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VI FALA ESCOLA
Diálogo e conflito: por uma escuta alteritária
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MANIFESTO DE REVERÊNCIA AO MESTRE PAULO FREIRE
2013-2014
Palavrinha
No início de 2013, a equipe de organização do VI FALA outra ESCOLA, seminário bianual que acontece na Faculdade de Educação da Unicamp, organizado pelo GEPEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada, propôs que eu criasse uma página informativa sobre o Professor Paulo Freire, homenageado especial do VI FALA.
Com esta proposta, surgiu a ideia de organizar um manifesto com depoimentos de todos os que quisessem narrar o que aprenderam com Paulo Freire. Fiquei responsável pela reunião e publicação do manifesto que é, por enquanto, este texto parcial e aberto a outras contribuições.
Futuramente é provável que venha a se constituir numa publicação impressa, mas isto ainda não sabemos.
Escreva também você, se desejar, publique na página www.facebook.com/groups/FALAoutraESCOLAeFALAMtodoscomPAULOFREIRE e envie para este endereço eletrônico: rosaurasoligo@gmail.com
Saudações pedagógicas!
Rosaura Soligo
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Abrimos este manifesto com as belezuras nos enviou o professor e escritor Carlos Skliar. Vieram em espanhol e aqui estão em nossas duas línguas, para que não fiquem dúvidas sobre as ideias que compartilhamos.
Educar como caminhar. Encontrar o próprio passo, o próprio peso e a própria leveza, a breve e fugaz
medida dos átomos, as circunferências e as páginas escritas ou ainda em branco. Apartar-se de si
mesmo, daquilo que se é, daquilo que se sabe: o idêntico a si mesmo provoca apenas asneiras e
saturação. Ir para o mundo: às tumbas dos poetas, aos céus próximos, ao passado menos recente, à
duração do frágil, aos gestos que ainda estão imóveis. Educar como retirar-se, afastar-se de casa, longe
de todo ponto de partida. Educar como respirar: nada se aprende da asfixia. Educar como escapar: da
apatia, da tirania, da intimidação. Educar como voltar a um lugar onde nunca estivemos antes.
Educar como caminar. Encontrar el propio paso, el propio peso y la propia liviandad, la breve y fugaz medida de los átomos, las circunferencias y las páginas escritas o todavía blancas. Quitarse de uno, de lo que yo se es, de lo que yo se sabe: lo idéntico a sí mismo no provoca sino necedad y hartazgo. Irse al mundo: a las tumbas de los poetas, a los cielos próximos, al pasado menos reciente, a la duración de lo frágil, a los gestos que todavía están inmóviles. Educar como retirarse, irse lejos de casa, lejos de todo punto de partida. Educar como respiración: nada se aprende del ahogo. Educar como escapar: de la apatía, de la tiranía, del vozarrón. Educar como regresar a ese sitio donde nunca estuvimos antes.
Ensinar como mostrar, não como torção que leve à dor: mostrar a árvore que ainda não existe, a
trajetória invisível de um som até sua inesperada palavra, a rebelião de uma ideia e suas cinzas, o
instante em que a chuva é posterior à sua pronúncia. Ensinar como demonstrar, não como acusação de
ignorância: demonstrar até o mais distante e o mais próximo, dar-se conta do mínimo e esquecer o
absoluto, olhar para os lados como quem submerge em turbulências. Ensinar como dar, não como
mesquinhez desfeita: dar o que chega a nós, o que não é nosso, o que ainda não nasce nem morre, dar a
voz que já se tinha no instante que não se sabia. Ensinar como partir, não como chegada a um porto.
Enseñar como mostrar, no como torsión hacia el dolor: mostrar el árbol que aún no existe, la trayectoria invisible de un sonido hasta su inesperada palabra, la rebelión de una idea y sus cenizas, el instante en que la lluvia es posterior a su semblanza. Enseñar como señalar, no como acusación de ignorancia: señalar hacia lo más lejano y lo más próximo, darse cuenta de lo mínimo y olvidar lo absoluto, mirar hacia los lados como quien se sumerge en turbulencias. Enseñar como dar, no como mezquindad partida: dar lo que nos viene, lo que no es nuestro, lo que todavía no nace ni muere, dar la voz que ya se tenía en el instante que no se sabía. Enseñar como partir, no como llegada a puerto.
Nota: Carlos Skliar escreveu e Adail Sobral foi o tradutor que trouxe os textos para o português.
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Li Paulo Freire quando estava na Faculdade. Estávamos em 1975 e eu tinha 17 anos. Quando terminei
a graduação me dediquei vários anos à educação popular, à alfabetização de adultos e Freire estava
sempre com a gente. Agora, passados tantos anos, Freire continua presente, de maneiras distintas. Em
novembro do ano passado no Rio, na UERJ, tive a oportunidade de mostrar, a alguns colegas belgas,
uma exposição fotográfica das campanhas de alfabetização na qual aparecia, às vezes, a figura de Freire.
Naturalmente, foi uma boa oportunidade para discutir alguns aspectos da sua obra e da sua enorme
influência na nossa geração, não só na América Latina, inclusive. Faz poucos meses, na minha casa em
Barcelona, lendo algumas entrevistas com Ivan Illich, a amizade entre Ivan e Freire, apesar das
diferenças, me fez pensar outra vez nesta época maravilhosa em que pensamento, militância e a
capacidade de experimentação caminhavam numa só direção – aquela época de mulheres e de homens
valentes e generosos, que se atreviam. Faz poucas semanas em São Paulo, conversando com Madalena
Freire, lhe falei do que para mim, continua vivo da obra de seu pai, o pensamento profundo das
relações entre a linguagem e as formas de “fazer mundo” e, sobretudo, de “ampliar possibilidades do
mundo”. Também o modo como a língua constitui subjetividades e formas de vida. As relações entre
linguagem, experiência e subjetividade, que tenho trabalhado, foram pensadas seriamente por Paulo
Freire. E agora que percebo, cada vez com mais clareza, que estamos assistindo o final da era alfabética,
portanto, o final da utopia ilustrada de uma sociedade de leitores e, por isso mesmo, o fim da instituição
que se encarregou – ou se pretendia que se encarregasse – desta utopia, o fim da escola – da escola
pública – e o fim também da educação popular, a figura de Freire se dilui e se engrandece a um só
tempo. Não só foi, quem sabe, o último pedagogo de raça (antes que os discursos educativos caíssem
nas mãos dos experts, especialistas e professores; antes que a experimentação se convertesse em
inovação e, portanto em mercadoria; antes que a questão política, em educação, se desvirtuasse em
educação para a cidadania e, portanto se anunciasse a partir do Estado), mas também foi o último para
o qual a leitura e escrita constituíam ainda o cerne de uma aposta política, uma aposta vital e uma
aposta, definitivamente, humana. Existe uma parte da obra de Paulo Freire que está completamente
datada e que, por isso, está desgastada. Já é, claramente, histórica. Mas existe outra parte, provavelmente
mais nobre, que continua sendo jovem, inteligente, sensível, generosa, corajosa, e felizmente
inspiradora. É preciso voltar a ler Paulo Freire! Melhor dizendo, e mais humildemente, é preciso
colocar-se em condições de voltar a compreender Paulo Freire! Ainda que eu duvide que estejamos à
altura.
