniciais de seu nome, em todos os seus empreendimentos empresariais, é fato
público notório, pois muitos são os carros da marca Hyundai que circulam nas ruas com o
referido nome em sua carroceria. Diante disso, não há como se consignar sua retirada da
sociedade Hyundai Caoa do Brasil Ltda. sendo sucedido pelo grupo Caoa Family
Participações S.A., pois a empresa sucessora também possui as siglas de seu nome, e mesmo
com a retirada, permanece este como Diretor-Presidente do Grupo.
Com referência à Caoa Montadora de Veículos S.A. aconteceu algo semelhante, onde o
agravado assina por ele e pela nova empresa controladora também, conforme consta no
instrumento de mandato juntado aos referidos autos, outorgados pela referida companhia
controladora, cuja assinatura é do agravado.
Diante desses esclarecimentos, caracteriza-se a fraude com as evidências de que o
agravado se escusa do fato de que é sócio controlador das mencionadas sociedades, com a
transferência das quotas sociais que lhe pertence para um grupo econômico fictício,
objetivando evitar que estas sejam responsabilizadas por suas obrigações particulares.
4.3 - Fato caracterizador da confusão patrimonial
Em sua defesa, o recorrido alega que não é insolvente, razão esta que faz primeiramente
serem executados seus bens particulares antes de aplicada a desconsideração da personalidade
jurídica. Juntou para tanto, declaração de ajuste anual de imposto de renda. O magistrado, por
sua vez, requisitou ao 4º Cartório de Registro de Imóveis da Capital, cópia da matrícula de um
apartamento em nome do agravado, localizado na referida declaração.
Ao receber a matrícula, verificou-se que este imóvel tem o valor de R$ 2.534.054,65,
valor este suficiente para saldar o débito discutido, porém já constava na matrícula deste
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imóvel, o registro de uma hipoteca que o grava, constituída por instrumento público em favor
do Banco Ford e Ford Comércio e Serviços Ltda., para a garantia de débitos de diversas
sociedades empresárias de propriedade do agravado, onde ambas tem sede no mesmo
endereço das sociedades empresárias demandadas nesta ação.
Desta forma, o fato deste apartamento de propriedade do recorrido estar garantindo
dívidas de sociedades de propriedade deste, evidencia a confusão patrimonial entre o
patrimônio particular do agravado e o das sociedades por ele controladas.
4.4 – Conclusões gerais do recurso
Diante de todos os fatos trazidos à lide e comprovados documentalmente, o Relator
decidiu pela ratificação da antecipação de tutela recursal, com a aplicação da teoria da
desconsideração inversa da personalidade jurídica para responsabilizar as sociedades
indicadas pelo valor do débito discutido. Tal voto foi acompanhado revisor e terceiro juiz,
pois segundo eles, no caso em referência estão presentes os requisitos do artigo 50 do Código
Civil, bem como todos os pressupostos que a doutrina e a jurisprudência entendem
necessários para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no que
tange ao seu modo inverso.
Nota-se que a 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo aplica a teoria da desconsideração inversa, nos termos tratados neste trabalho no que se
refere à teoria, onde o magistrado verificou a fraude no momento em que o sócio/controlador
das empresas indicadas, ora agravado, transferia para um grupo fictício, cujo nome leva as
iniciais do nome do agravado, as quotas da sociedade que lhe pertence, permanecendo como
diretor do grupo. Tal manobra ficou caracterizada como fraudulenta perante o judiciário
paulista.
Varias outras manobras foram utilizadas pelo executado para fraudar a execução, como
a indicação à penhora de bem localizado em comarca longínqua, que não se faz necessária a
sua aceitação pelo executado, nos termos do artigo 612 do Código de Processo Civil; bem
como a vasta confusão patrimonial existente nos autos entre o sócio/controlador e o das
sociedades empresaras de sua propriedade.
Assim, verificados os requisitos e pressupostos da teoria, a desconsideração inversa foi
aplicada para coibir a fraude e o abuso de direito praticados pelo executado em nome próprio,
protegendo seu patrimônio particular por traz das pessoas jurídicas que controla logo estas
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foram atingias pelo instituto da disregard para responder por essas obrigações de seu
sócio/controlador.
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CONCLUSÃO
A realização desta pesquisa demonstrou com clareza, mesmo com pouca quantidade de
trabalhos realizados sobre o assunto, a possibilidade de aplicação da desconsideração inversa
da personalidade jurídica com base nos preceitos da desconsideração propriamente dita,
quando verificada a fraude ou abuso por parte do sócio-controlador de uma sociedade
empresária, que transfere seu patrimônio particular à sociedade para evitar que este
patrimônio responda pela dívida que gerou.
Os resultados alcançados por esta pesquisa buscaram a contribuição de forma modesta
sobre seu assunto, que é de extrema importância para o direito privado, deixando em aberto o
tema para outras pesquisas objetivando aprimorar esta forma de desconsideração,
especialmente acerca da necessidade de previsão legal específica sobre o assunto.
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REFERÊNCIAS
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BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento nº. 1.198.103-0/0.
Agravante: Manuel Alceu Affonso Ferreira Advogados. Agravado: Carlos Alberto de Oliveira
Andrade. Partes Interessadas: Hyundai Caoa do Brasil Ltda. e Caoa Montadora de Veículos
S/A. Relator: Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças. Data do Julgamento:
26/11/1989.
COELHO, Fabio, Curso de Direito Comercial, Vol. 2, 11ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2008;
FAZZIO JR., Waldo, Manuel de Direito Comercial, 7ª Ed, Atlas, 2006;
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PIRES, Klauber Cristofen. A Lei Antitruste e a AMBEV. Uma análise sob a norma-da-
razão. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2277, 25 set. 2009. Disponível em:
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VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil I, 3ª Ed, São Paulo, Atlas, 2003;
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