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ANA CRISTINA APARECIDA DE PAIVA
NARRATIVAS PUBLICITÁRIAS: UMA ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA DOS PROCESSOS DE PRODUÇÃO E
COMPREENSÃO DO SENTIDO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
Novembro de 2013
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ANA CRISTINA APARECIDA DE PAIVA
NARRATIVAS PUBLICITÁRIAS: UMA ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA DOS PROCESSOS DE PRODUÇÃO E
COMPREENSÃO DO SENTIDO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal de São João del-Rei, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura Linha de Pesquisa: Discurso e Representação Social Orientador: Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção
PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
Novembro de 2013
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ANA CRISTINA APARECIDA DE PAIVA
NARRATIVAS PUBLICITÁRIAS: UMA ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA DOS PROCESSOS DE PRODUÇÃO E
COMPREENSÃO DO SENTIDO
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Cláudio Márcio do Carmo (UFSJ)
Profa. Dra. Nádia Dolores Fernandes Biavati (UESB/BA) - Titular
Prof. Dr. Guilherme Jorge de Rezende (UFSJ) - Titular
Prof. Dr. Cláudio Márcio do Carmo Coordenador do Programa de Pós-Graduação: Mestrado em Letras
São João del-Rei, Novembro 2013
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Dedico
aos meus queridos pais, Tarcísio e Tânia, que sempre me apoiaram e me motivaram.
5
Agradecimentos
Ao meu orientador professor Antônio Luiz Assunção, grande mestre, pela confiança
no meu trabalho e pela competência.
Ao REUNI / CAPES pela concessão da bolsa de estudos.
À Universidade Federal de São João Del Rei, especialmente ao Programa de Pós-
graduação em Letras, e aos professores do Mestrado e da Graduação em Letras
pela imensa contribuição para a minha formação.
À professora Dylia, que me orientou com extrema boa vontade e competência no
estágio de docência.
Aos professores da banca examinadora, pela leitura da dissertação e pelas
contribuições.
Aos meus colegas do mestrado, pelos momentos que serão sempre lembrados.
Ao meu irmão Tarcísio Júnior, minhas irmãs Sueli, Suelaine e Beatriz, e meus
sobrinhos, Luís Otávio e Maíra, joias preciosas.
Ao meu querido pai, exemplo de força, que fez sempre o melhor em prol da minha
educação. E à minha amada mãe, que sempre vibrou a cada conquista minha, mas
partiu desta vida enquanto este trabalho vinha sendo realizado.
Ao meu marido, Rodrigo, exemplo de fé e de caráter, especialmente por ter superado
com paciência os momentos em que estive ausente. Ao nosso filho, João Marcelo,
um presente de Deus, que nasceu junto à realização deste trabalho, e que traz mais
sentido para minha vida. E a Deus, pela vida e por tudo que sou capaz de realizar.
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NARRATIVAS PUBLICITÁRIAS: UMA ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA DOS
PROCESSOS DE PRODUÇÃO E COMPREENSÃO DO SENTIDO
Resumo
Neste trabalho, tivemos como objetivo estudar a relação entre a experiência
humana e o processamento cognitivo, ou seja, o papel da cultura nos processos
cognitivos. Essa questão tem sido foco dos pesquisadores na área dos estudos
cognitivos da linguagem, como também na área dos estudos discursivos. Os
primeiros têm se preocupado, em seus últimos estudos, com uma concepção na qual
os conceitos e o modo de percepção do mundo em que estamos inseridos derivam
da interação entre o indivíduo e sua experiência corpórea (cf. Lakoff & Johnson,
2002). Para os segundos, falta aos estudos discursivos uma concepção de mente
que seja capaz de dar conta do processamento cognitivo do sentido produzido nas
interações sociais. Para nós, esse estudo torna-se importante, na medida em que
devemos levar em consideração que os indivíduos estão inseridos em um momento
e em um espaço específicos e, portanto, como indivíduos histórica e culturalmente
situados. Sob essa perspectiva, parece-nos interessante pensar como a cultura está
relacionada com o processo cognitivo desses indivíduos. Nessa discussão,
assumimos com Turner (1996) o caráter literário da mente humana, compreendendo,
a partir dessa presunção, que a percepção humana dos objetos do mundo organiza-
se narrativamente e, portanto, que os objetos, eventos e atores são percebidos pela
mente humana como um complexo organizado. Ainda que sob uma perspectiva
distinta e com objetivos diferentes, László (2008), concebe a construção dos sentidos
como resultante das experiências do indivíduo e, a partir de uma concepção da
psicologia narrativa, presume a inseparabilidade entre sentido e narrativa. Ao
compreender o papel da narrativa no processo de produção de sentido, bem como
das experiências do indivíduo na constituição dessas narrativas, temos que levar em
consideração as questões discursivas envolvidas.
Palavras-chave: Estórias; cognição humana; sentido.
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ADVERTISING NARRATIVES: A SOCIOCOGNITIVE APPROACH OF THE
PROCESSES OF PRODUCTION AND COMPREHENSION OF THE MEANING
Abstract
In this study, we aimed to study the relationship between human experience and
cognitive process, ie, the role of culture in cognitive processes. This question has
been the focus of researchers in the area of cognitive studies of language, but also in
the field of discourse studies. The first ones have been concerned, in their latest
studies, with a conception in which the concepts and the way we perceive the world in
which we operate are derived from the interaction between the individual and his
bodily experience (cf. Lakoff & Johnson, 2002). For the second ones, there is a lack
in the discoursive studies about a conception of mind that could be able to account for
the cognitive process of meaning produced in social interactions. For us, this study is
important once we must take into account that individuals are involved in specific time
and space and therefore as individuals historically and culturally situated. From this
perspective, it seems interesting to consider how culture is related to the cognitive
process of these individuals. In this discussion, we assume with Turner (1996 ) the
literary character of the human mind, including , from this assumption , that human
perception of objects in the world is organized narratively and therefore that the
objects, events and actors are perceived by the human mind as an organized
complex . Although in a different perspective and with different purposes, László
(2008) sees the construction of the meanings as a result of the experiences of the
individual and, from a conception of narrative psychology, assumes the inseparability
of meaning and narrative. By understanding the role of narrative in the process of
production of meaning as well as the experiences of the individual in the creation of
these narratives, we have to take into account the discursive issues involved.
Keywords: Stories; human cognition; meaning.
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Sumário
Introdução.....................................................................................................................9
Capítulo 1 – A NARRATIVA NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA COGNITIVA
NARRATIVA, O CONTEXTO CULTURAL E O SUJEITO..........................................12
1.1 As estórias na psicologia..................................................................................12
1.2 A narrativa, a linguagem e a representação ....................................................18
1.3 A narrativa e a cultura.......................................................................................23
Capítulo 2 – A NARRATIVA NA PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA.....30
2.1 Narrativa: uma operação fundamental..............................................................31
2.2 As narrativas espaciais e os esquemas de imagem.........................................34
2.3 Os espaços mentais e as mesclagens conceituais na formação de narrativas
projetadas...............................................................................................................36
2.4 Estórias, Tempo e Mente Humana...................................................................41
Capítulo 3 – ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO, COGNIÇÃO E PUBLICIDADE.....47
3.1 O papel da representação na Análise Crítica do Discurso...............................48
3.2 Mesclagem Conceitual, Narrativa e Análise Crítica do Discurso......................49
3.3 Análise Crítica do Discurso - Procedimento de Análise dos Textos.................53
3.4 Mídia, cultura e publicidade – uma visão panorâmica......................................57
Capítulo 4 – PEQUENAS NARRATIVAS: COGNIÇÃO E CULTURA; ANÚNCIOS
PUBLICITÁRIOS – UM ESTUDO DE CASO..............................................................65
4.1 As narrativas nos anúncios...............................................................................65
5. Considerações finais...............................................................................................87
Referências bibliográficas...........................................................................................89
Anexos........................................................................................................................92
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Introdução
A produção de sentido não pode ser compreendida sem levar em conta que
somos seres históricos e sociais, e, como somos indivíduos situados, apreendemos o
mundo em que vivemos antes de representá-lo, ou mesmo, representamos o mundo
a partir do nosso processamento cognitivo. Nesses termos, as produções de sentido
são produções socioculturais, mas também são cognitivas e, por isso, precisam ser
processadas para serem compreendidas, o que nos leva a presumir que, por um
lado, há questões sociais e culturais envolvidas, como por exemplo, aspectos
ideológicos que subjazem a toda produção de sentido em uma determinada
sociedade, sem desconsiderar, no entanto, por outro lado, os aspectos cognitivos
envolvidos na produção do sentido. Nessa perspectiva discursiva e cognitivista, o
modo como nós processamos os conceitos e construímos as representações sociais
relevantes para agir e interagir em sociedade, parece-nos, está submetido ao
conjunto de valores que organizam o modo de estar no mundo.
Para o desenvolvimento dessa hipótese, tomamos como objeto de análise
alguns exemplares da prática discursiva da publicidade. É necessário ressaltar que
nossa preocupação não se voltou para essa prática discursiva em si mesma, pois o
foco dos estudos recai sobre o processamento cognitivo do sentido, mais
precisamente para o modo como os indivíduos processam os sentidos produzidos a
partir da materialidade textual.
Para atender a nossos objetivos, tomamos como objeto de análise cinco
peças publicitárias1, publicadas na revista Veja do mês de dezembro de 2010 e
estudamos esses dados sob a perspectiva da Linguística Cognitiva (LC). No decorrer
do trabalho, contamos com algumas proposições da Análise Crítica do Discurso
(ACD), que nos auxiliou na análise das representações sociais como sentidos
cognitivamente processados. Optamos pelo diálogo entre esses dois quadros
1 Todas as peças publicitárias se encontram no corpo do texto, mas também nas páginas de anexo,
em tamanho maior, para melhor visualização.
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teóricos por considerar necessária uma compreensão da produção de sentido que
leve em conta os aspectos cognitivos, discursivos e culturais. Essa perspectiva
adotada resulta do reconhecimento da relação entre um sujeito, historicamente
situado, e o sentido, cognitivamente construído. Contamos também com
contribuições da Psicologia Cognitiva Narrativa, conforme proposto por János László
(2008), por acentuar a importância das narrativas na construção psicológica do
sujeito, o que significa reconhecer, de um lado, a individualidade do sujeito histórico
social e, de outro, o papel da narrativa para a construção das experiências do sujeito.
A partir desse quadro teórico, pudemos definir o objetivo deste trabalho,
observando que pretendemos investigar a produção de sentido atentando para o
processamento cognitivo dos recursos simbólicos e para o papel das condições
socioculturais na produção e compreensão do anúncio. Com base na relevância que
László (2008) atribui às narrativas e à nossa compreensão do papel da cognição no
processo de representação social, como sentidos socialmente produzidos,
buscamos:
a) examinar o papel da narrativa – na concepção cognitivista de Mark Turner
(1996) - como elemento organizador do processamento cognitivo, responsável pela
produção e compreensão dos sentidos postos em cena pela textualidade do anúncio;
b) situar discursivamente o anúncio publicitário para investigar o papel do
contexto sociocultural no processamento cognitivo desses eventos discursivos, o que
implicou considerar as questões ideológicas presentes.
Por fim, no exame dos processos cognitivos envolvidos, analisamos as
mesclagens conceituais a partir dos trabalhos de Gilles Fauconnier e Mark Turner
(2003). Com o estudo dessas mesclagens, procuramos compreender como as peças
publicitárias sob análise são organizadas em pequenas narrativas para a produção
do sentido. Para isso, adotamos o conceito de narrativas projetadas, proposto nos
trabalhos de Mark Turner (1996, 2008). Identificados os esquemas cognitivos
utilizados na produção dos anúncios, atentamos para o seu funcionamento no
discurso. Para essa etapa do trabalho, utilizamos alguns conceitos da Análise Crítica
11
do Discurso (ACD), com ênfase aos trabalhos de Norman Fairclough (1994, 2001) e
Teun Van Dijk (1997, 2001).
No primeiro capítulo, apresentamos a discussão promovida por János László
acerca da narrativa sob uma perspectiva da psicologia cognitiva. No segundo
capítulo, abordamos a narrativa na visão da Linguística Cognitiva, principalmente nos
trabalhos de Turner (1996) sobre a mente literária. No terceiro capítulo, realizamos
uma discussão sobre aspectos metodológicos da Análise Crítica do Discurso, bem
como discutimos sobre a relação entre a ACD e as narrativas. Ainda, visando situar
nosso objeto de análise abordamos algumas questões sobre a publicidade na sua
relação com a cultura e a mídia. Por fim, no quarto capítulo, descrevemos e fazemos
uma análise das peças publicitárias sob a perspectiva de sua apreensão cognitiva,
focando o caráter narrativo, no sentido de Turner (1996-2008), da mente humana.
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Capítulo 1
A NARRATIVA NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA COGNITIVA NARRATIVA, O
CONTEXTO CULTURAL E O SUJEITO
1.1 As estórias na psicologia
Neste capítulo, gostaríamos de pensar o papel das estórias para a
constituição de nosso entendimento, seja ele do mundo, dos outros ou de nós
mesmos. Apesar de entendermos que o termo mais adequado para uma sequência
narrativa sobre fatos reais constituem uma história (history), e não uma estória
(story), continuaremos usando somente o termo estória, tendo em vista que alguns
teóricos também o fazem. János László (2008), por exemplo, faz uso dos dois
vocábulos: stories e histories.
Partimos do pressuposto da importância das narrativas para a construção dos
saberes que organizam nosso estar no mundo. Afinal, contar e ouvir estórias faz
parte da formação de nossa identidade, de nosso mundo; enfim, contar estórias
constitui condição fundamental da natureza humana de partilhar experiências. As
estórias, poderíamos dizer, são mais conhecidas, ou seja, todos sabem o que é uma
narrativa, ou estória. Desde a infância, ou melhor, desde antes do nascimento,
somos envolvidos por várias narrativas, que são contadas para explicar diferentes
fatos ocorridos, ou mesmo inventadas para encantar, divertir, amedrontar etc. Desse
modo, para Brockmeier e Harré,
a origem do interesse pela narrativa nas ciências humanas parece ser a “descoberta”, na década de 1980, de que a forma de estória, tanto oral quanto escrita, constitui um parâmetro lingüístico, psicológico, cultural e filosófico fundamental para nossa tentativa de explicar a natureza e as condições de nossa existência. (BROCKMEIER E HARRÉ, 2003, p. 526)
Como os autores observam, por meio das narrativas, os indivíduos percebem
as condições de existência de suas experiências, sendo capazes de ampliar sua
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compreensão de contextos mais diferenciados e mais complexos de sua interação
com o mundo e com seus semelhantes. Para Brian Boyd, em seu Sobre a Origem
das Histórias, por exemplo, há uma compulsão humana para a narração, e a
capacidade narrativa deve ser vista como um princípio de adaptação e
sobrevivência. É essencialmente esta noção que tem sido objeto de diferentes
investigações, que incluem estudos sobre as formas pelas quais organizamos
nossas memórias, intenções, estórias de vida e os ideais de nosso eu, ou nossas
identidades pessoais, em padrões narrativos. Arquivamos na memória diferentes
estórias do passado, algumas tomadas como verdadeiras, dadas seu vínculo com
alguma experiência daquele que narra, outras fantasiosas, pela ausência de vínculo
direto com algum acontecimento no qual o narrador estivesse envolvido. Contudo,
independentemente de seu caráter imaginário ou não, em geral as estórias que
registramos são aquelas que, de uma forma ou de outra, estão ligadas ao nosso lado
emocional, narram alguma experiência que nos comoveu ou que, por algum motivo,
se tornou importante para nós. Ou, ainda, guardamos as estórias relacionadas com
aquilo que já sabemos, portanto, para quem gosta de esportes, por exemplo, lembrar
o que aconteceu na final de uma copa do mundo há trinta anos é mais fácil do que
para alguém que se interessa mais por música do que por esportes.
Carla Fonte (2006) explica que a ciência e a psicologia de orientação
positivista confiavam na possibilidade de encontrar uma resposta, verdadeira e
universal, para as perguntas acerca da natureza, do universo e do ser humano.
Acreditaram, além disso, que esse objetivo era tanto mais alcançável quanto mais se
tornasse possível a eliminação da subjetividade humana, em prol de uma
objetividade científica, metodológica (p. 123). No entanto, segundo Fonte, Gergen
expõe que esse paradigma, que procura a constituição de verdades absolutas, tem
dado lugar a uma concepção de ciência classificada como pós-empiricista, não
fundamentada ou pós-moderna, que se destaca pelo confronto que estabelece com
os princípios que tradicionalmente dominaram a produção de conhecimento. E nessa
nova perspectiva, o conhecimento emerge da interação entre o sujeito e o seu
contexto, sendo esta interação continuamente interpretada a partir dos quadros de
14
referência do sujeito. O indivíduo, com a emergência da ciência pós-moderna, deixa
de ser considerado um mero processador de informação para ser visto como um
construtor ativo de significados.
É na compreensão dessa importância da narrativa que a psicologia narrativa
desenvolveu-se no final do século vinte e teve pelo menos quatro tendências ou
paradigmas desde seu início. János László (2008) observa que o termo psicologia
narrativa foi introduzido por Theodor Sarbin e, a partir daí, muitas foram as
contribuições. Para o autor, sua contribuição, esboçada no livro The Science of
Stories: an Introduction to Narrative Psychology, resulta do fato de tentar traçar um
projeto de psicologia narrativa que, apesar de aproximar-se das tradições científicas
do estudo da psicologia, avança procurando desenvolver um estudo empírico da
construção psicológica do significado.
László procura demonstrar como a forma de acordo com a qual as pessoas
contam suas estórias pode ser indicativa de como elas constroem seus mundos e
suas identidades. Compreendendo que esse modo de interação com o mundo possa
ser explicado a partir das narrativas produzidas pelos indivíduos, o autor propõe uma
metodologia que possibilite, por meio da análise linguística da materialidade das
narrativas, revelar os processos psicológicos implícitos.
Relacionamos os estudos no campo da psicologia com nossas discussões
para observarmos a importância das estórias na pesquisa científica. Schank e
Abelson (1995 apud LÁSZLÓ, 2008, p.7) defendem que todo conhecimento humano
tem uma natureza narrativa, todo conhecimento é baseado em estórias construídas
em torno de experiências passadas, e que novas experiências são interpretadas em
termos de experiências antigas. Segundo László, esses teóricos afirmam que a
compreensão significa associar as estórias do outro com as nossas, o que significa
dizer que nós só podemos compreender coisas que se relacionam com nossas
experiências2. Portanto, sempre que surge algo novo na nossa vida, precisamos
relacioná-lo com algo que já conhecemos para que haja a compreensão.
Imaginemos, por exemplo, que fosse possível fazermos uma viagem para o passado
2 No original: we can only understand things that relate to our experiences.
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ou para o futuro. Há mil anos as coisas e as pessoas eram bastante diferentes do
que são hoje. Assim como o serão daqui a mil anos. Um indivíduo que fosse
mandado do presente para o passado ou para o futuro não compreenderia muitas
das ações, dos eventos e dos objetos existentes, pois estes teriam pouca relação
com o que ele conhece do presente. Entretanto não precisamos ir tão longe para
percebermos essa dificuldade. Quando estamos em contextos diferentes daqueles
com os quais estamos acostumados, ou quando estamos aprendendo alguma coisa,
dificuldades podem ser muito grandes dependendo da experiência que temos para
relacionar com o novo que se apresenta.
Conforme Gonçalves (2000 apud ARRUDA, 2005) no processo hermenêutico
intrínseco humano, o homem atribui significados e interpreta seu mundo para
conhecê-lo. Assim, compreender-se através de narrativas, favorece transformações
de significação passada (através da ressignificação). Desse modo, a atitude narrativa
é o sinônimo da saúde mental, ou seja, um indivíduo com a mente sã é capaz de
contar as narrativas da própria existência. E à medida que contamos nossas
narrativas, estas podem se modificar e outras novas serão criadas. Ao contrário,
configura-se uma patologia a atitude não-narrativa, o não ser capaz de se expressar
através das estórias, o que pode ser considerado como um viver automático e
psicopatológico.
Segundo Gonçalves (1996, 2000 apud FONTE, 2006, p.127-128), a nossa
identidade pessoal e a coerência narrativa da nossa vida estão largamente
dependentes da construção de significados, que surgem, deste modo, como um
organizador central no nosso funcionamento. E Fonte defende que a narrativa tem
uma natureza inerentemente significadora, permitindo a organização da diversidade
da experiência num mundo de sentidos. Tal como sugere Gonçalves, organizar
narrativamente a experiência é, sobretudo, dar-lhe um sentido. Nesta linha de
compreensão teórica, têm sido desenvolvidos diversos estudos que procuram
aprofundar o conhecimento sobre as narrativas e o seu papel no processo de
construção de significados, aplicadas a problemáticas e vivências específicas.
