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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
MESTRADO PROFISSIONAL EM ODONTOLOGIA
KARLA DANIELLA MALTA FERREIRA
INDICADORES DE PROGNÓSTICO E ANÁLISE DE SOBREVIDA DO
CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS DE CABEÇA E PESCOÇO
RIO DE JANEIRO
2019
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KARLA DANIELLA MALTA FERREIRA
INDICADORES DE PROGNÓSTICO E ANÁLISE DE SOBREVIDA DO
CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS DE CABEÇA E PESCOÇO
Disser tação ap resen tada pa ra o Programa de Pós-graduação - Stricto Sensu - Mestrado Profissional em Odontologia - Universidade Veiga de Almeida, como parte dos requisitos para obtenção do tí tulo de Mestre em Odontologia. Área de concentração: Reabilitação Oral.
ORIENTADORA: PROFa DRa PATRICIA NIVOLONI TANNURE
RIO DE JANEIRO
2019
KARLA DANIELLA MALTA FERREIRA
INDICADORES DE PROGNÓSTICO E ANÁLISE DE SOBREVIDA DO CARCINOMA
DE CÉLULAS ESCAMOSAS DE CABEÇA E PESCOÇO
Dissertação apresentada para o Programa de Pós-graduação - Stricto Sensu - Mestrado Profissional em Odontologia - Universidade Veiga de Almeida, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Odontologia. Área de concentração: Reabilitação Oral.
APROVADA EM
02 de Dezembro de 2019
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Profa Dra Patricia Nivoloni Tannure
Universidade Veiga de Almeida
_______________________________________________
Prof Dr Dennis de Carvalho Ferreira
Universidade Veiga de Almeida
_______________________________________________
Prof Dr Anderson Barros Archanjo
Universidade Federal do Espírito Santo
Dedico este trabalho aos meus pais
Marcelo e Lea, e aos meus irmãos Patty
e Matheus, incentivadores do meu
crescimento.
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus por me dar muito mais do que eu preciso e por criar meios
de realizar meus sonhos mesmo antes de sonhá-los.
Aos meus pais, Marcelo e Lea, pelo exemplo de vida.
Aos meus irmãos, Patty e Matheus, pelo companheirismo.
À minha avó Alcina (in memorian), que no meio dessa minha jornada partiu
deixando saudades e lembranças, as quais sempre carregarei no coração.
Ao Thiago, por todo amor, carinho e incentivo. Obrigada por tornar, junto com
o Fred, meus dias mais felizes. Amo vocês!
À minha orientadora, Profa Dra Patricia Nivoloni Tannure, por sua orientação
desde a realização do Projeto de Pesquisa até a concretização desta dissertação.
Por toda ajuda durante curso, confiança e disponibilidade.
Ao Amigo Valério por ser a prova real que família não é feita somente de laços
de sangue.
Aos professores do Mestrado Profissional em Odontologia da Universidade
Veiga de Almeida pelos conhecimentos transmitidos.
Aos amigos, especialmente meus amigos do mestrado, por participarem
ativamente desta caminhada, pela amizade sincera e pelos momentos de alegrias e
frustrações compartilhados.
À Prof Dra Adriana Madeira, Prof Dr Anderson Archanjo e Profa Mayara
Oliveira pela ajuda, disponibilidade e pelo carinho com o qual sempre fui recebida.
Ao Prof Dr Dennis Ferreira pelo aceite em participar da banca de defesa e por
todas as contribuições e comentários enriquecedores.
À toda equipe do Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim que com
tanto carinho e competência prestam assistência aos pacientes oncológicos.
Aos pacientes, os meus mais sinceros agradecimentos e respeito, sem os
quais seria impossível a conclusão desta etapa.
“[…]confrontada com a necessidade de avaliar as condições de vida dos pacientes
que tinham sua sobrevida aumentada devido tratamentos realizados, já que muitas
vezes, nas busca de acrescentar 'anos à vida', era deixado de lado a necessidade
de acrescentar 'vida aos anos’.”
Fleck MPA e colaboradores, 1999
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 (CAPÍTULO 1) - Curvas de Sobrevida Global segundo tamanho tumoral
(a), linfonodo acometido (b), presença de metástase (c), estadiamento clínico (d),
quimioterapia paliativa (e), ocorrência de metástase durante seguimento (f)……… 29
FIGURA 1 (CAPÍTULO 2) - Curvas de Sobrevida Global (a), de Sobrevida segundo
uso de QT Paliativa (b), de Sobrevida Livre da Doença (c) e de Sobrevida Livre da
Doença segundo QT Paliativa (d)……………………………………………………..… 42
FIGURA 2 (CAPÍTULO 2) - Curvas de Sobrevida dos pacientes submetidos a QT
Paliativa (a) e de Sobrevida segundo os diferentes esquemas quimioterápicos (b). 43
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 (CAPÍTULO 1) - Distribuição dos pacientes e dos óbitos pela doença em
05 anos, segundo as variáveis sociodemográficas…………………………..……….. 20
TABELA 2 (CAPÍTULO 1) - Distribuição dos pacientes e dos óbitos pela doença em
05 anos, segundo as características clínicas e modalidades terapêuticas..……….. 23
TABELA 3 (CAPÍTULO 1) Funções de sobrevida não ajustada dos pacientes
segundo características clinicopatológicas e modalidades terapêuticas …..…….… 25
TABELA 4 (CAPÍTULO 1) Razão de risco (HR) das variáveis selecionadas para o
modelo multivariado………………………………………………………………………. 31
TABELA 1 (CAPÍTULO 2) - Fatores preditivos para QT paliativa, sobrevida em 02
anos (%) e fatores de prognóstico………………..…………………………………..… 39
TABELA 2 (CAPÍTULO 2) - Razão de chance (OR) dos fatores preditivos
selecionados para a regressão logística binária………………………………….…… 41
TABELA 3 (CAPÍTULO 2) Pacientes sobreviventes após 02 anos de QT paliativa.. 44
TABELA 4 (CAPÍTULO 2) Razão de chance (HR) dos fatores de prognóstico
selecionados para o modelo multivariado de Cox………………………….…………. 45
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
5-FU - 5-Fluorouracil
CCP - Câncer de Cabeça e Pescoço
CCE - Carcinoma de Células Escamosas
CDDP - Cisplatina
CID - Código Internacional de Doenças
DP - Desvio Padrão
EBV - Vírus de Epstein Barr
EGRF - Receptor de fator de crescimento epidérmico
HPV - Papiloma Vírus Humano
HR - Razão de Risco
IARC - International Agency for Research on Cancer
IC - Intervalo de Confiança
ICC - Índice de Comorbidade de Charlson
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
M - Masculino
NI - Não informado
OR - Razão de Chance
PIB - Produto Interno Bruto
RT - Radioterapia
QT - Quimioterapia
SPSS - Statistical Package for the Social Sciences
SUS - Sistema Único de Saúde
LISTA DE SÍMBOLOS
≤ Menor ou igual
≥ Maior ou igual
% Porcentagem
x2 Qui-Quadrado
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO …………………………………………………………………….…… 12
2 CAPÍTULOS ……………………………………………………………………………. 14 2.1 CAPÍTULO 1 - "Sobrevida em Cinco Anos e Fatores de Prognóstico
em Pacientes com Carcinoma de Células Escamosas de Cabeça e Pescoço no
Espírito Santo, Brasil” …………………………………………………………………. 15
RESUMO ……………………………………………………………..…… 15
INTRODUÇÃO……………………………………………….………….… 16 MATERIAIS E MÉTODOS……………………………….………………. 18
RESULTADOS E DISCUSSÃO ..……………………………….………. 19
CONCLUSÃO……………….…………………………………………….. 31
REFERÊNCIAS…………………………………………..……………….. 31
2.2 CAPÍTULO 2 - “Sobrevida, Fatores Preditivos e de Prognóstico de Pacientes com Câncer do Cavidade Oral, Orofaringe e Laringe sob
Quimioterapia Paliativa” …..…….…………………………………………………….. 34
RESUMO……………………………………………………………….….. 34
INTRODUÇÃO …………………………………………………….……… 36
PACIENTES E MÉTODOS………………………………………………. 37 RESULTADOS E DISCUSSÃO ……..……………………………….…. 38
CONCLUSÃO……………………………………………………..………. 46
REFERÊNCIAS………………………………………………………..….. 47
REFERÊNCIAS ………………………………………………………………..…………. 49
ANEXOS…………………………………………………………………………………… 51 ANEXO 1 Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa ..………………… 51
12
1 INTRODUÇÃO
O câncer de cabeça e pescoço (CCP) encontra-se como o sexto tumor mais
incidente no mundo e ocupa esta mesma posição em relação ao índice de
mortalidade (IARC, 2018), sendo a maioria dos casos observada nos países em
desenvolvimento (BRAY et al., 2018). No Brasil, estima-se 22.370 novos casos de
CCP no biênio 2018-2019 (INCA, 2019). Histologicamente, 90% dos CCP
caracterizam-se como carcinoma de células escamosas (CCE).
No Brasil, 26,5% de todos os tumores são causados por fatores de risco
inerentes ao estilo de vida (REZENDE et al., 2019). Toda superfície epitelial do trato
aerodigestivo superior tem um risco aumentado para o desenvolvimento de lesões
malignas e pré-malignas devido múltiplas anormalidades genéticas em todo tecido
exposto a carcinógenos (RAMAN E GAYATHRI, 2019). Fatores de risco
modificáveis, relacionados à exposição, ao meio ambiente e aos modos de vida,
serão responsáveis em 2020 por 95,31% dos tumores de cavidade oral; 89,24% de
nasofaringe; 80,28% de laringe e 14,4% de orofaringe no homens. As maiores
frações atribuíveis são estimadas para tabagismo, alcoolismo, baixo consumo de
frutas e vegetais e infecções (HPV e EBV) (AZEVEDO et al., 2016).
