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VERA IMPRIO HAMBURGER
O DESENHO DO ESPAO CNICO:
da experincia vivencial forma
Dissertao apresentada Escola deComunicaes e Artes da Universidade de SoPaulo, para obteno do Ttulo de Mestre, emArtes. rea de Concentrao Artes Cnicas.Linha de Pesquisa Texto e Cena.
Orientador: Prof. Dr. Antnio Carlos de ArajoSilva.
So Paulo2014
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Dedico este trabalho a meu pai, Ernst W.Hamburger, que me apontou o caminho dapesquisa e da curiosidade pelas coisas domundo, a minha me, Amlia ImprioHamburger que me fez duvidar delas, e aFlvio Imprio, que me mostrou o prazer desimplesmente estar.
Com eles, aprendi a aprender
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AGRADECIMENTOS
Em dvida sobre a ordem, procedo por medida cronolgica. Seguindo o descrito nesta dissertao,
do fim ao comeo desta pesquisa, agradeo pela inestimvel contribuio de meu orientador Antonio
Arajo, pelas consideraes na ponta do lpis, palavras e olhar afiados.
Sou grata ao departamento de Cinema, Radio e Televiso, assim como ao de Artes Cnicas da
Escola de Comunicao e Artes da Universidade de So Paulo, respectivamente CTR ECA USP e
CAC ECA USP, pelo apoio imprescindvel a esta pesquisa. Em particular ao Prof. Dr. Luis Fernando
Angerami Ramos, Profa. Dra. Maria Dora Genis Mouro e Prof. Joo Batista Godoy de Souza, que
acolheram a experincia na escola de audiovisual e criaram condies para que o projeto se
realizasse como planejado. No mesmo sentido, agradeo a Profa. Dra. Maria Helena Franco de
Arajo Bastos, que nos encaminhou ao espao do CAC. Aos funcionrios das referidas unidades,
entre administrativos e tcnicos, que organizaram, encomendaram, equiparam e acompanharam suaproduo. A seus corpos docentes, pela cortesia e colaborao pesquisa.
Sou grata a Profa. Dra. Maria Lcia Pupo, pela indicao de bibliografia fundamental para as
conexes aqui construdas, assim como as consideraes feitas pela Profa. Dra. Ana Maria Belluzzo
sobre o apresentado em banca de qualificao. Profa. Dra. Silvia Fernandes Telesi, devo a leitura
de autor complementar que mostrou-se igualmente essencial ao desenvolvimento desta anlise,
como salientado pela benvinda colaborao de Julia Guimares.
A Profa. Dra. Cibele Forjaz por ter inventado que esse era o caminho, me convencido e colaborado
em sua realizao, ao lado de outros, aqui nominados: os estudantes monitores Gabriela Torrezani,
Fernando Passetti, Olvia Teixeira e Ana Claudia Amaral; a fotgrafa Ana Laura Leardini, que
planejou e acompanhou cada sesso com cmeras de vdeo e projetores, produzindo as imagens
que acompanham esta escrita; ao estudante Yugo Hatori e sua eventual colaboradora Marlia
Mencucini, pela sonorizao das aulas e a querida Julia Zakia que as iluminou.
Sou especialmente grata aos estudantes que deram forma a esta experincia e emprestaram seus
depoimentos, com sinceridade e dedicao, em prol da pesquisa comum. A Manoela Cardoso, que as
editou criando novo movimento quilo que foi vivido. O labor dissertativo contou ainda com a
substancial colaborao das estagirias e companheiras Luiza Strauss e Marina Diez, na preparao
e ordenao do material documental reunido e sua curtio.
Sou grata queles que contriburam nesta construo ao longo dos anos. Dentre os quais, destaco a
irmana colaborao de Raimo Benedetti, pela longevidade e qualidade da parceria que no cessa,
assim como Paulo Von Poser e Renina Katz. A todos os colegas professores que me acompanharam
em trajetrias didticas anteriores. Aos diretores das instituies que me ofereceram espao e apoio
no desenvolvimento dessa pesquisa, das quais destaco: a Vdeo Fundio, no Rio de Janeiro, onde
tudo comeou; a Escola So Paulo e o Centro Cultural Barco, que possibilitaram as novas
experincias; Fundao Joaquim Nabuco, atravs do Centro Audivisual Norte Nordeste, por ter
me levado, lecionando, a outras regies do pas e, afinal experincia ocorrida na 12a. Quadrienal
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de Praga, que reuniu-me a estudantes de lugares estrangeiros, em nova perspectiva de
experimentao.
Por fim, agradeo a meu pai, pela convivncia estimulante e apoio dirio incondicional, a meus
irmos e a todos aqueles que compreenderam minha ausncia temporria.
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Como epgrafe
fao minhasas palavras na lousa de Amelinha:Quem duvida se equilibra.
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RESUMO
O objetivo desta pesquisa o desenvolvimento de uma metodologia de ensino de direo de
arte cnica e cinematogrfica, realizada atravs de experincias prticas e sesses
explanativas, de carter interdisciplinar e coletivo. Quando falamos de Direo de Arte
estamos nos referindo a uma rea do conhecimento cuja sintaxe baseia-se no trinmio Corpo-
Espao-Tempo, conformando-se, por excelncia, em uma linguagem multidisciplinar. Nosso
foco de estudo concentra-se no processo de aprendizado de estudantes universitrios,
provenientes de diferentes escolas ligadas s artes do espao, sobre aspectos fundamentais da
criao do ambiente da cena, seja ela performativa, expositiva, teatral ou audiovisual. Tem
como objeto de pesquisa o Laboratrio Interdisciplinar - Fronteiras Permeveis, desenvolvidopela pesquisadora, durante o segundo semestre de 2013, na Escola de Comunicaes e Artes
da Universidade de So Paulo, como disciplina optativa livre presente no currculo do
departamento de Cinema, Rdio e Televiso, sob o ttulo Seminrio Temtico - CTR 0809.
Atravs da anlise da experincia realizada, dos depoimentos dos estudantes participantes e
de estudo terico, pretende-se discutir, nesta dissertao, a pertinncia da metodologia
aplicada, que rene tanto experincias vivenciais, de carter coletivo, quanto aulas
discursivas, no mbito da Universidade de So Paulo. Atravs de anlise bibliogrfica e dadiscusso da prtica realizada junto aos estudantes, pretende-se avaliar seus limites e alcances,
verificando a possibilidade de sua aplicao na esfera universitria.
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ABSTRACT
This dissertation presentes a teaching methodology for scenic and cinematic arts which was
accomplished through interdisciplinar, and collective, sessions both for practical experiences,
and exposition. When talking about Art direction, it is referred to the knowledge area whose
syntax is based on the Body-Space-Time triad, par excellence conforming a multidisciplinary
language. The spoken Art Direction subject is refered to this area of knowledge whose syntax
is based on the Body-Space-Time triad, par excellence conformed in a multidisciplinary
language. The focus of this study is a group of University of So Paulo students learning
process. Students come from different programs (Architecture, Audiovisual, and Cenic Arts),
all related to the arts of the space, with emphasis on: creating and designing athmosphereseither for performances, exhibits, theatral or audiovisual. Research for this dissertation was
conducted in the interdisciplinary laboratory - Permeable Borders, developed by the
researcher during the second half of 2013, at the School of Communication and Arts in the
University of So Paulo, as an open elective discipline of the Film and Television program,
under the title: Thematic Workshop - CTR 0809. Analysis of course experiences, participants
testimonials, and theoretical considerations form the empirical database for the discussion of
he efficacy of the applied methodology,. Through bibliographical references and theargumentation about the practical activities conducted with the students, this dissertation
proposes new interdisciplinary theoretical and practical tools to stimulate the production of
shared knowledge about scenic space among university undergraduate students.
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APRESENTAO
Sou arquiteta e urbanista graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de So Paulo (FAU USP) em 1989. Porm, atuo profissionalmente, desde apoca da escola, em projetos de cenografia e direo de arte de diferentes gneros de
linguagem, a saber: teatro, pera, dana, cinema e exposies temticas. A vivncia estudantil
abriu caminho para a reflexo sobre a linguagem arquitetnica e visual, enquanto a prtica
profissional apresentou-me expresso cnica e cinematogrfica, em trabalhos desenvolvidos
por equipes multidisciplinares.
A formao oferecida pela escola proporcionou-me a vivncia, como discente, de
diversos princpios outrora defendidos pela Bauhaus. Cursos oferecidos por professores comoRenina Katz, Joaquim Guedes, Paulo Mendes da Rocha, Dcio Pignatari e Ana Maria
Belluzzo, entre outros, citavam a escola alem sob aspectos diversos. Ao mesmo tempo, o
embate contnuo entre diferentes vises pedaggicas desenvolvidas na unidade universitria
apresentou-se sob o ponto de vista da estudante. Debates sobre metodologia do ensino da
arquitetura e artes relacionadas desdobraram-se durante os seis anos em que frequentei o
curso, instigando a reflexo sobre o tema desde a graduao.
Por outro lado, na perspectiva de minha histria pessoal, posso dizer que as questes
relativas pesquisa e ao ensino estiveram, frequentemente, presentes em minha vida. A
observao da atuao profissional de meus pais como pesquisadores e docentes do Instituto
de Fsica da USP, me levou a auditrios tornados laboratrios e laboratrios cientficos em
sala de aula. Os professores Ernst W. Hamburger e Amlia Imprio Hamburger tiveram
atuao marcante na pesquisa didtica, assim como na elaborao histrica e na divulgao da
cincia no Brasil. A atividade investigativa prtica foi por eles adotada tanto como forma de
ensino em sala de aula, laboratrios cientficos ou auditrios de palestras, como na
conformao de exposies cientficas. Tive a oportunidade de compartilhar algumas dessas
experincias em visitas eventuais s sesses didticas, realizaes de divulgao da cincia,
ou mesmo em recorrentes discusses nas mesas de almoo. No mesmo sentido, acredito que a
convivncia familiar com o artista visual e cnico, arquiteto e professor Flvio Imprio deixou
sementes para minhas escolhas profissionais e acadmicas.
Ao me envolver em projetos nos diferentes campos da cultura, percebi a
responsabilidade assumida pelo diretor de arte e o pouco reconhecimento de sua funo, isto
, o pouco entendimento sobre o papel e abrangncia da concepo do espao cnico/visual
na construo das obras.
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Na busca por parmetros mais claros para o meu prprio trabalho, passei a dedicar-me,
paralelamente atividade artstica profissional, pesquisa e ensino sobre a matria, a mim to
cara. Em 2003 ofereci meu primeiro workshop na Vdeo Fundio, escola livre de cinema,
vdeo e TV para produtores, atores e realizadores com sede na Fundio Progresso, na cidade
do Rio de Janeiro.