16
Sarbin (1986 apud FONTE, 2006, p.129) defende que nós pensamos,
fantasiamos, compreendemos e fazemos escolhas de acordo com uma estrutura
narrativa, segundo a qual, além da construção de significado para as experiências
passadas, planejamos experiências futuras. Assim, cabe aos sujeitos a interpretação
da diversidade de experiências e acontecimentos numa construção dotada de
sentido. Manita (2000, ibid) também partilha dessa idéia ao sugerir que organizar
narrativamente a experiência é, acima de tudo, conferir-lhe sentido, sentido esse que
se desenrola ao longo da trajetória existencial, inevitavelmente repleta de
experiências diversificadas como é característico dos seres humanos.
Dentro dessa proposta de construção de sentidos a partir das experiências,
László (2008, p.32) esboça uma versão da psicologia narrativa que aceita que
mente e sentido não podem ser desmontados em partes fixas, e ele procura provar
que a narrativa é uma entidade suficientemente estável, mas igualmente flexível que
pode servir como uma base para uma psicologia científica cultural e evolutiva.
No processo terapêutico, várias estórias são contadas pelo paciente. Umas
mais recentes, outras que relembram experiências antigas vividas. Não é possível
saber se todas as estórias que contamos aconteceram exatamente da forma como
contamos. E isso, na verdade, não importa, conforme defendem Schafer (1980) e
Spence (1982 apud LÁSZLÓ, 2008, p 13). Para eles, do ponto de vista da principal
meta da terapia, que é restaurar a saúde mental do paciente, parece ser de menor
importância se a estória contada é ‘historicamente verdadeira’ (grifo do autor), tendo
em vista que, nas palavras dos autores: psicanálise não é pesquisa arqueológica.
Parece ser muito mais importante que, ao final da terapia e com a ajuda do
terapeuta, uma narrativa que o paciente possa aceitar sem nenhum conflito seja
estabelecida3. Desse modo, é essencial que o paciente encontre-se em meio às
narrativas que possam estar confundindo sua mente, seus sentimentos e, muitas
3 No original: psychoanalysis is not archaeological research. It appears to be much more important that
by the end of the therapy a narrative should be established with the help of the therapeutic expert which the patient can accept without any conflict.
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vezes, causando transtornos. Em muitos casos, o simples fato de contar já cura o
paciente. Essa é a finalidade da psicanálise, a cura pela fala. E, em algumas
situações, é necessário que se reconte as estórias por um outro ângulo, e assumindo
um outro ponto de vista, para que a cura aconteça. Suponhamos alguém que tenha
passado por um trauma grande, uma situação de perda de um ente querido por
exemplo. Ao contar as narrativas relacionadas a esse fato, essa pessoa pode sofrer
imensamente, dependendo daquilo que ela escolher contar. A partir do momento em
que esse indivíduo escolhe, com ajuda de um terapeuta, ou mesmo por um outro
motivo, dar ênfase a outras narrativas relacionadas à perda, o sofrimento pode ser
menor. É comum ouvirmos enunciados do tipo: É preciso viver o luto, mas é também
necessário sair dele, que demonstram essa necessidade de criar na mente narrativas
que, ao ser lembradas e repetidas para si mesmo ou para os outros, provoquem
menos dor.
A narrativa não tem apenas uma função de memorização. Para Villegas (1995
apud FONTE, 2006, p. 126), ao contarem as suas histórias, os indivíduos não
pretendem somente reter em memória e reelaborar a sua experiência, mas
pretendem, igualmente, convencer, persuadir ou impressionar terceiros, com o
objetivo de obter dos mesmos compreensão, aceitação, valorização, ajuda ou
recompensas. Isto significa que a memória episódica retém dos acontecimentos uma
estrutura esquemática mais coerente com os interesses do sujeito e menos fiel aos
fatos, pois os fatores emocionais interferem na memória dos acontecimentos,
distorcendo-os ou atuando seletivamente sobre a sua retenção e recordação. Daí
que, como defende Spence (1982, apud FONTE, 2006,p.126), nunca podemos
aceder à verdade dos fatos, devendo, portanto, fazer a distinção entre “verdade
histórica” e “verdade narrativa” (grifos do autor). Spence concebe as narrativas como
construções interpretativas, e a interpretação é sempre um ato criativo cuja verdade
histórica não pode ser determinada. A finalidade dessa construção é a de
proporcionar ao indivíduo uma história coerente da sua vida.
Ao contar estórias muitas vezes relacionamos passado, presente e futuro.
Para László (2008), ao propor uma relação entre a memória e a organização
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temporal, estamos diretamente envolvidos na narrativa, tendo em vista que presente,
passado e futuro, isto é, a experiência humana de tempo está intimamente
relacionada com a capacidade narrativa. László também salienta que é através da
narrativa que somos capazes de trazer experiências passadas ou eventos futuros
para o presente e torná-los parte da existência presente (p. 36). E completa que uma
narrativa desenvolvida não é simplesmente uma descrição do que aconteceu, mas
implica muito mais sobre as perspectivas psicológicas tomadas em relação àqueles
acontecimentos. Assim sendo, uma razão profunda pela qual contamos estórias para
nós mesmos ou para os outros é, precisamente, para fazer sentido acerca do que
estamos encontrando no curso de vida.
Brockmeier e Harré (2003) também compartilham dessa ideia, enfatizando
ainda que a visão de narrativa que eles apresentam não se direciona apenas para os
mundos literários de imaginação e fantasia como opostos ao mundo da realidade
ordinária – que representa a visão do senso comum. Ao contrário, argumentam que
as opções exploratórias e experimentais da narrativa são inextrincavelmente fundidas com a nossa realidade transitória propriamente dita: com a realidade material fluida e simbólica de nossas ações, mentes e vidas. Ao que tudo indica, é definitivamente a função narrativa que preenche a condição humana com sua particular abertura e plasticidade. Assim sendo, uma razão – talvez até mesmo um leitmotiv – para se estudar as realidades narrativas deveria ser a investigação da qualidade de abertura presente na mente discursiva e o descobrimento das formas multifacetadas de discursos culturais em que elas se realizam. (BROCKMEIER E HARRÉ, 2003, p. 534)
1.2 A narrativa, a linguagem e a representação
Constatamos acima o fato de que os seres humanos são contadores de
estórias e que, segundo Fonte (2006, p. 124), o pensamento é essencialmente
metafórico e imaginativo e a manipulação do pensamento é caracterizada por uma
procura intencional de significação. Brockmeier e Harré (2003) partilham desse
pensamento ao afirmar que viver é atribuir significado a uma vida; na verdade, o
processo de construção de significado pode ser visto como o centro da vida humana
(p. 530).
19
Arruda (2005), por exemplo, ao realizar um projeto de terapia cognitiva
narrativa em grupos terapêuticos de mulheres de terceira idade, destaca que
o encontro do existir de cada membro, alinhavado pela temática comum do grupo, pode ser comparado a um trabalho artesanal de patchwork, em que cada parte é plena de sentido e, ao mesmo tempo, participa do conjunto maior completando o significado coletivo. (ARRUDA, 2005)
Ou seja, nesses grupos terapêuticos, cada indivíduo dá sentido a sua vida
através de suas narrativas, mas também se identifica com as estórias contadas pelos
outros membros do grupo, e, assim, resignifica suas próprias estórias.
Wigren (1994 apud FONTE, 2006, p.126) também define a narrativa como o
modo em que as experiências quotidianas são processadas, permitindo a sua
compreensão. Wigren concorda que a narrativa permite a criação de ligações entre o
próprio indivíduo e os outros. E Arruda (2005) ressalta, ainda, em conformidade com
Brockmeier e Harré (2003), que a tríade narrativa, identidade e vida, torna-se foco
central do projeto existencial humano (coletivo e individual), uma vez que viver
narrativamente, numa troca dialética e infinita com o mundo, amplia o sentido de vida
e da existência humana, com maior riqueza de significações. Assim, as narrativas
não devem ser concebidas como a apresentação de uma versão externa de
entidades mentais. Apresentar algo como uma narrativa não significa externalizar
algum tipo de realidade interna nem oferecer uma delimitação linguística para essa
tal realidade. Ao contrário, narrativas são formas inerentes ao nosso modo de
alcançar conhecimentos que estruturam a experiência do mundo e de nós mesmos.
Em outras palavras, a ordem discursiva através da qual nós tecemos nosso universo
de experiências emerge apenas como um modus operandi do próprio processo
narrativo. Ou seja, estamos lidando primariamente não com um modo de
representação, mas com um modo específico de construção e constituição da
realidade. A fim de estudar esse modo de construção, nós devemos examinar
cuidadosamente as maneiras pelas quais as pessoas tentam dar sentido às suas
experiências de mundo, utilizando-se de formas narrativas. Então, como essas
pessoas dão contorno ou definição às suas intenções, desejos e medos? Como elas
20
chegam a lidar com tensões, contradições, conflitos e dificuldades? A questão, pois,
não é como as pessoas usam a narrativa como meio tendo a finalidade de relatar,
mas, sim, quais são as situações concretas e as condições nas quais elas contam
estórias e dessa forma, implicitamente, definem o que vem a ser a narrativa
(BROCKMEIER e HARRÉ, 2003, p 531).
Devemos ter em mente também que pode haver um número de estórias
diferentes a serem contadas sobre os complexos assuntos humanos, tais como, por
exemplo, a estória de uma vida. Como é discutido na pesquisa autobiográfica, uma
estória de vida geralmente envolve diversas estórias de vida que, além disso,
modificam-se ao longo do curso da vida. Existe um engano em se supor que existe
apenas uma realidade humana à qual todas as narrativas devem, por fim, se
reportar. Essa crença, conforme Brockmeier e Harré (2003), talvez seja proveniente
do delineamento muito próximo e paralelo entre o conhecimento do mundo natural e
o conhecimento do mundo social. O primeiro é realmente múltiplo, mas cada versão
distingue um aspecto daquele único universo físico. De acordo com uma visão
generalizada, na Psicologia Cognitiva, mas também nas teorias discursivas e em
outras ciências humanas, existe algo no mundo que se toma como sendo a realidade
dos seres humanos. Nosso conhecimento sobre essa realidade, e através dessa
própria realidade, é representado, entre outras formas, através da linguagem. De
acordo com essa visão, as representações lingüísticas sobre a realidade geralmente
assumem a forma de narrativa. Nós denominamos a concepção de uma única,
subjacente e verdadeira realidade humana a ser representada pela descrição
narrativa como a falácia representacional (BROCKMEIER e HARRÉ, 2003, p. 530)
(grifo do autor).
Ao refletir sobre a realidade Guidano (1994, apud FONTE, 2006) expõe, em
conformidade com as idéias apresentadas, que nós vivemos numa pluralidade de
mundos e realidades possíveis criados pelas nossas próprias distinções perceptivas.
Há tantos domínios de existência quantos os tipos de distinção construídas pelo
observador. E Fonte conclui que,
21
Deste modo, a realidade é encarada como algo que só fará sentido depois de ser construída pelo próprio sujeito. Assume-se a possibilidade de existirem construções múltiplas desta mesma realidade, fomentando a multiplicidade do conhecimento, que está dependente do próprio sujeito. (FONTE, 2006, p.124)
László (2008, p. 12) também argumenta sobre a questão da referência da
narrativa expondo que, de acordo com Scholes (1980), a narrativa é um texto que
parece se referir a um conjunto de eventos fora de si mesma. Na literatura, por
exemplo, a narrativa se refere a uma realidade imaginada. Isso não se configura um
problema à medida que os mundos imaginados são todos relacionados com o mundo
real. No entanto, o problema da referência da narrativa, não só da ficcional, é que a
referência é ambígua, já que a narrativa sempre cria sua própria ‘realidade’ (grifo do
autor), aquilo a que ela se refere, como acontece no caso do sentido de uma palavra,
que é determinado pelo lugar e função na sentença. Isso é o que decide, por
exemplo, se pensamos em uma instituição financeira ou na área ao longo de um rio
quando usamos a palavra banco.
É precisamente à luz dessas novas abordagens que a linguagem se vai
assumir como elemento central. Esta passa a ser considerada não como um reflexo
de uma realidade psicológica que lhe preexiste, mas como o próprio fenômeno
psicológico (FONTE, 2006, p. 124), afastando, assim, a perspectiva
representacionista tradicional que a encarava como um reflexo do mundo, passando
a vê-la como uma forma de co-construir algo com o interlocutor. É através da
linguagem que construímos intencionalmente a nossa experiência, que depois dá
lugar a uma configuração narrativa. No mesmo sentido, MacNamee e Gergen (1992,
apud FONTE, 2006, p. 124) argumentam que as construções que fazemos do mundo
e de nós próprios são limitadas pelas nossas linguagens, pois é através da
linguagem que os seres humanos conseguem expressar e comunicar a sua
experiência. Construímos conhecimento e significado através da ação da linguagem,
que exprime e potencia o que vivemos (GONÇALVES, 2000, apud FONTE, 2006, p.
124). Assim Fonte (2006) coloca que
22
Gergen e Gergen (1986), definem a narrativa como a capacidade para estruturar acontecimentos com coerência e com um sentido de movimento e direção no tempo. Polkinghorne (1988) salienta que a narrativa organiza os acontecimentos da nossa experiência numa sequência coerente e numa dimensão de continuidade temporal.
A narrativa surge, assim, não como uma representação de uma realidade
cognitiva essencial, mas como um elemento central da experiência do indivíduo, uma
forma de construir um conhecimento indissociável da experiência de existir. Segundo
Fonte, a ligação da dimensão do significado à condição da existência humana é
referida por vários autores. Polkinghorne (1988, p. 9), afirma que o estudo da
construção do significado é central para as disciplinas preocupadas com a explicação
da experiência humana. Nesta mesma linha, Gonçalves (2000) defende que a
existência humana é caracterizada por um processo contínuo de construção de
significado. Desta forma, a psicologia cognitiva narrativa, na sua estreita ligação com
a compreensão da existência humana, é uma psicologia da significação. Preocupa-
se essencialmente com a forma, ou com o processo, pelo qual o sujeito cria
significações. E esta construção de significação está associada a uma visão do
sujeito como uma unidade temporal que faz parte de uma comunidade onde existem
inter-relações de natureza linguística e cultural. (FONTE , 2006, p.127)
Nessa perspectiva o sujeito e o objeto são inseparáveis e o conhecimento
surge como um produto da interação entre os dois, conforme defende Piaget (apud
FONTE, p. 127). Para que o sujeito conheça o objeto, deve operar sobre ele num
processo que envolve a transmissão mútua. Por isso, o conhecimento não é uma
cópia da realidade, dependendo antes da atividade do sujeito. Além disso, a
realidade é vista como uma estrutura complexa e multipotencial, preferencialmente
acessada através de dispositivos de natureza hermenêutica e narrativa (FONTE,
2006, p 124).
23
1.3 A narrativa e a cultura
Assim como acontece com diversos conceitos, o uso do termo narrativa
tornou-se exagerado. Este exagero é de certa forma surpreendente, de acordo com
Brockmeier e Harré (2003), dada a longa tradição do estudo da narrativa na teoria
literária e na lingüística. Conseqüentemente, seu potencial conceitual e analítico
tende, algumas vezes, a tornar-se pouco claro. Existem algumas razões pelas quais
geralmente não é tão fácil propor uma definição exata de narrativa. Uma delas se
refere ao aspecto da onipresença das narrativas. Uma vez que crescemos em meio
ao repertório de contar estórias típicos de nossa linguagem e de nossa cultura desde
a infância, e o utilizamos de forma familiar e espontânea, assim como usamos a
linguagem em geral, esse repertório tornou-se “transparente” (p. 529). Como todos
os tipos de discurso comuns, ele é universalmente presente em tudo que dizemos,
fazemos, pensamos e imaginamos. Mesmo os nossos sonhos são, em uma larga
extensão, organizados como narrativa. Em conseqüência, sua existência
assumidamente garantida pode facilmente ser considerada como uma existência
natural, como um modo dado, natural, de pensamento e ação.
Fonte (2006) coloca que, na sequência da emergência da linguagem como
aspecto central da construção do conhecimento, uma grande variedade de autores
têm vindo a sugerir a idéia de narrativa, à medida que esta tem sido objeto de
crescente atenção na Psicologia, especialmente a partir de 1980:
Várias definições de narrativa têm emergido, havendo alguns teóricos a argumentar que todos os pensamentos são narrativos (HOWARD, 1991), enquanto outros descrevem as narrativas como uma forma distinta de expressão de acontecimentos humanos com significado (BRUNER, 1986). Outros autores têm sugerido que as narrativas “iluminam” os significados humanos (POLKINGHORNE, 1988; SARBIN, 1986), definindo narrativa como uma estrutura de significação que organiza os acontecimentos e acções humanas numa totalidade, atribuindo deste modo significado às acções e acontecimentos individuais de acordo com o seu efeito de totalidade (POLKINGHORNE, 1988). Sarbin (1986, p. 9) define a narrativa como: “A forma de organizar episódios, acções e relatos de acções, é uma realização que junta factos reais e de ficção onde o tempo e o espaço são incorporados. (Fonte, 2006, p. 125)
24
De fato, este princípio organizador da experiência humana presente na
narrativa está subjacente à definição de narrativa apresentada por diversos autores.
Mishler (1986 apud FONTE, 2006) define narrativas como cursos de ação coerentes
e significativos com princípio meio e fim. Van Den Broek e Thurlow (1991 apud
FONTE, 2006) vêm sublinhar a dimensão da temporalidade ao longo da vida e
estabelecem a associação entre a narrativa e a identidade. Assim, a nossa
identidade é a narrativa coerente da nossa vida e constitui um princípio organizador
central. As pessoas organizam a experiência no mundo social, conhecem-no e
estabelecem transações através de narrativas.
Quanto mais completa é a narrativa, mais coerente é o significado da
experiência. É através do processo de estruturação das experiências, dentro desta
estrutura narrativa, que o ser humano encontra coerência e significado na sua vida
(HENRIQUES, 2000, apud FONTE, 2006, p 126). A definição de Bruner (1990, apud
FONTE, 2006, p. 126) vem salientar a vertente cultural, chamando a atenção,
especificamente, para a questão da idiossincrasia como uma originalidade em
relação ao culturalmente previsto, e para a função da narrativa na interação social.
Ou seja, a narrativa lida com a ação e a intencionalidade humana, mediando o
mundo previsto culturalmente com o mundo idiossincrático dos desejos, crenças e
esperanças.
Em seu sentido mais corrente e geral, a narrativa é o nome para um conjunto
de estruturas lingüísticas e psicológicas transmitidas cultural e historicamente,
delimitadas pelo nível do domínio de cada indivíduo e pela combinação de técnicas
sócio-comunicativas e habilidades lingüísticas e, de forma não menos importante, por
características pessoais como curiosidade, paixão e, por vezes, obsessão - como
denominado por Bruner (1991, apud BROCKMEIER e HARRÉ, 2003). Esses últimos
explicam que
ao comunicar algo sobre um evento da vida – uma situação complicada, uma intenção, um sonho, uma doença, um estado de angústia – a comunicação geralmente assume a forma da narrativa, ou seja, apresenta-se uma estória contada de acordo com certas convenções. (BROCKMEIER e HARRÉ, 2003, p. 526)
25
Apesar das narrativas tratarem de versões da realidade muito específicas à
situação e ao sujeito, elas se utilizam de formas lingüísticas convencionais tais como
gêneros, estruturas de enredo, linhas de estória e diferentes modalidades retóricas.
Assim sendo, a estória, seus interlocutores (aqueles que falam e os que ouvem) e a
situação em que a própria estória é contada, tudo isso se relaciona a uma base
histórico-cultural de produção. Em outras palavras, nosso repertório local de formas
narrativas é entrelaçado a um cenário cultural mais amplo de ordens discursivas
fundamentais, que determinam quem conta qual estória, quando, onde e para quem.
(BROCKMEIER e HARRÉ, 2003, p. 527).
Gonçalves (1998 apud FONTE, 2006, p. 126) também concorda que as
narrativas só têm existência num processo interpessoal de construção discursiva e
como tal são inseparáveis do contexto cultural onde ocorrem, e ainda acrescenta que
a narrativa não é um acto mental individual, mas uma produção discursiva de
natureza interpessoal e culturalmente contextualizada. Portanto, é a dimensão
narrativa do pensamento que vai abrir a porta para o estudo dos significados
humanos. No entanto, a construção de significado para a nossa experiência não é
desligada dos significados culturais e históricos veiculados nas narrativas em que
nascemos, nos desenvolvemos e que ordenam as nossas relações, as nossas
práticas e os contextos das nossas interacções (FERNANDES, 2001, apud FONTE,
2006, p. 127). Ou seja, a narrativa estrutura os significados da nossa vida numa
estreita ligação com os significados sociais e culturais. Fonte coloca que Blumer, já
nos anos 1920/30, destacou o fato dos sujeitos agirem em função dos significados
que as situações ou os eventos têm para si, sendo que esses significados são um
produto social resultante das interações entre os indivíduos. Isto é, o indivíduo é um
ser que produz significações diversas, orientadoras da sua ação.