O diagnóstico do CCP geralmente ocorre em estágios avançados da doença,
comumente envolvendo linfonodos regionais. Contudo, é incomum, metástase à
distância na apresentação inicial (ARGIRIS et al., 2008). Tumores locorregionais, na
maioria das vezes, podem ser removidos cirurgicamente. Porém tumores em
estágios mais avançados apresentam pior prognóstico e necessitam de um
tratamento multimodal com cirurgia, radioterapia e quimioterapia (QT) (PEITZSCH et
al., 2019).
A maioria das mortes por este tipo de câncer ocorre em 02 anos e a sobrevida
de 05 anos virtualmente pode ser considerada equivalente à cura, variando de 05 a
80% de acordo com o estágio da doença. O diagnóstico precoce tem um papel
fundamental no prognóstico e os pacientes diagnosticados em estágios mais tardios
apresentam maiores taxas de mortalidade (BOBDEY et al., 2018).
Os fatores de prognóstico para o CCE de cabeça e pescoço baseiam-se nos
estágios T e N, sítio primário, diferenciação tumoral, margens livres nas peças
cirúrgicas e HPV (ARGIRIS et al., 2008).
13
Em torno de 50% dos pacientes com CCE localmente avançado desenvolvem
metástases locorregionais ou a distância nos primeiros 02 anos após o tratamento
oncoterapêutico primário. A QT paliativa é a opção consagrada para recidiva ou
metástases, com o objetivo de amenizar os sintomas, controlar a doença e estender
sobrevida (ARGIRIS et al., 2008). Sabe-se que o tratamento de doenças recorrentes
tem um pior resultado do que no cenário primário (BOSSI et al., 2019). Além da alta
taxa de mortalidade, a morbidade da QT paliativa frequentemente leva a uma
qualidade de vida muito ruim para esses pacientes (BORSETTO et al., 2019).
Os riscos da recidiva são influenciados pelo tamanho tumoral, linfonodos
comprometidos, grau de diferenciação histológica, idade, tabagismo, etilismo e
margens cirúrgicas comprometidas (BORSETTO et al., 2019). Para pacientes
submetidos a quimioterapia paliativa, os fatores prognósticos consistem na
performance, perda de peso, tempo da recidiva, tratamento inicial, diferenciação e
sítio do tumor primário (ARGIRIS et al., 2008).
A ocorrência de um evento bem definido, como a morte de um paciente, é
frequentemente o desfecho primário nas análises de sobrevida (SCHOBER e
VETTER, 2018). Assim, os dados sobre sobrevida, fatores preditivos e de
prognóstico do CCE de cabeça e pescoço, podem ser utilizados para o
planejamento e discussão dos melhores métodos de rastreamento e propostas
terapêuticas mais viáveis. Desta forma, o presente estudo teve como objetivo
identificar os fatores prognósticos e avaliar a sobrevida em 05 anos de pacientes
diagnosticados com CCE de cabeça e pescoço, além de mensurar a sobrevida após
02 anos, identificar os fatores preditivos e prognósticos daqueles que foram
submetidos a quimioterapia paliativa em uma população atendida em um hospital de
referência no sul do Estado do Espírito Santo, Brasil.
14
2 CAPÍTULOS
Esta dissertação está baseada na norma vigente da Universidade Veiga de
Almeida (https://www.uva.br/content/mestrado-profissional-em-odontologia) que
regulamenta o formato alternativo para dissertação de mestrado e permite a
inserção de artigos científicos de autoria do candidato.
Dessa forma, esta dissertação é composta por dois artigos científicos
intitulados conforme descrição a seguir:
• “Sobrevida em Cinco Anos e Fatores de Prognóstico em Pacientes com Carcinoma de Células Escamosas de Cabeça e Pescoço no Espírito Santo,
Brasil" a ser submetido ao periódico “Caderno de Saúde Pública”.
• “Sobrevida, Fatores Preditivos e de Prognóstico de Pacientes com
Câncer do Cavidade Oral, Orofaringe e Laringe sob Quimioterapia Paliativa”
a ser submetido ao periódico “Oral Oncology”.
15
2.1 CAPÍTULO 1
Caderno de Saúde Pública
SOBREVIDA EM CINCO ANOS E FATORES DE PROGNÓSTICO EM PACIENTES
COM CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS DE CABEÇA E PESCOÇO NO
ESPÍRITO SANTO, BRASIL.
SOBREVIDA E FATORES DE PROGNÓSTICO DO CÂNCER DE CABEÇA E
PESCOÇO
Karla Daniella Malta Ferreira1, 2
Anderson Barros Archanjo3
Mayara Mota de Oliveira3
Adriana Madeira Alvares da Silva3
Patrícia Nivoloni Tannure1
1 Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, Brasil
2 Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, Brasil 3 Universidade Federal do Espírito Santo, Alegre, Brasil
Correspondência
Karla Daniella Malta Ferreira
Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Manoel Braga Machado, 02. Ferroviários
Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, Brasil
CEP 29308-065
Telefone (28)981031717
karlamaltaferreira@gmail.com
RESUMO
O objetivo desta coorte foi identificar os fatores de prognóstico e avaliar a sobrevida
em cinco anos de pacientes diagnosticados com carcinoma de células escamosas
16
de cabeça e pescoço e assistidos em um hospital de referência no sul do Estado do
Espírito Santo. Dados sociodemográficos, data de primeira consulta, variáveis
relacionadas ao tumor e ao tratamento e data do óbito (ou último seguimento) foram
identificados e registrados. Para a avaliação da sobrevida foi utilizado a Curva de
Kaplan-Meier com o teste Log-Rank, além de análise multivariada com modelo de
Cox para avaliação dos fatores de prognósticos. A sobrevida estimada foi de 29,8%.
Tamanho tumoral, comprometimento linfonodal, metástases no momento do
diagnóstico, estadiamento clínico, modalidade de tratamento, uso de quimioterapia
paliativa e ocorrência de tumores metastáticos durante seguimento foram os fatores
de prognósticos independentes mais importantes. No modelo multivariado, a
presença de metástase no momento do diagnóstico (HR=7,072; IC95%
2,016-24,805), pacientes que foram submetidos a quimioterapia paliativa (HR=1,574;
IC95% 1,065-2,327) e que apresentaram metástases durante seguimento oncológico
(HR= 1,779; IC95% 1,033-3,064) foram associados ao pior prognóstico em 05 anos.
Tais achados enfatizam que os fatores que influenciam a sobrevida estão todos
relacionados ao diagnóstico tardio, variável que pode ser alterada por meio de
campanhas de diagnóstico precoce e implementação de estratégias de
rastreamento, especialmente para os grupos de maior risco.
PALAVRAS-CHAVE: Neoplasias de Cabeça e Pescoço, Carcinoma de Células
Escamosas, Análise de Sobrevida, Prognóstico
1 INTRODUÇÃO
O câncer de cabeça e pescoço (CCP), considerado um problema de saúde
pública, engloba tumores da cavidade oral, faringe (orofaringe, nasofaringe,
hipofaringe), laringe, seios paranasais e glândulas salivares1 e está entre o sexto
tumor mais frequente no mundo, sendo a maioria dos casos observada nos países
em desenvolvimento2.
De acordo com estatísticas mundiais expostas no GLOBOCAN 2018,
aproximadamente, 887.659 novos casos de câncer de cabeça e pescoço foram
diagnosticados nesse ano, correspondendo a 4,9% do total de cânceres, e cerca de
453.307 indivíduos foram a óbito2. No Brasil, estima-se 22.370 novos casos de CCP
no biênio 2018-2019, sendo o Espírito Santo, o estado com o maior risco estimado3.
17
O CCP é uma doença multifatorial, destacando-se o tabagismo, etilismo,
infecção pelo HPV, polimorfismos genéticos, imunossupressão, dieta pobre em
frutas e verduras, exposição excessiva à luz ultravioleta (para carcinomas labiais) e
fatores ambientais como fatores de risco1, 3-7. Exposições ocupacionais a
substâncias químicas, como aldeídos e amianto, também tem sido relacionadas às
neoplasias de cabeça e pescoço8,9. O perfil epidemiológico tem mudado ao longo do
tempo10, com variações regionais consideráveis. Contudo, ainda se mantém
prevalente no sexo masculino, pela maior exposição aos fatores de risco, e após a
quinta década de vida5.
O tratamento do CCP consiste no uso de métodos multiterapêuticos11,12. A
excisão cirúrgica com margem de segurança é o padrão ouro para o tratamento com
intenção curativa, porém a radioterapia e a quimioterapia podem ser usadas,
isoladas ou associadas, como adjuntos naqueles casos em que os benefícios
superem os riscos4, 13.
Histologicamente, 90% dos CCP caracterizam-se como carcinoma de células
escamosas (CCE)4, 5, 12, 13. Os fatores de prognóstico do CCE de cabeça e pescoço
estão relacionados ao paciente, ao tumor e/ou ao tratamento. A maioria das mortes
por este tipo de câncer ocorre em 02 anos e a sobrevida de 05 anos virtualmente
pode ser considerada equivalente à cura, variando de 05 a 80% de acordo com o
estágio da doença14. O diagnóstico precoce tem um papel fundamental no
prognóstico e os pacientes diagnosticados em estágios mais tardios apresentam
maiores taxas de mortalidade13, 14.
