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Anais do II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. 24, 25 e 26 de novembro de 2010

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Anais do II Seminário de

Graduandos e Pós-Graduandos em

História da Universidade Federal de

Juiz de Fora.

24, 25 e 26 de novembro de 2010

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Anais do II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da Universidade Federal de Juiz de Fora.

24, 25 e 26 de novembro de 2010

II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da

Universidade Federal de Juiz de Fora

Centro Acadêmico de História

Gestão “Próximos Passos” (2010-2011)

Comissão Organizadora:

Adebiano Robert Rodrigues Pereira – graduando 6º período (UFJF)

Ana Paula Bôscara – graduando 4º período (UFJF)

Antonio Gasparetto Júnior – mestrando (UFJF)

Camila Pereira Martins – graduando 8º período (UFJF)

Carine Muguet – graduando 4º período (UFJF)

Filipe Queiroz de Campos – graduando 3º período (UFJF)

Laíz Perrut Merendino – graduando 5º período (UFJF)

Leonardo Bassoli Ângelo – graduando 6º período (UFJF)

Luiz César de Sá Júnior – mestrando (UFJF)

Luiz Henrique Giácomo – graduando 7º período (UFJF)

Renata Silva Fernandes – graduando 5º período (UFJF)

Rhuan Fernandes Gomes – graduando 6º período (UFJF)

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Anais do II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da Universidade Federal de Juiz de Fora.

24, 25 e 26 de novembro de 2010

Sumário:

Comunicações..............................................................................pág. 4

3

Anais do II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2011.118 p.

1-Anais; 2-Seminário de História; 3-Comunicações

Comissão Organizadora:

Adebiano Robert Rodrigues Pereira – graduando 6º período (UFJF)

Ana Paula Bôscaro – graduando 4º período (UFJF)

Antonio Gasparetto Júnior – mestrando (UFJF)

Camila Pereira Martins – graduando 8º período (UFJF)

Carine Muguet – graduando 4º período (UFJF)

Filipe Queiroz de Campos – graduando 3º período (UFJF)

Laíz Perrut Merendino – graduando 5º período (UFJF)

Leonardo Bassoli Ângelo – graduando 6º período (UFJF)

Luiz César de Sá Júnior – mestrando (UFJF)

Luiz Henrique Giácomo – graduando 7º período (UFJF)

Renata Silva Fernandes – graduando 5º período (UFJF)

Rhuan Fernandes Gomes – graduando 6º período (UFJF)

Diagramação e Formatação:Antonio Gasparetto Júnior

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Estado e Sociedade na República Brasileira: da transição

democrática à era neoliberal.

De Cruzeiro a Cruzeiro: um dinheiro marcado.

Adebiano Rodrigues.

O presente trabalho busca traçar uma analise sobre aspectos artísticos das cédulas

de dinheiro brasileiro (a partir do padrão Cruzeiro) que estão abrigadas no Museu do

Crédito Real. Para tal, elegemos algumas cédulas de períodos distintos para uma analise de

seus aspectos artísticos, com enfoque em seu cunho ideológico. A escolha destas cédulas

se dá por suas peculiaridades e suas inovações. Trataremos também do aspecto econômico

da qual estas cédulas são testemunhas e nos contam através da oscilação de seus valores e

das marcas que lhe foram conferidas nas diversas mudanças de planos econômicos. Assim,

na labuta de cumprir nossa proposta faremos uma breve exposição da história do dinheiro,

trataremos do nosso dinheiro e seus particularidades artísticas, abordaremos ainda alguns

apontamentos sobre as representações da efígie da liberdade nas cédulas e o momento

político do país em que estas foram utilizadas e após uma breve apresentação dos

principais planos econômicos analisaremos as alterações de valor nas cédulas e como isso

impactou na vida da população.

A motivação maior deste trabalho se dá pela falta de informações sobre as cédulas

brasileiras, seus aspectos gráficos, as finalidades com as quais suas representações foram

empregadas, o aspecto histórico que estas adquirem ao longo do tempo. Além de nutrir um

desejo de ampliar conhecimentos sobre a história econômica recente do país. Assim, na

dúvida entre produzir um trabalho de história econômica ou uma história social, optamos

pelas duas. Cientes de que o tema não será esgotado e de que ainda faltam muitas

pesquisas a respeito, de forma ensaística levantaremos apenas algumas percepções sobre a

coleção de moedas abrigadas no Museu do Crédito Real.

O dinheiro ao longo do tempo

O dinheiro é meio usado na troca de bens, na forma de moedas ou cédulas, usado na

compra de bens, serviços, força de trabalho, divisas estrangeiras ou nas demais transações

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financeiras, emitido e controlado pelo governo de cada país. É também a unidade contábil.

Seu uso pode ser implícito ou explícito, livre ou por coerção.

A busca de uma convenção para medir riquezas e trocar mercadorias é quase tão

antiga quanto a vida em sociedade. Ao longo da história, os mais diversos artigos foram

usados com essa finalidade, como o chocolate entre os astecas, o bacalhau seco entre os

noruegueses da Idade Média e mulheres escravizadas entre os antigos irlandeses. Já a

criação de uma moeda metálica com um valor padronizado pelo Estado coube aos gregos

do século VII a.C. "Foi uma invenção revolucionária. Ela facilitou o acesso das camadas

mais pobres às riquezas, o acúmulo de dinheiro e a coleta de impostos – coisas muito

difíceis de fazer quando os valores eram contados em bois ou imóveis", afirma a

arqueóloga Maria Beatriz Florenzano, da Universidade de São Paulo (USP)1.

A segunda grande revolução na história do dinheiro, o papel-moeda, teve uma

origem mais confusa. Já existiam cédulas na China do ano 960, mas não se espalharam

para outros lugares e caíram em desuso no fim do século XIV.

As notas só apareceram na Europa e daí para o mundo em 1661, na Suécia. Há

quem acredite que cartões de crédito e caixas eletrônicos em rede já representam uma

terceira revolução monetária. Com a informática, o dinheiro se transformou em impulsos

eletrônicos invisíveis, livres do espaço, do tempo e do controle de governos. Acredita-se

que o inventor do dinheiro foi Creso, rei da Lídia (atual Turquia), quem cunhou as

primeiras moedas, entre 640 e 630 a.C.2.

Diante do modo de produção capitalista do mundo atual, o dinheiro se faz cada vez

mais presente na vida das pessoas, daí a importância dos estudos sobre seus tortuosos

caminhos.

Dinheiro fala?

A arte empregada pelos diversos países na confecção de suas cédulas, dizem

respeito normalmente a personalidades políticas e grandes nomes de seu povo, atores

sociais ou representações de traços marcantes de sua cultura. Com a criação do Banco

Central do Brasil em 31 de dezembro de 1964, e adoção do Cruzeiro Novo em 1967, as

cédulas ganharam um aspecto mais moderno. Pois, as cédulas do padrão Cruzeiro ainda

1 FLORENZANO, M. B. B. . A moeda na Grécia Arcaica e Clássica sécs. VII-IV a.C.: arqueologia e mudança cultural. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, v. 14, p. 67, 2005.2 FURTADO, Jorge. Ilha das Flores. Porto Alegre-RS. 1989.

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lembravam muito suas antecessoras do padrão Mil-Réis. Possuíam traços muito rebuscados

em suas bordas e também na parte central onde um círculo bem ornamentado envolvia a

foto da personalidade política homenageada.

No Cruzeiro Novo a idéia de renovação esta presente até em seus traços retos, com

rebuscamentos suavizados por degrades e fortes marcas d’água, ironicamente foi a

primeira vez em que a liberdade foi representada como foco de uma cédula brasileira. Mas

deste assunto trataremos mais adiante. Este esforço em construir uma imagem moderna e

com liberdade está relacionado com o Ato Institucional número 4, baixado por Castelo

Branco em 7 de dezembro de 1966, que convocou ao Congresso Nacional para a votação e

promulgação da Constituição de 1967 e as transformações do momento que geraram o

novo plano econômico. Antecede ainda o Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro

de 1968, este ato concedia ao Presidente da República enormes poderes, tais como: fechar

o Congresso Nacional; demitir, remover ou aposentar quaisquer funcionários; cassar

mandatos parlamentares; suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer pessoa;

decretar estado de sítio; julgamento de crimes políticos por tribunais militares incluía

também a proibição de manifestações de natureza política, além de vetar o "habeas corpus"

para crimes contra a segurança nacional (ou seja, crimes políticos).

Ainda neste padrão o design das cédulas inovou mais uma vez, ao invés do valor

impresso no centro e em suas bordas, foram produzidas cédulas em que não havia um lado

correto seja para baixo ou para cima, era a denominada série “Cartas de baralho”. Com a

criação da série de notas “cartas de Baralho” em 1978, esta preocupação de transmitir uma

imagem moderna quase não se faz mais presente, encontramos seu traço apenas na cédula

de Cr$ 1.0003 que ainda no estilo “cartas de baralho” trás o historiador e diplomata José

Maria da Silva Paranhos (1845-1912) chamado Barão do Rio Branco. Atrás temos um

teodolito (instrumento de levantamento) com mapa topográfico ao fundo. Temos ainda a

nota de 5000 Cruzeiros (1984)4 que trás na frente o militar e político brasileiro Humberto

de Alencar Castello Branco (Presidente do Brasil em 1964-1967) e atrás hidrelétrica e

antenas de rádio que representa a energia hidrelétrica e de telecomunicações do Brasil.

Assim o foco das homenagens a personalidades ganha força novamente e são enaltecidos

notáveis como Rui Barbosa, Oswaldo Cruz e JK; representados respectivamente nas

cédulas de 10, 50 e 100 mil Cruzeiros que foram utilizadas na alteração para o padrão

Cruzado com o valor de 10,50 e 100 Cruzados.

3 Figura 024 Figura 03

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Em 1993 no ultimo suspiro do padrão cruzeiro, entra em circulação a nota de cem

mil cruzeiros (Cr$ 100.000)5, posteriormente carimbada para alteração de valor para cem

cruzeiros reais (Crr$ 100), mas esta questão notas carimbadas é algo que abordaremos mais

adiante. O que chama a atenção nesta cédula é que pela primeira vez um animal foi

representado como foco da homenagem em uma nota. É verdade que as cédulas já

apresentavam uma temática cada vez mais voltada para elementos nacionais, como na

cédula de 500 Cruzados Novos (1990)6 que trás na frente o engenheiro agrônomo,

ecologista e naturalista Augusto Ruschi, numa referencia a flora e fauna, a seu lado

encontra-se uma flor da orquídea. No verso da nota Augusto Ruschi aparece examinando

orquídeas, a seu lado em uma escala maior um beija-flor de cauda. Na cédula de 1000

Cruzeiros (1991)7 temos na frente o Marechal Candido Rondon (Cândido Mariano da Silva

Rondon ou Marechal Rondon) na selva Amazônica com contorno do mapa do Brasil ao

lado, no verso temos diversos aspectos da cultura indígena - índias e alimentos e

representações que lembram sua cultura material. Em 1993 saiu ainda a cédula de 10.000l

Cruzeiros (Cr$ 10.000)8 que possui em seu verso serpentes. Mas nenhuma destas dava o

destaque para um animal que a nota de cem mil cruzeiros trouxe. O beija-flor aparece na

parte da frente, em seu ninho alimentando seus filhotes, a seu lado direito com menor

destaque uma borboleta. Que aparece no verso da nota, onde é feita uma representação das

cataratas do rio Iguaçu. Certamente é a partir desta cédula que surge a inspiração para as

representações de animais que vão dominar a temática das cédulas do padrão real que entra

em circulação no ano seguinte, 1994.

Observando os aspectos gráficos da cédula de um real (R$ 1,00)9 que entrou em

circulação a partir de 1994, encontramos a mesma imagem do beija-flor, porém, na

segunda aparição ele está em pé para a nota na vertical e no verso da nota. No padrão real é

recuperado o busto da republica impresso na cédula de duzentos cruzeiros já analisada, esta

marca será sempre vista na parte da frente das notas que terão no verso representações de

animais variando de acordo com o valor monetário da nota. Observando a cédula de um

real, podemos concluir que seu projeto é um misto da cédula de duzentos cruzeiros de 1990

com a de cem mil cruzeiros de 1993. Tendo suas cores, elementos da frente recuperados da

cédula de 200 cruzeiros e seu verso inspirado na cédula de cem mil cruzeiros.

5 Figura 05.6 Figura 06.7 Figura 07.8 Figura 08.9 Figura 09.

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O dinheiro e o discurso da liberdade

Como observamos nas linhas anteriores as representações contidas nas cédulas

estão de algum modo, ligadas a uma perspectiva do Estado e seu momento político. Além

disso, as representações são constantemente recuperadas em cédulas posteriores. Talvez, o

discurso mais importante que o Estado tenha imprimido nas notas não seja o mais evidente.

Para além dos traços modernizantes do Cruzeiro Novo, das imagens de antenas,

instrumentos de medição, das representações dos ícones da modernidade e das figuras

políticas, dos desbravadores e dos elementos da cultura nacional, dos intelectuais e da

riqueza biológica do país. De uma forma muito sutil, está o discurso da liberdade, seja na

esfera política, econômica ou em qualquer outra das inúmeras facetas que possa assumir a

liberdade, sobretudo no âmbito da política, foi alvo de constantes debates e manifestações

no país ao longo da segunda metade do século XX. Sua imagem aparece representada nas

cédulas brasileiras em apenas três momentos singulares da história recente do país.

A primeira vez em que a efígie da liberdade foi representada no dinheiro brasileiro

foi com o Cruzeiro novo. A cédula de um Cruzeiro trazia a efígie da liberdade, a escolha

da cédula de menor valor certamente está ligada a sua maior circulação. Na cédula aparecia

em destaque o rosto feminino projetado para frente, com madeixas esvoaçantes e um

pequeno chapéu com uma estrela. No verso da nota temos o prédio do Banco Central, que

a partir de então centralizaria toda a produção de moeda do país, onde atualmente funciona

a Biblioteca Nacional. A inserção desta nota no meio circulante ocorre em um momento

em que as guerrilhas urbanas e rurais dos movimentos contrários a ditadura militar estão

em franco declínio, uma vez que a família de notas do Cruzeiro Novo começa a circular no

ano de 1970 e convive com as cédulas antigas até 1973. É neste ano que a cédula de um

Cruzeiro entra em ação, após o desmantelamento violento de focos de resistência a

ditadura, após a morte de vários lideres da luta armada como Carlos Marighela em 1969,

do ex-capitão do exercito Carlos Lamarca em 17 de setembro de 1971, quando restava

apenas o movimento da guerrilha do Araguaia, liderada por João Amazonas, Elza

Monnerat, Maurício Grabois e o gigante negro, Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão. A

Guerrilha do Araguaia foi definitivamente extinto em 25 de dezembro de 1974.

Certamente a função da efígie da liberdade na cédula de uso mais comum é de se contrapor

a idéia de censura provocada pela ditadura militar instaurada pelo Ato Institucional Nº 5 e

toda a reação que sua implantação gerou. Porém, o que deve se questionar era qual o grau

de absorção da mensagem a população possuía. Pois, certamente muitos não identificaram

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de que tal efígie se tratava da liberdade, nem mesmo tal imagem causa uma discussão na

sociedade, até porque não seria o interesse dos produtores da nota colocar tal debate.

O segundo momento em que a liberdade aparece em uma cédula é ainda mais difícil

de detectar. A mesma imagem é retratada na marca d’água da nota de duzentos Cruzeiros,

já no Governo Collor, após o processo de abertura política. A referida nota trás na frente

uma imagem com referencia ao Centenário da República Federativa do Brasil, pela

primeira vez foi impresso em uma cédula o busto da República que acompanha todas as

notas do dinheiro corrente atual, além do brasão da Unidade da República, outra marca

constante no padrão Real. No verso há um detalhe da obra "Pátria", de 1905, pintura de

Pedro Bruno que representa a primeira bandeira republicana que foi bordada pela Senhora

Flora Simas de Carvalho, em pano de algodão, e a segunda, confeccionada pela mesma

senhora, em seda, tendo sido hasteada com solenidade na Câmara Municipal do Rio de

Janeiro, no dia de sua adoção oficial, a tela em óleo se encontra hoje no Museu Histórico

do Rio de Janeiro. A marca d’água quando observada pela frente é alvo do olhar dos

fundadores da república referenciados em seu primeiro centenário. Observada pela parte de

trás da nota, tomaríamos como se a liberdade representada na marca d’água estivesse

observando as costureiras confeccionarem a bandeira republicana. A mesma imagem do

rosto feminino se projetando para frente como no caso da nota de um cruzeiro analisada

anteriormente, é uma representação bem significativa devido ao momento político vivido

pelo país que acabava de passar por suas primeiras eleições presidenciais diretas em mais

de duas décadas. Mais um aspecto interessante desta cédula é que sua cor e estética se

assemelham muito a de dois Reais em circulação atualmente.

Desta vez a liberdade aparece em um momento em que o país se vê entrando em

uma nova fase de sua vida política, as eleições diretas, a anistia e o fim da ditadura davam

um clima otimista ao país. Respirando esta atmosfera otimista o discurso oficial imbuído

da idéia de transição compactuada, de certo modo, busca fechar as feridas abertas pela

repressão militar. Em 09 de abril de 1990 entra em circulação uma cédula que uniria a já

velha de guerra efígie da liberdade e o brasão de Armas Nacional. A cédula de cinco mil

Cruzeiros teve o projeto simplificado devido a demanda e permaneceu em uso até 15 de

setembro de 1994. Nesta cédula a liberdade aparece representada na frente, como se

estivesse cunhada em uma moeda. No verso da nota da mesma forma o brasão das Armas

Nacional aparece simplificado, sem suas ramagens de café e de tabaco. Mas mesmo com o

certo grau de desfoque em que se apresenta percebe-se claramente a constelação do

Cruzeiro do Sul, a espada sob a estrela e suas inscrições. Uma boa amostra do processo

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galopante da inflação é a moeda de cinco mil Cruzeiros10, o fato de termos uma moeda com

tal cifra já demonstra a desvalorização do padrão monetário. Dentro da mesma idéia de se

unir o militarismo e a liberdade, a moeda trás na frente seu valor juntamente com a palavra

Brasil e no verso a imagem cristianizada de Tiradentes, símbolo da liberdade e militar de

baixa patente. Juntamente com sua representação temos as inscrições “Liberdade,

cidadania e Tiradentes”.

Com base na analise da efígie da liberdade presente nestas cédulas podemos

concluir que sua utilização esteve presente sempre nos momentos em que o discurso de um

novo país, com liberdade e com um futuro promissor era algo de grande valia. Embora

tenhamos uma leitura de que a implementação desta política não tenha surtido um grande

efeito, sobretudo em sua primeira investida na década de 1970. O reforço da idéia da

república como o grande modelo foi algo que se sobre saiu neste processo. Até mesmo

pelo momento político vivido pelo país na ocasião do primeiro centenário da república,

quando é natural que se faça um balanço do sistema político e estabeleça comparativos

com o modelo anterior e com os demais modelos concorrentes.

Planos econômicos

No intuito de promover uma melhor compreensão do processo inflacionário vivido

no Brasil ao longo do século XX, dedicamos este espaço a um pequeno compilado dos

planos econômicos de maior influencia e que alteraram o padrão monetário durante o

período analisado.

Em 1833 após a independência do Brasil foi criado o uma séria de moedas

denominadas RÉIS. Perdurando até 1888 quando este padrão muda para MIL-RÉIS, que

devido a desvalorização da moeda para a funcionar no sistema milesimal. O CRUZEIRO

foi criado em 05 de outubro de 1942, mas só passou a valer como unidade monetária a

partir da meia-noite do dia 31 de outubro de 1942. Substituindo o MIL-RÉIS que causava

problemas pelo seu padrão milesimal. Outro objetivo da moeda era unificar o meio

circulante, uma vez que existiam 56 tipos diferentes de moeda, sendo 35 do Tesouro

Nacional, 14 do Banco do Brasil e 7 da extinta Caixa de Estabilização (Criada em 1926

com o fito de promover a estabilização do sistema monetário, através da adoção do

Cruzeiro Ouro. Era responsável pelas trocas de notas em ouro e vice-versa. Superintendida

10 Figura 10.

10

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pelo ministro da fazenda, foi extinta em 1930)11. Foram usadas aproximadamente 8 notas

do padrão MIL-RÉIS carimbadas com o novo valor. Agora UM MIL-RÉIS (1$000)

passaria a valer UM CRUZEIRO (Cr$ 1,00).

O Conselho Monetário Nacional, pela Resolução nº 47, de 8 de fevereiro de 1967,

estabeleceu a data de 13 de fevereiro de 1967 para início de vigência do novo padrão. O

Cruzeiro Novo circulou transitoriamente no Brasil no período entre 13 de fevereiro de

1967 e 14 de maio de 1970. Estas cédulas foram sendo gradualmente substituídas pelas

novas cédulas que foram colocadas em circulação em 1970, com a retomada da

denominação “Cruzeiro” e foram retiradas de circulação entre 1972 e 1975, quando apenas

as cédulas do novo padrão passaram a ter valor legal.

O Cruzado é proveniente do Plano Cruzado, implantado pelo governo Sarney. O

Plano tinha como objetivo combater a inflação e aumentar o poder aquisitivo da população.

A partir do dia 28 de Fevereiro de 1986, mil cruzeiros passaram a valer um cruzado. Para

implantar o Cruzado o governo aproveitou as cédulas de 10 mil, 50 mil e 100 mil

cruzeiros, carimbando-as para o novo padrão. O Carimbo era circular com as palavras

"Banco Central do Brasil" e "Cruzado", com o valor no centro.Cr$ 1.000 = Cz$ 1,00.

Cruzado Novo entrou em circulação no dia 15 de janeiro de 1989, na segunda

reforma monetária do presidente José Sarney. A nova moeda substituía o Cruzado, sendo

que um Cruzado Novo valia 1000 Cruzados. Foram aproveitadas as cédulas de mil, 5 mil e

10 mil Cruzados, que receberam um carimbo para o novo padrão monetário. O carimbo

adotado era um triangulo com as palavras "cruzado novo" em duas linhas próximas à base

do triângulo. Cz$ 1.000,00 = NCz$ 1,00. Esta reforma causou grandes transtornos na vida

prática da população brasileira. Embora, tenha sido feito o “corte” de três zeros no valor

das cédulas, a aplicação prática deste dinheiro gerou muitos equívocos, a população que já

sofria com a inflação galopante e o congelamento de preços não garantia a possibilidade de

consumo dos bens mais necessários.

O Cruzeiro foi reintroduzido como padrão monetário em substituição ao "Cruzado

Novo", como parte do "Plano Collor", sem ocorrer perda de três zeros. NCz$ 1,00 = Cr$

1,00. O Cruzeiro Real foi implantado no 1o de Agosto de 1993, substituindo o Cruzeiro,

por excesso de zeros. Foram aproveitadas as notas de 50 mil, 100 mil e 500 mil Cruzeiros,

devidamente carimbadas para o novo padrão.Cr$ 1.000,00 = CR$ 1,00. O Real foi lançado

em 01/07/1994 pelo Plano Real no governo Itamar Franco, com o objetivo de criar uma

moeda forte e acabar com a inflação. Primeiramente foi estabelecido um índice paralelo

11 http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/administracao/reparticoes/1822a1970/caixas.asp

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para efeito de transição, a Unidade Real de Valor (URV). A Conversão de Cruzeiros Reais

para Reais foi feita mediante a divisão do valor em Cruzeiros Reais pelo valor da URV de

CR$2.750,00.CR$ 2.750,00 = R$ 1,00 :

De cruzeiro a cruzeiro: um dinheiro marcado.

Observando nosso objeto de estudo, podemos constatar que o país sofreu uma forte

onda inflacionária durante a década de 1960. As cédulas de cruzeiro que no seu inicio

variavam de Cr$ 1,00 à Cr$ 10,00 vão pouco a pouco ganhando mais um zero, até que em

1967 as cédulas que já variavam de 500 à 10.000 cruzeiros são carimbadas para alterar seu

valor. São retirados três zeros do valor de cada nota, assim a nota de Cr$ 10.000 passa a

valer NCr$ 10. Até que entrassem em circulação as novas cédulas com a unidade

“Cruzeiro” em 1970. Praticamente todas as notas são reaproveitadas com os novos valores,

chegou a se ter até mesmo uma cédula de um centavo12. Os carimbos eram caracterizados

por dois círculos concêntricos tendo grafado na parte de cima a inscrição: “Banco Central”

e na parte de baixo o nome da unidade “Cruzeiros Novos”. As cédulas carimbadas ainda

circulariam até 1970, quando entrou em circulação novas cédulas com o padrão Cruzeiro.

Assim um Cruzeiro Novo se tornou um Cruzeiro.

As ondas inflacionárias que acumulavam ano após ano, geraram a necessidade de

um novo plano econômico. Para se ter uma idéia em 1980 a inflação acumulada do ano de

1979 foi de 77,21%, em 1981 a inflação acumulada do ano de 1980 foi de 110,24%, em

1985 a inflação acumulada do ano de 1984 foi de 223,90% e em 1986 a inflação

acumulada do ano de 1985 foi de 235,11%.13 Em 28 de fevereiro de 1986 é anunciado o

plano Cruzado. Entre as medidas adotadas estão o congelamento de câmbio, preços e

salários, instituição do gatilho salarial, extinção da correção monetária e a criação do

Cruzado. Somente em novembro de 1986 depois da vitória do PMDB nas eleições, o

governo federal anuncia o Plano Cruzado 2, um choque fiscal que traz o fim do

congelamento com o aumento dos preços de combustíveis e tarifas públicas. Em 1987 a

inflação acumulada do ano de 1986 foi de 65,04%, o que revela um caráter imediatista dos

planos econômicos do período. São reaproveitadas notas de 10.000, 50.000 e 100.000

Cruzeiros marcadas com valores de 10, 50 e 100 cruzados respectivamente14. Os carimbos

12 Figura 11.13 http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro80.htm14 Figura 12.

12

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se caracterizam por um único circulo tendo circunscrito em sua borda superior “Banco

Central do Brasil” no centro o valor monetário e abaixo a unidade “Cruzados”. O não

aproveitamento de cédulas com valor inferior e produção de cédulas com valores acima de

100 cruzados, nos permite concluir que o plano foi ineficaz para conter a desvalorização da

moeda nacional.

Uma nova rota de fuga não tarda a aparecer, em 1989 o Cruzado dá lugar ao

Cruzado novo que mais uma vez elimina três zeros da moeda. Uma nova marcação é feita

nas notas reaproveitando agora notas de 1.000, 5.000 e 10.000 Cruzados. O carimbo é

formado por um triangulo com o número impresso no centro e a unidade “Cruzados

Novos” circunscrita em sua base15, não mais temos inscrição alguma do Banco Central.

Mais uma vez são produzidas notas de maior valor, porém desta vez a desvalorização

parece ter sido mais amena, encontramos notas de 50, 100, 200 e 500 Cruzeiros Novos.

A Medida Provisória 168, 15/03/1990, convertida na Lei 8.024, de 12/04/1990,

restabeleceu a denominação Cruzeiro para a moeda, correspondendo um Cruzeiro a um

Cruzado Novo16. Esta medida faz parte do chamado “Plano Collor” pensado para a

estabilização da moeda, mas trouxe efeitos terríveis para os poupadores, já que milhares de

pessoas foram levadas à ruína. O pacote econômico bloqueou todos os ativos financeiros

que ultrapassassem a quantia de NCZ$ 50 mil (cruzados novos)17. Mais uma vez nosso

dinheiro é marcado, desta vez um retângulo de linhas grossas onde se lia inscrito em

números o valor monetário e abaixo a unidade “Cruzeiro”18.

O cruzeiro real (CR$) foi o padrão monetário no Brasil entre 1 de agosto de 1993 a

30 de junho de 1994. As altas taxas de inflação que marcaram o ano de 1993 levaram o

governo Itamar Franco a editar a medida provisória que criou o cruzeiro real, equivalente a

mil cruzeiros. Não foram emitidos moedas com valores em centavos nesta moeda, sendo

que se consideravam como centavos as cédulas e moedas do padrão anterior na razão de 10

"cruzeiros" por centavo. As notas com valores acima de 50.000 Cruzeiros foram marcadas

com um carimbo onde se lia o valor monetário em números e o nome da unidade o

circunscrevia19. Posteriormente foram produzidos notas com valores maiores ainda no

padrão Cruzeiro Real.

Em sua substituição para o plano real não foi necessária a utilização de carimbos na

notas. A presença constante de notas com valores que chegam a seis casas decimais nos 15 Figura 13.16 http://www.felipex.com.br/moed_cruzado1990.htm17 http://www.idec.org.br/cyberativismo/planocollor/saibamais.htm18 Figura 14.19 Figura 15.

13

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revela que a desvalorização da moeda foi um fantasma que rondou o país durante grande

parte de sua história no século XX. A marcação de notas com carimbos nos permite

concluir que além do caráter imediatista dos planos econômicos, havia também uma

grande falta de planejamento na transição dos padrões monetários. Assim dezoito zeros

foram “cortados” em nossa moeda desde a entrada do padrão cruzeiro em 1942 até a

entrada do padrão “Cruzeiro Real” no inicio da década de 1990.

Imagens

Figura 01

Figura 02

Figura 03

Figura 04

Figura 05

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Figura 06

Figura 07

Figura 08

Figura 09

Figura 10

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Figura11

Figura 11

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Figura 12

Figura 13

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Figura 14

http://www.bcb.gov.br/?CRUZ90http://www.banknotes.com/brs541.htm

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A questão cultural no movimento Mascarenhas Meu, Amor

Mateus da Rocha Reis*

Masca, masca, masca,Mascarenhas, Mascarenhas meu amor

Masca, masca, masca, mascarenhas, Mascarenhas a todo vapor.Primeiro a história/o ciclo industrial agora a vanguarda/a era espacial.

Te cuida Mascarenhas/pois vou fazer.../um lindo centro cultural20.

O objetivo do presente artigo é analisar a cultura no movimento “Mascarenhas, meu

amor” ocorrido no ano de 1983. A análise se baseou nos jornais Diário Mercantil e Tribuna

de Minas ambos pesquisados no Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora e setor de

Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes. A pesquisa ainda em andamento propõe

discutir a cultura, como ela foi abordada, qual o conceito que os participantes tinham e o

contexto que o movimento se insere.