Apesar de desempenhar um papel fundamental na construção de
significados dos seres humanos, emergindo como um processo mediador entre
significado e existência humana, as narrativas não recriam literalmente a experiência.
As estórias que contamos são construídas para dar significado à nossa experiência.
26
Por isso, não é qualquer estória que “serve” (FONTE, 2006 p. 129). A identidade
pessoal, como já foi referida, e a coerência narrativa da vida estão amplamente
dependentes da construção de significados. Contudo, o significado narrativo não se
constitui como algo eterno e permanente, mas, pelo contrário, está sempre sendo
transformado na contínua atividade de construção sobre a nossa experiência. Como
participantes numa cultura, transportamos conosco um estoque de significados
acumulados ao longo da nossa história pessoal e social (POLKINGHORNE, 1988,
apud FONTE, p. 129). Não concebemos a nossa ação vazia de significado, pois,
perante determinado acontecimento ou experiência (pessoal e social), somos
levados a reinterpretar sucessivamente a realidade, na busca de uma mais completa
compreensão subjetiva dessa experiência, mas numa estreita ligação com os
significados sociais e culturais dominantes. Assim, as narrativas que nos preexistem
nos orientam para darmos sentido ao que vivemos.
Do mesmo modo, Brockmeier e Harré afirmam que as narrações não podem
ser consideradas como uma invenção pessoal ou individual, como afirmam os
subjetivistas, nem tampouco simplesmente representam a descrição objetiva das
coisas tal como ocorreram, como querem nos convencer os positivistas. As estórias
são contadas a partir de proposições, ou seja, elas acontecem segundo ordens
morais locais, nas quais os direitos e deveres das pessoas como falantes influenciam
a localização da voz autoral primária. As estórias devem ser ouvidas como
articulações de narrativas particulares, a partir de pontos de vista particulares e
localizadas em vozes particulares. (BROCKMEIER e HARRÉ, 2003, p. 529). Mas
esses autores refletem sobre as seguintes perguntas: Se as estórias guiam a vida, o
que guia as estórias? Será que contar estórias acerca de um episódio da vida é
semelhante a contar qualquer outro episódio? Para eles, é preciso refletir se contar
uma vida e viver uma vida é essencialmente a mesma coisa, mas afirmam que talvez
eles entendam que vida e estória de vida estejam intrinsecamente interligadas em
uma contínua produção de significado e sentido. Eles comentam sobre duas teorias
intimamente relacionadas, sobre como a ordem é criada na vida social através de
limitações relativas ao enredo. Essas são a teoria de script (SCHANK e ABELSON,
27
1975) e a teoria de regras e papéis (role-rule theory, HARRÉ e SECORD, 1972).
Ambas presumem um tipo de abstração de padrões a partir das experiências que
são, assim, eficazes ao orientar a ação, tais como livros de etiqueta, instruções, e
assim por diante. Nos dois casos, há uma aplicação de um modelo específico, no
qual a ação é orientada por uma atenção explícita ao discurso instrutivo. Nos casos
em que as pessoas vivem sua vida de uma maneira ordenada, essas teorias
presumem que exista um manual de instruções encoberto, mas nenhuma destas
oferece uma explicação de como a conformidade com aquele manual é alcançada.
Isto não pode ser realizado através do monitoramento consciente da ação do sujeito
à luz das instruções porque, por hipótese, não existe nem monitoramento, nem
atenção à regra ou ao script. Na opinião de Brockmeier e Harré (2003) uma terceira
teoria deve ser proposta no sentido de refinar a noção de senso comum de um
costume enraizado, já que nós não recebemos instruções especiais para contar
estórias e nem as construímos simplesmente por nós mesmos, mas sim somos
habituados a um vasto repertório de linhas de estória, pois, como dito anteriormente,
crescemos dentro de um padrão cultural de modelos narrativos. Esse processo de
educação narrativa e discursiva inicia quando as crianças, como vários
pesquisadores apontaram (BAMBERG, 1997b; ENGEL, 1995; MILLER, 1994),
começam a ouvir estórias – um processo que se inicia antes mesmo da criança
começar a falar. Desde muito cedo, as crianças aprendem como se expressar e
apresentar o seu ponto de vista (apud BROCKMEIER e HARRÉ 2003, p. 532).
Para László (2008, p. 19) o script é uma forma de narrativa canônica e a
noção de scripts foi definida por Schank e Abelson (1997) como uma série de ações
estereotipadas definindo uma situação conhecida. Diferentes tipos de restaurantes
possuem diferentes scripts, por exemplo. Há restaurantes em que o cliente é servido
e outros em que ele próprio se serve. Entre uma narrativa baseada em script e uma
narrativa propriamente dita há diferenças. Rubin (1995 apud LÁZSLÓ, 2008, p.20)
exemplifica essa diferença com um fato ocorrido com sua filha, que gostava de dizer
para si mesma quais atividades diárias ela tinha que fazer. Quando aprendeu a
escrever, a menina escreveu: "Quando nos levantamos pela manhã, arrumamos a
28
cama, tomamos café, em seguida, escovamos os dentes, e depois nos vestimos." Ao
elogiar sua filha por escrever uma bela estória, Rubin se supreendeu com o firme
protesto da menina que disse que não havia escrito uma estória, mas havia
simplesmente anotado o que ela tinha que fazer depois de se levantar. Este exemplo
demonstra não só que a menina poderia distinguir claramente uma estória de uma
narrativa baseada em script, mas também que, utilizando um sujeito na primeira
pessoa do plural no presente do indicativo, que é desprovida de uma dimensão
histórica, ela poderia fazer essa distinção.
As estórias contêm algum tipo de complicação, um desvio no curso natural
dos eventos. Alguns autores, por exemplo Prince (1973, apud LÁZSLÓ, 2008, p. 21),
defendem que qualquer mudança de estado é um critério suficiente para constituir
uma estória. Nessa visão, uma estória deve ter pelo menos três componentes: um
estado de partida, um evento e um estado modificado. De acordo com Prince, o
seguinte texto também se caracteriza como um estória: Estava quente. Começou
uma onda de frio. O tempo ficou ruim4. No entanto, a maioria dos autores, segundo
Lázsló, acreditam que estoricidade requer alguma ação com um objetivo e
personagens representando em um determinado tempo.
Chegar a uma conclusão do que seja uma narrativa ou das diferentes
narrativas como podemos perceber não é uma questão simples. O que importa para
nós aqui é observar, como colocam Brockmeier e Harré (2003) que a narrativa tem
por característica essencial ser um guia destacadamente sensível à fluida e variável
realidade humana, uma vez que essa é, em parte, a natureza da própria narrativa (p.
533). A narrativa funciona como uma estrutura aberta e maleável, que nos permite
conceber uma realidade em constante transformação e constante reconstrução. Isso
inclui a opção de dar ordem e coerência às experiências da condição humana
fundamentalmente instável e alterar tal ordem e coerência à medida que nossa
experiência, ou os seus significados, se transformam.
É preciso ressaltar que, conforme nos orientam Brockmeier e Harré, os
gêneros e formas do conhecimento narrativo são altamente dependentes do contexto
4 No original: It was hot. A cold front set in. The weather got bad.
29
cultural em que são usados. As narrativas operam como formas de mediação
extremamente mutáveis entre o indivíduo (e sua realidade específica) e o padrão
generalizado da cultura. Vistas dessa maneira, as narrativas são ao mesmo tempo
modelos do mundo e modelos do eu. É através de nossas estórias que construímos
a nós mesmos como parte de nosso mundo.
30
Capítulo II
A NARRATIVA NA PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA
A Linguística Cognitiva (LC) constituiu-se institucionalmente como paradigma
científico há cerca de duas décadas, com a criação da International Cognitive
Linguistics Association e a realização da primeira International Cognitive Linguistics
Conference na Alemanha em 1989. A idéia fundamental da LC, de acordo com
Augusto Soares da Silva (2004, p. 2), é a de que
a linguagem é parte integrante da cognição (e não um ‘módulo’ separado), se fundamenta em processos cognitivos, sócio-interacionais e culturais e deve ser estudada no seu uso e no contexto da conceptualização, da categorização, do processamento mental, da interação e da experiência individual, social e cultural.
Para ele, provavelmente mais do que qualquer outra abordagem
contemporânea da linguagem, a LC reconhece explicitamente, não só que a
capacidade para a linguagem se fundamenta em capacidades cognitivas gerais,
como também que todas estas capacidades são culturalmente situadas e definidas.
Ela assume e desenvolve uma concepção inteiramente contextualizada do
significado, claramente exposta em Langacker (1997) (SILVA, 2004, p.7).
Desse ponto de vista, a produção de sentido se dá através de processos
cognitivos, mas isso só é possível a partir da experiência do indivíduo e de sua
interação com o social e o cultural. Nesse sentido a Linguística Cognitiva é oposta à
tradição formalista, uma vez que, enquanto a Linguística Cognitiva toma a linguagem
como meio da relação epistemológica entre o sujeito e o objeto e procura saber
como é que ela contribui para o conhecimento de mundo, a Linguística Gerativa toma
a linguagem como objeto da relação epistemológica e quer saber como é que esse
conhecimento da linguagem é adquirido. Nas palavras de Silva,
a Linguística Cognitiva assume que fatores situacionais, biológicos, psicológicos, históricos e sócio-culturais são necessários e fundacionais na
31
caracterização da estrutura linguística, ao passo que a Linguística Gerativa os toma como secundários ou auxiliares. (ibid, p. 3)
Conforme Silva, a LC se desenvolveu em diferentes lugares e de diferentes
formas, graças, sobretudo, aos trabalhos dos norte-americanos George Lakoff,
Ronald Langacker e Leonard Talmy. Para esses e outros importantes teóricos, a
linguagem serve para categorizar o mundo e, por isso, o significado linguístico não
pode ser dissociado do conhecimento de mundo, ou seja, a linguagem é um meio de
interpretar, construir e organizar conhecimentos que refletem as necessidades, os
interesses e as experiências dos indivíduos e das culturas (ibid). Nesses princípios
assenta a própria posição filosófica e epistemológica do movimento cognitivo, que
Lakoff e Johnson (LAKOFF 1987, JOHNSON 1987, LAKOFF e JOHNSON 1999,
JOHNSON e LAKOFF 2002) caracterizam como sendo experiencialismo ou, em
versão mais recente, realismo corporizado ou encarnado. (ibid).
A Linguística Cognitiva possui algumas vertentes às quais determinados
teóricos se dedicam mais. Na investigação de estruturas conceituais que combinam
categorias individuais em modelos mentais coerentes destacam-se, por exemplo, a
teoria da metáfora conceitual, protagonizada, sobretudo, por George Lakoff (LAKOFF
e JOHNSON 1980, dentre outras obras), e a teoria dos espaços mentais e das
mesclagens conceituais de Gilles Faucounnier e Mark Turner (TURNER e
FAUCONNIER 2003).
Dentre esses importantes estudos temos a contribuição de Mark Turner
(1996, 2008) sobre a imaginação narrativa, que o mesmo considera o instrumento
fundamental do pensamento.
2.1 Narrativa: uma operação fundamental
Em The literary mind (1996), Turner nos mostra como projetamos algumas
estórias da nossa experiência em outras estórias para interpretarmos o mundo.
Temos a impressão de que interpretamos os signos com facilidade, entretanto, na
visão de Turner (1996, p. 6), essa facilidade com que os significados são construídos
32
é enganosa, pois, apesar de não sentirmos como se estivéssemos realizando
alguma ação, ao ouvir ou ler sobre o mundo em que estamos inseridos, por exemplo,
a compreensão dos signos percebidos por nós, ainda que automática, resulta da
combinação de diversos procedimentos e, como observa o autor, da utilização
inconsciente de vários conhecimentos.
Turner, sob uma perspectiva cognitivista, observa que os procedimentos da
narrativa não estão presentes apenas em textos literários, mas fazem parte da
cognição humana. A partir desse raciocínio, o autor considera, por exemplo, o
conceito de parábola e sugere que sua essência consiste de uma combinação
complexa entre duas das nossas formas básicas de conhecimento: estória e
projeção. Isso implica reconhecer e caracterizar a parábola, a projeção de uma
história sobre outra, como resultante inevitável da natureza do nosso sistema
conceitual. Identifica-se, assim, uma função importante para a imaginação narrativa
como atividade ordinária da vida humana: qual seja uma forma de olhar o futuro, de
prever, por exemplo, modos de atuação no mundo em que os indivíduos se inserem,
enfim, de planejar. Para Turner, essa capacidade é tão indispensável e fundamental
que, ele observa, o indivíduo não precisa esperar ser atingido para agir, quando
alguém toma um objeto para lhe atirar, tendo em vista o poder de previsão desse
princípio narrativo. Do mesmo modo, quando uma gota de água cai do telhado sobre
nossa cabeça, tentamos imaginar uma narrativa que explique esse evento.
Para Turner (1996, p. 106), conceitos básicos como aquele de “casa, por
exemplo, que parece estático, coeso e independente, são ilusórios, pois a palavra
“casa” ao ser produzida implica a construção de determinadas condições de acordo
com as quais serão ativadas, ligadas e projetadas determinadas configurações de
espaços, frames e modelos cognitivos. Isso pode ser percebido quando
consideramos que uma grande variedade de espaços é ativada para a palavra casa,
tais como: abrigo, segurança contra invasores, investimento financeiro, objetos, lugar
de encontros, entre outros. Qualquer uso da palavra casa para qualquer propósito
envolverá a construção de sentido como uma operação de integração seletiva sobre
33
essas várias estórias distribuídas, ou seja, diferentes espaços são ativados para a
mesma palavra em diferentes situações e espaços sociais e históricos.
A projeção mental que fazemos de diversas estórias a todo momento nos
previne de tomar certas decisões e nos impulsiona a tomar outras. Ainda que nada
do que prevíamos venha a acontecer no futuro, na medida em que a todo instante,
há a sobreposição de estórias entre si. Essa projeção obedece a uma organização
segundo a qual projeta-se uma estória, que, por ser a origem, chamamos de fonte,
em uma outra história que, por receber os efeitos da projeção para se constituir,
caracteriza-se como uma estória alvo (ibid, p.6), ressaltando-se que uma mesma
estória-fonte pode ser projetada em diferentes estórias-alvo. Em um de seus
exemplos, o conhecido provérbio Quando o gato sai, os ratos fazem a festa, Turner
mostra que a sua compreensão requer a projeção dessa narrativa, envolvendo os
personagens “gato” e “ratos” e suas ações “sair” fazer a “festa”, e uma outra
narrativa, cujos personagens seriam “chefes” e “subordinados” em uma outra
configuração, aquelas das relações humanas de trabalho. Como observado acima,
como narrativa fonte, essa história poder ser realizada em outras configurações que
envolvessem algum tipo de relação de controle ou de poder, como por exemplo
numa sala de aula ou numa situação de infidelidade conjugal. Famosas são as
parábolas bíblicas nas pregações de Jesus Cristo, cuja função consistia em fazer os
ouvintes projetarem as pequenas histórias narradas para organizar seu modo de
ação nas suas vidas e no seu mundo.
Turner conclui, sob essa perspectiva, que seria impossível interagir no meio-
ambiente, seja ele físico ou social, sem considerar essas habilidades imaginativas
extremamente sofisticadas, uma vez que a compreensão dos conceitos, como
proposto por ele, realiza-se como pacotes de significado. Ou seja, são atribuídos
rótulos, como por exemplo, casamento, nascimento, morte, força, eletricidade,
tempo, amanhã, a determinados eventos, buscando com isso assegurar estabilidade
aos significados produzidos. O conceito e o uso da parábola comprovam uma visão
diferente do significado como resultado de conexões entre mais de um espaço
mental. Assim, o significado não se caracteriza como um elemento em um depósito,
34
ao contrário, ele se define por sua natureza viva, ativa e dinâmica, distribuído e
construído para finalidades específicas de conhecimento e ação. O significado,
portanto, caracteriza-se como uma operação complexa de projeções, ligações,
mesclagens e integração de múltiplos espaços mentais. O sentido é parabólico e
literário (TURNER, 1996, p. 57).
2.2 As narrativas espaciais e os esquemas de imagem
Executamos, cotidianamente, pequenas estórias nomeadas por Turner de
estórias espaciais, e que, para ele, são as que melhor conhecemos. Quando
servimos uma xícara de café, quando uma criança atira uma pedra, ou quando uma
baleia nada, estórias espaciais estão sendo executadas. Elas constituem nosso
mundo e cada uma delas ocorre bilhões de vezes ao dia, mas não costumamos
pensar que essas sejam estórias interessantes, e, como objeto de investigação,
essas pequenas estórias espaciais podem parecer cansativas. Por isso Turner
coloca que
devemos adotar uma perspectiva científica para ver por que algo que nós já sabemos como fazer sem esforço ou atenção consciente pode apresentar um quebra-cabeça científico extremamente difícil e importante.
5 (ibid, p. 13)
As estórias espaciais são essenciais para nossa sobrevivência já que,
através delas, nós distinguimos uns objetos de outros, uns eventos dos outros e,
evidentemente, distinguimos objetos de eventos; isto é, nós os categorizamos. Nós
categorizamos um objeto como pertencente à categoria cadeira e reconhecemos o
que uma pessoa faz com a cadeira como pertencendo à categoria ato de sentar-se.
Ao reconhecer pequenas histórias espaciais, não estamos reconhecendo
apenas uma sequência de objetos específicos envolvidos em determinados eventos,
mas também uma cadeia de objetos que pertencem a categorias envolvidas em
eventos que, por sua vez, também pertencem a categorias específicas. Por exemplo,
5 No original: We must adopt a scientific perspective to see why something we already know how to do
without effort or conscious attention can pose an extremely difficult and important scientific puzzle.
35
garfo e faca pertencem à categoria talheres e o ato de servir um prato de comida
pertencem ao evento refeição, que, por outro lado, pode pertencer a uma categoria
mais ampla como, por exemplo, jantar ou almoço. Conforme Turner (1996, p.19)
exemplifica, toda vez que percebemos uma pessoa servindo um prato de comida,
tanto suas ações quanto aquilo que é servido serão em algum aspecto um pouco
diferentes, também nossas ações em resposta ao que é percebido serão diferentes.
Isto é, podemos presenciar esse evento e agir de diversas maneiras, podemos,
talvez, também nos servir de um prato de comida ou, quem sabe, comentar as ações
daquele que se serve diante de nós. Ainda que nosso comportamento diante do
evento percebido possa ser diferente, reconhecemos os objetos como sendo
essencialmente os mesmos; ou seja, como pertencentes à mesma categoria: pratos,
talheres, comida, refeição, nesse exemplo específico que estamos comentando.
Noutros termos, reconhecemos uma história geral: nossas experiências podem diferir
em detalhes, mas fazem sentido para nós por consistirem em um repertório de
pequenas estórias espaciais, repetidas inúmeras vezes durante nossa vida.
A forma como reconhecemos objetos, eventos e estórias tem a ver, em
parte, com o que Turner e outros teóricos, dentre eles Mark Johnson e Leonard
Talmy, chamam de esquemas de imagem, modelos básicos de percepção
construídos a partir de nossa experiência sensorial e motora. Consideremos, por
exemplo, o esquema de imagem recipiente, que, para Turner, contém três partes: um
exterior, um interior e uma parte limítrofe, que as separa. Nós experienciamos muitas
coisas como recipientes: uma casa, uma garrafa, sendo que duas coisas de maior
importância para nós que são experienciadas como recipientes são nossas cabeças
e nossos corpos.
Os esquemas de imagem surgem da percepção, mas também da interação,
ou seja, nós percebemos a água sendo derramada em um copo e interagimos com
ela quando é derramada no nosso corpo. Criamos, a partir dos esquemas de
imagem, uma base para ação, por sermos capazes de reconhecer um mesmo
esquema de imagem repetidas vezes, ou seja, por percebermos uma categoria
36
existente entre uma porta e outra, uma pedra e outra, uma ação de derramar um
líquido e outra.
Quando projetamos um conceito em outro os esquemas de imagem são
responsáveis por fazer grande parte do trabalho. Um exemplo disso é quando
projetamos espacialidade em temporalidade, ou seja, pensamos em tempo, que não
tem nenhuma forma espacial, como tendo uma forma linear ou circular. Da mesma
forma, quando pensamos em continuidade, extensão e completude do tempo,
estamos projetando esquemas de imagem de espaço no tempo. Segundo Turner
(ibid, p. 18) nossa capacidade de falar sobre conceitos abstratos se dá em grande
parte porque nós projetamos estrutura de esquema de imagem de um conceito
espacial em conceitos não-espaciais. Um exemplo disso é quando dizemos “a
vergonha o forçou a confessar”, ainda que nenhuma força física esteja envolvida.