Jorge Larrosa (texto traduzido por Tânia Villarroel)
Leí a Paulo Freire cuando estudiaba en la Facultad. Era en 1975 y yo tenía 17 años. Cuando acabé la graduación me dediqué varios años a la educación popular, a la alfabetización de adultos, y Freire estaba siempre con nosotros. Ahora, pasados tantos años, Freire continúa presente, de modos diversos. En noviembre pasado en Río, en la UERJ, tuve la oportunidd de mostrar, a unos colegas belgas, una exposición fotográfica sobre las campañas de alfabetización
en el que aparecía, a veces, la figura de Freire. Naturalmente, fue una buena ocasión para discutir algunos aspectos de su obra y de su enorme influencia en nuestra generación, y no sólo en América Latina. Hace pocos meses, en mi casa de Barcelona, leyendo unas entrevistas con Iván Illich, la amistad entre Illich y Freire, a pesar de las diferencias, me hizo pensar otra vez en esa época maravillosa en la que el pensamiento, la militancia y la capacidad de experimentación iban juntas, aquella época de mujeres y de hombres valientes y generosos, y que se atrevían. Hace pocas semanas, en Sao Paulo, conversando con Madalena Freire, le hablé de lo que, para
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mí, continúa vivo de la obra de su padre, el pensamiento profundo de las relaciones entre el lenguaje y las maneras humanas de “hacer mundo” y, sobre todo, de “abrir posibilidades de mundo”. Así como también el modo como la lengua constituye subjetividades y formas de vida. Las relaciones entre lenguaje, experiencia y subjetividad, que yo he trabajado, fueron pensadas rigurosamente por Paulo Freire. Y ahora que veo, cada vez con más claridad, que estamos asistiendo al final de la era alfabética y, por tanto, al final de la utopía ilustrada de una sociedad de lectores y, por tanto, al final de la institución que se encargó, o que se pretendió que se encargara, de esa utopía, al final de la escuela, de la escuela pública, y al final también de la eeducación popular, la figura de Freire se difumina y se agiganta al mismo tiempo. No sólo fue,
tal vez, el último pedagogo de raza (antes de que los discursos educativos cayeran en manos de expertos, especialistas y profesores, antes de que la experimentación se nos convirtiera en innovación y, por tanto, en mercancía, antes de que la cuestión política, en educación, degenerase en educación para la ciudadanía y, por tanto, se enunciase desde el estado), sino que fue también el último para el que la lectura y la escritura constituían aún el corazón de una apuesta política, una apuesta vital y una apuesta, en definitiva, humana. Hay una parte de la obra de Freire que está claramente datada y que, por tanto, ha envejecido. Ya es, claramente, historia. Pero hay otra parte, quizá la más noble, que continúa siendo joven,inteligente, sensible, generosa, valiente y felizmente inspiradora. ¡Hay que volver a leer a Freire! O, mejor dicho, y más humildemente: ¡Hay que ponerse en condiciones de volver a leer a Freire! Aunque dudo de que estemos a la altura.
Jorge Larrosa
Bakhtin, Paulo Freire e os fantasmas da historiadora
Fiquei pensando no que escrever sobre o que aprendi com Paulo Freire, embatucada. Paulo Freire foi
para mim uma referência, como Arraes, que queríamos/esperávamos que voltasse, na Anistia, quando
eu era adolescente. Antes, bem antes, era parte de algumas conversas de minha mãe, e não sei bem
quando, nos anos 70, da biblioteca lá de casa. Li pedaços de Cartas à Guiné Bissau, naqueles anos. E,
principalmente, ele era parte bakhtiniana do meu afeto pela minha professora de Educação Moral e
Cívica, no Ensino Médio, antropóloga, orientanda do Gadotti, lá por volta de 1977, e de meu espanto
continuado em suas aulas, formadas de diálogos horizontais, persistentes, que resistiram a todas as
provocações e restrições imagináveis, durante todos os anos do colegial.
Isso num lugar em que os considerados melhores professores reprovavam alunos por dois décimos
faltantes na nota do exame, e em que podiam assediar os alunos com a maior desfaçatez: eu me lembro
de, em uma manhã, ouvir do professor de química que "você, você, você e você estão na minha lista
negra! não vão passar de ano!". Isso porque, com compromissos no centro cívico da escola, eu andava
chegando atrasada na sua aula, embora fosse uma aluna quieta (demais) e disciplinada.
Já nas primeiras palavras de 'Cartas à Guiné Bissau' encontrei uma fala que me trouxe sentidos
adormecidos, quando ele diz
quão importante foi, para mim, pisar pela primeira vez o chão africano e sentir-me nele como quem
voltava e não como quem chegava. Na verdade, na medida em que, deixando o aeroporto de Dar es
Salaam, há cinco anos passados, em direção ao “campus” da universidade, atravessava a cidade, ela ia se
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desdobrando ante mim como algo que eu revia e em que me reencontrava. Daquele momento em
diante, as mais mínimas coisas – velhas conhecidas – começaram a falar a mim, de mim. A cor do céu, o
verde-azul do mar, os coqueiros, as mangueiras, os cajueiros, o perfume de suas flores, o cheiro da terra;
as bananas, entre elas a minha bem amada banana-maçã; o peixe ao leite de coco; os gafanhotos
pulando na grama rasteira; o gingar do corpo das gentes andando nas ruas, seu sorriso disponível à vida;
os tambores soando no fundo das noites; os corpos bailando e, ao fazê-la, “desenhando o mundo”, a
presença, entre as massas populares, da expressão de sua cultura que os colonizadores não conseguiram
matar, por mais que se esforçassem para fazê-lo, tudo isso me tomou todo e me fez perceber que eu era
mais africano do que pensava.
Naturalmente, não foram apenas estes aspectos, para alguns puramente sentimentalistas, na verdade,
contudo, muito mais do que isto, que me afetaram naquele encontro que era um reencontro comigo
mesmo.
A vitalidade dos saberes populares, sua dimensão ampla, em que se mesclam afeto, conhecimento e
relação dialógica com a cultura, seu caráter de conhecimento (sem aspas), em nada menor do que o da
então, ainda, chamada alta cultura, saberes muitas vezes milenares, com os quais o pesquisador aprende
e dialoga, esses são os ecos que encontro, nessa leitura de hoje, dessas minhas primeiras experiências
com Paulo Feire.
Aprendizagens políticas, que guiaram todas as minhas escolhas de pesquisa na graduação, e mesmo
antes, na documentação de narrativas históricas populares junto a um grupo do IA-Unicamp. Aí e
depois, essas aprendizagens viveram em muitas conversas, fotos, pesquisas, leituras, primeiro na cantina
e na antropologia (que na História, até lá por 83, o marxismo ortodoxo era rei, até Thompson revirar os
espíritos de uns e outros...) Se a política institucional daqueles dias era hierárquica e opaca, os
agrupamentos populares e de outras vozes culturais eram vivos, fortes, cheios de utopias em meio a suas
contradições e conflitos. Como lembrou Larrosa, também adolescente naqueles dias, essa pergunta
sobre Paulo Freire
me hizo pensar otra vez en esa época maravillosa en la que el pensamiento, la militancia y la capacidad de experimentación iban juntas, aquella época de mujeres y de hombres valientes y generosos, y que se atrevían.
Depois, muito depois, para encurtar a história, reencontrei a voz de Paulo Freire na da minha querida
professora Carolina, e suas vozes me conduziram pelo mestrado-doutorado, a reinventar palavras para
repensar a aula, a leitura e os documentos, dialogicamente, trazendo saberes, memórias, utopias,
reflexão docente, discente e plural, em narrativas e na escrita de histórias e experiências vividas.
Narrativas, escritas e experiências percebidas em suas contradições, ambivalências e conflitos, em suas
dimensões singulares e sociais, dialogando com sujeitos historicamente situados no tempo e no espaço.
E agora, no GEPEC, aprendendo/refletindo sobre como reinventar a aula, e a mim como docente,
encontrei, um tanto espantada, trançado em nossas memórias do passado, e em nossas memórias do
futuro, Paulo Freire, nas palavras da Corinta, na mesa de abertura do FALA OUTRA ESCOLA, que me
fizeram chorar de saudade do tempo dos livros encapadinhos para ficarem discretos, quando era tabu
ler Paulo Freire, em que éramos tão jovens, e também, e principalmente, quando descobri, ao longo
desse encontro, tantas, tantas experiências nas quais, como lembrava Larrosa com saudade,
pensamento, militância e capacidade de experimentação vêm andando juntos, na escola, nessa nossa
época de mulheres e homens valentes e generosos, que estão se atrevendo a reinventar o mundo,
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criando memórias do futuro fortes e plenas de utopias. Então, continuo aprendendo com as palavras de
Paulo Freire, bakhtinianamente, com meus fantasmas que aparecem nas palavras e nas coisas. Coisas de
historiador, que vê fantasmas pra todo lado, o ontem no hoje, o eu no outro, o ausente no atual.
