anais do seminário de design cênico: elementos visuais e sonoros da cena
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O Seminário de Design Cênico: elementos visuais e sonoros da cena foi realizado na UTFPR, Curitiba, de 06 a 09 de novembro de 2013. Nos Anais do evento, estão publicados os 12 resumos expandidos selecionados pelo Comitê Científico. São cinco trabalhos que enfocam na temática figurino, dois, que abordam as propostas cênicas do grupo Teatro da Vertigem e cinco trabalhos que enfocam temas relacionados à iluminação cênica, à fotografia e a outras mídias. Entre os trabalhos selecionados, encontram-se pesquisas realizadas em cursos de graduação e em programas de pós-graduação de diferentes regiões do Brasil.TRANSCRIPT
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O Seminário de Design Cênico: elementosvisuais e sonoros da cena faz parte do Programa de ExtensãoDesenvolvimentoCenográfico,
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
S471 Seminário de Design Cênico (2013 nov. 06-09 : Curitiba, PR)
Anais do Seminário de Design Cênico : elementos visuais e sonoros da cena / Grupo de
Teatro da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Curitiba ; organização Ismael Scheffler.
– 2013.
83 f. : il. ; 27 cm
ISBN 978-85-7014-107-1
1. Teatros – Cenografia e cenários. 2. Artes cênicas. 3. Desempenho (Arte). 4. Comunicação e
artes. 5. Trajes. 6. Dança. 7. Moda. 8. Fotografia. 9. Ópera. 10. Iluminação de cena. 11. Atores. 12.
Imagem corporal nas artes cênicas. 13. Percepção. 14. Luz. 15. Recursos audiovisuais. 16. Mídia
digital. I. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Grupo de Teatro de Curitiba. II. Scheffler,
Ismael, org. II. Título.
CDD (22. ed.) 792.025
Biblioteca Central da UTFPR, Câmpus Curitiba
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Equipe Editorial:
Organização: Ismael Scheffler Colaboração: Lívia Gariani Projeto Gráfico: Henrique Jakobi Supervisão do Projeto Gráfico: Ivone de Castro Comitê Científico:
Dra. Amábilis de Jesus da Silva (FAP) Mestranda Nádia Luciani (FAP) MSc. Soraya Sugayama (UFPR) Dr. Walter Lima Torres Neto (UFPR) MSc. Ivone de Castro (UTFPR) Dr. Ismael Scheffler (UTFPR) Coordenação Geral do Seminário: Ismael Scheffler (UTFPR)
Comissão Organizadora do Seminário:
Grupo de Desenvolvimento Cenográfico (UTFPR) Dáphene Zandoná (estagiária do TUT/ UTFPR) Nádia Luciani (LABIC/ FAP) Apoio:
Departamento Acadêmico de Desenho Industrial da UTFPR (DADIN) Departamento Acadêmico de Comunicação e Expressão da UTFPR (DACEX) Departamento Acadêmico de Educação Física a UTFPR (DAEFI) Realização:
Programa de Extensão Desenvolvimento Cenográfico, UTFPR TUT – Grupo de Teatro da UTFPR – Câmpus Curitiba Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Curitiba Av. Sete de Setembro, 3165 Rebouças – Curitiba – PR CEP: 80230-901 O Seminário de Design Cênico: elementos visuais e sonoros da cena faz parte do Programa de Extensão Desenvolvimento Cenográfico, que tem o apoio do ProExt 2013, MEC/SESu.
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PROGRAMAÇÃO DO SEMINÁRIO DE DESIGN CÊNICO:
ELEMENTOS VISUAIS E SONOROS DA CENA
06 de novembro (quarta-feira) 16h às 19h – cadastramento 19h – Abertura 20h – Palestra 1: Jean-Guy Lecat (França) “A simplicidade no teatro é muito sofisticada” (“La simplicité au théâtre est très sophistiqué”).
07 de novembro (quinta-feira) 9h às 12h – Oficinas 14h – Comunicações 16h30 – Mesa redonda 1: Terminologias possíveis: conceitos e definições para os elementos visuais e sonoros da cena - Mona Magalhães (RJ), Soraya Sugayama (PR), Luiz Fernando Pereira – LF (SC), Eduardo Tudella (BA). 19h30 – Palestra 2 e 3: Luciana Bueno (SP) “Direção de Arte. Imagem e Cena”; Ary Giordani (PR) Sonoplastia.
08 de novembro (sexta-feira)
9h às 12h – Oficinas 14h – Comunicações 16h30 – Mesa redonda 2: Formação em design cênico: experiências, possibilidades e perspectivas – José Sávio Oliveira de Araújo (UFRN), Guilherme Bonfanti (SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco), Ismael Scheffler (UTFPR), Paulo Biscaia Filho (FAP). 19h30 – Palestra 4 e 5: Mona Magalhães (RJ) “Processos e sentidos da maquiagem cênica”; Guilherme Bonfanti (SP) “O processo de criação da luz no Teatro da Vertigem”.
09 de novembro (sábado)
9h às 12h – Oficinas 14h – Mesa redonda 3: Organizações nacionais e internacionais em performance design – Nádia Luciani (PR), Rosane Muniz (SP), Aby Cohen (SP) e Jean-Guy Lecat (França). 16h às 17h – Encerramento Oficinas: OFICINA 1: Edifícios adaptados para teatros (9 horas) (Jean-Guy Lecat); OFICINA 2: Cenografia para ballets e espetáculos de dança (3 horas) (Carlos Kur); OFICINA 3: Estudos Cenográficos e Tecnologias da Cena: construindo uma abordagem multidisciplinar (3 horas) (José Sávio Oliveira de Araújo); OFICINA 4: O figurinista na construção da visualidade da cena (3 horas) (Rosane Muniz); OFICINA 5: Introdução a materiais cenográficos (3horas) (Alfredo Gomes Filho); OFICINA 6: Direção de Arte Cênica: uma conversa sobre o processo de criação (3 horas) (Lu Bueno); OFICINA 7: Noções Básicas para Introdução do Cálculo Luminotécnico (3 horas) (Cláudia de Bem). Exposições: - Performeios #2 - Núcleo de Arte e Tecnologia da Faculdade de Artes do Paraná. - Exposição de maquetes cenográficas do Curso de Especialização em Cenografia da UTFPR, produzidas sob orientação do professor Dr. José Dias (UNIRIO/ UFRJ). - Viva Zé! Exposição em homenagem a José Maria Santos - Centro Cultural Teatro Guaíra.