A nível estadual, artistas mineiros pretendiam executar em uma política renovadora

para a cultura. Pois, entendiam que nos anos de regime ditatorial, a cultura mineira estava

distanciada do povo, ausente, tornando-se elitizada. Para mudar esse quadro, propunham a

criação de um órgão centralizador, no caso a Secretaria de Cultura que pudesse assumir o

papel do desenvolvimento da cultura mineira. Para isso, foi entregue ao então governador

eleito governador da época, Tancredo Neves, um manifesto contendo os objetivos de uma

política renovadora com o intuito de incentivar a produção e livre criação de grupos

artísticos, apoiando seja financeiramente, seja na divulgação e na liberação de espaços.

(...) os artistas exigem a formulação e execução de uma política realmente democrática liberada do controle estadual, do patronato elitista, do emperramento burocrático e das formas estagnadoras do imobilismo conservador.

A cidade de Juiz de Fora, nesse contexto dos anos de 1983 presenciava uma grande

produção cultural envolvendo diversas classes artísticas como atores de teatro, grupos

musicais, poetas, pintores que produziam a nível local e nacional e que reivindicavam um

espaço na cidade para abrigar toda a classe artística. A falta de um espaço impedia o

desenvolvimento da produção cultural:

* Graduando em História pela UFJF e estagiário do Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora.20 Jornal Tribuna de Minas: 29 de maio de 1983. Marchinha de Guilherme Bernardes cantada no Calçadão no dia 29 de maio de 1983.

19

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Ao fazer uma análise crítica da virada cultural da cidade no ano de 1982, muita coisa deveria ser levada em conta: as dificuldades que cada setor artístico encontra no decorrer de suas produções, o apoio – ou falta de – por parte das autoridades competentes; o retorno ou “feedback” por parte do público – os maiores interessados. 21

Pretendendo solucionar esse problema, os artistas iniciaram uma campanha para a

utilização da antiga fábrica da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas. Criada no ano de

1888 por Bernardo Mascarenhas, a fábrica representava o símbolo do desenvolvimento

industrial de Juiz de Fora ao produzir zeferins e brins de algodão e linho22:

[...] foi com Bernardo Mascarenhas, [...] com o objetivo de aqui instalar a sua fábrica e explorar o serviço de iluminação pública, foi que este setor da cidade tomou impulso e desenvolveu-se23.

A fábrica apresentava um amplo espaço e estava abandonada desde o encerramento

de suas atividades ao falir sendo suas instalações repartidas entre a União e ao Estado:

Atualmente, o prédio se encontra em lastimável estado de abandono. Toda aquela área de aproximadamente 10 mil metros quadrados, sem uso nenhum. É urgente recuperá-lo, resgatando-o para uma utilização que será plenamente voltada para a coletividade24.

No ano de 1982, é decretado o tombamento da fábrica pelo prefeito Mello Reis:

Segundo o decreto do Prefeito, a antiga Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas representa no, quadro geral do processo de industrialização, ‘’um referencial significativo do desenvolvimento do núcleo histórico de Juiz de Fora25.

Após falir e ficar abandonada, a classe artística de Juiz de Fora inicia um

movimento chamado “Mascarenhas, meu amor” com o intuito de abrigar todos os grupos

culturais de Juiz de Fora e resgatar a memória de Bernardo Mascarenhas pela sua

importância histórica ao ser o pioneiro no desenvolvimento industrial da cidade. O

movimento contou com a participação de jornalistas, artistas, poetas, escritores, pintores,

21 Jornal Diário Mercantil: 02 de janeiro de 1983. Matéria intitulada: “Manifestações culturais: a difícil (vida fácil) do ser artista.”22 PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora: medidas iniciais. Edição: Prefeitura de Juiz de Fora. p. 4423 PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora: medidas iniciais. Edição: Prefeitura de Juiz de Fora. p. 47.24 Jornal Tribuna de Minas: 29 de maio de 1983. Matéria intitulada “No Calçadão, ontem, uma festa cultural em apoio à Mascarenhas.”25 Jornal Diário Mercantil: 22 de janeiro de 1983. Matéria intitulada “Prefeito decreta tombamento de quatro prédios.”

20

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músicos que pretendiam mobilizar a comunidade para a importância de se criar um espaço

cultural na cidade. Foram várias as manifestações nas ruas da cidade para mostrar ao

público a importância dessa campanha:

Quem passava ontem pela rua Halfeld, parava para observar a movimentação de vários grupos e artistas da cidade em prol da transformação da antiga fábrica Bernardo Mascarenhas em um centro cultural. Megafone, distribuição de panfleto “Mascarenhas, meu amor”, tinta para as crianças pintar e muita gente, cada uma com uma opinião26.

O movimento se mostrava articulado realizando reuniões com representantes do

poder público a respeito da utilização da fábrica. Representantes do poder público

entendiam que o espaço poderia ser aproveitado como um mercado municipal também.

Alegavam que o produtor comercializaria diretamente com o consumidor abastecendo a

população local. No entanto, o aproveitamento da antiga fábrica era vista como um

problema para o prefeito e para representantes do poder público que dificultava as

negociações devido à burocracia e por entender que havia outros espaços na cidade.

É interessante notar que os próprios jornais noticiavam esse debate cultura/poder na

expectativa que a cidade pudesse abrigar um espaço e ao mesmo tempo continuar com a

sua efervescência cultural.

O Prefeito prometeu que, assim que a parte burocrática estiver concluída, convocará uma reunião com os interessados e que não vê ‘’maiores problemas’’ com relação a isto. Entretanto, o Prefeito usou sempre a palavra ‘’problema’’ ao se referir a Mascarenhas, quando existem sinônimos mais amenos como ‘’questão’’. Senhor Prefeito: a torcida é grande para que tudo não passe de um mero entrave etimológico.

O que percebemos é que a cultura é ainda vista como um problema e nunca como

uma questão que deve ser discutida e analisada. Ainda mais se lembrarmos o contexto em

que o movimento estava inserido, o chamado “regime de exceção”. Para os participantes, a

criação de um mercado não envolvia produtores, donos de supermercados como a

Mascarenhas que contava com o apoio popular, ou seja, um embate entre a sociedade e as

autoridades, uma iniciativa imediata contra uma que é ainda discutida e tratada como

problema.

Os participantes tinham a visão de cultura como algo transformador produzindo nos

indivíduos um amplo conhecimento e que deveria ser entendida como uma necessidade.

26 Jornal Diário Mercantil: 29 de maio de 1983. Matéria intitulada “Artistas fazem movimento pela B. Mascarenhas”

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Em uma reportagem especial com os líderes do movimento, percebemos como eram

organizados, com ideias amadurecidas a respeito desses episódios:

Waltinho: eles não querem que o povo tenha educação nem cultura. Educação porque ele vai ficar mais inteligente, cultura ele vai ter independência.Guilherme: se um governo tende a ser participativo, ele tem a meu ver, que dar ênfase à parte cultural para criar canais competentes na administração. Nós queremos, com este centro cultural, mudar a mentalidade para que as pessoas entendam sua presença no mundo de maneira diferente.

Mesmo a luta ganhando repercussão nacional, cabe destacar as opiniões dos leitores

e as reportagens de ambos os jornais Diário Mercantil e Tribuna de Minas assim como a

ideia de cultura daqueles que presenciaram o movimento. Um exemplo é uma opinião de

um anônimo publicada no Tribuna de Minas no dia 13 de maio intitulada “Visão

intelectual”:

O barulho que alguns grupos intelectuais de Juiz de Fora estão fazendo em torno da velha fábrica Bernardo Mascarenhas [...] só se entende em períodos economicamente saudáveis. O que está se pedindo de uma cidade que não tem recursos sequer para recuperar uma rua, chega a ser excessivo, quando não imprudente27.

A cidade naquele momento, segundo o autor carecia de alguns recursos como a

falta de saneamento básico que deveriam ter investimentos para sanar esses problemas e

não investir em uma fábrica para ser um Centro Cultural:

Acredita-se, entretanto, que este não é o tempo para investir eventuais reservas municipais em adaptações de uma velha fábrica, enquanto nos bairros mais pobres a falta de saneamento básico continua provocando doenças e mortes de crianças. [...] que este movimento “pró-Bernardo Mascarenhas” seja considerado uma semente, que deverá germinar apenas em seu devido tempo. Agora, é época de outros tipos de realizações, de outros tipos de benefícios que possam ser traduzidos em melhores dias para toda uma população marginalizada e que há anos amarga o absoluto abandono28.

Opinião semelhante é encontrada no jornal Diário Mercantil que ao abordar as

pessoas na rua perguntava o que achava do movimento. Esse relato foi dado no mesmo dia

da manifestação e distribuição de panfletos na rua Halfeld:

A Mascarenhas devia continuar como fábrica, a gente está precisando de mais empregos, e não de cultura, neste município cheio de pobreza29.

27 Jornal Tribuna de Minas: 13 de maio de 1983. Matéria intitulada “Visão Intelectual.”28 Jornal Tribuna de Minas: 13 de maio de 1983. Matéria intitulada “Visão Intelectual.”

22

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O que percebemos nesses trechos são opiniões contrárias ao movimento expressas

por esses leitores abordados pelos jornais. Esses relatos mostram a falta de conhecimento

em cultura, como se a cultura não gerasse emprego para a cidade e até mesmo a relação do

indivíduo com a comunidade ao se mostrar contrário ao movimento pela preservação e o

direito a memória coletiva ao tentar resgatar a imagem de Bernardo Mascarenhas.

Vale notar os grandes destaques dado pelo Diário Mercantil sobre o movimento e

da preocupação com o patrimônio em Juiz de Fora. No Diário Mercantil, por exemplo, na

edição de 25 de junho pedia um manifesto aos participantes do movimento, já na edição de

17 de julho foi publicada uma longa entrevista com os líderes, intitulada “Centro de

Criação Mascarenhas: Quando é? Quando é?30”, além de reportagens especiais sobre a

história de Bernardo Mascarenhas e a sua fábrica. É no mês de julho, inclusive que o

movimento atinge repercussão nacional. Vários artistas fizeram uma passeata no dia 30 de

julho como o objetivo de “fazer as pessoas avaliarem as transformações sofridas pela

cidade”.

O evento contou com a participação de escritores Rubem Fonseca, Rachel Jardim e Marina Colassantti; o poeta Affonso Romano de Sant’ Anna e os artistas plásticos Carlos e Fani Bracher e João Guimarães Vieira, além do deputado João Batista dos Mares Guia, presidente da Comissão do Patrimônio Histórico da Assembléia Legislativa31.

A respeito das diferentes opiniões, pretendo destacar uma intitulada “O Bem

Cultural” publicada no Diário Mercantil em janeiro. Não há menção ao movimento, mas

acredito que mostra a questão cultural, mesmo a cidade enfrentado diversos problemas

sociais, se mostrava preocupada com a questão da cultura e do patrimônio:

Um teatro, para um povo é, tão importante como uma enorme galeria de águas pluviais, levar música para o parque é missão tão séria para aplicar bem os impostos e implantar indústrias: o apoio ao maestro da banda é quando o administrador olha para a cidade como uma comunidade que necessita tanto de bens materiais como do exército do espírito, uma tarefa tão séria como cuidar da saúde, como abrir escola32.

29 Jornal Diário Mercantil: 29 de maio de 1983. Matéria intitulada “Artistas fazem movimento pela B. Mascarenhas”30 Jornal Diário Mercantil: 17 de julho de 1983. Matéria intitulada “Centro de Criação Mascarenhas: Quando é? Quando é?”31 Jornal Diário Mercantil: 31 de julho de 1983. Matéria intitulada: “Cerca de 800 pessoas na passeata pró-Mascarenhas.”32 Jornal Diário Mercantil: 23 de janeiro de 1983. Matéria intitulada “O Bem Cultural”

23

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O movimento Mascarenhas, Meu Amor, tinha, portanto como objetivo transformar

a sociedade através da cultural que para as autoridades era entendida como “problema”.

Ao mobilizar conscientemente o movimento, os líderes pretendiam tornar as pessoas

independentes com senso crítico a respeito do momento que a cidade estava passando.

Percebemos que alguns indivíduos eram contrários ao ideia de um Centro, pois acreditava

que a cidade precisava solucionar problemas mais graves. Mas o que vimos foi uma

mobilização geral que ganhou repercussão nacional. O Centro Cultural Bernardo

Mascarenhas foi inaugurado em 1987, abrigando atualmente um espaço para manifestações

artísticas e o Mercado Municipal, entre outros espaços.

Diário Mercantil – 31/07/1983

Referências bibliográficas

FEIJÓ, Martin Cezar. O que é política cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.

NICOLINE, Humberto. JF anos 80: fotografias. Juiz de Fora: Funalfa, 2009. Este livro contém fotos sobre o movimento.

PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora: medias iniciais. Edição: Prefeitura de Juiz de Fora.Fontes Periódicas

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DIÁRIO MERCANTIL - Juiz de Fora. 1983. SemanalEdições: 22/01/1983, 23/04/1983, 04/05/1983, 05/05/1983, 25/05/1983, 27/05/1983, 29/05/1983, 31/05/1983, 04/06/1983, 05/06/1983, 25/06/1983, 12/07/1983, 15/07/1983, 17/03/1983, 31/07/1983, 31/07/1983, 13/09/1983, 14/09/1983, 28/09/1983, 07/10/1983, 07/10/1983, 22/10/1983, 06/11/1983.

TRIBUNA DE MINAS – Juiz de Fora. 1983. SemanalEdições: 01/01/1983, 08/02/1983, 20/02/1983, 12/03/1983, 17/04/1983, 23/04/1983, 24/04/1983, 29/04/1983, 30/04/1983, 03/05/1983, 04/05/1983, 13/05/1983, 25/05/1983, 27/05/1983, 29/05/1983, 09/06/1983, 02/08/1983, 12/08/1983, 27/08/1983, 30/08/1983.

Fontes Arquivos

Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora

Biblioteca Municipal Murilo Mendes – Setor de Memória

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Práticas Políticas e Ações Sociais: representações e conflitos.

A Segunda Guerra Púnica e a Manutenção da Republica Romana Durante a

Ditadura de Quinto Fábio Máximo.

Fábio de Souza Duque*

Introdução

Ao ler sobre a vida de Quinto Fábio Máximo dentro das biografias realizadas por

Plutarco33, deparei-me com o espanto de Plutarco sobre as condições da ditadura de

Quinto, e como sua presença de liderança a frente da República foi essencial para a

sobrevivência da mesma. Dentro do período ditatorial de Fábio deparei com duas

especificidades, sendo a primeira a maneira como ele ascendeu ao cargo, que não fora de

maneira tradicional e no ápice do combate ele teve seus poderes divididos com o Chefe da

Cavalaria, fato de acordo com Plutarco, Tito Lívio e Políbio, nunca havia acontecido antes.

Os fatores que levaram a essa indicação de Fábio Máximo e a divisão do poder ditatorial

deste e algo tentarei expor aqui e traçar um paralelo com o desespero da sociedade ao se

ver ameaçada por Aníbal em seu próprio território.

Pesquisar sobre a República Romana implica em um problema, alem da distância

cronológica de hoje para o foco do estudo, temos também o problema de fontes. Nenhuma

fonte primaria usada foi escrita por um autor contemporâneo ao fato. Tanto Tito Lívio e

Plutarco, sendo o primeiro patrocinado pelo Estado a fazer uma obra de resgate dos

costumes romanos desde a fundação de cidade no primeiro século antes de Cristo pelo

imperador Augusto, ele viveu entre os anos de 59 a.C. ate 17 d.C. O segundo foi um

influente filosofo grego que através de seu conhecimento adquirido na academia de Atenas

atingiu uma grande notoriedade durante a dinastia dos antoninos, vivendo durantes os anos

de 46 e 126 d.C. Assim temos um grande lapso temporal entre os narradores e o

acontecido, a salvo dos escritos de Políbio, escritor grego exilado em Roma devido às

guerras entre a Urbs e a Macedônia, este esteve presente na queda de Cartago durante a

Terceira Guerra Púnica ao lado de Cipião, o africano, ai tendo um contato com um

* Graduando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).33 Ver PLUTARCO. Fabio Máximo. In:_______.As Vidas dos homens Ilustres.São Paulo: Editora das Américas, 1956, vol. 2.

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contemporâneo da Segunda guerra púnica. Polibio entre os historiadores da antiguidade e

considerado o mais digno de confiança em relação aos seus escritos e sendo usado por

todos os outros autores clássicos posterior, inclusive os já citados.

Pretendo delimitar o artigo não muito além da península itálica, cuja região é a que

mais foi devastada por Aníbal durante os anos de sua presença, mais ao se trabalhar com as

Guerras Púnicas temos nosso olhar sempre sendo desviado pra locais onde se fazia

presente às influências romanas e cartaginesas como a península ibérica, o norte da África

e as ilhas ao redor da atual Itália – Sardenha, Sicília e Córsega. Dentro do corte

cronológico pretendo trabalhar com o ano do inicio da Primeira Guerra Púnica em 164

a.C.34 até o fim da Segunda Guerra Púnica em 202. Dentro desse corte, o ano no qual será

de mais destaque, será o ano da ditadura de Quinto Fábio, tal data de acordo com Políbio

seria a primeira metade do ano de 216.

Algumas considerações

Sobre a fundação de Cartago e sua presença dentro do contexto mediterrânico

pouco se sabe em vista de um legado próprio ser quase inexistente, sempre ao se trabalhar

com Cartago deparamos com algum escritor clássico latino ou grego, e suas visões são

sempre quase negativas sobre essa cidade de fundação fenícia, a salvo sua constituição

política que muito agradaram tantos romanos como gregos, por esta ser semelhante as suas

próprias instituições.

Sobre a data de fundação de Cartago35 a dúvidas, pois sua fundação tradicional data

do ano de 814, mas descobertas arqueológicas apontam esse “nascimento” como sendo da

última metade do século VIII. Desde sua fundação Cartago era voltada para o comércio e

com sua independência sobre a Fenícia no século VI, ela se projetou sobre o oeste do

Mediterrâneo sobrepujando todas as outras coloniais fenícias presentes no norte da África e

como em outras regiões costeiras da Europa ao seu controle. Essa ascensão de Cartago

provocara incessantes guerras com os gregos e posteriormente com Roma, principalmente

por causa do interesse de Cartago na Sicília e posteriormente na península ibérica, região

34 Todas as datas aqui referidas são correspondentes ao período anterior à Cristo.35 Tal discussão sobre a data de fundação e sobre a constituição de Cartago se encontra muito bem explicada e trabalhada pelo pesquisador Warmington em WARMINGTON, B. H. O período cartaginês. In: MOKHOTAR, G. (org.). História da África – A África Antiga. São Paulo: Ática/UNESCO, 1980, cap. 18. Pois aqui me limito a explanar sobre a importância de Cartago no cenário mediterrânico e não expor sobre sua constituição social, política e econômica.

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rica em prata que proporcionará riquezas a Cartago e a possibilidade de cunhagem de

moedas ainda não presente dentro da sua estrutura econômica.

Enquanto Cartago estava chegando a seu apogeu, Roma dava os primeiro passos

para sua consolidação e para obtenção da unificação da península itálica sob seu jugo.

Desde o inicio da República, Roma começou um processo de expansão dentro do contexto

da península, enquanto paralelamente foi desenvolvendo suas instituições políticas. Essa

política “imperialista” romana dentro da península, fez surgir durante muito tempo à

crença sobre as expansões romanas serem voltadas para defesa, para sua própria proteção,

contra os perigos que cercavam a cidade, realmente a cidade era sempre alvo de ataques,

como no inicio do século IV, quando gauleses conseguiram invadir e saquear Roma. Tais

ações dos gauleses provocaram feridas no âmbito da sociedade, que sempre quando era

ameaçada lembrava-se desse acontecimento36. Essas conquistas dentro da península irão

terminar na primeira metade do século III, pouco antes do inicio da primeira Guerra

Púnica, enquanto suas instituições políticas já se encontravam todas reguladas dentro dos

princípios de elegibilidade, anualidade, colegiabilidade, especialização e hierarquização

desde 367. Com a consolidação do seu poder dentro da península itálica, Roma passa para

uma nova fase do seu imperialismo territorial, a expansão para fora do continente, mais

especificamente as ilhas vizinhas.

Ao mover seu interesse para fora da península itálica, Roma choca-se com os

interesses de Cartago, então senhora do Mediterrâneo. Essas duas cidades possuíam

tratados de delimitações comerciais desde ano de 348, quando Roma começa a se destacar

dentro das cidades da península. Em 264, Roma invade a ilha da Sicília e inicia a Primeira

Guerra Púnica contra Cartago. Dessa guerra ressalto somente o seu desfecho, já que aqui

não daria para expor mais minuciosamente sobre os fatos ocorridos nela. A ela coube o

papel de elevar Roma a principal potência do mediterrâneo que a muito era de Cartago, e

lançou Roma a um novo estágio de seu imperialismo territorial, uma definição da

pesquisadora Norma Musco Mendes sobre as guerras púnicas ilustra bem essa nova

vocação romana: “As Guerras Púnicas marcaram a orientação política romana à escala

mediterrânica” 37. Este domínio se deu principalmente através da consolidação do poder

romano nas ilhas da Sicília, Sardenha e Córsega.

36 Tal fato pode ser confirmado dentro dos livros que Tito Lívio dedica a História de Roma, sempre que ameaçada, como no caso de Aníbal, a sociedade lembrava-se da ferida aberta pelos gauleses e receavam passar novamente por tal derrota. 37 MENDES, Norma Musco. Roma republicana. São Paulo: Editora Ática, 1988, PÁG 41.

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Segunda Guerra Púnica, República Romana e Quinto Fábio

Dentro deste contexto é que me aproximo do inicio a Segunda Guerra Púnica e dos

eventos que irão levar Quinto Fábio Máximo a magistratura de ditador. Após a derrota de

Cartago e as pesadas punições impostas por Roma, como uma alta taxa de indenização a

ser paga, perda da marinha de guerra e ter de abandonar suas províncias fora da África,

Cartago novamente começa a pensar e a executar uma expansão não somente no contexto

africano como novamente volta à península ibérica, e lá institui uma nova fase de sua

dominação. Iniciado por Amílcar Barca, conduzida por Asdrúbal genro de Amílcar e

cunhado de Aníbal, essa dominação se conclui com a chegada de Aníbal ao poder onde se

tem toda a península submetida ao poder cartaginês. Tal efeito de conquista da península e

o conflito de interesses levam novamente Roma e Cartago a se chocarem. Então no ano de

219, Aníbal inicia os combates após conquistar a cidade aliada de Roma, Sagunto, após sua

vitória ele segue pela Europa ate chegar à península itálica, fazendo acordos com os

habitantes ibéricos e gauleses em troca de tropas e víveres e livre passagem, pois Aníbal

tinha para si que o único modo de derrotar Roma seria em seu próprio solo, uso aqui um

exemplo de Tito Lívio que ilustra esse ímpeto do Cartaginês, como e mencionado por Tito

Lívio: “... tentavam, isso sim, expulsar os romanos da terra ancestral na qual haviam

nascido” 38. Esse avanço foi tentado diversas vezes ser barrado por Roma, mas sendo

tentativas que não resultaram em nada. Assim no ano de 218 começou os embates dentro

península itálica.

Dentro das batalhas púnicas uma em especial fez toda a diferença para chegarmos

ao ponto culminante desse pequeno estudo, a Batalha de Trasimeno. No ano de 217, foram

eleitos os seguintes cônsules, Caio Servílio e Caio Flamínio, o primeiro ficou responsável

pela defesa da costa leste da península enquanto Flamínio decidiu ir buscar confrontar

Aníbal em campo as margens do lago Trasimeno, onde Roma recebeu a sua pior derrota

desde a invasão gaulesa, Flamínio foi morto e perdeu consigo duas legiões romanas mais

tropas auxiliares, assim a Republica de Roma entrou crise e em períodos de crise em Roma

leva a evocar uma magistratura usada somente em período de ameaça a liberdade. Deixo

Tito Lívio nos relatar tal evocação do estado de Roma no após a derrota:

... estando a República adoentada e enfraquecida, julgar as desgraças que lhe sobrevinham não de acordo com seu alcance intrínseco, mas com o esgotamento

38 TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vol. 2, livro XI, 53, pág., 422.

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do Estado, incapaz de suportar mais. De sorte que se recorreu a um remédio que há muito não se reclamava nem se aplicava: a nomeação de um ditador. 39

Assim na primeira metade do ano de 216 e nomeado ditador Quinto Fábio Máximo.

Creio que cabe aqui uma observação muito pertinente ao se tratar da Segunda Guerra

Púnica, o poder romano na península estava muito bem edificado, pois mesmo com a

devastação provocada por Aníbal e suas ofertas de alianças aos povos da península itálica,

e com a visão de uma Roma debilitada, os povos aliados a Urbs mantiveram-se fieis ao

poder romano, fato este que em parte foi decisivo para a sua vitória sobre Cartago.

A família Fabiana como designa Plutarco40, tem suas origens junto a Hércules que

fecundando uma ninfa deu origem ao primeiro dos Fábios, essa origem mitológica é

bastante parecida, creio ser, com as origens de famílias clássicas de Roma que buscavam

sempre aproximarem sua genealogia aos deuses de alguma forma. Já Tito Lívio41 coloca a

família Fabiana dentro das famílias mais nobres de Roma, sendo ela participante da

expulsão dos reis e ajudando a instaurar a república. Essa família a muito já havia se

destacado dentro da República, nas guerras de expansão de Roma temos a presença do avô

deste Quinto Fábio, também chamado Quinto Fábio Máximo, que ganhou tal alcunha de

Máximo devido a sua elaboração das tribos urbanas para a formação de uma nova

constituição da Assembléia Curiata42.

A República significava a liberdade do povo, um regime no qual os ideais de

libertas e civitas, sendo a primeira liberdade individual e a segunda sendo a posição do ser

na sociedade, era conferido ao povo e estes gozavam de seus benefícios. Os poderes dos

reis foram dissolvidos em uma série de magistraturas que visavam proteger esse beneficio,

mas uma das magistraturas acumulava para se a maior parte do imperium, antigo poder dos

reis, e a solução para esse poder não se transformar em uma tirania foi à criação de uma

magistratura excepcional que visava à proteção da República e só usada em caso de

ameaça, que é a ditadura. Esta foi instituída pela primeira vez no ano de 501 e sendo

adotada sempre que a República estava em crise. O homem que iria assumir este cargo não

era escolhido através do sufrágio, mas sim indicado pelos dois cônsules - tal ato não

acontece na indicação de Quinto sendo ele eleito pelo Senado - além de ser indicado ele

39 TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vol. 3, livro XXII, 8, pág., 19.40 PLUTARCO. Fábio Máximo. In: PLUTARCO. As vidas dos homens ilustres. São Paulo: Editora das Américas, 1956, Vol. 2, pág. 245.41 TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vol. 2, livro IX, 17, pág., 229.42 Tal sistema legado a Quinto Fábio por Tito se encontra dentro das inúmeras lutas entre patrícios e plebeus e pode ser encontrada em TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vol. 2, livro IX, 46, pág., 277.

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também ganhava um vice-ditador que era responsável por cuidar das questões ligadas a

guerra e somente a elas, este era o Chefe da Cavalaria, que assumia sempre na

impossibilidade do ditador exercer tal poder. Essa última magistratura durou até o fim do

século II, e esse conjunto possibilitou a debilitação do poder de Quinto durante sua

ditadura. Além dessas limitações também se encontrava a ditadura restritos há seis meses,

e dentro dos princípios básicos reguladores já mencionados.

Dentro deste contexto de crise, paro para olhar a religiosidade dos romanos e sua

crença nos deuses. Dentro dos relatos de Tito Lívio e de Plutarco encontramos uma forte

religiosidade presente neste período de crise, ao começar pela derrota de Flamínio, esses

autores relatam que ele não havia respeitado os augúrios e os rituais de sacrifícios aos

deuses antes de sair à guerra e por isso ao negligenciar os deuses acabou por romper com o

preceito da pax deorum, acarretando com a derrota de Roma. Ao assumir o cargo as

primeiras providências de Quinto fora restabelecer a pax deorum, para novamente os

deuses serem complacentes com o povo romano. Isto demonstra como o Estado Romano

não conseguiu uma laicidade e seus atos estavam sempre vinculados a religião mesmo

estes sendo livres para acatar ou não os presságios.

A magistratura de Quinto foi marcada por duas especificidades políticas às quais

considero marcos na República pelo fato de serem inéditas. A primeira se trata da

indicação de Quinto, este como já exposto não foi indicado pelos cônsules, mas indicado

pelo “povo”, entendo por este como sendo o Senado romano. Tito Lívio expõe este caso:

“... o que jamais se fizera até aquela data, o povo romano apontou como ditador Quinto

Fábio Máximo...” 43, essa indicação só foi possível pelos motivos de um dos cônsules se

encontrar morto e o outro isolado devido às tropas de Aníbal. Essa nomeação demonstra

como a sociedade romana em tempos de crise podia se ver abandonando a tradição para

buscar a salvação.

Antes de passar para a segunda especificidade creio que vale e se torna útil

sabermos um pouco sobre o período de ditadura de Quinto. Ao assumir este logo começou

a estabelecer a paz com os deuses novamente, como já visto, e suas ações na guerra foram

sempre muito cautelosas. Devido à debilidade da República Romana no momento Quinto

não achava sábio expor a República a um risco maior enfrentando Aníbal em campo

aberto, já que essa tática até então não havia rendido a Roma nenhuma vitória significativa

perante Cartago. A tática então usada por Quinto iria lhe render o apelido de cunctator,

43 TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vol. 3, livro XXII, oito, pág., 19.

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traduzindo seria “aquele que adia”, devido a ele evitar combater Aníbal abertamente.