2.3 Os espaços mentais e as mesclagens conceituais na formação de
narrativas projetadas
Espaços mentais, de acordo com os estudos de Gilles Fauconnier, são
pequenos conjuntos de memória de trabalho que construímos enquanto pensamos e
falamos. Nós os conectamos entre si e também os relacionamos a conhecimentos
mais estáveis (COSCARELLI, 2005, p.1). Para a Teoria dos Espaços Mentais,
postulada por Fauconnier (1994,1997), a compreensão se dá através da criação,
articulação e integração de espaços mentais, pois eles trazem representações
parciais de elementos e relações entre eles em um dado cenário que pode ser
percebido, compreendido, imaginado, lembrado, sonhado, etc.
Para Turner (1996), é espantoso que pensemos ter uma visão total de um
evento. Quando vemos uma criança sacudindo um chocalho, por exemplo, temos um
único ponto de vista de cada vez. Podemos focar no sorriso da criança, nas mãos,
no chocalho, nos ombros sacudindo. Nosso foco muda, mas sentimos que
continuamos a olhar a mesma história: a criança está brincando com o chocalho. Nós
somos capazes de unificar todas essas percepções, todos esses diferentes focos.
37
Todos os espaços mentais correspondentes aos diferentes focos terão uma criança,
um chocalho, o movimento do chocalho etc. Se passarmos para o outro lado do bebê
nossa experiência visual pode mudar consideravelmente, mas, ainda assim, o
espaço mental do novo ponto de vista terá um bebê, um ombro, uma mão, um
chocalho e o movimento do chocalho, e nós ligaremos esses elementos aos seus
correspondentes nos espaços de outros pontos de vista, permitindo-nos pensar em
diferentes pequenas estórias espaciais que vemos como uma estória, vista de
diferentes pontos de vista e com diferentes focos. Na imaginação, somos capazes,
ainda, de construir outros espaços que nós acreditamos ser um ponto de vista
distinto (p. 117), para qualquer estória, na medida em que podemos desdobrar essas
estórias em uma grande variedade de espaços mentais, dependendo das
perspectivas assumidas. Para a narrativa mais simples, como aquela do bebê
sacudindo o chocalho, podemos imaginar os espaços mentais da estória, sendo vista
espacialmente de cima, de um lado, do outro lado e assim por diante.
Além de mesclar diferentes espaços, integramos também diferentes
conceitos. Estudado por Gilles Fauconnier e Mark Turner (2003, 2008), entre outros,
o conceito de mesclagem e integração conceitual está, para esses autores, na raiz
do funcionamento cognitivo da mente e opera na prática cotidiana dos indivíduos,
definindo seu modo de pensar e constituindo a sua produção de sentido. Tanto o
produtor quanto o leitor de um texto realizam um complexo processo de mesclagem
e integração conceituais na organização e na busca de sentidos para esse texto.
Para Turner (1996), a mesclagem conceitual define-se como uma atividade
dinâmica que liga espaços input, projetando uma estrutura parcial dos espaços input
para um outro espaço, chamado “mescla”, resultando em um espaço mesclado
imaginário que está vinculado a essas entradas (inputs) que lhe deram origem. O
espaço mesclado produz conhecimento e, embora ligado ao espaço de entrada, não
é resultado da intersecção ou união das entradas, mas da projeção de determinados
aspectos de um domínio sobre outro. Não é uma maquete básica ou estática de
alguns elementos dos inputs, mas tem existência própria (TURNER, 1996, p. 83).
Uma mescla conta como uma unidade que pode ser manipulada eficientemente,
38
fornecendo acesso completo às estruturas input sem recorrer continuamente a eles.
Um espaço de mescla tem espaços input e há uma projeção dos espaços input para
a mescla. Vimos que diferentes espaços podem ser ligados pela estrutura que eles
partilham. Em particular vimos que a estrutura partilhada por dois espaços input,
contida em um espaço genérico que se refere aos dois, estabelece ligações
correspondentes entre os dois. (1996, p. 122)
Na verdade, a maior parte dos eventos mentais parecem envolver
mesclagem de um tipo ou de outro. Sempre que vemos alguma coisa como alguma
coisa, ou seja, um objeto como um objeto, um evento como um evento – quando
olhamos para a rua e vemos uma mulher entrando em um carro, por exemplo –
estamos mesclando nossa experiência sensorial (a experiência de ver) com uma
estrutura conceitual abstrata. Não que esses dois componentes possam ser
separados: a percepção de alguém entrando em um carro não aparece fragmentada,
com uma parte correspondendo à experiência visual e outra parte à ação específica.
A percepção e a concepção aparecem para nós como um todo, mas elas envolvem a
mesclagem (TURNER, 1996, p. 112).
Quando percebemos alguma coisa que sabemos ser parte de um todo maior
(parte de um evento, parte de uma pequena história, parte de uma melodia, etc)
estamos mesclando experiência de percepção com a memória daquele todo. E
sempre que categorizamos uma nova informação, nós estamos mesclando a nova
informação e a categoria estabelecida. Outro exemplo dado por Turner (1996, p.113)
é de um simples evento mental, como olhar para a rua e lembrar-se do carro
vermelho que ali passara ontem, que depende de uma mesclagem: a experiência de
percepção que se tem, hoje, da rua e a lembrança da experiência perceptual da rua
que se teve ontem. Esse é um exemplo da mesclagem de realidades que pertencem
a diferentes espaços temporais e que é parte do nosso entendimento diário.
Nos primeiros estudos, os teóricos explicavam que, para conectar dois
espaços, nós convocamos uma metáfora convencional, colocando os dois espaços
em uma relação fonte-alvo. A metáfora convencional foi também estudada por Lakoff
39
e Johnson (1980)6. Sendo tradicionalmente considerada uma figura de linguagem, as
teorias linguísticas não reservavam um lugar à metáfora no campo de seus estudos.
Com o advento dos trabalhos de Lakoff e Johnson abriram-se novos caminhos para
o estudo da metáfora. Essa reviravolta deveu-se à construção de um sistema de
metáforas convencionais que organizavam a percepção de mundo e, portanto, o
sistema conceitual dos falantes, possibilitando a organização da experiência
humana. Segundo Lakoff, há uma série de evidências que sustentam a existência
desse sistema convencional de metáforas conceituais. A partir disso, a metáfora
passou a ser vista como um modo de representação da realidade, podendo até
mesmo constituí-la, uma vez que diz respeito ao modo como os falantes conceituam
um domínio mental específico em termos do outro.
Como exemplifica Turner (1996, p.77), convocamos, por exemplo, a metáfora
convencional PESSOAS SÃO PLANTAS COM RESPEITO AO CICLO DE VIDA para
fundamentar expressões cotidianas como “Ele ainda é um brotinho”. Mais
recentemente Fauconnier e Turner, no texto Rethinking Metaphor (2008), fizeram
uma complementação aos seus trabalhos anteriores e à discussão feita por George
Lakoff e Mark Johnson (1980). Nesses termos, Fauconnier e Turner (2008), ao invés
de considerar apenas os dois espaços mentais de input (fonte e alvo), propõem uma
rede de integração que indicaria uma estrutura mais rica do que as meclagens
constituídas tradicionalmente aos pares em trabalhos anteriores, pois, segundo eles:
produtos conceptuais nunca representam o resultado de um único mapeamento. O que nós chamamos metáforas conceptuais, como TEMPO É DINHEIRO ou TEMPO É ESPAÇO, vem a ser construções mentais envolvendo muitos espaços e muitos mapeamentos em redes de integração elaborados, construídos por meio de princípios gerais universais. Essas redes de integração são muito mais ricas do que os feixes de ligações aos pares tratados em teorias recentes da metáfora (FAUCONNIER; TURNER, 2008, p. 2)
7.
6 LAKOFF, George and JOHNSON, Mark. Metaphors We Live By. University of Chicago Press,
1980.Traduzido em 2002 conforme se verifica nas referências bibliográficas. 7 Conceptual products are never the result of a single mapping. What we have come to call
"conceptual metaphors," like TIME IS MONEY or TIME IS SPACE, turn out to be mental constructions involving many spaces and many mappings in elaborate integration networks constructed by means of overarching general principles. These integration networks are far richer than the bundles of pairwise bindings considered in recent theories of metaphor.
40
Portanto, as redes de integração são criadas a partir de vários espaços input,
não são construídas às pressas nem são estruturas convencionais preexistentes, ao
contrário, trata-se de um processo dinâmico. Essas redes, que fundamentam o
pensamento e a ação, são sempre uma mistura. De um lado, as culturas constroem
essas redes ao longo do tempo e essas são transmitidas de geração em geração.
Por outro lado, novas redes são também criadas em contextos particulares. Essa
associação resulta em redes de integração compostas de partes convencionais e de
novos mapeamentos. A memória humana ativa simultaneamente diferentes inputs e
oferece conexões temporárias. Um exemplo de Coscarelli (2009) parece-nos
apresentar de forma esclarecedora essa questão. Para a autora, ao enunciarmos
“Nessa novela, o Tony Ramos se casa com a Vera Fischer”,
vamos lidar com a articulação de dois espaços mentais input (realidade (R) e novela (N)), que geram uma mescla (I) – e é nessa mescla ou integração de espaços que somos capazes de entender que são as personagens interpretadas por Tony Ramos e Vera Fischer que se casam, e não os atores, em sua vida pessoal. A expressão “nessa novela”, neste caso, é um construtor de espaços que ativa o espaço da novela e nos faz construir um terceiro em que o espaço da vida real e o da ficção se misturam. Esses espaços são a projeção de um espaço genérico – espaço conceitual que fornece uma base para a integração – em que a ideia de casamento é apresentada de modo geral. (COSCARELLI, 2009, p.184)
Como podemos observar no exemplo de Coscarelli (2009), portanto, quando
interpretamos um enunciado, ativamos diversos espaços. Em The Mind is an
autocatalytic Vortex (2008), Turner revê o texto de 1996, explicando que essa
integração entre espaços é ainda mais complexa do que podemos pensar:
Em The Literary Mind (1996), eu defendi que a mente moderna deriva da nossa extraordinária capacidade de colocar em ação um grupo de operações mentais básicas – estória, projeção, mesclagem e parábola. Essas operações formam um pacote, um grupo, um ciclone que se autoalimenta, um vórtice autocatalítico, um reator, uma heterarquia dinâmica
41
– escolha sua metáfora: elas trabalham juntas.8 (grifos do autor) (TURNER,
2008, p. 1)
Na revisão de 2008, Turner procura esclarecer possíveis mal entendidos que
podem ter surgido em The Literary Mind como a falsa impressão de que a
mesclagem é menos importante na cognição narrativa. Ao contrário, a cognição
narrativa não é possível sem a mesclagem conceitual. Para Turner, pensando na
evolução e no desenvolvimento humano, essa rede (que compõe as estórias)
formada por parábola, mesclagem e projeção antecede e é necessária para
atividades humanas específicas conhecidas por nós como, por exemplo, linguagem,
arte, música, matemática. Desse modo, a imaginação narrativa está constantemente
operando em nosso pensamento e as mesclagens conceituais são fundamentais
para o o seu funcionamento. As mesclagens, portanto, estão a serviço dessa
operação mental humana que é a produção de estórias no processo de organização
dos objetos percebidos no mundo no qual estamos inseridos para que esses objetos
possam ser reconhecidos e façam sentido.
2.4 Estórias, Tempo e Mente Humana
O tempo parece, para nós, algo linear, organizado por meio da sequência
passado, presente e futuro. Essa sensação de linearidade acontece porque,
obviamente, somos um só em cada um desses momentos e estamos em um só lugar
a cada momento considerado. Mas podemos dizer, de acordo com Turner (2008),
que nossa mente é a responsável por mesclar passado, presente e futuro, o que não
significa que somos apenas um nesses três momentos. A mescla contém apenas um
sujeito, enquanto os inputs de passado e futuro contêm sujeitos diversos, que podem
ser totalmente diferentes entre si.
8 No original: In The Literary Mind (1996), I argued that the modern mind derives from our remarkable
capacity to deploy a cohort of basic mental operations—story, projection, blending, and parable. These operations are a pack, a troupe, a selffeeding cyclone, an autocatalytic vortex, a breeder reactor, a dynamic heterarchy—choose your metaphor: they labor together. (grifos do autor)
42
Todas essas estruturas conceituais podem ser ativadas em uma cena
particular e, de alguma forma, uma identidade é percebida nas diferentes
representações que são dadas à percepção humana. Por exemplo, em uma
recordação do passado, para que essa lembrança seja daquele que recorda, é
preciso que, mesmo diferentes as pessoas, os objetos recordados permitam o
reconhecimento de alguma identidade com as pessoas, os objetos no presente da
recordação. O “eu” do presente tem que se reconhecer, por mais diferente que
esteja, no “eu” do passado para que sua percepção de si nos dois momentos,
passado e presente, faça sentido. Torna-se possível, assim, a capacidade de
reconhecer uma outra face de si em outro tempo, em outro espaço.
Do mesmo modo, quando alguém se olha no espelho e algo, como uma
roupa, um sorriso, um penteado, faz com que se lembre de um outro “eu” do
passado, podemos compreender a cena como um sujeito de anos anteriores sendo
reconhecido por esse “eu” que olha no espelho. Conforme Turner, a pessoa pode
falar, e sua voz, nessa pequena estória não se liga ao corpo falando, mas à pessoa
mais jovem, dizendo para a pessoa mais velha: ‘Você fez tudo certo’9 (2008, p. 12).
Ou a mesma voz pode se ligar conceitualmente à pessoa mais velha dizendo: Eu
falhei com você, não falhei? A pessoa, nesse momento, não está maluca. Ao
contrário, sua habilidade de abranger conceitualmente a rede de integração é um
sinal da capacidade humana para a cognição narrativa avançada. Desse modo,
quando recordamos a cena, estamos criando, na mescla, um sujeito antigo e
projetando ali capacidades e elementos do sujeito do presente. Consequentemente,
qualquer cognição narrativa envolvendo nosso “eu” anterior como agente, incluindo
qualquer cognição narrativa que produza uma narrativa contínua que alcance o
presente, depende de mesclagem de duplo escopo (ibid, p.13).
Outra situação em que podemos observar a mesclagem de narrativas
passadas com narrativas presentes ocorre ao realizarmos uma ação no presente que
parece ter um certo valor, mensurado na ação que se faz no presente, mas então,
9 No original: She may speak, and her voice may in the little story attach not to the body speaking but
to the younger person, saying to the older person, “you’ve done all right.”
43
uma ação diferente do passado vem à tona e parece haver uma analogia entre essas
duas ações, o que pode levar, por exemplo, o indivíduo a repensar a ação e o seu
valor no momento presente. Essa analogia resulta na compressão que traz uma nova
importância para a ação do presente. Essa também é uma ocorrência de projeção do
“eu” do presente em uma mescla que recebe input do passado.
Fauconnier e Turner (2002, p. 317) observam que, de um ponto de vista
objetivo de tempo e espaço, as atividades da memória humana são estranhas. Para
os autores, uma das hipóteses seria que memória e integração conceitual
desenvolveram-se para auxiliar uma a outra. Isso ocorre porque para fazer a
integração conceitual avançada, nós precisamos da habilidade de integrar e
comprimir inputs que são frequentemente muito diferentes e separados no tempo e
no espaço. Ainda que não possamos prever que inputs serão necessários para essa
integração conceitual, sabemos que inputs de muitas fontes precisam ser ativados
simultaneamente e ligados por relações vitais, ou seja relações necessárias para a
sua ativação, relações que garantam, enfim, sua existência.
Turner (2008, p.15) demonstra um outro fenômeno que resulta de uma
mesclagem do sujeito do presente e as memórias do sujeito do passado. Quando
estamos diante de uma situação análoga a uma situação vivida no passado, que
tenha tido uma carga emocional negativa, tudo indica que seja útil não ter que passar
por todas as decisões, avaliações e reações da nossa experiência atual. A nossa
memória parece ser capaz de evocar para o sujeito do presente uma reação análoga
à reação original e, quando os sujeitos são mesclados, e há a compressão desses
inputs, o resultado é uma indicação para o sujeito do presente de como reagir. Nesse
caso, a mesclagem do sujeito do presente com o do passado fornece sabedoria para
aquele. Para Turner, o sujeito do presente é um sujeito mais rico em cognição
narrativa pela sua mesclagem com o sujeito do passado.
Isso explica porque, muitas vezes, ouvimos no senso comum enunciados do
tipo Nós aprendemos com a experiência, ou Quanto mais se vive mais se aprende.
Não poderia ser diferente, tendo em vista que nossa mente armazena as
experiências vividas, que são integradas a novas experiências e provocam ou evitam
44
um resultado já conhecido. Interessante pensar também em um outro enunciado que
costumamos ouvir: Aprendemos com os erros dos outros, pois isso nos mostra nossa
capacidade mental de mesclar a narrativa do outro, a estória que aconteceu com o
outro, à nossa cognição narrativa, podendo avaliar que atitude tomar diante de uma
determinada situação vivenciada por outro indivíduo. Desse modo, se mesclarmos
uma narrativa alheia positiva à nossa imaginação narrativa, podemos prever um
possível resultado, baseando-nos no bom resultado que o outro alcançou.
A construção mental desse “eu futuro” é de alguma forma diferente da
construção mental do “eu passado”. Por, obviamente, ainda não ter ocorrido, é
inevitável que a estrutura conceitual mesclada no “eu futuro” recorra ao
conhecimento do passado e do presente, como acontece no exemplo dado por
Turner (2008, p. 16). Nesse exemplo, alguém se imagina sentado, daqui a um ano,
na casa em que mora hoje e em que já morava há alguns anos, mas essa cena
futura não é temporalmente marcada como situada no passado. O “eu futuro”,
portanto, reconhece-se no “eu passado”, à medida que não nos parece possível
imaginar esse reconhecimento, já que falamos em identidade, se o “eu futuro”
imaginado trouxesse um outro sistema de referência: por exemplo, emoções,
conhecimento, e pensamento distintos, quando o cérebro entra em um estado de
ativação correspondente ao que poderíamos chamar de um futuro imaginado
hipotético. Em outros termos, para o “eu futuro hipotético” fazer sentido para nós,
temos que projetar para ele nosso aparelho mental presente. Portanto, qualquer que
seja nosso futuro pensado, imaginado, esse futuro hipotético que estamos pensando
só se torna possível a partir da ativação de nosso sistema de referência –
conhecimento, emoções, pensamento – do indivíduo do presente. Como resultado
dessa habilidade do ser humano de colocar juntos passado, presente e futuro, surge
a capacidade humana para as diversas possibilidades de julgamento das situações
nas quais os indivíduos estão envolvidos. É desse modo que buscamos agir e
influenciar nossas escolhas presentes pensando nas consequências futuras.
Sabemos que, no estágio evolutivo em que nos encontramos, somente o que
está contido dentro das nossas cenas locais de tempo e espaço pode nos afetar e,
45
consequentemente, só a essas cenas podemos afetar. Para fazer boas escolhas no
presente em relação a situações futuras, precisamos acessar o sentimento que seria
provocado por aquelas situações. Afinal nós não estamos de fato vivenciando essas
situações, considerando que elas não estão no horizonte das nossas ações
possíveis, no universo presente no qual nos encontramos. Nesse sentido, ocorre a
possibilidade humana da mesclagem de duplo escopo, de acordo com a qual torna-
se possível trazer o futuro para o presente, ou seja, projetar a cognição incorporada
presente para operar no futuro e, assim, pensar agora, com o sentimento e as
condições do presente, sobre o futuro, e esses, sentimento e condições do presente,
serão projetados na mescla que contém o futuro.
Essa mesclagem do presente com o futuro também pode ser usada para
controlar o “eu” no presente a partir do momento em que, mesclar nossa cognição
presente com o “eu futuro”, pode ativar sentimentos acerca do que gostaríamos de
ter na situação presente (como comprar uma casa, ganhar na loteria, ter um filho
etc.), mas que achamos difícil de alcançar quando estamos imersos no presente. É
dessa forma que podemos sonhar com o futuro e, consequentemente, nos sentirmos
diferentes no presente.
Essa cognição narrativa sobre uma cena futura pode também gerar no
presente consequências que não gostaríamos, como quando nos imaginamos
perdendo alguém que amamos ou perdendo o emprego. Mesclar nossa cognição
incorporada presente com um “eu” futuro nessas situações desagradáveis pode ser
perturbador para nosso presente. Muitas vezes, para evitar o sentimento produzido
por essas preocupações, precisamos evitar a ativação dessas mesclagens. Sobre
essa questão, Turner observa que
os indivíduos e as culturas desenvolvem mecanismos para controlar as consequências dessa cognição narrativa avançada. Curiosamente, um desses mecanismos é o uso da linguagem – outro produto da mesclagem de duplo escopo – para criar expressões faladas e escritas – isto é,
46
determinadas estórias – cujo propósito é induzir o ouvinte para uma cognição narrativa preferida.