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EDITORIAL
O Seminário de Design Cênico: elementos visuais e sonoros da cena propõe
um espaço para a reflexão, discussão e compartilhamento de pesquisas e experiências nacionais e internacionais nos campos da Cenografia, Iluminação Cênica, Figurino, Maquiagem Cênica, Sonoplastia, Direção de Arte e Arquitetura Teatral. Além de palestras, mesas redondas e debates, o Seminário de Design Cênico constituiu um fórum para a apresentação de pesquisas acadêmicas realizadas em cursos de graduação e pós-graduação.
Nestes Anais do evento, estão publicados os 12 resumos expandidos selecionados pelo Comitê Científico. São cinco trabalhos que enfocam na temática figurino, dois, que abordam as propostas cênicas do grupo Teatro da Vertigem e cinco trabalhos que enfocam temas relacionados à iluminação cênica, à fotografia e a outras mídias. Entre os trabalhos selecionados, encontram-se pesquisas realizadas em cursos de graduação e em programas de pós-graduação de diferentes regiões do Brasil.
O Seminário de Design Cênico: elementos visuais e sonoros da cena faz parte do Programa de Extensão Desenvolvimento Cenográfico, realizado na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Curitiba, PR, contemplado com recursos do Edital ProExt 2013, do MEC/SESu. O Seminário contou também com o apoio de professores da Faculdade de Artes do Paraná e da Universidade Federal do Paraná.
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SUMÁRIO
FIGURAS E FANTASMAS: O FIGURINO COMO PERFORMANCE (ÉLCIO ROSSINI) ....................................................................................................................7
LABORATÓRIO 1226: FIGURINO DE CENA (CRISTIAN LAMPERT, PRISCILA DA ROSA E ELCIO ROSSINI) ........................................................................................13
MAPA 01 (VALE TUDO) (ERIKA SCHARTZ) ............................................................18
ÓPERA COSI FAN TUTTE: UM LIBRETO, DUAS PROPOSTAS DE FIGURINO (MADSON OLIVEIRA E DESIRÉE BASTOS) ...........................................................22
VESTIDO DE CENA: FLAMENCO DE CUATRO ESQUINAS (LISETE ARNIZAUT DE VARGAS) ............................................................................................................29
OS ESPAÇOS PRATICADOS EM BR-3 DO GRUPO VERTIGEM: UMA REFLEXÃO (LÚCIA HELENA MARTINS) ...............................................................38
TEATRO DA VERTIGEM: UMA ANÁLISE DA LINGUAGEM, DO ESPAÇO E DO ELEMENTO CÊNICO (LUIZ FERNANDO PEREIRA) ...............................................45
ESPAÇOS SENSORIAIS: UM DIÁLOGO HÍBRIDO ENTRE A LUZ E O PERFORMER (CLÁUDIA DE BEM) ..........................................................................53
A ILUMINAÇÃO CÊNICA NA FOTOGRAFIA (JAQUELINE LINHARES) .................59
REGISTRO AUDIO-VISUAL DE ESPETÁCULOS TEATRAIS (NÁDIA MOROZ LUCIANI) ...................................................................................................................64
VISUALIDADES CÊNICAS: PERSPECTIVAS DOS USOS DAS MÍDIAS AUDIOVISUAIS (LARISSA HOBI) .............................................................................70
APONTAMENTOS SOBRE A IRRUPÇÃO DO REAL EM JANELAS IMAGÉTICAS FOTOGRÁFICAS NA CENOGRAFIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA (LUIZ HENRIQUE DA SILVA E SÁ ....................................................................................77
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FIGURAS E FANTASMAS: O FIGURINO COMO PERFORMANCE
Élcio Rossini1
RESUMO: Figuras e Fantasmas propõe a criação de figurinos sem que estes estejam destinados a servir como auxiliares para criação de um personagem, de uma narrativa ou qualquer outra posição de apoio a um espetáculo teatral. Nesta performance estão dispostas no chão, peças de roupa, acessórios e objetos. Durante duas horas os performers, posicionados lado a lado, vestem as roupas e os objetos disponíveis das mais variadas formas possíveis. A partir de cada composição completa de indumentária, figuras são formadas e os performers ficam por alguns minutos em exposição para serem vistos pelo público. Essa performance explora os conceitos de atuação, não-atuação, repetição e performance instalação. PALAVRAS-CHAVE: Figurino, Performance, Instalação, Repetição, Atuação. ABSTRACT: Figures e Ghosts propose the creation of costumes that are not intended to serve as an aid to the creation of a character, a narrative or any other position aiming to support a theater play. In this performance, items of clothing, accessories, and objects are arranged on the floor. The performers dress the clothes and objects available in as many ways as possible for two hours. From each complete composition of costume elements, they become figures and the performers remain still for a few minutes to be seen by the audience. This performance explores the concepts of performance, non-performance, repetition and performance installation. KEYWORDS: Costume, Performance, Installation, Repetition, Acting.