A ocorrência de um evento bem definido, como a morte de um paciente, é
frequentemente o desfecho primário nas análises de sobrevida. O interesse desta
análise é conhecer se o evento ocorreu (resultado binário) e quando (resultado
contínuo), relacionando-o com covariáveis e a magnitude de seus efeitos15. A
sobrevida a longo prazo é um resultado positivo, no qual seus dados podem ser
utilizados para o planejamento e discussão dos melhores métodos de rastreamento
e propostas terapêuticas mais viáveis para o CCP14, além de nortear estratégias de
ação em política de prevenção, promoção de saúde e de detecção precoce da
doença. Desta forma, o presente estudo teve como objetivo identificar os fatores de
prognóstico e avaliar a sobrevida em 05 anos de pacientes diagnosticados com CCE
18
de cabeça e pescoço e que receberam tratamento e acompanhamento clínico em
um hospital de referência no sul do Estado do Espírito Santo.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
Este estudo consiste em uma coorte retrospectiva e foi desenvolvido com
dados de prontuários de pacientes com CCP diagnosticados entre 2010 e 2013 em
um hospital filantrópico de referência em oncologia no sul do Estado do Espírito
Santo. O hospital presta atendimento público (SUS) e privado a 26 municípios da
macrorregião Sul, subdividida em 03 microrregiões (Litoral Sul, Centro Sul e
Caparaó), servindo de referência para aproximadamente 630.000 pessoas. O
seguimento dos casos foi realizado até completados 05 anos da data da primeira
consulta com oncologista.
Foram identificados 423 prontuários de pacientes portadores de câncer de
cabeça e pescoço enquadrados no Código Internacional de Doenças (CID-10) de
C00-C14 e C32, dos quais se excluíram prontuários com insuficiência de dados
essenciais para identificação (n=134), pacientes que receberam tratamento e
acompanhamento oncológico em outro hospital (n=42), casos não enquadrados
histologicamente como CCE (n=14) e pacientes que receberam tratamento
oncológico prévio para CCP ou em outra parte do corpo (n=8). Para avaliação dos
fatores de prognóstico foram excluídos da análise 07 pacientes com tumores em
seios paranasais (n=4), glândula parótida (n=2) e cervical (n=1). A amostra final foi
composta por uma coorte de 218 pacientes.
Dados sociodemográficos (Sexo, cor, idade, procedência, escolaridade,
profissão, histórico familiar, doenças de base, tabagismo, etilismo), data de primeira
consulta, estadiamento clínico, localização do tumor, dados histopatológicos,
modalidade terapêutica empregada, intercorrências durante tratamento,
quimioterapia paliativa, localização de metástases e/ou aparecimento de segundo
sítio tumoral, recidiva e data do óbito (ou último seguimento) foram identificados e
registrados.
O tempo de sobrevida foi calculado como intervalo entre a data da primeira
consulta com oncologista e a data do óbito ou último seguimento para pacientes
vivos. O tempo de seguimento foi fixado em 05 anos (60 meses). Os pacientes que
foram a óbito por causas não relacionadas ao CCP ou por perda de seguimento
19
foram censurados na data referente ao último acompanhamento registrado no
prontuário.
O banco de dados e as análises estatísticas foram realizadas no programa
IBM SPSS Statistics 20.0 (IBM, Nova York, Estados Unidos). A análise descritiva da
distribuição dos casos e análise de associação entre variáveis qualitativas ocorreu
através do teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher, considerando o nível de
significância de 5%.
As curvas de sobrevida foram estimadas pelo método de Kaplan-Meier e
comparadas pelo teste Log-Rank. As variáveis que apresentaram valores de p ≤
0,20 foram submetidas ao modelo de regressão de riscos proporcionais de Cox
multivariado para avaliação dos fatores de prognósticos, calculando-se razão de
risco (HR) com intervalo de confiança de 95% (IC 95%).
O presente estudo foi aprovado previamente a sua realização pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro - Brasil em
2018 (Parecer 2.905.044).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O presente estudo identificou o perfil epidemiológico, sobrevida e fatores de
prognóstico de pacientes com CCE de cabeça e pescoço atendidos em um hospital
de referência oncológica. O hospital possui abrangência macrorregional atendendo
pacientes de 26 municípios da região e este é o primeiro estudo que avalia a
população de moradores do Sul do Estado do Espírito Santo. Dos 423 prontuários
de pacientes diagnosticados com CCP no período entre 2010 e 2013, 218 foram
incluídos no estudo.
No Brasil, o risco estimado de pacientes com câncer de cavidade oral e
orofaringe é de 11,22 a cada 100.000 homens e 2,86 a cada 100.000 mulheres. No
Estado do Espírito Santo, esses dados sobem para 14,58/100.000 homens e
4,01/100.000 mulheres, a maior taxa nacional. Para o câncer de laringe a proporção
cai para 6,17/100.000 homens e 0,96/100.000 mulheres, e o Espírito Santo mantém-
se próximo a média nacional (6,72/100.000 homens; 0,91/100.000 mulheres)3. No
presente estudo encontramos a proporção de 11,72/100.000 habitantes com CCP na
região sul capixaba.
20
Os dados sociodemográficos revelaram que a média de idade foi de 59,8
anos (DP 12,14; 25-98 anos), em sua maioria homens (86,7%), não brancos
(52,8%), atendidos por SUS (95%) e que estudaram por até 08 anos (91,4%). Não
foi encontrada associação entre óbito em 05 anos e as variáveis sociodemográficas
(Tabela 1).
Tabela 1. Distribuição dos pacientes e dos óbitos pela doença em 05 anos, segundo as variáveis sociodemográficas.
VariáveisCasos Evento* Valor de
p**n (%) n (%)
Sexo 0,224
Feminino 29 (13,3) 15 (51,7)
Masculino 189 (86,7) 120 (63,5)
Cor*** 0,628
Branca 91 (47,2) 54 (59,3)
Não Branca 102 (52,8) 64 (62,7)
Idade 0,404
≤40 anos 13 (6) 9 (69,2)
>40 anos 205 (94) 126 (61,5)
Serviço de Saúde 0,413
Privado 11 (5) 6 (54,5)
Público 207 (95) 129 (62,3)
Procedência*** 0,816
Centro Sul 129 (60,3) 79 (61,2)
Litoral Sul 54 (25,2) 35 (64,8)
Caparaó 31 (14,5) 18 (58,1)
Escolaridade*** 0,208
≤08 anos 139 (91,4) 85 (61,2)
>08 anos 13 (8,6) 10 (76,9)
Profissão*** 0,110
Lavrador 52 (25,4) 30 (57,7)
Reparação, Manutenção e Instalação
46 (22,4) 36 (78,3)
Serviços 28 (13,7) 15 (53,6)
Transporte 16 (7,8) 10 (62,5)
Outros 63 (30,7) 38 (60,3)
Histórico Familiar*** 0,335
Variáveis
21
* Participantes da coorte que morreram em cinco anos; ** Teste x2 ou exato de Fisher utilizado na distribuição das variáveis em relação ao evento; *** O total (n) de cada variável pode diferir devido ocorrência de dados ignorados.
O Espírito Santo, hoje, apresenta níveis respeitáveis de PIB per capita e IDH,
entre outros indicadores, que o colocam como um dos estados mais desenvolvidos
do país. O início do crescimento econômico foi marcado pela colonização européia
e, portanto, da agricultura familiar16, existindo até os dias atuais. Essa colonização
trouxe ao Espírito Santo caucasianos, que trabalham na lavoura, em sua maioria
sem proteção ao raios UV e expostos a pesticidas. A produção de commodities
(petróleo e gás), também foi fundamental neste processo de crescimento da
economia, principalmente no litoral sul do Estado16.
Fatores de risco modificáveis, relacionados à exposição, ao meio ambiente e
hábitos de vida, serão responsáveis em 2020 por 95,31% dos cânceres de cavidade
oral; 89,24% de nasofaringe; 80,28% de laringe e 14,4% de orofaringe nos homens9.
As maiores frações atribuíveis são estimadas para tabagismo, alcoolismo, baixo
consumo de frutas e vegetais9, 17 e infecções (HPV e EBV)9.
Pesquisas recentes mostram que a incidência do CCP, principalmente de
orofaringe, tem aumentado na população mais jovem pela influência do papiloma
vírus humano7. Seis porcento dos casos aconteceram em pacientes com menos de
40 anos, porém a sobrevida neste grupo de pacientes não apresentou diferença
significativa quando comparado a indivíduos com maior faixa etária.
O aumento de risco para o desenvolvimento de CCP entre os tabagistas e
etilistas é bem conhecido, principalmente porque atuam sinergicamente. Para o
Sim 62 (40,5) 34 (54,8)
Não 91 (59,5) 57 (62,6)
Tabagista*** 0,076
Não 18 (8,3) 10 (55,6)
Ex-Tabagista 56 (25,9) 28 (50)
Sim 142 (65,7) 95 (66,9)
Etilista*** 0,080
Não 44 (21,2) 22 (50)
Ex-Etilista 59 (28,4) 34 (57,6)
Sim 105 (50,5) 72 (68,6)
Casos Evento* Valor de p**n (%) n (%)
Variáveis
22
câncer de boca e orofaringe, o tabaco é atribuído como fator de risco modificável a
49,1% e o álcool a 36,9%, para o câncer de laringe 77,1% e 23,3%,
respectivamente17. No presente estudo, 91,7% da amostra relatou tabagismo, 78,9%
relataram ser etilistas em algum momento da vida e 76,4% a prática dos dois
hábitos.
