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UNIVERSIDADE AUTNOMA DE LISBOA
DEPARTAMENTO DE DIREITO
VIOLNCIA CONJUGAL
Charneca da Caparica 2013
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VIOLNCIA CONJUGAL 2013
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Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos...
DUHU, art n 1
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saudade e memria dos meus (pais) avs:
Francisco Santos
e
Maria Adelaide Avelar
Antnio Martins Carronda
e
Isaura Carronda
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AGRADECIMENTOS
A todos (sem distino ou ttulos) os que fazem funcionar a grande instituio que a UAL e
Dra. Flvia Loureiro da Universidade do Minho, pela sua pacincia inesgotvel.
Aos meus AVS, que j no esto comigo fisicamente por todo o amor que sem
contrapartidas me ofereceram.
Aos meus TIOS por continuarem a meu lado e acreditarem em mim.
Aos meus filhos BRUNO e DANIELA por estarem ao meu lado e por durante todo o percurso
da minha vida acadmica (sem um queixume) aceitarem a ausncia da me.
Ao meu AMIGO (PJ) Amrico Joo que partiu muito cedo, por ter feito parte da minha vida.
Um agradecimento especial com AMOR ao meu amigo Amrico Jos que, durante estes anos
de estudo, enriqueceu o resultado final desta experincia, tirando milhares de cpias,
impresses e adquirindo pelo pas vrios livros e manuais, necessrios para completar o curso,
e no faltando tambm preciosos conselhos.
Um agradecimento muito especial s minhas AMIGAS Susy Q, Lina e Carmo por todo o
esteio e brincadeiras que nos piores momentos me fizeram rir e deram alento para no desistir.
E por ltimo, o meu maior agradecimento minha amiga de sangue e
inseparvel.............Helena Carronda. .
Sim, a mim prpria, que com grandes obstculos, sacrifcios e sofrimento, segui o caminho
traado, subindo todos os dias mais um degrau na sobrevivncia de quem vtima.
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NUNCA desistam de nada por muito complicado e difcil que vos parea...Afinal...
H SEMPRE UM AMANH...
Pearl Buck
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Justificao e fundamentao terica
Apesar de ser um tema bastante escolhido, a nossa escolha no poderia nunca ser
outra. Realizamos este estudo para entender o enraizamento da violncia domstica nas nossas
vidas, pois julgamos que deveria estar erradicada das nossas sociedades ditas desenvolvidas,
inteligentes, democrticas e (supostamente) livres. Tambm escolhemos por ser um tema cada
vez mais actual, bastante vasto, continuando a ser de difcil compreenso e discusso, assunto
este onde ainda impera muita vergonha e crtica social. Mas principalmente porque
fomos/somos vtima de violncia conjugal, e at chegar a este estudo desconhecamos os
meios de ajuda disponveis e at alguns dos nossos direitos.
De acordo com o relatrio da APAV referente a 2012, de um universo de 8945 vtimas
directas de crime apoiadas pela APAV em 2012, 81% (N=7249) eram pessoas adultas at aos
64 anos de idade. Sendo 85% pertencentes ao sexo feminino, contra 13% do sexo masculino,
num universo de 7249 de pessoas adultas vtimas de crime.1
Ao analisarmos estes dados existentes, constatamos que na maioria dos casos, o
agressor do sexo masculino (marido, companheiro, ex-companheiro, namorado ou noivo).
A violncia fsica com 83,3% dos casos, foi o tipo de violncia mais detectada, onde
se destacam as tareias como os actos mais frequentemente denunciados. Segue-se a violncia
psicolgica, com 14,2%, e a violncia sexual, com 1,6%, registando-se ainda uma
percentagem de 0,9% com vrios tipos de violncia.
Na quase totalidade dos casos os filhos assistiram agresso, foram 95,3% que
assistiram, sendo que a grande parte destas mulheres j tinha um grande historial de violncia.
O cime aparece como a causa mais identificada com 44%, seguindo-se o alcoolismo
com 19,7%. As vtimas so mulheres, a maioria casadas com 59,1%, e com idades entre os 25
e 34 anos com 28,5% e dos 35 aos 44 anos com 26%, em relao escolaridade, com nvel de
instruo primrio com 44% e so sobretudo domsticas com 40,3%.2
Partindo desta constatao, dividimos este trabalho em captulos:
1 http://apav.pt/apav_v2/images/pdf/Estatisticas_APAV_Totais_Nacionais_2012.pdf [Consulta a 20 de
Dezembro de 2012]
2 http://www.apav.pt/pdf/Penelope_PT.pdf [Consulta a 20 de Dezembro de 2012]
http://apav.pt/apav_v2/images/pdf/Estatisticas_APAV_Totais_Nacionais_2012.pdfhttp://www.apav.pt/pdf/Penelope_PT.pdf
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No primeiro, fazemos uma abordagem histrica da mulher na famlia e na sociedade,
desde logo para compreender quando e como se foi libertando das amarras do poder dos
homens. Achamos historicamente muito interessante a evoluo das sociedades desde os anos
60/80 at aos dias actuais, desde o papel das instituies, aos meios de ajuda e ao apoio s
vtimas. E levamos a cabo, na mesma linha, uma abordagem histrico-legislativa das vrias
alteraes do Cdigo Penal em sede de violncia domstica, salientando quando foi o crime
de violncia conjugal e relaes anlogas s dos cnjuges autonomizado no nosso Cdigo
Penal.
No segundo captulo debruamo-nos sobre a Constituio da Repblica Portuguesa
enquanto lei fundamental delimitadora do Direito Penal. A tentamos descortinar quais as
implicaes que podem derivar para a questo da violncia conjugal dos diferentes preceitos
constitucionais.
No terceiro, analisamos os vrios tipos de violncia existentes e as caractersticas
gerais deste tipo de crime, enquanto no quarto captulo desenvolvemos a questo da
visibilidade deste crime a nvel nacional e internacional e os meios de divulgao.
O quinto captulo deste trabalho reflecte sobre os sujeitos, as medidas de coaco e
tambm o papel das entidades policiais neste tipo de crime, assim como os princpios
constitucionais que enformam a poltica criminal na sexta parte.
Nos captulos stimo e oitavo, aprofunda-se um pouco sobre os meios de proteco
das testemunhas e vtimas, apresentam-se algumas estatsticas e dois testemunhos reais.
Terminamos este trabalho com uma breve concluso, um pouco mais conhecedores
sobre este assunto e esperanosos que um dia este grave problema das nossas sociedades seja
erradicado.
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Objectivos
Com este trabalho pretendemos obter uma viso mais ampla e aprofundada da matria
referente a todos os tipos de violncia domstica, seja ela fsica ou psicolgica. Queremos
perceber o comportamento do agressor e da sua vtima, saber que mecanismos sociais existem
e de que maneira actuam perante as vrias situaes de agresso e como so as vtimas
protegidas pelo Estado.
Para este trabalho foram definidos alguns objectivos:
1. Aprofundar conhecimentos sobre o tema:
Saber a idade das vtimas, quem o agressor, o meio usado para agredir, quem
assiste na maior parte s agresses, qual o tipo de relao existente entre vtima e
agressor, as opes de apoio e ajuda para vtima, a tipologia e consequncias da
agresso.
2. Tentar ter um ponto de vista mais amplo, seja ele negativo ou positivo:
O que esta a ser estudado e feito, os apoios, os meios se so suficientes ou no.
3. Investigar os vrios comportamentos:
Comportamentos da vtima e agressor perante a situao.
4. Analisar legislao referente a esta situao:
Analisar um pouco algumas alteraes feitas legislao nos ltimos anos e
actualmente o que existe em sede de violncia conjugal no nosso pas.
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LISTA DE ABREVIATURAS
AGNU - Assembleia Geral das Naes Unidas
APAV - Associao Portuguesa de Apoio Vtima
AR - Assembleia da Repblica
CC - Cdigo Civil
CP - Cdigo Penal
CPC - Cdigo do Processo Civil
CPP - Cdigo do Processo Penal
CRP - Constituio da Repblica Portuguesa
MP - Ministrio Pblico
OPC - rgo de Polcia Criminal
STJ - Supremo Tribunal de Justia
TC - Tribunal Constitucional
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RESUMO
O tema que escolhemos a Violncia Conjugal porque um fenmeno cada vez mais
visvel e comum nas nossas sociedades e tambm porque fomos vtima deste crime s mos
do marido, sofrendo ainda pelas marcas deixadas no corpo e na mente e pelas suas ainda
ameaas e perseguies.
Por isso damos importncia violncia conjugal no feminino, mas sabendo todos ns
que a violncia domstica existe no masculino tambm, sendo certo mais escondido por
vergonha do homem em assumir que agredido pela mulher.
Este tipo de violncia principalmente fsico, psquico e sexual mas existem mais
formas. A agressividade, regra geral, aumenta gradualmente com o avanar da relao e
muitas vezes no visvel para o exterior do meio conjugal, j que os agressores so
carinhosos, dedicados famlia, educados, cidados trabalhadores e exemplares. Tendo a
ajuda da mulher, pois esta esconde, por vergonha ou medo da rejeio social, do resto da
famlia e amigos que vtima de violncia domstica.
Este assunto ainda nas nossas sociedades um tema tabu, constrangedor e gerador de
ampla discusso, tanto na doutrina como a nvel da jurisprudncia.
Palavras-chave: Violncia domstica, Maus tratos, Mulher, Vtima, Cdigo Penal,
Constituio da Repblica Portuguesa.
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ABSTRACT
My topic is conjugal violence. I have chosen it because it is an evermore visible and
common phenomenon throughout society, and, also because we have been a victim of this
crime at the hands of a husband. I still bear the physical and psychological marks of this and
continue to be threatened and stalked.
So give importance to marital violence perpetrated against women, although, we all
know that men are also victims of domestic violence. In their case, it is clearly more hidden,
since a sense of shame makes them loathe assuming that they get knocked about by their
wives.
This type of violence is mainly physical, psychological and sexual, although there are
other kinds. As a rule, aggression in the relationship increases with time. Often, nothing is
noticeable to those outside the relationship, because the aggressors are ostensibly affectionate,
polite, devoted to their family, as well as being exemplary, hardworking citizens.
The woman is complicit in this, since she conceals the fact that she is a victim of
domestic violence from family and friends, through shame and fear.
This matter is still in our societies a taboo, embarrassing and generating extensive
discussion, both in doctrine and jurisprudence level.