Adriana Carvalho Koyama - GEPEC
Professor,
Tu me ensinaste uma lição de toda vida, âncora das outras que contigo aprendi depois. Me ensinaste
que respostas para perguntas que não existem raramente são respostas, tampouco tem alguma utilidade
real. Somos feitos, cada qual, da própria história que temos e a partir dela é que aprendemos. Por mais
sublimes que sejam os propósitos, respostas bem intencionadas a perguntas inexistentes podem até soar
generosas, mas a rigor são autoritárias, pois desconsideram o outro que o outro de fato é. Para conhecer
de algum modo o outro, é preciso tentar se deslocar e se pôr em seu lugar. E isso não se faz sem um
olhar sensível, uma escuta atenta e alguma paciência. Se as perguntas não existem como é nosso desejo,
o jogo possível será tentar gestá-las (somente tentar), para que elas nasçam e se multipliquem de modo
que nossas desejadas respostas possam enfim cumprir sua vocação. O desafio em qualquer caso será
sempre saber a hora de dizer, de calar ou de fertilizar possíveis. Isso aprendi contigo, isso tudo me
formou, isso tudo me ajudou a ser quem sou.
Rosaura Soligo - GEPEC
Conheci Paulo Freire quando estudava Pedagogia na Unicamp. Tive a oportunidade de vê-lo e ouvi-lo
em uma aula na graduação. Não da minha turma, mas de uma mais adiantada. Ouvi histórias de suas
vivências na África e nos Estados Unidos. Também tive oportunidade de ouvi-lo e vê-lo, de pertinho,
quando ele foi na escola em que eu trabalhava. Sua fala foi sobre a responsabilidade do ato de educar as
novas gerações e a necessidade de amorosidade no ato educativo. Foi lindo e gratificante ouvi-lo dizer
com tantas palavras cotidianas sobre a importância da ação de educar na condição de professor! Difícil
esquecer, e muito bom lembrar, para este momento, o carinhoso sorriso que ele dirigia a todos que o
escutavam... Singela homenagem a esse grande educador e profissional professor!
Guilherme V. T. Prado - GEPEC
Paulo Freire nos deixou um exemplo de relação entre teoria e prática. Um autor a ser revisitado,
sempre. Desbastados alguns de seus livros das condições imediatas de sua produção, resta um núcleo
duro inspirador e transformador, a nos mostrar que estar atento ao presente visando o futuro – um
modo esperançoso de estar no mundo com os outros – transforma reflexões imediatas e mediatas em
princípios aplicáveis a outros momentos e a outros contextos. Nas horas de desalento, de desesperança,
sempre lembro o homem Paulo Freire, do amigo com quem tive a oportunidade de conviver, de
trabalhar em sala de aula e de estudar o presente vivido como fonte de construção de um futuro outro: a
esperança retorna e vou em frente.
João Wanderley Geraldi
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Paulo Freire e meu pai (José Aloísio Aragão) trabalharam juntos em Brasília, no Ministério da
Educação, logo que a capital federal teve início. Eram coetâneos e partilhavam a defesa pelo ensino
público, laico, gratuito e de qualidade.
Em 1984, tive o privilégio de ser sua aluna em um curso de Pós-graduação que ele ministrou na
Unicamp – Educação Popular e Movimentos Sociais. Éramos aproximadamente 70 alunos entupidos
em uma sala de aula, sentados onde coubesse e, lá vinha ele, cumprimentando a todos e com um belo
sorriso. Entrava na classe, passando por meio daquele público ávido por ouvi-lo, e nos perguntava:
sobre o que iremos discutir hoje? E várias eram as possibilidades e sugestões oferecidas. Parecia que ele
não havia preparado a aula ou a temática que seria discutida? Não havia mesmo! Mas, por 3 horas,
dialogávamos com ele sobre um dos temas sugeridos. Preciso confessar que eu não dialogava sobre
nada: só ficava ali, quietinha, bebendo suas palavras e me sentindo tão abextada por tamanha tietagem a
um ídolo, emudecida, anotando tudo o que ele dizia, tentando, um dia, fazer com que fossem minhas as
suas palavras...
No final do curso de 1984, fomos todos os seus alunos almoçar em um restaurante dentro de um posto
de gasolina nas proximidades da Unicamp, que naquele dia, oferecia feijoada. Só então, tive coragem de
ir ter com ele e conversar sobre meu pai... Que saudade do Aragão, disse ele... E falou, por alguns
minutos o que haviam vivido juntos antes e na época do golpe militar...
Não sei se eu sei focalizar o que aprendi com Paulo Freire... Talvez, a maior aprendizagem que tenha
tido foi mesmo em relação à postura que ele tinha com seus alunos, uma relação de amorosidade, de
respeito e de profunda admiração por tudo o que dizíamos... Isto, ninguém tira de dentro de mim.
Ana Aragão - GEPEC
Paulo Freire: o pensador que eu rejeitei por intransigência descabida!
Falar de Paulo Freire! quem me dera! Não posso mesmo, por absoluta falta de competência e porque
"desprezei" suas ideias, muitas vezes.
Nunca fui estudiosa de sua obra e nem sei dizer bem o por quê disso. É provável que estava muito
confusa com tudo o que se me apresentava naquele momento, pois renegava todo pensamento cristão e
iniciava um engajamento no pensamento político marxista (amplo).
Participava dos CPC's em São Paulo e este tinha uma concepção muito diferente dos MCP, dos quais
Paulo Freire fazia parte. Rejeitava a AP e tudo o que tinha um cunho cristão/católico. Que absurdo! Em
1968, quando acampada na Rua Maria Antonia com os "excedentes" em busca de uma vaga na USP, já
que havíamos sido aprovados no vestibular oral e escrito e não podíamos estudar por falta de vagas, caiu
em minhas mãos um livro de Paulo Freire (Educação como Prática de Liberdade) e eu o passei adiante
por absoluta insensatez, ou melhor, só porque era de Paulo Freire e ele era da "linha de pensamento
cristão" que diferia do que entendíamos como cultura popular (defendida pelo CPC). Quando penso
nessa discriminação fico arrepiada, mas era assim mesmo: os marxistas rejeitavam tantas coisas:
homossexuais e cristãos, principalmente. Quanto se perdeu com isso!
Até 1971 esqueci essas coisas, não só porque tinha sido mãe recentemente e estava às voltas com essa
experiência maravilhosa de amamentar, mas porque temia ser presa e torturada, como muitos amigos e
amigas! Meu marido veio para a Universidade de Mogi das Cruzes para compor a equipe de Psicologia
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Experimental, vindo da USP e trazido por um amigo. Ambos pertenciam a um dos grupos movimento
estudantil. As reuniões aconteciam em minha casa e lá eles discutiam formas de apresentar Paulo Freire
aos alunos da Psicologia.
Juro que eu não entendia nada, mas como estava afastada de tudo o que não se referisse ao doce prazer
de ser mãe, deixava de lado. Muitas estratégias eram adotadas para que não houvesse perigo de
repressão, mas eles trouxeram Paulo Freire para aqueles alunos. Entre Skinner e seus experimentos em
AEC (Análise experimental do comportamento), eles discutiam os princípios da Pedagogia do
Oprimido – o livro, se não me engano, ainda estava proibido no Brasil. Eles usavam uma versão que um
dos professores traduzira do inglês ou do espanhol. E assim, durante alguns anos, foi.
Com esta pequena confissão, quero fazer o meu ato de contrição: "Meu bom Paulo Freire, crucificado
por mim, por minha absoluta insensatez e ignorância, estou muito arrependida por ter feito o que fiz.
Não foi pecado, por isso não mereço ser castigada neste mundo e no outro; mas, mesmo assim,
desculpa-me!".
Mas preciso confessar que dele, pessoa, tenho boas lembranças quando o avistava nos corredores da
PUC-SP, na lanchonete tomando cafezinho com Moacir Gadotti, nos idos 1985-86. Figura capaz de
comover pelo semblante calmo, amigável e de uma abertura incrível para o contato com quem quer que
fosse. Juro que muitas vezes tive o ímpeto de pedir-lhe desculpas pessoalmente, abraçá-lo e dizer o
quanto perdi como ser humano, por essa intransigência descabida. O faço agora!
Para relembrar
CPC – Centro Popular de Cultura (da UNE, de orientação marxista)
MCP – Movimento de Cultura Popular (pé no chão), tinham uma concepção de cultura diferente da do CPC –
pensadores e artistas católicos em sua grande maioria
AP – Ação popular (cristã)
Jozelia Regina Segabinazzi – Mogi das Cruzes
Fui a uma Conferência Brasileira de Educação no Rio de Janeiro com minha filha no colo para ver
Paulo Freire falar num teatro apinhado de gente, num momento de grande esperança de mudanças em
nosso país. Nossa geração teve esse privilégio de ser contagiada por ele, pelo Darcy Ribeiro e outros
pensadores geniais e comprometidos. Dentre tantos pensamentos de Freire, gosto de pensar com ele
que "se na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo,
se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que
tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes". É o que
procuro fazer na minha profissão de educadora.