Em relação aos hábitos, estudos como o de Voltzke e colaboradores (2018)6,
mostram risco aumentado na sua presença em ambas as raças, porém os negros
tinham associações mais fortes do que os brancos para o consumo de tabaco e
álcool. Na presente amostra, 95% dos pacientes não brancos já haviam fumado,
contra 87,8% dos brancos, não demostrando relação (p=0,06), resultado diferente
do etilismo (p=0,005) com 86,9% dos pacientes não brancos e 70,1% dos brancos
reportando o hábito. Esses dados enfatizam a necessidade de orientar a população
quanto aos hábitos deletérios e melhorar as abordagens, nos diferentes grupos
raciais, visando reduzir a exposição ao tabaco e ao álcool.
A ocupação mais frequente no estudo foi a de lavrador (25,4%), encontrado
também no estudo de Leite e colaboradores (2018)5 (23,1%), seguido por
profissionais do ramo da reparação, manutenção e instalação (22,4%), os quais
apresentaram menor sobrevida (16,2%). A evidência constatada no estudo de
Andreotti e colaboradores (2006)8, foi que a ocupação de mecânico de automóveis
por mais de 10 anos representou alto risco para o câncer de cavidade bucal e
orofaringe, não apresentando risco significante para agricultores.
Mecânicos de veículos, assim como profissionais do ramo de reparação,
manutenção e instalação, estão expostos habitualmente a vapores derivados da
combustão de motores, álcool anidro, solventes, fibras de amianto, aldeídos e
inúmeros outros agentes classificados como carcinógenos do Grupo 1 da IARC8.
Azevedo e Silva e colaboradores (2016)9 encontraram o amianto e o formaldeído
como fatores de risco para câncer de laringe e nasofaringe, porém os agrotóxicos,
produtos altamente consumidos no país, não foram incluídos nesta pesquisa por não
estarem classificados no Grupo 1 da IARC.
Os dados atuais não sustentam evidências claras de uma associação entre
exposição a pesticidas e o CCP. A heterogeneidade observada entre os estudos, em
associação com fatores de confundimento já conhecidos na gênese do câncer,
mantém aberta a relação dos pesticidas como fator causal18.
23
Os fatores discutidos levam aos pacientes o risco de desenvolvimento de
tumores em diferentes localizações na cabeça e pescoço. Em relação as
características clinicopatológicas, o câncer de laringe foi o mais prevalente (33,5%),
seguido por orofaringe (33%) e cavidade oral (23,4%), não apresentando uma
constância nos estudos com CCP6, 11, 12, 19. Em relação ao grau de diferenciação,
64,2% apresentaram CCE moderadamente diferenciado. Cerca de 60 pacientes
(30,3%) apresentavam tumores com até 04 cm (T1 e T2) e 138 (69,7%) localmente
avançados (T3 e T4). Cento e vinte dois pacientes (58,9%) já apresentavam
linfonodos comprometidos na consulta inicial. Com isso, 80% dos pacientes foram
diagnosticados em estágios avançados (estadiamento III e IV) (Tabela 2).
Na amostra, foi encontrada associação em relação do óbito em 05 anos com
o tamanho tumoral (T3-T4), a presença de linfonodos comprometidos (N+),
estadiamento clínico (IV), uso da quimioterapia paliativa e presença de tumores
metastático após tratamento oncoterapêutico (p ≤ 0,05) (Tabela 2).
Tabela 2. Distribuição dos pacientes e dos óbitos pela doença em 05 anos, segundo as características clínicas e modalidades terapêuticas.
VariáveisCasos Eventos*
Valor de p**n (%) n (%)
ICC 0,744
0 37 (17) 23 (62,2)
1 64 (29,4) 42 (65,6)
≥2 117 (53,7) 70 (59,8)
Localização 0,219
Orofaringe 72 (33) 44 (61,1)
Laringe 73 (33,5) 39 (53,4)
Cavidade Oral 51 (23,4) 37 (72,5)
Hipofaringe 18 (8,3) 13 (72,2)
Nasofaringe 4 (1,8) 2 (50)
Grau de Diferenciação*** 0,713
Bem Diferenciado 32 (21,2) 17 (53,1)
Moderadamente Diferenciado 97 (64,2) 58 (59,8)
Pouco Diferenciado 22 (14,6) 14 (63,6)
T*** 0,000
T1 + T2 60 (30,3) 25 (41,7)
T3 + T4 138 (69,7) 99 (71,7)
Variáveis
24
ICC: Índice de comodidade de Charlson. *Participantes da coorte que morreram em cinco anos; ** Teste x2 utilizado na distribuição das variáveis em relação ao evento; *** O total (n) de cada variável pode diferir devido ocorrência de dados ignorados
N*** 0,003
N0 85 (41,1) 42 (49,4)
N+ 122 (58,9) 85 (69,7)
M*** 0,159
M0 205 (97,6) 125 (61)
M1 5 (2,4) 5 (100)
Estadiamento Clínico*** 0,002
I 18 (8,8) 5 (27,8)
II 24 (11,7) 11 (45,8)
III 55 (26,8) 37 (67,3)
IV 108 (52,7) 75 (69,4)
Tratamento 0,220
Nenhum 3 (1,4) 3 (100)
Cirurgia + Adjuvância 10 (4,6) 6 (60)
Quimioterapia 1 (0,5) 1 (100)
Radioterapia 39 (17,9) 19 (48,7)
Quimiorradioterapia 165 (75,7) 106 (64,2)
Intercorrências 0,536
Não 115 (52,8) 69 (60)
Sim 103 (47,2) 66 (64,1)
Quimioterapia Paliativa 0,000
Não 141 (64,7) 64 (45,4)
Sim 77 (35,3) 71 (92,2)
Recidiva 0,162
Não 194 (89) 117 (60,3)
Sim 24 (11) 18 (75)
Segundo Sítio Primário 0,185
Não 204 (93,6) 124 (60,8)
Sim 14 (6,4) 11 (78,6)
Metástase 0,003
Não 197 (90,4) 116 (58,9)
Sim 21 (9,6) 19 (90,5)
Casos Eventos*Valor de p**
n (%) n (%)Variáveis
25
As características clínicas dos pacientes são as principais responsáveis pelo
direcionamento terapêutico a ser adotado, sendo a cirurgia a primeira escolha,
podendo ser associada a radioquimioterapia. Assim tem-se observado nos estudos
das últimas décadas, o aumento do uso da quimioterapia combinada com a
radioterapia, revelando benefícios locorregionais, sobrevida livre de doença e
sobrevida global, no entanto com aumento da taxa de toxicidade aguda e local12. A
quimiorradioterapia foi o tratamento de escolha para 75,7% dos pacientes.
Durante o tratamento oncoterapêutico, 47,2% dos pacientes apresentaram
algum tipo de intercorrência, sendo as mais frequentes: mucosite (63,1%),
radiodermite (18,4%) e neutropenia febril (11,6%). Setenta e sete pacientes (35,3%)
foram submetido a quimioterapia paliativa em um segundo momento. Do total, 11%
dos tumores recidivaram, 6,4% dos pacientes apresentaram um segundo sítio
primário, destes 50% se localizavam no esôfago, e 9,6% tumores metastáticos
(71,4% metástase pulmonar) nos 05 anos de acompanhamento.
A sobrevida global em 05 anos para o conjunto de casos foi de 29,8%, com
tempo mediano de 23 meses (IC95% 17,77-28,23). Santos e colaboradores (2019)12,
encontraram sobrevida em 05 anos de 34,8% em amostra contendo apenas tumores
T3 e T4. Tumores localmente avançados apresentaram sobrevida de 21,3%, ao
passo que tumores com até 04 cm foi de 48,9% (Tabela 3).
A cavidade oral apresentou pior sobrevida (22,7%), seguida da orofaringe,
hipofaringe, laringe e nasofaringe (Tabela 3). Santos e Colaboradores (2019)12
encontraram a hipofaringe com a menor taxa de sobrevida, seguida pela orofaringe,
cavidade oral, nasofaringe e laringe. Em concordância com Pagedar e
colaboradores (2018)19, no qual a hipofaringe também apresentou pior prognóstico.
Tabela 3. Funções de sobrevida (05 anos) não ajustada dos pacientes segundo características clinicopatológicas e modalidades terapêuticas.