Na performance Figuras e Fantasmas2, três performers, um ao lado do outro,
colocam-se diante do público. No chão, à frente deles, estão dispostas peças de
roupas, acessórios e objetos. A ação proposta é trocar de roupa e, a cada troca,
criar uma figura. As roupas e acessórios são utilizados das mais variadas formas
possíveis, calças, camisas, vestidos, casacos, meias, perucas, chapéus, camisetas,
gravatas e outras peças que não são exatamente roupas, mas podem ser vestidas,
ou associadas ao corpo. Nesse vestir e desvestir surgem figuras, composições são
feitas e desfeitas, a tarefa é compor uma figura e, logo em seguida, ficar diante do
público em exposição. Depois de um tempo, desvestir-se e, mais uma vez, vestir-se
1 Doutor, professor adjunto do Departamento de Artes Cênicas da UFSM.
2 Apresentações da performance Figuras e Fantasmas no Projeto em Anexo, Atelier Livre da
Prefeitura Municipal de Porto Alegre, com coordenação de Ana Flávia Baldisserotto e Niura Legramante Ribeiro. Participação de Cynthia Müller e Fabiana Mendes, agosto de 2005. Abertura do segundo semestre de 2005, Departamento de Arte Dramática da UFRGS. Participação de Cynthia Müller e José Benetti, julho de 2005. Projeto Ação Cultural da Quinta Bienal do Mercosul. Participação de Cynthia Müller e Fabiana Mendes, novembro de 2005. Conexão Sul, encontro de artistas contemporâneos de dança da Região Sul. Participação de Carolina Garcia e Fabiana Mendes, maio de 2006. Arte Mundo Escola, seminário de formação para professores, UNISC. Participação de Fabiana Mendes e Ítalo Cassaro, novembro de 2006.
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com uma nova combinação e assim por diante. Não há urgência nessa tarefa, o
tempo da troca de roupa e o de expor-se para o público varia, e cada performer, sem
perder a consciência do conjunto, segue seu ritmo pessoal. Cada peça vestida
implica em uma ação diferente, portanto a tarefa não é mecânica.
Toda a preparação para a performance, como dobrar e distribuir as roupas no
chão, é feita diante do público. Depois, para iniciar a apresentação, colocamo-nos
perfilados com nossas roupas pessoais, o público nos olha e é olhado por nós. Esse
começo, que dura, contando no relógio, pouco mais de um minuto, procura
estabelecer um tipo de reciprocidade e informar ao espectador que não
pretendemos representar nada nem ninguém, e que o tempo da performance será o
tempo presente. Depois dessa introdução, começamos a retirar nossas roupas e
dobrá-las para, então, vestir as que estão no chão.
As figuras que compomos muitas vezes nos sugerem um comportamento,
uma época e uma cultura em que o ato de vestir-se implica. Todavia essas
informações que o figurino carrega consigo não são utilizadas
para o performer agir como um possível personagem. A representação sempre nos
pareceu um desvio dos objetivos fundamentais de Figuras e Fantasmas para nós
era importante reduzir as formas de representação, isto é, não-atuar para escapar
do que poderia ser um excedente, algo que pudesse parecer excessivo ou
"decorativo”. Pegar uma peça de roupa e vesti-la é um ato simples e objetivo. No
entanto, podemos acrescentar significados alheios à ação. Por exemplo, se o
performer pega uma camisa e a examina cuidadosamente. Depois de um tempo,
olha para o público, volta a examinar a camisa, só que, desta vez, faz uma pausa
para indicar uma dúvida qualquer. Esse tipo de efeito que procura colocar na ação
um significado subjetivo procuramos descartar da performance.
Acreditamos que não é preciso fazer grandes movimentos para que a
exposição da figura criada seja interessante, sendo necessário, apenas, produzir um
tipo de vigor, algo sutil que emane da figura ou do performer ou da combinação de
ambos. Sabemos que, no momento da exposição da figura, no olhar ou no menor
gesto feito pelo performer, há traços de atuação. Portanto, não poderíamos anular
completamente a atuação.
O figurino veste o personagem é a superfície visível que fornece informações
importantes a respeito do tempo, da cultura e da posição social na qual um
personagem está inserido. Propor ao performer que não atue e lhe oferecer, ao
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mesmo tempo, um estímulo para a atuação, dado neste caso pelo figurino, é um
paradoxo e promove uma constante instabilidade. Afinal, em que medida a atuação
deve ser empregada na performance Figuras e Fantasmas?
O artigo On Acting and not-Acting de Michel Kirby, (KIRBY, 1998) analisa
diversos aspectos da atuação e propõe uma escala crescente estabelecida entre a
não-atuação e atuação. O texto de Kirby, em muitos aspectos, colaborou para que
compreendêssemos que a questão da atuação em Figuras e Fantasmas não se
limitava a uma anulação absoluta da atuação, pois isso não seria possível mas, sim,
em encontrar uma posição na escala por ele criada.
A atuação não é passiva; é ativa, todavia, pode ser aplicada ao performer. Na
vida cotidiana, um homem usando apenas botas de cowboy, conforme Kirby
exemplifica, não pode ser identificado como um cowboy. Porém, se ele vai
acrescentando ao seu vestuário outras peças, como chapéu, esporas, lenço, etc.,
chegamos a um ponto no qual vemos um cowboy.
No palco, o valor simbólico da roupa é maior, por exemplo, quando alguém
está no palco e usa um tipo de roupa, que identificamos com um determinado
contexto de época, país ou grupo social, parecerá que está representando, mesmo
que não faça nada para reforçar a informação ou a identificação dada pelas roupas
que usa e que, apenas, aja como ele mesmo. Esse estágio, o qual o performer não
atua e, ainda, assim, as roupas dele ou dela representam alguém ou alguma coisa, é
denominado de matriz simbólica.
Um homem vestido de papai-noel, bebendo café em uma lanchonete, na
época do natal, é uma cena pouco cotidiana, no entanto, pode ser entendida como
uma pausa no turno de trabalho. Essa mesma cena transportada para o palco, em
um cenário que represente o interior de uma casa, nos fará ver papai-noel. No
exemplo utilizado por Kirby (KIRBY, 1998, p. 42) perceber o ator como um
personagem não está diretamente ligado à representação, personificação ou
simulação, porém a algo que é colocado nele, em última análise, ao olhar do
espectador que faz incidir, sobre o corpo e os movimentos do performer, a noção de
personagem. Quando o performer recebe um aumento de referenciais e é difícil
dizer que ele ou ela não está atuando, embora não façam nada que possa ser
definido como atuação. Nessas condições, Kirby acrescenta, em sua escala, mais
um grau, que ele denomina de recebendo atuação.