Em 2004 recebi o apoio da Bolsa Vitae de Artes para desenvolver a pesquisa Arte em
cena, a direo de arte no cinema brasileiro1, cujo resultado parcial foi lanado, em livro
homnimo, pela Editora SENAC-SP, em parceria com a Edies SESC-SP. Nessa
investigao, tive a oportunidade de, alm de fazer extensa pesquisa histrica sobre a matria,
trocar ideias e reflexes sobre o tema com alguns dos mais experientes profissionais do
cinema e do teatro nacionais. Desde ento, mantenho ininterrupta atividade didtica e depesquisa sobre a matria.
Ao longo dos anos, atravs da convivncia com os estudantes, em sala de aula, e seus
questionamentos, tornou-se clara a necessidade da adoo de novas experincias para o
ensino das matrias bsicas da direo de arte. Conformados por regras artsticas e referncias
visuais externas, os estudantes esqueciam-se de refletir sobre sua prpria vivncia cotidiana
com a matria, o espao e o tempo.
A reflexo sobre os efeitos sensoriais, emotivos e intelectuais presentes na obraplstica-espacial mostrava-se limitada. Pareceu-me premente adotar como mtodo de ensino
de direo de arte, modos de atuao criativa que levassem formao de um repertrio
prprio a cada indivduo, isto , a um real aproveitamento de suas potencialidades
expressivas.
O aprimoramento da percepo espao visual e seus elementos conformativos passou
a ser o principal objetivo, assim como a compreenso da dinmica coletiva nas realizaes
empreendidas. Nesta perspectiva, passei a elaborar cursos em diferentes formatos. Durante osltimos sete anos foram ministrados, em escolas de curso livre ou cursos universitrios, desde
mdulos de mdia extenso, com durao de quatro meses, at experincias de doze horas de
trabalho, divididas em dois dias consecutivos, como foi o caso daquela realizada por ocasio
da Scenofest/Quadrienal de Praga 2011.
Porm, a criao programtica de cada experimento didtico realizado deu-se, at
agora, de forma emprica. Procuro, atravs da pesquisa, ora desenvolvida em ambiente
acadmico, encontrar embasamento para a continuidade dessa investigao. Para tal, contando1HAMBURGER, V. ,Arte em cena, a direo de arte no cinema brasileiro. So Paulo: Editora Senac e EdiesSesc, 2014.
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com o apoio da Universidade de So Paulo, foi realizado o Laboratrio Interdisciplinar
Fronteiras Permeveis como experimentao prtica a ser discutida junto aos estudantes e
professores envolvidos, luz de bibliografia selecionada em acordo com o orientador deste
trabalho, Prof. Dr. Antonio Carlos de Araujo Silva, e os participantes da banca de qualificao
realizada em setembro de 2013, Profa. Dra. Ana Maria Belluzzo e Profa. Dra. Maria Lcia
Pupo.
No h como evitar, nessa dissertao, que a arquiteta, diretora de arte de exposies,
cinema e teatro converse com a pesquisadora da linguagem e do ensino, faces
complementares da mesma figura. Da mesma forma, a autora coloca-se em campo, vez por
outra, atravs de citaes ao livro recm-lanado Arte em cena, a direo de arte no cinema
brasileiro.
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SUMRIO
1.INTRODUO14
2. CAPTULO 1DIREO DE ARTE:A PRESENA,O SENTIDO E A MULTIDISCIPLINARIDADE
2.1. Produo de presena e a conformao de uma experincia esttica 25
2.2. As Matrias da Direo de Arte 26
2.3. Uma experincia esttica: objetivo e processo 47
3. CAPTULO 2OENSINO COMO EXPERINCIA
3.1. Da prtica discusso conceitual 523.2. Corporalidade e percepo 58
3.3. Fronteiras Permeveis 66
3.4. A construo de um laboratrio pedaggico 69
3.5. Experincias Referenciais 75
4.CAPTULO 3LABORATRIO INTERDISCIPLINAR FRONTEIRAS PERMEVEIS
4.1. Programa 83
4.2. Descrio da experincia 90
5.CAPTULO 4RESULTADOS
5.1. Cartas de Inteno 184
5.2. Cadernos e depoimentos finais 191
5.3. Dificuldades encontradas 275
5.4. Sobre os Cadernos 288
5.5. Sobre as formas construdas 291
5.6. Sobre o contedo tico 2925.7. Avaliao geral 300
6.CONSIDERA ES FINAIS 306
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7.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 316
8.NDICE DE APNDICES IMPRESSOSA : Tabela -Experincias Pedaggicas Anteriores 319
9. NDICE DE APNDICES EM MDIA DIGITAL (DVD)
C : Cartaz de divulgao da Apresento do curso DVD
D: Material Grfico utilizado na Aula de Apresentao do Curso DVD
10.NDICE DE ANEXOS EM MDIA DIGITAL (DVD)
A : Programa de curso : Introduo Direo de Arte e Cenografia DVD
B : Programa de curso : Direo de Arte 1 semestre - Mdulo 1 DVD
C : Programa de curso : Direo de Arte - 1 semestre Mdulo 2 DVD
D : Cartas de Inteno DVD
E : Cadernos PessoaisF : Depoimentos sonoros
DVDDVD
G : Depoimentos escritos DVD
H : Videografia Editada DVD
I : Videografia Recortada DVD
J : Folhas Avulsas produzidas na Galeria Flrida DVD
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1.INTRODUO
Apesar do papel e abrangncia da Direo de Arte na produo da obra artstica
contempornea, sua presena nos currculos universitrios deficiente. Matria de carter
multidisciplinar, no encontra, na atual diviso das escolas de nvel superior, espao para que
desenvolva um sistema pedaggico prprio. A experincia aqui empreendida, com o apoio da
Escola de Comunicao e Artes da USP, atravs de seus departamentos de Cinema, Radio e
Televiso e Artes Cnicas, pretende trazer subsdios para a discusso e contribuir para o
urgente preenchimento desta lacuna no processo de aprendizado do artista brasileiro em
formao.
Este trabalho d continuidade s investigaes que venho desenvolvendo tanto na reade ensino, quanto na prtica artstica. Atravs dele discuto com tericos, artistas, professores e
estudantes, aspectos fundamentais da conformao do espao do espetculo, assim como
metodologias para o ensino da matria. A palavra espetculo entendida aqui como evento de
expresso artstica ou cultural que baseia-se na imerso do espectador-visitante em um espao
visual significante.
Estruturado a partir de experincias de ensino anteriores, o Laboratrio Interdisciplinar
Fronteiras Permeveis procura colaborar, atravs de procedimentos analticos e laboratoriais,com a construo de parmetros atuais de ensino da Direo de Arte, em critrios renovados.
A anlise sobre a experincia realizada foi desenvolvida atravs da documentao
multimdia produzida - material composto por vdeos, imagens captadas em diferentes
formatos, depoimentos sonoros e textuais, alm de desenhos cujos autores formam extensa
ficha tcnica, entre estudantes, estudantes monitores, professores e tcnicos, alm de artistas
convidados, que trabalharam em atuao colaborativa.
1.1. Da elaborao terica
As fontes bibliogrficas foram igualmente fundamentais para a elaborao de
fundamentos sobre a experincia desenvolvida. Atravs das reflexes de artistas e pensadores
sobre processos criativos e educacionais experimentados, pudemos confirmar, corrigir,
acrescentar e assim enriquecer a anlise sobre a experincia desenvolvida.
Se as experimentaes educacionais desenvolvidas pela Staatliches-Bauhaus (1914
1933, Alemanha), assim como aquelas desenvolvidas pelo professor Flvio Imprio (1935-1985, Brasil), na FAU USP, foram referncias bsicas para a elaborao deste trabalho. O
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pensamento do filsofo e pedagogo norte-americano, John Dewey (18591952, EUA), foi
adotado como parmetro terico fundamental, enquanto o estudo sobre os efeitos de presena
e sentido, conceitos elaborados pelo filsofo e professor de literatura alemo, radicado nos
Estados Unidos, U. H. Gumbrecht (1949, Alemanha), nos oferecem definies que
reconhecemos, por presena, na prtica empreendida.
No pensamento dos professores consultados, encontramos dilogo tanto no que diz
respeito s experincias pedaggicas realizadas, quanto s consideraes sobre o papel e
abrangncia do ensino artstico. Se os professores artistas da Bauhaus e da FAU USP trazem
da prtica a reflexo terica, os filsofos auxiliaram-nos, com a formulao de conceitos
fundamentais elaborao dessa dissertao, estabelecendo parmetros e vocabulrio para o
exame da experincia realizada.
Enquanto a interlocuo com Flvio Imprio e Oskar Schlemmer traz a experincia
direta do corpo no espao como mtodo de ensino aliado pesquisa artstica, em Moholy-
Nagy (1895, Hungria 1946, EUA) encontramos consideraes provenientes da mesma
investigao na escala do modelo tridimensional. Em Paul Klee, Joseph Albers e W.
Kandinsky o plano bidimensional e seus elementos primordiais apresentam-se em diferentes
vises, nas quais igualmente encontramos pontos interessantes para essa anlise. Unem-se a
eles Joseph Itten e Walter Gropius para o debate sobre a estruturao de um curso artstico.Alm disso, acreditamos que o estabelecimento de metas pedaggicas deste trabalho est a
eles ligado, de maneira intrnseca, atravs da experincia discente, junto FAU USP, nos
anos 1980.
John Dewey, atravs da obra Arte como experincia2, apresenta fundamentos que
perpassam as reflexes sobre o ensino artstico aqui consideradas. Por sua vez, H. U.
Gumbrecht nos oferece definies de igual valor anlise, atravs do enunciado apresentado
na publicao Produo de Presena, o que o sentido no consegue transmitir3
, no qualestabelece o conceito deproduo de presena, onde, segundo o autor:
A palavra presena no se refere (pelo menos no principalmente) a uma relaotemporal. Antes refere-se a uma relao espacial com o mundo e seus objetos. (),uso produo no sentido de sua raiz etimolgica (do latim producere), que serefere ao ato de trazer para frente um objeto no espao. Aqui a palavra Produono est associada fabricao de artefactos ou de material industrial. Por isso, aproduo de presena aponta para todos os tipos de eventos e processos nos quais
2DEWEY, J. Arte como experincia. Org. Jo Ann Boydston; traduo Vera Ribeiro. So Paulo, Martins Fontes,2010.3GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produo de Presena, o que o sentido no consegue transmitir. Rio de Janeiro,Editora PUC-RIO e Contraponto, 2010, p. 15.