Variáveis Sobrevida (%)
p (Log-Rank) HR* (IC95%)
p (Regressão
de Cox)
ICC 0,954 0,926
0 27,9 1
1 27,2 0,999 (0,606-1,647)
≥2 32 0,935 (0,588-1,485)
Variáveis
26
Localização 0,210 0,225
Orofaringe 23,2 1
Laringe 40,6 0,698 (0,485-1,005)
Cavidade Oral 22,7 1,138 (0,788-1,644)
Hipofaringe 24,7 1,145 (0,693-1,892)
Nasofaringe 50 1,086 (0,433-2,721)
Grau de Diferenciação 0,469 0,375
Bem Diferenciado 44,9 1
Moderadamente Diferenciado 32,2 1,312 (0,763-2,253)
Pouco Diferenciado 23,6 1,637 (0,816-3,281)
T 0,000 0,000
T1 + T2 48,9 1
T3 + T4 21,3 2,444 (1,571-3,803)
N 0,000 0,000
N0 42,9 1
N+ 20,7 2,024 (1,394-2,937)
M 0,000 0,000
M0 30,1 1
M1 0 6,715 (2,700-16,696)
Estadiamento Clínico 0,001 0,001
I 60,1 1
II 46,1 1,768 (0,614-5,088)
III 26,5 3,135 (1,233-7,972)
IV 21,1 4,345 (1,755-10,759)
Tratamento 0,000 0,000
Radioquimioterapia 28,9 1
Nenhum 0 9,933 (3,383-29,169)
Cirurgia + Adjuvância 40 0,297 (0,133-0,664)
Quimioterapia 0 1,914 (0,384-9,537)
Radioterapia 34,7 0,355 (0,192-0,6550
Intercorrências 0,728 0,732
Não 29,5 1
Sim 30,1 1,061 (0,757-1,487)
Quimioterapia Paliativa 0,000 0,060
Sobrevida (%)
p (Log-Rank) HR* (IC95%)
p (Regressão
de Cox)Variáveis
27
HR: Razão de risco; ICC: Índice de Comorbidade de Charlson. *Risco relativo obtido pelo modelo de riscos proporcionais de Cox Univariado; ** Risco relativo obtido pelo modelo Cox tempo dependente.
Bonfante e colaboradores (2014)13 encontraram a sobrevida global de 30%
em cavidade oral, já Le Campion e colaboradores (2017)4 27,8% em cavidade oral e
orofaringe e Moro e colaboradores (2018)10 42% nestes dois sítios. Liu e
colaboradores (2018)11, comparando a sobrevida em pacientes que não receberam
nenhum tratamento oncoterapêuticos, a melhor delas foi em região de cavidade oral
(31% em 01 ano) e a pior em laringe (0% em 01 ano).
O grau histológico geralmente mostra fraca influência no prognóstico das
lesões, principalmente devido à natureza subjetiva da avaliação e ao pequeno
tamanho das biópsias em tumores com grande heterogeneidade5. No presente
estudo não foi observada diferença na sobrevida comparando os diferentes graus de
diferenciação.
O CCE de cabeça e pescoço geralmente apresenta-se como uma lesão
ulcerada, com dor local, disfonia e/ou disfagia5, 11. Embora muitos casos não
mostrem evidências prévias de um distúrbio potencialmente maligno, principalmente
tumores em fases iniciais, é essencial que os profissionais estejam atentos a esse
grupo de lesões5 e confirmem seu diagnóstico através de biópsia13. Diversas
situações que poderiam levar a demora do diagnóstico, são sugeridas, como:
Não 47,6 1
Sim 6,4 1,483 (0,983-2,236)**
Recidiva 0,653 0,047
Não 30,9 1
Sim 25 1,297 (1,003-1,678)**
Segundo Sítio Primário 0,711 0,398
Não 30,9 1
Sim 21,4 1,144 (0,838-1,561)**
Metástase 0,028 0,031
Não 32,4 1
Sim 9,5 1,717 (1,052-2,803)**
Sobrevida (%)
p (Log-Rank) HR* (IC95%)
p (Regressão
de Cox)Variáveis
28
pacientes que não procuram o profissional por medo do diagnóstico ou somente o
procuram quando já sofrem alguma restrição alimentar, de fala ou de convívio social;
profissionais que não sabem orientar corretamente os pacientes13; barreiras sociais
e culturais; falta de políticas de prevenção e promoção de saúde; insuficiência de
recursos e dificuldade para assistência no sistema público de saúde.
Um dos mais importantes objetivos do sistema de saúde é prover diagnóstico
precoce e assistência oportuna a sua população, medidas eficazes que geram o
aumento da sobrevida. Diagnósticos tardios evoluem para um tratamento
geralmente mutilador, com cirurgias agressivas e tratamentos oncológicos mais
complexos e de prognóstico duvidoso13. Pacientes diagnosticados no estadiamento
clínico IV apresentaram o risco 4,34 vezes maior de falecer do que pacientes no
estadiamento I (Tabela 3), número superior ao estudo de Pagedar e colaboradores
(2018)19 que reportaram um risco de 2,72 vezes.
Le Campion e colaboradores (2017)4 observaram que em pacientes
submetidos a tratamentos cirúrgicos com adjuvância em câncer de boca e orofaringe
a sobrevida foi de 59%, mostrando diferença quanto ao tratamento não cirúrgico
(p<0,001), no entanto esse fato não foi observado em neste estudo. Liu e
colaboradores (2018)11 traçaram a sobrevida em pacientes com CCP que não
receberam tratamento, resultando em 42,8% vivos em 01 ano e todos falecidos em
até 30 meses. Na presente amostra, os pacientes que não receberam tratamento
faleceram em até 02 meses após a primeira consulta com oncologista. Apesar das
diversas modalidades de tratamento, nenhuma delas apresentam taxas de sobrevida
maior que 50% em 05 anos12.
Em relação a localização do tumor e a terapia escolhida, Santos e
colaboradores (2019)12 encontraram a orofaringe com maior frequência nos grupos
de radioterapia e quimiorradioterapia, enquanto a laringe foi mais frequente nos
grupos cirúrgicos. Na presente amostra cerca de 85% dos tumores de cavidade oral
e orofaringe foram tratados com quimiorradioterapia e em menor proporção nos
tumores de laringe (58,9%).
Utilizando o teste Log-Rank para a comparabilidade entre as funções de
sobrevida, observou-se diminuição estatisticamente significativa de acordo com o
aumento de tamanho tumoral, linfonodos comprometidos, metástases no momento
do diagnóstico, estadiamento clínico, modalidade de tratamento, uso de
29
quimioterapia paliativa e ocorrência de tumores metastáticos durante seguimento
(Figura 1).
Figura 1. Curvas de Sobrevida Global segundo tamanho tumoral (a), linfonodo acometido (b), presença de metástase (c), estadiamento clínico (d), quimioterapia paliativa (e), ocorrência de metástase durante seguimento (f).
É possível observar que após 30 meses do tratamento inicial cerca de 70%
dos pacientes com tumores T3/4 foram a óbito, enquanto 35% dos portadores de
tumor T1/2 faleceram no mesmo período, revelando uma associação entre tamanho
30
tumoral e sobrevida. Em relação a metástase, em 18 meses todos os pacientes que
apresentaram-na no momento do diagnóstico haviam falecidos.
As curvas de sobrevida cruzam na variável “Quimioterapia Paliativa” em
concordância com o tempo médio do aparecimento de recidivas, segundo sítios
tumorais ou metástases a distância, principais motivos pelos quais os pacientes são
submetidos a terapia paliativa. E as curvas se distanciam na variável “Ocorrência de
metástase durante seguimento”, após o tempo médio do seu diagnóstico (18 meses)
(Figura 1).
Apesar dos resultados obtidos na análise das Curvas de Kaplan-Meier, a
análise multivariada baseada no modelo de Cox aponta que somente a presença de
metástase no momento do diagnóstico e seu aparecimento durante o seguimento,
além da quimioterapia paliativa, mantém significado estatístico (Tabela 4). Todas as
demais variáveis consideradas na análise univariada perderam sua significância.
Neste modelo, cada variável é ajustada simultaneamente e reciprocamente pelas
outras variáveis apresentadas.
A presença de metástase no momento do diagnóstico apresentou-se como
um importante fator de piora no prognóstico (HR=7,072; IC95% 2,016-24,805).
Assim como pacientes que foram submetidos a quimioterapia paliativa (HR=1,574;
IC95% 1,065-2,327) e apresentaram metástases durante seguimento oncológico
(HR= 1,779; IC95% 1,033-3,064) também foram associados a pior prognóstico. E
quanto mais avançado o estadiamento clínico, maior chance de óbito, chegando a
mais de 2,6 vezes no estadiamento IV.
Apesar, da amostra fazer parte de um estado com o sétimo IDH do país, os
fatores que influenciam a sobrevida estão todos relacionados ao atraso no
diagnóstico, variável que pode ser alterada por meio de campanhas de diagnóstico
precoce e implementação de estratégias de rastreamento, especialmente para os
grupos de maior risco.
Por fim, é adequado discutir eventuais limitações desta análise, considerando
uma coorte retrospectiva e o uso de dados de prontuários realizados por diferentes
profissionais. É improvável que um viés relacionado às perdas tenha afetado os
resultados, dado que grande parte da população foi seguida até sua morte ou por 05
anos. Da mesma forma, sabendo-se que praticamente 70% dos casos foram
31
localmente avançados, não se espera influência importante de um viés de
antecipação.
Tabela 4. Razão de risco (HR) das variáveis selecionadas para o modelo multivariado.
HR: Razão de risco; IC: Intervalo de confiança. *As análises foram ajustadas para T (T1+T2 como referência), N (N0 como referência), M (M0 como referência), Estadiamento Clínico (I como referência), Quimioterapia paliativa ("Não" como referência), ocorrência de tumores metastáticos durante seguimento ("Não" como referência).
4 CONCLUSÃO
• A sobrevida em 05 anos dos pacientes com CCE de cabeça e pescoço do sul do
Estado do Espírito Santo foi de 29,8%, número menor que a média mundial.
• Os fatores prognósticos para pior sobrevida foram relacionados ao tamanho
tumoral, linfonodos acometidos, metástase, estadiamento clínico, tratamento inicial
e paliativo. Tais fatores estão relacionados ao atraso no diagnóstico, enfatizando a
necessidade de diagnóstico precoce e rastreamento na população de risco.