Quinto para manter a cidade protegida simplesmente deixou Aníbal a percorrer as terras da

península apenas o acompanhado e evitando entrar em combate, travando lutas somente

quando não havia outro jeito, neste momento e que entra o personagem que ira

desestabilizar a posição de Fábio, o então Chefe de Cavalaria Marco Minúcio. Desgostoso

com a tática de Quinto, Marco passa a atacar a posição do ditador chamando-o de covarde

e fraco, e dizendo que se o Senado continuasse a deixar tal poder na mão de tão

incompetente homem a República estaria condenada ao seu fim. Esse discurso professado

aos quatros ventos chegou a Roma onde se tinha já presente no Senado uma forte

resistência a essa contemporização de Fábio perante Aníbal, assim ao regressar a Roma

para cumprir com os desígnios religiosos e deixar Minúncio no poder, Quinto receberia

uma restrição de poder que nunca houvera ate então em Roma. Enquanto Quinto se dirigia

para Roma Minúcio descumprindo ordens diretas de Fábio entrou em combate com Aníbal

e consegui derrotá-lo, mesmo a vitória não sendo tão significativa foi o suficiente para o

povo romano dar poderes iguais aos de Quinto para Marco. Plutarco ilustra tal ato:

“Decidiu, porém que Minúcio viesse a ter, daí em diante, poder e autoridade iguais aos do

ditador na conduta dos negócios, fato nunca visto antes...” 44. Essa história figura à crise

de Roma, novamente precisando expulsar Aníbal da península ela se inibi da tradição e se

utiliza da emoção para guiar sua postura a guerra. Sobe o comando dois o exercito foi

dividido e assim que Marco se afastou de Quinto e entrou em batalha aberta contra Aníbal,

ele sofreu uma derrota na qual somente escapou pelo fato de Fábio ter vindo socorrê-lo.

Dois pontos de Quinto valem apena ser ressaltado em nenhum momento este foi

desesperado e colocou a República em risco, ganhado posteriormente a alcunha de “escudo

de Roma”, e sendo temido por Aníbal que este tempo todo ficara sem ação perto da

contemporização de Quinto. Após o termino da ditadura de Fábio, Roma novamente veio a

entrar em combate aberto com Aníbal na Batalha de Canas, aonde Roma veio a ser

derrotada e a compreender a estratégia de Quinto sendo ele agraciado e adorado então pelo

povo e eleito como salvador da República e chegando até mesmo a ser eleito cônsul

posteriormente à derrota de Canas.

Conclusão

44 PLUTARCO. Fábio Máximo. In: PLUTARCO. As vidas dos homens ilustres. São Paulo: Editora das Américas, 1956, Vol. 2, pág. 264.

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Concluindo acho importante dar o desfecho da Segunda Guerra Púnica, para isso

usarei novamente a definição de Norma Musco Mendes:

Inicia-se, portanto, um período de mudança radical. A jovem República, até então unicamente continental e agrícola, tornou-se senhora do Mediterrâneo Ocidental, engajou-se na economia helenística e, por conseguinte, não pode evitar envolver-se na conjuntura Oriental.45

Podemos ver aqui que Roma começa a sair do contexto da Europa e passa a

influenciar o resto do mundo com a hegemonia no Mediterrâneo, tal mar a partir de então

passa a ser chamado por Roma de mare nostrum.

Dentro do contexto da República e da sociedade romana, creio que deixei claro a

presença de uma crise no sistema político romano, provida ela da ameaça à hegemonia

recém adquirida na península itálica, sendo Quinto um exemplo, tanto sua ascenção como

a divisão de seu poder ditatorial foram devido a ela. A crise se deu internamente e

externamente a Roma, externamente devido ao fato de tribos gaulesas ao norte da

península terem se aliado a Aníbal, e internamente devido ao fator de abandono das

tradições para a salvar a Urbs, motivada também pelo medo de um saque a cidade. As

atitudes de Quinto para a preservação de República e sua razão ao tratar das “coisas

públicas”, o enquadram no sentido de vir romanus, sujeito que apresentam três virtudes

básicas de conduta, pietas, homem ligado a família e aos deuses, fides, sujeito ligado aos

fundamentos de relação baseada na fidelidade e virtus, habilidades essencialmente

militares. E os três autores trabalhados neste artigo o tratam dessa forma como exemplo de

romano, como um “homem ilustre”. A crise só foi superada com a medida certa de razão e

prudência de Quinto combinada posteriormente com a audácia e vontade de livrar Roma da

presença de Cartago impelida pelo famoso Cipião, o Africano.

Referencias bibliográficas

Fontes primárias

TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vols. 2 e 3.

POLÍBIO. História. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

PLUTARCO. Fábio Máximo. In: PLUTARCO. As vidas dos homens ilustres. São Paulo: Editora das Américas, 1956, Vol. 2.

45 MENDES, Norma Musco. Roma republicana. São Paulo: Editora Ática, 1988, PÁG 41.

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Fontes secundárias

CORASSIN, Maria Luiza. Sociedade e política na Roma antiga. São Paulo: Editora Atual, 2001.

GUARINELLO, Norberto Luiz. Imperialismo greco-romano. São Paulo: Editora Ática, 1994.

MENDES, Norma Musco. Roma republicana. São Paulo: Editora Ática, 1988.

WARMINGTON, B. H.. O período cartaginês. In: MOKHTAR, G.(Org.). História geral da África- A África antiga. São Paulo: Editora Ática/UNESCO, 1980, Cap.18.

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Terrorismos e suas Representações no Mundo Contemporâneo

Renato João de Souza*

Introdução

O despontar do século XXI trouxe consigo a esperança de transformações e a

perspectiva de tempos mais pacíficos do que os vividos no século XX. No entanto, o

mundo logo percebeu que os conflitos, a intolerância, as guerras e as idéias imperialistas

haviam sobrevivido e que a construção da paz mundial estava cada vez mais distante.

Se por um lado a globalização tão propagada possibilitou maior integração entre os

mais variados países, por outro, agravou a dominação e acirrou as desigualdades entre

países ricos e desenvolvidos e aqueles mergulhados na pobreza e conflitos. As esperanças

de que uma maior integração mundial levasse todos os povos a melhores condições de vida

se frustraram e poucos ideólogos - exceto os de nações dominantes como os Estrados

Unidos - ainda defendem tal idéia.

Nem mesmo no campo da tolerância e do respeito ao outro houve grandes avanços.

Em especial no que se refere à relação Oriente/Ocidente pouca coisa mudou. O Ocidente

continua vendo os orientais como atrasados, seja referente à religião, ou à organização

político social; quando não, como bárbaros. Já do lado oriental proliferaram as ideologias

ante ocidentais, e mais um grupo que se comparado ao número da população oriental, é

muito pequeno de terroristas, que vêem os ocidentais em especial os Estados Unidos, como

inimigos a serem destruídos. Estes grupos como já colocamos embora pequenos, causam

grandes estragos, tanto para seu povo quanto para o ocidente. Pois, se por um lado

atentados como os ocorridos em 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, geraram

grande destruição e mortes naquele país, por outro lado colabora para criar a imagem de

que o oriental, em especial os muçulmanos são terroristas e bárbaros. E isto traz graves

conseqüências não somente no campo da representação, mas também no campo prático.

Um exemplo claro é o uso que Washington fez destes atentados no sentido de justificar a

invasão ao Iraque.

Assim, este ensaio visa discutir esta relação entre estes dois pólos, não a partir de

uma visão dicotômica no sentido de buscar “bandidos e mocinhos”, pois isto é feito

diariamente pela mídia. Mas, procurando entender esta relação conflituosa que acontece no

* Mestrando em Historia na Universidade Federal de Juiz de Fora.

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cenário de um mundo globalizado o qual tem os Estados Unidos, especialmente no quesito

militar, como seu líder ou mesmo em busca desta liderança. E a partir daí pensar no

processo de construção da imagem do outro realizado pela mídia, por políticos, por líderes

religiosos, terroristas e seu processo de assimilação social desta imagem. Para tal fim,

buscarei trabalhar basicamente com o livro Sobre o Islã, de Ali Kamel, Globalização,

Democracia e terrorismo de Eric Hobsbawm, e ainda com uma pequena análise do filme:

Paradise Now, e do documentário: Fahrenheit 11 de Setembro e com o

filme/documentário: WTC: Por Trás do 11 de setembro.

Terrorismo e o fenômeno dos atentados suicidas

Este século mal havia começado e a nação mais poderosa do mundo é abalada por

um atentado, no qual morreram mais de três mil pessoas e causou enormes prejuízos para

os Estados Unidos. Seria o prenuncio de mais um século violento no cenário internacional?

Parece que sim, pois esta primeira década nem acabou e vários conflitos já se sucederam

como a invasão de Afeganistão, do Iraque pelos norte-americanos e ainda a invasão do

Líbano por Israel. Paralelo a estes conflitos e dando legitimidade a eles apareceu a figura

do terrorista, ou seja, aquele que executa ações geralmente contra civis com o objetivo de

espalhar a desestruturação e o pânico nas populações afetadas.

No cenário internacional destaca-se a Al-Qaeda, organização que por meio de

atentados suicidas, como os de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, têm causado

grandes estragos. Sua criação se dá no início da década de 1980 após o fim da guerra

contra os soviéticos no Afeganistão. Guerra na qual lutou Bin Laden e que curiosamente,

em grande medida, foi financiada pelos Estados Unidos. Foi criada segundo Kamel “para

atingir as seguintes metas: Estabelecer a verdade, livrar o mundo de todo mal e fundar uma

grande nação islâmica” 46 e ainda fornecer uma base para “islamização” do mundo. Sua

estrutura era ambiciosa com a criação de várias pequenas bases e contando com a

participação de indivíduos de vários países orientais. Outra característica é que sua

estrutura inicial “parece ter sido de uma organização de elite, mas sua operação se da por

meio de um movimento descentralizado, no qual células pequenas e isoladas são criadas

46 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.p. 213.

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para atuar sem nenhum apoio da população ou de qualquer outro tipo e sem necessitar de

base territorial”47.

Embasada em uma interpretação do Alcorão não compartilhada pela esmagadora

maioria dos muçulmanos. Formada a partir da pinça e junção de partes do mesmo,

acreditam em uma guerra santa que imponha esta suposta verdade a todos os povos. È

neste sentido que Kamel vai dizer que não são perigosos por serem fanáticos ou

fundamentalistas; mas por serem totalitários48, e na medida em que este objetivo se torna

uma Jihad, ou seja, em uma “guerra santa” legitima uma verdadeira cruzada contra o

Ocidente. Uma guerra onde os suicidas se tornam mártires, que serão recebidos no céu por

72 virgens e veriam a face de Deus. Assim não fica difícil encontrar soldados para sua

causa.

É interessante pensar que a maioria destes homens faz parte de uma elite, muitas

vezes já com fortes contatos com o Ocidente, como bem exemplifica o

filme/documentário: WTC: Por Trás do 11 de setembr,.originário da Inglaterra gravado

pelo estúdio California Home Vídeo, com direção de Antonia Bird. Sendo lançado no ano

de 2004 nos Estados Unidos. Este ao analisar os atentados de 11 de setembro e toca muito

nesta questão, pois, ao apresentar os terroristas demonstram que estes tinham uma

excelente condição financeira, viviam cercados de luxo e dos confortos da vida Ocidental.

Sendo sua motivação eminentemente religiosa, ou seja, acreditavam estar fazendo parte de

uma guerra santa contra os infiéis pecadores e desprezáveis, e após a morte todos seriam

acolhidos no céu.

A justificativa religiosa embora absolutamente pertinente não acredito seja o único

fator explicativo para a ação destes organismos atuantes no cenário internacional. Acredito

ser, em boa medida, uma reação a anos de políticas imperialistas nas regiões Islâmicas, o

que reunido ao fato do permanente apoio norte americano a Israel ajudaram a formar em

alguns setores muçulmanos uma representação negativa dos ocidentais, em especial dos

Estados Unidos. As interferências quase sempre arbitrárias e sem o menor respeito às

diferenças geraram mudanças culturais significativas tanto no campo religioso e

econômico, como no campo da política e das relações de poder. O que vem ao longo dos

anos gerando conflitos, que cada vez mais elaboram a imagem do Ocidental enquanto

47 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007. p. 177.4 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007. p. 177.48

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inimigo contra o qual se deve moralmente lutar e se preciso for, morrer. Morrer em defesa

de suas crenças, de seus interesses “louváveis” ou não.

Há ainda uma questão que deve ser colocada ao tratamos deste assunto, é a de que

não podemos reunir todas as ações terroristas em um mesmo grupo; em especial no caso da

Palestina, onde o conflito ali existente se apresenta com características bem peculiares.

Para apresentá-las gostaria de pensar o filme Paradise Now. Este filme foi produzido na

Palestina, em 2005, tendo recebido três prêmios do festival de Berlim em 2005 e o Globo

de ouro de melhor filme estrangeiro de 2006.

Graças ao seu lugar de produção consegue discutir com grande profundidade a

complexa questão Palestina, em especial no que se refere às conseqüências da ocupação

israelense para os árabes daquela região. Uma vez que apresenta uma visão de quem vê o

problema de dentro e, portanto pode apresentá-lo com riqueza de especificidades,

contradições e sensibilidades que só a experiência do vivido podem revelar.

O filme nos coloca em contato com uma realidade de extrema pobreza, com um

atraso tecnológico e estrutural gigantesco. Com cidades, onde o desemprego e subemprego

proliferam e sobrevive uma população humilhada pela ocupação com a dignidade ferida e

abalada. E que se questiona todos os dias como resistir a essa invasão? Haveria como?

Em torno destes questionamentos é que a narrativa vai sendo construída.Sendo

apresentada as possíveis alternativas de resistência, no entanto, devido a perversidade da

situação no qual se encontram, estas parecem todas inviáveis, pois Israel tem muito mais

força econômica, militar e apoio externo. Neste contexto tão desfavorável, muitas vezes

não resta outra forma de resistir, a não ser pelos ataques suicidas, mesmo que estes tenham

um efeito perverso para os dois lados. Uma vez que se em Israel ocorre à morte de vários

civis, para os palestinos além de levar o autor à morte, consolida cada vez mais sua

imagem de terroristas e assassinos, legitimando ações militares como as que vemos

diariamente nos noticiários, que geram incontáveis mortes e destruição.

Esta necessidade de reagir e ao mesmo tempo a falta de esperança e de dignidade,

transforma homens comuns, geralmente pobres e com pouca instrução, em “Homens

Bomba”. Homens - que ao contrário da representação criada sobre eles no Ocidente, de que

são bárbaros e da criada na sua região que o transforma em mártires, são homens comuns:

são pais, filhos, trabalham quando há emprego, amam e sofrem as mesmas contradições de

todo ser humano. Ou seja, o filme é importante ao chamar a atenção de que homens como

Said e Khaled, personagens que atuam como “homens-bomba” não são monstros, mas

pessoas que buscam na morte uma dignidade que lhes foram retiradas em vida.

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A grandeza desta obra está em não apresentar estas questões de forma simplista,

inclusive problematizando e deixando no ar críticas a este tipo de iniciativa, como a

apresentada pela filha de um “homem-bomba”, que questiona e tenta dissuadir Said do

ataque, e a todo o momento o questiona sobre outras formas de resistir, no entanto, estas

são apresentadas de forma inconsistente e assim Said acaba indo até o fim da missão, se

explodindo e levando consigo várias pessoas. Percebemos que muitas vezes isto reflete

bem a realidade perversa, onde nas palavras de Said “as vítimas se tornam assassinas”.

Assim não podemos, embora tenham relação, colocar num mesmo patamar os

atentados cometidos por organizações como a Al Qeada, e os atentados realizados contra

Israel. Como denota o próprio perfil daqueles que se submetem a tais ações, pois se os

membros da Al Qeada, em bom percentual pertencem a uma elite, que estão em busca do

céu em Israel os recrutados geralmente: “são jovens, tem entre 18 e 27 anos, solteiros,

desempregados, de famílias pobres”49. Para estes talvez essas seja a única chance de serem

valorizados, de suas famílias terem o sustento garantido, e ainda a chance de mostrar sua

revolta seu descontentamento com a ocupação e todos os males que ela traz.

A guerra contra o terror e a política norte-americana

Após os atentados de 11 de setembro Bush pareceu mais atordoado e indeciso que

já era levando certo tempo para atacar o Afeganistão para pender Bin Laden, mentor dos

atentados, no entanto quando isso ocorreu esse já tinha há muito ido embora. Restou lutar

contra uma população de miseráveis já derrotados pela seca e pela fome.

A partir daí, houve o início de todo um trabalho de desviar as atenções do

Afeganistão e focá-las no Iraque. Para tal forjaram a idéia de que Bin Ladem poderia estar

lá. E mais, criaram o mito das armas de destruição em massa, de um risco eminente que

Sadan representaria para o mundo. Mas se estes argumentos não bastassem, voltou-se à

velha cartilha “vamos levar aos pobres coitados iraquianos a civilização”. Aqui levar a

civilização não mais no sentido religioso ou técnico, como vinha ocorrendo desde o século

XV. Mas, agora a civilização é apresentada a partir da idéia de razão e, sobretudo de

democracia. Ou seja, é preciso levar a civilização política. É preciso salvá-los de seus

ditadores Percebemos que mudaram os argumentos, mas ainda prevalece a visão ego

49 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.p. 123.

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centrista na qual, eu sou o civilizado e o outro o bárbaro, a quem eu estou fazendo um

favor ao introduzi-lo no meu mundo.

Amparado nestas ideologias, amparado pela legitimidade que os atentados lhes

deram, em 2003 ocorre à invasão ao Iraque. A ONU foi contra, o mundo foi contra. Mas

quem teria força para barrar a maior potência bélica do planeta. Não seria isso uma forte

prova da total submissão destes organismos à vontade dos Estados Unidos? Que poder tem

este e outros organismos internacionais, se suas decisões são jogadas no lixo e nada é

feito? Onde está a globalização política? Onde estão os mecanismos internacionais de

controle?

É como discute Hobsbawm, para quem não existe uma globalização política. Para

ele, “os únicos atores efetivos são os Estados. E em termos de poder militar capaz de

executar ações importantes em escala global só existe hoje um Estado que pode

desenvolvê-las, os Estados Unidos” 50. Assim esta idéia de globalização talvez tenha se

realizado em relação ao capital, no entanto, no campo político jamais se efetivou. Talvez

pudéssemos falar em uma dominação em uma busca de uma hegemonia global de um

determinado Estado sobre os outros. Durante muito tempo os norte-americanos

construíram ou buscaram construir esta hegemonia a partir de uma dominação econômica,

cultural e ideológica. Onde construiu para si a imagem de modelo para o mundo. Modelo

de país desenvolvido, livre e democrático. No entanto, logo no início deste século

percebemos alguns sinais de crise, tanto econômica, quanto no campo ideológico. Pois o

11 de setembro trouxe a tona quão frágil eram as garantias de liberdade interna no país. E

mais, revelou ao mundo sua arrogância em relação ao resto do planeta. E assim seu poderio

ideológico parece estar sendo minado, ficando sua força cada vez mais restrita ao campo

militar.Kamel diz que “os Estados Unidos decidiram invadir o Iraque com o propósito de

evitar que uma vez rearmado, Saddam pudesse ser o patrocinador da Al-Qaeda no futuro” 51. Para reforçar sua argumentação associa os terroristas e o Iraque à Alemanha nazista, e

ainda defende que como a hesitação em atacar a Alemanha causou o fortalecimento de

Hitler, assim não atacar o Iraque seria repetir a dose e permitir que este se fortalecesse e

viesse no futuro a dar base a Al-Qaeda. Aqui é necessário pensar algumas questões: Em

primeiro lugar comparar a Alemanha com todo seu poder ao Iraque é absurdo. Segundo,

50 HOBSBAWN, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.p. 58.

5

HOBSBAWN, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.p. 6051 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.p. 136.

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este tipo de comparação é altamente nocivo a uma análises independente destes eventos,

pois impede uma visão mais profunda que entenda que estes eventos são, em grande

medida, novos e em nada se relacionam as práticas de limpeza étnicas de Hitler. E ainda

associá-los aos nazistas pode ter efeitos sociais nocivos para os muçulmanos em geral, uma

vez que o ódio e o horror ao nazismo poderiam ser transferidos a eles.

Um grande crítico desta teoria é Michael Moore, e isto fica claro no documentário:

Fahrenheit 11 de Setembro. Onde ao analisar a invasão, apresenta uma perspectiva bem

diferente Para ele a justificativa estaria na relação do então governo americano com

empresas de armas e petrolíferas, as que mais ganharam com a guerra.. E contrariando a

idéia de Kamel, para quem a invasão não se justificaria por questões econômicas, o

documentário nos mostra reuniões de donos de empresas em plena guerra, discutindo como

poderiam aferir lucros no Iraque devido ao seu potencial petrolífero.

Além de questões econômicas e estratégicas que um governo pro ocidente poderia

trazer aos Estados Unidos tratadas no documentário, gostaria de apresentar ainda a opinião

de Hobsbawm para quem “a guerra foi basicamente um projeto para mostrar poder perante

o mundo” 52 O que em se tratando dos Estados Unidos não seria novidade.

Para além desta questão do por que se apresenta o real. E a realidade é dura tanto

para a própria população americana e principalmente para as populações dos territórios

ocupados. Dentro do país os problemas afetam em especial os mais pobres que é quem

fornece soldados para matar e morrer no Iraque. Mas, se os americanos sofrem pela perda

dos seus soldados, sofrem mais pela fantasia terrorista sempre presente. Com uma fantasia

criada pelo governo que usa deste argumento para manter a população acuada e aceitando

as políticas desastrosas do governo. E assim, a guerra imaginária contra o terror é mantida

aterrorizando sua própria população e escondendo a barbárie do Iraque e das desigualdades

internas.

Se o 11 de setembro espalhou o terror nos Estados Unidos, imagina o terror que

esta guerra que se diz contra o terror, causa diariamente na já sofrida população iraquiana.

Choca as entrevistas com os soldados americanos mostrados no documentário, quando

dizem que avançam atirando com uma música violenta e alta nos ouvidos. E assim cheios

de adrenalina como em um jogo de vídeo-game, vão atirando e matando, mutilando e

destruindo o pouco que resta de um país já devastado

52 HOBSBAWN, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.p. 156.

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E assim o ódio vai aumentando dos dois lados e esta bipolarização que não teria

razão de existir, pois representa a visão de poucos, vai sendo aprofundada e o que é mais

preocupante, é sua defesa por formadores de opinião. Como vemos na obra de Kamel: em

partes como esta: “Tempos difíceis os nossos. Se o outro lado conhece bem os seus

objetivos, e é capaz de morrer por eles, nós, a parte aparentemente racional do mundo, não

percebemos sequer de que lado estamos” 53

Esta idéia do outro irracional e um inimigo em potencial contra o qual devemos nos

posicionar de forma contrária é uma idéia que vem sendo disseminada pela mídia e sobre

tudo, pelos ideólogos no poder dos Estados Unidos e não só é mentirosa, como perversa,

pois visa transformar os norte americanos em defensores da “civilização Ocidental cristã,

democrática, racional e livre” contra os “fanáticos, totalitários e terroristas islâmicos”. E

assim aprofundam a idéia da divisão. E criam um outro a quem nem conhecemos, mas a

quem já tememos e devemos combater.

Conclusão

Concordo com Kamel quando este diz que nossos tempos são difíceis, no entanto,

não são ações isoladas e principalmente armadas que os tornaram mais fáceis. Ou mesmo

um posicionamento de um lado ou de outro nos proporcionará sequer compreender mais a

fundo esta questão, que dirá resolvê-la. Assim é preciso entender estes conflitos em sua

complexidade, com suas heranças do século XX, como a criação do Estado Israelense,

ocorrida de uma forma arbitrária e que gerou uma ocupação bélica permanente, herdamos

ainda o desrespeito ao outro em suas diferenças e por isso herdamos a idéia de impor ao

outro minha religião e meu modo de vida, herdamos as desigualdades, e a dominação.

Entretanto é preciso também reconhecer com a novidade e as singularidades que adquiriam

em nosso tempo

E contrariando as visões simplistas daqueles que vêem um mundo globalizado

ainda estamos fechados em nossos Estados nacionais; desprezando o outro, nos julgando

superiores e nos deixando envenenar por uma mídia que difunde e cria estereótipos e

representações distorcidas, e muitas vezes falsas.

As imagens das torres em chamas, de terroristas ameaçando em nome de Alá,

continuam entrando em nossas casas pela televisão, pelos jornais e revistas, e assim os

53 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.p. 288.

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terroristas comemoram a amplitude que ganham suas ações. E ainda vêem crescer o

número de indivíduos dispostos a se juntarem aos seus grupos e por eles morrer e matar. Se

o objetivo desta mídia é recriar em nossos dias a imagem do bárbaro, ela está conseguindo.

Mas, está conseguindo também encorajar novos ataques e ainda consolidar a imagem de

herói que estes assassinos tanto buscaram junto ao mundo e às suas comunidades, uma vez

que nelas têm pouca aprovação. Pode parecer irônico, mas a mídia Ocidental está sendo

muito eficiente neste sentido.

Por outro lado a imagem dos Estados Unidos de “mocinhos” e redentores do mundo

veiculada em uma mídia cada vez menos imparcial, vem atuando no sentido de legitimar

suas ações, no entanto, a realidade das regiões ocupadas é tão complicada que até mesmo

uma imprensa tendenciosa encontra dificuldades em apresentar a situação de forma

positiva. E assim, esta representação não se efetiva como o esperado pelo governo norte

americano para quem esta representação seria de fundamental importância para seu projeto

de liderança internacional. Principalmente no contexto atual, onde cada vez se sente

ameaçado, tanto pela falta de sustentação ideológica quanto pelo crescimento da União

Européia e de países asiáticos, como a China, e também o fortalecimento da América

Latina, que poderia bem ser exemplificada pelo franco crescimento brasileiro.

Neste momento talvez a contribuição que nós historiadores podemos dar a estas

questões, seja analisá-las de forma crítica, desmistificando os discursos e lançando luz

sobre os processos históricos que nos possibilitam um conhecimento mais amplo do

assunto. Ir além do imediatismo midiático e buscar um distanciamento para que evitemos

reproduzir idéias que geram discriminação e injustiças, como as que hoje sofrem os

muçulmanos espalhados pelo mundo. E ainda talvez, um distanciamento e uma visão

menos apaixonada interrompam a reprodução de um ódio que no fundo sequer teria porque

existir.

Referências bibliográficas

HOBSBAWN, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.

SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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História da Arte e Representações

Os Processos Intelectuais da Obra Mural Sacra Modernade Emeric Marcier

Ilton José de Cerqueira Filho*

Emeric Marcier54

O ano de 1940 foi marcado pelo aportamento, no Rio de Janeiro, de uma leva de

pessoas, oriundas de diversas regiões e países da Europa e das mais variadas categorias de

atividades, dentre músicos, pintores, escultores, escritores e cientistas, que somariam ao

sonho da desejada e vindoura modernidade, embora não o tivessem, face à turbulenta fuga

da II Guerra Mundial, iniciada no ano anterior.

Dentre aqueles, o que viria a ser um dos mais importantes pintores de murais com

temas sacros do Brasil e cuja obra constitui objeto de nossa pesquisa: Emeric Marcier.

Emeric Marcier é a forma abrasileirada do nome do pintor romeno, de origem

judaica, Imre Racz, no qual ele eliminou a letra “Z” e criou um anagrama, que passou a

usar por toda sua vida.

Marcier nasceu a 21 de novembro de 1916, na cidade de Cluj e faleceu a 01 de

setembro de 1990, em Paris, na França; era filho de Ana Racz e de Simeon Racz.

Até os 19 anos de idade viveu em Bucareste e, após, foi para Milão, onde estudou e

formou-se, em 1937, na Real Academia de Belas Artes, também conhecida como

Academia de Brera, ocasião na qual recebeu de Giuseppe Palanti, instrução sobre a técnica

italiana de pintura mural dos Séculos XIII e XIV, incluindo, entre outras, o afresco. Tendo

* Ilton José de Cerqueira Filho é Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora-MG. Autor do projeto: “Interconexão Entre Pintura, Vida e Religião: Os Processos Intelectuais da Obra Mural Sacra Moderna de Emeric Marcier”. Orientadora: Profª Drª Ângela Brandão.54 Foto de Emeric Marcier. Disponível em: http://emericmarcier.org/, extraída em 06/12/2010, às 21:34h.

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ingressado no segundo ano do curso de afresco, conduzindo seus estudos para a tendência

surrealista.

Ao concluir o curso de Brera, Marcier foi para Paris, na França, ali cursando

especialização na Escola Nacional Superior de Belas Artes.

Por ocasião da deflagração da II Guerra Mundial, vai para Portugal, ali

permanecendo por pouco tempo; após contato com intelectuais portugueses, imigra para o

Brasil, trazendo em sua bagagem três cartas de apresentação, fornecidas pelo escritor

português José Osório de Oliveira, que havia retornado do Rio de Janeiro há pouco, então

para facilitar-lhe a ambientação, escreveu cartas destinadas a Mário de Andrade, José Lins

do Rego e a Cândido Portinari.

Estando no Rio de Janeiro, Marcier faz uso da primeira carta ao procurar por Mário

de Andrade em sua residência e, posteriormente, por José Lins do Rego, na Livraria José

Olympio, que o integra ao meio intelectual carioca.

Seu círculo de amizades era composto pelas pessoas que o receberam, ou seja, o

meio intelectual, por ser restrito, todos se conheciam, podemos destacar: o poeta e escritor

Murilo Mendes; Yone; Mário de Andrade; José Lins do Rego; o romancista Lúcio

Cardoso; Júlia weber Vieira da Rosa (Julita), que viria a ser sua esposa; Lazar Segall;

Pedro Otávio; os escritores Georges Bernanos e Otto Lara Resende.

Sua obra era composta de nus, retratos, desenhos e auto retratos; sua pintura era

surrealista com influência picasseana e passou por mudanças, atribuídas às duas fases

distintas: antes e pós-conversão ao cristianismo, quando Marcier entrega sua vida ao

Cristo, fazendo um pacto, no qual doou sua vida, pedindo que fosse preservada a sua

pintura, a partir daí direcionou sua obra à temática religiosa, com ênfase à vida de Jesus

Cristo.

Seu amigo, Pedro Otávio, que passava a maior parte do tempo em São Paulo, em

uma de idas ao Rio de Janeiro, trouxe a notícia de uma capela construída pela Juventude

Operária Católica, nos arredores de São Paulo, dirigida por frades dominicanos,

comunicando a Marcier uma proposta da direção local, da realização de uma decoração

com murais, porém o serviço seria feito de graça.