Célia Maria Carolino Pires – PUC-SP
Aprendi com Paulo Freire a importância de estabelecer o dialogo... o diálogo que é silencio, que é voz,
que é vez, que é democrático.
Débora Martins – São Bernardo do Campo
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Ao escrever sobre Paulo Freire, tomei consciência de que tudo o que aprendi com ele foi por meio de
leituras. Suas palavras tocam meu ser professora colocando-me à prova e provocando o encontro da
profissional consigo mesma. Em suas palavras há profundidade e verdade experimentadas na militância
pela educação.
Sua escritura é articulada com seu modo de vida: solidário com o gênero humano, preocupado e
ocupado com o „Outro‟, em especial com os excluídos, os discriminados, os que são marcados pela
desigualdade social.
Sua verdade é marcada pela alteridade: o que faz a diferença no mundo e abre a possibilidade à utopia.
Pela coragem de vivê-la, faz suas palavras vibrarem em mim.
Com Paulo Freire aprendi que não há como ser professor sem cuidar de nossos alunos. Não há como
ser professor sem militar por uma educação melhor. Não há como ser professor sem sonhar com um
mundo melhor. Não há como ser professor sem instaurar na sala de aula uma posição essencial de
alteridade. Não há como ser professor sem torná-lo um modo de vida.
Carla Ropelato - GEPEC
Experimentei as aprendizagens de Paulo Freire em uma prática de liberdade: ensaiava o ser professora.
De pronto só pude concordar, seus escritos versaram em minhas crendices como se fossem raízes de
uma mesma árvore. E daí eu conheci o oprimido, a autonomia, a libertação enquanto luta, o tijolo, o
outro, a não existência do homem no vazio, a política, o ajudar o outro a ajudar-se. Entendi e vibrei com
tudo poucos anos antes de entrar de alma e passos para dentro de uma sala de aula. Lá, me desesperei
tantas vezes com tantas coisas, me achei sem rumo em tantas outras, mas, vejo agora, meu movimento
de luta, de desarmamento do que estava há muito construído, persigo Freire em minhas discussões com
as crianças, em meu pensar pedagógico, em minhas andanças com outros, em minha prática de
liberdade que não quer só libertação: quer dar voz e sentidos, alimentar realidades sem desconstruir
sonhos, que quer enxergar além do que se vê.
Patrícia Yumi - USP
Estamos sempre a aprender
Com Paulo Freire aprendi
Que ninguém ignora tudo
Ninguém sabe tudo
Aprendemos sempre juntos!
Mas sempre ignoramos algo
E, por isso, estamos sempre a aprender.
É no diálogo com o outro
É no diálogo com o outro
É no diálogo consigo mesmo
Que é possível aprender sempre juntos!
É na palavra que nos fazemos presente!
É no olhar cuidadoso para o trabalho que nos
fazemos presente!
É na ação-reflexão que nos constituímos
e nos fazemos presente!
É na alegria da busca que encontramos
E revivemos o encontro
Que desperta diferentes saberes
E, por isso, estamos sempre a aprender.
Marissol Prezotto - GEPEC
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A primeira vez que me deparei como uma sala de aula, como professora, havia completado vinte anos.
Egressa da antiga Escola Normal, início dos anos setenta, estava imersa nas múltiplas possibilidades que
as metodologias, da linguagem, da matemática, dos estudos sociais e das ciências poderiam
proporcionar.
Todas as representações que eu tinha estavam ancoradas naquele curso, rico em leituras e reflexões
acerca de vários pensadores e educadores do Brasil e dos mais variados expoentes de outros países;
lembro-me bem que eu achava suas biografias e pensamentos/reflexões muito ricos; Montessori, Jean
Piaget, Rousseau, Decroly, entre outros. Estes eram apresentados como “de renome internacional”.
Dentre os nacionais, lembro-me de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Lourenço Filho; este, nome dado à
Escola Normal da qual falei no início destes apontamentos; minha inesquecível Escola Normal
Lourenço Filho...quanto aprendizado!
Com certeza, hoje posso afirmar que os meus poucos anos de vida e experiência não possibilitaram um
grande aprofundamento. Este viria posteriormente, na faculdade e nas turmas que assumi ao longo de
minha trajetória como professora. Mas, voltemos ao meu primeiro dia de aula. Uma turma de jovens e
adultos. Se por um lado eu havia participado de leituras, debates e aulas de “prática de ensino”, por
outro lado toda a ênfase era dada aos alunos das séries iniciais, com crianças, antigo primário.
Agora, ali frente aquela turma silenciosa cujas idades variavam entre 16 e 65 anos eu não tinha muita
certeza do que iria fazer. Sim, tenho essas idades na memória, pois, naquele contexto, pude
compreender o quanto rico e proveitoso pode haver na convivência intergeracional. Assim, silenciosos,
olhos atentos, ali estavam; aguardavam algo que eu não sabia ainda ao certo o que era; mas seus
semblantes, uns mais cansados que outros, interrogavam-me! Parei, pensei no rápido planejamento do
qual havia participado. Foram poucos dias, contudo, eu tinha em minhas anotações muitas informações
acerca dos pressupostos do educador Paulo Freire.
Agora, ali, nós precisávamos encontrar o ponto de convergência de nossas vontades; eu queria que eles
encontrassem significados para aquelas horas nos bancos escolares; e eles?...eu ainda precisava
descobrir. Lembro-me como se fosse hoje, meu pensamento enveredou por uma afirmativa do
Pequeno Príncipe: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Lembrei-me
rapidamente de meus professores e a voz de uma delas, a minha mestra querida que um dia disse-me
que gostaria de ser lembrada com carinho, como alguém que contribuiu e não com indiferença.
Era isso que eu queria: que para aqueles alunos eu fosse uma agradável lembrança. Assim, encorajada
pelas leituras reflexivas dos textos de Paulo Freire, e interessada pelas histórias de vida daqueles alunos,
apresentei-me, contei um pouco de mim e dos meus sonhos. Naquele primeiro dia alguns contaram
também sobre seus sonhos e suas dificuldades com a parte normativa da língua materna e da linguagem
matemática, o código, pois de cabeça faziam inúmeras operações. Essa noite deu início a uma
significativa e produtiva convivência.
Há poucos dias encontrei com um desses alunos, 41 anos depois. Nosso encontro? Contarei detalhes
em outro momento.
Gertrudes Silva – Secretaria de Estado da Educação do Acre
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Diálogo e conflito: por uma escuta alteritária
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Minhas memórias a respeito do Educador Paulo Freire se misturam com história, política, militância,
educação, juventude, diversidade e encontro de saberes. Estou falando do período de 1980 em diante.
Quase duas décadas depois da experiência de seus “círculos de cultura”. Isso se explica pelo meu
ingresso na universidade em 1981, envolvimento com militâncias várias e início da profissão como
professora.
Naqueles borbulhantes anos oitenta os livros de Paulo Freire se colavam às contestações e busca de
novos modelos de ser, se expressar, viver e educar. Era fonte de renovação e revolução do pensar e agir.
Os grupos dos quais eu fazia parte tendiam a se utilizar fortemente de alguns conceitos freireanos. A
consciência política, conscientização, consciência ingênua e consciência crítica eram, pretensamente,
base para as práticas políticas entre estudantes, professores, comunidades de periferia.
Buscar entender o saber e educação popular também se constituía em preocupação do Projeto
Seringueiro. Fiz parte da equipe de educadores deste Projeto realizado por uma ONG chamada CTA
(Centro dos Trabalhadores da Amazônia) com tradição de criar escolas no interior dos seringais e se
utilizando do “Método Paulo Freire”. Nesta experiência o encontro, respeito e troca de saberes era uma
premissa definidora dos diálogos, negociação e construção do aprender.
Mas, só agora fazendo esta pequena pausa para pensar a respeito é que percebo a dimensão dessas
leituras e experiências. De algum modo ficaram entranhadas nos acúmulos ocorridos ao longo dos anos,
nem sempre perceptível.