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se inicia ou se intensifica o impacto dos objetos presentes sobre os corposhumanos.4
Reconhecendo na materialidade meio de estabelecimento de conexes essenciais
vida, assim como na arte e em seu ensino, de propriedades presenciais insubstituveis por
palavras, o pensador alemo contrape-se tradio interpretativa da busca do sentido sobre
as coisas do mundo. Sem recusar a participao de bases cartesiana, hermenutica ou
metafsica, Gumbrecht apoia-se na concepo do homem heideggeriano para propor a soma
entre efeitos de presena e efeitos de sentidocomo modo de compreenso humana sobre si e o
universo do qual faz parte, desafiando [...] uma tradio largamente institucionalizada,
segundo a qual a interpretao ou seja, a identificao e/ou atribuio de sentido a
prtica nuclear, na verdade a nica, das Humanidades5.
Nesse sentido, alinhamo-nos ao compromisso assumido pelo autor, como estabelecido
noManual do usuriode sua obra, para a elaborao da metodologia especfica para o ensino
da Direo de Arte da cena, em linha semelhante seguida por Dewey, na presente pesquisa:
[] lutar contra a tendncia da cultura contempornea, de abandonar, e at esquecer,a possibilidade de uma relao com o mundo fundada na presena. Maisespecificamente, [] de lutar contra a diminuio sistemtica da presena e contra acentralidade incontestada da interpretao nas disciplinas do que chamamos Artese Humanidades.6
Entende-se aqui, os efeitos de presenacomo resultados da convivncia corprea entre
o ser e ascoisas do mundo7. Segundo o professor, tal contato capaz de provocar mltiplos
sentidos e significados ao objeto em presena do ser, ao atuar, de forma global e
interconectada, sobre os diferentes meios de percepo humana. Tal valor, como definido
pelo autor, para ns fundamental, na medida em que reconhece atributos essenciais da
materialidade, com os quais lidamos no dia a dia da elaborao profissional. A expressividade
de um diretor de arte depende da capacidade de compreenso sobre as propriedades
comunicativas impregnadas na corporalidade e na visualidade do evento vivenciado por
presena em experincia artstica.
Pode ser mais ou menos banal observar que qualquer forma de comunicao implicatal produo de presena; que qualquer forma de comunicao, com seus elementosmateriais tocar os corpos das pessoas que esto em comunicao de modos
4GUMBRECHT, 2010, p.13.5idem, p. 15.6idem, p. 15.7DEWEY, 2010, passim; GUMBRECHT, 2010.
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especficos e variados8.
Por efeitos de sentidos compreendemos os aspectos de natureza cognitiva presentes no
mesmo convvio e igualmente participantes do processo de significao sobre a obra. Osistema de elaborao da experincia vivida envolve, neste sentido, padres memoriais, de
ordenao complexa. Neste conceito, a nosso entender, esto embutidos aspectos igualmente
entrelaados. Questes afetivas, histricas, psicolgicas ou de ordem intelectual e poltica so
substratos igualmente presentes no objeto de ateno. Conexes, as mais variadas, so
estimuladas por provocaes contidas no espao simultaneamente apreenso sensorial.
Por outro lado, nos alinhamos ao professor, por suas consideraes sobre a cultura da
interpretao hermenutica, ou representao metafsica e psicolgica - e por vezes patafsica9,
do ponto de vista de Cortzar (1999) - dominante na estrutura de ensino atual em geral.
Reflexo sentido em nosso dia a dia.
Ao mesmo tempo em que o mundo atual se desenvolve em normas confusas, o autor
nos apresenta posturas que envolvem questes ticas em consideraes sobre o fazer artstico.
Sob o ponto de vista do ensino da histria da literatura, nos apresenta conceitos que fazem
parte dessa pesquisa. Sem recusar a participao dos significados cognitivos, que vnhamos
falando, como participantes essenciais do complexo processo de significaosobre as coisas
do mundo, discutimos, neste trabalho, seu domnio enquanto meio de comunicao entre os
homens.
Ao definir a oscilao entre efeitos de presena e de sentido, existentes na
convivncia matrica, como estrutura capaz de gerar experincias imersivas de intensidade
especial, atravs da qual o prazerda presena se faz satisfeito, Gumbrecht (2010) discute a
ideia de experincia esttica como forma de ensino na atualidade:
[...] penso que a experincia esttica pelo menos em nossa cultura sempre nosconfrontar com a tenso ou a oscilao, entre presena e sentido. Sem entrar aindaem pormenores, minha hiptese inicial que aquilo que chamamos "experinciaesttica" nos d sempre certas sensaes de intensidade que no encontramos nosmundos histrica e culturalmente especficos do cotidiano em que vivemos.10
Os conceitos de materialidade, no hermenutico e presena, apresentados pelo
pensador,so elementos fundamentais para a construo da experincia de ensino proposta,
no s no que diz respeito metodologia aplicada, mas tambm na construo do contedo a
8GUMBRECHT, 2010. p. 39.9CORTZAR, J. O Jogo da Amarelinha. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1999.10GUMBRECHT, 2010. p. 128.
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ser apreendido. Da mesma forma, o estabelecimento dos parmetros de epifania,
presentificao edixiscomo elementos primordiais prtica junto ao estudante, trouxeram
aspectos fundamentais anlise sobre a investigao pedaggica.
Momentos de intensidade especial vividos na experincia pedaggica, pelo estudante,
so tidos, na mesma linha de raciocnio, como instantes de iluminao especial que provocam
a configurao instantnea de significaes latentes, contidas nas descobertas sobre a forma,
na convivncia matrica. Atravs da intercomunicao entre os elementos presentes ao
momento, e de sua intensidade, a memria do estudante acionada.
Em dilogo com o autor, reconhecemos instantes vividos em nossa prpria
experincia, como discente ou docente, tambm na constituio da ideia depresentificao. A
propriedade do aprendizado depende da qualidade de presena do estudante, como serintegralmente entregue, no momento e lugar, experincia. Condio primordial para que o
processo de aprendizado se efetue em sua complexa potencialidade, segundo o professor.
Neste sentido, o pensador ajusta a posio do mestre no espao de aula. A forma de
conduo de uma sesso por ele discutida atravs da formulao da palavra, dixis. Se
detentor de conhecimentos interessantes ao grupo reunido, o mestre priorizado enquanto
apontador, provocador e condutor da experincia esttica pedaggica.
Tornando presente, no meio acadmico contemporneo, questes fundamentaistratadas anteriormente por John Dewey, Grumbrecht apoia-nos na atualizao de aspectos
discutidos pelo pedagogo norte-americano. A trajetria dos pontos que orientam esta pesquisa,
perpassam linhas em cruzamento geogrfico e temporal.
Se a Bauhaus encontra-se em ponta deste pensamento, Flvio Imprio apresenta-se em
sentidos complementares, assim como outros mestres da histria da educao brasileira, como
o baiano Ansio Teixeira (1900-1971, Brasil) e o pernambucano Paulo Freire (1921-1997,
Brasil). Geraes sucedem-se na pesquisa experiencial enquanto metodologia de ensino, emcontraposio aos procedimentos historicamente dominantes, baseados no que podemos
chamar aqui, de sistema bancrio 11, como defendido, por Freire, em obras como
Pedagogia da autonomia12, ou utilizado nesta pesquisa como argumento primordial.
Ressaltamos, por fim, a contribuio do pensamento de John Dewey para esta pesquisa.
Articulando-se em uma teoria da experincia como mbito de intercmbio entre sujeito e
meio em que est inserido, com aplicao tanto ao educacional, quanto na relao entre
11Paulo Freire contraps firmemente ao que entendeu por ensino bancrio, caracterizado por: transmisso deum conhecimento hierarquicamente disposto; conhecimento disposto dentro de um currculo fechado; contedosdesintegrados entre si; comportamento acrtico do aluno.12FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. So Paulo, Editora Paz e Terra, 2009.
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homem e obra artstica, o autor discute questes convergentes nossa investigao. Por suas
palavras traduz ideias das quais partiram as propostas pedaggicas aqui analisada, por
exemplo ao dizer:
Aprender da experincia fazer uma associao retrospectiva e prospectiva entreaquilo que fazemos s coisas e aquilo que em consequncia essas coisas nos fazemgozar ou sofrer. Em tais condies a ao torna-se uma tentativa; experimenta-se omundo para se saber como ele ; o que sofre em consequncia torna-se instruo isto , a descoberta das relaes entre as coisas.13
Nesta perspectiva,Dewey distingue diferentes espcies de experincias, conforme a
proporo de reflexo que contenham: a ao que repousa unicamente no mtodo de
tentativas e erros e a descoberta minuciosa das relaes entre nossos atos e o que acontece em
conseqncia deles. Segundo o autor, na primeira, ficamos merc das circunstncias; na
segunda, surge o elemento intelectual e, medida que este surge, aumenta o valor da
experincia, caracterizando-a por uma qualidade esttica.
A partir de critrios prprios, seus enunciados dialogam com o postulado por
Gumbrecht quanto especialidade da experincia esttica como agente reformulador de
significados cruciais vida. Para o pensador, uma experincia singular aquela que se
destaca da vida cotidiana, atingindo a memria e imaginao do participante por seu carteresttico, ou seja, devido interao contnua entre o organismo total e os objetos, em
complexo processo de significao, o qual envolve a combinao dos sentidos: oprtico, o
intelectual e o afetivo em igual valor.
Nesse sentido, elabora o conceito de percepo como ao interpenetrante entre os
sentidos motores tctil, visual, olfativo e relativos ao movimento -, e o repertrio referencial
histrico, intelectual e afetivo contido na elaborao sobre as experincias passadas,
garantindo assim a apreenso de significados que vo alm do mero reconhecimento. Em
suas palavras:
A percepo substitui o mero reconhecimento. H um ato de reconstruo, e aconscincia torna-se nova e viva. Esse ato de ver envolve a cooperao de elementosmotores, embora eles permaneam implcitos, em vez de se explicitarem, e envolvea cooperao de todas as ideias acumuladas que possam servir para completar anova imagem em formao.14
13DEWEY, 1959b. apud MAGALHES, Virgnia Maria de Melo. O Conceito da Experincia em Dewey e a
Formao de Professores. Disponvel em: Acesso em 4 set 2014.14DEWEY, John. Arte como Experincia; Org. Jo Ann Boydston; traduo Vera Ribeiro. So Paulo, MartinsFontes, 2010, p. 135.
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Reconhece o processo mltiplo de gerao de sentidos contido na vivncia da matria,
seja na fruio da obra artstica ou da vida cotidiana, assim como no encadeamento do
aprendizado. Definindo a noo de processo cumulativo como elemento essencial da
conformao de uma experincia esttica, aponta a interpenetraoentre os diversos sentidos
perceptivos humanos como agentes complementares de significao sobre o percurso
vivenciado.