10 (ibid, p. 18)
Ou seja, a linguagem, como qualquer outro mecanismo simbólico, possibilita,
dada sua natureza significativa e referencial, que se possa tornar presente aquilo que
se encontra ausente. Pela linguagem, os indivíduos instituem os objetos no mundo,
independentemente de esses mesmos objetos poderem ser vistos ou manipulados.
10
No original: Human individuals and cultures develop mechanisms for managing the consequences of this advanced narrative cognition. Interestingly, one of those mechanisms is the use of language—another product of double-scope blending— to create spoken or written expressions—that is, particular stories—whose purpose is to prompt the audience to preferred narrative cognition.
47
CAPÍTULO III
ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO, COGNIÇÃO E PUBLICIDADE
Nesse capítulo, temos como objetivo apresentar um panorama do quadro
teórico da Análise Crítica do Discurso (ACD). Como ressaltamos, embora nossa
preocupação não tenha como foco analisar uma determinada prática discursiva sob
essa perspectiva teórica, temos assumido a importância da ACD como orientação
teórica, na medida em que compreendemos a linguagem como prática social e os
indivíduos como sujeitos situados histórica e culturalmente.
Desse modo, ainda que nossa atenção se volte para os processos cognitivos
na produção do sentido, entendemos que os indivíduos são sujeitos históricos e,
portanto, acreditamos ser necessário ter uma compreensão das práticas discursivas
nas quais os sentidos são produzidos. Seguindo essa linha de raciocínio,
apresentaremos algumas questões relacionadas à metodologia de abordagem das
publicidades e faremos uma breve descrição acerca das condições de produção da
publicidade na contemporaneidade.
Situados no quadro da ACD, portanto, assumimos uma concepção de
discurso na qual tomamos a linguagem como uma prática social e, como tal, em sua
relação dialética com o meio em que está inserida. O discurso, como fenômeno
determinado socialmente, também é visto como uma prática social, definida por sua
relação estreita com a sociedade, fazendo-se parte dela. Associamos a essa
perspectiva a ideia da linguagem como um processo, o que a situa em sua relação
com um tempo e um espaço históricos específicos.
Dessa relação entre discurso e prática social, concebemos as práticas
discursivas como processos sócio-cognitivos que requerem o acesso às várias
representações armazenadas na memória pelo falante seja na produção ou na
interpretação dos textos. Essas representações definem-se como protótipos de
experiências, linguísticas e sociais, vivenciadas e acumuladas pelo falante,
acessadas pelos membros de uma dada comunidade em suas práticas discursivas.
48
Essas práticas, por serem interdiscursivas e intertextuais, caracterizam-se por
estarem ideologicamente modeladas e socialmente determinadas pelas gerações de
falantes.
Fundamental para a ACD, portanto, no que diz respeito às relações entre
linguagem, poder e ideologia, é a compreensão de que as práticas discursivas são
limitadas por uma rede de convenções discursivas que, como observa Fairclough
(1994), definem-se como as ordens do discurso, um conceito adaptado de Foucault
(1971). As relações de poder existentes, portanto, são legitimadas direta ou
indiretamente pelas ideologias subjacentes às ordens do discurso. Define-se, assim,
o poder como uma forma de controle social em que se atua sobre as representações
de mundo, das práticas sociais e dos agentes envolvidos nessas práticas.
Para Van Dijk, há três questões fundamentais no que diz respeito às
relações entre discurso e poder: o acesso às formas discursivas, a política, a mídia; o
entendimento de que as ações estão sob o controle da mente, pressupondo que
controlar a mente do outro, seu modo de conhecimento, implica controlar as suas
ações; e, terceiro, o discurso, manifestado através dos textos, escritos ou orais,
como fator fundamental no controle da mente e, portanto, das ações que o locutor
quer obter, através da persuasão e da manipulação (Van Dijk, 1998).
3.1 O Papel da Representação na Análise Crítica de Discurso
A representação dos eventos e dos atores sociais assume grande
importância para a Análise Crítica do Discurso, tendo em vista que os modos de
representar refletem as relações de poder. Van Dijk (1998), por exemplo, considera
as representações como modo de controlar as ações e os comportamentos dos
indivíduos numa dada sociedade. Van Leeuwen (1995), por sua vez, caracteriza o
processo de representação como um modo de codificar as atitudes e as diferentes
interpretações dos eventos e dos atores sociais. O autor considera, portanto,
importante estar atento para o modo como as ações dos grupos são representadas
no discurso.
49
As escolhas na produção do texto, como Van Leeuwen (1995) observa, são
importantes, considerando-se que revelam o discurso que está atravessando o texto
que produzimos. O produtor do texto tem diante de si um sistema linguístico, cabe a
ele construir a sua representação do mundo e dos sujeitos sociais envolvidos através
da manipulação desse instrumental disponibilizado pelo sistema. Como Fairclough
adverte essas representações não são transparências, mas se definem como
versões da realidade e, como tais, estão sujeitas ao jogo de interesses, aos objetivos
e às posições sociais dos seus locutores.
Sob esse quadro teórico esboçado, estudaremos o modo como são
constituídas as práticas discursivas em um determinado domínio discursivo. Essa
parte do trabalho tem como objetivo examinar parte dessa construção das práticas
discursivas, mais especificamente, o funcionamento das estórias no discurso.
Através dos anúncios, pretendemos reconhecer o funcionamento das mesclagens de
estórias como procedimento de organização do discurso e no processo de
constituição de representações capazes de fazer valer as crenças ali presentes.
Desse modo, considerando que as representações mediadas pela linguagem
nas interações sociais não estão isentas do trabalho ideológico da linguagem,
entendemos que todos os processos constitutivos da produção textual escrita ou
falada podem ser objetos de investimento ideológico. Nessa perspectiva, buscamos
identificar o processo de constituição da publicidade, através de representações dos
produtos e dos consumidores, e propomo-nos a examinar o funcionamento
discursivo das mesclagens e projeções de estórias, como um procedimento que
possibilita uma representação de mundo e como tal assume uma grande importância
nos processos de constituição do sentido.
3.2 Mesclagem Conceitual, Narrativa e Análise Crítica do Discurso
Como modo de representar os domínios da experiência, as mesclagens de
narrativas interessam à Análise Crítica do Discurso, à medida que possibilitam o
50
desvelamento dos processos de representação da realidade por um dado locutor
quando da elaboração de seu texto. Através do exame das mesclagens conceituais e
das narrativas e de suas manifestações linguísticas vamos observar as condições de
produção dos discursos, as restrições impostas e o modo como a ideologia trabalha
a linguagem.
Uma das grandes questões postuladas pela Análise Crítica do Discurso diz
respeito à concepção da linguagem. Dentre as várias definições da linguagem, há
aquela que a compreende como transparente, estabelecendo uma relação direta
com o mundo. Esta concepção implica o entendimento de que a linguagem funciona
como um espelho que apenas reflete o real. Contudo, a realidade que lemos em um
texto, ou que ouvimos em uma fala resulta da construção de um sujeito histórico que,
através do trabalho com a linguagem, representa o mundo por meio das relações
que constrói, por meio das escolhas que opera no sistema linguístico. Para Van Dijk,
o discurso é forma de dominação, em que se controlam e se manipulam as
representações sociais ou modelos mentais das pessoas, e as ideologias
são modelos conceptuais básicos de cognição social, partilhados por membros de grupos sociais, constituídas por seleções relevantes de valores socioculturais e organizados segundo um esquema ideológico representativo da autodefinição do grupo. ( 1997:111 ).
Elas desempenham não apenas uma função social ao defender os
interesses de um determinado grupo, mas, sobretudo, elas cumprem a função social
de organizar as representações sociais (atitudes, conhecimentos) do grupo. Assim,
elas orientam, indiretamente, as práticas sociais relativas ao grupo e,
consequentemente, as produções escritas e orais do mesmo.
A partir disso, a grande questão que se coloca é o modo como as
mesclagens e as narrativas, através do discurso, determinam os valores
fundamentais de uma cultura, já que as estórias estão presentes não só na
linguagem, mas constituem nosso pensamento e nossa ação. Os conceitos que
governam nosso pensamento não são somente questões do intelecto. Eles
51
governam a nossa atividade e estruturam o que percebemos, a maneira como nos
comportamos no mundo e o modo como nos relacionamos com outras pessoas.
Sabendo que é difícil escapar à ideologia, é necessário observar que nos
discursos há sujeitos, que possuem um conjunto de crenças e que direcionam a sua
argumentação com vistas a defender os valores nos quais acreditam. Ao sujeito da
Análise do Discurso não devemos atribuir intencionalidade, visto que, ainda que ele
queira, não é capaz de controlar os sentidos produzidos pelo seu enunciado. Como
defende Van Dijk, há casos de Implicação, na qual os significados nem sempre são
expressos de maneira explícita. Algumas vezes podem estar implícitos a nível
semântico ou vir na sequência de outras expressões explícitas e seus significados.
Van Dijk completa:
Se ao exprimir o significado A, o enunciador quer também dizer B, os receptores apenas serão capazes de deduzir a implicação com base em inferências feitas a partir de um conhecimento – por eles partilhado a nível cultural – dos significados linguísticos ou, em termos mais gerais, com base no conhecimento que a todos é comum, incluindo um conhecimento do enunciador. (1997:139).
Pedro (1997, p.21) argumenta que na Análise Crítica do Discurso , encontra-
se um processo analítico que julga os seres humanos a partir da sua socialização, e
as subjetividades humanas e o uso linguístico como expressão de uma produção
realizada em contextos sociais e culturais, orientados por formas ideológicas, e
complementa que a tarefa da ACD é
a construção de um aparelho teórico integrado, a partir do qual seja possível desenvolver uma descrição, explicação, e interpretação dos modos como os discursos dominantes influenciam, indiretamente, o conhecimento, os saberes, as atitudes, a ideologia, socialmente partilhadas. Precisamos saber como é que as estruturas específicas de discurso determinam ou facilitam processos de formação de representações sociais. (p. 30).
De acordo com Van Djik (1997), embora as ideologias sejam sociais e
políticas e estejam relacionadas com grupos e estruturas societais, elas possuem
também uma dimensão cognitiva. Em termos intuitivos, incorporam objetos mentais,
52
tais como ideias, pensamentos, crenças, apreciações e valores (p.107). Desse modo,
investigaremos, através das narrativas e das mesclagens conceituais, a constituição
das relações de poder e a tentativa de repassar crenças, as quais o locutor deseja
que sejam fixadas, construindo assim a representação dos eventos e dos sujeitos
envolvidos. De acordo com Van Leeuwen (1997), fazemos uma representação da
prática social que serve para legitimar (ou não) valores. Essas representações são
controladas pelas crenças de determinados grupos que têm acesso ao discurso. E,
como coloca Van Dijk (1998) essas representações se processam no discurso e
através dele pelas ideologias.
Van Dijk (1993, apud PEDRO 1997) afirma que um dos objetivos da ACD é o
de analisar e revelar o papel do discurso na (re)produção da dominação. Essa
dominação é entendida como o exercício do poder social que resulta em
desigualdade social, onde está incluída, além de outras, a desigualdade política.
Especialmente, os analistas críticos do discurso querem saber quais as estruturas,
estratégias ou outras propriedades de texto, falado ou escrito, da interação verbal, ou
dos acontecimentos comunicativos em geral, que desempenham um papel nestes
modos de reprodução. (PEDRO, 1997, p.25)
Sabemos que a ACD e as teorias da linguística cognitiva possuem objetivos e
métodos diferenciados, no entanto acreditamos que há pontos nessas duas
abordagens que podem se complementar. Os conceitos de discurso, cognição e
cultura aparecem nas duas teorias, porém, enquanto a ACD toca no conceito de
cognição, mas não o aprofunda, as teorias cognitivas não direcionam sua
preocupação para a prática discursiva. Quanto ao termo cultura, observamos que é
uma preocupação das duas teorias. E para reforçar essa importância da cultura e do
sentido que o sujeito dá a sua experiência destacamos também os estudos da
psicologia narrativa.
Nessa relação entre os diferentes campos teóricos, procuramos relacionar
processos mentais a processos socioculturais de representação. As mesclagens
conceituais e as narrativas projetadas sendo processos cognitivos funcionam
discursivamente no processo de produção e interpretação discursiva. Portanto
53
através do discurso temos acesso ao processamento cognitivo e num processo
inverso, o discurso só acontece através do processamento cognitivo. E, temos como
elemento de ligação entre esses diferentes conceitos, a linguagem, elemento básico
desde a cognição até as dimensões culturais.
3.3 Análise Crítica do Discurso - Procedimento de Análise dos Textos
Como observamos no decorrer deste trabalho, nossa preocupação não diz
respeito ao estudo da publicidade em si, mas procuramos, a partir de uma
concepção do processo cognitivo, compreender o papel da cultura nos processos
cognitivos de processamento do sentido. Para essa compreensão, tomamos algumas
peças publicitárias como objeto, com o objetivo de acompanhar o funcionamento das
pequenas narrativas, no sentido de Turner (1996). Neste trabalho, estamos cientes
das limitações acerca das conclusões obtidas, tendo em vista que se trata de um
estudo de caso, que funciona como uma análise de um micro universo representativo
de uma totalidade. Segundo Becker (1994, p.117),
o termo ‘estudo de caso’ vem de uma tradição de pesquisa médica e psicológica, onde se refere a uma análise detalhada em um caso individual que explica a dinâmica e a patologia de uma doença dada; o método supõe que se pode adquirir conhecimento do fenômeno adequadamente a partir da exploração intensa de um único caso. Adaptado da tradição médica, o estudo de caso tornou-se uma das principais modalidades de análise das Ciências Sociais.
Acreditamos, portanto, como postulado por Becker, acima, que as peças
publicitárias analisadas ajudam-nos a compreender um pouco mais acerca da
proposição teórica de Turner de que a mente humana opera com pequenas
narrativas para o processamento dos sentidos, mas também um pouco mais sobre o
papel da cultura na cognição. Desse modo, ao tratar de cinco peças publicitárias,
podemos compreender um pouco mais acerca da complexidade e da dinâmica do
processamento cognitivo, na medida em que, no nosso entendimento, os objetos
apresentados nos anúncios descrevem pequenas narrativas que possibilitam nossa
54
cognição do texto. Entendemos ainda que a partir da análise desses textos podemos
estender as conclusões, generalizando-as, ressalvadas, evidentemente, as
particularidades de cada objeto e, por conseguinte, as especificidades de suas
narrativas.
Nessa linha de raciocínio, optamos por organizar o próximo capítulo com um
tratamento diferenciado a cada texto tomado para análise, pretendendo,
primeiramente não sermos repetitivos, pois, como observamos, o funcionamento das
pequenas narrativas não difere, a não ser na particularidade de cada objeto presente
no texto publicitário. Desse modo, se o primeiro anúncio apresentando toma como
objeto um liquidificador, compreende-se que sua narrativa decorre do funcionamento
ou do lugar que nossa mente atribui ao liquidificador, o que implica que o mesmo
ocorre com os demais objetos presentes nos outros anúncios examinados. No
tratamento do último anúncio, no entanto, faremos uma análise mais detalhada,
objetivando organizar nossa conclusão em conformidade com o objetivo proposto.
A análise desses anúncios, portanto, tem como objetivo compreender o
funcionamento do processamento cognitivo envolvido na compreensão dos textos,
tomando como foco a operacionalidade das narrativas e da integração conceitual
como mecanismos responsáveis pela organização do discurso e seu papel na
representação dos sujeitos e dos eventos sociais.
Para a análise dos textos publicitários, foram respeitadas duas das três
dimensões da ADTO – Análise do Discurso Textualmente Orientada definidas em
Fairclough (2001, p.101): mais especificamente, atentamos para a natureza textual e
social do discurso. Faz-se necessário, no entanto, observar, primeiro, que essas
duas dimensões não foram descritas de forma destacada, porque acreditamos que
essa tridimensionalidade presente nos textos e nos discursos, conforme proposto
pelo autor, pretende refletir a natureza desses objetos que são, textuais, pertencem a
uma ordem discursiva e, portanto, constituem-se a partir de uma determinada prática
discursiva e, por fim, são objetos empíricos situados no tempo e no espaço.
Segundo, nossa opção por não tratar da dimensão da prática discursiva, por mais
que possa parecer contraditório, implica em uma opção necessária para que se
55
possa garantir coerência ao trabalho proposto. De acordo com o modo como
compreendermos a dimensão da prática discursiva, teríamos duas opções:
considerar, como o fazemos, que toda peça publicitária faz parte de uma
determinada prática discursiva e, por outro lado, dada a natureza de nosso trabalho,
não estamos discutindo essa prática discursiva, mas, como já observado,
examinando algumas peças para a compreensão do processamento cognitivo
envolvido na sua produção de sentido.
Em nossa abordagem, portanto, focamos intencionalmente a dimensão
textual, tendo em vista nossa preocupação central no presente trabalho de
compreender, a partir da materialidade do texto publicitário o seu funcionamento. Há
que ressaltar que nosso acesso à compreensão do processamento cognitivo só se
torna possível se consideramos aquilo que podemos perceber: a materialidade
textual e gráfica das peças publicitárias. É a partir da percepção visual, nesse caso
específico, que podemos pensar a possibilidade de compreender o modo como o
sentido é processado cognitivamente. A dimensão da prática discursiva implicaria, no
nosso entender, situar essas peças sob análise no âmbito da produção publicitária, o
que, se de um lado não é o objetivo inicialmente proposto; de outro lado, requereria
uma abordagem mais discursiva e, portanto, um novo trabalho cujo foco seria a
produção discursiva da publicidade, o que, reiteramos, foge aos nossos objetivos.
Por fim, a dimensão social, parece-nos relevante sua consideração, tendo em vista
que nos propomos atentar para o papel do social no processo cognitivo.
Num primeiro momento do trabalho, o que se refere à descrição, faremos uma
análise das mesclagens conceituais e das estórias projetadas, conforme nos
mostram Turner (1996) e Fauconnier e Turner (2003). Identificaremos as mesclagens
e projeções de estórias utilizadas na produção dos textos para que possamos
compreender o seu funcionamento no discurso e o modo como a reprodução de
determinados valores, ou de um determinado sistema de crença faz parte do
processo de produção do sentido que se institui nos textos sob análise. Nesse
sentido, pontos de vista particulares acerca dos objetos que constituíram os
56
ativadores das pequenas histórias e das mesclagens conceituais assumem
importância para o processo de compreensão e interpretação dos textos publicitários.
De uma perspectiva da Análise Crítica do Discurso e, consequentemente, sob
uma concepção do discurso como prática social, esse sistema de crença que
organiza o modo de interpretar esses textos, também organiza o modo como os
indivíduos devem processar os discursos que eles recebem/percebem. Nessa
perspectiva, podemos retomar Van Dijk (1998) quando observa que as
representações possibilitam o controle das ações e dos comportamentos dos
sujeitos, na medida em que, sob esse sistema de crenças, os indivíduos percebem
os constituintes materiais de, por exemplo, uma peça publicitária, e é sob esse
sistema de crenças, portanto, que eles selecionam os elementos que vão assumir
importância no processo de integração social. Desse modo, ao descrever as
mesclagens conceituais e as narrativas, entendemos ser possível examinar o seu
funcionamento na produção e reprodução de crenças. Mas é importante reafirmar o
aspecto dialético dessa relação: por um lado, a determinação desses valores
possibilitará compreender o seu funcionamento no discurso e, por conseguinte, a
produção e reprodução da ideologia e das relações de poder que estão em jogo
nessas representações; por outro lado, é sob esses sistemas de valores que se
organizam o modo de percepção do mundo e, portanto, o processamento cognitivo
das mesclagens conceituais e, em consequência, das narrativas
Nessa compreensão, conseguimos pensar o foco nas duas categorias da
tridimensionalidade, proposta no quadro da Análise Crítica do Discurso: a dimensão
textual, na qual nos concentraremos no funcionamento das pequenas histórias,
narrativas que podem ser apreendidas pela percepção dos elementos que
constituem a peça publicitária; a dimensão social, cujo objetivo consiste em situar o
discurso como parte de um processo social e, logo, como uma prática social
determinada historicamente.
Na confluência dessas duas dimensões, esperamos responder a questão
fundamental desse trabalho: aquela que diz respeito às relações entre a experiência
humana, concebida como cultura, e o processamento cognitivo, responsáveis pelo
57
processamento do sentido nos discursos analisados. Há que se reconhecer o caráter
social, histórico e cultural, portanto, contingente dos saberes que os indivíduos em
comunidade ativam para produzir sentido e, portanto, a natureza dinâmica dos
processos cognitivos. Por fim, gostaríamos de ressaltar que a ACD orienta o trabalho
que desenvolvemos, na medida em que presumimos o papel da cultura e da
ideologia no processamento cognitivo. Em The Literary Mind (1996), Turner não trata
dessa questão, mas compreende que o processo cognitivo requer o reconhecimento
de que a mente humana conta com pequenas estórias dos objetos percebidos para
que possa processar o sentido. A presunção de que cultura e ideologia influenciam
os processos cognitivos resultam da compreensão de que somos sujeitos histórico e
culturalmente situados. Embora não seja nosso objetivo descrever as etapas de uma
análise discursiva, como proposto, a ACD perpassa o trabalho e principalmente a
análise que desenvolvemos.