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Aqui apresentamos apenas algumas das etapas analisadas pelo autor na
elaboração de uma escala que começa na não-atuação até chegar a graus
complexo de atuação. A partir das reflexões propostas por Kirby percebemos que
não deveríamos escolher uma posição fixa na escala por ele criada. Foi importante
tomar consciência dos diferentes estágios da escala proposta pelo autor o que
forneceu para nós parâmetros valiosos durante as apresentações da performance.
Figuras e Fantasmas é um contínuo, é a repetição do ato de vestir e desvestir
cheia de novidades porque nenhuma figura criada é igual à outra, ainda que os
objetos e roupas formem um conjunto limitado. O que acontece é que a forma de
vestir e associar objetos e peças de roupas nunca é a mesma. O jogo de imagens
estranhas, muitas delas cômicas, seduz e diverte o público, captura sua atenção. No
entanto este é um efeito que morre na repetição. A repetição associada a duração
prolongada gera uma certa monotonia e uma conseqüente possibilidade do público e
a ação performática separarem-se. Isto quer dizer que o público pode perder o
interesse pela ação, prestar atenção em outras coisas que possam estar
acontecendo no lugar da apresentação, conversar ou até mesmo sair da sala.
Portanto, Figuras e Fantasmas não depende do olhar atento do espectador. Na
realidade Figuras e Fantasmas adquire um novo significado quando provoca a
exaustão desse olhar autorizando a dispersão, o devaneio e as relações sociais.
Nesse sentido a ação performática pode ser compreendida como uma ação
instalada que dialoga com o ambiente e seus trânsitos e tudo que acontece no local
de apresentação além da performance. É importante esclarecer que os lugares
escolhidos para apresentação da performance foram sempre locais de passagem,
como por exemplo, um saguão ou hall de entrada.
Associar a noção de performance à de instalação, como qualquer outra conexão
dessa natureza, pode proporcionar uma situação artificial. O esforço para apresentar
uma prova teórica desse suposto enlace pode ser pouco convincente e mesmo
inócuo. Figuras e Fantasmas é uma performances que procuraram tangenciar,
simultaneamente, essas duas formas de expressão artística aparentemente
antagônicas. Uma transitória e passageira, a ação performática, a outra estável
incrustada no lugar e propositora de uma nova ordem espacial, a instalação. A
noção de performance-instalação, segundo Stven Connor (CONNOR, 1993, p. 112)
é defendida por Bernard Dort (1988, apud CONNOR, 1993, p.113), quando o autor
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pensa sobre os trabalhos de teatro contemporâneo que utilizam os lugares como
uma fonte que motiva e impulsiona o processo de criação da obra.
Nesse caso, o lugar da performance (que de modo geral não é um teatro, mas um prédio ou mesmo uma paisagem com uma identidade e uma história que não têm nenhuma relação com o roteiro e com a atividade teatral) não é escolhido para corresponder a uma idéia preconcebida nem a certos temas potenciais do texto, nem é construído ou usado para dar conta deles. Em vez disso constitui um elemento autônomo e permanente da performance, no mesmo nível do texto (ou da falta dele) e dos gestos, movimentos e entrega dos atores. O local contribui com a sua própria identidade e história, e com o peso do seu sentido, para a performance. (1988 apud, CONNOR, 1993, p.113)
O argumento de Dort, apresentado por Connor, trata de enfatizar a
importância do lugar para constituição da performance, assim como um trabalho site
specific3 que considera as características físicas e todas as demais informações que
os lugares escolhidos podem fornecer. Os indícios que nos levaram a pensar
Figuras e Fantasmas associada à instalação foram identificados na possibilidade
dessas ações criarem uma relação simbiótica com o ambiente, independente de
terem sido criadas especialmente para o lugar da apresentação. A relação entre
performance e lugar não é dada a priori, é uma construção que depende do
desenvolvimento e da duração da ação inserida no lugar.
Observamos que alguns aspectos colaboram para explorarmos a ideia de
uma performance instalada; a possibilidade do público circular livremente enquanto
a performance é apresentada, o uso da repetição e duração como estratégias
importantes na geração de uma experiência de permanência no lugar. Pensar em
permanência da ação no lugar de apresentação para além de um tempo
convencional estruturado em começo, desenvolvimento e desfecho implica em
propor um modo de ver que não exige do espectador a fidelidade total de sua
atenção. A permanência que defendemos se lança na busca de uma sintonia com o
ambiente, quer dizer tudo que compõe e define o lugar para além de sua forma
arquitetônica e objeto, ou seja, seus trânsitos, história, e forças imateriais.
Partimos da tarefa de vestir roupas, acessórios e objeto e, desta forma,
criamos figurinos. Estes figurinos escapam da lógica temporal, social e cultural. Não
existem em função de um personagem e não surgem para colaborar com formas
3 O termo site specific ou sitio especifico diz respeito a obras criadas de acordo com os ambientes e
lugares determinados. Geralmente são trabalhos planejados para os lugares escolhidos levando em consideração as particularidades físicas, suas histórias e trânsitos.
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narrativas. Aqui o ato de vestir o corpo provoca questionamentos conceituais sobre,
duração, teatralidade, atuação, não-atuação, repetição e performance-instalação. As
figuras que o performer cria em seu corpo usando roupas e objetos esta num
constante processo de desaparecer no tempo e no espaço, contingência do
efêmero. É neste fluxo de aparecimento e desaparecimento que propomos o figurino
como performance.
BIBLIOGRAFIA:
CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna, introdução às teorias do contemporâneo.
São Paulo: Loyola, 1993.
KIRBY, Michael. On acting and not-acting. In: ZARILLI, Philip B. (org). Acting
(re)considered. London and New York: Routledge, 1998.