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Variáveis* HR IC 95% p
T: T3 + T4 1,283 0,690-2,382 0,431
N: N+ 1,109 0,691-1,780 0,668
M: M1 7,072 2,016-24,805 0,002
Estadiamento Clínico: 0,319
II 1,353 0,443-4,130
III 2,069 0,656-6,522
IV 2,616 0,816-8,393
Quimioterapia Paliativa: Sim 1,574 1,065-2,327 0,023
Metástase: Sim 1,779 1,033-3,064 0,038
32
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FINANCIAMENTO
Esta pesquisa não recebeu financiamento para sua realização.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram que não há conflitos de interesse neste estudo.
AUTORES
KDM Ferreira planejou o estudo, realizou a coleta, análise e processamento
dos dados e foi a redatora principal do artigo. AB Archanjo colaborou com a análise e
processamento dos dados e na redação do artigo. MM Oliveira contribuiu para coleta
dos dados e revisão do artigo. AMA Silva colaborou com análise dos dados e revisão
do artigo. PN Tannure participou no planejamento do estudo, análise dos dados,
redação e revisão do artigo.
34
2.2 CAPÍTULO 2
Revista Oral Oncology
SOBREVIDA, FATORES PREDITIVOS E DE PROGNÓSTICO DE PACIENTES
COM CÂNCER DE CAVIDADE ORAL, OROFARINGE E LARINGE SOB
QUIMIOTERAPIA PALIATIVA.
Karla Daniella Malta Ferreiraa, b
Anderson Barros Archanjoc
Mayara Mota de Oliveirac
Luciana Silva de Morais Cabralb
Adriana Madeira Alvares da Silvac
Patrícia Nivoloni Tannure DDSa
a Odontologia, Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, Brasil.
b Oncologia, Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, Brasil. c Biotecnologia, Universidade Federal do Espírito Santo, Alegre, Brasil.
Correspondência
Karla Daniella Malta Ferreira
Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Manoel Braga Machado, 02. Ferroviários
Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, Brasil
CEP 29308-065
Telefone +55 (28) 981031717
karlamaltaferreira@gmail.com
RESUMO
Objetivo: Mensurar a sobrevida de pacientes submetidos a quimioterapia paliativa no
câncer de cavidade oral, orofaringe e laringe e identificar os fatores preditivos e de
prognóstico.
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Pacientes e Métodos: Coorte retrospectiva com pacientes diagnosticados com
carcinoma de células escamosas de cavidade oral, orofaringe e laringe entre 2010 e
2013.
Resultados: Dos 190 pacientes, 37,4% foram submetidos a quimioterapia paliativa.
Sobrevida de 6,3% em 02 anos. Houve associação entre o sexo (masculino; OR:
2,956; IC95%: 0,933-9,371), tamanho tumoral (T3/4; OR: 2,397; IC95%:
1,136-5,060) e localização (Cavidade Oral; OR: 1,823; IC95%: 0,809-4,106) com a
necessidade de QT paliativa. Os fatores para pior prognóstico foram dependentes da
localização do tumor primário (Orofaringe HR: 1,808; IC95%: 0,980-3,332),
pacientes com índice de comorbidade de Charlson 1 (HR: 1,393; IC95%:
0,685-2,833) e não tabagistas (HR: 2,775; IC95%: 0,907-8,490).
Conclusão: Foram identificados fatores preditivos e de prognóstico nos pacientes
submetido a quimioterapia paliativa no câncer de cabeça e pescoço. Dada a baixa
sobrevida em 02 anos, a equipe multidisciplinar em conjunto com o paciente devem
avaliar os riscos e benefícios ao considerar um tratamento adicional.
PALAVRAS-CHAVE: Análise de sobrevida; Câncer da laringe; Câncer da orofaringe;
Câncer de cabeça e pescoço; Câncer de cavidade oral; Carcinoma de células
escamosas; Metástases neoplásicas; Prognóstico; Quimioterapia; Recidiva local de
neoplasia; Valor preditivo dos testes.
ABREVIATURAS: 5-FU: 5-Fluorouracil; CCE, Carcinoma de células escamosas;
CCP, Câncer de cabeça e pescoço; CDDP: Cisplatina; EGFR: Receptor de fator de
crescimento epidérmico; HPV, Papiloma vírus humano; HR, Razão de risco; IC,
Intervalo de confiança; ICC: Índice de comorbidade de Charlson; M: Masculino; NI:
Não Informado; OR, Razão de chance; RT: Radioterapia; QT, Quimioterapia.
HIGHLIGHTS
• 37% dos pacientes com CCE de cabeça e pescoço serão submetidos a QT
paliativa.
• Homens com tumores T3/4 em cavidade oral tem maior chance de realizar QT
paliativa.
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• Infusões a base de platinas e/ou paclitaxel não apresentam diferença na
sobrevida.
• Tumores de orofaringe apresentam pior prognóstico após QT paliativa.
• Índice de sobrevida é de 6,3% em 02 anos nos pacientes submetidos a QT
paliativa.
INTRODUÇÃO
Os carcinomas de células escamosas de cabeça e pescoço recorrentes e/ou
metastáticos presentes em um grupo de pacientes são tumores altamente
heterogêneos [1] e de baixo prognóstico [2-5]. Sua estratégia terapêutica continua
sendo um desafio e pode variar desde uma cirurgia de resgate, re-irradiação com
intenção curativa, terapias sistêmicas com objetivo paliativo, até a escolha de não
realizar nenhum tratamento para a progressão da doença [1].
Sabe-se que o tratamento de doenças recorrentes tem um pior resultado do
que no cenário primário [1]. Se o câncer recorrente não for operável, o foco muda
de opções curativas para paliativas [4]. A equipe multidisciplinar deve considerar as
preferências individuais dos pacientes, gravidade dos sintomas, carga de
comorbidade, expectativa de vida, qualidade de vida e toxicidade do tratamento.
Com isso, a disponibilidade de fatores preditivos e prognósticos confiáveis é de
grande importância, tanto para orientar a abordagem terapêutica quanto para
informar o paciente e os familiares [1].
Além da alta taxa de mortalidade, a morbidade de novos tratamentos, como, a
quimioterapia (QT) paliativa, frequentemente leva a uma qualidade de vida muito
ruim para esses pacientes [4] e tem impacto limitado na sobrevida [6]. Nas
pesquisas, a eficácia do regime quimioterápico é mensurado através do aumento da
sobrevida [6] e tem sido documentado sobrevida de 02 anos favorável para
pacientes que receberam a terapia paliativa [1, 5].
Prolongar a vida é a expectativa da maioria dos pacientes, mas o benefício
alcançado pela terapia paliativa é menor do que os padrões atuais usados para
aprovação de medicamentos, que aproxima em 20% no aumento da sobrevida.
Esses números sugerem que precisamos refletir sobre a magnitude do benefício
considerado ideal para a aprovação dos quimioterápicos, porque os pacientes
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dificilmente preferem um regime de quimioterapia altamente tóxico se a sobrevida for
inferior a 1 ano [5].
Os riscos da recidiva são influenciados pelo tamanho tumoral, linfonodos
comprometidos, grau de diferenciação histológica, idade, tabagismo, etilismo e
margens cirúrgicas comprometidas [4]. E os fatores de prognósticos relacionados a
QT paliativa são: hipercalcemia, perda de peso, resposta ao tratamento, grau de
diferenciação tumoral, sítio de tumor primário, sítio da recidiva, tempo da primeira
recidiva e infecção por HPV [1, 2]
A identificação de fatores preditivos e de prognósticos é importante para a
tomada de decisão terapêutica [7]. O objetivo do presente estudo foi mensurar a
sobrevida após 02 anos de pacientes submetidos a quimioterapia paliativa no câncer
de cavidade oral, orofaringe e laringe e identificar os fatores preditivos e de
prognósticos em uma população atendida em um hospital de referência no sudeste
do Brasil.
PACIENTES E MÉTODOS
Este estudo caracteriza-se como uma coorte retrospectiva em que foram
avaliados os prontuários de pacientes diagnosticados com carcinoma de células
escamosas (CCE) de cavidade oral, orofaringe e laringe entre 2010 e 2013 e
atendidos no serviço de oncologia de um hospital filantrópico no sudeste do Brasil.
Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida,
Rio de Janeiro - Brasil (Parecer 2.905.044).
Dados sociodemográficos foram coletados na primeira consulta com
oncologista e em seguida, informações referentes ao estadiamento clínico,
localização do tumor, dados anatomopatológicos, tratamento oncoterapêutico
primário, QT paliativa, quimioterápico utilizado, localização de metástases e/ou
aparecimento de segundo sítio tumoral, recidiva e data do óbito (ou último
seguimento) foram acessadas. A presença de HPV não foi avaliada.
Foram excluídos prontuários com insuficiência de dados essenciais para
identificação, casos não enquadrados histologicamente como CCE, pacientes que
receberam tratamento e acompanhamento oncológico em outro hospital, pacientes
que receberam tratamento oncológico prévio para câncer de cabeça e pescoço
(CCP) ou outra parte do corpo e pacientes que não foram submetidos a QT paliativa.
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O tempo de sobrevida global foi calculado como intervalo entre a data da
primeira consulta com oncologista e a data do óbito ou último seguimento para
pacientes vivos. A sobrevida livre da doença foi calculada como intervalo entre o
último dia do tratamento oncoterapêutico primário até a data da consulta na qual foi
diagnosticada recidiva, presença de segundo sítio tumoral ou metástase a distância.