Nas seções seguintes, procuraremos localizar os textos publicitários como
objetos empíricos e culturais, resultantes da prática social e de práticas discursivas,
vinculadas a momentos históricos específicos.
3.4 Mídia, cultura e publicidade – uma visão panorâmica
Nosso objeto para esse estudo é produto de uma época em que muito se
discute a respeito do tema indústria cultural e da sua relação com conceitos como
globalização, cultura de massa e outros. Antes de tratar do termo cultura de massa é
importante discutir sobre o termo cultura e sua relação íntima com a questão da
identidade, conceito que Jean-Pierre Warnier (2003) prefere chamar de identificação,
pois para o autor
a cultura e a identificação têm um papel importante, ao propor repertórios de ação e de representação, prontos para serem usados, permitindo que os atores ajam segundo as normas do grupo (p.19).
Os indivíduos recebem várias influências culturais e estão a todo tempo
agregando ou recusando, ainda que inconscientemente, valores e crenças dentro de
58
seus grupos. Essas influências vêm através de diversas fontes incluindo os produtos
que as indústrias, seja de bens de consumo, seja de produtos culturais, colocam
como essenciais para a vida do consumidor.
Warnier advoga que as trocas culturais sempre existiram, mas que as
revoluções industriais sucessivas dotaram os países chamados de ‘desenvolvidos’
de máquinas para fabricar produtos culturais e de meios de difusão de grande
potência (ibid, p. 26). A consequência desse fenômeno, segundo Warnier, é que
esses países, que detêm maior controle da indústria cultural, repassam ao mundo
todos os elementos de sua ou de outras culturas.
Refletindo sobre a recepção dos consumidores dessa cultura de massa
poder-se-ia pensar que são consumidores passivos que aceitam toda forma de
cultura que lhes é apresentada. No entanto, John B. Thompson (1998) defende a
idéia de que o termo “massa” pode enganar, pois sugere que os destinatários dos
produtos da mídia se compõem de um vasto número de passivos e indiferenciados
indivíduos. Ao contrário, segundo Thompson,
devemos abandonar a idéia de que os destinatários dos produtos da mídia são espectadores passivos cujos sentidos foram permanentemente embotados pela contínua recepção de mensagens similares. Devemos também descartar a suposição de que a recepção em si mesma seja um processo sem problemas, acrítico, e que os produtos são absorvidos pelos indivíduos como uma esponja absorve água. (THOMPSON, 1998, p. 31)
Para ele, essa suposição não leva em conta as maneiras complexas de
recepção, interpretação e incorporação dos produtos da mídia pelos indivíduos.
Dessa forma podemos pensar que os indivíduos estão a todo tempo em um processo
de escolha de valores. Assim, ao aceitar produtos que são típicos de determinada
cultura, estamos fazendo uma escolha que poderia ser diferente. O quer que seja o
produto que consumimos, estamos também adquirindo valores agregados a esse
produto. Ao comprar um fast food, por exemplo, estamos adotando, em partes, um
estilo de vida seguido por determinadas culturas. Mas poderíamos optar por um outro
produto, nesse caso, por um alimento mais saudável tendo em vista que muitos
indivíduos preferem seguir um modelo oriental de alimentação, como mais alimentos
59
frescos e chás. Portanto, ao optar por consumir um fast food, estamos agregando à
nossa cultura valores culturais de determinados grupos que não estão tão
preocupados com a questão da saúde, da alimentação. Ou mesmo que estão, sim,
preocupados, mas que consideram normais certos hábitos e que não estão
envolvidos por hábitos diferentes. Afinal, não podemos negar, obviamente, que os
produtos de diferentes culturas nem sempre estão acessíveis de forma igual aos
consumidores. Ainda que optemos por uma alimentação mais saudável, os meios de
comunicação insistem em encher nossos olhos com hambúrgueres, cookies, chips,
cup cakes e outros. Dessa forma é que pode se dar a manipulação. Isso acontece
porque um número pequeno de indústrias de mídia controlam o mercado, como
expõe Dênis de Moraes em O capital da mídia na lógica da globalização11,
considero alarmante o fato de convivermos com uma abundância de dados, sons e imagens que se originam, em grande parte, de fontes de enunciação e emissão controladas por um número mínimo de corporações - as mesmas que se movimentam livremente pela Terra, sem prestar contas a ninguém, exceto a seus acionistas. A industrialização dos bens simbólicos obedece, assim, às injunções mercadológicas e às conveniências políticas e econômicas dos titãs.
Esse fenômeno acontece, segundo Moraes, por falta do estabelecimento de políticas
públicas de comunicação, que regulem e fiscalizem as indústrias. Venício Lima
(2004) dá o nome de oligopolização para esse processo, que acontece por vários
fatores: a) o rádio e a televisão continuam regidos por um código do início da década
de 1960 e constituem um sistema organizado em torno de poucas redes sobre as
quais não existe nenhuma regulamentação legal; b) não há normas ou restrições
legais para a “afiliação” de emissoras de radiodifusão (p.96-97) Esses e outros
fatores contribuem para a concentração da propriedade das comunicações no Brasil.
Dessa concentração observa-se um fato que Lima, e também Ben Bagdikian (1993),
lembram ser comum no vocabulário do mundo corporativo: a ‘sinergia”. De acordo
com Bagdikian, a sinergia, na mídia de massa, descreve como um meio de
comunicação pode ser usado para promover a mesma idéia, produto, celebridade ou
11
Disponível em http://www.lainsignia.org/2001/diciembre/cul_056htm. Acesso em 13/08/2009.
60
político em outro meio de comunicação, ambos pertencentes à mesma corporação
(ibid, p. 285). Como resultado da sinergia, segundo Bagdikian, temos uma série de
circuitos fechados, preconceituosos contra talentos e informações independentes.
Enrique Sánchez Ruiz (2000) também trata desse fenômeno. Para ele, a alta
concentração em poucas empresas da produção e circulação, junto com a
disparidade nos fluxos e intercâmbios internacionais de produtos cuturais, limitam a
diversidade e a pluralidade das manifestações culturais. E, retomando um ponto
discutido acima, Sánchez afirma que os bens e serviços da indústria cultural são,
além de mercadorias, propostas de definição sobre quem somos [...] (p. 26).
Levando em conta essa questão da representação discutida em Warnier e
em Sanchez podemos pensar que é preciso ter um olhar mais crítico em relação aos
conteúdos simbólicos dos produtos culturais tendo em vista a questão da sinergia e o
domínio mercadológico de um número muito pequeno de empresas. Isso não é
motivo para termos uma visão alarmante e dizer que todos os produtos da indústria
cultural são ruins, mas sim motivo para refletirmos sobre aquilo que não é mostrado,
procurarmos produtos diversos e, ainda, questionarmos a falta dos mesmos no
mercado. Se há um produto para ser consumido, parece evidente que tudo que se
diz sobre esse produto visa a convencer o possível consumidor.
Nessa perspectiva, Abellán (2004) estabelece algumas características do
discurso publicitário e uma delas é que a ação comunicativa é unilateral. Não há
interação entre o produtor do anúncio e o receptor, de forma que a única referência
que o produtor tem sobre a qualidade da sua comunicação é o resultado nas vendas.
Outra característica dessa situação comunicativa é que os membros do
departamento de criação são profissionais, que não esperam uma resposta
linguística, a meta final de todo anúncio é provocar uma reação no receptor. Na
maioria das vezes essa reação resulta no Desejo que leva a uma Ação, uma
compra.12 (Abellán, p. 246) (grifos do autor). Ou seja, o próprio ato de comprar já é
12
No original: The final goal of all advertising is to provoke a reaction on the audience. In most cases this reaction results in the Desire that leads to an Action, a purchase.
61
um narrativa bem conhecida por nós. O indivíduo parte de um estado a partir do qual,
motivado pelo desejo, chega a outro estado, a aquisição do produto.
Os slogans – frases curtas, fáceis de serem lembradas – realçam os
conceitos positivos do produto anunciado. Conforme afirma Abellán,
a mensagem deve ser lembrada maior tempo possível pelo grupo alvo para o anúncio ser efetivo. Para isso, a maioria das técnicas de publicidade contam com slogans eficazes, que, juntamente com uma logo que chama a atenção, garante que a mensagem, a ideia e a marca serão lembrados.
13
(Abellán p. 249)
De acordo com Pamela Odih (2007, p. 8), uma das primeiras tentativas de
formular um exame científico sistemático de publicidade foi feito pelo Professor
Walter Dill Scott em sua obra The Psychology of Advertising (1908). Scott tratou da
abordagem razão-porquê que permeou a prática publicitária no início do século XX.
A abordagem razão-porquê tentou motivar o comportamento do consumidor através
da construção de um argumento fundamentado para justificar a compra de uma
mercadoria14. O penetrante apelo da publicidade razão-porquê, foi em grande parte
uma consequência dos imperativos de anunciantes nacionais para gerar demandas
para uma matriz crescente de novas mercadorias (LEISS et al., 1990 apud ODITH,
2007). A maior quantidade e variedade de produtos resultaram na necessidade de os
fabricantes distinguirem seus produtos através da diferenciação da marca. Neste
modelo de comercialização, os fabricantes procuravam não só atrair os
consumidores, mas também comunicar a marca da empresa. Em resposta, os
anúncios assumiram um estilo persuasivo.
No início do século XX, portanto, taxas desenfreadas de produção tinham
acelerado a circulação de bens aos consumidores. O acesso a mercados de massa
foi um imperativo de publicidade e não havia espaço para diferenças complexas na
13
No original: The message must be remembered as long as possible by the target group for the advertisement to be effective. In order to do so, most advertising techniques rely on effective slogans, which together with an eye-catching logo guarantee that the message, the idea and the brand name will be remembered. 14
No original: The reason-why approach attempted to motivate consumer behaviour by constructing a reasoned argument to justify the purchase of a commodity.
62
localização de indivíduos em tempo e espaço. Anunciantes tinham que atrair a
atenção dos consumidores, despertar o desejo e transformá-los em instâncias de
compra. Além disso, eles tiveram que executar essas tarefas de forma a apelar para
um mercado de massa de centenas de milhares (POPE, 1983 apud ODIH, 2007, p.
9). A fim de alcançar esta tarefa os anunciantes precisavam familiarizar-se com o
comportamento dos consumidores. Mesmo na privacidade do lar, os consumidores
tinham de ser concebidos como operando de acordo com determinados fatores
dentro de um fluxo previsível e calculável de tempo. A abordagem razão-porquê
forneceu um meio de mapear a subjetividade do consumidor de acordo com a
precisão do relógio da máquina produtiva. O imediatismo tomou conta das pessoas e
gerou novos padrões de consumo. Além disso os ciclos de vida dos produtos estão
cada vez mais curtos, e nós, por consequência, tornamo-nos vítimas da escassez do
tempo e do excesso de tecnologia.
Segundo Odih (ibid, p.10–11) as teorias de Sigmund Freud sobre o ego (a
base da consciência) e o ID (a base do subconsciente) enfatizam a importância de
motivações simbólicas e inconscientes para a formação da subjetividade. A psique
humana envolve uma luta constante para equilibrar o desejo de gratificação imediata
com a necessidade de apreender as convenções sociais e aderir à ordem normativa.
Este modelo freudiano foi desenvolvido por cientistas comportamentais, de modo a
formular as ligações entre a psique humana e o comportamento observado. O
comportamento humano foi visto como um resultado de esforços inconscientes de
controlar impulsos interiores e instintos motivados por emoções, desejo sexual e
ansiedade. A publicidade prontamente adotou esse desenvolvimento no discurso
psicodinâmico e aplicou no cerne do comportamento do consumidor. Nesse sentido
os indivíduos se diferenciariam um do outro na base da natureza inconsciente da
personalidade e motivação. Munidos com um conjunto de aparelhos psicodinâmicos,
profissionais de propaganda tentaram penetrar o mundo interior de fantasia e
processos dinâmicos do consumidor.
No entanto, como afirma Miller e Rose,
63
ao invés de manipular os consumidores, como foi o medo de oficiais do governo, anunciantes "mobilizaram" consumidores para explorar as conexões entre os bens de consumo e a estruturação da experiência no tempo.
15 (1997, apud ODIH, 2007, p. 11)
Assim, os especialistas em publicidade estavam cientes das críticas contra a
lavagem cerebral, por isso pregaram que as escolhas do consumidor estavam
ditando a atividade econômica (POPE, 1983, apud ODIH, 2007, p. 11). Alegaram
persuadir ao invés de obrigar os consumidores e proclamaram ser esta a “alternativa
democrática para o autoritarismo" (ibid.). Os consumidores eram vistos como um
complexo conjunto de traços impulsivos e irracionais, menos inclinados a
manipulação do que à persuasão. O uso de sequências de sonhos e apelos à
desejos suprimidos ou reprimidos eram características indicativas da psicodinâmica
estética de publicidade. Nesta era de prática publicitária, o consumidor é seduzido
para se concentrar menos em informações racionais sobre o produto e mais nos
sentimentos evocados por suas memórias lembradas (BRAUN et al, 2002, apud
ODIH, 2007, p.11)16. Desse modo, memórias autobiográficas podem ser
espontaneamente ativadas dentro do contexto de uma mensagem publicitária. Isso
indica como as tecnologias de publicidade são produtivas de novos tipos de relações
que os seres humanos podem ter com eles e com os outros por meio de bens.
Conforme Odih (2007, p. 12-13), durante a década de 1960, a prática
publicitária expandiu-se rapidamente com as condições multimídias da cultura de
consumo. Os meios eletrônicos trouxeram novos recursos de persuasão muito
superiores às imagens estáticas do texto impresso. Som e movimento muito
acrescentaram aos aspectos de exibição de publicidade. Incentivados pelo
crescimento da cultura visual, os anunciantes introduziram diálogos em suas
campanhas. A televisão permite que a publicidade de produtos seja tecida em
vinhetas da vida cotidiana fornecendo uma maneira acessível de encenar a
15
No original: Rather than manipulating consumers, as was the fear of government officials, advertisers ‘mobilized’ consumers to explore connections between commodities and the structuring of experience in time. 16
No original: the consumer is enticed to focus less on rational product information and more on the
feelings evoked by their recollected memories.
64
demonstração de produtos, bem como permitir aos anunciantes recorrer a uma vasta
gama de sistemas de referência cultural (LEISS et al., 1990 apud ODIH, 2007, p.13-
14).
Com o aumento da competição proveniente da globalização vê-se que, por
vezes, até mesmo a própria tradição é preservada com o intuito de ser
comercializada. O resultado disto tem sido a desreferencialização, o
desenvolvimento desigual no interior de uma economia globalizada, a fragmentação
e a insegurança, afinal o capitalismo global acentua o novo, o transitório, o fugaz. O
capitalismo assume uma preocupação maior com a produção de signos e imagens
do que com a produção da mercadoria em si. E a imagem tem o poder de transmitir
diversos conceitos e idéias como qualidade, credibilidade, confiança,
respeitabilidade, status, inovação e prestígio.
No próximo capítulo, faremos, enfim, a análise dos dados, tomando como
orientação as discussões apresentadas nesse capítulo, bem como nos capítulos
anteriores, objetivando observar o funcionamento do processamento cognitivo e
examinar a influência de alguns aspectos culturais e ideológicos na cognição dos
sentidos produzidos. Realçaremos, ainda, a importância da narrativa para a
organização dos objetos na percepção cognitiva e na produção do sentido.
65
Capítulo IV
PEQUENAS NARRATIVAS: COGNIÇÃO E CULTURA
ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS – UM ESTUDO DE CASO
Antes de passar para análise, gostaríamos de fazer algumas considerações
acerca da discussão exposta nessa seção no que se refere à relação entre cultura e
identidade. Parece importante no quadro que estamos trabalhando compreender que
os repertórios de ações previstas, observados por Warnier (2003), fazem parte das
pequenas narrativas que se constroem ao colocarem as imagens de objetos em um
determinado texto publicitário. Diante da percepção desses objetos, os sujeitos
atuam conforme percebem o mundo que lhes é apresentado pelas imagens que
constituem a prática discursiva do texto publicitário.
Nesse sentido, os produtos culturais que rodeiam os indivíduos partilham
essas pequenas estórias, uma vez que se constituem dos objetos que compõem a
sua percepção de mundo. Mas, como observa Turner, essa percepção ocorre na
medida em que a mente, por ser literária, (re)constitui uma estória que organiza e faz
sentido desses objetos para o sujeito que percebe. Para nós, a compreensão dos
objetos culturais se torna possível porque construímos as pequenas estórias que
fazem sentido dessas percepções, o que faz com que os valores agregados ao
consumir determinado produto e não outro resultam do modo como esses produtos
reproduzem ou contestam os valores que constituem os lugares de onde
construímos essas estórias.
4.1 As narrativas nos anúncios
O primeiro anúncio foi retirado da revista Veja, edição 2194, de 04 de
dezembro de 201017, cuja versão impressa é do dia 08/12. Neste anúncio,
percebemos a imagem de um conjunto de objetos dentro de um outro objeto maior.
17
Disponível em: http://www.veja.abril.com.br/acervodigital/
66
Reconhecemos o liquidificador, como um container, e vários outros objetos dentro
desse espaço delimitado. A pequena estória que a mente constrói é aquela que
recupera a função do liquidificador, de acordo com a qual esse objeto tritura vários
outros, liquefaz, torna líquido os elementos que são colocados dentro dele.
Diante dessa pequena narrativa que faz com que o objeto que percebemos
faça sentido para nós podemos observar um liquidificador repleto de ipods, e o
enunciado: Agora o Sonora misturou tudo o que você sempre quis: muita música,
música grátis e música para ouvir onde quiser. Percebemos neste anúncio dois
espaços input. O primeiro é o espaço do funcionamento de um eletro portátil, o
liquidificador. No segundo temos o espaço da Internet, mais especificamente do
canal Sonora do site Terra. E, finalmente, temos um espaço de mescla que nos
possibilita a complexa interpretação do anúncio. No espaço de mescla nós temos
propriedades do espaço input 1 que, projetadas no espaço input 2, formam o espaço
de mescla. Se compreendemos o que é um liquidificador, o movimento que ele faz e
o resultado desse movimento, estamos cientes de uma pequena narrativa, a qual
Turner chama, como vimos anteriormente, de narrativa espacial. Assim, no anúncio,
somos levados a reconhecer o que somos capazes de fazer no site, misturando
diferentes sons em diferentes aparelhos, através de uma narrativa mais familiar.
67
O espaço do liquidificador projeta para o espaço do website propriedades
como a de ter dentro vários ingredientes, fazer um movimento de mistura desses
ingredientes, o que pode (ou não) resultar em uma mistura que agrada mais. Uma
visita ao site comprova essas propriedades, pois vemos que o usuário pode
compartilhar músicas por e-mail e montar coleções de músicas favoritas. Além de
ouvir online, o usuário pode baixar todas as músicas que quiser para ouvir em um
aparelho portátil: ipods, ipads, celulares, etc. No plano sonora plus, o usuário tem
acesso ilimitado, vinte e quatro horas por dia. É possível também marcar as músicas
que ele não gosta, assim elas deixam de tocar. Isso nos lembra uma outra
propriedade do liquidificador: quando misturamos um ingrediente que não combina
com os outros, isto é, quando a mistura não fica saborosa, nós deixamos de colocá-
lo nas próximas vezes. Ou seja, a compreensão do que acontece com um
liquidificador é projetada no espaço virtual para que o usuário compreenda as
funções disponíveis no site.
É importante, no entanto, perceber que essa compreensão descrita
acima só se torna possível quando se considera as outras pequenas estórias que
envolvem os objetos dentro do liquidificador. É evidente que, se dentro do aparelho
estivessem frutas ou legumes, o resultado que teríamos seria outro, na medida em
que a narrativa que se constituiria estaria relacionada com esses objetos. Assim, a
estória do liquidificador complementa-se com as pequenas estórias dos outros
objetos eletrônicos que estão dentro do aparelho. A mente humana teve que
construir a estória da mistura para contar a estória da “sonora” e fazer sentido desse
novo objeto que está sendo apresentado pelo anúncio ao sujeito.
Na mesclagem, portanto, nós projetamos estrutura parcial das
narrativas de input e a compomos em uma narrativa mesclada. Somos guiados a
fazê-lo através de ligações correspondentes entre os espaços input. Por exemplo,
podemos dizer que nesta mesclagem os vários ingredientes no liquidificador são
correspondentes aos variados tipos de aparelhos para captar música que podem ser
encontradas no site que, por sua vez, correspondem aos ingredientes comumente
pertencentes à estória original do liquidificador. O domínio fonte, liquidificador, traz
68
em seu bojo elementos que nesse domínio seriam alimentos a serem triturados e
liquefeitos, fazendo uma mistura que poderiam culminar em uma vitamina ou em
uma massa de bolo. Observem que aquilo que narramos acerca do domínio fonte é a
estória do liquidificador, bem como de seus ingredientes.