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LABORATÓRIO 1226: FIGURINO DE CENA
Cristian Lampert4 Priscila da Rosa5 Dr. Elcio Rossini6
RESUMO: O texto relata o processo de catalogação e recuperação do acervo da sala Figurino 1226, pertencente ao Departamento de Artes Cênicas. O acervo comporta cerca de 3.000 peças e há anos essas vem sendo utilizadas por alunos e professores para as montagens e experimentações cênicas. Hoje, o laboratório conta com parcerias dos Departamentos de Artes Visuais e com a Dança e conta com três pesquisas: “Acervo: organização e catalogação”, “A moda no século XX: referenciais temporais, culturais e sociais”, “O corpo como suporte: invenção de figuras no processo de improvisação e criação de espetáculos” e “O figurino nos trabalhos artísticos do CAL: função e poética”. Dentro do processo procura-se pensar o figurino como um elemento de cena importante, assim como, inseri-lo no processo de criação dos acadêmicos. PALAVRAS-CHAVE: Figurino, Acervo, Catalogação. ABSTRACT: This text describes the process of cataloging and recovering the Costume room 1226‟s collection, belonging to the Department of Performing Arts. The collection comprises about 3,000 pieces and has been used for years by students and professors for the productions and scenic trials. Nowadays, the laboratory has partnerships with the Departments of Visual Arts and Dance and develops three researches: “Collection: organization and cataloging”, “Body as support: the invention of figures in the process of improvisation and creation of performances” and “The costumes in CAL‟s artwork: function and poetic”. Within this process we seek to think the costume as an important element of the scene, as well as insert it in the academics‟ creative process. KEYWORDS: Costume, Collection, Cataloging.
O curso de artes cênicas da UFSM conta com um acervo de figurino que há
muitos anos vem sendo utilizado por alunos e professores em trabalhos acadêmicos
e montagens vinculadas à universidade. Esse acervo está localizado em uma sala
de 40 metros quadrados no Centro de Artes e Letras, onde há aproximadamente
3.000 peças de vestuário, entre roupas, acessórios e calçados.
Esse acervo era gerenciado por alunos bolsistas, que realizavam os
empréstimos, organizavam os itens, entre outras atividades necessárias à
manutenção do espaço. Os bolsistas que passaram pelo espaço tinham completa
liberdade para escolher de que modo procederiam a organização e registrariam os
4 Acadêmico do curso de Interpretação Teatral e bolsista do Laboratório de Figurino.
5 Acadêmica do curso de Interpretação Teatral e bolsista do Laboratório de Figurino.
6 Doutor em Artes Visuais pela UFRGS. Professor do Departamento de Artes Cênicas da UFSM e
coordenador do projeto.
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empréstimos, já que não havia um controle dos itens existentes por meio de uma
catalogação. A falta de controle dificultava a organização, permitindo que itens
fossem retirados e não mais devolvidos, ou mesmo que fossem devolvidos e essas
devoluções não fossem registradas, como se verifica na pouca documentação
existente no acervo. Isso demonstra uma atitude de descaso em relação às peças
retiradas e, em consequência, a pouca valorização do figurino como um elemento
significativo nas encenações.
A catalogação configurava-se como uma necessidade, para que se pudesse
organizar os empréstimos e manter o controle dos itens dentro e fora da sala do
acervo. Assim iniciou-se um processo de catalogação dos itens. No decorrer desse
processo, observando detalhadamente a riqueza do acervo e sob a orientação do
professor Dr. Elcio Rossini, percebeu-se outra camada do descaso a que esse
espaço esteve submetido até então: sempre foi tratado apenas como um depósito.
Não havia um pensamento associado a esse espaço, que o transformasse em um
espaço de questionamento e estudo do papel do figurino na estruturação da obra
teatral, assim como não havia um espaço instituído no curso de Artes Cênicas da
UFSM para tratar dessas questões, reflexo da escassez de pesquisas relacionadas
ao figurino que também se verifica no sul do país.
Nesse cenário surge o “Laboratório 1226: Figurino de Cena”, objetivando dar
continuidade à organização já em curso do acervo e desenvolver pesquisas aliadas
a esse espaço para trazer à luz o figurino dentro do Curso de Artes Cênicas da
UFSM e, posteriormente, projetar-se a nível nacional na pesquisa acadêmica sobre
o figurino. O Laboratório nasce abrigando três projetos de pesquisa. São eles:
Acervo: organização e catalogação
O Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria
vem ao longo dos últimos anos, colecionando, através de doações, um expressivo
acervo de peças de vestuário e acessórios das mais diferentes épocas e estilos.
As roupas que compõem o acervo do Figurino são um importante material
didático que auxilia os alunos e professores no estudo e na elaboração de
personagens. O acervo também oferece suporte para a produção das encenações
realizadas no departamento e está aberto para toda a comunidade acadêmica.
Com um acervo de aproximadamente três mil peças entre roupas e acessórios,
tornou-se fundamental um projeto de organização e catalogação deste material. A
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catalogação deste acervo teve por objetivo organizar o material que o constitui e
também disciplinar e regularizar o empréstimo e a devolução das peças utilizadas
pelos alunos.
Como organizar um processo de catalogação?
Como identificar as peças catalogadas no caso de extravio?
A resposta para as duas questões norteadoras exigiram que a catalogação do
acervo utilizasse dois procedimentos complementares: o catálogo alfanumérico e a
documentação fotográfica. O catálogo alfanumérico organiza as peças em
categorias – cada uma com uma sigla – e atribui a cada uma um número, na ordem
em que foi registrada. Da junção da sigla da categoria e do número da peça forma-
se seu código de catálogo.
Como complemento da catalogação, o registro fotográfico feito pelos bolsistas
inclui o registro de detalhes significativos de cada peça, como estampas, bordados,
modelagem, botões e zíperes, entre outros.
O corpo como suporte: invenção de figuras no processo de improvisação e
criação de espetáculos.