Key-words: Domestic violence, Ill-treatment, WOMAN, Victim, Penal Code, Constitution of
The Portuguese Republic
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INTRODUO
A violncia conjugal e os maus tratos no seio familiar sempre existiram ao longo dos
tempos. Sendo um complexo problema social e susceptvel de vrias interpretaes
normativas nos dias de hoje.
A violncia domstica aquela que tem lugar no seio familiar, entre as quatro paredes
da casa familiar, tambm existindo em casais homossexuais (entre dois homens, ou entre duas
mulheres).
um tema que tem assumido, por todo o mundo propores bastante elevadas e que
s foi denunciado a partir dos movimentos feministas nos anos 60 e 70.
um fenmeno composto por diversos factores sejam eles, sociais, culturais,
ideolgicos, econmicos, psicolgicos, etc.
Ao longo dos tempos, este crime tem vindo a merecer cada vez mais a nossa ateno,
tanto no campo legislativo, como na aplicao do direito, e para isso contribuem os meios de
comunicao, a publicidade, a maior consciencializao das pessoas em relao a este tipo de
crime e as constantes alteraes legislativas.
O conceito de violncia domstica tem evoludo bastante, de tal maneira que j se
encontra tipificado no nosso Cdigo Penal, diferenciando assim, crime de maus tratos,
violncia domstica e violao das regras de segurana. E dentro da violncia domstica,
encontra-se o abandono e a negligncia de crianas e idosos e a violncia conjugal.
Tal facto perfeitamente justificvel face ao aumento do crime de maus tratos e
violncia domstica, os quais tem vindo a atingir dimenses cada vez maiores, sendo os bens
tutelados os que assumem na nossa sociedade uma maior relevncia no mbito da tutela
penal, sendo crimes contra as pessoas e no mbito da tutela constitucional, no que diz respeito
ao direito a integridade fsica e ao direito a vida, assumindo ambos uma necessidade
obrigatria de respeito pela dignidade da pessoa humana como ncleo essencial da Repblica
Portuguesa.3
2 J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7 Edio (3 Reimpresso), Almedina
2003, pg. 225.
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Esta violncia nem sempre exercida pelo mais forte fisicamente e economicamente
dentro da famlia, sendo frequentes as razes puramente psicolgicas (Sndroma de
Estocolmo) e que impedem a vtima de se defender.
A vtima regra geral tem pouco auto estima, sente-se culpada da agresso e sente
vergonha pela situao, muitas das vezes so dependentes, material e emocionalmente do
agressor, sendo este o motivo de se sentirem prisioneiras da relao.
Existem vrias formas de violncia domstica, no apenas a fsica, as tareias, os
murros, os pontaps, etc. A violncia domstica no se caracteriza apenas por aquilo que
visvel e que est tipificado no CP ou noutra qualquer legislao, como vero mais frente.
A violncia domstica contra a mulher muito superior violncia contra o homem,
podemos constatar este facto pelos dados existentes e facultados pelas vrias instituies.
Sendo o espao domstico, o local onde se pratica mais violncia com 43%, seguindo-se o
espao pblico com 34% e o local de trabalho com 16%, alm de 7% referente a espaos mais
residuais. Quando a agresso ocorre no espao domstico, o agressor normalmente o marido
ou companheiro da vtima, tendo a grande maioria dos agressores idades compreendidas entre
os 25 e os 44 anos.4
Pelo relatrio da APAV referente a 2012 de um universo de 8945 vtimas directas de
crime apoiadas pela APAV em 2012, 81% (N=7249) eram pessoas adultas at aos 64 anos de
idade. Sendo 85% no feminino, contra 13% no masculino, num universo de 7249 de pessoas
adultas vtimas de crime. 5
Em 2002, a APAV declarou que foram denunciados mais de 18 mil casos de violncia
domstica e que mais de 17 mil (93%) foram contra mulheres mas que destes 18 mil apenas
foram apresentadas 6 mil queixas, o que mostra claramente que a larga maioria das vtimas
continua a preferir no apresentar queixa.
J no ano de 2005 pelos dados da Direco Geral de Sade foram 1 milho de pessoas
afectadas pela violncia domstica s em Portugal, e 39 mulheres mortas.
O homem macho, tem que ser forte e por isso esconde mais a agresso, tem
vergonha. Ao analisarmos os dados constatamos que o agressor do sexo masculino
4 http://www.apav.pt/pdf/Penelope_PT.pdf [Consulta a 13 de Setembro de 2012]
5 http://apav.pt/apav_v2/images/pdf/Estatisticas_APAV_Totais_Nacionais_2012.pdf [Consulta a 20 de
Dezembro de 2012]
http://www.apav.pt/pdf/Penelope_PT.pdfhttp://apav.pt/apav_v2/images/pdf/Estatisticas_APAV_Totais_Nacionais_2012.pdf
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(companheiro, ex-companheiro, namorado ou noivo), porque nos crimes onde a mulher a
agressora, ressalta-se a circunstncia de ter acumulado muita dor, muitas humilhaes, de ser
o resultado de muitas agresses por parte do homem contra a mulher, passando esta de vtima
a agressora, e claro, tambm existem as agressoras violentas no feminino.6
Ao entrarmos no terceiro milnio (ano de 2000), a GNR e a PSP registaram em
Portugal cerca de 12 000 ocorrncias de violncia domstica, das quais cerca de 84% foram
sobre vtimas do sexo feminino, ou seja uma mdia de 27 mulheres por dia7. Mas sabe-se que
s uma pequena parte das violncias sobre mulheres objecto de participao s autoridades.
A probabilidade de qualquer mulher vir a ser vtima de violncia por parte de algum
homem no mnima. Todas as mulheres correm esse risco, com maior ou menor
probabilidade.
Existem cinco formas mais frequentes de violncia contra as mulheres: domstica,
sexual, prostituio, trfico e infanticdio. Na sua maioria os agressores so os prprios
companheiros e termina muitas vezes na morte da mulher.
Na cultura de muitos povos, a mulher continua a ser considerada inferior em relao
ao homem, ao qual todas as violncias so desculpadas. Em Portugal continua a haver muitos
crimes passionais, o cime a principal causa.
Nas palavras de Yakin Erturk,8 porta-voz especial das Naes Unidas, sobre a
violncia contra as mulheres, causas e suas consequncias, este fenmeno est enraizado no
sistema patriarcal no centro do qual reside o interesse de um grupo social em manter e
controlar categorias socialmente aceitveis de procriao da espcie.
O silncio das vtimas um dos maiores obstculos ao combate a este tipo de
criminalidade, os agressores fazem represlias e ameaas, caso as agresses sejam
denunciadas, por vergonha e desconhecimento das entidades que prestam auxilio nestes casos,
a mulher prefere calar-se.
6 Elza Pais, in Homicidio conjugal. Pg. 198.
7 http://www.rcc.gov.pt/Directorio/Entidades/ac/Paginas/Secretaria-Geral-do-Minist%C3%A9rio-daAdminist ra
% C3%A7%C3%A3o-Interna-(SGMAI)---.aspx [Consulta a 13 de Setembro de 2012]
8 http://www.unric.org/pt/mulheres/20109 [Consulta a 13 de Setembro de 2012]
http://www.rcc.gov.pt/Directorio/Entidades/ac/Paginas/Secretaria-Geral-do-Minist%C3%A9rio-daAdminist%20ra%20%25%20%20C3%A7%C3%A3o-Interna-(SGMAI)---.aspxhttp://www.rcc.gov.pt/Directorio/Entidades/ac/Paginas/Secretaria-Geral-do-Minist%C3%A9rio-daAdminist%20ra%20%25%20%20C3%A7%C3%A3o-Interna-(SGMAI)---.aspxhttp://www.unric.org/pt/mulheres/20109
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A violncia conjugal inclui-se e faz parte de um conjunto de maus-tratos associados ao
conceito de violncia domstica.9 Mostrando as vrias estatsticas e estudos que predomina a
violncia contra a mulher. E ao analisarmos bem este assunto chegamos concluso de que
no se pode falar de violncia domstica sem discutir os papis de gnero,10
e se eles tm ou
no tm impacto neste tipo de violncia.
Este tipo de crime encontra-se no cdigo penal, na parte especial, dos crimes contra as
pessoas, parte esta que trata da tipificao dos actos considerados ilcitos penalmente e que
so passveis de pena. Para cada acto ilcito, tipificado no cdigo penal, corresponde uma
pena que pode ser de multa ou de privao de liberdade, ou seja, pena de priso.
A violncia contra as mulheres um crime contra os direitos humanos. Os direitos
humanos so mais do que um conjunto de leis e obrigaes, j que incorporam a ideia
fundamental de todos, sem excepo, temos direito aos mesmos direitos. A violncia contra as
mulheres revela uma brecha profunda nesses direitos, a capacidade de governos, autoridades
locais, religiosas, mundo empresarial e lderes comunitrios para a pr em prtica e a fazer
cumprir, e ainda a vontade sentida pelos simples indivduos para a experimentarem na sua
vida quotidiana.11
As pessoas que esto de fora ou que nunca passaram por uma situao destas podem
criticar e no compreender as mulheres que se mantm anos a fio numa relao doentia e
dolorosa mas todos devemos lembrar que no assim to linear e simples, estas relaes
como todas as outras so complexas.
Podem ser muitas as razes que levam uma mulher a manter uma relao abusiva e
dolorosa, como o no ter meios para se sustentar a si e aos filhos, pode ter vergonha e estar
afastada da famlia ou pode simplesmente estar demasiado aterrorizada e confusa para
9 Art 152, n 1, al. a) do CP.
10 Teresa Pizarro Beleza, in Anjos e Monstros A construo das relaes de gnero no Direito Penal. Revista
Ex aequo, n 10/2004: O sistema legal gera hierarquias entre as pessoas criando ou reforando categorias, uma
das quais o gnero. O Direito Penal tem um papel central nesta matria, mas tem de ser considerado em
conjunto com outras reas do direito. A categoria mulheres no fixa nem linear. Pode mudar segundo o
estatuto sexual e social. Alguma jurisprudncia recente ainda perpetua a inferioridade tradicional do papel das
mulheres na esfera privada. A interveno do Estado na famlia sempre foi forte mas selectiva e geradora de
poder.
11 Amnistia Internacional Portugal. Relatrio da Campanha Acabar com a Violncia Sobre as Mulheres.
Mulheres (IN)VISVEIS. Relatrio elaborado por Filipa Alvim.