Para pacientes que não apresentaram estas intercorrências pós tratamento, foi
registrada a data do óbito ou do último seguimento.
O tempo de sobrevida após QT paliativa foi calculado a partir da data do
primeiro ciclo quimioterápico até a data do óbito (ou último seguimento), censurado
em 02 anos (24 meses). Os pacientes que foram a óbito por causas não
relacionadas ao CCP ou por perda de seguimento foram censurados na data
referente ao último acompanhamento registrado no prontuário.
O banco de dados e as análises estatísticas foram realizadas no programa
IBM SPSS Statistics 20.0 (IBM, Nova York, Estados Unidos). A fim de encontrar
fatores preditivos para QT paliativa foi analisado a associação entre variáveis pelo
teste qui-quadrado ou teste exato de Fisher (p ≤ 0,05). Variáveis que apresentaram
valores de p ≤ 0,20 foram submetidas a regressão logística binária para o cálculo da
razão de chance (OR) com intervalo de confiança de 95% (IC 95%)
Os dados foram analisados pelo método de Kaplan-Meier para determinar o
tempo de sobrevida e para a comparabilidade dos estratos de cada variável
estudada, foi utilizado o teste de Log-Rank (p ≤ 0,05). As variáveis que
apresentaram valores de p ≤ 0,20 foram associadas ao tempo de sobrevida pelo
modelo de regressão de riscos proporcionais de Cox multivariado e utilizadas para
avaliação dos fatores de prognósticos, calculando-se razão de risco (HR) com IC
95%.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A opção limitada de tratamento, sua toxicidade, a alta morbidade, alta
incidência de recorrências e custos envolvidos na terapia tornam o CCE de cabeça e
pescoço uma doença peculiar [3]. O presente estudo representa a realidade de um
centro de referência localizado no sudeste brasileiro. Foram analisados os
prontuários de 190 pacientes com CCE de cavidade oral, orofaringe e laringe
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diagnosticados entre 2010 e 2013, dentre os quais, 71 (37,4%) foram submetidos a
QT paliativa após o tratamento oncoterapêutico primário.
Os principais motivos que levaram os pacientes a serem submetidos a QT
paliativa foram: recidiva tumoral (36,6%), doença residual (36,6%), presença de
metástases a distância (16,9%) e o aparecimento de um segundo sítio primário
(9,9%). O segundo sítio primário mais prevalente foi o esôfago (46,1%) e 68,4% das
metástases foram pulmonar. Para Castet e colaboradores [5], em mais de 60% dos
casos a recorrência é locorregional não passível de tratamento curativo local e 30%
na forma de metástases distantes.
Alguns fatores clínicos, como performance, perda de peso, diferenciação
tumoral, doença residual, radioterapia prévia, localização do tumor primário, história
de consumo de álcool e margens cirúrgicas comprometidas são preditivos na
submissão da terapia sistêmica paliativa [2, 4, 5]. Na tabela 1 observa-se a análise
de associação entre os pacientes submetidos ou não a QT paliativa e as variáveis
sociodemográficas e clinicopatológicas, e suas respectivas sobrevidas em 02 anos.
Dentre os fatores avaliados, o sexo (masculino), o tamanho tumoral (T3-4) e o
estadiamento clínico (III e IV) mostraram-se como importantes fatores preditivos.
Tabela 1. Fatores preditivos para QT paliativa, sobrevida em 02 anos (%) e fatores de prognóstico.
Variáveis Total (N=190)
QT Paliativa
p* Sobrevida(%)
p (Log-Rank)
Não (N=119)
n (%)
Sim (N=71) n (%)
Sexo 0,039 0,433
Feminino 23 19 (82,6) 4 (17,4) 0
Masculino 167 100 (59,9) 67 (40,1) 6,7
Idade 0,377 0,962
Média (anos) 59,28 60,13 57,85
≤40 anos 13 10 (76,9) 3 (23,1) 0
>40 anos 177 109 (61,6) 68 (38,4) 6,7
Tabagista** 0,789 0,066
Não 15 10 (66,7) 5 (33,3) 0
Sim 174 108 (62,1) 66 (37,9) 6,7
Etilista** 0,582 0,715
Não 39 26 (66,7) 13 (33,3) 7,7
Sim 143 88 (61,5) 55 (38,5) 4,2
Variáveis
40
ICC 0,201 0,127
0 34 21 (61,8) 13 (38,2) 0
1 56 30 (53,6) 26 (46,4) 0
≥2 100 68 (68) 32 (32) 12,5
Localização 0,134 0,055
Cavidade Oral 49 25 (51) 24 (49) 10,1
Orofaringe 71 46 (64,8) 25 (35,2) 0
Laringe 70 48 (68,6) 22 (31,4) 6,8
Grau de Diferenciação** 0,677 0,207
Bem Diferenciado 18 17 (56,7) 1 (43,3) 10,3
Moderadamente Diferenciado 60 57 (65,5) 3 (34,5) 10
Pouco Diferenciado 18 11 (61,1) 7 (38,9) 0
T** 0,006 0,678
T1 + T2 55 42 (76,4) 13 (23,6) 7,7
T3 + T4 123 67 (54,5) 56 (45,5) 6,2
N** 0,061 0,404
N0 75 53 (70,7) 22 (29,3) 9,9
N+ 107 61 (57) 46 (43) 4,7
M** 0,651 0,299
M0 180 111 (61,7) 69 (38,3) 6,6
M1 5 4 (80) 1 (20) 0
Estadiamento Clínico** 0,035 0,862
Inicial (I e II) 38 29 (76,3) 9 (23,7) 11,1
Avançado (III e IV) 144 83 (57,6) 61 (42,4) 5,6
Tratamento Inicial 0,071 0,161
Cirurgia + Adjuvância 10 6 (60) 4 (40) 0
Quimioterapia 1 1 (100) 0 -
Radioterapia 33 27 (81,8) 6 (18,2) 33,3
Quimiorradioterapia 146 85 (58,2) 61 (41,8) 3,8
Quimioterapia 1a Linha 0,982
CDDP + 5FU - - 13 (6,9) 9,6
Paclitaxel - - 22 (12,1) 5,7
Paclitaxel + Carboplatina - - 20 (10,5) 5
Paclitaxel + CDDP - - 13 (6,8) 7,7
Total (N=190)
QT Paliativa
p* Sobrevida(%)
p (Log-Rank)
Não (N=119)
n (%)
Sim (N=71) n (%)
Variáveis
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ICC: Índice de Comorbidade de Charlson; CDDP: Cisplatina; 5-FU: 5-Flourouracil; QT: Quimioterapia *Teste x2 ou Exato de Fisher utilizado na distribuição das variáveis em relação ao uso de QT paliativa. ** O total (n) de cada variável pode diferir devido ocorrência de dados ignorados.
Na análise baseada no modelo de regressão logística (Tabela 2), observou-se
apenas uma associação significativa após os ajustes no modelo multivariado. Os
dados apresentados apontam que o tamanho tumoral foi o principal fator preditivo na
população estudada, na qual, pacientes com tumores localmente avançados
apresentaram chances 2,4 vezes maior de serem submetidos a QT paliativa. Apesar
da influência do sexo na análise univariada, seu efeito perde significância na análise
subsequente, reforçando o papel independente desta variável.
Tabela 2. Razão de chance (OR) dos fatores preditivos selecionados para a regressão logística binária.
*As análises foram ajustadas para Sexo ("Feminino" como referência), Sítio ("Laringe" como
referência), T (“T1 eT2" como referência).
Ao observarmos as curvas de sobrevida dos pacientes com CCE de cavidade
oral, orofaringe e laringe, notou-se que a sobrevida global foi de 30,9% em 05 anos
(Figura 1a) e a sobrevida livre da doença 27,3% (Figura 1c). Quando estratificamos
a sobrevida global pela QT paliativa, observamos uma associação significativa
(p=0,000), onde aos 40 meses após o tratamento inicial cerca de 56% de pacientes
Motivo 0,393
2o Sítio Primário - - 6 (9,9) 0
Metástase - - 12 (16,9) 0
Doença Residual - - 26 (36,6) 10,7
Recidiva - - 26 (36,6) 5,4
Total (N=190)
QT Paliativa
p* Sobrevida(%)
p (Log-Rank)
Não (N=119)
n (%)
Sim (N=71) n (%)
Variáveis
Variáveis* OR IC 95% p
Sexo: Masculino 2,956 0,933-9,371 0,066
Sítio 0,118
Cavidade Oral 1,823 0,809-4,106
Orofaringe 0,964 0,452-2,058
T: T3 e T4 2,397 1,136-5,060 0,022
42
que não submeteram a QT paliativa estavam vivos, ao passo que 91% dos
pacientes que fizeram uso dessa terapia já haviam falecido. Neste mesmo gráfico,
as linhas se cruzam aos 12 meses, tempo médio do aparecimento de metástases a
distância, de um segundo sítio tumoral ou da recidiva, coincidindo com o início da
terapia paliativa (Figura 1b).
Figura 1 Curvas de Sobrevida Global (a), de Sobrevida segundo uso de QT Paliativa (b), de Sobrevida Livre da Doença (c) e de Sobrevida Livre da Doença segundo QT Paliativa (d).
Há poucos relatos na literatura em relação à sobrevida na quimioterapia
paliativa para o CCP, geralmente demonstrados em estudos clínicos fase III [2, 5, 8].