Ao manipularmos, tocamos e sentimos; ao olharmos, vemos; ao escutarmos,ouvimos. A mo se move com a agulha usada para gravar ou com o pincel. O olhoacompanha e relata a consequncia daquilo que feito. Graas a essa ligao ntima,o fazer posterior cumulativo, e no uma questo de capricho nem de rotina. Emuma enftica experincia artstico-esttica, a relao to estreita que controla ao
mesmo tempo o fazer e a percepo.
15
Desfazendo a ciso entre o prazer contido no desfrute e o sofrer tpico da criao,
Dewey retira o estudante, o espectador ou observador da situao passiva, em que foram
localizados por prticas dominantes no ensino e no fazer artstico.Para criar sua experincia,
e atravs da oscilao entre os dois elementos passivo e ativo - reconhecer os sinais da
emoo. atravs dela, que, segundo ele, d-se o fenmeno da percepo de significados
tangveis presentes experincia. Na exposio de sua teoria, ordenao, ritmoe unidadeso
elementos chave para a construo esttica, seja na vivncia artstica ou de carter
pedaggico.
A forma do todo, portanto, est presente em todos os membros. Realizar e consumarso funes contnuas, e no meros fins localizados em apenas um lugar. O gravador,o pintor ou o escritor encontram-se no processo de completar algo a cada etapa deseu trabalho. A cada momento, tm de preservar e resumir o que se deu antes comoum todo e com referncia a um todo que vir. Caso contrrio, no h coerncia nemsegurana em seus atos sucessivos. A sucesso de feituras no ritmo da experinciaconfere variedade e movimento; protege o trabalho da monotonia e das repeties
inteis. As vivncias experimentadas so os elementos correspondentes no ritmo eproporcionam unidade; protegem o trabalho da falta de propsito de uma merasucesso de excitaes. Um objeto peculiar e predominantemente esttico, gerandoo prazer caracterstico da percepo esttica, quando os fatores determinantes dequalquer coisa que se possa chamar de experincia singular se elevam muito acimado limiar da mesma unidade qualitativa em todas elas.16
Como seu colega alemo, discute a fragilidade da significao simplesmente
interpretativa dominante em sistemas produtivos, assim como dos dedicados ao ensino. Nessa
direo, presentifica os diversos elementos envolvidos na percepo como produtores de
15Idem p. 13016Idem p. 140
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sentido siameses discusso intelectual, ressaltando a partipao de valores afetivos,
criativos e intelectuais extrados de ns mesmos17como base de significao a tais estmulos.
Em suas palavras, por grifo prprio:
Quando o resultado "significado" uma questo de associao e sugesto, ele sesepara das qualidades do meio sensorial e a forma perturbada. As qualidadessensoriais so os portadores dos significados, []. As obras de arte, assim como as
palavras, so prenhes de significado. Os significados, originando-se na experinciapassada, so meios pelos quais se efetua a organizao especfica que distinguedeterminado quadro. No so acrescentados por associao mas constituemigualmente a alma cujas cores so o corpo, ou o corpo cujas cores so a alma conforme nos suceda interessarnos pelo quadro18.
Preconizada por Dewey como processo de movimento contnuo - alternado entre fases
de impulso e repouso, a serem necessariamente equilibradas por etapas de comeo, meio e fim
- as propriedades da experincia, enquanto procedimento pedaggico pontuam-se, em
Gumbrecht, por momentos de epifania instantnea, articulada livremente pelo estudante. Tal
ponto discordante entre os dois pensadores encontram no presente trabalho convergncia,
tendo revezado-se na anlise sobre as experincias empreendidas.
O desejo aparece em ambos os autores como agente propulsor da ao criativa, e
portanto, do processo de aprendizado artstico, como acreditamos. Enquanto um fala do
sentimento ligado vontade de emoo, definindo este termo como momento de ruptura
determinante construo formal significante, o outro o considera em relao vontade de
fruio dapresena. Sob diferentes pontos de vista, o prazer envolvido na vivncia esttica
regido pela dinmica da vontade da forma, interior e intrnseca ao ser, assim como ao objeto,
sendo, dessa forma elemento fundamental ao processo de construo e compreenso artstica.
Por Dewey:
No h nada de esttico na arte em si. O produto dessas artes se toma esttico emresposta a um desejo totalmente diferente, que tem razes, normas e imperativos
prprios". Esse desejo "totalmente diferente" o desejo de formas, e surge em vistada necessidade de satisfao de relaes congruentes entre nossas modalidades deimagens motoras. () A demanda de formas atendida quando nossas imagensmotoras reencenam as relaes incorporadas em um objeto ().19
A emoo o sinal consciente de uma ruptura real ou iminente. A discrdia oensejo que induz reflexo. O desejo de restabelecimento da unio converte asimples emoo em um interesse pelos objetos, como condies de realizao daharmonia. Com a realizao, o material da reflexo incorporado pelos objetoscomo o significado deles. Uma vez que o artista se importa de modo peculiar com a
17DEWEY, 2010. p.242.18Idem p. 233.19Idem p. 208.
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fase da experincia em que a unio alcanada, ele no evita os momentos deresistncia e tenso.20
As consideraes de Dewey sobre o fazer artstico e a atividade pedaggica, assim
como os conceitos analisados sob o ponto de vista de H. U. Gumbrecht, coincidem com aexperincia prtica. A Direo de Arte lida com processos de significao complexos ao
reunir, em sua atuao, a multiplicidade formal e a complexidade relativa de sua atuao.
Manipula o repertrio da arquitetura, das formas e de suas qualidades, em obras de linguagem
composta. A busca da unidade envolve conceitos como ritmo e frequncia, como apresentado
pelo pedagogo americano. Termos coincidentes s reflexes que comandaram aes da
Bauhaus, nas mltiplas vises contempladas, presentes tambm na atuao de Flvio Imprio,
em sentidos diversos e novos pontos convergentes.Atravs de instrumentos bsicos, como o desenho do espao, a fabricao da trama do
claro-escuro, o jogo cromtico, as caractersticas dos materiais, o objeto, a figura ou a imagem
em cena, trabalha-se com a oscilao entre a criao de efeitos de presena e efeitos de
sentido visando a criao de uma experincia esttica completa ao dispor do espectador ou
visitante.
Nesse sentido, os autores apresentam conceitos que corroboram para a anlise aqui
empreendida, na medida em que os reconhecemos, como questes primordiais para o ensino
da disciplina proposta. Nossa hiptese primordial que o ensino de Direo de arte deve
configurar-se como uma experincia singular, de intensidade especial, ou seja, uma
experinciade qualidade estticado incio ao fim do percurso desenvolvido.
Artfices de mltiplas expresses, que tornaram-se mestres da rea artstica e
pedaggica em diferentes perodos da histria e lugares geogrficos, confluem na percepo
de valores de experincia ao processo de aprendizado, como forma cumulativa de fabricao
de significados essenciais sobrevivncia humana, em contraponto a vises de carter
interpretativo, hermenutico, etc. Foi reconfortante deparar-me com prticas e reflexes
coincidentes na complexa produo intelectual e documental visitada, colaborando para a
estruturao deste documento.
Seguimos princpios compartilhados aos pensadores consultados, tanto no que diz
respeito ao conceito de obra artstica quanto do ponto de vista da atividade pedaggica,
experimentada em laboratrio de ensino da matria. Dessa forma, este trabalho de pesquisa
segue os mesmos parmetros que nortearam a metodologia didtica experimentada: utiliza-se
20Idem p. 77
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da prtica para checar a discusso terica. Nesse sentido elaboramos a estrutura desta
dissertao.
1.2. Do contedo e ordenao
No Captulo 1 - Direo de Arte, o contedo do curso,fazemos um ensaio sobre o
papel e abrangncia da direo de arte na construo artstica contempornea, e em diversas
reas de atuao disponveis no mercado. Nosso tema envolve assuntos diversos como:
exposies temticas, instalaes artsticas, atuaes performticas, cnicas ou audiovisuais.
Em dilogo com os mestres consultados, discutimos as matrias essenciais de sua
conformao, assim como seu processo criativo e formas de realizao, estabelecendoparmetros para a constituio do contedo do curso a ser ministrado.
O Captulo 2 - Ensino como experincia ir localizar o Laboratrio Interdisciplinar
Fronteiras Permeveis, como resultado de um processo emprico da pesquisa pedaggica,
desenvolvida em escolas de curso livre ou superior, ao longo dos anos. O contedo e a
metodologia pedaggica aplicada sero confrontados com procedimentos e consideraes
apresentados pela bibliografia selecionada justificando as escolhas didticas efetuadas. Neste
tpico identificamos experincias referenciais e teorias pedaggicas relacionadas a processospraticados.
No Captulo 3 Fronteiras Permeveis, uma prtica em experincia,apresentamos a
descrio e anlise do exerccio proposto Universidade de So Paulo como objeto de estudo
dessa dissertao. Tal exame ser realizado atravs dos resultados expressos pelos estudantes
participantes em diversos suportes e linguagens reunidos para esta dissertao, assim como
pela documentao videogrfica (aproximadamente 100 horas de material), fotogrfica e
anotaes da professora pesquisadora a cada aula.No Captulo 4 Resultados, apresentamos amostragem selecionada dentre o
material produzido pelo coletivo interdisciplinar de alunos universitrios. Os objetos de
anlise sobre o aproveitamento do aluno desdobraram-se em provas para a avaliao sobre o
experimento. Da foto-videografia documental produzida pela equipe colaborativa, tiramos
documentos igualmente essenciais para o exame da experincia como tal.
O material produzido durante o curso encontra-se disponvel em arquivo digital,
como descrito no Sumrio. No disco Resultados e outros documentos figuram em sua
integralidade os objetos aos quais citamos nas consideraes do Captulo 4, em carter de
amostragem e ilustrao. Ficam disponveis, desta forma, junto aos Programas de cursos
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anteriores (Anexos A, B, C), as Cartas de inteno (Anexo D), Cadernos Pessoais de
Anotao (Anexo E), assim como os depoimentos sonoros transcritos (Anexo F) e as
consideraes finais escritas pelos estudantes (Anexo G). A videografia documental foi
editada e encontra-se no (Anexo H: Videografia Editada), assim como a amostragem de
vdeos realizados coletivamente, em atitude de improviso, no (Anexo I: Videografia
Recortada, realizada pelos estudantes), enquanto os desenhos realizados em sala de aula
conformam o (Anexo J). Recomendamos fortemente que os vdeos sejam visualizados, para a
compreenso desta dissertao, obedecendo a ordem dos jogos, tal qual ordenados na mdia
digital.