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abandonar tudo. Devemos ter em ateno antes de fazer qualquer crtica que um recomear
de novo para estas mulheres, sozinhas e muitas com filhos pequenos, o ter coragem para
alm de virar costas a tudo, ouvir e sentir a crtica de todos os que conheciam o casal, pois o
homem era um excelente marido e pai.
Estas mulheres vtimas de violncia conjugal no precisam de compaixo, no
precisam que, quem esteja de fora da situao tenha pena delas, precisam sim, de apoio e
ajuda e para isso, existem as vrias instituies, as foras policiais e at nmeros telefnicos12
para onde podem ligar pedindo informaes sobre os meios existentes, os seus direitos e um
pouco de apoio, sendo que se podem amparar no anonimato destas chamadas.
12
Exemplo: A Linha Nacional de Emergncia Social (LNES 144), que funciona 24 horas por dia, recebeu no
ltimo ano 18 438 pedidos de apoio em todo o pas, quase metade dos quais relacionados com violncia
domstica, quer fsica quer psicolgica. Criada em Setembro de 2001 pelo Instituto de Segurana Social (ISS), a
linha gratuita 144 recebeu novo flego em Novembro de 2008 com a assinatura de um protocolo com a Cruz
Vermelha, que assim passou a disponibilizar as suas equipas nos 18 distritos de Portugal para responder de
imediato s emergncias solicitadas pelo pblico. As chamadas efectuadas para o 144 sero atendidas por
psiclogos, juristas e assistentes sociais que depois accionaro as equipas distritais. Os 18 438 pedidos de apoio
registaram-se entre Novembro de 2008 e Novembro de 2009, segundo o ISS. Fonte: Alexandre Ribeiro de
Almeida (LUSA). Em http://serviosocial.blogspot.pt/2009/11/linha-144.html. [Consulta a 13 de Julho de 2012]
http://serviosocial.blogspot.pt/2009/11/linha-144.html
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CAPTULO I - EVOLUO HISTRICA/LEGISLATIVA
1.1. Abordagem histrica famlia/mulher
Historicamente, a dependncia e subjugao da mulher ao homem dentro da famlia na
civilizao ocidental j vem do Velho Testamento em que Deus criou a mulher duma costela
do homem, Ento o Senhor Deus fez o homem cair em profundo sono e, enquanto este
dormia, tirou-lhe uma das costelas, fechando o lugar com carne. E da costela que o Senhor
Deus tomou do homem, formou uma mulher: e trouxe-a a Ado. E disse ento ao homem:
Esta, sim, osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela ser chamada mulher, porque do
homem foi tirada.13
O conceito de famlia foi alvo durante sculos e ao longo da histria da humanidade de
diferentes alteraes e apreciaes, devido s vrias alteraes econmicas, socioculturais e
religiosas. Famlia um termo derivado do latim famulus, que significa escravo
domstico, termo este que foi criado na Roma Antiga pelo aparecimento de um novo grupo
social entre as tribos latinas, ao serem introduzidas na agricultura e escravido.
No direito romano, a famlia era formada pelo pater famlias14
que tem origem no
patriarcado hebreu e todos os que estavam sujeitos sua ptria potetas, ou seja, todos os que
viviam debaixo das ordens de um chefe, incluindo a mulher. Na famlia romana os valores
cultivados levaram valorizao da mulher que, apesar de obedecer ao pater marido, era vista
como um alicerce fundamental e o seu trabalho domstico como uma virtude.
Esta civilizao dava grande valor ao casamento e famlia como uma das instituies
centrais da vida social e nela baseava as trs virtudes romanas: a gravitas, que era o sentido da
responsabilidade; a pietas, que significava a obedincia autoridade; e a simplicitas, que
impedia os romanos de agirem com emoo, mantendo, assim, sempre a razo.
Durante sculos e at ao Novo Testamento, o homem foi o responsvel pelo sustento
da famlia e do lar, assim como lhe cabia a educao e orientao de todos os que lhe estavam
subordinados.
13
Gnesis 2:21-23 14
Filipe de Arede Nunes, in Estado Novo, casamento e cdigo civil: Chama-se paterfamilias o que tem o
domnio na casa e assim chamado ainda que no tenha filho, pois o termo no apenas de relao pessoal, mas
de posio de direitos. Pg. 61
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J na Idade Mdia (a Idade Mdia o perodo da histria da Europa compreendida
entre os sculos V e XV, e o perodo intermdio da diviso da histria ocidental em trs
partes: a Antiguidade, a Idade Mdia e a Idade Moderna.),15 as pessoas comearam a estar
ligadas por um vnculo matrimonial, formando novas famlias a partir daqui, tendo os
descendentes duas famlias, as paternas e as maternas, estando a mulher sempre na
dependncia do homem.16 Era uma sociedade patriarcal17 em que a mulher passava da
autoridade do pai para a autoridade do marido atravs do casamento que tinha carcter
institucional e se realizava mesmo contra a vontade da mulher. O casamento era um negcio e
tinha que ser rentvel para ambas as famlias.18
15 Manuela Santos Silva, As Mulheres Crists nas Cidades da Idade Mdia, in A Mulher na Histria. Actas
dos Colquios sobre a temtica da mulher (1999/2000): Na documentao que os historiadores normalmente
utilizam para reconstituirem o quotidiano da Idade Mdia, as mulheres so as grandes ausentes ou, pelo menos,
minoritrias. A vida da mulher comum desenrola-se sobretudo na esfera do privado expondo-se (desejavelmente)
pouco no plano pblico. Por elas respondem os seus tutores os pais, os maridos, at os filhos quando
atingem a maioridade. Muito poucas rompem, por isso, o muro que as protege, defende e inibe. Pg. 143.
16 Antnio M. Balco Vicente. A Mulher na Ruralidade Medieval, in A Mulher na Histria. Actas dos
Colquios sobre a temtica da mulher (1999/2000): Sempre na dependncia do seu homem, ela quem num
ritual quase mgico amassa, leveda e coze o po, smbolo da fartura da casa; num ritual idntico ao que utiliza
para a coalha do leite para que o queijo possa surgir sobre a tbua assente nos cavaletes que improvisam a mesa.
a mulher com as suas frmulas mgicas e bnos secretas quem garante a sacralidade das funes domsticas,
Da estar sempre atenta aos seus dias impuros, durante os quais o interdito se impe para que se cumpram as
prescries da Escritura. Pelas suas mos passa o linho. ela quem o espadela. As suas mos faro girar a roca e
o fuso; do seu tear sair o bragal necessrio s urgncias da famlia e satisfao das exigncias do senhor. Ter
de lavar e remendar a roupa, de descascar o rude cnhamo, de colaborar na pastorcia do gado,
geralmente entregue s crianas que a documentao oculta. Pg.131.
17 Jos Augusto M. Ramos. A Mulher na Biblia, in A Mulher na Histria. Actas dos Colquios sobre a
temtica da mulher (1999/2000). Pg. 33 e 42.
18 Antnio M. Balco Vicente. A Mulher na Ruralidade Medieval, in A Mulher na Histria. Actas dos
Colquios sobre a temtica da mulher (1999/2000). Nos Sculos IX e X, os casamentos so encarados como
um negcio entre famlias, sendo geralmente realizados sem o consentimento da noiva ou mesmo contra a sua
vontade expressa. No admira, por isso, que o rapto constitusse, ento, uma instituio bastante vulgar. Se por
um lado permitia solucionar a questo do dote, resolvia, por outro, as contradies entre os interesses materiais
da famlia e os anseios da arrebatao juvenil. Pg. 133.
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Sendo uma sociedade profundamente catlica, a igreja tinha um grande peso nas
famlias, era impensvel para a mulher vtima de violncia, separar-se de seu marido, pois a
igreja condenava e ainda condena nos dias de hoje o divrcio. 19
Assim como nas Ordenaes Afonsinas20
, que consagravam ao marido o direito de
castigar ou matar a mulher21
, ou seja, o chamado poder de correco que vigorou at ao
sculo XX. Apesar de ser um Cdigo relativamente grande, estava muito longe de constituir
um sistema completo e justo, especialmente a parte do direito privado. Em todas as
Ordenaes do Reino, Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, o Livro V era dedicado ao Direito
Penal.
Com a Revoluo Francesa surgiram os casamentos laicos no Ocidente e com a
Revoluo Industrial movimentos migratrios para as grandes cidades. Estes movimentos
demogrficos originaram o estreitamento dos laos familiares. As mulheres procuram
trabalho saindo de casa, deixando de ter apenas a casa e a educao dos filhos, como
objectivo de vida. Por outro lado, os idosos passam a ser entregues a instituies de
assistncia.
A implementao da repblica em 1910 cria um sentimento predominantemente anti-
religioso e anticlerical. A Lei sobre a separao da Igreja do Estado, de 20 de Abril de 1910,
atravs da qual o Estado deixa de reconhecer a religio catlica como religio oficial do pas
19
Ibidem. Pg. 135 a 137.
20 As Ordenaes Afonsinas ou Cdigo Afonsino tiveram o seu incio no reinado de D. Afonso II e eram uma
coleco de leis destinadas a regular a vida domstica dos sbitos do Reino de Portugal a partir de 1446. So as
primeiras codificaes de leis que surgiram na Europa, iniciaram-se no sculo XII e o seu trmino ocorreu no
sculo XV. Tiveram como fonte a legislao costumeira e feudal e eram compostas por cinco livros. O primeiro
sobre regimento de magistrados e juzes (administrao e justia), o segundo da jurisdio de pessoas, dos
direitos reais e bens da Igreja (relao entre Estado e Igreja, dos bens e privilgios da igreja, dos direitos rgios e
sua cobrana, da jurisdio dos donatrios, das prerrogativas da nobreza e legislao especial para judeus e
mouros), o terceiro tratava basicamente do processo civil, o quarto versava o direito civil (regras para contratos,
testamentos, tutelas, formas de distribuio e aforamento de terras, etc.) e, por ltimo, o quinto livro debruava-
se sobre o processo criminal e do direito (os crimes e as suas respectivas penas).
21 Ordenaes Afonsinas, Livro V, ttulo XVIII: Do que matou sua mulher polla achar em adultrio. Previa que
fosse degredado o marido ultrajado que encontra a sua mulher em flagrante delito de pecado com um nobre e o
mata. Se o adltero fosse um vilo ou homem de pequena qualidade, o assassino seria somente aoitado, mas
se o marido trado fosse fidalgo ou tivesse o ttulo de cavaleiro, poderia matar os amantes sem ser punido pela
justia.