A ausência de uma verdadeira crítica de arte, a manipulação das notícias e o fato de

existirem pessoas em posições estratégicas no meio jornalístico, desestimulavam Marcier

de expor, surgindo a intenção de retirar-se para o interior, por isso considerou interessante

a proposta de decorar a capela da JOC, apesar das condições financeiras desfavoráveis.

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Foi, também, seu amigo Pedro Otávio quem indicou a Marcier morar em

Barbacena, ali comprando um sítio, denominado Sant’Anna (nome da mãe de Maria e da

mãe de Marcier). Foi Frei Rosário, em contato com o Frei Osmar, que o convenceu a pagar

a Marcier pelos murais de Mauá, possibilitando a construção de sua residência no Sítio

Sant’Anna, atualmente o Museu Casa de Marcier.

Marcier fez um pacto com Deus, ao qual entrega sua vida, pedindo que lhe deixe a

pintura, passa a ter como tema de inspiração a Bíblia e ídolo a pessoa de Jesus Cristo.

Após sua conversão ao cristianismo, quando então Marcier passa a orientar sua

produção artística com a temática religiosa, porém em algumas murais ele faz

interferências pessoais, mesclando épocas históricas com fatos relacionados às suas

vivências, conflitos e traumas relacionados à II Guerra Mundial, desta forma, alterando a

narrativa histórica e bíblica.

Dentre os murais que podemos citar, como exemplo, sugerimos: “A Criação” –

localizado no Educandário Dom Silvério, localizado na cidade de Cataguases-MG; por

ocasião da pintura deste mural, a Irmã de caridade responsável pela capela do Educandário

mandou que Marcier modificasse a figura de Adão e Eva, pois estes estavam nus, ele

modificou, porém pintou o rosto da irmã quando retratou a criação do leão. No mural

“Matrimônio de Maria e José”, localizado no atual Museu Casa de Marcier, na cidade de

Barbacena-MG, uma releitura do mural de Rafael Sânzio, Marcier mesclou símbolos do

judaísmo, pois era judeu e, no mural “Visitação”, também localizado em sua antiga

residência, incluiu, no alto de uma serra, uma igreja, que é a igreja da Serra da Piedade,

uma referência e homenagem ao seu amigo, frei Rosário.

Talvez esta conduta artística e pictórica esteja relacionada à declaração de Marcier:

A vida é misturada com arte e, como ambas, tanto a vida como a arte, ainda mais requer fé, você só pode viver bem se tiver fé e esperança em alguma coisa.55

Referências bibliográficas

MARCIER, Emeric. Deportado Para a Vida. Francisco Alves. Rio de Janeiro. 2004.

__________________. “As Cores da Paixão”. Entrevista de concedida por Emeric Marcier à TV E. Produção de Nina Luz e Cacá Silveira. Rio de Janeiro: 1990.

55 Declaração feita em resposta à uma das perguntas feitas por Nina Luz de Cacá Silveira, por ocasião de entrevista concedida por Marcier á TV E, no ano de 1990.

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Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 3. nº 29. Rio de Janeiro-RJ. Fevereiro de 2008.

Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 5. nº 58. Rio de Janeiro-RJ. Julho de

2010.

SANT’ANNA, Afonso Romano de. Estória dos Sofrimentos, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus Cristo na Pintura de Emeric Marcier. Edições Pinakotheke. Rio de Janeiro-RJ. 1983.

Síntese – Revista Moderna de Cultura. Vol.11, nº 33. Rio de Janeiro-RJ. Setembro de

1944.

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Joana D’Arc, Guerreira ou Santa?Uma controvérsia iconográfica

Christiane Montalvão; Pollyanna Precioso Neves; Raphael Vieira Rocha*

A importância da obra de Alfred Barye deve-se ao fato de esta ser uma das muitas

representações iconográficas de Joana D’Arc. A escolha da peça foi fundamental para

expor o quanto a representação da personagem eclodiu em vários cantos do mundo e como

diversas representações produzidas em várias épocas foram adquiridas e admiradas, ou

rejeitadas por muitas gerações.

A escultura de Joana esculpida por Alfred se encaixa no grupo de representações

iconográficas produzidas através de uma visão bélica. O artista parisiense, filho de um

grande escultor também francês, Antoine-Louis Barye, executava muitos de seus trabalhos

usando a técnica que aprendeu ainda quando jovem, pois trabalhava ao lado do pai e de

seus irmãos em um estúdio de fundição. A técnica da arte da areia de fundição em bronze

mostrava um elevado grau de detalhes das obras; os primeiros trabalhos de Alfred foram

pequenos moldes de animais silvestres que mostram a forte influência e os ensinamentos

de seu pai, considerado um dos maiores escultores românticos animalistas.

Os maiores trabalhos de sucesso de Alfred Barye foram cavalos de corrida, mas ele

também é conhecido por ter modelado inúmeras peças que retomam o estilo do pai, o que

em algumas épocas causou grande confusão pelo fato de Alfred assinar as esculturas com a

mesma abreviação de seu pai (A. Barye). Depois de muitos desentendimentos familiares,

Alfred passou a assinar suas obras como Alf. Barye ou Barye Fils. Em algumas obras é

difícil identificar a autoria, pois ambos usavam a mesma técnica e gozavam de extrema

perfeição em seus trabalhos. É fato documentado que Alfred ainda continuou lançando

trabalhos com o nome do pai, mesmo depois de sua morte em julho de 1875. 56

A escultura de Joana D’Arc, pertencente ao Museu Mariano Procópio, da qual

partimos este trabalho, tem a assinatura de A. Barye, não se sabe ao certo se é mesmo de

autoria de Alfred ou de seu pai, devido a confusões ocorridas entre as assinaturas dos

escultores e a falta de informação sobre o ano de produção da peça e sua posterior

aquisição pelo referido museu. Embora não tão dedicado a arte quanto ao pai, não se pode

* Acadêmicos do 5º período do curso de graduação em História da Universidade Federal de Juiz de fora - UFJF/ MG.56 GALLERY, Bronze. Artist's biography. Disponível em: http://www.bronze-gallery.com

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contestar que Alfred foi um mestre escultor, sendo seus bronzes merecedores de

reconhecimento e valor.

Levantamos alguns dados que talvez nos leve a crer que a escultura em questão

pode ser atribuída a Antoine-Louis Barye devido à prestação de serviços que o mesmo fez

a algumas instituições francesas com o intuito de exaltar o nacionalismo francês através

das representações de seus heróis nacionais. Segundo referências obtidas no arquivo do

Musée d'Orsay, Antoine foi contratado por instituições oficiais para usar de sua arte para

compor um Leão para a Coluna de Julho em Paris e no Louvre alegorias para a sala do

novo palácio; ele também assina obras como a escultura Napoleão I montado em um

cavalo pertencente ao Musée d’Orsay e outra referente a uma homenagem aos irmãos de

Bonaparte, onde os quatros irmão estariam lado a lado numa mesma escultura; não se sabe

ao certo o destino desta ultima obra.

Hipoteticamente consideramos o fato de Antoine ter esculpido Joana d’Arc

montada a cavalo pelo fato de em certa época de sua carreira estar produzindo esculturas

por encomendas que representem os heróis franceses. Entretanto, não podemos deixar de

destacar que a escultura poder vir a ser de Alfred, pois uma mesma escultura foi

encontrada pela pesquisadora e professora da Universidade de Juiz de Fora, Drª. Maraliz

de Castro Vieira e Christo em um site de vendas de esculturas, onde a produção da peça é

atribuída a Alfred Barye.

Seria necessária uma maior exploração desta problemática para possíveis

afirmações. Para que conseguíssemos dar continuidade ao trabalho, preferimos explorar a

partir da estatueta as demais representações iconográficas de Joana D’Arc através dos

quase seis séculos de sua existência.

Nada mais fascinante para um historiador do que uma infinidade de fontes

disponíveis acerca de uma determinada temática. E se tratando de Joana D’Arc, tal

disponibilidade de fontes tanto escritas como iconográficas, nos possibilitou maximizar a

complexidade do presente artigo, assim como enriquecê-lo de maneira a contribuir com

toda historiografia que busca estudar tal figura.

Como foi dito anteriormente, as nossas indagações surgem a partir de uma estatueta

de bronze supostamente fundida por Alfred Barye, que nos despertou tamanha curiosidade

acerca de sua representação genuinamente guerreira. Convém deste modo, expor

rapidamente a história de Joana D’Arc para que cheguemos ao ponto crucial do nosso

trabalho - uma análise da representação iconográfica desta personagem, a fim de mostrar a

dinâmica controvérsia do ‘mito Joana D’Arc’, ao logo de seus quase seis séculos. Visto

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que durante este extenso período, Joana teria sido ora aclamada como salvadora guerreira,

ora esquecida pelos seus feitos, ora martirizada transformando-se em símbolo nacional, e

por fim sacralizada por seus milagres.

O símbolo em questão fora antes de qualquer coisa a simples Joana D’Arc, uma

camponesa nascida na vila de Domrémy, Lorena – França, em 1412. Era filha de

lavradores, sendo a caçula de uma família com mais dois irmãos homens. Fora criada perto

da mãe, que a ocupava com os afazeres domésticos enquanto seus irmãos trabalhavam no

campo com o pai. Não aprendeu a ler e nem escrever, mas recebeu os ensinamentos

divinos que estavam presentes na postura da mãe. “Recebeu sua religião não como uma

lição, uma cerimônia, mas na forma popular e ingênua de uma bela história de sermão,

como a fé simples e pura da mãe...” 57. Neste contexto, Joana torna-se uma devota desde a

infância. Quando aos doze anos de idade, ainda muito jovem, “estando no jardim de seu

pai, bem próximo a igreja, viu desse lado uma luz deslumbrante e ouviu uma voz: ‘Joana,

seja uma menina boa e ajuizada; freqüente a igreja’, a pobre menina teve muito medo”.58 Já

no segundo contato com aquelas vozes ocultas, Joana não só escuta como vê um clarão

onde percebe a presença de nobres figuras, onde uma das quais apresentava asas e portava-

se como um sábio magistrado. Este era São Miguel, o severo arcanjo dos julgamentos e das

batalhas, este disse a Joana que fosse ao socorro do Rei da França e devolvesse a ele o seu

reino. Posteriormente, Joana identifica as outras vozes: são elas as de Santa Catarina e

Santa Margarida. A pobre menina assustada guardou consigo o acontecido, e por um

período de seis anos nutriu a idéia de combater as tropas inimigas e devolver ao seu rei o

que lhe era de direito. Sem dizer nada a sua mãe, nenhum professor, sem o apoio de padres

ou parentes, Joana caminha todo esse tempo sozinha com Deus na solidão de seu grande

desígnio. Ao completar dezoito anos a menina torna-se uma jovem e bela mulher, segundo

Michelet que a romantiza, esta renuncia e “ignora as misérias físicas da mulher”.59

Joana vai então sair de casa e atravessar a França em meio ao caos, com o propósito

de impor-se na corte de Carlos VII, com o objetivo de se lançar à guerra. Em campos

jamais vistos, nos combates travados, o que sobressaia era uma mulher intrépida em meio

às espadas, sempre ferida, mas nunca desencorajada, “tranqüilizava os velhos soldados,

arrastava todo o povo que se torna soldado com ela, e ninguém ousa mais ter medo do que

quer que seja”.60

57 MICHELET, Jules. Joana D’Arc. São Paulo: Hedra, 2007.58 Procès, interrog. 22 de fevereiro. - MICHELET, Jules. Joana D’Arc. São Paulo: Hedra, 2007.59 A ouy dire à plusieurs femmes que ladite Pucelle... onques n’avoit eu... Depoimento de seu velho escudceiro, Jean Daulon. - MICHELET, Jules. Joana D’Arc. São Paulo: Hedra, 2007.60 Idem 2.

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Joana foi uma heroína da Guerra dos Cem Anos, que teve seu início no ano de 1337

terminando somente no ano 1453. Foi uma guerra entre as “duas grandes potências

européias” da época: Inglaterra e França. A questão dinástica que desencadeou a chamada

Guerra dos Cem Anos ultrapassou o caráter feudal das rivalidades político-militares da

Idade Média e marcou o teor dos futuros confrontos entre as grandes monarquias

européias. O estopim do conflito decorreu de um problema sucessório resultante da morte

do terceiro e último filho de Filipe IV (o Belo), Carlos IV, em 1328. As pretensões dos

dois foram examinadas por uma assembléia francesa que, apoiando-se na Lei Sálica,

segundo a qual o trono não poderia ser ocupado por um sucessor vindo de linhagem

materna, inclinou-se para o candidato nacional, aclamando o sobrinho, Filipe de Valois

com o título de Filipe VI. O rei inglês não discutiu a decisão, reconhecendo Filipe VI em

Amiens em 1329.

Joana entra no contexto da Guerra dos Cem Anos quando motivada pelas vozes e

visões resolve ir ao encontro de Carlos VII e posteriormente partir para a retomada do

território Francês que estava de posse dos ingleses. Deveria Joana coroar Carlos VII rei de

ascendência legítima, como o verdadeiro rei da França e posteriormente abrir caminho para

a condução do Rei a Reims onde este receberia de fato a coroação e a benção com o óleo

sagrado.

A longa duração desse conflito conhecido como Guerra dos Cem Anos explica-se

pelo grande poderio dos ingleses de um lado e a obstinada resistência francesa do outro. A

figura da camponesa guerreira surge nesse contexto: “guerreira capaz de unir as tropas

francesas desmotivadas em nome de uma única bandeira, a liberdade e soberania da

França” 61. Após sucessivas vitórias e reconquistas de territórios que estavam em domínio

inglês, o Rei Charles entende que o melhor a se fazer é pacificar a região e resolver as

demais questões de forma diplomática. Entretanto, Joana obstinada em cumprir a missão

que Deus havia lhe enviado, segue em tentativas fracassadas de recuperar a capital

francesa, Paris. Joana não encontra mais o apoio do monarca como ocorrido nas batalhas

anteriores, conseqüentemente faz com que sua credibilidade decaísse perante a França.

O ponto final para a participação da guerreira na Guerra dos Cem anos foi no ano

de 1430, quando esta fora feita prisioneira e vendida aos ingleses pelo conde de

Luxemburgo. Assim, Joana foi entregue ao Santo Ofício, onde permaneceu presa até que

terminasse seu processo inquisitorial. Valendo ressaltar que os esforços da monarquia

francesa para retirá-la dos domínios ingleses foram quase nulos.

61 MICHELET, Jules. Joana D’Arc. São Paulo: Hedra, 2007.

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Para desmoralizar a cerimônia de consagração ocorrida em Reims, “a versão

política usada pelo clero seria de que a cerimônia fora imposta por uma bruxa que portava-

se como homem; então convencendo a todos, Joana é julgada e condenada à fogueira pelo

crime de heresia, morrendo portanto antes mesmo da Guerra terminar. Entretanto o que

fica é sua imagem de determinação e coragem, “...mais do que um martírio de uma santa, o

verdadeiro batismo de um sentimento de nação incandesceu o coração dos franceses e

permitiu-lhes levantar-se contra a Inglaterra quase vitoriosa” 62, resultando em uma longa

batalha pela reconquista dos territórios.

Com o fim dos confrontos a imagem de Joana foi sendo esquecida no decorrer dos

séculos. Sua memória é resgatada em meados de 1789 quando as convulsões na França

crescem. A causa mais forte da Revolução foi à econômica, já que as causas sociais, como

de costume, não conseguem ser ouvidas por si só. A necessidade de união do povo para

derrubar o antigo regime se viu necessária, e por conta deste fato os grandes nomes da

revolução foram buscar em seu passado uma figura forte que fosse composta de superações

e bravura. Joana D’Arc ‘nasceu’ então como mito nacionalista sobre o lema francês

“Liberté, Égalité e Fraternité”, cujo ideal era naquele momento lutar contra o Regime

Absolutista opressor, situação que semelhante ao passado, onde os franceses sob comando

de Joana lutavam contra os ingleses para livrarem-se da opressão objetivando a liberdade

do povo em suas próprias terras.

Com o fim da revolução, a imagem da mártir fora ganhando maiores projeções, não

se apagou como ocorrido anteriormente. Movida por uma fé inquebrantável, Joana D'Arc

contribuiu de forma decisiva para mudar o rumo da Guerra dos Cem anos e tardiamente

teve seu valor reconhecido. Agora era exaltada pelos chefes de estado que a transformaram

em um ícone nacional; Joana ganhou muitas representações artísticas que ora enobreciam

seus feitos, ora a mistificava como uma santa guerreira. Aclamada também pelo povo que

acreditava em sua santidade, a Donzela foi beatificada por Pio X em 1909 e santificada por

Bento XV em 1920. 63

Levando em conta toda esta narrativa histórica, ao analisar a peça que propomos,

fizemos recortes na mesma e comparamos os elementos mais comuns às outras

representações iconográficas contextualizando com os acontecimentos decorrentes e

explicitando a forma como Joana aparece nas representações. Através do auxilio do

62 Idem 6.63 Vale lembrar que o julgamento de Joana D’Arc foi revisto, o famoso procès de rèhabilitation, 28 anos depois de sua morte e considerado injusto em toda a sua extensão. – Jules Michelet, Jeanne d’Arc, op. Cit.

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dicionário de símbolos64 conseguimos destacar e entender os significados dos elementos

em repetição nas imagens analisadas. Vale frisar que as imagens analisadas são do século

XVIII, posterior a Revolução Francesa, onde logo após estes acontecimentos, buscou-se

resgatar antigos personagens e transformá-los em heróis, que deveriam se tornar símbolos

nacionais exaltados pelos franceses, como é o caso de Joana D’Arc.

Deste modo, através da escultura em questão e assim como nas demais

representações nos foi possível observar os seguintes elementos comuns: a espada; a

armadura; o estandarte e o cavalo branco usado nas batalhas por Joana D’Arc.

Analisamos a espada primeiramente, dotada de um significado simbólico além da

explicação presente na história de Joana – “... foram tão fortes as inspirações dos espíritos,

visões e revelações pessoais que lhe deram todo o aparato de guerra, cavalo, exércitos,

armas para sua missão. Interessante que sua espada foi motivo de espanto, pois o espírito

de Saint Catherine informou a Joana d´Arc um túmulo de uma Igreja onde existia uma

espada especial. Foram lá e realmente a espada estava no local…”.65 A espada segundo o

Dicionário de Símbolos66 significa o símbolo do estado militar e da virtude, a bravura, bem

como de sua função, o poderio. É o construtor, pois estabelece a paz e a justiça. Seria

também o símbolo da guerra santa, uma guerra interior. Na tradição bíblica, a espada faz

parte dos três flagelos: guerra, fome e peste. Já nas tradições cristãs, a espada é uma arma

nobre que pertence aos cavaleiros e aos heróis cristãos. Conseguimos enxergar tais

significados nas iconografias de Joana D’Arc do século XVIII, que traz consigo a espada

como elemento incidente nas várias imagens estudadas.

A armadura que acompanha Joana em suas batalhas está associada à proteção,

considerada um escudo, um amparo ao corpo que se dispõem a travar embates por

quaisquer motivos, é portanto a proteção do guerreiro assim como também uma

característica do mesmo.

Outro elemento associado ao ethos guerreiro seria o estandarte, carregado por Joana

em todas as batalhas. Seu significado remete a indício de guerra, é signo de comando, de

reunião de tropas e o emblema do próprio chefe. Símbolo de ação contra forças maléficas,

o estandarte continha efetivamente o espírito e a virtude dos chefes guerreiros. Segundo a

história da guerreira Joana D’Arc, recebera a ordenação do Rei Charles para comandar as

64 CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. São Paulo: Jose Olympio, ed.18. 2003.65 DUFAUX, Ermance Dufaux. A história de Joana D'Arc ditada por ela mesma. Edições LFU. São Paulo, 1997. Disponível em: www.joanadarc.wordpress.com66 Idem 9.3

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tropas francesas na guerra, utilizava-se, portanto do estandarte para reunir e comandar as

tropas, assim como para distinguir-se dos demais como líder.

Finalmente, chegamos ao último elemento observado e destacado como comum às

diversas obras pesquisadas, o cavalo branco; animal este presenteado a Joana pelo seu Rei,

como forma de gratidão e meio de condução às batalhas. Deste modo, a simbologia nos

revela que os cavalos brancos estão associados à beleza vencedora pelo domínio do

espírito sobre os sentidos, assim como à montaria de majestades, heróis e santos. 67

Concluímos que os elementos analisados estão associados à imagem de uma Joana

essencialmente guerreira, visto que os significados simbólicos encontrados estão

diretamente ligados a temática de guerra. Outro aspecto analisado é o contexto que envolve

a guerra na trajetória da “Guerreira Joana D’Arc”, que utiliza os referidos objetos para

caracterizar-se como uma genuína guerreira, chegando a cortar os cabelos para se

aproximar da figura dos homens que lutavam ao seu lado. Cortar os cabelos foi uma forma

de se inserir efetivamente dentre as tropas, essencialmente masculinas, para então cumprir

sua predestinação divina. Relembrando que o ato de uma mulher cortar os cabelos curtos

contradizia os mandamentos de deus. Fator que evidencia toda bravura e renuncia que

Joana fora capaz.

Entretanto nas obras analisadas do século XVIII, encontramos uma controvérsia na

representação iconográfica referente ao período. Observamos que muitos artistas reuniam

em uma só obra representações de Joana contendo elementos que remetiam a sua

santidade, à sua posição social, à sua bravura como guerreira e/ou sua condenação à

fogueira. Sendo impossível assim classificar as representações em e grupos específicos

como, por exemplo, guerreira ou santa.

Nota-se uma romantização nas imagens estudadas. De acordo com Michelet, não

existe uma imagem da época que a retrate verdadeiramente, sendo assim construído um

ideal imaginário em torno de sua figura. Portanto examinando as imagens, observamos

uma inconstância nas representações físicas de Joana, - ora representada com cabelos

ruivos, ora escuros; olhos claros em tons de azul, esverdeados ou também escuros -, ainda

que em padrões de beleza européia; pele clara, nariz e lábios finos.

Tratando-se ainda da aparência, nota-se uma tentativa de feminilizar a imagem da

personagem, muitas representações apresentam adornos nas vestimentas. Outro aspecto

que remete ao romantismo seria a constante composição de Joana com cabelos longos,

67 CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. São Paulo: Jose Olympio, ed.18. 2003.

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sendo que de acordo com os processos inquisitoriais esta estaria de cabelos curtos e fora

condenada por se portar em vestimentas e aparências masculinas. Todavia o que é

encontrado difere destas descrições, retratando-a sempre de cabelos compridos.68

Se tratando da santidade de Joana, como já abordado, não conseguimos separar as

representações que contenham somente os elementos referentes ao divino, pois estas estão

sempre acompanhadas pela sua trajetória camponesa, guerreira ou herege. Ressaltamos

alguns elementos como o aparecimento de anjos, olhar ao céu em sinal de clamor, nuvens,

raios de luz, altares e crucifixos, assim como cores em tons avermelhados, estes se fazem

sempre presentes nas imagens sob alguma perspectiva.

Optamos por uma metodologia explicativa que busca elucidar através de algumas

obras cada elemento ressaltado, sendo assim, com o auxilio do Dicionário de Símbolos69

conseguimos dar interpretação ao aparecimento dos anjos que são a expressão do divino,

simbolizando os mensageiros, guardiões e protetores dos eleitos; símbolo também das

relações de Deus com as criaturas. Os anjos encontrados nas iconografias remetem ao

arcanjo Gabriel, tido como mensageiro iniciador, que de acordo com a história foi o

primeiro anjo a levar a palavra de Deus até Joana.

Em relação aos demais elementos, o olhar voltado aos céus permite-nos concluir

que Joana conversava com os seres celestiais, que suas vozes vinham do alto e o olhar seria

uma forma de súplica por ajuda do criador.

Novamente orientados pelo dicionário, buscamos entender as nuvens e as luzes

vindas do céu. As nuvens aparecem de formas nebulosas que se associam às manifestações

da atividade celeste; já as nuvens são símbolos da metamorfose viva. Os raios de luz

simbolizam um processo de rendição, é a passagem de uma época sombria e confusa para o

período de luminosidade, pureza e regeneração, a luz sucede às trevas; a luz simboliza a

vida, a salvação, a felicidade dada por Deus. Inferimos, portanto que a atmosfera sombria

na qual Joana é representada é rompida por uma luz divina, nos levando a crer que seria o

fim dos tormentos de Joana.

E por fim, destacamos a variação cromática do vermelho observada na maioria das

obras estudas. O vermelho é símbolo fundamental do princípio da vida, é a cor da alma e

do coração, podendo também significar a imortalidade, assim como um lugar de batalha,

ou a dialética entre céu e inferno. De acordo com as fontes relativas à história de Joana,

68 MICHELET, Jules. Joana D’Arc. São Paulo: Hedra, 2007.69 CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. São Paulo: Jose Olympio, ed.18. 2003.

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entendemos que esta vivia uma dualidade entre os clamores do céu e o inferno da guerra e

dos homens.

No presente artigo, onde estudamos detalhadamente elementos descritos acima,

concluímos que Joana D’Arc não pode ser considerada somente santa ou guerreira, pois

iconograficamente e historicamente ambas as definições estão interligadas. Seria mais

correto afirmar que a mártir francesa é uma “santa guerreira” símbolo da fé e bravura

nacional. Ressaltando que o mito Joana D’Arc é controverso e confuso por apresentar-se

multifacetada no decorrer de sua história, visto que durante a sua trajetória houve períodos

de reviravoltas em relação a sua imagem, em que fora aclamada como heroína, esquecida e

renegada como herege, mas também exaltada como mito nacional assim como santificada

e posteriormente intitulada padroeira da França. Fato claramente observável nas produções

iconográficas de Joana D’Arc, que refletem tal polêmica, por conterem uma combinação

de todas essas concepções que o mito adquiriu durante esse quase seis séculos de

existência.

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Hermann Stilke - A vida de Joana d'Arc Triptych, 1843. São Petersburgo, Rússia.

Vemos que o símbolo, o mito, a imagem, podem ser camuflados, degradados, porém jamais extirpados, tendo sobrevivido até os dias de hoje.70

Referências bibliográficas

MICHELET, Julles. Joana D´Arc. São Paulo: Hedra, 2007.

CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. São Paulo: Jose Olympio, ed.18. 2003.

70 GOMES, Vinícius Romagnolli, ANDRADE, Solange Ramos de. ‘Mitos, Símbolos e o Arquétipo do herói. Encontro Internacional de Produção Científica Cesumar, 2009.

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Imaginários Culturais e Identitários

A Casa do Juiz de Fora: a origem da cidade contada a partir da fazenda velha.

Fabiana Aparecida de Almeida*

Considerada um dos imóveis mais antigos que Juiz de Fora possuía, propriedade do

juiz que teria dado nome à cidade, mas destruída em 1942, a Fazenda Velha ou Fazenda do

Juiz de Fora, foi alvo de intensa discussão entre historiadores que tentaram descobrir sua

verdadeira origem.

Nascida as margens do Caminho Novo, Juiz de Fora se desenvolveu a partir da

sesmaria concedida pelo alcaide-mor do Rio de Janeiro, Tomé Correia Vasques, em 1708,

onde foi construída a Fazenda da Tapera ou Fazenda do Alcaide-Mor. A Fazenda do Juiz

de Fora, que ficava na Avenida Garibaldi, também foi um dos sobrados construídos às

margens desse Caminho. Seu nome, que a cidade também herdara, teria sido dado em

decorrência do cargo ocupado por seu primeiro proprietário. No entanto o nome desse

ainda permanece um mistério. Existem várias especulações por parte de vários estudiosos,

mas não existem, ou pelo menos ainda não foram encontrados, documentos que provem o

nome do verdadeiro juiz de fora. Dois nomes aparecem com mais freqüência nos estudos

sobre o assunto: Luis Fortes de Bustamante e Sá e Vital Casado Rotier. Ambos ocuparam o

cargo de juiz de fora, que em Minas Gerais, só passou a existir depois que foram criadas as

chamadas “vilas do ouro” em 1711.

Vital Casado Rotier exerceu o cargo de juiz de fora em 1713 e fora citado por

Albino Esteves como o suposto dono da fazenda que herdara o nome de sua profissão.

Segundo esse autor, em cansativa pesquisa em vários locais, encontrou no Arquivo Público

Mineiro, o índice geral dos livros de sesmarias que informava que no 9º livro, à página

258V, havia a citação de que o juiz de fora do Rio de Janeiro – Vital Casado Rotier –

recebera, em 1717, da Fazenda de Minas Gerais, uma sesmaria em região próxima onde se

localiza Juiz de Fora. Além desse fato, Esteves também enumera outros fatores para

validar sua hipótese: Rotier teve parentes nessa região – Marçal Casado Rotier, lavrador;

fora procurador da Coroa e Fazenda da comarca de São João Del’Rei após ter sido juiz de

fora; foi o único juiz de fora a possuir sesmaria em Minas Gerais entre 1717 e 1719 e o

fato de ter sido fazendeiro na capitania de Minas Gerais, pois em 1720, “ofereceu-se, com

* Mestranda do curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora.

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Marçal Casado Rotier, para, com escravos de sua propriedade, ir em defesa do governo, na

sedição de Vila Rica”. No entanto para provar sua teoria, o autor buscou documentos que

comprovasse que a sesmaria de Rotier ficava ao lado do Caminho Novo. No entanto, relata

que não conseguiu nada para comprovar sua teoria.

Sobre a hipótese de Esteves, Lindolfo Gomes, ilustre intelectual de Juiz de Fora que

tentou preservar a antiga fazenda, escreveu em sua coluna no jornal “Diário Mercantil”,

intitulada “Nótulas”, que o índice do referido livro 9º das Sesmarias (que não fora

encontrado por Albino Esteves) foi publicado na Revista do Arquivo Público Mineiro (ano

XXI de 1927) pelo historiador Feu de Carvalho. Nesse índice, estaria indicado o local da

sesmaria concedida a Vital Casado Rotier, e essa não ficava em Juiz de Fora:

13 de julho de 1917:A Vital Casado Rotier, morador no Bequinho, freguesia de S. Antonio do Arraial Velho, comarca do Rio das Mortes, foi-lhe concedida por Sesmaria meia légua de terras em quadra que pedia “na mesma paragem”, que “principiaria na cerca do serviço de água que foi dos religiosos do Carmo, para parte da ponta do morro (...).71

É interessante que dias depois da publicação de Lindolfo Gomes, “desmentindo”

Albino Esteves, esse reproduz uma carta enviada por Esteves a ele sobre o assunto na

mesma coluna: “Caro Lindolfo,Lamento que você, com o fascículo do Feu (o único que me

faltava), com “dois trancos” haja inutilizado a trabalheira de tantos anos! Enfim, é verdade. (...).”