Quinha Bezerra – Secretaria de Estado da Educação do Acre
Somos todos culturais
No debate sobre cultura, somos todos “culturais”: artistas, políticos, gestores, intelectuais, militantes,
público, educadores. Ninguém está nele como consumidor, mas como produtor. O mundo no qual uns
inventam e outros degustam já não existe mais. O mundo da educação como ato vertical, faliu. Com o
acesso, produção e difusão de conhecimento cada vez mais pulverizados, é urgente garantir espaço para
as experiências eivadas de sentido, que tensionam valores e indiferenças, que se oferecem em relações
dialógicas e não impositivas.
Paulo Freire, já nos indicou esse caminho muito antes da internet, e o fez dizendo que a educação
deveria estar articulada em uma ação político-cultural de emancipação mais ampla, propondo que se
estabelecesse como ferramenta para novas “leituras de mundo” e de tomada de consciência crítica do
cotidiano opressivo vivido pelos setores populares.
Estruturada como uma teoria pedagógico-política, suas propostas estão em plena sintonia com a
ebulição vivida pelo Brasil em 2013. Ao lutar para que a educação popular se convertesse num
instrumento de democratização radical do saber, estava estimulando a cooperação, a decisão autônoma
e a participação política, ou seja, propondo o alargamento das tendas da cidadania. Desde Paulo Freire
que educação e cultura são braços da mesma luta. Por isso, estamos convocados a criar, propor e tornar
acessíveis códigos de sentido concretos, visões de mundo distintas da visão pasteurizadora e
homogeneizante proposta pelo mercado. Precisamos ter sentido identitário e ser inventivos, atraentes,
inquietantes. Só assim nossas experiências serão vitais.
Glauber Piva - Sorocaba
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Cordel: Pedagogia da Autonomia
Wilson Queiroz – 2010
Há dias estou pensando
Hoje comecei a escrever
Sobre educação e poesia
E agora vou lhes dizer
Que muito me desperta
O modo de Freire fazer
E agora sobre este livro
Um cordel quero escrever.
Pedagogia da autonomia
Escrito por Paulo Freire
Anuncia aos Educadores
Alguns importantes saberes
Para uma prática educativa
Para todos poderem ser
Educando responsáveis
Inclusive por outros seres.
Um livro pequeno e de bolso
Não fosse seu grande valor
Porém num bolso não cabe
Todo o seu denso teor
Aponta questões importantes
Para assunção da arte-professor.
Agora entendo bem mais
E por que acredito nele
Destaca de fio a pavio
Vinte e sete saberes
Que fala da prática da escola
E do educador com ele
Que acredita na educação
E aposta em todos os seres.
São vinte e sete saberes
Que me dispus a pensar
Em que bem posso fazê-lo
E em cordel apresentar
A obra deste mestre
Na arte do bem educar
Liberta a mente de todos
E propõe a sociedade mudar.
Relendo cada saber
Espero melhor estudar
O que diz o Paulo Freire
Sobre o ser modo de ensinar
Trazendo para o cordel
Uma forma de acessar
Um pouco do que entendi
E um convite para dialogar.
Dividido em três capítulos
Esta pequena obra está
No primeiro ele destaca
Que docência sem discência
não há
O que nos impõe desde o inicio
Sobre os alunos sempre pensar.
Neste segundo capítulo
A questão do ensinamento
Ele destaca já no titulo
Que ensinar não pode ser
Transferência de conhecimento
O que nos convida a estar
Em permanente movimento.
No último capítulo propõe
A reflexão que não engana
A arte de poder ensinar
É uma especificidade humana
Por isso é preciso pensar
Em como o educador leciona.
Além dos três capítulos
Um destaque é preciso fazer
Ainda temos um prefácio
Que muito irá nos dizer
Logo em seguida algumas
Intitulada primeiras palavras
O mestre irá nos surpreender.
Pedagogia da Autonomia
Um livro que me convida
A pensar no Paulo Freire
E na Elza sua esposa querida
Que para muito ainda passa
Quase ou total desconhecida.
Só fui dela saber melhor
Depois de uma dissertação lida.
Começo falando de Elza
Sua esposa e colaboradora
Por que antes dela sabia
Ser apenas educadora
Agora num estudo entendi
Que também foi sonhadora
Junto com Paulo Freire semeou
Uma educação libertadora.
A pedagogia da autonomia
Proposta por Paulo Freire
Considerava os alunos
E o respeito aos seus saberes
Valorizando o que é simples
E todos os seus afazeres
Pensando numa educação
Com plenos direitos e deveres.
Educação era para Freire
Uma ação, um compromisso
E o professor na sua prática
Responderia por tudo isso
Na sua forma de pensar
De se fazer e de ser dito.
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RIGOROSIDADE METÓDICA
Em sua teoria da pedagogia
Paulo Freire então anuncia
Que três aspectos da educação
Requer que se tenha em dia
Sobre a importância do rigor
E da especificidade que anuncia
Ensinar é uma prática humana
E que para o homem tem valia
Porém ensinar não é transferir
E esta prática ele repudia.
Subdividida em várias partes
Esta pedagogia ele anuncia
Considerando alguns aspectos
E cada um ele também avalia
Considerando muitos dos aspectos
Que esta prática evidencia
Para construir uma educação
Que valorize a autonomia
*Ensinar exige: Pesquisa-Respeito aos Saberes dos Educandos-Criticidade-Estética e Ética-Corporificação das
Palavras Pelo Exemplo-Risco-Aceitação do Novo e Rejeição a Qualquer Forma de Discriminação-Reflexão Crítica
Sobre a Prática-O Reconhecimento e a Assunção da Identidade Cultural-Ensinar não é Transferir Conhecimento-
Consciência do Inacabamento - O Reconhecimento de Ser Condicionado-Respeito à Autonomia do Ser
Educando - Bom Senso-Humildade-Tolerância e luta em Defesa dos Direitos dos Educadores-Apreensão da
Realidade-Alegria e Esperança - A Convicção de que a Mudança é Possível-Curiosidade-Ensinar é uma
Especificidade Humana-Segurança-Competência Profissional e Generosidade-Comprometimento-Compreender
que a Educação é uma Forma de Intervenção no Mundo-Liberdade e Autoridade-Tomada Consciente de
Decisões-Saber Escutar-Reconhecer que a Educação é Ideológica-Disponibilidade para o Diálogo-Querer Bem os
Educandos.
Wilson Queiroz - GEPEC
...Cursava o último ano da Pedagogia, ingressava docência em EJA, começava a trabalhar... Nesse
contexto, redigi o meu Trabalho de Conclusão de Curso, em formato de cartas endereçadas a Paulo
Freire. Na escolha pelo texto narrativo produzi reflexões sobre minha prática docente nos dois
primeiros anos da carreira.
Campinas, setembro de 2001.
Querido professor Paulo Freire,
É com muita emoção e carinho que escrevo esta carta. Preciso imaginar que talvez a receba um
dia. Tem coisas que só você pode me responder, pois inicialmente as perguntas aqui colocadas
também são/foram suas. São suas muitas das palavras que me alimentam e me movem. (...) Por
que, por incrível que pareça, há algum tempo fiz a escolha consciente de caminhar ao teu lado...
Hoje, preciso te sentir ao meu lado...
Bem, apresento-me. Aqui começo a apresentar, também você, na minha história...
Meu nome é Maria Fernanda, professora em formação na EMEF “Edson Luis Lima Souto”
onde assumo este papel no exercício do trabalho docente e na Faculdade de Educação da
UNICAMP, tendo curso de magistério em nível médio concluído em 1996. Esta carta tem a
intenção de abrir um diálogo sincero com uma das pessoas também responsável por minha
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formação, aliás, não só pela minha, como também pela de muitos outros e outras profissionais
da Educação. Sob tanta responsabilidade, tornou-se referência. Acredito que suas obras
caberiam como parte da bibliografia de plano de curso de muitas disciplinas que compõem a
formação institucional de professores.
Infelizmente este não foi o caso do meu curso de formação superior. Conheci você, Paulo
Freire, no curso de magistério, em Santos (cidade onde nasci e cresci até os 18 anos), graças às
professoras apaixonadas por seu trabalho, duas delas ex-alunas suas. Em torno do ano de 1996,
li “O que é método Paulo Freire”, escrito por Carlos Rodrigues Brandão.