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no vem ajudar a situao das mulheres, o que fez mudar tambm a dimenso do conceito de
famlia e com este a consagrao do divrcio e do casamento civil obrigatrio, implantando-
se em Portugal um tipo de famlia burguesa, de base secular22
ou laica.23
Entre Outubro de
1910 e Abril de 1911, o governo provisrio aboliu todas as referncias religio catlica na
vida pblica, o que incluiu o ensino da doutrina crist nas escolas primrias.
No nos podemos esquecer que a seguir implementao da repblica veio a primeira
guerra mundial24
e, com ela, uma grande crise econmica, o que originou uma enorme
instabilidade poltica e governos sucessivos (entre 1910 e 1926 existiram 45 governos e
diversas ditaduras),25
instabilidade esta que se transmitiu ao povo.26
A repblica alterou um pouco a sociedade mas no mudou muito a viso desta em
relao ao fenmeno da violncia domstica e muito menos em relao violncia entre
cnjuges, apenas contribuiu bastante para uma maior dignidade e respeito pelo estatuto da
mulher.
O Estado Novo tambm no mudou a mentalidade da sociedade, pois a CRP de 33
consagrava a igualdade27
dos cidados perante a lei, mas no inclua as mulheres, atendendo
22
Filipe de Arede Nunes. Estado Novo, casamento e Cdigo Civil. Pgs. 63 e 64.
23 Jorge Bacelar Gouveia. Direito, Religio e Sociedade no Estado Constitucional: Nos Estados laicistas,
embora se proclame a separao entre Estado e o fenmeno religioso, na prtica dificulta-se ou impede-se a
realizao do casamento catlico normalmente indirectamente pelo cumprimento de certos formalismos como
acontece quando se exige a prvia celebrao do casamento civil. Pg. 214 e 215.
24 De 1914 e 1918.
25 Filipe de Arede Nunes. Estado Novo, Casamento e Cdigo Civil: a situao poltica em Portugal era de
uma enorme instabilidade, na qual os governos se sucediam em catadupa s dezenas tendo alguns, inclusive, no
durado mais do que apenas alguns meses. Em 1910, ano da instaurao da repblica, at 1926 sucederam-se 45
governos e diversas ditaduras, com particular relevncia para a de Sidnio Pais. Pg. 41 e ss.
26 Jorge Duarte Pinheiro. O direito da famlia contemporneo: Aps a 2 Guerra Mundial, uma reaco at certo
ponto compreensvel aos horrores do conflito, surgio um movimento amplo de algum cepticismo perante o
Estado, a autoridade e a sociedade que deu corpo a anlise que determinam os limites do direito na
regulamentao da famlia. Pg. 42.
27 Como exemplo, nesta poca as mulheres podiam votar mas s se tivessem um curso superior, especial ou
secundrio, apesar deste direito ter sido expressamente reconhecido em 1931 com o decreto n 19.894, mas com
condies mais restritivas para as mulheres. Assim como para os analfabetos, que podiam votar se pagassem
impostos superiores a 100$00.
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sua categoria dentro da famlia,28
diferenas resultantes da sua natureza e do bem da
famlia.29
Embora formalmente a CRP de 33 estabelecesse um compromisso entre um estado
autoritrio e um estado democrtico, como se sabe foi uma ditadura que se ergueu.
Os pilares da sociedade eram ancorados na trilogia salazarista: Deus, Ptria e
Famlia,30
sendo esta ltima uma instituio poltica primria. O Estado Novo tentou atravs
da recristianizao da famlia por termo possibilidade de dissoluo do vnculo matrimonial
atravs do divrcio e quase o conseguiu pelo sistema concordatrio existente, pois a maioria
dos casamentos em Portugal era celebrado catolicamente.
A sociedade era baseada e ancorada em valores religiosos, sendo Salazar um homem
do seminrio, aparentemente celibatrio e eremita,31
que matinha uma relao estreita com a
Igreja.32
destes e de outros valores ideolgicos que veremos a seguir, que Salazar lana
28
Textos de Helena Neves e Maria Calado, in O Estado Novo e as Mulheres. O gnero como investimento
ideolgico e de mobilizao. Pg. 23.
29 Art 5 da CRP de 1933. Em 1971 foi feita alterao a este artigo, conservando a expresso Salva quanto
mulher as diferenas resultantes da sua natureza mas omitindo a expresso bem da familia.
30 Sara Marques Pereira, Maria Guardiola e as Organizaes Feministas do Estado Novo (1895-1987), in A
Mulher na Histria. Actas dos Colquios sobre a temtica da mulher (1999/2000). No se entendendo com um
regime fascista (so vrias as situaes em que os seus dirigentes e o prprio Salazar se dissociam do fascismo
italiano ou principalmente do nazismo alemo) o regime seguiu nesta matria os muitos dos seus passos no
modelo das organizaes juvenis, criando, primeiro a Aco Escolar de Vanguarda (1934), organizao
estudantil paramilitar de vida efmera (1934-1936), onde dominavam o radicalismo dos camisas-azuis de Rolo
Preto (nacional-sindicalismo), para depois o substituir pela Mocidade Portuguesa. A criao da Mocidade
Portuguesa, de seu nome completo, Organizao Nacional Mocidade Portuguesa, foi da iniciativa, do ministro
Carneiro Pacheco (Base XI) frente do recente Ministrio de Educao Nacional. O projecto visava, tal como as
outras bases a que referia a Lei de 19 de Abril de 1936, proceder endoutrinao sistemtica dos valores do
Estado Novo Deus, Ptria e Famlia, fazendo essa tarefa na Escola e na Famlia. Era esse o espao e a tarefa
reservada Mocidade Portuguesa. No entanto, as raparigas ficariam de fora deste projecto. Um ano depois
Carneiro Pacheco enquadraria de igual maneira as raparigas portuguesas. Surgiria assim a Obra das Mes para a
Educao Nacional (Decreto-Lei n 26 893 de 15de Agosto de 1936), a que logo depois se associaria a Mocidade
Portuguesa Feminina (Decreto-Lei n 28 262 de 8 de Dezembro de 1937). Pg. 278.
31 Textos de Helena Neves e Maria Calado, in O Estado Novo e as Mulheres. O gnero como investimento
ideolgico e de mobilizao: O chefe aparece puro, evanglico, celibatrio por amor causa, Nao,
intocvel, monge, imagem que resulta da umbilical relao entre Estado e Igreja (). Pg. 10.
32 Filipe Ribeiro de Menezes. Bibliografia de Salazar: Antnio de Oliveira Salazar frequentou o Seminrio de
Viseu durante 8 anos, de 1900 a 1908. J em adulto e em Coimbra, fez parte do Centro Catlico Portugus
(CCP), fundado em 1917 em resposta ao segundo apelo Episcopado portugus, o primeiro foi feito em 1913, no
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mo para tentar combater as ameaas mais urgentes da sociedade, tais como a
industrializao, o comunismo, o republicanismo e mesmo o feminismo.33
Para educar a sociedade sua imagem, Salazar tinha algumas formas de passar os seus
ideais. A formao ideolgica e doutrinal feminina concretizou-se atravs dos organismos de
Estado, tais como a Obra das Mes pela Educao Nacional (OMEN),34
a Mocidade
Portuguesa Feminina (MPF) e o Movimento Nacional Feminino (MNF)35
que actuavam nas
organizaes basilares da sociedade.
A mulher nasce e educada para os trabalhos domsticos e para educar os filhos no
seio da sua famlia.36
Desta forma, o facto de a mulher querer trabalhar fora de casa era como
um descuido e uma diviso da famlia, necessria perante as suas tarefas naturais, o ser me e
sentido de ser criado um partido poltico capaz de defender os interesses da igreja graas a um envolvimento
positivo com o regime da altura. Pg. 48.
33 Em http://pt.wikipedia.org/wiki/Feminismo_em_Portugal_(1933-70). [Consulta a 18 de Outubro de 2012].
34 Sara Marques Pereira, Maria Guardiola e as Organizaes Feministas do Estado Novo (1895-1987), in A Mulher na
Histria. Actas dos Colquios sobre a temtica da mulher (1999/2000): Tal como vinha no projecto, a OMEN
visava auxiliar na educao integral da Mulher, principal esteio da Famlia clula e base da ordem social.
A Educao da Mulher voltava assim a ter um valor instrumental. Era educada em prol da Famlia e do Estado,
no por si, nem para si, mas para os outros. A sua educao pressupunha, desta forma, a colaborao entre a
Escola e Famlia A OMEN (1936-1974). Pg. 279.
35 Idem. A Obra das Mes propriamente e a Mocidade Portuguesa Feminina ambas orientadas com o mesmo
esprito e convergindo para o mesmo fim, embora em referncia a pocas diferentes da vida da nao. A
Primeira encara o presente fazendo a reeducao da mulher; a segunda visa o futuro, educando as raparigas, as
futuras mes de Portugal. A Obra das Mes estava organizada em quatro subseces: aco social; aco
maternal, famlias numerosas e cantinas escolares. Quanto MPF ela era fundamentalmente uma obra de
educao, mas de educao moderna apesar das aspiraes que legitimamente vinham agitando as raparigas,
de trabalhar fora de casa ou permanecer solteiras os valores que deveriam orientar dessa educao moderna
estavam virados para o seu papel de me e esposa, pois era atravs deles que a mulher atingia toda a sua
grandeza e elevao social. Preparar para a vida o grande ideal de Educao da Mocidade Portuguesa
Feminina. A preparao para a vida do lar exige, para ser uma verdade, que, com a aprendizagem e aquisio dos
conhecimentos necessrios, se cultivem tambm qualidades e virtudes, que espiritualizem o ambiente familiar
amor de Famlia, esprito de sacrifcio, culto do dever, dedicao, optimismo, coragem na adversidade, esprito
de previdncia etc, toda uma escola de virtudes, que se projectam na vida social a elevam e dignificam. Pg.
283 e 284.