72

No entanto, Lindolfo Gomes não considerava a hipótese levantada por Esteves

deveras sem fundamento. Para ele o que faltava era a documentação que provasse que

Rotier teria tido terras na região do Caminho Novo. Esse possuiu uma sesmaria em Minas

Gerais, mas próxima a do Rio das Mortes, que hoje é São João Del’Rei, no local. Assim, se

o juiz de fora possuiu essas terras “não seria também aceitável a hipótese de que além

dessas terras lhe fossem concedidas outras lá para as bandas do Caminho Novo, nas

proximidades da Manchester Mineira?”73 Lindolfo admite também que, “por suposição”,

Rotier podia ter residido temporariamente no sobrado do juiz de fora, por causa de seu

cargo de procurador da coroa ou também em visita a algum parente, sendo conhecido por

juiz de fora pelo cargo que ocupara anteriormente.74

71 GOMES, Lindolfo. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 24 de setembro de 1940.72 GOMES, Lindolfo. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 10 de outubro de 1940.73 GOMES, Lindolfo. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 24 de outubro de 1940.74 GOMES, Lindolfo. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 25 de outubro de 1940.

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Luis Fortes de Bustamante e Sá, o outro nome citado, fora juiz de fora em 1711 e

segundo o historiador Edelweiss Teixeira, teria possuído uma sesmaria fronteiriça à São

João Del’Rei, porém havia uma pergunta indispensável: quando? No entanto, segundo o

historiador, o juiz teria residido em Ibitipoca, falecendo inclusive nessa localidade em

1742. Esses fatos fizeram Edelweiss supor ser Bustamante e Sá o desconhecido juiz, uma

vez que poderia ter terras também nessa localidade. Já para Sinval Batista Santiago a

identidade do juiz que nomeara o sobrado já havia sido revelada: “(...) Dr. Luis Forte

Bustamante e Sá, que a vendeu em 1728, com a citada nomeação”.75 Segundo o autor, o

governador da Capitania do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas, Dom Antônio de

Albuquerque Coelho de Carvalho, concedeu em 1712 a seu secretário de governo, João de

Oliveira, uma sesmaria que abrangia as margens do rio Paraibuna. No ano seguinte esse a

vendeu ao ex-juiz de fora do Rio de Janeiro, Luis Fortes Bustamante e Sá. Esse então,

“construiu o prédio da sede da fazenda, que herdou o nome de sue cargo”. Em 1728,

Bustamante e Sá teria vendido à propriedade ao genro e juiz do fisco, Roberto Carr

Ribeiro, que a vendeu, em 1738, a Antônio Vidal, fundador da primeira capela da

localidade. Após a morte de Antônio Vidal, em 1765, a propriedade foi partilhada entre a

viúva, Dona Tereza Maria de Jesus e os filhos varões.

O fato do nome de seu primeiro proprietário não ter sido ainda comprovado

documentalmente, não tirou a importância do sobrado do Juiz de Fora na visão dos

estudiosos. Vários viajantes que passaram pela localidade, ao descrevê-la, mencionavam,

entre outras coisas que lhe despertaram a atenção, o antigo casarão. Jonh Mawe, naturalista

e explorador inglês, em viagem à Real Fazenda de Santa Cruz, narrada no livro “Viagens

pelo interior do Brasil”, de 1812, escreveu sobre Juiz de Fora: “... a 100 milhas do Porto de

Estrela [RJ] ... após transpor uma cadeia de montanhas ... [e] um território cheio de matas

[chegou] a Fazenda do Juiz de Fora”, sendo que o viajante espanholizou o nome deste para

“Juiz de Fuera”.76 André João Antonil (anagrama do jesuíta João Antônio Andreoni),

também contou sua passagem por Minas Gerais. No entanto, em seu roteiro, não aparece

citada nenhuma Fazenda do Parahybuna, Fazenda do Juiz de Fora, ou simplesmente Juiz

de Fora. Porém, sabe-se que o jesuíta fora proibido de entrar em Minas Gerais por causa de

uma ordem régia de 1705 que proibia religiosos de visitarem “distritos” dessa capitania,

como forma de prevenir a ambição pelo ouro. Como não foi a Minas, Antonil então apenas

teria narrado o itinerário através de escritos de outros viajantes, fato esse confirmado pelo

75 SANTIAGO, Sinval Batista. Controvérsias históricas. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 2/jul./1982.76 PINTO, José Damasceno. Viajantes estrangeiros. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 5/fev./1983.

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próprio Antonil anos depois.77 Mas o relato mais importante sobre o casarão partiu do

cientista e viajante francês Auguste de Saint-Hillaire, que em viagem pela província em

1816, descreveu a fazenda em seu livro “Viagens nas Províncias do Rio de Janeiro e de

Minas Gerais”. Albino Esteves, no “Álbum do Município de Juiz de Fora”, transcreveu o

trecho que o autor cita o casarão:

A uma légua e três quartos do Marmelo encontra-se a pousada do Juiz de Fora, nome que, sem dúvida, provém do cargo que ocupava seu primeiro proprietário. Da venda de Juiz de Fora, tem-se adiante dos olhos encantadora paisagem. Essa venda é construída na extremidade de um grande pasto, cercado de colinas por todos os lados. (...). Mais longe vê-se uma capela abandonada e as ruínas de um engenho de açúcar. Junto da venda, uma grande rancho, e bem perto um paiol para milho. 78

José Damasceno Pinto destaca que, ao citar “Marmelo”, o francês se referia à

“Fazenda do Marmelo”, e no trecho “pousada do Juiz de Fora” há uma tradução do francês

um pouco equivocada por parte do autor do “Álbum” e também outros, uma vez que o

termo “habitation” pode significar também “fazenda”, dando assim, mais sentido na

leitura.79 Ao falar da “venda” (nome que escreve em português), o viajante não narrou as

suas características principais: se era sobrado, casa térrea, e nem a sua localização. Para

Damasceno Pinto, o “erro” na tradução deu ideia de que ele se hospedou na fazenda.80 Já a

capela do outro lado do rio que Saint-Hillare descreveu, era a capela construída por

Antônio Vidal em 1741. O engenho de açúcar citado pelo francês, nada mais era do que as

casas existentes atrás da capela (datadas do século XVIII), local chamado Largo do

Cruzeiro, confundindo o francês que as observava de longe.81

Com o passar dos anos o antigo casarão do Juiz de Fora, abandonado e servindo de

abrigo para mendigos, estava ameaçado de cair, levando consigo parte da história do

nascimento de Juiz de Fora. Diante desse fato, um grupo de intelectuais, encabeçados pelo

professor Lindolfo Gomes, começaram a se manifestar pela preservação do casarão. O

debate se intensificou na década de 1930 através das páginas do “Diário Mercantil”.

Percebendo o desinteresse local pelas ruínas da antiga residência do juiz de fora, Lindolfo

Gomes recorreu ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) para

que o casarão fosse considerado patrimônio não apenas local, mas nacional. O diretor do

77 PINTO, José Damasceno. Antonil e o Caminho Novo. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 30/maio/1982.78 SAINT-HILLAIRE, Auguste. Viagem nas províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Citado por ESTEVES, Albino. Álbum do Município de Juiz de Fora. 3ª ed. Juiz de Fora: FUNALFA, 2008. p. 46.79 PINTO, José Damasceno. Viajantes estrangeiros. Op. cit.80 PINTO, José Damasceno. Saint-Hillare em Juiz de Fora. Diário Mercantil. 22/fev./1983.81 OLIVEIRA, Paulino. A capela do Quebra Careca. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 7/maio/1982.

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órgão, Rodrigo Melo Franco de Andrade incubiu assim, o professor de escrever um

memorial sobre o imóvel. Fora elaborado assim, um inventário de 77 páginas destacando a

importância de se preservar a fazenda. Entre os motivos apresentados por Lindolfo Gomes

estão o fato do casarão existir desde 1719 (segundo Albino Esteves em seu “Álbum do

Município de Juiz de Fora), sendo assim, para o professor, o imóvel mais antigo da cidade;

o fato de ter sido a possível residência, ou local de pouso de um juiz de fora que dera nome

a cidade; ter hospedado ilustres viajantes estrangeiros com o exemplo-mor de Saint-

Hillare; e ter sido residência de importantes nomes para a história local e nacional, como

Antonio e Manuel Dias Tostes, Guilherme Henrique Fernando Halfeld (genro do

primeiro), todos fundamentais para a fundação de Juiz de Fora, e os inconfidentes

Domingos Vidal de Barbosa e Padre Francisco Vidal de Barbosa, fato esse narrado no livro

“História da Conjuração Mineira” de Joaquim Norberto.Esse fato é de fundamental

importância pois foi através desses dois moradores que Lindolfo recorreu ao SPHAN para

a preservação do imóvel. Ao hospedar dois importantes nomes da Inconfidência Mineira, o

sobrado adquiriu assim uma importância para a nação.

Enviada a documentação ao órgão federal de preservação, para que o prédio

sofresse a intervenção desse, o terreno deveria ser cedido ou adquirido pelo órgão público.

Segundo Lindolfo Gomes, o prédio tocara, porém “na partilha a um dos herdeiros de

menor idade”, onde o curador, “de acordo com o menor, aliais já mocinho” se dispôs “a

ceder aquela propriedade à Prefeitura por preço mais que razoável”.82 A Prefeitura se

mostrou interessada em adquirir o imóvel e em seguida, doa-lo ao patrimônio nacional,

solicitando dessa forma, a ida de um técnico do SPHAN à cidade a fim de examinar as

condições do sobrado. Com a visita desse técnico, constatou-se, no entanto, que esse já

estava em “completo estado de ruínas”, sendo que “nado ou quase nada se poderia

aproveitar e, para uma nova construção não havia verba disponível, o que só poderia talvez

obter-se com algum tempo mais de espera”.83

Com a demora nas negociações e decisões, o “Diário Mercantil” de 1º de setembro

de 1943, publicara que, em visita ao local, a reportagem recolhera de parentes dos

proprietários do imóvel, a informação que os mesmos pretendiam demoli-la “afim de que o

terreno seja aproveitado, em coisa mais rendosa”. Ainda segundo a reportagem do

periódico, “de posse dessas informações, apressamo-nos em chamar a atenção dos poderes

82 Reportagem de Lindolfo Gomes ao Diário Mercantil de 7/jul./1946. In: PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Instituto de Pesquisa e Planejamento/ Prefeitura de Juiz de Fora, 1982. p. 178.83 Idem, p. 179.

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públicos no sentido de que sejam tomadas providências imediatas”, se não “desaparecerá

pela gula utilitarista o mais belo, o mais expressivo e o mais notável documento vivo da

história local”.84 No entanto, os apelos de intelectuais e também da imprensa, de nada

adiantaram. Antes de ser adquirido pelo patrimônio nacional, o imóvel fora destruído e o

terreno usado pelo proprietário simplesmente para nada, permanecendo apenas um terreno

baldio.

Esse fato nos chamou a atenção pelo fato de ter sido a primeira manifestação a

favor da preservação do patrimônio de Juiz de Fora. A iniciativa de Lindolfo Gomes e de

outros intelectuais e sobretudo da imprensa, que publicou inúmeras reportagens sobre a

preservação do imóvel, mostrou o interesse desse grupo em preservar o passado da cidade.

A a coluna “Nótulas”, de Lindolfo Gomes merece destaque por ter sido a mais significativa

manifestação em prol da preservação da fazenda, chamando inclusive, a atenção de

Rodrigo M. F. de Andrade. Além de seus argumentos sobre o assunto, Lindolfo também

publicava cartas que recebia de amigos que o elogiavam sobre sua iniciativa. Um desses

amigos foi Albino Esteves. Em carta desse ao professor, disse que já em 1938, na ocasião

das comemorações da criação do município, a 31 de maio, o próprio sugeriu a preservação

do imóvel ao prefeito e à Comissão dos Festejos. “Não vingou o alvitre, mas você, com o

brilho de sua pena, retomou o fio da meada e prosseguiu na bela campanha, como se vê de

suas ‘Nótulas’, até conseguir a atenção do ilustre diretor do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional”.85

Não encontramos nas reportagens pesquisadas algum indício de participação da

população como um todo para a preservação do casarão, sendo o assunto “patrimônio”

mais restrito ao meio intelectual, mas notamos que nas reportagens, algumas em forma de

apelo, foi citado um grande contentamento da população com a possibilidade de

tombamento a nível nacional da fazenda. O que ficou claro foi a indignação daqueles que

tentaram preservara a fazenda quando essa foi demolida.

A fim de conclusão gostaríamos apenas de citar uma reportagem publicada no

jornal “A Tarde”, que julgamos encerrar bem essa exposição:

De nada valeram os vinte e muitos artigos de Lindolfo Gomes, numerosos de Albino Esteves, de Brant Horta, Antonio Pereira e muitos outros.

84 Diário Mercantil de 1/set./1943. In: PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Instituto de Pesquisa e Planejamento/ Prefeitura de Juiz de Fora, 1982. p. 176.85 Carta de Albino Esteves à Lindolfo Gomes. In. GOMES, Lindolfo. Nótulas. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 25/out./1940.

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Os proprietários dos monumentos não liam ou não sentiam a palpitação patriótica dos escritores. A Prefeitura Municipal, pelos seus responsáveis, tinha outros assuntos de “mais importância” para tratar. (...).Para essa espécie de gente, Alexandre Herculano era um tolo quando afirmou que “a falta de amor das coisas da pátria é o indício certo da morte da sociedade e, consequentemente, do estado decadente e da última ruína de qualquer povo”.(...) Para a mentalidade dos donos da “Fazenda Velha” e dos homens que passavam pela Prefeitura, sem olhar por ela, outras coisas interessavam mais.86

Referências bibliográficas

ESTEVES, Albino. Álbum do Município de Juiz de Fora. 3ª ed. Juiz de Fora: FUNALFA, 2008.

GOMES, Lindolfo. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 24 de setembro de 1940.

_______________. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 10 de outubro de 1940.

_______________. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 24 de outubro de 1940.

_______________. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 25 de outubro de 1940.

OLIVEIRA, Paulino. A capela do Quebra Careca. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 7/maio/1982.

PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Instituto de Pesquisa e Planejamento/ Prefeitura de Juiz de Fora, 1982.

PINTO, José Damasceno. Antonil e o Caminho Novo. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 30/maio/1982.

_____________________. Saint-Hillare em Juiz de Fora. Diário Mercantil. 22/fev./1983.

_________________________. Viajantes estrangeiros. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 5/fev./1983.

SANTIAGO, Sinval Batista. Controvérsias históricas. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 2/jul./1982.

86 Diário da Tarde de 10/maio/1950. In: PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Instituto de Pesquisa e Planejamento/ Prefeitura de Juiz de Fora, 1982. p. 181.

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A Atualidade de Visão do Paraíso

Jose Adil Blanco de Lima*

Visão do Paraíso está entre as maiores contribuições historiográficas do Brasil do

século XX. Apresentada e defendida como tese, requisito necessário ao concurso de

cátedra de História da Civilização Brasileira da USP, em 1958, foi publicada em forma de

livro no ano seguinte pela editora de José Olympio com o título Visão do Paraíso: os

motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Atualmente, a importância

deste estudo de Sergio Buarque de Holanda vem se tornando cada vez mais nítida, como

reconhecem diversos intelectuais contemporâneos (Guimarães, Galvão, Tuna, Lima,

Vainfas, Prado). Esses autores, cada um a sua maneira, ressaltam a relevância da tese de

cátedra de Sergio Buarque. Além de ser um monumental livro de erudição e gosto,

significou também para o seu autor a consolidação da profissionalização como historiador.

Visão do Paraíso constitui, junto com Raízes do Brasil e Do Império à República, o tripé

das obras magistrais de Holanda.

Na tese de cátedra, Sergio Buarque de Holanda tinha como objeto de pesquisa os

mitos edênicos que povoavam o universo mental de portugueses e castelhanos na época

das grandes navegações e conquistas no Novo Mundo. Para a sua construção, o autor

mergulhou na leitura de humanistas italianos, grande parte da tradição literária ocidental e

de diversos viajantes do século XVI.

Todavia, apesar de ser considerado um estudo de imensa erudição e relevância nos

últimos anos – especialmente a partir de 2002, ano do centenário de Sergio Buarque de

Holanda que suscitou diversas pesquisas e publicações acadêmicas sobre o autor e sua

vasta obra – Visão do Paraíso não foi muito bem recebido em sua época de produção,

tempos em que vigorava de forma imponente na academia um marxismo de timbre

econômico e social. Foi um trabalho muito respeitado, pouco lido, quase nunca discutido.

Levou dez anos para ter a sua segunda edição e as primeiras resenhas que recebeu

apareceram apenas em 2002, ano de sua sexta edição. Em suma, o prestígio e apreço que

giram em torno deste livro são tardios. Tentarei, portanto, acompanhar a recepção de Visão

do Paraíso87, destacando aspectos que tornam este estudo atual na virada do século XX

para o XXI, com o intuito de contribuir com as escassas reflexões sobre a historiografia

* Mestrando em história pela UFJF.87 Para tanto, foi de imensa serventia a detalhada a Bibliografia de/sobre Sergio Buarque de Holanda organizada por Vera Neumann-Wood e Tereza Cristina Oliveira, da Biblioteca Central da Unicamp.

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brasileira mais recente e, sobretudo, colaborar com uma melhor interpretação da obra em

questão.

Recepção de Visão do Paraíso

Somente a partir da década de 1980 que surgem as primeiras referências a Visão do

Paraíso na historiografia brasileira. Os principais certamente são O Diabo e a Terra de

Santa Cruz (1986), de Laura de Mello e Souza, e Trópico dos Pecados (1989), de Ronaldo

Vainfas. Ambos são estudos que aparecem em um momento em que a historiografia

brasileira vivenciava uma grande expansão no domínio dos estudos e das pesquisas, das

publicações de livros, revistas e artigos históricos. A partir de 1985, anos que se seguem

após o término do autoritário governo militar, houve um forte florescimento cultural e

intelectual no país. Terminavam-se os anos de violenta repressão cultural; assistia-se o

crescimento urbano-industrial; a expansão dos mercados editoriais, publicitários e

artísticos; assim como o relativo fortalecimento econômico das camadas médias

brasileiras. Em suma, era um contexto onde novos grupos étnicos, sociais e sexuais

passavam a ganhar espaço e participar mais da vida pública, trazendo consigo novas

questões e reivindicações. Nesse ambiente, a historiografia brasileira vivenciava uma

eliminação da hierarquia de temas e problematizações privilegiadas. De tal forma, aparecia

uma ampla gama de excluídos (mulheres, negros, escravos, homossexuais, trabalhadores,

prisioneiros, loucos, crianças, etc.) reclamando seu espaço na história social do país.

Foi neste contexto que chegou ao Brasil uma série de obras estrangeiras traduzidas,

sobretudo de autores vinculados a chamada “Nova História Cultural”. As temáticas

metodológicas desenvolvidas pelos historiadores da terceira geração dos Annales, assim

como as dos micro-historiadores italianos. O Diabo e a Terra de Santa Cruz e Trópico

dos Pecados são obras que vislumbraram-se com o horizonte que as novas leituras

estrangeiras abriam ao território do historiador. Estes estudos tentaram, portanto, por em

prática algumas temáticas da história das mentalidades francesa na história do Brasil.

Durante este processo, os autores acabaram por “descobrir” Visão do Paraíso. A tese de

cátedra de Sergio Buarque parecia antecipar em vários anos as temáticas inovadoras que

eram descobertas nas décadas de 1980.

Procurando alargar os estudos sobre as camadas sociais desclassificadas no Brasil,

Laura de Mello pretendeu apresentar as múltiplas tradições culturais que desaguavam no

mundo da feitiçaria e religiosidade popular na colônia portuguesa entre os séculos XVI e

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XVIII. Para a realização de sua pesquisa, a autora sentiu a necessidade de remontar ao

século XVI, época em que visões paradisíacas e infernais se alternavam no imaginário do

europeu colonizador. Assim, lembra que em época em que o conhecimento geográfico do

mundo era escasso, regiões como a Europa setentrional e os oceanos Índico e Atlântico se

misturavam com o imaginário e fantasioso. Neste momento a autora reconhece a

contribuição de Sergio Buarque de Holanda em Visão do Paraíso, que demonstra o

deslocamento do mito do Paraíso terrestre vindo dos confins da Ásia e África em direção

ao Oceano Atlântico88. Portanto, ancorada em ampla bibliografia estrangeira, a autora

reconhece a importância das “análises brilhantes e sofisticadas” de autores como Le Goff

(cultura popular), Ladurie (cotidiano cátaro), Ginzburg (cultura e religiosidade popular),

Delumeau (religiosidade no século XVI), Todorov (conquista do Novo Mundo) e Febvre

(universo mental do europeu do século XVI)89. Mas também apresenta Visão do Paraíso de

Sergio Buarque de Holanda como um estudo do gênero precursor no Brasil.

Ronaldo Vainfas, por sua vez, estudava em Trópico dos Pecados o projeto

escravista, religioso e moralizante conduzido por intelectuais da Companhia de Jesus entre

os séculos XVI e XVIII. Segundo o autor, este projeto reprovava diversos hábitos sexuais e

desregramentos morais na colônia, vinculando-se à pastoral implementada pela Contra-

Reforma na Europa, que visava a cristianização de pagãos no Novo Mundo. Vainfas

também revela tomar conhecimento da tese de cátedra de Sergio Buarque a partir de uma

bibliografia estrangeira. Inserindo o seu estudo na linha da história das mentalidades

voltada para o campo dos sentimentos, desejos, crenças e costumes, também se aproveitou

da leitura de autores como Ladurie, Ginzburg, Foucault, Bakthin, Vovelle e Mandrou.

Seguiu as orientações do último ao buscar uma “história das visões mundo”. Neste aspecto,

reconhece a importância do trabalho realizado em Visão do Paraíso de Holanda90.

Nos finais da década de 1990, Laura de Mello e Souza e Ronaldo Vainfas

procuraram refletir sobre a atualidade das obras de Sergio Buarque de Holanda publicadas

durante as décadas de 1940/1950.

No volume Sergio Buarque de Holanda e o Brasil (1998) organizado por Antonio

Candido, Ronaldo Vainfas apresenta um artigo em que discute a questão: seria Sergio

Buarque um historiador das mentalidades avant la lettre? Neste texto, o autor procurar

88 SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. pp. 26-27.89 SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 16.90 VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil.Rio de Janeiro : Editora Campus, 1989. p.2.

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ressaltar semelhanças entre Visão do Paraíso e a tradição de história das mentalidades

francesa, destacando o parentesco temático, a eleição de fontes literárias como base de

investigação histórica e a rebeldia intelectual. Vainfas rejeita a relação direta entre Visão

do Paraíso e a história das mentalidades francesa, destacando enfaticamente singularidades

da tese de cátedra de Holanda91.

Na coletânea Historiografia Brasileira em Perspectiva, organizada por Marcos

Cezar Freitas, Laura de Mello aponta a atualidade de obras como Monções (1945) e

Caminhos e Fronteiras (1957), obras em que Sergio Buarque de Holanda, muito antes das

considerações de Ginzburg sobre o conhecimento indiciário, já vinha se detendo sobre a

dimensão cultural dos sentidos e da percepção. Segundo Holanda, a apropriação de

diversos aspectos da cultura e da vida material (hábitos, costumes e instrumentos) por parte

dos portugueses teria tido papel fundamental no processo de colonização do país.92.

Mais recentemente, alguns estudos tem se destacado ao salientar a importância da

literatura e do ambiente de reflexão romântico para a produção de Visão do Paraíso93.

Porém, manteremos a mesma linha de Laura de Mello e Souza e Ronaldo Vainfas,

salientando alguns aspectos mantém a obra em questao de extrema atualidade.

A atualidade historiográfica de Visão do Paraíso

As reflexões e produções historiográficas dos últimos 30 anos são, de certa maneira

e em linhas gerais, “seqüelas” da queda dos paradigmas totalizantes dominantes nas

décadas de 1950 e 1960, especialmente o marxismo e o estruturalismo. Nestes anos os

estudos de ciências sociais caracterizavam-se por desenvolver um pensamento de

descentramento. Assim, as ciências humanas mais celebradas durante esse período eram as

que tinham maior capacidade de expropriar a presença e atestação do sujeito. Os

historiadores afastavam-se do chamado tempo curto e passavam a valorizar as durações

mais longas, que escapam a ação humana. Para os estudos de cunho estruturalista ou

marxistas deste período, a participação do sujeito é, quase sempre inertes e sem rosto.

91 VAINFAS, Ronaldo. Sergio Buarque de Holanda: historiador das representações mentais. In : CANDIDO, Antonio (org.). Sergio Buarque de Holanda e o Brasil. Campinas : Editora Fundação Perseu Abramo, 1998. p.52. 92 SOUZA, Laura de Mello. Aspectos da historiografia da cultura sobre o Brasil colonial. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo : Editora Contexto, 1998. p.26.93 Ver FRANCO, M. S. C. Visão do paraíso. Romantismo e história e LIMA, Luiz Costa. Sergio Buarque de Holanda: Visão do Paraíso, ambos em EUGENIO, J.K, MONTEIRO, P. M. (orgs.) Sergio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas : Editora da Unicamp, 2008.

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Sob a regência dos paradigmas estruturantes, portanto, as ciências humanas

interpretavam o agir humano como resultado de sistemas explicativos. Assim, o indivíduo

não agia, mas era “agido” por sistemas estruturais que determinariam suas possibilidades

de ação em seu contexto histórico. Somente por volta dos anos 1980 - após os

acontecimentos da década de 1960, anos que mostravam a importância da ação individual -

que pode se notar uma virada das ciências humanas em direção a um novo paradigma. Esse

novo período, que vigora sob o signo da subjetividade e da individualidade, caracteriza-se,

sobretudo, pela reabilitação da parte explicita e reflexiva da ação humana. Trata-se de um

deslocamento da investigação para o estudo da consciência, destacando todas as categorias

semânticas próprias à ação humana: intenções, vontades, desejos, motivos, sentimentos,

etc..

Ao contrário do que ocorria sob a regência dos paradigmas estruturantes, a história

produzida a partir da década de 1980 passa a aceitar cada vez mais sua faceta narrativa. A

história passa a ser entendida como uma narrativa do passado construída a partir das fontes

existentes, dos recursos teórico-metodologicos escolhidos, e de um olhar, dentre vários

outros possíveis, marcado pela atualidade e subjetividade próprias de sua época de

produção. Assim, conhecer determinado acontecimento histórico não significa saber como

ele realmente aconteceu, nem tampouco saber suas possíveis causas e conseqüências; mas

sim conhecer a maior gama possível de significados que lhe foram atribuídos na espessura

temporal que separa o historiador do acontecimento estudado. Portanto, esse novo

momento, que pode ser qualificado de hermenêutico ou interpretativo, convida os

historiadores a seguir as metamorfoses de sentido nas mutações suvessivas da escrita

histórica entre o próprio acontecimento e o presente94. Valoriza-se, nestes parâmetros, o

pesquisador que se restringe a seguir seus atores com máxima fidelidade possível em seu

trabalho interpretativo.

Nestes parâmetros, o trabalho que empreende Sergio Buarque de Holanda em Visão

do Paraíso – de perseguir a trajetória feita pelos mitos edênicos até atingirem o universo

mental dos navegadores do século XVI que estiveram no Novo Mundo, assim como suas

mutações no devir histórico – mantém-se extremamente pertinente. Atentemos para alguns

fatores que sustentam a atualidade da obra.

94 Para maiores informações sobre a historiografia nos últimos anos ver DOSSE, François. A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido. São Paulo : EDUSC, 2001; DOSSE, François. História e ciências sociais. São Paulo : EDUSC, 2004; MALERBA, Jurandir, ROJAS, Carlos Aguirre (orgs.). Historiografia contemporânea em perspectiva crítica. São Paulo : EDUSC, 2007; JENKINS, Keith. A história repensada. São Paulo : Editora Contexto, 2009; SILVA, Helenice Rodrigues. Fragmentos da história intelectual: entre questionamentos e perspectivas. Campinas : Papirus, 2002.

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A tese de cátedra de Sergio Buarque tinha, na realidade, objetivos mais amplos.

Pretendia, principalmente, contribuir para a “boa inteligência de aspectos de nossa

formação nacional ainda atuantes nos dias de hoje”95. O autor buscou demonstrar até onde

a imagem do paraíso terreal se achou difundida na era dos descobrimentos marítimos,

analisando sua relação com fatores que, bem possivelmente, presidiram a ocupação do

Novo Mundo pelo europeu. A possibilidade deste cenário ideal se localizar no mundo

terreno havia sido muito difundida nas populações européias do medievo, principalmente

pela leitura e difusão das descrições encontradas no Velho Testamento. A transposição da

geografia do Éden para o Novo Mundo facilitou-se, sobretudo, pelo livre transito da

linguagem analógica, hoje em desuso frente à preeminência que alcançaram as ciências

exatas. Partindo do pressuposto de que mitos edênicos eram bastante recorrentes no

universo mental dos europeus da época das grandes navegações, Buarque de Holanda

destacava a herança de aspectos irracionais medievais na mente dos viajantes modernos do

século XVI. Sergio Buarque, portanto, discorda de Burckardt em um ponto central: há

realmente uma fratura radical entre Idade Média e Renascimento? A resposta de Holanda é

negativa. O autor brasileiro endossa o apagamento dos prismas laicos e racionais da

Renascença e sua herança na antigüidade, acolhendo as interpretações medievalizantes,

acentuando aspectos religiosos e tradicionalistas. A visão do paraíso – principal

responsável, segundo Holanda, pela grande ênfase atribuída na época do Renascimento à

natureza como norma dos padrões estéticos, dos padres éticos e morais, do comportamento

dos homens, de sua organização social e política – representa alguns destes aspectos. Os

colonizadores castelhanos e portugueses do século XVI mantinham o modo analógico, que

dominava de forma absoluta durante o medievo e que se prolongava em muitos pensadores

reconhecidos do Renascimento96.