Esse domínio fonte, liquidificador com sua pequena estória, que faz recuperar
seus ingredientes, e o resultado dessa sua mistura, projeta um domínio alvo, um
outro liquidificador, com os ingredientes que pertencem a esse domínio alvo, os
aparelhos dentro do liquidificador. Esses pequenos aparelhos dentro do liquidificador
fazem sentido para nós, porque contam sua estória como aparelhos que nos
permitem ouvir música em qualquer lugar a qualquer hora. Dentro do liquidificador,
esses ingredientes, ao serem triturados, metaforicamente, transformam-se numa
mistura, resultado do processo de liquefação, no site “sonora”.
Apesar de parecer simples, a interpretação desses anúncios, portanto,
constitui uma operação complexa, porque somente entendemos o espaço mescla
pelo fato de que já existem gravados em nossa memória diferentes espaços mentais
que são ativados. Essa compreensão imediata e automática se torna possível,
porque somos capazes de construir as pequenas estórias dos objetos envolvidos no
texto publicitário. Ninguém olha essa imagem de um liquidificador cheio de aparelhos
e pensa, por exemplo, no resultado de uma vitamina ou de uma massa de bolo, mas
compreende o processo de mistura, compreende a mudança de estado de um objeto
em outro: as frutas, por exemplo, em vitamina, no caso da estória original; os
aparelhos, com sua estória de serem transmissores de música, em um site de
música. Essa mudança de estado caracteriza a narrativa. De fato, nesse anúncio,
vários espaços se conectam, não apenas dois espaços input. Várias pequenas
narrativas são ativadas no momento da compreensão, mas esse procedimento
cognitivo é automático.
Também podemos pensar, a partir dessa análise, que aspectos culturais são
privilegiados? Se pensarmos no papel dos elementos do anúncio: o liquificador, os
ipods, o site terra, basta considerar que somos indivíduos que vivem em uma
sociedade tecnológica. Conforme Odih (2007, p. 9-10), o surgimento de indústrias
69
oligopolistas, produzindo bens diferenciados, aumentou a popularidade de um
modelo de publicidade baseada em identificar as características distintivas de um
produto e promover a sua superioridade: da mobilidade dos pequenos aparelhos
ipod, enquanto captadores e transmissores móveis de música, para a mobilidade da
internet.
A abordagem publicitária razão-porquê promoveu uma técnica operacional
para estimular o desejo pelo produto: assim, antes os avanços tecnológicos
permitiram a produção de equipamentos domésticos que economizavam o trabalho,
à medida que reduziam a quantidade de tempo necessário para completar uma
tarefa doméstica. Na contemporaneidade esses avanços tecnológicos rompem as
fronteiras domésticas, e ouvir músicas pelo rádio, foi trocado por ouvir o que quiser
quantas vezes quiser. Os toca-discos de vinil, os gravadores e suas fitas cassetes
deram lugar aos ipods, que possibilitam-nos ouvir músicas em qualquer lugar. A
internet aumentou essa mobilidade e novamente a narrativa se constitui em ouvir o
quiser, quando quiser, em qualquer lugar, sem o custo físico de carregar um
determinado objeto e com uma oferta ilimitável de produtos.
No início do século XX, o lar tornou-se um local privilegiado para o consumo
individual de bens produzidos em massa. Odith (2007) destaca que, para Andrejevic
(2003), cada família serviu como depósito para um conjunto particular de aparelhos
que deslocaram ou substituíram formas de consumo coletivo: o automóvel deslocou
o bonde, o rádio substituiu os concertos, o cinema foi substituído pela TV etc. A
demarcação física do espaço privado, promovido pela pequena unidade familiar,
possibilitou a tradução de produção em massa de aparelhos domésticos em
dispositivos que prometiam aumentar o uso do tempo de um indivíduo. É somente
nesse sentido que as correlações podem ser feitas entre economia de tempo e
comportamento do consumidor. No início do século XX, as campanhas publicitárias
se basearam fortemente nos temas de economia de trabalho de bens de consumo.
Esse modo particular de ser dos objetos-aparelhos domésticos, bem como seu
consumo privado, faz parte da pequena narrativa de cada objeto em particular que,
nós, enquanto sujeitos que percebem os objetos no mundo, devemos ser capazes de
70
reconstruir para que esses objetos sejam organizados e façam sentido para nós.
Assim, a possibilidade de projeção ativada pela mesclagem conceitual só se torna
efetiva, porque somos capazes de recontar essas estórias e projetá-las em outras
estórias para constituir novas narrativas. Nesse sentido, a observação que temos
tomado como princípio organizador desse trabalho de que a mente é literária, de que
ela precisa da estórias, de contar estórias para fazer sentido dos objetos no mundo.
Assim oferecer um produto como se ele fosse o responsável por transformar a
vida do consumidor é contar essa narrativa dos objetos no mundo em que devem ser
percebidos. Isso tornou-se comum na era da indústria cultural, expressão utilizada
pela primeira vez em 1947, por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer. A indústria
cultural cria os bens e, concomitantemente, cria nos indivíduos a necessidade
desses bens, de forma que esse produto seja oferecido como o único capaz de
trazer para o consumidor a felicidade plena. Essas crenças, que são consumidas
juntamente com os produtos, são também narrativas partilhadas na nossa sociedade.
São estórias que vamos construindo e adaptando a cada época. László confirma a
importância dessas narrativas ao citar Schank e Abelson:
Schank e Abelson não só afirmam que ‘nós e nossa audiência partilhamos nossas memórias pelas estórias que contamos’, mas também se apressam em acrescentar que as estórias interpretam o mundo, e nós podemos ver o mundo apenas como é permitido por nossas estórias.
18 (LÁSZLÓ, 2008, p.
8).
E ainda complementam que nossas estórias não são meramente nossas
próprias estórias mentais ou verbais. A experiência comum em uma cultura toma sua
forma em estórias partilhadas ou estruturas narrativas. Toda sociedade tem suas
próprias “estórias historicamente cristalizadas” e embora os indivíduos as vejam de
diferentes formas e criem diferentes estórias a partir das mesmas experiências, a
cultura informa a todos os membros quais são as estruturas narrativas possíveis
(LÁSZLÓ, 2008, p. 8).
18
No original: Schank and Abelson do not simply state that ‘we and our audience shape our memories by the stories we tell’, but they hasten to add that stories interpret the world, and we can see the world only as is allowed by our stories.
71
Podemos observar, ainda, o enunciado na parte superior esquerda do
anúncio: A pirataria ganhou um concorrente de peso. Esse enunciado intriga porque
a ideia de concorrência parece igualar os concorrentes. Aqueles que concorrem a
alguma coisa estão, a princípio, igualmente aptos a realizarem uma mesma tarefa.
Essa parece ter sido a intencionalidade do enunciado: mostrar que o usuário teria
acesso a tantas músicas quanto se fosse pirateá-las. No entanto, a escolha desse
enunciado traz a palavra “pirataria” que, devido à pequena estória vinculada a essa
atividade, ativa personagens e ações e produz um sentido negativo; por outro lado,
devido a nossa experiência de mundo, sabemos que essa estória de piratas é
projetada sobre pessoas e ações que se tornaram possíveis com o acontecimento da
internet. Dessa forma, se a estória original acionava indivíduos fora da lei que
roubavam as cargas de navios em tempos remotos, hoje, há indivíduos cujas ações
se identificam com aquelas, na medida em que essas pessoas se apropriam de
cargas que pertencem a outros, a partir das tecnologias de reprodução, bem como
devido a mobilidades dos dados facilitados pela internet. As pequenas estórias
envolvendo a pirataria falam de: pessoas, cargas e transmissores de cargas, os
navios. Estes componentes são projetados para pessoas, cargas, que seriam os
dados, e transmissores, que são a internet e os aparelhos capazes de capturar esses
dados e gravá-los. Nesse sentido, se a pirataria como ação possibilitava a posse e a
armazenagem de dados sem o pagamento pelo devido serviço, por isso, o nome
pirataria, por retomar a estória que contamos acima O site “sonora” permite essa
mesma gratuidade dos dados, como também a mobilidade dos aparelhos usados
para a reprodução e armazenagem dos dados, para que se possa acessá-los no
lugar e momento que se quiser.
Extraído da edição 2195, de 15 de dezembro de 2010, o segundo anúncio
apresenta-nos três objetos: uma imagem que se assemelha a uma tira branca de
sandália, uma tesoura de costura e um pé de sandália havaiana, preto, na qual se lê
a marca da sandália.
72
Cada um desses objetos nos conta uma estória. A tira sem marca, branca,
conta a estória de um objeto sem cor e, ao mesmo tempo, sem uma identidade. Não
sabemos pela imagem dessa tira qual o seu funcionamento, ou como ela deve ser
organizada para fazer sentido para o indivíduo que a percebe. Nesse sentido, o
objeto branco que se assemelha a uma tira de sandália conta uma estória de um
objeto sem valor, que o sujeito que percebe tem dificuldade de identificar. Sua forma
é o que nos conta a estória de que esse objeto se assemelha a uma tira de sandália.
A tesoura, por sua vez, possui uma estória conhecida, feita para cortar e, por a
percebermos como uma “tesoura de costura” atribuímos-lhe uma estória vinculada à
moda, à possibilidade de criação de um objeto de uso. Por fim, a sandália preta, com
tiras pretas, uma cor definida, uma forma definida, narra a estória de um objeto
completo e pronto para o uso. A sequência com que esses objetos aparecem
também pode nos parecer importante para uma possibilidade de construção de uma
estória necessária para a compreensão do texto publicitário sob análise.
Aliado a esses objetos, colocados em uma dada sentença, temos um
elemento verbal que chama a atenção nesse anúncio, mais especificamente, o
enunciado O peito do pé do Pedro é fashion. A ordem e o ritmo desse enunciado
provoca no observador desse texto a lembrança de um outro enunciado, uma
intertextualidade, portanto, com um texto bem conhecido na nossa cultura: O peito do
73
pé do Pedro é preto. Esse enunciado conta-nos a estória de um trava-línguas, um
tipo de texto muito usado como brincadeira e até mesmo nos processos de
alfabetização de crianças. Muitas pessoas, portanto, brincam com esse tipo de texto
– os trava-línguas – desde muito cedo. Ao percebermos essas estórias dos
elementos que formam o texto publicitário que analisamos, podemos compreender a
estratégica que o enunciador utiliza para a construção de seu texto.
Isso só se torna possível sob uma compreensão de que a mente humana é
literária, no sentido de que ela constrói pequenas narrativas dos objetos do mundo
organizando-os para que façam sentido, mas também devido ao fato de que, como
observa Oatley (1992 apud LÁSZLÓ, p. 9) ao falar da literatura, quando lemos uma
estória, não só podemos compreender o tempo e lugar de ações, mas também
podemos imaginar a cena e o protagonista. Essa reconstrução do sentido, da estória
que os objetos contam parece ser aquilo que faz com que Turner assegure o caráter
literário da mente humana, sua capacidade de preencher lacunas, para fazer surgir
uma estória que assegure o sentido daquilo que percebemos no mundo.
Disso segue que, quando lemos que a esposa de um personagem morreu,
somos capazes de associar a esse fato descrito um estado de tristeza e um
comportamento específico que nos permite compreender que ele está de luto por ela,
como também somos apanhados pelo sentimento de luto. Segundo Lásló, Jerome
Bruner (1986) associa esse envolvimento do leitor com a capacidade de estabelecer
elos entre os estados mentais das personagens em evento narrado por meio de um
procedimento que ele chama de perspectivização (perspectivization). Para Vygotsky
(1971), segundo Lásló, essa habilidade de envolver o leitor é utilizado de forma mais
eficaz na literatura, pois a literatura captura emoções inconscientes, flutuantes e
indefinidas nas relações sociais e, portanto, pode ser considerada como a “técnica
social de lidar com as emoções ". Os autores, no entanto, observam que essa
capacidade da narrativa não se limita às narrativas literárias, ela é igualmente válida
para a vida real dos grupos sociais quando realizam atividades conjuntas e veem
suas próprias ações como experiência.
74
Podemos dizer, portanto, que essa capacidade de envolver o destinatário se
aplica aos textos publicitários e, mais ainda, aplicam-se também às pequenas
estórias acerca dos objetos do mundo que se apresentam à nossa percepção.
Assim, o enunciado, que chamamos de uma pequena narrativa, prende-nos a
atenção e pode até despertar emoções para algum interlocutor, dependendo da
experiência vivenciada enquanto sujeito histórico. Sob essa perspectiva, podemos
considerar que várias pequenas estórias, além da estória desse enunciado, podem
ser contadas, como vimos, pelos objetos presentes no texto publicitário que estamos
considerando. Ao olhar para a imagem, reparamos em um tecido preto que foi
recortado para a confecção da tira (correia) da sandália. Esse processamento de
sentido só se torna possível, como vimos, devido à sequência com que os objetos
aparecem na imagem o que nos permite processar esse anúncio por retomar o
espaço mental da fabricação do chinelo.
Percebemos uma transposição que pode nos dizer alguma coisa a respeito
do contexto cultural. É como se tivéssemos dois momentos: o antes e o depois da
marca Havaianas. E podemos subentender que antes do corte o peito do pé do
Pedro era preto, conforme a estória do trava-línguas nos conta, mas depois do corte
e da confecção, com a adição da marca Havaianas, o peito do pé do Pedro ficou
fashion. Desse modo, a peça publicitária institui uma nova estória, de acordo com a
qual se percebe a transposição de uma avaliação positiva para a marca, havaianas,
para um procedimento de fabricação que conta a estória da transformação do peito
do pé do Pedro era preto para peito do pé de Pedro ficou fashion. A palavra “fashion”
precedida do verbo “ficar” no passado, manifestando uma ação concluída, afirma a
transformação promovida e a nova narrativa instituída.
Nesse trava-língua que se transforma nessa nova narrativa, há a estória do
preconceito caracterizada por uma desqualificação da cor preta, quando vinculada ao
pé de Pedro, mas ao mesmo tempo a valorização da cor quando vinculada à tira e à
sandália havaianas. Essas duas estórias que se constroem podem nos remeter a
fatores socioculturais, na medida em que o mundo da moda valoriza a cor preta.
75
Desse modo, pode-se dizer que a cor preta do peito do pé de Pedro ficou fashion
com a adição da marca, do nome, com a definição de uma identidade.
Conforme defende Odih (2007, p.183), nota-se que os anunciantes chegam à
vida cultural do consumidor pela expropriação dos significados simbólicos dos
eventos e reformando esses significados culturais associando-os aos produtos.
Como vimos, essa expropriação opera a partir das pequenas narrativas que são
apreendidas pelo sujeito quando observa os objetos percebidos no mundo, no caso
das práticas discursivas que estamos analisando, quando os sujeitos observam as
imagens que representam os objetos do mundo, bem como o modo como essas
imagens/objetos estão organizadas no texto que está sob leitura.
O anúncio, a seguir, faz parte da edição 2196, de 22 de dezembro de 2010.
Esse anúncio apresenta duas imagens que representam objetos no mundo do
observador: um cartão de crédito e um desenho de um avião tripulado por um
indivíduo. Há ainda a presença da logo do companhia GOL e do programa Smiles,
bem como de textos e gráficos.
Podemos observar, pela imagem, a mesclagem de dois espaços input: de
um lado, um espaço, o domínio fonte, que se refere ao cartão de crédito, cuja
pequena narrativa refere-se ao espaço das compras e do consumo: usamos o cartão
de crédito para comprar e consumir produtos. A imagem invertida do cartão de
crédito apresenta-nos a projeção de duas estórias que se cruzam: a tarja preta é
76
pista que autoriza a compra e o consumo, quando passamos o cartão na máquina.
Tracejada com pontos em branco, essa imagem representa um novo objeto e
constrói uma nova estória, a pista de partida, de onde sai um avião pilotado. A
imagem do cartão de crédito, portanto, dessa perspectiva, com a tarja magnética
tracejada conta uma outra estória como pista de pouso e decolagem, narrando a
estória das viagens, o que institui um novo espaço de input, aquele das viagens
aéreas. Essa estória narrada a partir da tarja tracejada institui os personagens que
fazem parte da narrativa: o avião e o piloto. Nesse espaço de mescla, gerado a partir
das estórias contadas, os objetos se juntam e se organizam para gerar o sentido
desejado. Essa mesclagem é tão “poderosa” que, dependendo do contexto cultural
em que vive o leitor/interlocutor, são desnecessários os enunciados que
acompanham as imagens para a compreensão do sentido, da estória que se conta.
Como nos lembra Turner (2008, p. 16-18), podemos mesclar passado,
presente e futuro na nossa mente. A mesclagem do presente com o futuro também
pode ser usada para controlar o “eu”, suas ações, suas estórias no presente a partir
do momento em que se mescla a cognição no presente com um “eu” projetado em
um certo momento desejado no futuro. Isso pode ativar sentimentos que gostaríamos
de ter na situação presente, mas que são difíceis de serem alcançados quando
estamos imersos no presente. Se, dessa forma, podemos sonhar com o futuro e,
consequentemente, sentirmo-nos diferentes no presente, ao processarmos os
anúncios, nossa mente se encarrega do trabalho de fazer com que nos imaginemos
em uma realidade futura na qual já tenhamos adquirido aquele determinado produto.
O que nos parece interessante considerar aqui é que estamos falando de estórias
narradas a partir do momento em que o anúncio interpela os indivíduos e os colocam
representados na imagem que narram a estória da viagem. No anúncio acima,
fazemos instantaneamente essa mesclagem ao olharmos para a imagem, pois
podemos imaginar a nós mesmos dentro de um avião e fazendo uma viagem dos
sonhos a partir das estórias que os objetos presentes no anúncio acionam.
Esse anúncio interpela todos os interlocutores a partir da estória do cartão de
crédito, enquanto objeto de destaque, ao narrar a estória de consumo dos indivíduos
77
por meio do enunciado em destaque “Fez compras de fim de ano?”. Uma outra
narrativa que podemos perceber nesse anúncio, e que interpela o interlocutor, está
relacionada com a narrativa sobre a infância, pois observamos que a aeronave em
questão é, na verdade, um brinquedo, não é uma foto de aeronave verdadeira. Isso
parece remeter ao contexto da brincadeira, da diversão, e da alegria. Estas,
geralmente mais presentes na infância, são trazidas para o contexto da publicidade
para reforçar o que o consumidor/sujeito é capaz de ter ao ser persuadido pelo
anúncio. Esse poder de persuasão, no entanto, só é eficaz sob a organização e a
produção de sentidos gerados a partir das pequenas narrativas dos objetos do
mundo, representados na peça publicitária.
O quarto anúncio, mostrado a seguir, publicado na edição 2197, de 29 de
dezembro de 2010 apresenta vários objetos, mas coloca em destaque uma mulher
sob um temporal carregando uma sacola plástica e o enunciado em caixa alta “THE
END”. Há ainda imagens de um lampião, de fitas de vídeo e enunciados que estão
direcionando a leitura do texto publicitário. Cada um desses objetos e seu modo de
organização permite-nos construir mentalmente suas estórias. O lampião, por
exemplo, narra a estória de que a mulher se encontra na rua, a posição do corpo da
personagem narra sua caminhada e a sacola em suas mãos indica que ela leva
algum objeto. A expressão em inglês “the end”, em caixa alta, traz em nossa
memória os finais de filmes americanos, e as fitas de vídeo nos fazem lembrar a
tarefa de devolver os filmes alugados, uma tarefa tornada mais difícil pela presença
da escuridão, que remete para a noite, e do temporal, narrado pelos pontos em
branco caindo em diagonal. A expressão “the end” narra o fim dessa estória que se
conta a partir da apresentação dos diversos objetos percebidos no texto em exame.
78
Coerente com o que Turner (1996) diz sobre a presença constante das
estórias na nossa vida, MacIntyre (1981 apud LÁSZLÓ, 2008) advoga que, para
identificar e compreender com sucesso o que alguém está fazendo, nós sempre
situamos um episódio específico no contexto de um conjunto de narrativas:
narrativas que falam tanto dos indivíduos, quanto do ambiente no qual eles agem.
Isso deixa claro que as ações dos outros são inteligíveis porque a ação em si tem um
caráter fundamentalmente histórico. É porque todos nós vivemos de narrativas, e
porque entendemos nossas próprias vidas em termos dessas estórias, que essa
forma de organizar o mundo dos objetos e torná-los sensíveis é apropriada para a
compreensão das ações dos outros. As estórias são vividas antes de serem
contadas – exceto no caso da ficção19 (ibid, p. 37). A partir dessas ideias podemos
compreender o modo como o locutor procurou atingir seu objetivo, usando uma
narrativa bem conhecida por muitos: aquela que conta a estória de um indivíduo que
precisa sair de casa por algum motivo debaixo de um temporal. No caso da
publicidade que estamos analisando, a mulher sai para devolver os filmes alugados.