Na faculdade de Educação da Unicamp, li “Pedagogia do Oprimido” logo no primeiro
semestre, não acredito que tenha sido o melhor momento, muito menos a melhor forma de
trabalhar com o conteúdo que nos oferece: fiz uma resenha desta obra e entreguei. Mas lembro
de ter sido uma das primeiras e poucas obras completas que li em minha formação acadêmica.
Em 1999, na disciplina de Prática de Ensino, a professora Corinta Geraldi, sua amiga e colega
de trabalho no tempo em que foi docente da UNICAMP, retomou seu nome e obra, ao lado de
Freinet e Pistrak (educador russo). Eu escolhi conhecer Pistrak, já que nunca tinha ouvido falar,
e vindo como recomendação da Corinta, já imaginava que fosse um outro possível educador
significativo para minha formação. Então, naquele momento, não li suas obras, mas participei
de discussões sobre estas, com as intervenções da profa. Corinta contando detalhes sobre sua
passagem pela UNICAMP. Ainda em 1999, ainda aluna da Corinta, em Metodologia de
Pesquisa no Ensino Fundamental, li “Extensão ou Comunicação”... (...)Em 2000, na disciplina
de Estágio Supervisionado II, li “Pedagogia da Autonomia”, na época era aluna, pelo segundo
semestre consecutivo, do professor Guilherme do Val. Toledo Prado (nossa! Agora pensando...
não foi seu aluno?), que me orienta até hoje, acompanhando, então, todas as crises com a Mafê
(assim me chamam por aqui) professora, desde a época em que era estagiária e tinha arrepios
com essa ideia...
Achei pouco “Paulo Freire” no meu curso de pedagogia, como disse anteriormente, seu
conteúdo caberia em qualquer disciplina, já que a VIDA cabe em qualquer lugar. Como disse
professor Ernani Maria Fiori em suas primeiras palavras, prefaciando a 23a. reimpressão de
“Pedagogia do Oprimido”: “Paulo Freire é um pensador comprometido com a vida: não pensa
ideias, pensa a existência”... Vejo Paulo Freire conciliando lugares como academia e
movimentos sociais de base, também escreveu História, levando consigo outras pessoas à
conscientemente escrevê-la e fazê-la. Por considerar-se um ser humano inacabado, dizia-se
“sendo” historicamente, assumindo assim sua responsabilidade ética na assunção de suas
crenças religiosas e político-partidárias. “Inteiro”, Paulo Freire registrou saberes constituídos de
consciência e emoção.
Estou sempre brincando com amigos e amigas da faculdade sobre o meu desejo de que
estivesse vivo, daria tudo para que me acompanhasse até a minha sala de aula. Gostaria de ver
como responderia aos meus alunos como Seu Sebastião, e alunas como dona Margareti, tantas
questões...
Nessa carta „endereçada‟ a Paulo Freire, escrevia também para mim.
Maria Fernanda Pereira Buciano - GEPEC
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A minha formação em Pedagogia, na PUC-Campinas, só reforçou o propósito e a escolha que havia
feito. Foi apresentado um sujeito, um educador que me encantou imediatamente: Paulo Freire.
Em Pedagogia do Oprimido (1987) e na Educação como Prática da Liberdade (1989), conheci os
fundamentos e o pensamento desse autor. Li e entendi que a sua convicção era no homem como um
ser de diálogo constituído pela palavra. Para Freire (1989) existir humanamente é pronunciar o mundo,
é modificá-lo. Não é no silêncio que os homens se fazem, é no encontro. O diálogo se
impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens. Uma exigência
existencial. Portanto, o diálogo é um dos pilares da pedagogia libertadora de Paulo Freire. O
diálogo como posição diante da vida e do mundo, e dialogando com o mundo para entendê-lo e re-
interpretá-lo estaria passando pelo processo de conscientização.
Segundo ele, a conscientização ocorre quando o oprimido chega à convicção da luta pela transformação
social como sujeitos, não como objetos. E assim essa luta começa pelo auto-reconhecimento de homens
que são e oprimidos que são. Por isso, para Paulo Freire, participação é engajamento.
O silêncio da outra parte é a denúncia viva do escândalo que é um povo silenciado, marginalizado e
imerso na passividade. Outra condição para o diálogo é que ninguém, numa sociedade que diz ser
democrática, seja excluído ou posto à margem da vida social. Ou seja, uma educação como prática da
liberdade será possível quando se realizar numa sociedade onde existem condições econômicas, sociais
e políticas de uma existência em liberdade.
(...) A literatura mais marcante na minha formação acadêmica foi a literatura e o ideário freireano. A
compreensão de que o professor também é sujeito que se constitui nas relações e interações com o
outro possibilitava repensar os lugares de “aluna” e de professora que pretendia e que estava me
propondo ser. Como diz FREIRE (1997 p. 16): Mulheres e homens somos os únicos seres que,
social e historicamente, nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos únicos em quem aprender
é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada.
Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao
risco e à aventura do espírito. (...)
Natalina de Oliveira - GEPEC
Simplicidade. Amor ao trabalho. Respeito. Luta pela dignidade própria e alheia. Fala mansa para
dizeres fortes. Autonomia. Algumas das principais lições que com Paulo Freire aprendi. A importância
do ato de ler em três artigos que se completam, foi o primeiro texto que li. Ainda muito menina, com
quinze anos aproximadamente, já me encantei com o mestre. Com esta leitura aprendi que educar é um
ato político e que a escola pode colaborar na transformação do mundo. Aprendi também que não há
neutralidade em nenhuma escolha pedagógica e todas as opções estão carregadas de ideologia, mesmo
quando não temos consciência disso. Hoje, revisitando a menina, reencontro o encantamento pela
aprendizagem que se dá com o outro. O mestre vive em cada um de nós que lutamos por uma Escola
Outra.
Heloísa H. D. Martins Proença - GEPEC
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Prezado Paulo Freire,
Em certas circunstâncias da vida o agradecimento é imprescindível. Neste caso, eu diria,
correspondente. Dizer “Obrigada, Mestre” é inevitável. Meu agradecimento se pergunta “O que a vida
quer da gente na condição de professor?”. As compreensões eu encontrei em teus ensinamentos. A vida
quer da nossa docência o diálogo, a amorosidade, a escuta qualificada, a luta pela humanização do ser
humano. Sendo professora, minha profissão se constitui com esses princípios, que pareciam tão
certeiros, e até evidentes, desde o início do aprendizado do meu/nosso ofício.
Aprendi que dialogar, amar, escutar e humanizar, de acordo com o que ensinas, significa travar uma luta
no dia a dia por uma aprendizagem outra, por todos e por cada um dos estudantes.
Sou grata por lutar junto comigo e com tantas outras professoras que se humanizam um pouco mais a
partir das lições de teus escritos e de tua coerência, teu pensamento, tua ação no mundo. Contigo nossa
coragem se fortalece. Contigo nosso saber e fazer não se esvaziam diante do discurso artificial daqueles
que agem nos desmandos da educação. Contigo me recomeço.
Adriana Alves Fernandes Vicentini - GEPEC
Eu me encontrei (e ainda me encontro) com você na busca da autonomia, Paulo. E agora, mais
especificamente, na busca da alegria na escola. E do lugar de onde falo (falava e ainda falarei por algum
tempo), vou defender a autonomia e a alegria também para os profissionais que nela estão. Porque não
posso me pautar na incoerência de compreendê-la diferentemente para seus sujeitos, sejam eles quem
forem.
Disse-me você, Paulo:
A minha abertura ao querer bem significa a minha disponibilidade à alegria de viver. Justa alegria de
viver, que assumida plenamente, não permite que me transforme num ser “adocicado” nem tampouco
num ser arestoso e amargo.
Estive e ainda estou eu cá, a perseguir suas palavras, professor, porque nelas acredito. Porque sei que
não se pautam tão somente na negação, mas acenam com a possibilidade de „saídas‟, de brechas
possíveis. Porque não se caracterizam por ingênuo otimismo infundado, mas sustentam-se em princípios
que consideram as contradições como possibilidades. Porque não compreendem a verdade como via de
mão única. Porque enxergam e consideram as muitas mãos.