Sergio Buarque de Holanda posicionava os viajantes castelhanos e portugueses do

quinhentos diante de um mesmo desafio: narrar o Novo Mundo. O autor busca salientar o

quão importante seriam os mitos de paraíso terreal neste empreendimento narrativo em que

mergulhavam os viajantes no período dos descobrimentos. Chama-nos a atenção a forma

inovadora através da qual Sergio Buarque de Holanda coteja as crônicas de viagem. Ele

considera como representações – termo que Chartier pôs na ordem do dia ao situar a

95 HOLANDA, Sergio Buarque. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo : Editora Brasiliense, 2000. p.X.96 Sergio Buarque acreditava, assim, que um absoluto divisor de águas não poderia ser mantido enrte os dois períodos.

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história cultural “entre práticas e representações”97 – os relatos produzidos por navegantes

e viajantes do século XVI a respeito das novas terras encontradas na América. As crônicas

de viagem não são consideradas, portanto, fragmentos de um passado a ser reconstruído,

mas sim documentos escritos em que se expõem significados (que nos remete ao atual

“império do sentido” nas ciências humanas, reconhecido por François Dosse98) produzidos

pelos navegantes em questão. Somente assim poderia o autor vislumbrar a história do

imaginário edênico como uma viagem, podendo traçar, então, sua biografia. Sergio

Buarque de Holanda concebe as idéias de maneira dinâmica. Elas viajam, de pessoa a

pessoa, de uma situação a outra, de um período para outro. Nas palavras do autor:

Ora, assim como essas idéias se movem no espaço, há de acontecer que também viajem no tempo, e porventura mais depressa do que os suportes, passando a reagir sobre condições diferentes que venham a encontrar ao longo do caminho (...) O tema deste livro (Visão do Paraíso) é a biografia de uma dessas idéias migratórias, tal como se desenvolveu a partir das origens religiosas ou míticas, até vir implementar-se no espaço latino-americano, mormente no Brasil99.

Portanto, o autor apontava para a imensa importância de se levar em consideração

os movimentos realizados pelas idéias e teorias de um lugar para outro pelas ciências

humanas.

Para atingir o objetivo de sua pesquisa, Holanda aproveitou-se da noção de

“tópica”, tal como fora alicerçada pela obra de Curtius, Literatura Européia e Idade Média

Latina de 1948. O estudo da tópica foi a ferramenta utilizada por Sergio Buarque para

articular sua imensa erudição e convertê-la em instrumento interpretativo do universo

mental dos colonizadores ibéricos. Os topoi eram para Curtius os “restos e migalhas”

herdados da retórica antiga pela Idade Média. Para Sergio Buarque, os topoi constituiriam

os motivos edênicos, onde se criava uma espécie de cenário ideal a partir de ruínas de

experiências, mitologias ou nostalgias ancestrais. Para o autor brasileiro, a tópica das

visões do paraíso, que haviam sido inauguradas no século IV atingiriam uma longevidade

de séculos sem sofrer grandes mudanças. A partir da tópica Sergio Buarque conseguiu

mapear as configurações mentais que os homens do século XVI tinham em relação à idéia

de paraíso terrestre; observando a ressonância que estes mitos edênicos atingiriam na

representação do Novo Mundo produzida pelos cronistas e navegantes.

97 CHARTIER, Roger. A História Cultura: entre praticas e representações. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1990.98 DOSSE, François. O Império do Sentido: humanização das ciências humanas. São Paulo : EDUSC, 2003.99 HOLANDA, Sergio Buarque. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo : Editora Brasiliense, 2000. p. XIX. Acréscimo meu.

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Outro aspecto que chama a atenção dos historiadores contemporâneos: a minuciosa

interpretação crítica das fontes operada habilmente pelo autor. Há se apontou

anteriormente a atual valorização do historiador que visa perseguir com máxima fidelidade

seus personagens históricos. É exatamente o que Sergio Buarque faz com seu

“personagem”: os mitos edênicos. Há uma verdadeira obsessão no autor que o impele a

descrição de cada detalhe, de cada ingrediente dos mitos que encontra na literatura

produzida sobre o Novo Mundo. Nada lhe parece irrelevante. Nesse sentido, a exaustiva

analise da simbologia da serpente do capitulo “Visão do Paraíso” da obra homônima

constitui exemplo ilustrativo.

O horizonte comparatista de Visão do Paraíso é outro aspecto que muito

impressiona nos dias de hoje. Ancorado na comparação, Buarque de Holanda realçou as

diferenças entre conquistadores castelhanos e portugueses no que diz respeito ao modo

como eles deram significado às terras recém descobertas. A comparação luso-castelhana já

se ensaiava desde o capítulo “O semeador e o ladrilhador” de Raízes do Brasil, que

apontava diferenças entre o estilo civilizador do espanhol (sonhando em fazer da América

uma Nova Espanha/Granada) e o estilo feitoral português (sempre nostálgico do reino).

Apesar das diversas semelhanças que estes possuíam, Sergio Buarque notava o enorme

contraste entre os relatos sóbrios dos cronistas portugueses e as fantasias e delírios em

torno da natureza descoberta tão bem desenhada pelos castelhanos. Para os últimos, fatores

como a amenidade das condições climáticas, abundancia de recursos naturais e a

inexistência de doenças seriam fortes indicativos de que ali, na América, se encontrava o

Paraíso. Os portugueses, em contrapartida, pareciam preferir descrições mais límpidas e

limitadas ao campo do visível, muito provavelmente em função das experiências

adquiridas nas navegações e negociações pela costa do continente africano desde meados

do século XV. Sergio Buarque de Holanda aponta que a maior parte dos mitos edênicos

difundidos durante a conquista ibérica foram criações castelhanas. O único mito que, por

exceção, começou a ganhar crédito entre os portugueses, passado posteriormente aos

castelhanos do Paraguai e Peru, foi o de “Sumé”100.

Em suma, o fecundo comparatismo do autor chama a atenção por não se deixar

levar por teorias e métodos gerais, por não esquecer a prudência e das exigências de

historicidade necessárias à reflexão histórica. Visão do Paraíso continua hoje em dia,

100 Crença na existência de pegadas que atestariam a passagem de São Tomé pela América portuguesa, estudado minuciosamente por Sergio Buarque no capítulo “Um mito luso-brasileiro” de Visão do Paraíso.

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talvez mais do que nunca, uma leitura de fundamental importância para a historiografia

brasileira.

Referências bibliográficas

DOSSE, François. A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido. São Paulo : EDUSC, 2001.

______________. História e ciências sociais. São Paulo : EDUSC, 2003.

EUGÊNIO, J. K., MONTEIRO, P. M. (orgs.). Sergio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas : Editora da Unicamp, 2008.

FREITAS, Marcos Cezar (org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo : Editora Contexto, 1998.

HOLANDA, Sergio Buarque. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo : Editora Brasiliense, 2000.

_______________________. Raízes do Brasil. São Paulo : Companhia das Letras, 2005.

_______________________. Caminhos e Fronteiras. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1975.

JENKIS, Keith. A história repensada. São Paulo : Editora Contexto, 2009.

MALERBA, Jurandir. (org.) A velha história. Campinas : Papirus, 1996.

MALERBA, Jurandir, ROJAS, Carlos Aguirre (orgs.) Historiografia contemporânea em perspectiva crítica. São Paulo : EDUSC, 2007.

RAGO, Margareth. A “nova” historiografia brasileira. Anos 90. (UFRGS), Porto Alegre, v. 11, 1999.

SILVA, Helenice Rodrigues. Fragmentos da história intelectual: entre questionamentos e perspectivas. Campinas : Papirus, 2002.

SOUZA, Antonio Candido de Mello (org.) Sergio Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo : Editora Perseu Abramo, 1998.

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SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo : Companhia das Letras, 1989.

VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro : Editora Campus, 1989.

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Diálogos de História Econômica e Social

Uma Muy Honrosa Patente Militar: os mestres de campo nas Minas Colonial (1714 –

1803)

Gabriela Duque Dias*

“Nenhum reino, ou república, floresceu sem milícia, pois ela é a que os estabelece e conserva”101.

No Brasil, os estudos sobre história militar no período colonial têm se mostrado

reduzidos102. Aqueles que tiveram como centro de investigação a composição social do

corpo dos oficiais e soldados103 e a hierarquia militar das tropas são ainda mais escassos.

Até o momento, os estudos que se debruçaram sobre o tema tiveram como foco principal a

análise dos aspectos institucionais das forças militares do período104. Cabe ressaltar, que

embora esses estudos tenham ganhado novo fôlego nos últimos anos com a chamada

“Nova História Militar105”, a preocupação com os oficiais militares no período colonial

ainda continua reduzida, principalmente sua relação com a história social, uma das

preocupações desta corrente.

Assim, visando preencher esta lacuna historiográfica este trabalho tem por objetivo

o estudo dos mestres de campo na sociedade mineira colonial. A partir de um levantamento

realizado na documentação avulsa do AHU relativa à capitania de Minas Gerais foram * Graduanda do curso de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Este trabalho apresenta uma pequena parte das pesquisas necessárias ao desenvolvimento de minha monografia.101 Sebastião Pacheco Varela. Número vocal, exemplar, catholico e político, 1702.Apud.: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006. Dissertação de Mestrado.102 MELLO, Christiane Figueiredo Pagano. A guerra e o pacto: a política de intensa militar nas Minas Gerais. In: Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. Pg. 67.103VANDERLEI, Kalina S. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial: militarização e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura da cidade do Recife, 2001.104 A nível de ilustração podemos citar os seguintes trabalhos: FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, Christiane Figueiredo Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII – As capitanias do Rio de janeiro, São Paulo e Minas Gerais e a manutenção do Império Português no Centro-Sul da América; SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro; ANASTASIA, Carla. Vassalos e rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII.105 Este termo é caracterizado pela interação entre as forças militares e a sociedade. Significa relacionar a preparação para a guerra a aspectos da economia, da política e da cultura em que este oficiais estavam imersos. Sobre este assunto ver: CASTRO, Celso, IZECKSOHN, Vitor e KRAAY, Hendrik (orgs.). Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004. HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História Militar de Portugal. Vol. II – séculos XVI-XVII. Lisboa: círculo de leitores: 2003.

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encontrados 27 homens cuja patente era de mestre de campo localizados entre os anos de

1714 a 1803, atuando em diversas localidades do território mineiro como Ribeirão do

Carmo, Ouro Preto, Vila de Pitangui, Vila Nova da Rainha e Rio das Mortes, e nos

diferentes corpos militares, como as ordenanças, milícias e tropas pagas. Portanto, o

trabalho que aqui se acortina mostra-se inovador no sentido de abordar uma temática ainda

pouco conhecida pela historiografia sobre o período colonial.

A organização dos Estados Modernos na Europa se assentou na fiscalidade e na

guerra e, portanto, no esforço de constituição de um exército em escala nacional106. Em

Portugal, a preocupação com a organização de um “exército do Estado”, remonta o século

XVI, quando se dá a formação de todas as tropas responsáveis pela defesa do território,

sem, contudo, fazer de Portugal uma potência militar107.

A estrutura militar lusitana fica então assim organizada108: Corpos Regulares (tropas

pagas ou de primeira linha), Corpos irregulares (ordenanças), e o Corpo Auxiliar

(milícias). Os Copos Regulares, ou tropas de primeira linha, criados em 1640 em Portugal,

correspondia ao “exército do estado,” eram formados por oficiais pagos, sendo por isso a

única força militar que recebia soldos da Fazenda Real. Organizada em terços e

companhias seus postos eram ocupados por fidalgos de nomeação real, sendo cada um dos

terços comandados por um mestre de campo general.109 Seus membros estavam sujeitos a

regulamentos disciplinares110 sendo homens, portanto, que se dedicavam exclusivamente a

atividades militares, devendo estar “sempre em armas, exercitados e disciplinados111”.

Já as tropas auxiliares eram divididas em milícias e ordenanças. As milícias, criadas

em 1641, era de serviço obrigatório e não remunerado para os civis e serviam de apoio às

tropas de primeira linha. Tinham um caráter territorial móvel, podendo se deslocar de sua

106 RODRIGUES, José Damião. “A guerra no Açores”. In: HESPANHA, Antônio Manuel (Org). Nova História Militar de Portugal. Vol. II – séculos XVI-XVIII. Lisboa: Círculo de leitores. 2003. P.245107 HESPANHA, Antônio M. Conclusão. In: HESPANHA, Antônio Manuel (Org). Nova História Militar de |Portugal. Op. Cit., p.361-362.108 A respeito da organização das tropas ver: PEREIRA, C. Ana Paula. Atuação de poderes locais no Império lusitano. Op. Cit. P. 17-20 e SILVA, Kalina Vanderlei, O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial. Ver Também: SALGADO, Graça. (ORG) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1985109 Uma questão a ser levantada diz respeito as diferentes denominações com que esta patente aparece nos documentos consultados até aqui para Minas. Por exemplo, existem caracterizações como, mestre de campo general, tenente de mestre de campo ou ainda tenente de mestre de campo general. No livro, Fiscais e Meirinhos encontrei a informação de que mestre de campo general seria um oficial de patente inferior a de general e capaz de substituí – lo na ausência dele, e também eram homens que atuavam nas províncias. Afirmação que contrapôs minha hipótese inicial de que estas denominações poderiam ser referentes a um acúmulo de patentes. Cabe por isso analisar melhor estas diferentes denominações.110 PEREIRA, C. Ana Paula. Atuação de poderes locais no Império lusitano. Op. Cit. P. 17-20.111COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões: universo militar luso – brasileiro e as políticas de ordem nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: UFMG. Tese de doutorado

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base territorial (ao contrário das ordenanças) para prestar auxílio. Era formada por homens

aptos ao serviço militar já que eram “treinados” e mobilizados em caso de necessidade

bélica e, portanto não estavam totalmente ligados as atividades militares como ocorria nas

tropas pagas. Também estava organizada em terços, recrutados entre a população local e

alistado em categorias: brancos, negros e pardos. Constituída em sua maioria por

lavradores, filhos de viúva, e homens casados112. Eram comandados por oficiais oriundos

do exército regular, e, portanto por um mestre de campo e sargento-mor. Sua hierarquia

ficava então organizada: mestre de campo, coronéis, sargentos mores, tenentes coronéis,

capitães, tenentes, furriéis, cabos – de –esquadra, porta – estandartes e tambor. Deve-se

observar que o título de mestre de campo era atribuído ao comandante do terço da

infantaria, enquanto o título de coronel era atribuído ao comandante do terço da

cavalaria113. Resta-nos investigar se as funções exercidas por eles seriam as mesmas.

Para completar a organização militar estariam os corpos das ordenanças criadas em

1549 para auxiliar na defesa do território. Seus membros eram recrutados entre a própria

população local masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas

duas primeiras forças. Tinham um forte caráter local e procuravam realizar um arrolamento

de toda a população para as situações de necessidade militar.114 Deveriam ter seus próprios

equipamentos militares, permaneciam em seus serviços particulares e somente em caso de

perturbação da ordem pública abandonavam suas atividades. Eram conhecidos como

“paisanos armados”, denominação que mostra a qualidade dos integrantes das ordenanças,

ou seja, um grupo de homens que não possuía instrução militar sistemática, mas que, de

forma paradoxal, eram utilizados em missões de caráter militar e em atividades de controle

interno115. Os oficias da mais alta mais patente eram: capitão mor, sargento mor, capitão,

seguidos dos oficiais inferiores que eram os alferes, sargentos, furriéis, cabos de esquadra,

porta estandartes e tambor.

Portanto pode-se concluir que em Portugal, o posto de mestre de campo

correspondia a mais alta patente nas tropas pagas e nas milícias, nestas últimas como chefe

da infantaria. Era também um cargo de enorme importância uma vez que seus ocupantes

112 SALGADO, Graça. (ORG) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1985.113 PEREIRA, C. Ana Paula. Op. Cit. Pg. 18. Ver Também: FILHO, Jorge da Cunha Pereira. “Tropas militares lusos – brasileiras nos séculos XVIII e XIX. In: Boletim do Projeto “pesquisas genealógica sobre as origens da Família Cunha Pereira. Ano 03, nº12, 1998.114 PEREIRA, C. Ana Paula. Op. Cit. pag. 19.115 Idem, Pag. 18-19.

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eram indicados por nomeação real (no caso das tropas pagas) e sem dúvida eram

reconhecidos como homens de grande prestígio dentro da sociedade.

No Brasil, especificamente em Minas Gerais a estrutura militar seguiu os mesmos

moldes de Portugal, sendo a estruturação de suas tropas da mesma maneira que no Reino.

É importante destacar que os Alvarás e Regimentos responsáveis pela organização militar

valiam tanto para Portugal como para o Brasil e por isso qualquer alteração feita servia

para os dois. No caso de Minas Gerais o estabelecimento destas tropas era de fundamental

importância para a manutenção da ordem e do próprio Império. Era um território marcado

por grandes impasses colocados a administração, levando a Coroa a buscar vias seguras

para controlar as revoltas, estabelecer a cobrança do quinto, as casas de fundição, além da

de uma constante fiscalização para impedir o contrabando. Era necessário por em

funcionamento toda uma estrutura administrativa e fiscal para o recolhimento de tributos e

controle da região produtora e de todos os conflitos e dilemas que enfrentou116. Nesse

aspecto, como nos aponta Ana Paula Pereira Costa, os militares constituíam em fortes

colaboradores, pois ao disporem de mobilidade, possuíam um vasto conhecimento do

território, “dois fatores indispensáveis a conservação da ordem e manutenção da

tranqüilidade pública.117”

Foi no final de 1709, com a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro e

com a nomeação do seu primeiro governador, Antônio de Albuquerque Coelho de

Carvalho que se instituíram, por carta régia, as ordenanças e milícias. Porém as tropas

pagas só entrariam em funcionamento anos mais tarde no governo de Pedro de Almeida e

Albuquerque, o Conde de Assuma e ficaram conhecidas conhecidas como Companhia dos

Dragões118, sendo seus postos ocupados por homens geralmente vindos de Portugal119. As

ordenanças eram as forças militares que mais envolviam a participação dos súditos, sendo

consideradas segundo Raymundo Faoro “a espinha dorsal” da colônia, instrumento de

ordem e disciplina.120”

Já no que diz respeito aos mestres de campo ainda há muito a ser investigado,

especialmente porque há especificidades do caso mineiro referente à atuação destes

homens e ao alcance dessa patente que carecem de um estudo mais detalhado. Um dos 116 CAMPOS, Maria Verônica. Governo de Mineiros: “de como meter as minas em uma moenda e beber-lhe o caldo dourado” 1693 a 1737. Tese de doutorado. USP, 2002.117 PEREIRA, C. Ana Paula. Op. Cit. P.43118 A respeito deste tema, ver: COTTA, Francis A. Op.Cit.119 Com a administração pombalina (1750-1777) que a ocupação dos cargos passa a ser estendida também aos habitantes da América. Ver: A respeito deste tema, ver: COTTA, Francis A.. Op.Cit.120 FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Vol. 1. Rio de Janeiro: Globo, 1989.

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exemplos mais emblemáticos pode nos ser dado a partir de um parecer do Conselho

Ultramarino que dada 19 de Agosto de 1738, onde se afirma que: para prover o cargo

“necessita de um ofício militar em quem concorram a circunstância de valor e

capacidade, pode pela graduação de sua patente, na falta do governador recai nele o

governo das Minas121”. Aqui encontramos dois pontos a serem destacados. O primeiro é

que a ocupação do cargo exigia do indivíduo uma trajetória militar anterior, embora ainda

seja necessário analisar o percurso percorrido até a ocupação da dita patente. O segundo

ponto e mais importante é a sua relação com um dos cargos mais importantes da

administração colonial, o de governador. Em uma região marcada por constantes ausências

e trocas de governadores a possibilidade de substituí-lo parece intrigante. Os governadores

eram homens que garantiam a tomada de decisões rápidas em situações emergenciais na

colônia sem a consulta aos órgãos da estrutura administrativa central portuguesa. Era

necessário também que o governador tivesse competência e capacidade para enquadrar e

controlar as redes de relacionamento locais tecidas pela elite local, potenciais concorrentes

da centralização régia, para isso valia-se dos conflitos, do prêmio e do castigo na dose

certa122. Eram, portanto, como nos aponta Stuart Schwarctz, defensores da autoridade

régia, aplicadores da justiça do Rei, mas estavam também envolvidos nas redes de

poderosos locais, com interesses econômicos e vínculos de clientelas nos locais onde

desempenhavam suas funções123. O mestre de campo João Ferreira Tavares de Gouveia

substituiu o governador por volta de 1732: “por três ou quatro vezes diferentes sempre o

fez com toda a prudência e acerto, sem que nunca obraste coisa que lhe estranhassem. Foi

a pouco tempo a pedido do seu Governador a correr vários distritos e comarcas deste

governo das Minas a dar em todas ordens e fazer práticas para que reevitassem os

descaminhos do ouro dos reais quintos.” 124

Outra característica pode nos ser dada a partir das informações contidas no

relatório do Marquês de Lavradio, Vice Rei do Estado do Brasil. Para escreve - lo Lavradio

usou várias vezes informações passadas por mestres de campo, a respeito, por exemplo, da

qualidade das embarcações e portos, o número de rios, número dos terços que continha a

cidade do Rio de Janeiro, entre outros. Sua atuação, portanto, ultrapassava a esfera militar.

Os mestres de campo eram, portanto, homens que tinham um vasto conhecimento do

121 AHU, MG, Avulsos, CX.36, Doc.31. Parecer do Conselho Ultramarino. Grifo meu.122 CAMPOS, Maria Verônica. Op.cit. pag. 17123 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil Colonial. A Suprema Corte da Bahia e seus juízes;1609-1751. São Paulo: Perspectiva,1979.124 AHU, MG, Avulsos, CX.21, Doc.35

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território, e mais do que isso, amplas redes de relacionamento e grande legitimidade social.

Desse modo usavam o cargo para aplicar a governabilidade da Coroa Portuguesa na região,

atuavam na defesa interna mais ao mesmo tempo estavam imersos em interesses comuns

aos grupos em que estavam envolvidos.

A ocupação desses cargos deveria ser direcionada aos Homens Bons, aos principais

da terra. Isso porque no Ultramar o critério para se chegar ao topo da hierarquia militar

eram os serviços prestados a Monarquia, ao contrário do Reino cujo critério era o

nascimento125. Em retribuição aos serviços prestados, o Rei agraciava esses homens com

patentes militares, abrindo mão de uma formação específica em Academias Militares, algo

de pouca importância para a ascensão dos oficias a postos de maior prestígio126, exceto,

como já analisado, na segunda metade do século XVIII, em que esta preocupação se torna

primordial. Porém para o Brasil, e sobretudo para Minas Gerais é necessário avaliar com

maior atenção esta noção de “nobreza da terra” 127, termo que nos últimos anos foi se

consolidando pela historiografia brasileira como sinônimo de indivíduos agraciados com as

mercês régias pelos serviços prestados ao Rei. Segunda as palavras Maria Beatriz Nizza da

Silva: “A nobreza civil ou política resultava, na Colônia como na Metrópole, das

dignidades eclesiásticas, dos postos da tropa auxiliar, dos cargos da república, ou seja,

125 GONÇALO, Nuno. Elites locais e mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo Regime. In: Elites e Poder: Entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2007.126 A preocupação com uma formação dos oficiais em Academias especializadas só foi motivo de preocupação na segunda metade do século XVIII, com as transformações trazidas pelo Marquês de Pombal, visando centralizar a administração Pombal promoveu uma serie de mudanças política- administrativa que se refletiram também nas estruturas militares. O objetivo maior de tais reformas era a consolidação e estabelecimento da autoridade da Coroa a partir da subordinação e obediência de todos os seus súditos sobre uma ampla concepção no papel das forças militares. Visou instituir uma pedagogia militar capaz não só introduzir técnicas e atividades de guerra e combate mas também estabelecer uma educação capaz de formar disciplina e ordem acordes os novos interesses e a nova fundamentação teórica do poder do Estado, ou seja, formar súditos do Rei. Nesse contexto foi criada a Escola Militar ou dos Nobres, e foi convocado o conde alemão de Lippe- Schaumburg cuja missão era promover a modernização do exército português. No Brasil esta tarefa foi atribuída ao tenente general austríaco João Henrique Böhm. Ver: MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII: as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e a manutenção do Império Português no centro-sul da América. Niterói: UFF, 2002. Tese de doutorado. 127 Há um debate sobre a aplicabilidade ou não deste conceito para Minas. Laura de Mello e Souza em seu livro O sol e a sombra afirma que este conceito não pode ser aplicado para caracterizar os homens que ocupavam cargos seja na administração ou no exército. Para ela, faltava “a nobreza e a estirpe dos agentes do poder” por serem homens rudes, da pior estirpe, sem qualidade e sem cabedal, cujo único objetivo era o enriquecimento. É Carla Maria Carvalho de Almeida em artigo intitulado Vivendo a lei da nobreza nas Minas Setecentistas que contesta as proposições de Laura. Para a autora, os habitantes das Minas eram sim homens rudes mais que para além da busca do enriquecimento visavam alcançar a condição de nobreza vigente no Império Português, através de qualificações e títulos que pudessem os alçar nessa condição. Sobre este assunto ver: SOUZA, Laura de Mello. O Sol e a Sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. Ver capítulo 4. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Vivendo à lei da nobreza nas Minas Setecentistas: uma discussão sobre estatuto social na América Portuguesa. Anais do II encontro memorial do Instituto de Ciências Humanas e Sociais: nossas letras na história da educação. Mariana: Editora da Universidade de Ouro Preto, 2009.

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camarários, dos graus acadêmicos e, depois da legislação josefina, do grande comércio

transatlântico”128.

Para o estudo em questão, por exemplo, a ocupação destes cargos foi marcada pela

presença de homens importantes para o cenário mineiro como Manuel Fonseca de

Azevedo, Cavaleiro da Ordem de Cristo que atuou como mestre de campo do terço das

ordenanças na Comarca de Ouro Preto no ano de 1726 129, mas também por homens como

Francisco Alexandrino, homem Pardo, mestre de campo do terço auxiliar no termo de Vila

Rica no ano de 1770. A presença destes homens ilustra bem quão diversa era a ocupação

destes cargos, o quanto a noção de nobreza da terra pode abarcar homens de tão distintas

qualidades e procedências e como a lógica colonial era dinâmica.

Outra característica destes oficiais e que os diferencia dos militares do reino é a sua

presença em todos os corpos militares existentes em Minas, e não só nas tropas pagas e

milícias. Há registros de mestres de campo atuando também nas ordenanças, o que

contradiz a hierarquia proposta pela literatura existente, que não faz menção à presença

destes homens dentro destas tropas tanto para o Brasil como para Portugal. Isso é o que nos

indica Antônio Ramos dos Reis, homem rico, Cavaleiro da Ordem de Cristo residente na

comarca de Vila Rica e que ocupou o cargo de mestre de campo no ano de 1732 130, ou

ainda David Borges da Cunha, mestre de campo do terço das ordenanças de Vila Nova da

Rainha do ano de 1733 131. Portanto é para responder a muitos destes questionamentos que

a pesquisa delineada se faz necessária.

Para Maria Fernanda Bicalho uma das chaves explicativas da relação entre

metrópole e colônia foi a guerra, pois ela fundamentou a lógica do sistema colonial132, uma

vez que foram “os súditos coloniais os responsáveis pelos altos custos da manutenção do

Império e recaia sobre suas rendas ou sobre as rendas arrecadadas pelas câmaras a

obrigatoriedade do fardamento, sustento e pagamento das tropas e guarnições, bem como

o reparo de fortalezas e a manutenção das armadas em situações especiais ou em

momentos de ameaça concreta”.133 Algo que se reforça dada a importância que a guerra

128 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2005. Pg.20-21.129 AHU, MG, Avulsos, CX.8, Doc.17. 130 AHU, MG, Avulsos, CX 20, Doc.48. Sobre o mesmo Antônio Ramos dos Reis é importante destacar que no ano de 1740 ele ocupa o posto de capitão – mor das Ordenanças, na mesma comarca, ficando no cargo ate 1761. Fato curioso, pois a literatura proposta não indica a presença desta patente dentro das Ordenanças, como já foi dito anteriormente. Sobre este assunto ver: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano. Op. Cit. Pg 19 e 51.131 AHU, MG, Avulsos, CX.25, Doc.17. 132 BICALHO. Maria Fernanda. A Cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.133 BICALHO. Maria Fernanda. A Cidade e o Império. Op. Cit

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assumiu para formação dos estados modernos, e pela preocupação da Coroa desde o início

da colonização em transformar cada colono em um homem de guerra. 134 Assim, foram os

serviços prestados ao Rei a fonte de prestígio e status social das elites coloniais e nesse

sentido a ocupação de cargos militares assumia um papel de destaque. Diante dessa lógica

de uma sociedade de Antigo Regime, movida pelo status social, a ocupação desses cargos

representava um diferencial significativo aos homens que o ocupavam. Os serviços

prestados ao Rei serviriam como moeda de troca, na busca incessante desses homens por

diferenciação social.

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134 VANDERLEI, Kalina S. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial. Op.cit.

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A Formação Industrial de Petrópolis

Pedro Paulo Aiello Mesquita∗

Introdução

A tendência turística de Petrópolis talvez seja aquela que mais se destaca, até

mesmo em função de seu passado como vilegiatura imperial que criou, desde seus

primórdios, uma vocação de veraneio, de cidade jardim, palco europeu nos trópicos onde

se viveria na amenidade do clima tropical trazida pela altura das montanhas135.

Por dentro dessa tendência historicamente construída há uma história industrial, um

passado em larga medida voltado para muito além das tendências de cidade veraneio.

Repousa nessa outra vocação, a qual se chama vocação industrial, um importante ponto

para o entendimento do crescimento econômico e da dinâmica populacional do município.