E o locutor usa nessa situação uma mescla com o espaço que nos remete mais uma
vez aos filmes, o enunciado The end. Comum nos finais de filme esse enunciado,
mesclado com a situação mostrada pela imagem, produz o sentido que o locutor
19
No original: Stories are lived before they are told – except in the case of fiction.
79
deseja: o fim da dificuldade em sair de casa, enfrentar mau tempo (e, muitas vezes,
outros problemas) para entregar os filmes. A imagem nos mostra a estória de uma
mulher angustiada, esse estado de espírito é narrado por sua expressão facial, que
caminha para entregar os objetos que estão dentro da sacola. Nosso conhecimento
cultural reconhece esse objeto em suas mãos: a sacola com que se conduzia os
filmes alugados, aliados com a sombra das fitas dentro da sacola. Além disso, como
já observamos, um ambiente escuro contribui para o cenário de dificuldade e
angústia.
Como afirmamos anteriormente, de acordo com Turner (2008), através da
nossa cognição narrativa, a capacidade da nossa mente de mesclar passado,
presente e futuro em um só “eu”, nós podemos imaginar um “eu” futuro, hipotético, e
projetar para ele nosso aparelho mental presente. Imaginamos esse futuro, mas
ativando nossa emoção do aqui e agora. Desse modo, enquanto sujeito que observa
esse anúncio, nós fazemos essas mesclagens e, ao interpretar esse anúncio, nós
nos projetamos para um futuro supostamente melhor, no qual não precisaremos sair
do conforto de casa, sob um temporal, à noite, para entregar um filme.
Mas valores culturais, representados nas estórias narradas pelos objetos,
muitas vezes passam despercebidos. Onde, quando e por quem foi definido que sair
de casa é ruim? Ou que andar debaixo de chuva, no escuro, para entregar um filme
é desagradável? Essas crenças foram-nos transferidas culturalmente a partir das
experiências de nosso corpo sob essas condições. Assim, o desconforto e a
sensação desagradável de sair de casa sob chuva constitui-se como um conceito
produzido a partir da experiência que sentimos ao ter o corpo e as roupas molhadas,
o frio e a dificuldade de andar, e os pés molhados. Além disso, o caminhar a noite
deriva desse mesmo desconforto diante da dificuldade de enxergar os obstáculos e
diante do medo de não se ver onde se pisa, nem onde se anda. Elas parecem ativar
na nossa mente uma metáfora, segundo a teoria de Lakoff e Johnson (2002), comum
no nosso meio cultural: ESCURO É RUIM. São essas experiências corpóreas que
produzem esse desconforto e constroem esse conceito de que é ruim sair de casa à
noite e sob chuva. Pode-se considerar, além disso, o sentido de segurança ausente
80
quando se caminha sem enxergar e quando se está em um lugar aberto. A
experiência de um corpo que está sujeito ao tempo e aos perigos define o conceito
de que ficar em casa é seguro e ficar em segurança é bom, pois nosso corpo não
corre risco de sofrer danos: o instinto de proteção dos corpos constrói essa narrativa
da segurança.
Desse modo, não ter que sair à noite, sob chuva, submetendo o corpo aos
perigos, às dificuldades, conta a estória do conforto de ficar em casa e, com o
acesso à internet, poder contar com os serviços online, como os filmes, músicas e
outros. O anúncio reforça, pois, esse estilo de vida moderno. Observemos que a
narrativa que se conta desse serviço online, enquanto objeto da contemporaneidade,
situa os corpos em uma dada situação em que os corpos se sentem inseguros e
estão sujeitos aos perigos, seja do frio que a chuva impõe aos corpos vestidos com
roupas molhadas e as dificuldades de andar com a roupa grudada no corpo, seja o
perigo diante da impossibilidade de enxergar o caminho que percorre. Portanto, uma
pequena narrativa de grande importância é aquela contada pelo evento “noite de
chuva”, esse evento e sua narrativa fazem o sentido do texto publicitário que
estamos considerando. Outros objetos e eventos teriam de ser organizados e outras
estórias deveriam ser contadas caso o evento organizador da narrativa fosse a ida a
uma locadora para entregar as fitas de vídeo por uma pessoa em um dia de sol. Há
ainda que se considerar o lugar da personagem, como uma figura feminina e não
masculina, há nessa narrativa de gênero um outro dizer ideológico cultural do modo
de organização dos objetos nesse texto.
Por fim, gostaríamos de atentar para um último anúncio, abaixo, publicado na
edição 2193 do dia primeiro de dezembro de 2010, que apresenta a imagem de uma
mulher segurando um celular. Podemos atentar, nesse anúncio, para o foco dado
aos objetos a serem percebidos: uma mulher, um aparelho de celular segurado entre
dois dedos, uma lágrima que escorre dos olhos.
81
Se fatiarmos a imagem, podemos observar a primeira estória que se narra
entre a mulher, seus olhos e a lágrima que escorre. Nesse caso, conta-se a estória
de uma emoção/comoção, percebida de imediato pelo processo cognitivo que
associa os três objetos percebidos: o rosto da mulher, os olhos e a lágrima. Ao
relacionar os olhos e a lágrima com o rosto de uma mulher, essa pequena estória
narrada por esses objetos institue-se a partir de um determinado universo cultural, de
acordo com o qual a emoção/comoção está vinculada à mulher e não ao homem.
Essa lágrima que corre narra o choro, um comportamento culturalmente vedado aos
homens.
No objeto segurado entre dedos, reconhecemos um celular, dado nosso
conhecimento de mundo, e a pequena estória desses objetos: a lágrima, os olhos, a
mulher que olha um celular e chora. Apreendemos então uma outra estória: aquela
de que o motivo da lágrima vem daquilo que o celular, que a mulher atentamente
olha, transmite. Para chegar a essa conclusão, é preciso computar a pequena estória
de que os celulares são objetos que transmitem algo, que esse algo que eles
transmitem são informações a que denominamos mensagens. Sem essa pequena
estória, o texto que consideramos não produziria esse sentido para nós.
Observemos, por exemplo, que não imaginamos que a mulher chore pelo objeto que
segura, tendo em vista que seus olhos narram uma estória diferente, na medida em
82
que atentamente olha para o objeto, e porque as estórias que o objeto celular contam
não são de choro, mas de mensagens que eles transmitem.
Colocadas no espaço do texto publicitário, compreendemos que esse objeto
“texto publicitário” também narra uma estória que permite aos sujeitos fazerem
sentido situando dois indivíduos em interação: o enunciador e o enunciatário do texto
publicitário. Desse modo, o enunciador procura orientar o sentido da estória
percebida, projetando duas pequenas narrativas possíveis: ambas vinculadas a um
domínio cultural e ideológico, reproduzindo e ao mesmo tempo contestando o lugar
da mulher na sociedade contemporânea. A primeira narrativa projetada resulta da
pequena estória contada pelo celular que observa entre os dedos: o celular transmite
uma mensagem que leva a mulher a chorar, uma mensagem de “fim de namoro?”. A
marca da interrogação narra a estória da dúvida daquela que observa e imagina os
motivos que leva a mulher a se emocionar e chorar, mas também essa marca
interrogativa no enunciado verbal confirma a possibilidade da estória que se conta a
partir da compreensão dos objetos do mundo presentes nesse texto, quais sejam, a
mulher, os olhos e a lágrima, e a mensagem do celular. Noutros termos, não faria
sentido a interrogação “Fim de namoro?” se essa pequena narrativa não fosse
possível diante da nossa percepção desses objetos colocados em jogo. Contudo,
essa narrativa só se torna possível, no nosso entendimento, porque a estória narrada
a partir dos objetos considerados – olhos, lágrimas, mulher, celular que transmite –
só se constitui para fazer sentido a partir de uma determinada organização cultural e
ideológica de acordo com a qual esses objetos contam a estória de um sofrimento de
amor, de fim de um relacionamento amoroso. Ou seja, essa narrativa só é possível
como uma hipótese percebida cultural e ideologicamente a partir do lugar que se
atribui à mulher, a estória que se constitui na sua relação com a emoção, uma
pequena narrativa que conta a estória entre a mulher e o sentimento.
A segunda hipótese surge a partir da projeção de uma nova estória dos
mesmos objetos expressa pelo enunciado exclamativo indireto “Nada, final de novela
mesmo.”. Se, de um lado, essa narrativa contesta a estória ideológica cultural do
universo feminino, a partir desse enunciado, de outro, reproduz esse valor cultural
83
narrado pela pequena estória dos objetos “mulher”, “emoção”, “choro/lágrima”, mas
acrescenta algo no nível da contemporaneidade dos novos objetos que se pretende
vender com a publicidade: a mobilidade de se assistir a novela de qualquer lugar.
Essa segunda estória, confirmada pela voz do enunciador/narrador, cumpre a função
de localizar a mulher no mundo moderno, mas também apresenta um novo objeto: o
celular com televisão digital. Esse novo objeto conta uma nova estória, resultado do
momento histórico em que se vive: o celular não envia mais apenas mensagens, mas
também possibilita assistir à televisão digital e, como sinal dos novos tempos, acena
com a mobilidade. Essa nova estória narra o objeto celular na modernidade
tecnológica. Os olhos, que veem uma mulher que segura um celular não ao lado da
orelha, captam a pequena e nova estória de que os celulares não são só para ouvir,
não é mais apenas um telefone, mas também é um objeto que permite assistir à
novela, cumprindo a função de uma televisão móvel e digital.
Desse modo, os enunciados em destaque Final do namoro? Nada, final da
novela mesmo contam a estória desse novo objeto, um celular com uma nova
função, com uma nova estória para narrar. Embora esse celular tenha várias
funções, como podemos ler na parte inferior do anúncio, aquela que é realçada é a
função Acesso grátis à TV digital, já que o enunciado nos informa que a mulher está
assistindo ao final de uma novela. Percebem-se dois espaços input: no primeiro
espaço mental, como comentamos, retomamos uma narrativa sobre o que é o final
de um namoro; no segundo, temos o espaço da narrativa sobre o que é um final de
novela, e, finalmente, temos um espaço de mescla que contribui para a interpretação
do anúncio. No espaço de mescla, nós temos propriedades do espaço input 1 e do
espaço input 2, que formam o espaço de mescla. Os elementos dos dois espaços
input, trazidos para a mescla, são a emoção e o choro, geralmente presentes em
situações de fim de namoro e de fim de novela.
Turner (1996, p. 61) fala sobre uma das vantagens cognitivas do espaço
mescla, que é sua liberdade de negociar os detalhes dos dois espaços input. O
espaço mescla obedece a sua própria lógica, ele é livre de diversas limitações que
acontecem nos espaços input, pois não são todas as propriedades dos inputs que
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devem ser levadas para a mescla. Assim, na narrativa sobre o final do namoro, há
outros aspectos que não entraram na mescla, já que a emoção do fim do namoro
nem sempre é de tristeza. Pode ser que os envolvidos terminem o namoro com uma
sensação de alívio, ou que apenas um deles esteja sofrendo. Há também aspectos
do final da novela que não foram levados em conta. Então, nossa mente é capaz de
processar quais propriedades devem ser levadas para esse espaço de mescla, tanto
aquelas do final da novela, como aquelas que contornam o final do namoro e
provocam sofrimento e choro.
Processamos os anúncios aparentemente sem nenhum esforço.
Aparentemente, porque, várias conexões são realizados para que possamos
compreendê-los, tendo em vista que as estórias narradas fazem grande parte desse
trabalho de processamento. László (2008) observa que, sob uma visão cognitivista,
Schank e Abelson (1995) afirmam que as estórias são partilhadas socialmente, mas
também se preocupam com o modo como as narrativas mudam em uma dada
sociedade ou cultura e qual é a relação que se estabelece entre narrativa e
realidade. Desse modo, podemos perceber que a mulher descrita na publicidade
parece enquadrar-se no perfil de mulher moderna, considerando o ambiente mais
formal em que aparece, a roupa mais social que veste e o rosto maquiado, como se
estivesse no trabalho: uma mulher atual, em consonância com seu tempo, que traz
em suas mãos um celular de alta tecnologia, com capacidade para dois chips, com
acesso à TV digital, entre outras propriedades. Toda essa descrição faz parte de
pequenas narrativas presentes na nossa cultura e constitui uma narrativa dominante
sobre o que é ser uma mulher atualizada, moderna, cujas estórias dos objetos
presentes e o seu modo de organização neste anúncio vem nos contar.
Essas narrativas, além disso, vem nos contar que ao comprar esse produto,
compramos também estilo de vida que eles narram. Muitas vezes, a forma de viver
vendida com os produtos não condiz com aquilo que desejamos para nossa vida ou
com aquilo que acreditamos ser correto ou ideal, no entanto essa forma de vida nos
é oferecida, talvez diversas vezes por diferentes anúncios, até que aquilo pareça a
única opção, a única verdade. Antes mesmo de nos dizer o que é ser uma mulher
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moderna, essa imagem nos mostra o que é ser mulher, pois percebemos nela a
retomada, como vimos, de uma outra narrativa: aquela da mulher como o ser frágil,
emotivo, que chora tanto com fim de namoro, quanto com o fim da novela. Como
vimos, o enunciado de maior destaque e a imagem nos remetem para essa narrativa
tradicional da mulher, o que implica reconhecer que, apesar de adequadamente
vestida e equipada como uma mulher “moderna”, temos o reforço de crenças
presentes nessa sociedade, a reprodução do estereótipo da mulher tradicional.
De acordo com a ACD, o conhecimento se faz e se transmite por meio das
práticas discursivas e sob uma concepção da linguagem como prática social. Desse
modo, podemos perceber a partir desse anúncio que as narrativas ativadas na mente
para nossa compreensão remetem para esse lugar marcado para a mulher nessa
sociedade. Nesse sentido, trata-se de observar que as estórias compõem-se de um
conjunto de crenças acerca dos objetos colocados em cena e que devem ser
construídas para que os indivíduos possam processar os sentidos que se produzem
como, por exemplo, esse que institui um determinado saber acerca da mulher. Como
László observa, os indivíduos dizem aquilo que os outros são capazes de entender,
aquilo que já faz parte do saber do outro, o que implica que há a possibilidade de
que, em algumas culturas, esse anúncio não produziria as narrativas presentes no
contexto cultural brasileiro, por exemplo. Em algumas culturas, distintas da situação
brasileira, o evento do final do namoro e, principalmente, a estória contada pelo
enunciado Nada, final da novela mesmo podem não fazer sentido, tendo em vista
que essa realidade do Brasil, um grande produtor de novelas, não é representativa
em muitos outros países.
Nesse sentido, a apreensão do real pela linguagem não pode desconsiderar
que o discurso, por sua vez, constrói esse real a ser apreendido: pode-se dizer,
desse modo, que o real que se busca construir nesse anúncio, institui uma mulher
que, narrada na pequena estória como frágil, emotiva, que cuida da aparência e que
usa a tecnologia para assistir às novelas, serve de modelo. A partir do foco no
produto que está sendo oferecido e nas representações presentes no texto
publicitário, vemos que todos esses objetos organizados juntos conceituam um
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modelo de mulher para o interlocutor, seu lugar de pertencimento social e,
consequentemente, seus modos de agir. Por outro lado, se apreendemos e
conceituamos o mundo através de nossas experiências, só podemos entender o que
é o “final de namoro” e o “final de novela” se passamos por essa experiência ou
tendo presenciado isso.
Nessa perspectiva, os conceitos descrevem o real, mas, por outro lado, como
proposto pela ACD, o real também é construído toda vez que nós o conceituamos.
Logo podemos dizer que essa realidade mostrada no anúncio é só uma das
realidades possíveis, uma construção conceitual dos fatos narrados a partir dos
objetos organizados no discurso publicitário. Há diferentes formas de “final de
namoro” que podem ser distintas daquela que foi narrada no texto analisado, como
também há mulheres distintas daquela narrada para a apreensão do sentido da
publicidade. O que não se pode perder de vista é o fato de que essas diferentes
formas são silenciadas diante das escolhas do enunciador que, ao selecionar os
objetos para contar suas pequenas narrativas no texto publicitário, construiu uma
realidade a ser percebida.
Esse anúncio interpela, principalmente, a mulher como consumidora. E essa
tendência cresceu com o tempo, visto que, conforme Odih (2007), com poucas
exceções, as práticas tradicionais de vendas foram profundamente enraizadas nas
percepções sobre o homem – chefe de família – como o seu mercado-alvo.
Consequentemente as mulheres foram negligenciadas como consumidoras diretas.
Contudo, aparentemente encorajadas pelo crescente reconhecimento de padrões da
atividade econômica feminina, a indústria, no início dos anos noventa, tornou-se
altamente sensível a esse mercado ‘inexplorado’ (grifo da autora). Assim, numerosas
empresas focaram atenção para o potencial do mercado especificamente para as
mulheres.
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5. Considerações finais
Ao analisarmos como se deu o processamento cognitivo nos anúncios, vimos
que os sentidos não são objetos mentais limitados a lugares conceituais, mas, ao
contrário, são complexas operações de projeção, mesclagem e integração entre
espaços. Cada produto conta sua estória e estórias culturais , estórias dos sujeitos.
Assim, eu organizo meu conhecimento do mundo através das narrativas. Brockmeier
e Harré (2003) observam que autores como Bakhtin, entre outros, já dizia que cada
palavra é polifônica, e seu significado é determinado por incontáveis contextos em
que foi previamente utilizada. Bakhtin chamou isso de princípio dialógico do discurso:
cada palavra, enunciado ou narrativa carrega consigo os traços de todos os sujeitos,
possíveis e reais, que já empregaram tal palavra, enunciado ou narrativa.
Ao analisarmos os anúncios pudemos perceber a escolha por algumas
estórias em detrimento de outras. Porque, conforme observamos, cada objeto e cada
evento pode envolver diferentes narrativas. Ao processarmos cognitivamente esses
anúncios estamos automaticamente processando e reconhecendo o tempo todo
essas estórias envolvidas. Mas, como vimos, não é porque processamos
automaticamente que esse processo seja simples, mas, ao contrário, é um
complexo trabalho que nossa mente exerce.
E ao compreendermos esses anúncios, com as estórias que eles contam,
escolhemos, ou não, determinados produtos. No entanto, quando somos vencidos
pelo apelo da campanha publicitária, e adquirimos um produto específico, não
estamos sempre em busca das características práticas do mesmo, daquilo que ele
fará para facilitar nossa vida. Muitas vezes estamos em busca do status que o
mesmo proporciona, dos valores a ele agregados, pois queremos também ser
reconhecidos como parte de uma determinada cultura, reconhecidos pelos membros
de determinado contexto cultural. Por isso aceitamos, entendemos e passamos a
difundir também determinadas narrativas que guiarão as ações de outros indivíduos.
Nesse contexto, muitas vezes confundimos o Ter com o Ser. Em um processo de
identificação, buscamos mostrar o que somos através do que possuímos, do que
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usamos, do que consumimos. Esse processo de identificação se dá porque conforme
Fonte e Manita (2003, apud FONTE, 2006) nossa ação não é vazia de significado,
logo, perante determinado acontecimento ou experiência pessoal e social, somos
levados a reinterpretar a realidade, na busca de uma compreensão subjetiva dessa
experiência, mas numa estreita ligação com os significados sociais e culturais
dominantes.
Pudemos notar, portanto, que as diferentes narrativas produzem sentidos que
vêm carregados de crenças correntes no contexto cultural e que colaboram para a
manutenção de determinados valores sociais. Ao interpelar o interlocutor, o locutor
espera deles a assimilação dessas crenças e uma atuação sob o efeito dessas
interpelações, nesse caso a compra do produto. E, ao comprá-lo, o consumidor
estará comprando também hábitos e comportamentos de determinada cultura, pois
cada produto tem uma estória, ou melhor, diversas estórias. Assim a forma como
enxergamos o mundo é influenciada pela forma como determinados grupos nos
motivam a enxergá-lo.
Como já nascemos em um mundo que está em movimento, diferentes
narrativas culturais vão compondo nossa própria narrativa. Diferentes
representações do mundo são mostradas para nós em determinados contextos, mas,
para isso, outras representações são deixadas de lado. Através do exame das
mesclagens conceituais que compõem as narrativas foi possível observar as
condições de produção dos discursos e o modo como as questões ideológicas estão
presentes na linguagem.
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Anexos
Primeiro anúncio: Revista Veja, edição 2194, de 04 de dezembro de 2010
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94
Segundo anúncio: Revista Veja, edição 2195, de 15 de dezembro de 2010
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96
Terceiro anúncio: Revista Veja, edição 2196, de 22 de dezembro de 2010.
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98
Quarto anúncio: Revista Veja, edição 2197, de 29 de dezembro de 2010
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100
Quinto anúncio: Revista Veja, edição 2193 do dia primeiro de dezembro de 2010.
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