Na Concluso compararemos nossos objetivos iniciais aos resultados obtidos,
relevando a aplicao da teoria estudada na anlise final sobre a experincia vivenciada.
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2. CAPTULO 1DIREO DE ARTE :A PRESENA,O SENTIDO E A MULTIDISCIPLINARIDADE
a configurao do espao como forma de expresso humana, a partir de um impulsontimo - como a pintura, a escultura, a msica, a poesia - no existe segundoconceitos correntes. no entanto, s uma tal concepo constituiria o envolvimentocorreto do problema da configurao espacial. para que a constituio dessa
possibilidade no permanea como um pensamento vazio, deve-se apontar que oteatro, e tambm o cinema - s vezes at os cenrios de exposies - oferecemsuficiente oportunidade para a realizao desse desejo.21
Moholy-Nagy
2.1. Produo de presena e a conformao de uma experincia esttica
Quando falamos em direo de arte, estamos nos referindo concepo do universo
espacial e visual prprio a projetos artsticos que caracterizam-se pela situao de imerso do
corpo no espao, alimentando-se essencialmente dessa convivncia.
Elemento primordial para a elaborao da obra, ela atua sobre um dos componentes
centrais de construo da linguagem, seja visual, performtica, teatral ou cinematogrfica, a
saber, seu aspecto plstico espacial. A espacialidade e a visualidade do espetculo trabalham
de maneria entrelaada ao jogo corporal, sonoro e textual proposto. Em ao sinestsica, a
obra artstica uma experincia de reelaborao de sentidos atravs da vivncia da forma
entendida em sua plenitude, isto , atravs de complexa rede de percepo e significao
mltipla.
Atualmente, o olhar do diretor de arte participa de realizaes nas diversas na rea da
cultura, em diferentes formas de aproximao. Em exposies temticas, instalaes artsticas
ou atitudes performticas, o espao se apresenta ao pblico em escala natural. O corpo
submerge em um ambiente, atendendo o convite aopercursoao estarem movimento e em
ao contnua - estabelecendo situao ambgua entre espectador e ator. No teatro, a luz edita
o lugar, dirigindo o olhar s cenas. Atmosferas de claro-escuro desvendam o desenho do
espao, remodelando as relaes entre os elementos que o compem, seja no palco italiano,
arena ou no site specific. A cada instante o ambiente reconformado em quadros de
tridimensionalidade presente, seja por obra da matria, seja pela ao da luz ou dos corpos. J
o cinema traz a janela em movimento; o espao da ao planificado, o quadro virtualizado
para a contemplao.
21MOHOLY-NAGY, Lszl.Do Material Arquitetura. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SA, 2005, p. 215.(o autor usa uma forma prpria de escrita)
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Atravs de seus instrumentos bsicos, como o desenho do espao, a fabricao do
claroescuro, o jogo cromtico, as caractersticas dos materiais, o objeto, a figura humana e a
imagem, trabalha com a oscilao entre a criao deefeitos de presenae efeitos de sentido,
tal qual proposto por Gumbrecht.
Tal fabricao se d atravs da realizao de uma experincia estticacoletiva. Um
trabalho interdependente, no qual o trao de um sugere aes ao outro22. A elaborao de
obras artsticas de carter multidisciplinar por excelncia tem como agentes originais
elementos de presena e de sentido essenciais produzidos por especialistas diversos.
Em uma montagem tradicional sobre palco italiano, em aes performticas interativas
ou ainda na relao estabelecida pela virtualidade cinematogrfica, aproduo de presena
objetivo primordial para a equipe envolvida em sua realizao. Em um suporte artstico ououtro, o desenho do espetculo construdo com o objetivo de fabricao de uma experincia
em sua qualidadeestticapara,assim, atingir a emoo do espectador23, como descreve o
diretor de arte Clvis Bueno ao discorrer sobre suas intenes principais na prtica da
profisso.
Matria multidisciplinar por excelncia, a direo de arte cnica lida por um lado com
os repertrios especficos da arquitetura, do design24, das artes visuais; de outro, com cdigos
de linguagem pertencentes textualidade, seja teatral, audiovisual ou ligada criao de umdiscurso expositivo.
A produo de um universo espaovisual especfico ao espetculo, e suas
transformaes, encontra em cada elemento de sua composio valores de presena e de
sentido a serem explorados. Em suporte virtual ou presencial, do plano geral ao mais fechado,
objetos e figuras, linhas de fora e formas, circunstncias de luz, cor e textura ressignificam
cada quadro montado, em uma sequncia especial.
2.2. As Matrias da Direo de Arte
2.2.1. Arquitetura efmera e linhas de fora
... a obra a matria transmudada em forma. Somos ento obrigados a indagar sobre
22 HAMBURGER, Vera. Arte em cena, a direo de arte no cinema brasileiro. So Paulo: Editora Senac e
Edies Sesc, 2014. p. 20.23idem, p. 141.24Incluindo neste termo o designgrfico, da vestimenta, do objeto, da cenografia, da maquiagem, dos efeitosespeciais.
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a estrutura formal da obra.25John Dewey
significativo que a palavra designtenha um sentido duplo. Ela significa finalidade,
desgnio e significa arranjo, modalidade de composio26, como John Dewey noschama
discusso, em um questionamento de extrema relevncia ao debate aqui empreendido. Suas
consideraes sobre o processo de fabricao da obra artstica traz tona aspectos
fundamentais para a compreenso da atuao de um diretor de arte:
[...] o projeto de uma casa, o plano com base no qual ela construda para serviraos propsitos dos que nela residiro. O projeto de um quadro ou de um romance oarranjo de seus elementos, por meio do qual ele se torna uma unidade expressiva na
percepo direta. Em ambos os casos, h uma relao ordeira de muitos elementosconstitutivos. A caracterstica do projeto artstico a intimidade das relaes querenem as partes27.
O que espao cnico? O espao delimitado pela cena. O espao delimitado para a
cena. A arquitetura de vida planejada. O espao de um tempo determinado. O vazio e o ponto.
A produo da linha. As superfcies que se configuram atravs da trama. Os volumes
esculpidos sob a ao da luz. As cores e texturas lhe conferindo outras qualidades. O espao e
a escultura, mvel no tempo. Um objeto que se desenvolve em ritmo prprio, marcado,
pontuado. Signo e forma, funo, fruio. Cada elemento constitutivo do desenho do espao
integra-se em unidade de presena de expresso mltipla e combinada ao conjunto em
movimento.
O lugar da cena conforma-se como um campo de ao de linhas de fora produzidas
de forma fsica ou imaginria pela atuao conjunta dos elementos da cena. Pontos se
destacam a cada momento, seja pelo desenho do espao, pela presena de uma cor ou pelo
posicionamento dos objetos, pelo conjunto conformado. Em seus estudos, o professor, artista
visual e cnico Oskar Schlemmer identifica linhas de fora nas relaes geomtricas contidas
na forma pura de um cubo, assim como aquelas provenientes do sistema de articulao do
corpo, ilustrando:
As leis do espao cbico so constitudas pela invisvel trama linear de relaesplanimtricas e estereomtricas. Esta matemtica corresponde matemtica inerentedo corpo humano e ela cria sua balana por meio de movimentos, que, por sua
25DEWEY, 2010, p. 227, grifo nosso.26Ibid. p. 231.27Ibid. p. 231.
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natureza, so determinados mecnica e racionalmente.28
Figura 1: Delimitao do espao pelo corpo humano
Oskar Schlemmer, In:Man and art figure29, 1925.
O desenho arquitetnico faz parte desse jogo. De um lado, estabelece relaes de
distncia, proporo e profundidade, de outro, constri diferentes planos e direcionamentos
para as aes. De acordo com as cenas previstas, organiza linhas de percurso e pontos de
interesse na trama espacial. Determina desencontros.
Ao utilizar-se de recursos do desenho, da geometria e da tica, a arquitetura cnica
torna-se a base do movimento, sendo determinante para a coreografia dos atores, do visitante-
espectador, assim como da cmera cinematogrfica. Contracena com os outros autores na
construo da ao, reconformando-se a cada dinmica corporal ou objetual, mudana de luz
ou efeitos textuais e sonoros lanados sobre ele.
Por outro lado, o espao oferece-se visualidade. Como nos diz Moholy-Nagy, o
homem compreende, a partir de seu sentido visual, fenmenos como: perspectivas amplas,
superfcies que se encontram e se interceptam, cantos, transpassamentos claros,
interpenetraes, relaes de proporo, luz 30, ou seja, as linhas que se definem e
redesenham a cena a cada momento. Sua presena compe estruturas visuais particulares que
imprimem as experincias vividas.
Recorremos ao publicado para dar continuidade a essas ideias:
A poesia espacial joga com diversos elementos combinados. Slidos delineamambientes e linhas cortam o espao, em uma arquitetura que imprime ritmo cena e
28SCHLEMMER, Oskar. "Man and Arte Figure" in The Theater of the BAUHAUS (Oskar Schlemmer - LszlMoholy-Nagy - Farkas Molnar). London: Eyre Methuen, 1979, p.23. (traduo nossa) The laws of cubicalspace are the invisible linear network of planimetric and stereometric relationships. This matematic corresponds
to the inherent mathematic of the human body and creates its balance by means of movements, which by theirvery nature are determined mechanically and rationally. 29Idem p. 23
30MOHOLY-NAGY, 2005, p. 196.
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ao olhar. Superfcies organizam-se em planos, esculpem formas criando contrastesno tempo. A monotonia de um trao confronta-se com a dinmica de outro.Diferentes relaes de proporo qualificam e dirigem o percurso. Atmosferascriadas a partir da linha, da luz, planos, e tramas reconformam-se a cada instante,ressignificando momentos, aes e seus sujeitos.31
Cada elemento formal da arquitetura e do objeto provoca o ser na plenitude de sua
presena e vice-versa, em experincia. Um processo descrito por Moholy-Nagy:
o homem toma conscincia do espao - das relaes de posio dos corpos -, emprimeiro lugar, por meio do seu sentido da viso. a sua vivncia das relaes deposio visveis pode ser controlada com a ajuda do movimento - alterao daprpria posio - e pode ser vivenciada paralelamente por meio do sentido do tato.a partir de seu sentido da audio: por meio de fenmenos acsticos;a partir do movimento: em diversas direes espaciais, por meio da comunicao -
horizontal, vertical, diagonal, cruzamentos, saltos etc,; a partir de seu sentido doequilbrio: por meio de curvas, tores.32
O volume e a superfcie trazem qualidades prprias ao espao. Relaes de proporo
e massa conformam-se sua presena. Seu posicionamento organiza o lugar da cena. Sua
construo prope o contraste entre o cheio e o vazio, a passagem de luz e a sombra. Formas
caractersticas demarcam planos que se cruzam ou produzem relevos e figuras sobre a face,
configurando linhas de movimento na composio do que visto.