Adriana Stella Pierini - GEPEC
O nosso encontro
Encontrei Paulo Freire quando entrei na escola pública, no lugar de estagiária e depois de professora.
Encontrei Paulo Freire nas relações que fui estabelecendo, no outro, no cotidiano da aula, em tudo que
na escola me fazia rir, chorar, me revoltar e, por fim, mover-me em busca de caminhos outros com
meus alunos – caminhos partilhados que construiríamos juntos. Encontrei Paulo Freire em mim, já que
posso dizer que ele também me constitui enquanto professora.
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Diálogo e conflito: por uma escuta alteritária
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Desde o momento em que escolhi ser professora da escola pública, que compreendi meu papel político
de professora, que tive um olhar estrangeiro para a escola, desde quando lá vi, escutei e vivenciei muitas
formas de opressão e revoltei-me contra elas – e, também, por isso, tornei-me uma professora que busca
ter práticas para a liberdade dos alunos – Paulo Freire esteve comigo.
Foi assim: dentro da escola pública, na aula, em contato com o outro, buscando trazer a vida para a
escola, o aluno para reconhecer-se autor de sua história e produtor de conhecimento, construindo
práticas e relações que buscassem a educação para a liberdade é que fui experienciando o que o
Professor nos ensinou.
Trago Paulo Freire de novo nos pressupostos, inegociáveis para mim, que me guiam em uma prática
que vá ao encontro do meu discurso. Os ensinamentos de Freire, portanto, estão presente no meu olhar
e escuta sensíveis ao buscar tornar-me professora a cada dia a partir do que me ensinam os alunos; estão
presentes nas perguntas que faço a mim mesma – “Por quê?”, “Para quê?”, “Para quem?”, “Como?” – e
me levam a pensar constantemente na minha prática em favor e em razão das crianças; na indissociação
que faço entre ensino e pesquisa e, assim, na opção por ser uma professora pesquisadora; na busca por
evidenciar que os alunos são sim autores de suas histórias e de conhecimentos e por reconhecer suas
experiências como saberes válidos.
Diante disso, desde o primeiro momento que vivi a escola pública, Paulo Freire esteve comigo e com a
sua ajuda fui também me inventando professora, tentando a cada dia aprender mais com meus alunos.
Esteve comigo sempre que disse não ao que me „mandavam‟ fazer e, em vez disso, a partir do que cada
criança sabia, trabalhávamos com diferentes propostas dentro de uma mesma sala de aula. Sempre que
deixávamos a aula planejada de lado e aprendíamos, com o „professor‟ de seis anos, a fazer capuchetas
ou, com a „professora‟ de oito, dicas para produzir um texto e novas histórias. Sempre que pesquisamos
sobre o que nos interessava e nas organizações e reorganizações das aulas em função das crianças e da
vida que traziam com elas. Enfim, estava ali desde o primeiro momento quando, por causa do que
vivíamos juntos, tínhamos a certeza que ali não só aprenderíamos ou ensinaríamos, mas a cada dia
aprenderíamos e ensinaríamos uns aos outros. E, ainda, quando precisei tomar a decisão mais difícil em
minha profissão – estava ali me ajudando a pensar com clareza e optar por horizontes outros, e estudar,
para depois voltar à sala de aula – ao me mostrar que
A melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que
não é possível de ser feita hoje, é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito.
Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que
hoje não pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã o que hoje também não
pude fazer. (Paulo Freire in Pedagogia da Indignação, 2000).
Acho que, assim como Guimarães Rosa, Freire nesse momento ensinou-me que “A vida é assim:
esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é
coragem”.
Vanessa F. Simas - GEPEC
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A influência do grande educador Paulo Freire na minha vida profissional se intensificou quando, após
minha aposentadoria, preparava-me para lecionar no CEFAM (Centro Específico de Formação e
Atualização do Magistério) em Mogi das Cruzes.
“A importância do ato de ler” (em três estágios que se completam) foi o primeiro livro que busquei
dentre tantos que havia selecionado para minhas leituras, uma vez que sentia a grande responsabilidade
de me preparar para a tarefa de lecionar para alunas de Magistério, futuras professoras.
Houve um encantamento ao sentir a linguagem de Paulo Freire: “Aprender a ler, a escrever, alfabetizar-
se é antes de tudo, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação
mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade. Ademais, a
aprendizagem da leitura e a alfabetização são atos de educação e educação é um ato fundamentalmente
político.”
E quando nós, professores, nos encantamos e dialogamos com nossos alunos, esse encantamento é
contagiante...
Nos primeiros trabalhos em sala de aula, a leitura, o estudo, os comentários sobre “A importância do
ato de ler” despertaram nos alunos interesse em conhecer, mais e mais, as ideias do mestre Paulo
Freire.
Outro trabalho que desenvolvemos teve como suporte o livro “Professora sim, tia não: Cartas a quem
ousa ensinar”. Muito significativo e envolvente desde a leitura da introdução, que é instigante e
provocou nas alunas o desejo de conhecer o conteúdo.
A proposta foi de que as alunas foram organizassem em grupos, ficando cada grupo com uma carta,
para estudo e exposição para a turma, podendo usar como recursos vídeos, dramatizações, cartazes ou o
que julgassem oportuno. Muito criativas, elas interpretaram com rigor e uma “boniteza” que Paulo
Freire certamente gostaria de ver.
O estudo desses dois livros foi importantíssimo para nossas alunas, que estavam em formação para
serem professoras de crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental, tendo assim espaço e
oportunidade de entender as denúncias feitas por Paulo Freire para fortalecer um profissionalismo mais
consciente, mais eficiente.
Nas cartas, o que se vê é a riqueza e a maturidade de sua linguagem de educador político. Com essa
linguagem, simples e profunda, faz entender, por exemplo, o sentido na escola do aparentemente
afetivo tratamento de 'tia', e outros tantos aspectos dos quais o educador precisa ter consciência para
aprimorar sua competência profissional.
Em maio de 1990, tive a oportunidade de ver Paulo Freire na Universidade de Mogi das Cruzes,
quando foi homenageado, e o que ali observei foi um homem de semblante calmo, cabelos longos,
barbas brancas, estatura mediana e gestos expressivos nas mãos quando explicava suas ideias sobre
educação.
A notícia de seu falecimento me comoveu muito, bem como aos meus alunos, que tinham desejo de
conhecê-lo pessoalmente.
Paulo Freire nos deixa lição de vida, de ternura, de coerência, de luta. Para ele não havia inimigos a
vencer, mas situações a se construir..."
Aparecida Costa Soligo (Noninha) - Campinas
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Quando comecei a trabalhar como professora, me inquietava o fato de não ser fácil conjugar alegria e
aprendizagem. Sem entender exatamente o que me movia, buscava mecanismos diversificados para
disfarçar a dor do expor-se nas redações. Procurei, na minha prática docente, fazer da aula o ambiente
alegre em que poderíamos transpor os limites de nossas fomes – físicas, sociais, psicológicas.
Assim, de maneira intuitiva, já que ainda não conhecera ainda as ideias de Paulo Freire, buscava fazer
das aulas o ambiente do desabafo, da catarse do sujeito. Eram momentos de saber-se humano, desigual,
particular e, ao mesmo tempo, comum, apoiado nas semelhanças que se evidenciavam na voz dos
escritores brasileiros. Em 2005, passei a trabalhar com Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma
escolada rede municipal de Porto Alegre. Nessa escola (E.M.E.F. Vereador Antônio Giúdice),aprendi
bem mais do que ensinei. Meus colegas trabalhavam apoiados nos princípios de Paulo Freire a
alfabetização e a educação dos trabalhadores. Obriguei-me a ler mais sobre esse educador, a perceber
nuances da educação popular e a adequar o trabalho com Língua Portuguesa às ideias desenvolvidas em
nosso grupo.
De início, parecia-me antiético aprovar alunos que não dominavam o código escrito de nossa língua, que
ainda não dominavam estruturas frasais mais complexas, que não utilizavam conjunções, ou acentos, ou
não pontuavam seus textos. Para mim, eles não sabiam o mínimo básico para continuar seus estudos ou
para utilizar o que sabiam nas suas práticas diárias. No entanto, foi o tempo que me mostrou o
contrário.