36 Filipe Ribeiro de Menezes, in Salazar: Ser uma boa dona de casa, poupar, remendar, consertar, administrar os
recursos familiares: tudo somado, esta era a suprema misso da mulher. Pg. 65.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Feminismo_em_Portugal_(1933-70)
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esposa.37
A este respeito Salazar lana um slogan que se intitula A mulher para o lar,
inserido na filosofia Deus, Ptria e Famlia.38
Slogan este que apenas tem a finalidade de
afastar a mulher da emancipao39
para que esta continue unicamente a dedicar-se ao homem,
aos filhos e ao lar, de maneira que cumpra com a sua misso de dar luz filhos dignos da
ptria e educ-los tambm para a ptria: Educar dar a Deus bons cristos, sociedade
cidados teis, famlia filhos ternos e pais exemplares.40
No regime corporativista de Salazar a sociedade conjugal era um domnio inviolvel,
sendo o homem o chefe da famlia a mulher devia-lhe obedincia. Por famlia se entendia as
pessoas ligadas pelo casamento, parentesco, afinidade e a adopo.41
O Estado Novo tentava fazer o impossvel para impedir a independncia por parte das
mulheres na sociedade e dentro das prprias famlias. Apesar de ser em nmero reduzido, o
emprego feminino predominava no sector industrial. Em 1933, o regime ditatorial de Salazar
impediu o acesso das mulheres carreira diplomtica, magistratura judicial, chefia na
administrao local, aos postos de trabalho no Ministrio das Obras Pblicas e Comunicaes.
Para alm da restrio a algumas profisses, as mulheres estavam tambm limitadas no
exerccio de outras. As professoras primrias tinham de pedir autorizao ao MEN 42
para se
casarem, outras estavam proibidas de contrair matrimnio, como as telefonistas da Anglo-
37
Textos de Helena Neves e Maria Calado, in O Estado Novo e as Mulheres. O gnero como investimento
ideolgico e de mobilizao: O Deputado Pacheco do Amorim afirma veemente, na sesso da Assembleia
Nacional a 31 de Maro de 1928 que O dever de diferenciar a educao do homem e da mulher o mais cedo que
se possa. As raparigas devem ser educadas por professores e segundo programas adequados, os rapazes por
professores que os faam homens Pg. 31.
38 Idem. () Mas as mulheres so teoricamente menos desiguais. Duquesas, mes de famlia, proletrias,
burguesas, a todas o mesmo destino a mulher me, o mesmo domnio a mulher casa, a mesma misso a
mulher ptria. () A mulher para o lar, Deus Ptria, Familia, () A triologia nazi do feminismo, Cozinha,
Filhos Igreja (). Pg. 11.
39 Filipe Ribeiro de Menezes, in Salazra: A educao feminina, como seria de prever, era extremamente
tradicional. Uma srie de organizaes tentava garantir o apoio das mulheres ao regime, preparando-as para o
seu papel de esteio da famlia e base da sociedade. Pg. 184.
40 Textos de Helena Neves e Maria Calado, in O Estado Novo e as Mulheres. O gnero como investimento
ideolgico e de mobilizao. Pg. 12.
41 Noo jurdica de famlia na ratio do art 1576 do CC de 1966. Em 1967 com a entrada em vigor do CC, a
famlia chefiada pelo marido a quem compete decidir em relao vida conjugal e dos filhos.
42 Ministrio da Educao Nacional. Decreto-Lei 27 279 de 24 de Novembro de 1936.
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Portuguese Telephone, as profissionais do Ministrio dos Negcios Estrangeiros,43
as
hospedeiras de ar da TAP e as enfermeiras44
dos Hospitais Civis. Nestes casos, ao trarem as
normas impostas, seja ao casarem, seja ao serem mes solteiras, eram obrigadas a deixar o
emprego.45
No era s em Portugal que se assistia a um incentivo natalidade, era tambm na
Europa. Na Alemanha as mulheres que no eram consideradas etnicamente puras que
engravidassem, eram obrigadas a abortar e esterilizadas.46
Em Itlia inicia-se o casamento
colectivo que ir inspirar, nos anos 40, as Noivas de Santo Antnio em Portugal, bem como
outras polticas que incentivam o casamento e a natalidade.
Foi nos finais dos anos 50 e incio dos anos 60 que teve incio uma grande revoluo
comportamental das sociedades, surgem os movimentos feministas47
e os movimentos civis
em favor dos negros e homossexuais.
43
Decreto-Lei n 29 970 de 13 de Outubro de 1939, situao revogada em 1940, por fora de uma campanha
lanada pela Liga Portuguesa de Profilaxia Social.
44 Decreto-Lei n 31 913 de 12 de Maro de 1942, que se mantm at 1962.
45 Textos de Helena Neves e Maria Calado, in O Estado Novo e as Mulheres. O gnero como investimento
ideolgico e de mibilizao: () por lei, educao, usos e costumes patriarcais masculinos, machos, que o
facismo exacerba com duplo sentido ideolgico: como justificao de todas as discriminaes sexistas, por parte
dos poderes econmicos, politicos e como neutralizadora das frustraes de todos os seua poderes, a maioria dos
homens. Na casa portuguesa de Salazar e Caetano no h igualdade reinam o poder maternal e o poder
marital (reafirmado no CC de 1966). Muitas vezes violentamente. As mulheres obedecem ainda e calam. Mas
entre o silncio cresce o sussurro o protesto, medida que se somam os anos de guerra Pg. 103
46 Idem. O nmero de mulheres particularmente jovens que engravidavam antes da esterilizao, foi de tal
modo elevado, que o governo considerou o seu acto como gravidezes de protesto. O que fundamentar entre
uma complexidade de outros factores, a legislao obrigando ao aborto, por razes eugnicas, em 1939, ano que
abre tambm para as prticas de eutansia e do extermnio em massa, no territrio por excelncia do holocausto:
os campos de concentrao. Pg. 13.
47 Feminismo um movimento social, filosfico e poltico que tem como meta direitos equnimes (iguais) e uma
vivncia humana liberta de padres opressores baseados em normas de gnero. Envolve diversos movimentos,
teorias e filosofias advogando igualdade para homens e mulheres, defendem os direitos das mulheres e os seus
interesses. A teoria feminista surgiu destes movimentos femininos, e manifesta-se em diversas disciplinas como
a geografia feminista, a histria feminista e a crtica literria feminista. O feminismo alterou principalmente as
perspectivas predominantes em diversas reas da sociedade ocidental, que vo da cultura ao direito. A histria do
feminismo pode ser dividida em trs "ondas". A primeira teria ocorrido no sculo XIX e incio do sculo XX, a
segunda nas dcadas de 1960 e 1970, e a terceira iria da dcada de 1990 at actualidade. A primeira onda foi
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O Papa Joo XXIII abre o Conclio Vaticano II e revoluciona a Igreja Catlica.48
Surgem movimentos hippies, com protestos contra a Guerra Fria, a Guerra no Vietname e o
bastante extensa e rompeu com os padres histricos das sociedades. Aborda uma grande actividade feminista
desenvolvida no Reino Unido e nos Estados Unidos. Foi o momento em que o movimento se consolidou em
torno da luta pela igualdade de direitos. Organizaram-se e protestaram contra as diferenas contratuais, a
diferena na capacidade de conquistar propriedades e contra os casamentos arranjados que ignoravam os direitos
de escolha e os sentimentos das mulheres. Ganhou destaque quando passaram a contestar mais activamente o
poder poltico, as mulheres at ento, eram proibidas de votar. As campanhas pelos direitos sexuais, econmicos
e reprodutivos continuaram at terem resultados visveis. Somente no correr do sculo XX que os resultados
foram aparecendo gradualmente. Apesar de todas as campanhas, o voto s foi permitido s mulheres a partir de
1918, no Reino Unido mas ainda com algumas limitaes s tinham tal direito as mulheres com mais de 30 anos.
J nos Estados Unidos as manifestaes das mulheres ligava-se a outros factores histricos como o fim da
escravido no pas, s depois lutam pelos seus direitos. O direito de voto s aparece em 1919.
A segunda compreende o perodo entre 1960 a 1980, e foi uma continuao da primeira com as mulheres a
reivindicando direitos iguais com o fim da discriminao e a completa igualdade entre os sexos. Criticaram a
ideia que a mulher apenas tinha satisfao na educao dos filhos e a tratar do lar, reivindicaram o direito de
trabalhar fora de casa, a sustentarem-se a elas prprias e a terem as mesmas capacidades que o homem.
A terceira onda tem incio na dcada de 1990 e como uma continuao da anterior, a redefinio das
estratgias anteriores que apresentavam algumas falhas e novas ideias quanto ao papel da sexualidade das
mulheres.
48 Papa Joo XXIII, nascido ngelo Giuseppe Roncali, nasceu em Itlia no fim do sculo XIX, foi como Papa
um grande reformista da Igreja Catlica, no obstante o seu curto pontificado (1958-1963). Foi designado
cardeal-patriarca de Veneza em 1953 e aclamado Papa a 28 de Outubro de 1958. Foi com grande inquietao e
espanto de muitos catlicos tradicionalistas, que a igreja viu a 25 de Janeiro de 1959 o anuncio na baslica de So
Paulo (Roma) o seu propsito de convocar um Conclio com o intuito de modernizar a Igreja Catlica e de a
abrir ao mundo dos fiis e a todos os cidados de boa vontade. A sua bondade, a capacidade de dilogo e de
conciliao, foram elementos que moldaram o seu esprito e dos fiis, e o fizeram ser conhecido como o Papa
da Bondade. Foi sargento do corpo mdico e capelo militar de soldados feridos em 1915 quando a Itlia entrou
na 1 Guerra Mundial e no exerccio das suas funes diplomticas durante a 2 Guerra Mundial (1939 a 1945),
salvou muitos judeus da carnificina Nazi. Foi-lhe diagnosticado um cancro inopervel em Setembro de 1962 mas
isso no fez com que Joo XXIII se afastasse da direco do Conclio Vaticano II que s terminou em 1965.
atravs deste conclio que a Igreja se renova e se abre mais ao mundo moderno mas o Papa Joo XXIII j no
assistiu a algumas das mais significativas mudanas da Igreja, como sendo uma grande reforma litrgica (reviso
e simplificao da Missa de rito romano), uma nova perspectiva sobre a liberdade religiosa, o apostolado dos
leigos e a dignidade dos fiis, a natureza e constituio da Igreja, a colegialidade dos Bispos e a relao entre
a Revelao Divina e a Tradio; novos rumos para o ecumenismo e a pastoral catlica. Morreu a 3 de Junho de
1963.
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racionalismo. Este movimento tambm foi conhecido como movimento de contracultura.
Ocorre tambm a Revoluo Cubana na Amrica Latina que leva Fidel Castro ao poder e tem
incio a descolonizao da frica e do Caribe, com a independncia das antigas colnias.
A dcada de 60 representou o incio de grandes projectos culturais e ideolgicos.