Atravs da geometria espacial, formas abstratas so configuradas, servindo
construo arquitetnica, objetual e da vestimenta. O crescimento orgnico, presente na
natureza, apresenta modos de organizao de outra espcie, em formaes matricas ou
luminosas, como considera Schlemmer, ainda no livro escrito a trs mos The Theater of the
BAUHAUS33,onde os desenhos se apresentam como ilustrao dos captulos:
Estes meios formais (formative means) criados pela mente humana, podem serchamados abstratos devido virtude de sua artificialidade e na medida em que
representam um empreendimento cujo objetivo, ao contrrio da natureza, a ordem.A forma se manifesta nas medidas de altura, largura e profundidade; como linha,
plano e como slido ou volume. Dependendo destas medidas, a forma compe entouma estrutura linear, uma parede ou um espao e, como tal, uma forma rgida etangvel ()A forma no rgida e intangvel ocorre tambm como luz, cujos efeitoslineares aparecem na geometria dos feixes luminosos e nas exibies pirotcnicas ecujos efeitos slidos e criadores de espao se manifestam por meio da iluminao.34.
31HAMBURGER, 2014. p. 32.32MOHOLY-NAGY, 2005, p. 195. (o autor usa uma forma prpria de escrita)33SCHLEMMER; MOHOLY-NAGY; MOLNAR, 1979.34 SCHLEMMER, Oskar. "Man and Art Figure". In: SCHLEMMER, Oskar; MOHOLY-NAGY, Lzl;
MOLNAR, Farkas.The Theater of the BAUHAUS. London, Eyre Methuen, 1979. p. 21. (traduo nossa) Theseformative means, invented by the human mind, can be called abstract by virtue of their artificiality and insofar
as they represent an under-taking whose purpose, contrary to nature, is order. Form is manifest in extensions of
height, breadth, and depth; as lines, as plane, and as solid or volume. Depending on these extensions, form
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Figura 2: Oskar Schlemmer, In: Man and art figure35, 1925
Figura 3: Oskar Schlemmer, In:Die Bhne im Bauhaus, 1925
Moholy-Nagy, igualmente artista visual, cnico e professor da mesma escola,apresenta conceitos prximos no sentido da abstrao da forma, ao definir o termo volume
como:
sob o termo volume esto entendidas duas espcies - dependendo das circunstnciasns definimos como volume:1. a extenso de massa mesurvel em peso e tangvel nas direes tridimensionais.2. a extenso virtual que s pode ser vivenciada visualmente () da compreensottil para a compreenso visual, relativa.36
A partir de seus estudos sobre a escultura, a qual define como configurao de
volumes37, o artista reconhece cinco estgios, a partir do modo de lidar com o material.
Nos exemplos para a etapa o bloco,o volume apresentado como elemento ritualstico a
kaaba em Meca, um meteoro cado, uma figura estereomtrica [naturalmente] exata, de
becomes then linear frame-work, wall, or space, and as such, rigid i.e. tangible form. Non rigid, intangible
form occurs as light, whose linear effect appears in the geometry of the light beam and of pyrotechnical display,
and whose solid an space-creating effect comes through illumination.35SCHLEMMER, Oskar. "Man and Art Figure". In:SCHLEMMER, Oskar; MOHOLY-NAGY, Lzl;MOLNAR, Farkas.The Theater of the BAUHAUS. London, Eyre Methuen, 1979. p. 23.36MOHOLY-NAGY, 2005, p. 96. (o autor usa uma forma prpria de escrita)37MOHOLY-NAGY, 2005, p. 96.
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dimenses enormes torna-se um objeto de adorao 38- , assim como por objetos
estereomtricos (as Pirmides do Egito)ouabstratum39construdos pelas mos humanas -
como O peixe, de Brancusi, 1926. Ao bloco modelado, descreve como aquele produzido
atravs do contraste entrepequenase grandes relaes de massa (volumes): o que elevado
e afundado, o que angulado, pontudo e obtuso.40
As propriedades de permeabilidade e cintica, assim como da luz, esto presentes,
tambm, nas noes defendidas pelo professor. Malhas estruturais, ou o movimento regular
de uma linha ou superfcie efetuam volumes no slidos viso, atravs da velocidade.
Volumes ocos, transmutveis so realizados tambm por investigaes sobre o equilbrio e o
movimento. Por meio do desenho de linhas e superfcies, o professor encontra na criao
volumtrica, [...] a libertao do peso do material. O predomnio da inteno expressiva41,ilustrados por exemplos selecionados na arquitetura e no objeto escultural e em construes
luminosas.
Da abstrao aos repertrios da arquitetura ou da paisagem, sensaes e sentidos
inauditos podem ser acessados atravs de contrastes visuais e espaciais estabelecidos entre os
diferentes elementos constitutivos do espao cnico. Reunindo propriedades formais a dados
cognitivos, o jogo entre eles presentifica pocas, lugares e memrias. Ao mesmo tempo em
que atua, definitivamente, na estruturao da cena, imprimindo relaes formais entre oscorpos e o meio em que se inserem. Dados da memria pessoal, assim como da historiografia
e preceitos comuns, so aspectos inclusos na experincia cnica.
Sentidos de serventia comparecem vivncia da forma, criando valores de movimento,
equilbrio, cheios e vazios. Janelas so vislumbradas e logo oferecem-se como entradas de luz
ou brisa, assim como meio para a continuidade do olhar; portas e vos trazem a possibilidade
do curso, enquanto paredes, colunas ou menires apresentam-se como componentes estanques,
partes responsveis pela manuteno do meio (ou no). O reconhecimento da funcionalidadede cada membro compositivo da paisagem produz significado leitura.
Sistemas construtivos ou adornos esculpidos realizam novos movimentos em sua
percepo. Espirais so desenhadas pelo corrimo de uma escada, uma colunata provoca
diferentes ritmos de percurso, enquanto uma grgula se projeta apartir de um canto seco da
igreja. Caractersticas estilsticas de diferentes escolas do design 42 e da arquitetura,
38MOHOLY-NAGY, 2005, p. 98.39Ibid.40Ibid. p. 101.41Ibid. p. 122.42design entendido aqui como projeto de objeto, mobilirio, materiais, vesturio, jias, imagens grficas.
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configuram-se como signos icnicos, que redirecionam olhares atentos e rearticulam
processos mentais de significao. A conformao das cidades, das fazendas, enfim, dos stios
ocupados estabelecem igualmente sentido conforme se configuram trilhas, becos, ruas ou
extensas plantaes ou desertos. Linhas imprimem texturas s superfcies, tramam frequncias
ao olhar na escala da paisagem a qual observada, no percurso pelo qual passa no
desenvolvimento da obra artstica.
Na vivncia espacial, quadros fixam-se a um movimento de cabea, ao readaptar o
foco, ao ouvir de uma sirene. A arquitetura da cena toma posse do espao impondervel. Se,
como define Moholy-Nagy, o espao uma realidade, perceptvel segundo leis prprias,
divisvel segundo leis prprias a ser compreendido em sua substncia fundamental 43, a
cenografia tem suas leis particulares, pertencentes ao universo da obra da qual faz parte.Em construo de dinmica prpria, a arquitetura efmera funde interiores a
exteriores; superiores a inferiores; fabrica vos siderais; mergulhos abissais;apropria-se de
foras centrpetas e centrfugas impelindo o espao num perptuo flutuar44. Atravs do
desenho impulsiona linhas de movimento, ao mesmo tempo em que produz limites em um
campo fluido, apreendido pelos diversos sentidos de nossa percepo.
2.2.2. Da arquitetura ao objeto
A escala de contato se transforma. Objetos adquirem o valor de primeiro plano ou
trabalham como elementos de composio geral do quadro, vivo ou virtual. Ganham vida
prpria ao participar essencialmente da ao ou do desenho particular do sujeito, sugerem
gestos, ritmos de manuseio, tempos para a contemplao.
As linhas conformativas de seu desenho inserem o objeto no contexto do lugar.
Mesmo que a natureza no nos apresenta linhas isoladas, como nos lembra Dewey:
[...] em nossa experincia elas so linhas de objetos, fronteiras de coisas. Definem asformas pelas quais comumente reconhecemos os objetos ao redor. Portanto as linhas,mesmo quando tentamos ignorar tudo o mais e contempl-las em isolamento,trasnportam o significado dos objetos dos quais faz parte.45
A expressividade do objeto contm significados de ordem utilitria, formal, simblica
e, mais uma vez, subjetiva. Sua estrutura construtiva comunica, ainda, pensamentos e
43MOHOLY-NAGY, 2005. p. 195.44Ibid. p. 222.45DEWEY, 2010, p. 206.
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interpretaes sobre o equilbrio e o conforto, jogando com o peso e o volume em sua
presena no espao. A escolha de cada pea da cena feita, ou especialmente desenhada e
construda, colocando em risco um aspecto em detrimento de outro, fazendo opes, muitas
vezes, inexplicveis atravs das palavras.
Atravs da arte os significados de objetos que de outro modo seriam opacos, caticos
e restritos, e que despertariam resistncia, so esclarecidos e concentrados46. Novamente
recorrendo ao j escrito, damos continuidade a esse dilogo:
Destacados pela luz, enquadrados de forma especial, ou revelados tenuamenteatravs de sua manipulao, objetos produzem significados inditos, por suasqualidades plsticas, cognitivas e emocionais.A histria do design apresenta solues formais e experincias cromticas, detextura e materiais que so particulares a cada poca e sociedade, a cada paisagem.Do mobilirio indgena ao barroco mineiro, dos utenslios indianos ao designcontemporneo, diferentes signos, tcnicas e funes o definem. Por outro lado, osobjetos configuram-se em cones, seja por seu uso social, seja por vivncia
particular. Um trono posto no extremo de um grande salo vazio caracteriza, por sis, um reino, talvez decadente, talvez de um dspota solitrio. Se unirmos a essecone uma rica cortina de veludo, bordada em ouro, novos significados serosugeridos ao espectador.47
Em viso ampliada, Dewey nos oferece os signos presentes cidade, vida cotidiana
do espectador. Avaliando valores de sentido parte inserida no todo, assim como efeitos de
presenaproduzidos pelo embate entre os significados prprios do objeto em particular, e as
demais formas e informaes presentes ao ambiente da cena inteira. A unidade mostra-se
pelo contraste, do objeto ao lugar, e vice-versa, do lugar ao objeto.