Este projeto tem como propósito pesquisar o figurino como um elemento
presente na invenção de figuras no processo de improvisação e logo a
transformação dessas em personagens que irão compor um espetáculo solo,
baseado no texto “O Espelho” de Guimarães Rosa.
O figurino, assim como, por exemplo, a cenografia e a luz é um elemento que
constitui a imagem cênica e, ao mesmo tempo, desenvolve um importante valor
simbólico no teatro. “Ele tem valor em si enquanto „signo móvel‟ produtor de
significados, contribuindo assim para a produção de sentido do espetáculo.”
(BONFITTO, 2001) Bonfitto aponta a importância do mesmo, tratando-o como algo
que se transforma em símbolo e como parte integrante da montagem. Esse projeto
dedica-se a pensar o figurino como parte do processo de criação de um espetáculo.
A investigação vai além de uma caracterização a nível psicológico ou social, mas
sim um figurino, como o próprio Bonfitto aponta, que seja um símbolo móvel e que
possa antes de tudo fazer parte da ação, estar imbricado com ela.
O processo metodológico adotado propõe investigar a criação de uma figura,
que passará a ser a personagem, por meio da experimentação e exploração de
materiais que componham o acervo. O processo de criação se dará com alguns
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objetos que constituem o acervo e através da experimentação e procura-se com
essa abordagem um estudo de como a “matéria” se relaciona com quem a
experimenta e quais as modificações corporais possíveis.
O projeto contará com a participação do acadêmico Giovane Pereira do Curso
de Artes Visuais, da UFSM. A proposta inicial consiste na experimentação das
roupas do acervo, investigando e explorando como as mesmas modificam as formas
do corpo, constituindo novas figuras, após o término dessa etapa o material será
fotografado e selecionado, algumas das figuras criadas serão inseridas no
espetáculo solo.
O figurino nos trabalhos artísticos do CAL: função e poética.
Este projeto de pesquisa tem por objetivo analisar o uso do figurino nos
trabalhos de encenação do Departamento de Artes Cênicas e Dança do CAL.
Soma-se a isso, a concepção de maquiagem e cabelo que comporá as figuras
cênicas junto ao figurino. Para tanto, propõe-se a apreciação dos espetáculos e uma
posterior análise dos elementos estéticos que compõe essas figuras: o figurino, a
maquiagem e o cabelo. A análise partirá da identificação de materiais, cores e
formas destes elementos e sua relação com outros que compõe a cena, refletindo
sobre as opções estéticas implícitas na escolha destes elementos que se
apresentem nos trabalhos analisados.
Pelo registro fotográfico, que já é usual nas montagens do curso de Artes
Cênicas, há a documentação do uso do figurino e material de apoio para as
análises. Em seguida, haverá entrevistas com os diretores do trabalho e criadores
do figurino. O processo de criação da veste cênica também poderá ser
acompanhado e registrado, se houver abertura dos artistas nesse sentido.
Pretende-se, nesse processo, um mapeamento de opções estéticas e
discursos artísticos (ou a possível falta deles) relacionados ao uso do figurino por
alunos e professores dos cursos pesquisados.
A iniciativa de organização do espaço da sala do figurino que passou a
oferecer material bibliográfico sobre figurino, disponível para consulta dos alunos,
associada às demais ações citadas acima vem promovendo um crescente interesse,
por parte dos alunos, no que diz respeito ao uso e criação do figurino para os
exercícios de encenação do Departamento de Artes Cênicas. Por esse motivo,
consideramos oportuno iniciar a pesquisa.
17
Resultados Parciais
O registro fotográfico não vem sendo empregado apenas na identificação das
peças que compõem o figurino. Além dessa função, parte desse registro está
disponível on line e pode ser consultado pelos alunos que queiram realizar
pesquisas no acervo sem a necessidade da presença na sala 1226. Esse espaço
virtual está passando por mudanças e pretende-se que o catálogo seja
disponibilizado em curto prazo em um endereço dos sistemas da Universidade
Federal de Santa Maria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BONFITTO, Matteo. O Ator Compositor. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.
18
MAPA 01 (VALE TUDO)
Erika Schwarz7
RESUMO: A presente comunicação apresenta a vídeo performance Mapa 01 (Vale Tudo), em que a performer/figurinista Erika Schwarz percorre o espaço da S.A.A.R.A.
8 no Centro do Rio de Janeiro à
procura de objetos para compor, no próprio lugar e momento da compra, figurinos improvisados e/ou ready-mades. Com o objetivo de ampliar a identidade acadêmica de figurino, este trabalho o investiga enquanto performance, estudando as suas diversas camadas: pesquisa, criação, produção, etc.Dialoga, desse modo, com as Artes Visuais e algumas teorias teatrais que percebem a seleção de materiais cotidianos como uma vertente das práticas cênicas contemporâneas. PALAVRAS-CHAVE: arte contemporânea, figurino, mapa, performance, objetos. ABSTRACT: This communication presents the video performance Map 01 (Vale Tudo), in which the performer/costume designer Erika Schwarz walks by S.A.A.R.A. space in downtown area of Rio de Janeiro, looking for objects to compose, in the proper place and time of purchase, improvised and/or ready-mades costumes. With the aim of expanding the academic identity of costume, this work investigates it as performance while studying its various layers: research, creation, production, etc. It dialogues, thus, with Visual Arts and some theatrical theories that realize the selection of everyday materials as a part of contemporary artistic practices. KEYWORDS: contemporary art, costume, map, performance, objects. RESUMEN: La presente comunicación presenta la video performance Mapa 01 (Vale Tudo), en la cual la performer/figurinista Erika Schwarz recorre el espacio de S.A.A.R.A., en el Centro de Río de Janeiro, en búsqueda de objetos para componer, allí mismo y en el momento de la compra, figurines improvisados y/ o ready-mades. Con el objetivo de ampliar la identidad académica de figurín, este trabajo lo investiga como performance, estudiando sus diversas capas: investigación, creación, producción, etc. Dialoga, de ese modo, con las Artes Visuales y algunas teorías teatrales que notan la selección de materiales cotidianos como una vertiente de las prácticas escénicas contemporáneas. PALABRAS CLAVE: arte contemporáneo, figurín, mapa, performance, objetos.