Podemos dividir esta poca em dois momentos: o primeiro como anos de inocncia, muito
entusiasmo nas manifestaes socioculturais e um certo idealismo na poltica; o segundo
momento de irreverncia, drogas, revoluo sexual, perda de inocncia e grandes protestos
juvenis contra a ameaa de endurecimento dos governos (estes anos definiram a dcada de
70).
Quando as mulheres passaram a reclamar tratamento e direitos iguais, maior
visibilidade foi dada violncia domstica, sendo hoje a irradicao da violncia contra as
mulheres uma das principais metas na luta para eliminar esse tipo de violncia nos
movimentos feministas. O primeiro abrigo para mulheres violentadas foi fundado por Erin
Pizzey no ano de 1939, nas proximidades de Londres, Inglaterra. Nos anos 60, Erin Pizzey fez
algumas crticas s linhas do movimento feminista, afirmando que a violncia domstica nada
tinha a ver com o patriarcado, mas sim com a vulnerabilidade das vtimas, independentemente
do sexo. Afirma tambm que a violncia domstica recproca, pois as mulheres so to
capazes de ser violentas como os homens.
Com a revoluo de 1974 em Portugal houve algumas alteraes legislativas no campo
do direito da famlia e com a Constituio da Repblica de 1976 e o Cdigo Civil de 1977
que se estabelece finalmente o direito de igualdade e respeito entre cnjuges.49
Mas, em nossa
opinio, a principal alterao foi a possibilidade de pr termo ao casamento desde que se
verificasse violao de algum dever conjugal,50
pois o casamento baseado em amor,
respeito, ajuda e assistncia entre cnjuges e no em violncia e agressividade, assim como
qualquer relao consangunea ou anlogas ao casamento.
Nos dias de hoje no fcil definir com preciso o conceito jurdico de famlia, pois
existem vrias posies, uns defendem que famlia se define pelo conjunto de pessoas unidas
por laos afectivos,51
outros que se deve basear na opinio do homem mdio,52
ou que famlia
49 Art 1671 (Igualdade dos cnjuges) e 1672 (Deveres dos Cnjuges) do CC.
50 Art 1779 (Violao culposa dos deveres conjugais) do CC.
51 A famlia um ncleo de convivncia, unido por laos afectivos, que costumam compartilhar o mesmo tecto.
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todo um grupo que tenha funes equiparadas a uma famlia ideal,53
ou todas as pessoas que
se vejam a si prprios como membros de uma famlia.54
Na nossa sociedade, designa-se por famlia o conjunto de pessoas que possuem ou no
grau de parentesco entre si e vivem na mesma casa, formando um lar. Uma famlia tradicional
normalmente formada pelo pai e me, unidos por matrimnio ou unio de facto, por um ou
mais filhos, e a restante famlia ligada por laos sanguneos, compondo desta maneira uma
famlia nuclear ou elementar.
Existem dois dias por ano que simbolizam a conquista das mulheres pela igualdade,
tanto a nvel econmico, como sociais, culturais e polticos.
O Dia Internacional da Mulher celebrado a 8 de Maro. De entre outros eventos
histricos relevantes, h a lembrana do marcante incndio em 1911 na fbrica da Triangle
Shirtwaist, em Nova Iorque, onde 140 mulheres perderam a vida. E o dia 25 de Novembro,
Dia Internacional de Combate Violncia contra a Mulher, decidido no Primeiro Encontro
Feminista Latino-americano e do Caribe em 1981, sendo tambm oficialmente adoptado pela
ONU em 1999. A data marca o brutal assassinato das revolucionrias Irms Mirabal a mando
do ento ditador da Repblica Dominicana, Rafael Trujillo, em 25 de Novembro de 1961.
1.2. Evoluo legislativa do Cdigo Penal de 1982, 1995 e 1998
Foi no Cdigo Penal de 198255
que pela primeira vez se autonomizou e se deu relativa
importncia ao crime de maus tratos entre cnjuges, alargando o seu mbito de aplicao no
seu n 3 do art. 153.
Relembremos a letra do art. 153 do Cdigo Penal de 1982:
52
Este homem mdio, portanto, representa uma abstraco criada pelo Direito, para que sirva de parmetro
quanto realizao/concretizao ou no do dever objectivo de cuidado e quanto ocorrncia ou no da culpa
imputvel.
53 Filipe de Arede Nunes, Estado Novo, Casamento e Cdigo Civil. Pgs. 65 e 66.
54 Idem. Pg. 66.
55 Aprovado pelo decreto-lei n. 400/82, de 23 de Setembro, e revogado pela 7 verso, dada pelo decreto-lei n
48/95, de 15 de Maro.
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ARTIGO 153.
(Maus tratos ou sobrecarga de menores
e de subordinados ou entre cnjuges)
1 O pai, me ou tutor de menor de 16 anos ou todo aquele que o tenha a seu
cuidado ou sua guarda ou a quem caiba a responsabilidade da sua direco ou
educao ser punido com priso de 6 meses a 3 anos e multa at 100 dias quando,
devido a malvadez ou egosmo:
a) Lhe infligir maus tratos fsicos, o tratar cruelmente ou no lhe prestar
os cuidados ou assistncia sade que os deveres decorrentes das
suas funes lhe impem: ou
b) O empregar em actividades perigosas, proibidas ou desumanas, ou
sobrecarregar, fsica ou intelectualmente, com trabalhos excessivos
ou inadequados de forma a ofender a sua sade, ou o seu
desenvolvimento intelectual, ou a exp-lo a grave perigo.
2 Da mesma forma ser punido quem tiver como seu subordinado, por relao de
trabalho, mulher grvida, pessoa fraca de sade ou menor, se se verificarem os
restantes pressupostos do n. 1.
3 Da mesma forma ser ainda punido quem infligir ao seu cnjuge o tratamento
descrito na alnea a) do n. 1 deste artigo.
Tanto na redaco final do Cdigo Penal como no anteprojecto, este artigo exigia, para
que a conduta fosse punvel, que o agente actuasse com malvadez e egosmo e que os actos
praticados fossem dolosos. Uma parte da doutrina e da jurisprudncia consideram esta
exigncia como dolo especfico,56
ao contrrio de Teresa Beleza que considera dolo especfico
uma expresso um pouco infeliz.57
56
Para Germano Marques da Silva, in Direito Penal Portugus. Teoria do crime: Dolo especifico relativamente
a certos crimes, aos elementos essenciais e gerias do dolo acresa a exigncia de um determinado fim subjectivo
do agente. No propriamente dolo com um fim que acresce ao dolo genrico, mas elemento subjectivo
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Assim parece-nos que esta exigncia queria continuar a diferenciar as condutas
punveis no mbito da criminalizao das que estivessem no razovel poder de correco,
continuando a manter a vida familiar de cada um na esfera privada, pois o preenchimento
material da conduta tinha por base a malvadez e egosmo, no bastando os requisitos da
alnea a), lhe infligir maus tratos fsicos, o tratar cruelmente ou no lhe prestar os cuidados
ou assistncia sade que os deveres decorrentes das suas funes lhe impem. Era, assim,
imprescindvel para a incriminao do cnjuge que fosse o acto praticado com malvadez e
egosmo.
Daqui resulta que a violncia conjugal passou a ter a sua prpria autonomia, mas
continuando a existir algumas lacunas nesta redaco inicial, como a no contemplao das
relaes anlogas ao casamento, assim como a de ex-cnjuges.
Na Reforma Penal de 1995, pelo Dec. Lei 48/95 de 15 de Maro foram efectuadas
algumas alteraes de extrema importncia, pois veio prever, conjuntamente com os maus
tratos fsicos, os maus tratos invisveis, ou seja, os maus tratos psicolgicos, aqueles que no
so visveis no corpo da vtima. Veio prever as humilhaes, os insultos, os vexames, etc.,
que constituem formas de violncia psquicas mais graves que muitas ofensas corporais
simples.
Esta abrangncia de comportamento no que respeita aos maus tratos psquicos,
encontra plena justificao na medida em que as marcas fsicas curam e passam com o
decurso do tempo mas as marcas invisveis (aparentemente) podem durar uma vida inteira,
condicionando a pessoa e remetendo-a para um profundo e constante sofrimento.
especfico de determinados crimes que exigem para alm da conscincia e vontade da prtica dos elementos
objectivos do crime ainda uma determinada inteno ou propsito do agente. Pg. 107.
57 Teresa Beleza, in Maus tratos conjugais: art 153, n 3 do Cdigo Penal: corrente, mas talvez incorrecto ou
pelo menos infeliz, o uso da expresso dolo especfico neste contexto ou em outros referentes a aspectos
subjectivos, de vria ordem, dos tipos legais de crime. A expresso dolo especfico, correntemente utilizada
para referir determinadas direces de vontade que certos tipos exigem, infeliz porque a palavra a dolo
significa, em geral, conhecimento e vontade de fazer ou alcanar algo descrito no tipo objectivo como
comportamento ou resultado, essenciais consumao do crime. Pelo contrrio, nas situaes em que como
exemplo no art 146 o Cdigo Penal exige que o agente tenha uma determinada inteno que vai alm do
comportamento objectivamente tipificado, a no concretizao de tal objectivo da vontade no impede a
consumao do crime. Pode, contudo, o seu activo afastamento originar uma iseno da pena (art 24). Pgs. 25
e 26.
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Do mesmo modo, o preceito tambm passou a fazer referncia s relaes anlogas s
dos cnjuges no seu n 2.
Esta reforma veio tambm prever e abranger outras vtimas de maus tratos como os
idosos e os doentes, deixando de se restringir a funo tuteladora da norma s vtimas que se
encontrem numa relao de subordinao familiar, educativa ou laboral com o agente,
eliminando-se tambm a expresso de malvadez ou egosmo, na altura elementos
necessrios para que a conduta estivesse integrada no tipo. O procedimento criminal contra o
cnjuge ou equiparado passou a depender de queixa,58
tendo tambm sido agravadas
substancialmente as penas.59
Vejamos a letra do artigo 152 do Cdigo Penal:
Artigo 152
Maus tratos e infraco de regras de segurana
1 - Quem, tendo ao seu cuidado, sua guarda, sob a responsabilidade da sua
direco ou educao, ou a trabalhar ao seu servio, pessoa menor ou
particularmente indefesa, em razo de idade, deficincia, doena ou gravidez, e:
a) Lhe infligir maus tratos fsicos ou psquicos ou a tratar cruelmente;
b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou
c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos;
punido com pena de priso de 1 a 5 anos, se o facto no for punvel pelo artigo
144.