O Empire State pode ser reconhecidopor si, mas, ao ser visto em termos pictricos, visto como parte relacionada em um todo perceptualmente organizado. Seusvalores, suas qualidades, tal como vistos, so modificados pelas outras partes dacena inteira, e estas, por sua vez, modificam o valor percebido de todas as outras
partes do todo48.
Elementos primordiais para a configurao do espao da cena, os objetos so artefatos
prenhes de significado. Atravs de sua atuao plstica, agem como escultura mvel, ativa
atravs da gramtica da forma. Em meio ao contexto da ao, ganham sentidos substantivos
a faca que mata, a carruagem que chega, a caixa que constri. Frente narrativa, personificam
personagens, qualificam as figuras pelos signos de presena que carregam. Por meio de
sentidos anteriores reformulam a vivncia do presente estabelecendo novos dados para o jogo.
46Ibid. p. 256.47Ibid. p. 44.48DEWEY, 2010, p. 262. (grifos prprios)
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2.2.3. Do desenho do espao s propriedades da matria
A experincia cotidiana com a matria visual, tctil e olfativa. Mexe com o paladar e
com todo o organismo. Em ao combinada, a dinmica de apreenso do material inter-
relaciona diferentes sentidos e sensaes, construindo significados prprios, memoriais.
So infinitas as sensaes e sentimentos provocados pela presena da substncia, uma
dinmica que inter-relaciona diferentes sentidos, como Dewey nos chama a ateno:
Ao percebermos, por meio dos olhos, como auxiliares causais, a liquidez da gua, ofrio do gelo, a solidez das pedras, a nudez das rvores no inverno, certo que outrasqualidades, alm das de viso, so conspcuas e controladoras da percepo. E tocerto quanto pode ser que as qualidades ticas no se destacam por si, mas ficamcom as qualidades tteis e afetivas agarradas sua saia49.
MoholyNagy, em sua tentativa de compreender os fenmenos advindos da percepo
sobre a matria, apresenta quatro conceitos parciais ao que denominabase inaltervel do
objeto material. So eles, em grifos originais:estrutura, tipo de construo inaltervel da
formao do material []; textura, superfcie definitiva de toda estrutura, surgida
organicamente e voltada para fora (epidermis, orgnico)50; fatura, rastros da produo da
superfcie e frequnciacomo ritmo e repetio
51
.Suas definies encontram reverberaoem nossa concepo sobre o tema, as quais discutimos a seguir.
Todo o material tem uma estrutura fsica e qumica particular, contando ainda com
elementos eletromagnticos ou digitais em sua composio. A constituio e organizao
interna de suas partculas conformam o material em si, seja um artigo natural, seja de
fabricao humana. A ordenao interior chega superfcie e recebe a ao de intempries
imprevisveis, produzindo, por fim, uma textura original a cada momento, uma qualidade
tctil prpria.
Por outro lado, a atuao do arteso, artista ou operrio, em busca da forma esttica ou
utilitria, fabrica novas qualidades de textura a partir dos materiais disponveis. Aes de
fatura modificam a superfcie atravs de ferramentas, imprimindo novos ritmos face da
matria. Marcas do fazer, de seu autor e de seu tempo configuram a pea produzida. Quando
se trabalha a matria, h ritmos recorrentes de achatar, aparar, moldar, cortar, que distinguem
o trabalho em compassos52.
49DEWEY, 2010, p. 242.50MOHOLY-NAGY, 2005, p. 33.51MOHOLY-NAGY, 2005. p. 48.52DEWEY, 2010, p. 280.
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A frequncia nos fala de ritmos visuais impressos pelo desenho de estruturas
matricas no espao, criando estampas repetitivas - ora em forma de imagem, ora em campo
volumtrico. A galharia de uma rvore em seu feitio irregular organiza-se geomtrica e
repetidamente em processo de crescimento orgnico, conformando o primeiro plano visual.
Confere uma frequncia caracterstica leitura do conjunto. Fios eltricos paralelos, em
movimento diagonal, aparecem ao fundo, oferecendo outro movimento. Formas que se
repetem e produzem sensaes advindas do ritmo, impressas por meio do desenho da matria.
O tempo e as circunstncias permeiam os ambientes deixando marcas sobre texturas
originais. A transformao dos materiais fixa histrias, gestos ou acidentes de percurso sobre
sujeitos e lugares. A cada fenmeno, edita uma frequncia prpria ao olhar; refaz gestos,
desloca-se. O tato e a ao ressignificam o olhar, provocam movimentos, contam sua histria.A obra de arte a matria transmudada em forma53.O fio da seda, produzido pelo
bicho que leva seu nome, definido pelas caractersticas de seus componentes arranjados por
uma organizao interna, determinando qualidades como consistncia, resistncia, forma,
cheiro e paladar especficos.
A percepo explora relaes de contraste entre transparncias e brilho, em seu
processo contnuo de significao visual. O material translcido, seja por meio de vos
presentes no que tecido ou caracterstica das substncias envolvidas na composio damatria oferece atributos de nova ordem ao conjunto visualizado.
Efeitos de nitidez, refrao, reflexo ou transmisso luminosa produzem filtros que
redefinem o constraste dos objetos no espao. Imagens tortuosas se formam quando um vidro
imperfeito coloca-se diante de uma paisagem. Uma cortina de linho oferece nova referncia
de movimento sobre a janela. Enquanto isso, brilhos transportam a ateno de um canto ao
outro do lugar, enquanto fenmenos de reflexo invadem o local e trazem cena retratos de
outras paragens.Atributos tcteis oferecem percepo qualidades como maleabilidade, rigidez,
rugosidade, maciez, suavidade, dureza, espessura, ritmo, etc, ou relaes trmicas como frio,
calor, frescor, e umidade. Lembranas individuais sobre experincias vividas ressignificam a
percepo dos materiais - e suas circunstncias atuais - de maneira nica. com essa
bagagem que o homem enfrenta a experincia esttica e acrescenta repertrios que o auxiliam
na vivncia do dia a dia.
Diferentes tramas e pesos, brilhos e temperaturas qualificam os objetos e demais
53DEWEY, 2010, p. 227.
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elementos do espao em convvio, esboando constrastes por interpenetrao, como
defendido por Dewey.Sob a ao da luz, a matria comparece visualidade adicionando
significados de circunstncia ao tempo, de ritmo e frequncia a uma malha espacial que
envolve aspectos de personalidade no material reunido em convivncia.
A expressividade do objeto de arte deve-se ao fato de ele apresentar umainterpenetrao minuciosa e completa dos materiais, do ficar sujeito a algo, do agir,incluindo-se neste ltimo a reorganizao do material trazido conosco de outrasexperincias passadas.54
2.2.4. Entre a matria e a luz, a cor.
Elemento igualmente essencial fatura esttica, o jogo cromtico estabelece novos
cdigos ao tabuleiro. A definio da gama de tonalidades e caractersticas como brilho,
saturao e matizes responsabilidade de um diretor de arte. Atravs das palavras de Moholy-
Nagy, ao descrever o uso da cor por um pintor, poderamos apresentar o mesmo tema com
relao direo de arte cnica:
Com a cor, ele constri espaos, registra emoes, organiza a vida. Atravs dela,pode sussurar, da mesma forma que pode gritar. Mas, ele pode sempre ter a certeza
sobre seus efeitos e sua esfera de influncias? Pode ele planejar com certeza? Averdade que a resposta fisiolgica normal para colorir, muitas vezes torna-seconfusa por referncia simblica s [...] civilizaes. 55
Como sabemos, inmeros estudos e teorias sobre a cor foram elaborados por meio de
especulaes filosficas e experincias cientficas, artsticas e educacionais ao longo da
histria. Tanto sua percepo quanto seu potencial expressivo so questes que instigam a
curiosidade e o conhecimento humano. Resultado da combinao de fenmenos fsico-
qumicos, fisiolgicos e psquicos prprios de cada ser que a vivencia, constri conceitos
articulados por potica sintonizada aos diversos efeitos, como nos lembra o artista plstico
Moholy-Nagy:
As cores possuem diferentes propriedades. Elas podem ser puras, intensas, escuras,quentes, frias; elas podem parecer grandes ou pequenas, prximas ou distantes, levesou pesadas, concntricas ou excntricas. Cores profundas tendem a parecer mais
pesadas que cores rasas. A mais leve de todas as cores o branco e a mais pesada
54DEWEY, 2010, p 210.55MOHOLY-NAGY, Lszl. Vision in Motion. Chicago: Paul Theobald and Company, 1969, p. 154 - 155.
(traduo nossa) With color he builds space, records emotion, organizes life. He can whisper as well as shoutwith it. But can he always be sure about his effects and his sphere of influence? Can he plan with certainty? The
truth is that the normal, physiological response to color often becomes confused by symbolic reference to []civilizations.
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o preto. Quanto mais brilhante a cor, maior ela parece. A cor "maior" o branco,seguida por amarelo, vermelho, verde, azul e preto. As cores so tambm frias ouquentes. Os verdes, azuis e pretos so consideradas frias; os amarelos, vermelhos e
brancos, quentes. As cores quentes parecem avanar, as frias, retrocedem. As lentesdo olho no focam igualmente todos os tons. Vermelho faz o olho "de vista distante",
por fazer as lentes ficarem mais espessas. Esta ao vai dar ao vermelho umaposio mais prxima que o azul, que faz com que o olho se adapte a uma vistaprxima ao nivelar/achatar (flattens) as lentes. Uma relativa complicao seestabelece quando sabemos que todas as cores podem se tornar quentes ou frias aoserem misturadas com as cores que esto em sua vizinhana.56
A frequente tentativa de definio de significados literais para cada tonalidade ou
acorde cromtico, baseados em sentidos estanques, nos parece pensamento ingnuo e vazio,
infelizmente dominante em nossa sociedade. A complexidade da articulao dos meios
perceptivos na qual acreditamos descrita por Dewey: uma cor vista sempre qualificada
por reaes implcitas de muitos orgos, tanto os do sistema simptico, quanto do tato. um
funil para toda a energia investida, e no sua fonte57. Em suas palavras reconhecemos
princpio bsico que nos guia:
A expresso artstica tem a ver com existncias em suas qualidades percebidas, nocom concepes simbolizadas em palavras e no por sua trabalhosa elaborao no
pensamento, no pela fuga para um mundo meramente sensorial, mas pela criaode uma nova experincia .58
As opes do artfice sobre as intensidades cromticas e seus contrastes se d em um
processo analtico propositivo e fortemente intuitivo, como todos os elementos da direo de
arte. Intimamente ligada ao repertrio dos materiais selecionados para a construo da obra, a
cor relaciona-se com a textura, o ritmo, a trama. A frequncia cromtica aspecto que guia as
opes ao interpenetrar-se luz. Cor pigmento, cor luz, diferentes formas de presena do
mesmo elemento, em atitudes complementares. Como nos lembra Moholy-Nagy:
[...] alm dos pigmentos das cores primrias, h outras primrias, as primrias de luz,vermelho, verde, e azul, do espectro. a mistura dessas luzes primrias chamada de"admistura por adio", pois a luz colorida resultante dessa mistura - sendo a adio
56MOHOLY-NAGY, 1969, p. 155-156. (traduo nossa). "Colors have different properties. They can be pure,intense, dark, warm, cool; they can appear large or small, near or far, light or heavy, concentric or eccentric.