Porque o mercado se tornou uma referência onipresente para as práticas artísticas contemporâneas? Primeiro, ele representa uma forma coletiva, uma desordenada, proliferada e infinitamente renovada conglomeração que não depende do comando de um único autor: o mercado não é projetado, é uma estrutura unitária composta de múltiplos signos individuais.
(BOURRIAUD, 2002, p.28, tradução nossa)
7Cenógrafa e figurinista, Mestre em Artes Cênicas pela UNIRIO, Professora Substituta de Artes
Cênicas/Indumentária da UFRJ. 8 A sigla S.A.A.R.A. (popularmente chamada pelo masculino “o Saara”) significa Sociedade de
Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega e designa um aglomerado heterogêneo de lojas, fundado por comerciantes em 1962, na região central da cidade do Rio de Janeiro. É lá que cenógrafos e figurinistas cariocas compram, em sua maioria, matérias-primas e objetos para suas produções de televisão, teatro e, principalmente, carnaval.
19
A performance Mapa 01 (Vale Tudo) integra o projeto "Produções
cenográficas e o espaço da S.A.A.R.A. | Mapas de processos criativos cariocas",
que estuda criações de cenógrafos contemporâneos na cidade do Rio de Janeiro a
partir do seu principal fornecedor de materiais: o pólo comercial S.A.A.R.A.
Articulando experiências vividas, tradições culturais brasileiras e questões
sobre produções artísticas na contemporaneidade, a pesquisa recorre, neste registro
em vídeo, à performatividade (e à teatralidade do „real‟) para problematizar não só a
relação entre produção e criação dentro de um projeto de figurino ou de
cenografia, mas à própria utilização de materiais e objetos cotidianos – traçando,
assim, um diálogo com uma linguagem pop, na contramão de uma estética teatral
tradicional.
Mapa 01 (Vale Tudo) começa com a performer/figurinista chegando à
S.A.A.R.A. munida de um grande mapa da região. Neste mapa está traçado um
caminho, fruto de pesquisa prévia, que é percorrido por ela, levando-a de encontro a
diferentes formas e cores. Ao longo deste trajeto, são realizadas várias compras,
inclusive de um roupão de vale tudo vermelho que instaura umacondição de “luta”
dentro do processo,ao mesmo tempo em que dá vasão a um trocadilho com a
possibilidade de “valer qualquer coisa”. Inicia-se, assim, um processo de
acumulação de materiais e de composição de figurinos in situ que culmina na
criação de uma figura espetacular e na transformação radical dos objetos - em um
primeiro momento banais, no olhar do outro (observador atento ou mero passante).
A partir da ação realizada, podemos refletir sobre o ato de selecionar,
constatando que é possível criar figurinos com objetos e peças prontas. Isto parece
elementar, principalmente porque a questão da apropriação já é bastante
esclarecida e abordada pelos artistas e teóricos das Artes Visuais (FOSTER)
(BOURRIAUD). No entanto, no campo de cenografia e figurino9 parece haver ainda,
pelo menos no Rio de Janeiro, um grande preconceito com dispositivos e trajes
elaborados em bases não artesanais. São criações que para muitos não imprimem a
“assinatura” do cenógrafo. Tendo em vista este dado, a pesquisa busca considerar o
ato de produção como uma etapa do processo criativo, acreditando que a percepção
do potencial cênico dos objetos também compõe o olhar do designer cênico.
9 Não usamos o termo “campo teatral” por se tratar de uma generalização delicada. Percebemos que
para a classe dos atores, por exemplo, o movimento de selecionar objetos cotidianos e/ou autobiográficos já está enraizado na rotina de ensaios (SÁNCHEZ). Quer dizer, constitui o processo de criação cênica.
20
(...) será que o acabamento artesanal nos objetos constitui uma regra que deve ser aplicada a todas as criações cenográficas? Como pensar as práticas contemporâneas em que a utilização de objetos cotidianos constitui uma escolha aliada a um laboratório de construção dramatúrgica? Podemos relembrar a montagem de Avatar no espaço do Museu de Arte Modernado Rio de Janeiro em 1974 [por exemplo], em que o trabalho ambientalista do encenador e cenógrafo Luiz Carlos Mendes Ripper, como nos aponta Lidia Kosovski, “não admitia o adereço forjado, buscava no mundo real os elementos que deslocados formavam o ambiente necessário, como espírito, atmosfera”. Ou seja, sua ambientação cênica apontava “uma „transcrição‟ do real, já que não havia na sua forma de dispor e utilizar tais elementos nenhuma tentativa „naturalista‟. Neste caso, o real tratado era a natureza transformada numa „supernatureza‟ por sua teatralidade e epifania cênica”. (SCHWARZ, 2012, p. 72)
Com relação ao espectador de Mapa 01 (Vale Tudo), é preciso registrar que
todas as pessoas que avistavam a performer/figurinista no momento do trabalho
percebiam que se tratava de alguma manifestação espetacular, não só pelo caráter
extraordinário da cena, mas também pela presença, ao longe, do operador de
câmera. Perguntavam se “era um filme” ou “campanha publicitária” ou se a
performer “iria dançar ou apresentar uma peça naquele lugar”. Em sua maioria,
foram olhares interessados no próprio estranhamento, retornos positivos, afinal não
ocorreu nenhuma atitude agressiva por parte dos transeuntes. O que nos leva,
finalmente, à questão do deslocamento do objeto.