2 - A mesma pena aplicvel a quem infligir ao cnjuge, ou a quem com ele
conviver em condies anlogas s dos cnjuges, maus tratos fsicos ou psquicos.
58
Cf. Art 152, n 2 do CP de 1995 e art 153, n 3 da redaco do antigo CP de 1982.
59 Passando de 6 meses a 3 anos para 1 a 5 anos de priso.
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3 - A mesma pena tambm aplicvel a quem infligir a progenitor de descendente
comum em 1. grau maus tratos fsicos ou psquicos.
4 - A mesma pena aplicvel a quem, no observando disposies legais ou
regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou perigo de grave ofensa
para o corpo ou a sade.
5 - Se dos factos previstos nos nmeros anteriores resultar:
a) Ofensa integridade fsica grave, o agente punido com pena de priso
de 2 a 8 anos;
b) A morte, o agente punido com pena de priso de 3 a 10 anos.
6 - Nos casos de maus tratos previstos nos n.os 2 e 3 do presente artigo, ao arguido
pode ser aplicada a pena acessria de proibio de contacto com a vtima, incluindo
a de afastamento da residncia desta, pelo perodo mximo de dois anos.
J na Reviso Penal de 1998 (Lei 65/98 de 2 de Setembro), o crime continua a ter
natureza semipblico, mas tornando o procedimento criminal contra cnjuges ou relaes
anlogas independente de queixa se o interesse da vtima o impuser, reservando-lhe, porm, o
direito de oposio prossecuo do procedimento criminal antes de ser deduzida a acusao
pelo Ministrio Publico.
Desta maneira, veio o legislador procurar evitar que a maior parte dos ilcitos
relativos violncia conjugal ficasse impune, face s renitncias e constrangimentos iniciais
da vtima, mas, no obstante esta situao, a lei deixou para a pessoa maltratada a deciso
sobre a continuao do processo.
Ao atribuir ao MP legitimidade para oficiosamente iniciar o processo sem a queixa,
caso o interesse da vtima o imponha, o legislador mostra-nos a importncia e a evoluo
deste tipo de ilcito.
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1.3. A Reviso Penal de 2000, (Lei 07/2000 de 27 de Maio) e a
Reviso Penal de 2007, (Lei 59/2007 de 04 de Setembro)
Na Reviso Penal de 2000:
Artigo 152.o
[. . .]
1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2A mesma pena aplicvel a quem infligir ao cnjuge, ou a quem com ele
conviver em condies anlogas s dos cnjuges, maus tratos fsicos ou psquicos.
3A mesma pena tambm aplicvel a quem infligir a progenitor de descendente
comum em 1.o grau maus tratos fsicos ou psquicos.
4A mesma pena aplicvel a quem, no observando disposies legais ou
regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou perigo de grave ofensa
para o corpo ou a sade.
5(Anterior n.o 4.)
6Nos casos de maus tratos previstos nos 2 e 3 do presente artigo, ao arguido pode
ser aplicada a pena acessria de proibio de contacto com a vtima, incluindo a de
afastamento da residncia desta, pelo perodo mximo de dois anos.
Nesta reviso ao Cdigo Penal as principais alteraes e inovaes foram as seguintes:
Atribui-se natureza pblica60
a este tipo de crime, pondo fim ao expediente anteriormente
introduzidos, que permitia vtima pr termo ao processo ainda que este se tivesse iniciado
sem a sua queixa.
Passou a tutela tambm a abranger os progenitores de descendente comum, extrapolando
o mbito da proteco penal para fora da casa de famlia e do agregado familiar.
60
Sendo anteriormente um crime semipblico conduzia a que na maior parte das vezes o agressor sasse
impune, a vtima desistia da queixa por ser coagida pelo agressor, o que transmitia para sociedade a ideia de que
era um problema inserido na esfera privada dos cnjuges.
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Para colmatar as deficincias do anterior regime, nomeadamente no que respeita
oposio da vtima ao andamento do processo, prev-se agora no enquadramento e redaco
do instituto da suspenso provisria do processo, previsto nos artigos 281 e 282 do CPP, a
possibilidade de, em processos desta natureza entre cnjuges ou entre quem conviva em
condies anlogas se decidir pela suspenso do processo, podendo ser requerida tambm
pela prpria vtima.
Previu-se tambm a possibilidade de ao agressor ser aplicada pena acessria de
proibio de contactos com a vtima, incluindo a de afastamento da residncia61
desta, pelo
perodo mximo de dois anos.
Reservou-se, assim, vtima um relevante papel de impulso na promoo de medida
de diverso, que em face das circunstncias, dever acautelar o seu interesse e satisfazer
suficientemente as expectativas da sociedade. Em todo o caso, o MP mantm a prerrogativa
de oficiosamente propor ele prprio a suspenso provisria do processo.
Este instituto de suspenso provisria do processo a pedido da vtima, esta na ratio do
art 281, n 6 do CPP, Em processos por crimes de violncia domstica no agravado pelo
resultado, o Ministrios Pblico, mediante requerimento livre e esclarecido da vtima,
determina a suspenso provisria do processo, com a concordncia do juiz de instruo e do
arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alneas b)62
e c)63
do n 164
. e
representa no nosso ordenamento jurdico o princpio da oportunidade, apesar de predominar
o princpio da legalidade derivado de princpios constitucionais.65
61
Esta pena acessria resultou da iniciativa do grupo parlamentar do PCP atravs do projecto lei n 58/VIII em
que estipulava que nos crimes de maus tratos previstos no art 152, n 2 e 3 do CP, se no houver coabitao
entre a vtima e o arguido a este ser aplicada a pena acessria de afastamento da residncia da vtima pelo
perodo de 2 anos, como refere o art 18 do projecto. Foi aprovado por unanimidade a 13 de Janeiro de 2000,
mas saindo com pequenas alteraes ao original.
62 Ausncia de condenao anterior por crime da mesma natureza.
63 Ausncia de aplicao anterior de suspenso provisria de processo por crime da mesma natureza.
64 Se o crime for punvel com pena de priso no superior a cinco anos () sempre que se verifiquem os
seguintes pressupostos: Concordncia do arguido e assistente; ausncia de condenao pela mesma natureza;
ausncia de aplicao anterior de suspenso provisria de processo pelo mesmo crime; no haver lugar a medida
de segurana de internamento; ausncia de um grau de culpa elevado; e ser de prever que o cumprimento das
injunes e regras de conduta responda suficientemente s exigncias de preveno que no caso se faam sentir.
65 Cfr art 219 (MP - Funes e estatuto) da CRP.
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A Reviso Penal de 2007, veio tipificar em conceitos distintos a violncia domstica
(art 152 do CP), os maus tratos (art 152 - A do CP) e a violao de regras de segurana (art
152 - B do CP).
Artigo 152.
Violncia domstica
1 - Quem, de modo reiterado ou no, infligir maus tratos fsicos ou psquicos,
incluindo castigos corporais, privaes da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cnjuge ou ex-cnjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou
tenha mantido uma relao anloga dos cnjuges, ainda que sem
coabitao;
c) A progenitor de descendente comum em 1. grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, em razo de idade, deficincia, doena,
gravidez ou dependncia econmica, que com ele coabite;
punido com pena de priso de um a cinco anos, se pena mais grave lhe no couber
por fora de outra disposio legal.
2 - No caso previsto no nmero anterior, se o agente praticar o facto contra menor,
na presena de menor, no domiclio comum ou no domiclio da vtima punido com
pena de priso de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n. 1 resultar:
a) Ofensa integridade fsica grave, o agente punido com pena de priso
de dois a oito anos;
b) A morte, o agente punido com pena de priso de trs a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos nmeros anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as
penas acessrias de proibio de contacto com a vtima e de proibio de uso e porte
de armas, pelo perodo de seis meses a cinco anos, e de obrigao de frequncia de
programas especficos de preveno da violncia domstica.
5 - A pena acessria de proibio de contacto com a vtima pode incluir o
afastamento da residncia ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode
ser fiscalizado por meios tcnicos de controlo distncia.
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6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta
gravidade do facto e a sua conexo com a funo exercida pelo agente, ser inibido
do exerccio do poder paternal, da tutela ou da curatela por um perodo de um a dez
anos.
----------- / -----------
Artigo 152.-A
Maus tratos
1 - Quem, tendo ao seu cuidado, sua guarda, sob a responsabilidade da sua
direco ou educao ou a trabalhar ao seu servio, pessoa menor ou
particularmente indefesa, em razo de idade, deficincia, doena ou gravidez, e:
a) Lhe infligir, de modo reiterado ou no, maus tratos fsicos ou psquicos,
incluindo castigos corporais, privaes da liberdade e ofensas sexuais, ou a
tratar cruelmente;
b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou
c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos;
punido com pena de priso de um a cinco anos, se pena mais grave lhe no couber
por fora de outra disposio legal.
2 - Se dos factos previstos no nmero anterior resultar:
a) Ofensa integridade fsica grave, o agente punido com pena de priso
de dois a oito anos;
b) A morte, o agente punido com pena de priso de trs a dez anos.
----------- / -----------
Artigo 152.-B
Violao de regras de segurana
1 - Quem, no observando disposies legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador
a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a sade, punido
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com pena de priso de um a cinco anos, se pena mais grave lhe no couber por fora
de outra disposio legal.
2 - Se o perigo previsto no nmero anterior for criado por negligncia o agente
punido com pena de priso at trs anos.
3 - Se dos factos previstos nos nmeros anteriores resultar ofensa integridade fsica
grave o agente punido:
a) Com pena de priso de dois a oito anos no caso do n. 1;
b) Com pena de priso de um a cinco anos no caso do n. 2.
4 - Se dos factos previstos nos n.os 1 e 2 resultar a morte o agente punido:
a) Com pena de priso de trs a dez anos no caso do n. 1;
b) Com pena de priso de dois a oito anos no caso do n. 2
ampliado o mbito subjectivo do crime de violncia domstica nas situaes em que
a mesma envolva ex-cnjuges e pessoas de outro ou do mesmo sexo que mantenham ou
tenham mantido uma relao anloga s dos cnjuges.
So acrescentadas tambm outras formas de violncia domstica, como os castigos
corporais, as privaes de liberdade e ofensas sexuais.