Sabe-se que a sobrevida de pacientes tratados com terapia curativa (cirurgia) é
maior que na terapia paliativa [4]. Dos 71 pacientes submetidos a QT paliativa, 50%
43
foram a óbito em 05 meses, sendo que somente 6,3% estavam vivos após 02 anos
da primeira dose do quimioterápico (Figura 2), reduzida para 5,5% em 05 anos.
Nos tumores recidivantes e metastáticos, a quimioterapia sistêmica isolada
(sem terapia anti-EGFR) resulta em uma resposta completa de 0,9 a 1,5% em 5
anos [2, 5]. Encontrou-se, sobrevida de 5,4% em 02 anos, se mantendo em até 05
anos de acompanhamento, nos tumores recidivantes, porém todos os pacientes com
tumores metastáticos faleceram em até 18 meses. Pacientes com metástase
distante, tratados com quimioterapia, raramente serão curados de sua doença [2].
Figura 2 Curvas de Sobrevida dos pacientes submetidos a QT Paliativa (a) e de Sobrevida segundo os diferentes esquemas quimioterápicos (b).
Estudos demonstram que 76,4% dos pacientes optam pelo prolongamento da
vida como a expectativa principal da quimioterapia paliativa e quase 25% esperam
apenas o controle dos sintomas. Esses achados desafiam a sobrevida como fator
principal utilizado na aprovação de medicamentos no CCP tratados com intenção
paliativa [6]. Na amostra estudada, 50% dos pacientes faleceram com 05 meses e
75% em 01 ano. Patil e colaboradores [6] expõem que 90% dos pacientes desejam
fazer quimioterapia para um aumento mínimo de 01 ano na expectativa de vida.
Fatores de prognóstico desfavoráveis para sobrevida após QT paliativa são
relacionados a perda de peso, performance, grau de diferenciação (bem ou
moderadamente), tumor primário localizado em cavidade oral, radioterapia prévia,
tipo da recidiva (locorregional e metástase não-pulmonar), intervalo livre da doença
e presença de HPV [1, 2, 7]. No entanto, neste grupo de pacientes os fatores se
44
limitaram a tumor primário localizado em orofaringe, pacientes com índice de
comorbidade de Charlson 1 e não tabagistas, porém nenhuma das variáveis
demonstrou significância no modelo multivariado (Tabela 3).
Tabela 3. Razão de chance (HR) dos fatores de prognóstico selecionados para o modelo multivariado de Cox.
*As análises foram ajustadas para Tabagista ("Sim" como referência), índice de Comorbidade de Charlson ("0" como referência), Sítio (“Cavidade oral" como referência).
Os tumores de orofaringe HPV positivos respondem melhor a terapia
sistêmica e apresentam melhores índice de sobrevida quando comparados aos
negativos, taxas estas que podem subir de 57,1% para 82,4% [5]. Não foi avaliado o
status de HPV na amostra, porém todos os pacientes com tumores de orofaringe
faleceram em até 18 meses.
Um dado supreendente foi que pacientes tabagistas apresentaram melhor
prognóstico. O etilismo e o tabagismo prediz uma pior sobrevida no diagnóstico
primário, mas até o momento não existem dados disponíveis sobre sua relevância
nos pacientes com recidivas ou metástases [7]. A interpretação com esse resultado é
que, embora o tabagismo aumente o risco de desenvolver CCP, há uma parcela de
pacientes que apesar de nunca ter fumado podem adquirir uma forma mais
agressiva da doença.
Todos os pacientes que se submeteram a QT paliativa e não faleceram em 02
anos eram do sexo masculino, tiveram tumores de cavidade oral ou de laringe em
proporções semelhantes e mais de 80%, tumores localmente avançados (T4)
(Tabela 4). Nota-se que as características dos pacientes sobreviventes se
relacionam às variáveis preditivas na regressão logística.
Variáveis* HR IC 95% p
Tabagista: (Não) 2,775 0,907-8,490 0,074
Índice de Comorbidade de Charlson 0,118
1 1,393 0,685-2,833
≥2 0,761 0,362-1,598
Sítio 0,164
Orofaringe 1,808 0,980-3,332
Laringe 1,416 0,752-2,666
45
Tabela 4. Pacientes sobreviventes após 02 anos de QT paliativa.
ICC: Índice de Comorbidade de Carlson; CDDP: Cisplatina; 5-FU: 5-Flourouracil; NI: Não Informado; M: Masculino; RT: Radioterapia; QT: Quimioterapia.
Os quimioterápicos mais utilizados na presente amostra foram a cisplatina
(CDDP) associado ao 5-fluorouracil (5FU) (15,5%), monoterapia com paclitaxel
(32,4%) ou paclitaxel com associações (+ CDDP: 18,3%; + Carboplatina: 28,2%).
Guidelines atuais preconizam como tratamento de primeira linha platinas
associadas ao 5-FU e a anticorpos monoclonais (Cetuximab e Pembrolizumab) [9].
No presente estudo nenhum dos esquemas terapêuticos constava a presença dos
anticorpos monoclonais. Ensaios clínicos de fase III demonstraram que a adição de
cetuximab prolonga a sobrevida dos pacientes [8, 10]. Infelizmente, faltam
marcadores preditivos de resposta à terapia baseada neste anticorpo [5]. Estudos
que compararam associações a base de cisplatina (com paclitaxel e com 5FU) não
encontraram diferenças significativas em relação à eficácia antitumoral entre eles [2].
Os 04 esquemas terapêuticos documentados neste estudo também se
enquadram nos quimioterápicos de primeira linha, porém menor eficácia, impacto
modesto na sobrevida, frequentemente levando o controle da doença [9]. Entre os
esquemas não houve diferença quanto a sobrevida (Figura 2).
O paclitaxel associado ou não a carboplatina são mais seguros, apresentam
leve toxicidade e interferem moderadamente nas atividades diárias. Os demais,
incluindo infusões com cetuximab, são descritos como de toxicidade significativa
gerando altas interferências nas atividades diárias. Os 04 esquemas são mais
acessíveis que os associados aos anticorpos monoclonais [9], opção de escolha por
se tratar de um hospital que atende em sua grande maioria pacientes do sistema
ID Sexo Idade (anos) Tabagismo Etilismo ICC Local TNM Terapia
inicial QT paliativa Motivo
1 M 65 Sim Sim 2 Cavidade oral T4N1M0 RT + QT Paclitaxel Doença
Residual
2 M 69 Ex NI 2 Laringe T2N0M0 RT Paclitaxel + CDDP Recidiva
3 M 69 Sim Sim 2 Cavidade oral T4N1M0 RT + QT 5FU +
CDDPDoença Residual
4 M 48 Sim Sim 0 Cavidade oral T4N1M0 RT + QT Paclitaxel Recidiva
5 M 43 Sim Ex 0 Laringe T4N0M0 RT + QT 5FU + CDDP Recidiva
6 M 68 Sim Não 2 Laringe T4N0M0 RT Paclitaxel + Carboplatina Recidiva
46
público de saúde. A questão é se estamos prontos para designar um medicamento
amplamente inacessível como padrão de atendimento com base em estudos
realizados em países desenvolvidos [6].
A sobrevida mediana em todos os esquemas terapêuticos foi de 05 meses,
inferior ao encontrado por Argiris e colaboradores [2], no qual 50% dos pacientes em
uso de CDDP + 5-FU havia falecido em 8,8 meses e em uso de CDDP + Paclitaxel
em 9,1 meses.
As mais recentes alterações epidemiológicas e a introdução de novas
modalidades terapêuticas no CCP recidivantes e metastáticos estão levando a
diferentes cenários prognósticos e terapêuticos. A capacidade de definir melhor o
prognóstico e a probabilidade de resposta de um paciente deve permitir abordagens
personalizadas, evitando-se tratamentos com alta toxicidade, custos e improvável
sucesso. Além disso, a identificação de marcadores prognósticos ou preditivos é
importante do ponto de vista da pesquisa clínica. Esses fatores podem ser usados
como variáveis de estratificação nos ensaios clínicos para otimizar o design do
estudo e entender melhor os resultados, como também ser úteis nas discussões
com os pacientes e seus familiares ao decidir sobre o melhor cenário de tratamento
paliativo [1].
Os resultados deste estudo devem ser vistas à luz de suas limitações, pois
nossos dados coletados retrospectivamente tiveram algumas ausências de dados,
incluindo dados de performance, perda de peso, presença de HPV, morbidade e
qualidade de vida.
CONCLUSÃO
A sobrevida em 02 anos dos pacientes submetidos a quimioterapia paliativa
no câncer de cavidade oral, orofaringe e laringe foi de 6,3%. O sexo masculino,
tumores na cavidade oral, tumores localmente avançados e estadiamento clínico III
e IV apresentaram-se como fatores preditivos para QT paliativa. Este perfil de
pacientes necessitam de consultas periódicas, com objetivos de vigilância pós-
tratamento, detecção precoce de recorrências, metástases ou segundas neoplasias
primárias.
Os fatores para pior prognóstico limitaram-se a tumores de orofaringe,
pacientes não tabagistas e com índice de comorbidade de Charlson 1. Ainda é
47
necessário aprimorar nosso conhecimento em relação ao prognóstico nesse cenário,
a fim de refinar o programa de tratamento adaptado ao paciente, estratifica-los
melhor em ensaios clínicos e orientá-los quanto a terapia paliativa.
FINANCIAMENTO
Esta pesquisa não recebeu financiamento para sua realização.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram que não há conflitos de interesse neste estudo.
REFERÊNCIAS
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ANEXO I
Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa
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