A vocação industrial petropolitana

Afirma o francês Philippe Arbos:

(...) certas vantagens fazem Petrópolis uma colônia do Rio, fazem-na igualmente, uma colônia industrial. Como cidade de veraneio não teria passado de proporções modestas e continuaria limitada a atividade essencialmente periódica que tornava outrora o inverno um período de “pavor para o comércio”. Como cidade industrial, ela fixou uma população permanente e fortemente acrescida que a mantém durante o ano todo em movimento e em atividade.136

Arbos em seu estudo, feito em 1937, apresenta a industrialização da cidade como

fator de peso para o crescimento populacional, sem que, no entanto, tal crescimento

proporcionado pela industrialização entrasse em choque com a natureza exuberante de Mestrando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)135 A respeito da ideia de vilegiatura Júlio César G. Ambrósio argumenta que vilegiatura pode ser conceituada de forma diferente em relação à ideia de turismo. Para o autor, vilegiatura é uma velha contraparente do turismo, é uma prática renascentista para a permanência no campo ou lugar mais sossegado que as cidades, nessas vilegiaturas a aristocracia passava então as estações calmosas. Já o turismo significa uma prática mais moderna, advinda do Estado Burguês quando os Estados altamente industrializados no século XIX incorporaram os trabalhadores como sócios menores nos benefícios do mundo da produtividade do trabalho, gerando salários maiores e menos tempo de trabalho, o que leva aos trabalhadores ao turismo, variante do vocábulo inglês tour onde a ida para outras regiões é feita por pouco tempo, de maneira não freqüente e, evidentemente, por um público não aristocrático. AMBROZIO, J. C. G. O Presente e o Passado no Processo Urbano da Cidade de Petrópolis (uma história territorial) Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008136 ARBOS, P. Petrópolis. Esboço de Geografia Urbana.Trabalhos de Comissão. Volume VI. Petrópolis. Prefeitura Municipal de Petrópolis: 1943,PP 217.

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úmida mata atlântica na qual vaga o ruço serrano levando o frio e a garoa presente com

tanta frequência no cotidiano dos habitantes da região. O autor, que por sua época é

marcado por certo tradicionalismo, não via os impactos ambientais e a apropriação de

largos recursos naturais na consolidação dos empreendimentos fabris, mas é enfático em

perceber a vocação industrial da cidade, em vê-la para além dos campos europeus

fabricados pela vocação real em plena Serra do Mar.

Passados sete anos da publicação da obra de Arbos, em 1950, Alberto Ribeiro

Lamego traz um novo estudo a respeito da vocação industrial de Petrópolis. Trata-se do

livro “O Homem e a Serra”137 O autor enfatiza o papel dos agentes sociais vindos da

Baixada Fluminense, incluindo a cidade do Rio de Janeiro, na ocupação e civilização das

terras petropolitanas. O autor situa os personagens da Baixada que rumaram serra acima,

assim como paulistas e mineiros que seguiram o mesmo rumo. O que chama mais a

atenção no estudo de Lamego é a relação que se faz entre o crescimento das plantações de

café, a expansão fluminense e o desdobramento que tal crescimento teve na formação de

Petrópolis uma vez que inúmeros agentes daquelas regiões migraram para a cidade serrana

que, por sua vez, não se valia para a plantação da rubiácea. Não houve em Petrópolis

grandes barões de café e estruturas rurais como em outros locais do Rio de Janeiro da

época, tais como Resende ou Itaperuna, basicamente em função das escarpas íngremes e a

estreiteza dos vales em Petrópolis.

Daí a cidade serrana veio a desenvolver atividades fabris vindas de capitais da

cidade do Rio de Janeiro o que, por sua vez, causava a dependência frente àqueles agentes

vindos da Baixada, era como se o centro econômico estivesse na cidade do Rio de Janeiro.

Formaram-se assim dois públicos; a nobreza citadina da vocação de vilegiatura e os

trabalhadores, muitos dos quais vindos da Baixada Fluminense, mas também de Minas

Gerais e São Paulo. Para Francisco de Vasconcelos essa atração de trabalhadores vindos de

outros lugares para Petrópolis gerou o problemas relacionados às habitações populares:

Portanto, há cento e onze anos [o autor escreve em 2008] Petrópolis já atraia mão de obra, qualificada ou não para a construção de prédios rústicos ou urbanos, o que vale dizer que o problema da habitação popular caminhava paralelamente ao fluxo migratório, sem que se buscasse uma solução plausível em prazo curto para minimizá-lo. O agravamento da crise seria inevitável, não só por causa do crescimento vegetativo da população de baixa renda, mas também em função dos chamarizes de mão de obra alóctone advindos do crescente parque industrial petropolitano.138

137 LAMEGO, A. R. O Homem e a Serra. IBGE, setores da evolução fluminense. Rio de Janeiro:1950138 VASCONCELOS, Francisco de. Petrópolis do Embrião ao Aborto Petrópolis: ParkGraf editora. 2008

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É então que Cezar de Magalhães, em seu artigo intitulado “A Função Industrial de

Petrópolis”139 trata com ênfase a questão industrial na cidade. O autor analisa os aspectos

locais que proporcionaram a implantação do trabalho fabril tais como transportes, recursos

hidráulicos, clima, mão-de-obra, entre outros. O clima serrano, úmido e frio, também é

enfatizado pelo autor como contribuição à indústria têxtil ao deixar os fios menos

quebradiços. O autor também considera a proximidade com o Rio de Janeiro fator de

extrema importância para o crescimento industrial, situando naquela cidade o ponto

principal dos investimentos.

A relação entre a colonização germânica de Petrópolis e o trabalho industrial é bem

explicada no trabalho de Ismênia Martins. A partir do texto se percebe que os germânicos

trabalhavam, sobretudo, em pequenas oficinas de fundo de quintal nas quais produziam

manteiga, leite ou montavam carroças, entre outras atividades. O que acontece é que não

está aí o início da industrialização petropolitana O que se percebe em Martins é uma lógica

na qual a industrialização da cidade foi possibilitada pela:

Facilidade de comunicações, além da proximidade com o Rio de Janeiro. Além da União e Indústria, é concluída, no final do século, em 1883 a Estrada de Ferro do príncipe do Grão Pará, ligando à capital em duas horas, dispensando o trecho marítimo. Em 1928, inaugurou-se a Rio-Petrópolis, a primeira rodovia pavimentada do Brasil, ampliando ainda mais as facilidades de comunicação140.

Além dessa proximidade, cita-se a topografia petropolitana, que ainda na

explicação de Martins, possui inúmeros rios que auxiliam na energia hidráulica e, portanto,

na instalação dos empreendimentos fabris. Logo, o capital vindo da cidade do Rio de

Janeiro é novamente apontado como o propulsor da industrialização em Petrópolis.

Segundo a autora, apenas uma fábrica na cidade, a Fábrica Dona Isabel, fora formada com

capitais petropolitanos, sendo as demais formadas por investimentos vindos do Rio de

Janeiro. O anúncio a seguir141 foi publicado em 1898 no “O Commercio”, jornal

petropolitano, que mostra a integração comercial que também havia entre Petrópolis e Rio

de Janeiro nessa época.

139 CEZAR DE MAGALHÃES. A Função Industrial de Petrópolis. Revista Brasileira de Geografia. IBGE. Ano XVIII. Janeiro-março. 1966. P. 20-55140 MARTINS, Ismênia de Lima. Subsídios para a História da Industrialização em Petrópolis. Petrópolis: Universidade Católica de Petrópolis: 1978. P. 14141 O Commercio. N.I. ano I 1898. Fundação Nacional Pró-Memória. Biblioteca Nacional. Plano Nacional de Microfilmagem de periódicos brasileiros. Petrópolis – Rio de Janeiro: jornais diversos – 1880 – 1898.Microfilmado em setembro de 1988.

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Neste anúncio da Sul América Seguros, com endereço na cidade do Rio de Janeiro,

percebe-se que havia uma rede comercial bem comum entre Petrópolis e Rio de Janeiro,

isso ilustraria uma das razões para a industrialização da cidade. É emblemático disso que

não bastava simplesmente estar próximo da capital para obter crescimento. Era necessário,

ainda segundo Martins, perceber que o “nexo econômico e social que iria operar entre o

porto do Rio de Janeiro e aquela cidade serrana142ӎ que possibilitava o implemento do

processo de trabalho industrial e crescimento. A esse respeito, as Vilas de Estrela e Magé

estavam em franca decadência, a despeito de estarem bem mais próximas da capital do que

Petrópolis.

Percebe-se assim a industrialização em Petrópolis. Região montesa, fundada em

1843 como vilegiatura imperial e que logo alcançou autonomia política ao atingir categoria

de cidade em 1857. Contudo, na vocação industrial a que se prestou, não obteve autonomia

econômica, sendo extremamente dependente dos fluxos de capitais ligados ao Rio de

Janeiro.

Petrópolis vilegiatura tinha o ar aristocrático necessário aos finos pulmões da Corte

e dos elementos que gravitavam ao seu redor. Versalhes tropical de clima ameno e bom

passadio para repouso da elite. Por trás desse cenário nascia a indústria de tecelagem e

fiação do algodão num arremedo revestido de progresso; primeiro a Renânia, que mais

tarde irá se chamar São Pedro de Alcântara, em 1873. No mesmo ano, a Companhia

Petropolitana de Tecidos, que irá atingir ainda no século XIX enormes proporções,

142 MARTINS, Ismênia de Lima. Op. Cit. p; 5

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chegando mesmo a ser referência em âmbito nacional. Em 1889 é fundada a Fábrica Dona

Isabel.143

Júlio Ambrósio144 defende que se tem nessas primeiras fábricas a formação de uma

periferia a poucos quilômetros do palácio imperial, o ambiente da nascitura classe operária

que podia sentir também em seus pulmões os ares aristocráticos que a Corte criou. Eis dois

públicos distintos em duas vocações distintas no nascimento da cidade. O que pode sem

dificuldade ser classificado como colônia industrial em Petrópolis pode também ser

considerado como absolutamente dependente do Rio de Janeiro, isso, pois não houve na

cidade serrana qualquer acumulação primitiva de capitais, vindo todo o investimento da

elite do Rio de Janeiro do período, seja aquela aristocrática que via na cidade a vilegiatura,

seja aquela industrial, que se pautando no caráter nobre da cidade passara a investir na

formação industrial da mesma, criando as bases para uma nova vocação.

Ambrozio afirma que: “Petrópolis, então, arranjou-se como um território no qual o

subúrbio elegante da vilegiatura criaria inibições, mas não proibiria a existência de

subúrbio industrial proletário em um mesmo espaço montês e urbano.”145 Talvez fosse o

caso de perceber duas realidade destoantes; a vilegiatura e o campo industrial, mas não

incompatíveis. O próprio imperador dom Pedro II parecia incentivar o crescimento das

fábricas dando-lhes autorização para funcionar e explorar a energia hidráulica, bem como

considerava o “progresso” que a formação industrial trazia:

FÁBRICA NOVA: Os alicerces da fábrica nova foram começados em maio de 1886 (...) O lançamento da pedra fundamental do novo edifício foi em 2 de junho de 1886, com a presença do Imperador do Brasil D. Pedro II, que externou sua grande satisfação pela magnitude do empreendimento que classificou de “era do progresso”146

Esse trecho, constante nos relatórios anuais da diretoria da Companhia

Petropolitana de Tecidos, mostra como as duas elites; a aristocrática e a industrial,

coincidiam na formação industrial da cidade. Ilustra o que poderia ser a tendência de uma

cidade imperial e também industrial.

O projeto da colônia agrícola não daria certo em Petrópolis. O clima e a topografia

serrana não permitiam o faustoso desenvolvimento agrícola e o destino industrial de

Petrópolis parecia ser previsto por Frederico Damck em 1857: “Julgo, pois, que Petrópolis

143 AMBROZIO, J. C. G. Op. Cit. P.20144 AMBROZIO, J. C. G. Op. Cit. P.20145 AMBROZIO, J. C. G. Op. Cit. P.21146 COMPANHIA PETROPOLITANA. História da Companhia Petropolitana Parte 1 Gráfica da Universidade Católica de Petrópolis. Petrópolis: 1983. Página IV

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não é e nem será colônia agrícola, mas sim um núcleo de trabalhadores e talvez com o

tempo industrial e comercial.”147Assim, parece haver uma coincidência entre a natureza

não apta à agricultura em Petrópolis e o estabelecimento industrial:

O solo é estéril, limitado, escarpado. Cuida-se mais da indústria. Desenvolveram-se varias pequenas artes, oficinas e empresas. Por uma razão muito simples, e muito vantajosa a proximidade com a capital do país.148

L’allemant aponta como razões para a tendência industrializante de Petrópolis as

dificuldades naturais para a agricultura e também a proximidade com a capital, o Rio de

Janeiro. As somas de investimentos que subiam a serra são, indubitavelmente, de grande

contribuição para a formação industrial de Petrópolis, gerando uma grande dependência

frente aos capitais vindos de fora. Assim, não há qualquer possibilidade de associar a uma

propensa engenhosidade do colono alemão a formação industrial de Petrópolis. Embora

tais colonos tivessem um perfil agrícola e artesanal, tais habilidades não podem ser vistas

como propulsoras da industrialização já que faziam parte da rotina agrária daqueles

camponeses na Europa149, ou em outros termos; as oficinas e o artesanato praticado por

aqueles colonos eram antes extensões do trabalho agrícola e não uma forma inicial de

trabalho industrial.

Dessa forma, houve um natural translado do trabalho agrícola para o industrial

basicamente em virtude da inviabilidade do primeiro. As pequenas parcelas de terra que

eram disponibilizadas para o colono, a baixa produtividade do solo, a inclinação do relevo,

as taxas que eram cobradas pelo governo, tudo contribuía para que a agricultura não fosse

viável, despejando grande contingente populacional no trabalho industrial: “O migrante

que subiu a serra para viver como foreiro agrícola, com efeito, ascendeu para se constituir

como trabalhador livre da futura indústria têxtil de Petrópolis.” 150Dessa forma, foi a partir

da inviabilidade do trabalho agrícola que surgiu grande fluxo para o trabalho nas

indústrias, principalmente as têxteis, cujos primeiros estabelecimentos se formaram cerca

de 25 anos após a chegada dos colonos alemães. Esses colonos se dedicaram nesse tempo à

agricultura e às atividades manufatureiras que eram em si complementares ao trabalho

agrícola e eram, portanto, atividades pré-industriais.

147 DAMCK, Frederico. O Mercantil. 1857. In: RAFFARD, H. Jubileu de Petrópolis. Revista do IHGB. Rio de Janeiro: volume 58. N° 2 1896.148 AVE L’ALLEMENT. Três Fases de Petrópolis: em 1844, 1851 e 1858. Tribuna de Petrópolis. In: CEZAR de MAGALHÃES J. A Função Industrial de Petrópolis. Revista Brasileira de Geografia. IBGE, ano XXVII, janeiro-março, 1966, p. 26.149 AMBROZIO, J. C. G. Op. Cit. P.277150 AMBROZIO, J. C. G. Op. Cit. P.276

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Os investimentos fabris vieram de fora para dentro, condicionando vínculos de

dependência entre Petrópolis e a capital. No Rio de Janeiro chegava a matéria-prima para a

indústria petropolitana, a qual tinha também na capital seu principal mercado consumidor.

Muitos comerciantes cariocas investiam na formação de empreendimentos fabris em

Petrópolis, esses investidores moravam em bairros cariocas e arriscavam seus capitais

comerciais em empreendimentos fabris na serra imperial151

O conjunto relacionado à intensificação do trabalho livre, a inviabilidade do

trabalho agrícola e a atração de investimentos cariocas fizeram as condições petropolitanas

para que nos anos 70 do século XIX fosse fundada a primeira indústria têxtil da cidade; a

Imperial Fábrica São Pedro de Alcântara no centro da cidade (foto 1) e a Companhia

Petropolitana de Tecidos no bairro em Cascatinha, bairro que se desenvolveu no que tange

à ocupação populacional e ao comércio em virtude da instalação da fábrica. (foto 2)

Foto 1) Imperial Fábrica de São Pedro de Alcântara, na rua Renânia. Álbum de fotografias de Petrópolis e do Rio de Janeiro. Foto: Klumb, Revert Henry.152 Pode-se perceber a proximidade da fábrica junto ao rio

Quitandinha

151 CEZAR DE MAGALHÃES. A Função Industrial de Petrópolis. Revista Brasileira de Geografia. IBGE. Ano XVIII. Janeiro-março. 1966152 MUSEU IMPERIAL/ IBRAM/ MINISTÉRIO DA CULTURA

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Foto 2) Companhia Petropolitana, prédio novo construído em 1886.153 Esse segundo prédio de 15 mil metros quadrados foi construído em função da expansão da produção. Além desses prédios havia prédios complementares para oficina de forja, funilaria, carpintaria e escritório central de administração154.

Nessas indústrias nascentes foi usada não somente a mão-de-obra local como foram

contratados inúmeros estrangeiros, sobretudo italianos, para formarem o operariado.

Arbos155indica que em Cascatinha, local onde se situava a empresa, 44% da população

eram de estrangeiros, enquanto que no primeiro distrito, junto à Vila Imperial, havia

somente 23,3% de imigrantes.

A presença dos italianos em Petrópolis vinha da tendência industrial da cidade,

enquanto a presença dos alemães veio com o projeto de constituir na vilegiatura imperial a

colônia agrícola. De cusatis diferencia as colonizações italiana e alemã:

Com os italianos foi diferente: vieram espontaneamente, tinham os meios e os conhecimentos técnicos necessários e o operariado trazia iniciação técnica que, por menor que fosse, ainda como hoje em dia, seria muito mais valiosa que a adquirida aqui (...) Os alemães vieram em circunstâncias que os obrigava a ficarem, sem perspectiva de volta156

A chegada dos italianos ocorreu sem que tivessem estrutura suficiente para viver na

cidade. Suas necessidades eram mal atendidas, assim como era com as demais pessoas

pobres que viviam na cidade em industrialização. A falta de infra-estrutura basicamente em

hospitais, previdência social e estabilidade econômica fez com que se gerasse entre os

153 MUSEU IMPERIAL/ IBRAM/ MINISTÉRIO DA CULTURA154 ALMEIDA, J. N. T. Petrópolis – Guia de Viagem. Typographia de L. Winter. Rio de Janeiro, 1885, in: Cidade de Petrópolis, reedição de quatro obras raras. MEC/Museu Imperial, Petrópolis: 1957, p. 132.155 ARBOS, P. Petrópolis. Esboço de Geografia Urbana.Trabalhos de Comissão. Volume VI. Petrópolis. Prefeitura Municipal de Petrópolis: 1943. P. 215156 CUSATIS. José. Os Italianos em Petrópolis. Petrópolis. Edição da Câmara Municipal. 1993P. 5

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italianos em Petrópolis uma base de incerteza quanto às possibilidades de sobrevivência.

Foi dessa forma que surgiram as Associações Italianas de Mútuo Socorro; Società Italiana

di Mutuo Socorro e Beneficenza, Società Vittorio Emanuele III, Società di Mutuo Socorso

e Società Italiana di Mutuo Socorso di Cascatinha.157 Essas associações tinham mais do

que um caráter de auxílio econômico, também visavam integrar os italianos entre eles,

criando um vínculo de união e fraternidade. Havia, portanto, quatro associações na cidade,

duas funcionavam no centro e duas funcionavam no bairro da Companhia Petropolitana,

em Cascatinha.

Conclusão

Pode-se dizer que a partir de 1870 tem-se, de fato, a formação industrial de

Petrópolis basicamente em virtude da fundação dos empreendimentos fabris que

efetivamente separavam o trabalhador dos meios de produção. Era uma nova etapa no

mundo do trabalho compartilhado naquela sociedade, diferente das formas pré-industriais

de manufaturas praticadas pelos colonos, onde o sujeito era detentor do produto de seu

trabalho. A partir de 1873, para ser mais exato, a lógica do sistema capitalista se implanta

em Petrópolis com a fundação das indústrias têxteis, moldando novas relações de trabalho

nas fábricas nascentes, bem como promovendo o crescimento demográfico e urbano do

município.

Bibliografia

AMBROZIO, J. C. G. O Presente e o Passado no Processo Urbano da Cidade de Petrópolis (uma história territorial) Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008

ARBOS, P. Petrópolis. Esboço de Geografia Urbana.Trabalhos de Comissão. Volume VI. Petrópolis. Prefeitura Municipal de Petrópolis: 1943

CEZAR DE MAGALHÃES. A Função Industrial de Petrópolis. Revista Brasileira de Geografia. IBGE. Ano XVIII. Janeiro-março. 1966.

CUSATIS. José. Os Italianos em Petrópolis. Petrópolis. Edição da Câmara Municipal. 1993

157 DE CUSATIS, José. Op. Cit. P. 10

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LAMEGO, A. R. O Homem e a Serra. IBGE, setores da evolução fluminense. Rio de Janeiro:1950

MARTINS, Ismênia de Lima. Subsídios para a História da Industrialização em

Petrópolis. Petrópolis: Universidade Católica de Petrópolis: 1978

VASCONCELOS, Francisco de. Petrópolis do Embrião ao Aborto. Petrópolis: ParkGraf editora. 2008

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Brasil Império

A Trajetória da Revolta Liberal de 1842, em Minas Gerais

Fernanda Chaves Gherardi∗

Introdução

Em 10 de junho de 1842, na cidade de Barbacena, teve início a “Revolta Liberal de

1842” em Minas Gerais, movimento armado que movimentou as províncias de São Paulo e

Minas Gerais em 1842 e ficou estigmatizado pela alcunha de uma revolta. Em Minas

Gerais, os liberais (rebeldes) aclamaram José Feliciano Pinto Coelho da Cunha como

presidente interino da província, em um verdadeiro ato de não reconhecimento das

autoridades reais constituídas. O movimento armado obteve a adesão de vários municípios

mineiros, quinze que aderiram sem muito esforço e outros cinco que foram citados. Seu

objetivo principal era “sustentar a Constituição política do Império, o trono (...) e defender

estes sagrados objetos dos ataques que lhes eram feitos pela lei das reformas dos Códigos”.

Apesar da vitória em alguns combates com as tropas legalistas, os rebeldes acabaram por

ser derrotados, em Santa Luzia, em 20 de agosto de 1842.

Nesse trabalho, busquei dar destaque ao contexto geográfico do movimento armado

que mobilizou a província de Minas Gerais em 1842, buscando perceber sua trajetória.

Com isso, o objetivo principal é facilitar, ao público mais amplo, o entendimento da

dimensão da Revolta de 1842 nas Comarcas de Minas Gerais.

Para chegar ao objetivo, foi necessária a construção de um “quadro cronológico” da

revolta que permitisse perceber essa “trajetória geográfica” da mesma. Após a construção

dessa cronologia, tracei em dois mapas do período – “Comarcas de Minas Gerais” e

“Comarca do Rio das Mortes” – as estratégias de ação dos revoltosos, bem como os

pontos-chaves de avanço e recuo da Revolta.

Utilizei basicamente fontes primárias. Primeiramente, as memórias daqueles que

foram envolvidos pela Revolta: a Circular de Teófilo Ottoni e a memória do cônego José

Antônio Marinho. Também utilizei um conjunto documental denominado “A História da

Aluna de graduação em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG). Bolsista (BIC-PROPESQ/UFJF) do Projeto “A revolta liberal de 1842 em Minas Gerais”, orientado pelo professor Dr. Alexandre Mansur Barata.

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Revolução de Minas Gerais em 1842”, publicada pela Revista do Arquivo Público Mineiro,

bem como os Autos dos Inquéritos da Revolução Liberal de 1842 em Minas Gerais. Por

fim, os mapas da Província de Minas Gerais, cedidos pela Universidade Federal de São

João Del Rei, através do site www.documenta.ufsj.edu.br.

Quadro cronológico

No dia 24 de julho de 1840, os liberais mineiros que tanto lutaram pela maioridade

puderam festejar, D. Pedro II nomeou o seu primeiro ministério. Composto completamente

por membros liberais que apoiavam a campanha da maioridade, esse gabinete ficou

conhecido como o “ministério dos irmãos”. Era a vitória do Clube da Maioridade,

sociedade secreta em que também participava o Cônego José Antônio Marinho,158 para

quem a vitória do gabinete liberal, em 23 de julho de 1840, significava romper com a

tendência regressista vivenciada na regência do pernambucano Pedro de Araújo Lima

(futuro marquês de Olinda159).

Conforme observou Teófilo Ottoni: “Mal triunfava a maioridade e já sobravam

razões ao partido liberal para se arrepender de havê-la iniciado. Podia cobrir a cabeça

mesmo no dia do triunfo”.160 Ottoni assim se referia ao evento do Golpe da Maioridade,

devido ao fato de que em menos de um ano D. Pedro II iria nomear seu segundo

ministério: o Ministério de 23 de Março de 1841 que, segundo Marinho, era “composto dos

mais exagerados membros da oposição”.161

Esse Ministério daria continuidade às medidas regressistas, iniciadas por Araújo

Lima, que já havia reinterpretado o Código do Processo Criminal e o Ato Adicional de

1834, anulando os aspectos mais democráticos ou descentralizadores.162 Assim, para

desespero dos liberais, esse “Ministério de Março” aprovou a lei da reforma judiciária –no

dia 03 de dezembro de 1841 – e a lei do Conselho de Estado – no dia 05 de fevereiro de

1842.163

158 MATHIAS, Herculano; GUERRA, Lauryston; CARVALHO, Afonso Celso V. de. (Coord.). A História do Brasil. Rio de Janeiro: Bloch Editores S.A. Fascículo 24, 1972, p. 375.159 MOREL, Marco. O Período das Regências, (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 31.160 OTTONI, Teófilo Benedito. Circular dedicada aos Srs. Eleitores de Senadores pela Província de Minas Gerais no quadriênio atual e especialmente dirigida aos Srs. Eleitores de Deputados pelo 2°. Distrito Eleitoral da mesma Província para a próxima legislatura. Rio de Janeiro: Typ. Do Correio Mercantil de M. Barreto, Filhos & Octaviano, 1860, p. 88/173 (arquivo em pdf).161 MARINHO, José Antônio. História da Revolução de 1842. Brasília: Senado Federal em Co-edição com a Editora da Universidade de Brasília, 1978, p. 33.162 MOREL, Marco. O Período das Regências, (1831-1840). Op. cit, p. 31.163 LYRA, Tavares de. Instituições Políticas do Império. Brasília: Senado Federal em Co-edição com a Editora da Universidade de Brasília, v. 16, 1979, p. 142.

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No entanto, ainda caberia aos liberais reagirem ou resistirem por meio da

legalidade, através da Câmara dos Deputados e das Assembléias. Contudo, Esse Ministério

alegou fraudes nas eleições para a Câmara dos Deputados e conseguiu aprovar um Decreto,

dia 01 de maio de 1842, dissolvendo a Câmara de Deputados e convocando outra para dia

07 de novembro do mesmo ano.164 O que, segundo Marinho, fez com que liberais paulistas

e mineiros se unissem contra o ataque a uma das bases da representação política brasileira

– a Constituição.165

Assim, como uma promessa e seguindo o exemplo dos liberais paulistas que

haviam nomeado Tobias de Aguiar presidente interino de São Paulo no dia 19 de maio de

1842, os liberais mineiros se reúnem e decidem nomear José Feliciano Pinto Coelho da

Cunha presidente interino da província mineira no dia 10 de junho do mesmo ano.

A trajetória da revolta em minas

A Revolta Liberal em Minas durou dois meses, mas envolveu diversas localidades

da Província, sobretudo aquelas da Comarca do Rio das Mortes (ver Figura 1) e aquelas

localizadas na Comarca de Sabará (ver Figura 2).166

164 MATHIAS, Herculano... A História do Brasil. Op. Cit, p. 380.165 MARINHO, José Antônio. História da Revolução de 1842. Op. cit. p. 38.166 Arquivos históricos da Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais. In: www.documenta.ufsj.edu.br.

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O movimento armado se iniciou em meio a conchavos e reuniões secretas,

incluindo trocas de cartas entre liberais paulistas e mineiros, que esperavam o momento

certo de iniciar o apoio aos seus vizinhos paulistas. A cidade de Barbacena, na Comarca do

Rio das Mortes, foi o lugar escolhido para o início da sedição. A partir daí, no dia 13 de

junho, Queluz (atual Conselheiro Lafaiete) e Aiuruoca aderiram ao movimento; no dia 14,

Lavras; no dia 18, São João Del Rei aderiu após os revoltosos marcharem sobre a cidade,

mas algumas pessoas da cidade decidiram não apoiar a revolta, aderiram também a Vila de

São José e o Arraial de São Tomé das Letras; no dia 26, a Câmara de Baependi reconheceu

o governo revoltoso, após este ter atacado os legalistas da cidade; saindo de Baependy, os

insurgentes se dirigiram para Campanha (Mutuca, uma das cidades de Campanha, que já

pertencia à Comarca do Rio Verde, não representada no mapa da figura 1), com mais de

mil homens.167 Além dessas, foram citadas Oliveira, Comarca do Paraibuna e Três Pontas.

167 AUTOS dos Inquéritos da Revolução de 1842 em Minas Gerais. Brasília: Senado Federal, 1979, p. 199.

100

Figura 1 – Mapa da Comarca do Rio das Mortes, de 1821.

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A expansão do movimento, portanto, se iniciou dentro da própria Comarca do Rio

das Mortes, mas foi se direcionando para a Comarca de Sabará. A tentativa dos revoltosos

em expandir para a Comarca de Paracatu foi frustrada, com a derrota dos insurgentes em

Araxá.

Na Comarca de Sabará, a partir do dia 19, Santa Quitéria reconheceu o governo

intruso; no dia 26, início da ocupação de Caeté, que possuía o arraial de Santa Bárbara e

Itabira, após cinco dias de combate, o município foi controlado pelos insurgentes; no dia

24, Curvelo (arraial e distrito de Sabará até 1831) aderiu ao movimento, mas no dia 17 de

agosto, o juiz de paz e vereador da cidade voltou atrás, protestando a favor dos legalistas;168

outras cidades localizadas na Comarca de Sabará foram citadas: Bonfim, Rio Manso (onde

ocorreram embates, na Ponte do Mendanha), Sabará, onde os revoltosos entraram sem

resistência no dia 08 de julho, Tamanduá (atual Itapecerica) e Santa Luzia (onde os

insurgentes foram derrotados – ver Figura 3)169. Araxá, que se localizava na Comarca de 168 História da Revolução de Minas Geraes, em 1842. IN: Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, v.15 (fasc. 1 e 2), 1910, p. 223.169 História de Caeté. In: www.caete.mg.gov.br.