O agravamento dos limites mximos das penas de priso abstractamente aplicveis
permite que o crime de maus tratos faa parte do conceito de criminalidade violenta"66
Esta
noo de criminalidade violenta, dada na alnea j) do art 1 do CPP, veio possibilitar a
aplicao de medidas de coaco de priso preventiva a agentes do crime de violncia
domstica, plasmado no art 152 do CP.
Tal facto perfeitamente justificvel face ao aumento dos crimes de maus tratos e
violncia domstica, os quais tem vindo a atingir dimenses cada vez maiores, sendo os bens
a tutelados pertencentes ao grupo daqueles que assumem na nossa sociedade uma maior
relevncia, quer no mbito do penal, pois que estamos perante crimes contra as pessoas, quer
no mbito constitucional, no que diz respeito ao direito integridade fsica e ao direito vida,
66
O legislador incluiu este crime no naipe dos crimes que integram o conceito de criminalidade violenta do art
1 al. f) do CPP.
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assumindo ambos uma necessidade obrigatria de respeito pela dignidade da pessoa humana
como ncleo essencial da Repblica Portuguesa.67
Daqui resulta a admisso da priso preventiva, como estipula o art 202, n 1, al. b)
do CPP, embora com todas as limitaes resultantes do art 257 (deteno fora do flagrante
delito) do mesmo diploma, em que a deteno s deve ser efectuada em caso de estrita
necessidade.68
Assim como foram agravados os limites mnimos da pena sempre que a violncia seja
praticada contra menor ou na presena deste, no domiclio comum ou no domiclio da vtima.
Foram acrescentadas e agravadas penas acessrias de proibio de porte e uso de
armas, obrigao de frequncia de programas especficos de preveno da violncia
domstica, proibio de contacto com a vtima, podendo incluir-se o afastamento da
residncia ou local de trabalho desta e com a possibilidade de fiscalizao por meios tcnicos
de controlo distancia e ainda inibio do exerccio poder paternal, da tutela ou da curatela.
Pode o MP oficiosamente ou atravs de requerimento livre e esclarecido da vtima e
com a concordncia do arguido e juiz de instruo, determinar a suspenso provisoria do
processo desde que no resulte agravao pelo resultado e no haja antecedentes criminais
relativos ao mesmo crime,69
independentemente da pena que lhe caiba.
No crime de maus tratos, podendo este ser cometido por pessoas colectivas
(instituies de acolhimento ou de assistncia), quer em seu nome, quer por pessoa que nela
trabalhe, aumenta o mbito da responsabilizao com as decorrncias da lei70
mas no se
excluindo a responsabilizao individual nos termos gerais.71
44 J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7 Edio (3 Reimpresso),
Almedina 2003. Pg. 225.
68 Manuel Lopes Maia Gonalves, in Cdigo de Processo Penal, anotado: por isso estabelece-se que, fora de
flagrante delito, s tem lugar quando houver razes para crer que o visado se no apresentaria espontaneamente
para a realizao do acto processual. Este princpio vale tambm para a deteno em flagrante delito (art 385),
hiptese em que o arguido que no for imediatamente apresentado ao juiz s continuar detido se houver razes
para crer que no comparecer espontaneamente perante autoridade judiciria, e isto sem prejuzo de ser
libertado, de qualquer forma, no prazo mximo de 48 horas, por fora do artigo 28, n 1 da CRP. Pg. 614.
69 Cfr Art 281 (Suspenso provisria do processo), n 6 do CPP
70 Cdigo Penal. Capitulo VI. Pessoas colectivas. Art 90 A e ss
71 Cfr. Art 11 (Responsabilidade das pessoas singulares e colectivas) do CP
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Neste contexto, todos estes crimes visam uma forma especifica para tutelar o bem
jurdico que a integridade fsica do ser humano, violando todos eles os deveres de garante a
que o agente esta obrigado perante a vtima. A nossa casa/habitao devia e deve ser o lugar
mais seguro do mundo e arredores, assim como os nossos familiares que devem ser os
nossos melhores amigos e companheiros. E por estes factos que estes crimes consagram
uma maior especificidade s condutas do agente, agravando a punio.
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CAPTULO II - ENQUADRAMENTO JURDICO PORTUGUS
2.1. A CRP como Lei delimitadora do Direito Penal
Como diz Jos de Sousa e Brito o direito penal funde-se na Constituio no sentido
de que as normas que o constituem, ou so elas prprias normas formalmente constitucionais,
ou so autorizadas ou delegadas por outras normas constitucionais. A Constituio no
contm normas penais completas, isto , normas que para aces ou omisses nelas previstas
estatuem penas, medidas de segurana ou outras medidas jurdico-penais. Mas contm
disposies de direito penal, que determinam em parte o contedo de normas penais. So
disposies desta espcie as que probem certas penas e medidas de segurana.72
Portanto, encontramos na nossa Constituio um conjunto de princpios que enformam
o direito penal e estes princpios reflectem a proteco do regime dos direitos, liberdades e
garantias que vinculam tanto as entidades privadas como as pblicas.73
As Entidades pblicas sero aqueles que cabem na noo de o Estado em sentido
estrito, abrangendo o poder legislativo, a quem est vedado a emisso de normas
incompatveis com direitos fundamentais sob pena de inconstitucionalidade, o poder judicial,
que tem por obrigao decidir e aplicar normas em conformidade com os Direitos, Liberdades
e Garantias, e o poder administrativo, a quem cabe respeitar e dar satisfao aos direitos
fundamentais.74
O direito penal conformado pela Constituio na medida em que funciona como uma
espcie de norma fundamental autorizadora do direito ordinrio, assumindo um papel
hierarquicamente superior,75
sendo tambm a justificao de um Estado de Direito.76
72
Jos de Sousa e Brito, in Textos de direito penal. Tomo II. AAFDL. Pg. 1.
73 Art 18 (Fora jurdica), n 1 e art 165 (Reserva relativa de competncia legislativa), n 1, al c).
74 J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, Coimbra Editora, 2007. Pg. 383.
75 Maria Fernanda Palma Direito Constitucional Penal. Lisboa: Edies Almedina, 2006. Pg.16.
76 A definio de Estado de Direito Democrtico encontra-se no art 2 da CRP: A Republica Portuguesa um
Estado de direito democrtico, baseado na soberania popular, no pluralismo de expresso e organizao poltica
democrticas, no respeito e na garantia de efectivao dos direito e liberdades fundamentais e na separao e
interdependncia de poderes, visando a realizao da democracia, econmica, social e cultural e o
aprofundamento da democracia participativa.
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40
No na Constituio que se estatuem as penas ou medidas de segurana para os
crimes, mas na Constituio que existem preceitos que determinam de forma bem expressa
o contedo e limite das normas penais,77
assim como tambm princpios de orientao,
interpretao e aplicao das normas penais,78
como o princpio da culpa.79
Este princpio tem
assento constitucional, decorrendo da dignidade da pessoa humana, art 1, e do direito
liberdade, art 27, n 1, o princpio da necessidade ou mxima restrio das penas e medidas
de segurana, art 18, ns 2 e 3, o princpio da humanidade das penas, art 30, n 1 e o
princpio da igualdade, art 13,80
o princpio da legalidade,81
( a partir deste princpio que se
define os limites estritos da interveno do direito penal) e o princpio da jurisdicionalidade,
arts 27, n 2; 23, n 4; 30, n 2.
Atravs da CRP definem-se os direitos, liberdades e garantias e por este meio que se
estabelece um quadro de valores fundamentais na nossa ordem jurdica, sendo estes a base da
poltica criminal, subordinando o legislador ordinrio a estes valores.
77
So exemplos, entre outros, o art. 24 nr2 da CRP que probe a pena de morte; o art. 25 n 2 da CRP que
probe a tortura, tratos e penas cruis degradantes ou desumanas; o art. 30 nr1 CRP que probe as penas
perptuas ou de durao ilimitada ou indefinida.
78 Art. 18, n 2 e 3 da CRP que consagra o princpio da subsidiariedade do Direito Penal; os arts. 13 e 18 n1
que consagram o princpio da igualdade.
79 Jos de Sousa e Brito, in A lei penal na Constituio: O princpio da culpa significa que a pena se funda na
culpa do agente pela sua aco ou omisso, isto , em um juzo de reprovao do agente por no ter agido em
conformidade com o dever jurdico, embora tivesse podido conhec-lo, motivar-se por ele e realiz-lo (Jos de
Sousa e Brito, A lei penal na Constituio, in Estudos sobre a Constituio, 2 vol., Lisboa, 1978, pgs. 199-
200). Implica tal princpio que no h pena sem culpa, excluindo-se a responsabilidade penal objectiva, nem
medida da pena que exceda a da culpa. Pgs. 199 e 200.
80 Princpio estruturante de um estado de direito democrtico e social dado que:
a) Impe a igualdade na aplicao do direito, fundamentalmente assegurada pela tendencial universalidade da lei
e pela proibio de diferenciao de cidado com base em condies meramente subjectivas (igualdade de
Estado de direito liberal);
b) Garante a igualdade de participao na vida poltica da colectividade e de acesso aos cargos pblicos e
funes politicas (Igualdade de Estado de Direito Democrtico);
c) Exige a eliminao das desigualdades de facto para se assegurar uma igualdade material no plano econmico,
social e cultural (Igualdade de Estado de Direito Social)
81 Art 29 (Aplicao da lei criminal) da CRP. Estabelece limites ao poder do Estado punitivo para assegurar a
proteco de Direitos, Liberdades e Garantias.
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Os direitos fundamentais so universais e permanentes, so direitos de igualdade,
gerais e no privilgios de alguns, so atribudos a todos os homens/mulheres por serem
humanos e, nessa medida, independentes quanto sua existncia de condies temporais ou
de situao. A fundamentalidade dos direitos fundamentais do ponto de vista material
corresponde sua importncia para a salvaguarda da dignidade humana num certo tempo e
lugar e tem a sua expresso mxima na constitucionalizao dos direitos fundamentais, o que
lhe confere um ascendente e uma primazia, quando confrontados com outros direitos.
Podemos concluir, afirmando que o direito penal est subordinado Constituio,
porque os bens jurdicos so definidos exclusivamente pela CRP82
e esta que condiciona a
lei nos seus limites mnimos e mximos.
2.2. Em Portugal crime a violncia conjugal?
Na tutela jurisdicional penal de modo assaz um pouco amplo se protegem as condutas
ofensivas dos direitos pessoais, principalmente nos crimes contra as pessoas como sejam os
crimes contra a reser
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