Deep colors tend to appear heavier than pale colors. The lightest of all colors is white and the heaviest is black.
The brighter the color, the larger it appears. The largest color is white, followed by yellow, red, green, blue,
and black. Colors are also cold or warm. The greens, blues, and blacks are considered cold; the yellows, reds,
and whites warm. Warm colors seem to advance, the cold ones recede. The lens of the eye does not focus equally
upon all hues. Red makes the eye far-sighted, by causing the lens to grow thicker. This action will give red a
nearer position than blue which causes the eye to grow near-sighted as it flattens the lens. A relative
complication sets in when one knows that every color can be made warm or cold by being mixed with theneighboring color at either side."57DEWEY, 2010, p. 240.58DEWEY, 2010, p. 260.
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das demais cores - se mostra mais intensa que as luzes da composio.59
Atravs de meios pessoais, e intransferveis, partculas, em alta velocidade, realizam a
impresso da imagem sobre a retina. Estabelecem relaes e qualificam cores concludentes.Combinaes e dissonncias se estabelecem, segundo critrios fisiolgicos e psicolgicos do
fruidor da experincia, na circunstncia em que se encontra.
Presente ao espetculo, como cdigo de linguagem de extrema rapidez comunicativa,
a cor elemento fundamental para a organizao do quadro ao estabelecer relaes inditas
entre os elementos, como nos diz Paul Czanne em grifos prprios:
O desenho e a cor no so distintos. Na medida em que a cor realmente pintada,
existe o desenho. Quanto mais as cores se harmonizam entre si mais definido odesenho. Quando a cor atinge o auge da riqueza, a forma torna-se completa. Osegredo do desenho, de tudo o que marcado pelo padro, est no contraste e narelao dos tons60.
O ritmo de leitura do olhar se d no movimento entre contrastes de matizes, brilhos,
saturao, da imagem fixa quela que transforma-se em movimento. As tonalidades, e seus
contrastes, formada e recorformada a cada instante. Pontos de cor estabelecem-se como
zona de interesse, ou enchem-se de mistrio. Tonalidades em movimento so acompanhados
pelo olhar, seguidas pelos passos, questionadas pela mente, conferindo novos vetores ao lugar.
Modulaes e combinaes de tom provocam memrias e significados apreendidos
em outras ocasies. Relaes de constraste cromtico estabelecem distncias ou mimetizam
elementos de natureza diversa que compem a cena, no tempo. Por edio memorial, adiciona
efeitos, transforma sentidos. Atitudes cromticas provocam sensaes que ressignificam o
espao e a figura que o habita, em relaes que envolvem o tempo, o movimento.
Atravs das palavras que seguem, de Henry Matisse, percebemos tambm a
propriedade das cores como elementos de ao que desvendam suas particularidades no ato desua conformao. Propriedades primeiras do elemento em questo, a temporalidade em ao
conjunta materialidade, so por ele evidenciados:
Quando h intervalos em uma tela limpa, coloco trechos de azul, verde e vermelho,a cada toque que acrescento, todos os que foram colocados anteriormente perdemimportncia. Digamos que eu tenha de pintar um interior e vejo um guarda roupa
59MOHOLY-NAGY, 1969, p. 159.(traduo nossa) Besides the primary color pigments there are otherprimaries, the light primaries, red, green, and blue of the spectrum. The mixture of these light primaries is calledadmixture by addition, because the new mixed colored-light - being the addition of the other lights - appears
more intensive than the component lights. (o autor usa uma forma prpria de escrita)60DEWEY, 2010, p. 239.
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diante de mim. Ele me d a vvida sensao de vermelho; ponho na tela o vermelhoespecfico que me satisfaz. Estabelece-se ento uma relao entre esse vermelho e a
palidez da tela. Quando, alm dele, ponho o verde, e tambm um amarelo pararepresentar o piso, entre esse verde e o amarelo e a cor da tela passa a haver maisoutras relaes. [...] preciso que os diferentes tons que utilizo se equilibrem, de tal
modo que no se destruam mutuamente. [...] Uma nova combinao de cores sesucede primeira e fornece a totalidade da minha concepo.61
2.2.5. Luz
Matria eletromagntica, a luz contm qualidades de textura, frequncia e fatura
produzidos por diversas propriedades. A temperatura de luz, o desenho do feixe luminoso e
sua constituio, assim como as qualidades cromticas pertencentes a ele redefinem
visualmente o desenho do espao e a organizao de seus elementos compositivos a cadamomento do espetculo.
Tornada objeto e signo, a luz povoa o imaginrio contemporneo tambm como
matria figurativa, ao somar, em processo de significao, propriedades da matria a sentidos
da memria e do afeto. Moholy-Nagy nos lembra:
[...] a vida noturna das cidades no mais imaginvel sem a variedade daspropagandas luminosas, do trnsito noturno, de avies, sem os sinais luminosos
precisos das torres de rdio, os refletores e o neon da iluminao de propagandas, ossmbolos luminosos mveis das empresas, os mecanismos giratrios das lmpadascoloridas, a faixa larga dos letreiros luminosos so elementos de uma [...] regioexpressiva62.
A luz participa da construo espacial e qualificao visual de maneira determinante.
Sua permeabilidade produz contrastes no ar, produzindo a atmosfera do lugar atravs de
efeitos de textura. Diante do volume, produz sombra, diante do vazio, luz. Elemento que traz
superfcie opaca um matiz, uma tonalidade, um brilho, reconformando o ambiente e a
escultura. Unidade que contm o tempo e desenvolve o desenho a cada movimento.Propondo novos caminhos ao olhar, a luz nos convida a percorrer um ambiente, em
circunstncia especfica. Redefine pontos de ateno, provoca novas tenses. Mapeia planos
de ao, sinaliza pontos pices, reconforta sensaes. Atravs de sua ao na conformao do
desenho do espao, sugere atmosferas cromticas caractersticas ao lugar, ao momento.
Oferecendo ou apontando, novas linhas, agora de luz, so formadas.
A incidncia dos raios eletromagnticos sobre o corpo em si uma experincia. O
61MATISSE, H. appud DEWEY, 2010, p. 262.62MOHOLY-NAGY, 2005, p. 166.
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contato epidrmico junto s substncias luminosas mais um fenmeno em jogo. Em foco a
figura, o passeio da figura sobre o espao-tempo, uma experincia a ser pontuada, em
frequncia prpria, tambm atravs da luz. A iluminao produz a imagem do espao, oferece
temperaturas e atmosferas para essa percepo, refaz relaes de peso e medidas, acompanha
e qualifica a insero da figura neste movimento.
2.2.6. Produo e reflexo da imagem
Por fim, a luz capaz de refletir a imagem e estampar a cena, criando novas relaes
de espacialidade e visualidade. Novos critrios se estabelecem, na sobreposio de realidades
de natureza diversa. A insertao de um plano bidimensional sobre o suporte espacial refaznoes de escala, movimento, planos e tempos de ao. Pode trazer a sensao de
continuidade espacial ao explorar a perspectiva, ou produzir uma colagem tempo-espacial ao
trazer novos parmetros relacionais ao lugar. Do desequilbrio provoca novo equilbrio na
produo de sentidos impressos ao conjunto.
A projeo de textos, formas abstratas ou imagens fotogrficas so variaes presentes
ao elemento. Sobre os palcos, em instalaes expositivas ou na confortvel contemplao da
tela do cinema, a luz se faz quadro, retrato, ilustrao, reprter. Reconformando as qualidadesimpressas ao ambiente, oferece atributos de sentidos inditos vivncia espaovisual.
O plano virtual desde sempre ocupou os homens em sua cristalizao. Desde a cmera
escura tentamos capturar e projetar a imagem projetada pela luz, o que hoje se faz facilmente
atravs dos modernos dispositivos eletrodigitais. A ao da imagem sobre o espao recurso
de composio do espetculo, cada vez mais presente na cena artstica contempornea. Em
eventos de imerso presencial agente de potncia, a ser considerada como instrumento de
trabalho de um diretor de arte.Recurso capaz de reunir eventos que no coexistem em tempo real, as projees de
imagem produzem realidades aplicadas vivncia corporal. Sua ao, em cena, recompe
noes essenciais. O tempo redimensionado, o espao reconformado, ressignificando a
arquitetura e os corpos presentes.
Do cinema, suporte fundamental. Relaes de presena so reavaliadas na
convivncia mediada. O movimento da luz em superfcie dada, comanda a percepo do
espectador imvel. Cores tomam a dianteira, e seu universo rapidamente identificado; as
linhas acomodam-se em imagem, porm mantm sua energia essencial; closes e planos
abertos abrem novas possibilidades de comunicao; corpos so retratados em pedaos, em
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pontos de visualizao inditos. A linha se desconstri, em desenho que relaciona o espao ao
tempo virtual.
Na fatura cinematogrfica, utilizada tambm como efeito especial. Recurso que
chama ao plano, a cena teatral do palco frontal, ao posicionar cmera, atores e fundo, em
situaes de back projection. Temos exemplos de experimentao em novos padres em
produes audiovisuais como Tango e Goya, do diretor espanhol Carlos Saura,
respectivamente lanadas em 1998 e 1999, ou no filme Hoje,de Tata Amaral, realizao
nacional de 2011. Em megashowsa linguagem cinematogrfica recompe o espao cnico em
exemplos como a recente realizao de Roger Waters, The Wall.
No teatro so incontveis as experincias empreendidas atravs da explorao de
recursos multimdia - desde as produes de Piscator ou trabalhos de Flvio Imprio. Emexposies temticas. a imagem em movimento aparece tanto em artigos didticos ou
documentais presentes ao percurso, quanto na conformao de ambientes de carter interativo
experiencial disponibilizados fruio pblica. As linguagens visuais apropriaram-se
igualmente do recurso, como artifcio plstico ou performtico. Aes videogrficas tornam-
se matr
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