101

Figura 2 – Mapa das Comarcas de Minas Gerais em 1821.

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Paracatu, aderiu ao movimento, mas ficou dividida,170 até que os insurgentes desistiram de

tomar a cidade no dia 20 de julho, além de Uberaba, que foi citada.

Finalmente, chegamos à conclusão de que a abrangência do movimento armado na

Província de Minas Gerais se destaca nas regiões e cidades mais próximas da fronteira com

o Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente. Tratam-se das atuais regiões sul e

metropolitana de Minas (ver figura 4):

170 História da Revolução de Minas Geraes, em 1842. IN: Revista do Arquivo Público Mineiro. Op. Cit, p. 319.

102

Figura 3 - Fragmento de um mapa da Comarca de Sabará

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Conclusão

O movimento armado que mobilizou as províncias de São Paulo e Minas Gerais

pretendia, entre outras coisas, defender a autonomia provincial em relação ao Estado

Imperial. Os líderes políticos dessas revoltas buscavam, a todo o momento, justificar suas

ações, passíveis de punição, uma vez que eles se revoltaram contra as autoridades reais que

representavam, indiretamente, o imperador D. Pedro II. E mesmo apesar das justificativas,

os revoltosos foram todos presos e passaram por momentos, alguns mais outros menos,

difíceis, como foram os julgamentos.

Dessa forma, traçar a trajetória da revolta, ainda que pareça um exercício didático,

nos forneceu algumas hipóteses contundentes a respeito de por que os insurgentes não

teriam atacado a capital Ouro Preto, local onde os legalistas se articulavam e se

organizavam. Percebe-se que os revoltosos margeiam a capital, sem atacá-la, ainda que

estivesse no plano de alguns deles esse intento. No entanto, até o fatídico dia 20 de agosto

de 1842, quando os revoltosos foram derrotados em Santa Luzia, o ataque à Ouro Preto

não havia sido planejado.

103

Figura 4 – Abrangência da revolta em Minas Gerais

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O motivo dessa lacuna, no plano dos revoltosos, é difícil de ser provado

explicitamente. No entanto, ela pode nos sugerir algumas hipóteses. A primeira delas é que

a Capital Ouro Preto seria o local legítimo do exercício do poder legal, que representava e

se autorizava por meio do Imperador. Atacar Ouro Preto poderia trazer consequências

muito mais sérias que a prisão, pois representaria um atentado direto a um local de poder

da Monarquia, que em nenhum momento foi questionada pelos revoltosos.

A segunda hipótese, que não exclui a primeira, deriva do fato de que a revolta

obteve a adesão imediata dos municípios que se localizavam, em sua maioria, na Comarca

do Rio das Mortes. Essa Comarca estava muito próxima da Província paulista, que se

encontrava em armas. Por vezes, os liberais mineiros buscavam mostrar que a causa que os

levaram a pegar em armas era um ato maior do que apenas distrair as forças legais que

marchavam para São Paulo, seria um ato em defesa da Constituição e da Liberdade.

Desta forma, expandir a revolta pela província antes de atacar a Capital poderia ser

uma estratégia para mostrar que a insatisfação com a política e as Leis promulgadas pelo

Ministério de Março não seria apenas de uma pequena Comarca e de seus representantes,

mas de todos os cidadãos brasileiros. Assim, poderíamos explicar por exemplo a imagem

que se tinha em Minas Gerais de uma “São Paulo completamente em armas”. Expandir a

revolta poderia levar os legalistas a renunciarem aos cargos, como era a vontade dos

insurgentes, uma vez que mostraria a indignação de toda uma Província e não apenas de

uma Comarca rebelde com o Ministério de Março, o que daria mais legitimidade ao

movimento como um todo.

No entanto, quando perceberam a derrota iminente, ao saberem que o General

Caxias marchava para Minas Gerais, após pacificar São Paulo, com “mais de 10 mil

homens”.171 As tropas insurgentes começaram a se dispersar, começando pelas tropas do

Destacamento do Pomba e, a partir daí, aquelas do Rio do Peixe, Santa Bárbara e Bom

Jardim. Assim, dia 26 de julho, os chefes da guarda de Baependi se renderam às tropas

legalistas. Nesse mesmo dia, no entanto, os insurgentes conseguiram vencer os legalistas

de Queluz e aprisionar 200 deles, graças às colunas de Galvão e Alvarenga. No dia 01 de

agosto, quando alguns insurgentes já haviam desistido da revolta, entre eles Dr. Camillo,

um dos que haviam participado da reunião de 04 de junho, em que se decidiu a favor do

movimento, o exército revolucionário, estacionado sobre o ponto dos Henriques, recebeu

um comunicado de que atacariam Ouro Preto. Contudo, devido às falhas de comunicação e

171 MARINHO, José Antônio. História da Revolução de 1842. Op. Cit, p. 130.

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divergências entre os líderes, acabaram hesitando nesse propósito, que, para muitos, foi o

maior erro dos insurgentes.172

Na noite do dia 19 de agosto, em Santa Luzia, José Feliciano Pinto Coelho da

Cunha, temendo a desorganização e o relaxamento do exército insurgente, além de estar

debilitado, resolveu se retirar do comando da revolta, que passou para as mãos de Teófilo

Ottoni.173 Na manhã do dia 20 de agosto, no ponto da Lapa, em Santa Luzia, o destino dos

liberais foi selado: as tropas de Galvão e de Caxias se confrontam e o primeiro é derrotado,

com o peso da morte do Tenente Guerra, que resolveu perseguir o General Caxias, e da

traição do chefe Martins, que foi ameaçado de morte pelos seus comandados, caso tentasse

retroceder.174 À tarde, depois de vários esforços para reverterem o quadro, e até mesmo

quando já estavam mais confiantes, os legalistas acabaram por derrotar os liberais, pois

esses agora contavam com vários militares subalternos, “sem que houvesse um pensamento

diretor”.175 Em Santa Luzia, foram feitos 300 prisioneiros, entre os quais Teófilo Ottoni,

José Pedro Dias de Carvalho e o Vigário Brito.

Fontes e referências bibliográficas

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AUTOS dos Inquéritos da Revolução de 1842 em Minas Gerais. Brasília: Senado Federal, 1979.

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LYRA, Tavares de. Instituições Políticas do Império. Brasília: Senado Federal em Co-edição com a Editora da Universidade de Brasília, v. 16, 1979.

MARINHO, José Antônio. História da Revolução de 1842. Brasília: Senado Federal em Co-edição com a Editora da Universidade de Brasília, 1978.

172 Idem, p. 133-167.173 Idem, p. 196-8.174 Idem, p. 202-9.175 Idem, p. 210.

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MATHIAS, Herculano; GUERRA, Lauryston; CARVALHO, Afonso Celso V. de. (Coord.). A História do Brasil. Rio de Janeiro: Bloch Editores S.A. Fascículo 24, 1972.

MOREL, Marco. O Período das Regências, (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

OTTONI, Teófilo Benedito. Circular dedicada aos Srs. Eleitores de Senadores pela Província de Minas Gerais no quadriênio atual e especialmente dirigida aos Srs. Eleitores de Deputados pelo 2°. Distrito Eleitoral da mesma Província para a próxima legislatura. Rio de Janeiro: Typ. Do Correio Mercantil de M. Barreto, Filhos & Octaviano, 1860 (arquivo em pdf).

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A Cidade de Pedro e sua Construção

Giovana Loos Moreira

O desbravamento da região serrana do Estado do Rio de Janeiro tem sua origem

vinculada ao ciclo aurífero mineiro. O rei de Portugal para melhorar a segurança durante o

transporte das riquezas ordenou que se construísse um novo caminho onde o deslocamento

fosse realizado com mais segurança para que assim não houvesse perdas em sua carga.

O “antigo caminho” continha uma parte do trajeto por mar, entre o Porto do Rio de

Janeiro e o Porto de São Vicente, porém isto deixava as riquezas mais vulneráveis a

ataques de corsários e a acidentes como naufrágios e ocasionava perdas das riquezas

Para reduzir estes perigos Portugal determinou que se criasse um caminho

alternativo por terra, onde a comunicação entre Minas Gerais e o Porto do Rio de Janeiro

ocorresse de forma menos perigosa.

O trajeto desse novo caminho segundo o autor Paulo Cesar dos Santos176 era: “Ouro

Preto, Barbacena, Juiz de Fora, Matias Barbosa, Paraíba do Sul, Avelar, Pati do Alferes

Marcos da Costa, Xerém, atingindo o porto do rio Pilar no fundo da Baía de Guanabara.”

Através deste caminho a viagem teve seu tempo reduzido, sendo assim realizada em 30

dias. Entretanto ainda era muito desgastante e demorada. Desta maneira o realizador do

caminho novo, Garcia Rodrigues Pais foi chamado para realizar um melhoramento, mas

devido a problemas de saúde e idade já avançada recusou o pedido, conduto indicou o

Sargento Bernardo Soares de Proença.

Este personagem foi de grande importância para se compreender como foi possível

o surgimento de fazendas numa região tão pouco explorada.

Bernardo Soares era um rico fazendeiro que aceitou a tarefa da abertura da variante

do caminho novo. Após pesquisas e campanhas de exploração realizou em 1721 com a

ajuda de seus escravos e índios o então trajeto alternativo, que ficou conhecido como

“caminho novo”. Este trajeto alterou o tempo da viagem, diminuindo a em quatro dias177.

Mas qual foi o objetivo em expor este processo de construção do caminho de

ligação entre Minas, mais especificamente Vila Rica, atual Ouro Preto, ao Porto do Rio de

Janeiro? Tal percurso e suas modificações tornaram a região serrana mais explorada, já que

era rota de passagem das riquezas. Tal aumento de circulação então estimulou a construção

176 SANTOS, Paulo César. Petrópolis. História de uma Cidade Imperial.Petrópolis: Sermograf Editora, 2001.177 Froés, Kopke. Caminhos pelo Córrego Seco na Penetração para Minas Gerais.. In: Revista do Instituto Histórico de Petrópolis.

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de fazendas na região da então denominada serra da Estrela por onde passava o caminho

novo. Neste ponto retornamos a Bernardo Soares, que recebeu uma sesmaria como forma

de pagamento pelo serviço prestado a coroa. Ele construiu sua fazenda e convidou amigos

e parentes para habitarem próximo da localidade estimulando assim o povoamento.

Sua fazenda era conhecida como “Itamarati”, este nome tem origem tupi-guarani,

significa pedra brilhante, devido a uma cachoeira que brilhava durante os dias de sol. Tal

fazenda foi dividida dando origem a fazenda do Córrego Seco. Esta fazenda foi comprada

em 1830 por Dom Pedro I, e originou a cidade de Petrópolis como mais a frente o texto

tratará melhor.

Com o aumento do numero de fazenda na região serrana, algumas se destacaram. A

mais conhecida e prestigiada foi a fazenda do Padre Correia, que ficou famosa por sua boa

hospedagem aos viajantes. Nela passou desde tropeiros a figuras ilustres como Dom Pedro

I. Entretanto cada hospede com a sua estalagem apropriada ao nível social. Foi, portanto

uma região onde os viajantes poderiam descansar e recompor as forças para prosseguir

com a difícil viagem.

Dom Pedro I se hospedou diversas vezes na fazenda. Nela pode desfrutar de um

clima agradável, com temperaturas mais baixas que a do Rio de Janeiro. Entretanto havia

um motivo mais importante para justificar as visitas constantes. Dom Pedro I possuía uma

filha, Princesa Dona Paula Mariana de cinco anos que sofria de doença crônica do fígado e

seus médicos recomendaram um clima mais ameno para melhor conforto. Entretanto sua

filha não resistiu e veio a falecer em 1833 aos 10 anos de idade.

Por influencia de sua segunda esposa, D. Amélia, que se sentia incomodada com as

constantes visitas já que provocavam alteração na rotina da fazenda, pois como se sabe a

comitiva que acompanhava ao Rei era bastante numerosa. Então a pedido de sua esposa,

Dom Pedro I fez uma tentativa de compra da fazenda do Padre Correa.

O Padre Correia faleceu em 1824, com 65 anos, acredita-se que devido a problemas

cardíacos, tendo Da. Arcângela Joaquina da Silva, sua irmã, herdado a fazenda178.O pedido

de compra foi recusado por ela.. Porém indicou a compra de uma fazenda próxima, a

Fazenda do Córrego Seco.

Em 1830 é concretizada a compra dessa fazenda e como símbolo do desejo de paz e

harmonia entre o trono e a nação o nome da fazenda foi alterado para Fazenda da

Concórdia. É interessante notar que Bernardo Soares, recebeu uma sesmaria de Portugal, e

essa por ironia do destino foi comprada por D. Pedro I, sendo que o monarca ainda

178 Disponível em: http://guiadepetropolis.com/historia-de-petropolis/pag03/. 27. out. 2010.

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comprou outras regiões vizinhas como Quitandinha e Retiro. Na fazenda objetivava-se

construir um palácio de verão, pois desta maneira as visitas vindas da Europa não se

sentiriam tão desconfortável com o clima do Rio de Janeiro. Com este projeto seria

possível construir um palácio mais luxuoso condizendo assim com a sua posição de

Imperador. Pedro I ainda teve tempo de criar um projeto do Palácio de veraneio, realizado

pelo arquiteto real Pedro José Pezerat e o engenheiro francês Pierre Taulois. Contudo como

em 1931 foi forçado a abdicar do trono brasileiro não pode assim realizar seu sonho.

Ao sair do país Pedro I deixou muitas dividas em solo brasileiro e como solução

sugeriram a venda da fazenda da Concórdia. Entretanto outras medidas foram tomadas e a

fazenda permaneceu em posse de Dom Pedro II, possibilitando que anos mais tarde se

retomasse o plano de construção de um Palácio de Verão na região serrana.

Quando em 1840 Dom Pedro II assume o poder ele é mantido no cargo de

mordomo. Temos então uma demonstração do prestigio que Paulo Barbosa possuía frente

ao Imperador constatando assim como exerceu bem sua função.

O projeto de Dom Pedro I ressurgiu e ganhou forças em grande parte devido ao

mordomo Paulo Barbosa que influenciou Dom Pedro II a retomar a ideia de seu pai. Paula

Barbosa da Silva foi escolhido como Mordomo interino da Casa Imperial em 1833, cabia a

ele a administração dos bens do Coroa, função essa de grande importância para Casa

Imperial, isso significa que todas as medidas administrativas deveriam ser aprovadas por

ele antes de se concretizarem.

Foi encontrado em um jornal local um relato bastante interessante sobre a seleção

da região serrana para construção do Palácio de veraneio. Habitou na colônia alemã

petropolitana um padre denominado PE. Wiedmann, que ao ser expulso da colônia

escreveu um livro criticando varias autoridade civis, militares e eclesiásticas do período.

Contudo o livro não possui um embasamento muito seguro, cabendo portanto uma analise

mais detalhada sobre essa figura tão contestadora. Tal obra179 chamou a atenção devido a

uma critica feita ao Mordomo Paulo Barbosa e ao Major Julio Frederich Koeller . O artigo

sobre esse tema traz a seguinte passagem.

Informa que D Pedro II queria construir seu palácio de verão no alto da Tijuca mas...houve intriga e malevolência do mordomo imperial, trazendo então o projeto para o Córrego Seco, lugar desagradável, turvo, cor triste, o ar sempre nebuloso pronto para cair um aguaceiro terrível.

179 TAULOIS, Antônio Taulois. PE. Wiedmann e a Colônia Alemã de Petrópolis. IN: Boletim da Colônia Alemã em Petrópolis/ Bauernzeitung. Edição nº 18, Mar/1998

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O presente artigo não busca detalhar a visão desse eclesiástico, pois ela abre um

novo enfoque para tema, que apesar de bastante interessante não cabe ao trabalho.

Entretanto não pode-se ignorar o fato de que Wiedmann nos faz questionar sobre as

imagens construídas de Paulo Barbosa. Imagens essas que seriam interessantes uma análise

mais profunda.

Devido ao incentivo do mordomo a construção do Palácio de Verão foi aceita pelo

monarca. Nas obras analisadas, pode-se disser que há uma unanimidade sobre a forte

influencia de Paulo Barbosa nas decisões monárquicas, isso foi possível já que Pedro II

estava muito novo e inexperiente ainda, pois só havia passado três anos desde a declaração

de sua maior idade. Teve-se então um novo projeto para construção da cidade, o qual foi

realizado pelo Major Julio Frederico Koeler, esse foi um engenheiro vindo da Alemanha

em 1828 e que em solo brasileiro realizou a recuperação de diversas estradas, tendo assim

um grande conhecimento sobre a mata atlântica, o que favoreceu também para que fosse

escolhido para construção do palácio de verão180. Então em 16 março de 1843 a fazenda da

Concórdia é arrendada a Koeler, sendo essa data definida de fundação de Petrópolis. Para

realização do projeto de construção e colonização da cidade foram trazidos colonos

alemães. A situação da Alemanha no período não era muito favorável economicamente, já

que passara por algumas guerras que acabaram provocando fome e desemprego no país,

aliada a essa situação e a uma excelente propaganda sobre as oportunidades encontradas no

Brasil, com a possibilidade de ganhar terras férteis e viver tranquilamente, houve uma

intensa adesão a migração para nosso país, especialmente a atual Petrópolis já que o

alemão Koeler incentivou o uso dessa mao-de-obra nas obras públicas realizadas por ele.

Uma curiosidade dessa imigração esta no contrato, segundo Américo Lacombe a palavra

casais foi traduzida para o alemão como família, com isso chegou uma quantidade de

alemães muito superior a esperada. Vale salientar que a modificação da mão-de-obra

escrava por alemã era também uma posição de Paulo Barbosa e D Pedro II, demonstrando

assim suas tendências abolicionistas.

Os motivos que levaram a escolha da região vão muito além da climática, pois por

ser um lugar isolado era possível fugir das epidemias mais constantes no verão, inimigos e

encontrar tranqüilidade para o monarca realizar seus trabalhos intelectuais. Além de poder

utilizar na arquitetura sua ideologia de união entre a nação, sendo assim fica evidente a

construção da nação com base também em elementos nacionais, logo entra o dragão dos

180 SOUZA, Luiz Antônio Alves de. Considerações sobre o Plano Koeler. Disponível em: <http://www.ihp.org.br/ihp/site/> Acesso em: 18 nov . 2010

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Braganças surgiram abacaxis, índios, cajus entre outro elementos nativos. Muitos

historiadores descrevem que apesar da grandiosidade externa o palácio na sua decoração

interior não era tão luxuosa.

O projeto de planejamento foi bastante inovador para o período. D. Pedro estipulou

que algumas construções como essenciais, tais como o palácio de veraneio incluindo

jardim, uma igreja dedicada a S. Pedro de Alcântara e um cemitério. Também foi

estipulada a formação de quarteirões coloniais para congregar os alemães imigrados.

Com isso percebemos que houve uma preocupação com distribuição adequada da

polução na região. De acordo com Margarida Maria Mendes Pedroso181 o projeto de Koeler

foi conseqüência direta do detalhado levantamento topográfico realizado, permitindo,

portanto, uma construção condizente com a região montanhosa. Em seu trabalho salienta a

inovação do posicionamento urbano para com os rios, localizando-se de maneira a margear

ruas e avenidas, diferente do modelo português onde era situado ao fundo das casas. O

projeto também previa como objetivo o saneamento da região, proposta muito atual ainda

para a sociedade brasileira atual.

Margarida Maria expõem que a cidade foi construída com base em conceitos

monárquicos, seria, portanto a transposição de uma organização palaciana para um

contexto mais amplo, a cidade. Sendo assim havia uma forte ideologia hierárquica.

Percebe-se a hierarquia através da disposição das áreas destinadas a cada setor da

sociedade. Pode-se dividir em três eixos: O palácio Imperial seria o eixo central, nele e no

seu entorno só seria permitido os mais próximos no monarca, ou seja, pessoas de

confiança, da elite, visando, portanto um ambiente tranqüilo e selecionado. O segundo eixo

circula o primeiro e corresponde a atividade comercial, como serviços de teatro, cassino,

hotéis, etc. Já a região periférica foi destinada aos colonos, onde ali podiam realizar

diversas atividades, como plantação, produção de peças artesanais, etc. ou seja, o centro da

cidade continha o poder e este ia se reduzindo até alcançar as áreas periféricas.

Dado o grande interesse que a cidade despertou na elite do rio de janeiro, houve um

intenso fluxo populacional na cidade, o que favoreceu para seu desenvolvimento, tendo

assim um rápido crescimento, aumentando-se o numero de luxuosas residências que dada a

constante ida não se tornava mais interessante hospedar-se nos hotéis. Devido a presença

do imperador a cidade foi eleita pela nobreza como ponto de encontro, sendo comparada

181 PEDROSO, Margarida Maria Mendes. Petrópolis: De fazenda a núcleo urbano- a Cidade Imperial em sua formação. Disponível em: <http://www.ihp.org.br/ihp/site/> Acesso em: 18 nov . 2010

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muitas vezes a vilas européias. A arquitetura desse período encontra-se preservadas até a

atualidade como símbolo de um passado monárquico.

Esse desenvolvimento urbano tanto do setor elitizado quanto dos colonos se deu de

forma mais facilitada, pois o plano de Koeler já previa áreas para o possível crescimento.

O plano da cidade também continha preocupações ambientais, dado o conhecimento que

tinha da topografia, reservou para preservação o alto das montanhas, ou seja, áreas das

nascentes de rios para que assim não faltasse água e não ocorresse deslizamento de

encostas. Sabia que as intensas chuvas de verão na região seria um problema, por isso seu

projeto ocupou-se tanto das questões ambientais. Teve uma visão adianta dos futuros

problemas da cidade e tentou implementar medidas para conte-las. Enfatiza-se então

caráter moderno de seu projeto.

Enfim, presente artigo buscou-se expor a importância de Petrópolis como símbolo

do governo de D Pedro II. Ela faz parte do nosso passado e completa nosso imaginário

sobre a corte. Por meio da Cidade Imperial a Realeza pode se ostentar todo o poderio e os

historiadores podem compreender o funcionamento da sociedade. Esta foi a primeira

construção feita especificamente para um governante no Brasil, além de ser a primeira

cidade planejada país. Seu caráter de veraneio foi se perdendo com o tempo para D Pedro

II. De acordo com Lilia Moritz Schwarcz182 as temporadas deixaram de ser somente no

verão, passando cerca de cinco meses por ano na região, na década de 80 devido a

enfermidade voltava ao Rio de Janeiro somente para as solenidades e ao termino, retornava

a Petropolis. Vindo assim a passar um total de 40 verões na região. Esse número só acentua

a importância da cidade na vida do monarca.

Com a Proclamação da Republica em 1889 houve uma receio quanto a manutenção

do posicionamento da cidade, já que ela fazia parte de um passado monárquico que não

condizia com o novo momento. As mudanças mais significativas foram as alterações de

nomes de ruas como, por exemplo: Rua do Imperador para Av 15 de novembro. Não

influenciando assim no seu caráter de veraneio. Passou então a receber os presidentes,

sendo citadas as figuras de Getulio Vargas, Figueiredo e outros personagens ilustres de

nossa História.

182 SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperado:D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

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A Civilização Indígena sob a Direção Geral dos Índios de Minas Gerais

Leonardo Bassoli Angelo*

O estudo da civilização dos índios no Brasil pode contribuir para as análises sobre a

formação da nação brasileira, um projeto iniciado no país a partir de 1822. Para a província

de Minas Gerais, a contribuição para essa construção se deu através da Direção Geral dos

Índios de Minas Gerais, uma instituição cujo objetivo era transformar os índios em

cidadãos do então recente Império do Brasil183. Sabemos que, para este projeto, os índios

ocupariam as terras brasileiras, defendendo-as e desenvolvendo trabalhos agrícolas, projeto

que por vezes ia de encontro aos interesses de colonos, que viam nesses cidadãos em

potencial uma ameaça à sua plena ocupação e ao domínio territorial. Em nosso projeto,

pretendemos estudar a Direção dos Índios de Minas Gerais no período de direção do

francês Guido Thomaz Marlière, um militar chegado ao Brasil em 1808 com a Família

Real Portuguesa, nomeado Diretor dos Índios em 1813 e Diretor Geral dos Índios de Minas

Gerais em 1820, neste último cargo permanecendo até 1829. Nossa intenção é estabelecer

como as autoridades trabalhavam dentro da instituição, sendo para isso fundamental a

análise de sua concepção com relação ao índio. Nesse projeto de civilização havia, além da

atuação do Império do Brasil e da interferência dos colonos, o interesse da Igreja Católica,

cuja atuação terá sua devida atenção.

As fontes primárias que pretendemos utilizar em nosso estudo consistem em quatro

conjuntos, consistindo dois deles em fundos, um em coleção, e outro que não nos dá

segurança de considerar um fundo. Para este, não temos conhecimento se existem

documentos dispersos em outros arquivos. Vamos às descrições. As únicas fontes as quais

lemos (ainda assim uma pequena parcela delas) são as correspondências e os documentos

oficiais de Guido Thomaz Marlière, um conjunto que reúne documentos produzidos e

recebidos pelo Diretor Geral, e outros que a ele se referiam. Em nossa leitura inicial com

vistas à estruturação do projeto de pesquisa, encontramos vários assuntos tratados no

* Graduando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. O presente artigo se constitui em parte de um projeto de Iniciação Científica do acadêmico referente ao ano de 2011.183 Não sabemos o ano exato em que essa instituição foi criada, e nem mesmo se podemos assim denominá-la. A única informação segura, início do nosso recorte temporal, é a nomeação de Guido Marlière como Diretor Geral dos Índios de Minas Gerais (1820). Ver: PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. “Guido Pokrane: o Imperador do Rio Doce”. In. : XXIII Simpósio Nacional de História: História: Guerra e Paz, 2005, Londrina - Paraná. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História: História: Guerra e Paz, v. 1, 2005. Disponível em: http://www.anpuh.uepg.br/Xxiii-simposio/anais/anaistitulo.htm. p.6.

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desenvolvimento dessa política de civilização indígena, dos quais elencamos alguns para

inseri-los nesta explanação.

Um dos assuntos recorrentes nas correspondências é o bom tratamento dispensado

aos índios. Em carta de 28/06/1825, sem destinatário citado, Guido manda cinco índios ao

Rio de Janeiro para ser educados, e em documento assinado por ele em 03 de julho do

mesmo ano, ordena que os índios Botocudos sejam tratados com extremo cuidado, zelo e

autoridade. As adversidades foram muitas, mas uma que nos chamou atenção e que não se

limita à descrição neste artigo é a do índio e oficial Inocêncio Gonçalves de Abreu. Em

13/08/1824, José Teixeira da Fonseca Vasconcelos, em carta ao Marechal Antônio José

Dias Coelho referiu-se a um documento de Guido no qual o Diretor Geral reclamava dos

excessos desse índio e de Felipe Gonçalves, dando ordem de prisão e condução para a 6ª

Divisão, onde deveriam trabalhar. No dia 11/01/1825, José Teixeira escreveu para Guido

recomendando a prisão do índio, temeroso de que o rapaz pudesse atrapalhar a pacificação

dos índios Botocudos. O sucesso na civilização foi assunto de diversas correspondências, e

não faltaram elogios de autoridades e do próprio imperador ao “bom trabalho”, tanto de

Guido como de outros atuantes no projeto, ao ponto de o então Diretor Geral e

Comandante das Divisões Militares do rio Doce pedir benefícios a seu filho, Leopoldo

Marlière. No dia 13/08/1825 José Teixeira da Fonseca Vasconcelos envia carta para o

oficial anunciando que gostou das notícias do comparecimento de grande número de

Naknenuks no respectivo aquartelamento, e das boas relações entre os índios do Norte e do

Sul. Comunicaria isto ao imperador, bem como o bom trabalho dos súditos empregados

nas Divisões. Não nos sentimos seguros em afirmar que se dava sempre, mas o conflito

entre colonos e índios é muito recorrente nas correspondências que até agora são objeto de

nossa análise. Para ilustrar a temática, selecionamos uma comunicação na qual Estêvão

Ribeiro de Resende (sem remetente aparente) no dia 07/06/1825 indica que o imperador

leu um ofício do presidente da Província (19/05/1825) falando sobre um assunto, dado por

Guido, em que o Diretor Geral disserta sobre a agressão de Antônio José de Souza

Guimarães a índios Botocudos, aparentemente pacíficos, que chegaram à sua fazenda. Sua

Majestade manda que os agressores sejam punidos184.

Por fim, descreveremos, limitados pelas descrições online do Arquivo Público

Mineiro, os outros conjuntos de fontes nas quais pretendemos encontrar subsídios para a

nossa pesquisa. O Fundo Conselho Geral da Província (1828-1834) elenca documentos de

um órgão cujo principal objetivo era propor, discutir e deliberar assuntos concernentes à

184 Revista do Arquivo Público Mineiro; Belo Horizonte, Volumes I, II, III e IV. pp. 3- 159, 1907.

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Província, possuindo correspondências recebidas e documentação interna. O Fundo Junta

Provisória de Governo (1821-1823), possui documentos dessa Junta que era subordinada

diretamente ao Príncipe Regente, e tinha como principal função governar a província,

tendo autoridade na parte civil, econômica, administrativa e de polícia. Seu acervo

contempla documentos referentes a nomeações, provisões e licenças de funcionários,

assuntos internos do exército, questões de terra e limites, mineração, indígenas,

eclesiásticos, intendências, registros, câmaras, eleições, barreiras e recebedorias, e se

constituem de correspondências enviadas e recebidas e de documentação interna, onde

podemos analisar as questões de terra nas regiões de aldeamentos indígenas em Minas

Gerais no século XIX, como conflitos envolvendo colonos e índios. Por fim, a Coleção

Arquivo Público Mineiro (1742-1990), constituída de doações de particulares, famílias e

correspondentes oficiais, tratando de assuntos e períodos diversos, que pode fornecer um

panorama dos políticos e autoridades da província, suas ações no que concerne à política

para os índios e à visão sobre o processo de sua civilização.

As fontes e a bibliografia citadas correspondem, respectivamente, ao material já

visto e sistematizado, e ao que ainda será estudado, haja vista que o que foi aqui exposto

corresponde à análise sobre um projeto de pesquisa iniciado há poucos meses.

Fontes Primárias

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