Quando os alunos daquela comunidade buscaram organizar uma cooperativa, a fim de garantirem um
espaço de trabalho onde moravam, observei o quanto a EJA havia feito por todos nós. As reuniões nas
quais se discutia o futuro de suas vidas, as atas que se escreviam nessas reuniões, o nível de
problematizações que se faziam em nossos encontros mostraram o quanto além poderia levar uma
educação voltada para a questão social, o quanto a linguagem ganha sentido a partir da experiência de
cada um e como é indissociável a realidade na qual nos inserimos para construirmos um saber.
Aqueles ex-alunos que haviam saído da escola sem nem um mínimo básico para continuar suas vidas
(era no que eu acreditava), para minha surpresa, organizavam-se em assembleias, escreviam suas atas,
discutiam possibilidades, lutavam por seus interesses. Foi assim que percebi a importância dos
movimentos que fazíamos na EJA. Quando assistiam a um filme e faziam um posterior debate, quando
organizavam seus tempos de estudo, quando eram ouvidos, quando participavam e eram valorizados,
estavam elaborando suas fomes, tentando saná-las, lutando para isso.
Nesse processo, percebi a possibilidade de diálogo entre as ideias de Bakhtin e de Paulo Freire. Para
Bakhtin, “não há atitude indiferente”, ou seja, a tomada de decisão para o estudo e posterior
organização de uma cooperativa já era a construção da linguagem com o mundo e para o mundo. Para
representar esses múltiplos discursos sociais, Bakhtin introduz a expressão vozes sociais: “complexos
semiótico-axiológicos com os quais um determinado grupo humano diz o mundo” (FARACO, 2003,
p.55). Nossos jovens e adultos trabalhadores diziam o mundo e essas vozes eram acionadas a partir da
intenção de interação, a partir de um despertar da conscientização de que Paulo Freire (1987, p.12) nos
fala em “A importância do ato de ler”:“[...] Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A
compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o
texto e o contexto.” Foi assim que Paulo Freire me conquistou e modificou minha prática em sala de
aula para sempre! Ainda Bem!
Deliamaris Acunha
Porto Alegre
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Minha despedida de Paulo Freire
Estava no velório do Paulo Freire, tentando tratar internamente a sua perda, tão difícil de incorporar
para quem teve o privilégio de conhecer e ter um certo convívio com ele (uma pessoa que provocava
admiração porque procurava viver cotidianamente como pensava e vice-versa). Durante duas horas
ficamos aguardando a chegada de seu corpo no Teatro do TUCA/PUC-SP. Foi um momento de rever
amigos, companheiros nas lutas da educação e da política, encontro propiciado, mais uma vez, por ele.
Poucos minutos depois de sua chegada, juntamente com o tumulto que ela provocara, com flashes e
câmeras para todo o lado, procurando captar todas as cenas de sofrimento, especialmente da família e
de autoridades presentes, mais aturdida ainda eu estava, meditando a frase da Nita (Ana Maria, mulher
de Paulo, que contou ao Wanderley e a mim que o Paulo Freire teria falado em nós uma semana antes
de morrer). Todos os que lá se encontravam, estavam muito emocionados.
Nesse momento, vi passar, de mão em mão, uma barra de giz. Entendi que alguém pedira, não sei
quem... nem para quê... Como ainda estavam arrumando o local, imaginei que fosse para escrever algo
em algum quadro de avisos do Teatro, ou algo parecido. Afastei-me um pouco do burburinho,
observando e tentando ver o Paulo, para acreditar em tudo aquilo.
Fui compreender a finalidade daquela barra de giz certo tempo depois, quando autoridades, jornalistas e
família tinham liberado o espaço para que pudéssemos nos despedir do Paulo. Ao me aproximar de seu
corpo, notei que a barra de giz estava nas mãos de Paulo Freire. Ele foi enterrado com aquela barra de
giz branco na mão. Como o professor que tinha sido durante toda a vida, com sua incomensurável
capacidade de amar seu trabalho, de se apaixonar, de apostar nos oprimidos, mesmo nos momentos
mais adversos.
Seu provável último livro é um pequeno livro, denominado Pedagogia da Autonomia (Paz e Terra,
1997) e trata do ensino. É como um testamento de suas crenças que deixa a todos nós, professores e
professoras do Brasil e do mundo, que compreendemos (com ele), que nosso trabalho é político e que,
contraditoriamente, quanto mais as elites pensam “promover a educação”, menos o fazem se
desconsideram o professor e a professora, aqueles que trabalham cotidianamente, com os educandos na
escola – as crianças, jovens e adultos que, apesar de tudo e da escola que temos em nosso país, ainda
insistem em querer estudar.
Paulo Freire disse, num Seminário na PUC/SP, ano passado, quando foi debatedor de Antonio Nóvoa,
que agora, mais que nunca, sentia-se um socialista, detestava esses valores de mercado com os quais se
pesa o valor das pessoas. Dizia: quanto mais falam que o socialismo terminou, mais o sinto arraigado e renovado nos movimentos ecológicos, das mulheres, dos negros, dos sem-terra... Disse, há pouco, em
entrevista a Fernando Rosseti, dia 27 de março, em Nova York, publicado dia 03 de maio na FSP:
“Você já observou como as autoridades brasileiras, por mais discursos democráticos que elas façam, nunca acreditam na autonomia das educadoras, na possibilidade que as educadoras têm de manejar suas
escolas? Elas entopem as escolas de pacotes, de diretivas, de guias. Isso é uma das tradições histórico-autoritárias desse país, que é o chamado centralismo. Quer dizer, o centro do poder não acredita na periferia, despeja ordens a serem seguidas, que chamam mais discretamente de orientações”.
Em seu último livro, ele declara nas “Primeiras Palavras”: ...‟É nesse sentido que reinsisto em que „formar‟ é muito mais do que puramente „treinar‟ o educando no desempenho de destrezas, e por que não dizer também da quase obstinação com que falo de meu interesse por tudo o que diz respeito aos
VI FALA ESCOLA
Diálogo e conflito: por uma escuta alteritária
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homens e às mulheres, assunto de que saio e que volto com o gosto de quem a ele se dá pela primeira vez. Daí a crítica permanente presente em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia. Daí o tom de raiva, legítima raiva, que envolve o meu discurso quando me refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo. Daí o meu nenhum interesse de, não importa que ordem, assumir um ar de observador imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos. Em tempo algum pude ser um observador „acinzentadamente‟ imparcial, o que, porém, jamais me afastou de uma posição rigorosamente ética.‟ (p.15)
Uma grande lição que nos deixa é a de nunca ter perdido a humildade, de ter dito sempre não à
arrogância possibilitada pelo acesso privilegiado ao conhecimento, numa sociedade tão desigual. Ele
sempre se irritou com os arrogantes e, por isso mesmo, foi muito criticado nos círculos acadêmicos
brasileiros. E dizia: eu tenho o direito de me sentir orgulhoso, mas nunca de ser arrogante. Lembro-me
muito bem de uma vez que lhe pedi um autógrafo num exemplar de seu livro “Pedagogia do Oprimido”
para dá-lo de presente de formatura no Curso de Pedagogia, a minha querida sobrinha Adriana. Ele
assinou, mas não sem reclamar: „Logo você, Corinta, pedindo que eu pratique esse culto à personalidade? Interessa é o que eu escrevi, não minha assinatura!‟‟ Deu uma risada e assinou...
deixando-me vermelha.
Há pouco mais de um ano perdi meu pai e, com ele, minha principal referência de dignidade e respeito
humanos. Procuro vivê-la como uma forma de preservá-lo para além de seus limites de vida biológica.
Nesse sentido, ele está vivo em mim, como em muitos outros também. Naquele momento tentei tanto
escrever isso e não consegui transformar minhas emoções em texto. Agora perco Paulo Freire e, com
ele, minha principal referência como professor e intelectual/político. Espero ter a humildade e
sabedoria suficientes para tentar vivê-lo em mim, sem reproduzi-lo, o que ele não perdoaria, pois era
contra a transferência e o culto à personalidade (Dizia: tudo contra a transferência cultural, nada contra
a sua reinvenção).
Adeus Professor Paulo Freire.
Corinta Geraldi - GEPEC
Maio/1997
Os diálogos de vários membros do Gepec, quando na forma de dissertações e teses, encontram em http://vifalahomenageiapaulofreire.blogspot.com.br/
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