À cenografia também cabe um olhar contemporâneo, principalmente para os já conhecidos procedimentos cênicos metonímicos (com e sem recorte metafórico) que (...) se atualizam através do deslocamento do objeto do real, que é trazido de casa ou comprado pronto no [mercado da] SAARA (em diálogo com o ready-made, os objetos surrealistas e a appropriation art contemporânea); da exploração lúdica das pequenas escalas em manipulações que nos remetem à prática da animação; e dos recursos tecnológicos (projeções de vídeo e gravações sonoras) que tensionam o tempo do ensaio, o tempo do texto e o tempo da [performance ou da] apresentação do espetáculo, assim como a ficção e a realidade. (SCHWARZ, 2012, p. 109)
Ora, todos os objetos utilizados em Mapa 01 (Vale Tudo) eram da S.A.A.R.A.,
ou seja, já estavam lá, naquelas lojas, sendo procurados pelas pessoas que ali eram
registradas pelo vídeo. No entanto, quando deslocados do seu lugar pré-
estabelecido e comum, já dominado pelos consumidores presentes, causavam um
estranhamento em quem observava a ação. Podemos concluir, assim, que a partir
da performance – que improvisava criações de figurinos no mesmo espaço em que
comprava suas bases de trabalho (objetos prontos) – as noções de realidade se
dilatavam, ganhando não só outras camadas, mas estabelecendo novas e inúmeras
21
relações: entre performer e vendedora, entre figura espetacular e passantes, entre
objetos comuns e corpo e, ainda, espectador.
BIBLIOGRAFIA:
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó, SC:
Editora Argos, 2009.
ALVARADO, Ana. Cosidad versus carnalidad: Cuerpo y objeto en el teatro. In:
telondefondo. Revista de Teoría y Crítica Teatral. CABA, Argentina: Facultad de
Filosofía y Letras (UBA), Nº02 – diciembre, 2005.
BOURRIAUD, Nicolas. Postproduction. Translation: Jeanine Herman. New York:
Lukas & Sternberg, 2002.
CONNOR, Steven. Cultura Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1993.
DANTO, Arthur C. Pintura, política e arte pós-histórica. In: Após o fim da Arte: A
ArteContemporânea e os Limites da História. Trad.: Saulo Krieger. São Paulo:
OdysseusEditora, 2006.
FEIX, Tania Alice. Estética Teatral Contemporânea: performance / encenação. In:
Anais do VCongresso da ABRACE – Criação e Reflexão Crítica. Belo Horizonte:
ABRACE, 2008.
FOSTER, Hal. O retorno do real. In: Concinnitas – Revista do Instituto de Artes da
Uerj. Ano 6,Vol. 1, Nº 8, julho 2005.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
MCAULEY, Gay. Objects in Performance. In: Space in performance: making
meaning in thetheatre. The University of Michigan Press, 2000.
RIBEIRO, Paula. O Saara e a Praça Onze, no Centro da cidade do Rio de Janeiro,
Século XX: Um estudo sobre etnicidade e cultura urbana. In: Usos do passado –
Anais do XII Encontro Regional de História – Anpuh-RJ. Rio de Janeiro: Anpuh-RJ –
APERJ, 2006.
SÁNCHEZ, José A. Prácticas de lo Real. In: Prácticas de lo real en la escena
contemporánea, Madrid, Visor Libros, 2007.
SARRAZAC, Jean-Pierre (org); Catherine Naugrette... [et al.] Léxico do drama
moderno e contemporâneo. Tradução André Telles. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
SCHWARZ, Erika. Cenografias do real: objetos cotidianos em dispositivos cênicos
contemporâneos. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Artes Cênicas da UNIRIO para obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas). Rio
de Janeiro: UNIRIO, 2012.
22
ÓPERA COSI FAN TUTTE: UM LIBRETO, DUAS PROPOSTAS DE FIGURINO
Madson Oliveira e Desirée Bastos10
RESUMO: Apresentamos diferenças projetuais na criação dos figurinos para duas versões da Ópera Cosi fan tutte (uma ambientada no século XVIII e outra no século XXI). As montagens foram realizadas como um projeto acadêmico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ em 2012, em parceria da Escola de Música, Escola de Belas Artes e Escola de Comunicação. PALAVRAS-CHAVE: Design de Figurino; Moda; Ópera. ABSTRACT: Here is presented differences in creating costumes for two versions of an Opera: Cosi fan tutte (one set in the eighteenth century and another in the XXI century). The Opera was staged as an academic project at Federal University of Rio de Janeiro/UFRJ in 2012 in partnership with the School of Music, School of Fine Arts and School of Communication. KEYWORDS: Costume Design, Fashion, Opera.
Introdução
Em 2012, foi montada a ópera Cosi fan tutte (Assim fazem todas), de Mozart,
ópera em dois atos. A criação e confecção de cenários e figurinos ficaram nas mãos
de estudantes da Escola de Belas Artes – EBA, sob a orientação de docentes dos
respectivos cursos. Essa encenação possibilitou que os futuros figurinistas e
cenógrafos exercessem suas habilidades, sob a orientação de professores-
orientadores11.
É importante explicar que, para esse espetáculo, houve duas versões para a
mesma ópera: uma clássica - datada no final do século XVIII - e outra
contemporânea.
Para essa apresentação, especificamente, pretendemos revelar como foram
desenvolvidos oito figurinos para a ópera, sendo quatro com pesquisa histórica do
século XVIII e quatro contemporâneos. Dentre os seis personagens da trama,
10
Madson Oliveira é Mestre e Doutor em Design, [email protected]; Desirée Bastos é Mestre em Artes Visuais, [email protected]. Professores do Curso de Artes Cênicas – EBA/UFRJ. 11
Figurinistas: Jhonatta Oliveira, Marcela Cantaluppi e Moara Alcântara - Orientação: Desirée Bastos e Madson Oliveira; Cenógrafos: Vanessa Alves e Vinícius Lugon - Orientação: Andréa Renck.
23
pensamos em dar destaque para apenas dois personagens e assim empreender um
recorte metodológico possível de uma explanação nesse espaço.
Sendo assim, pensamos em deixar relatado o nosso processo de criação e
confecção dos referidos figurinos, fazendo algumas conexões entre as áreas afins (o
figurino e o design de moda), como atividades que possibilitam o desenvolvimento,
ao mesmo tempo, da teoria e da prática.
Argumento de Cosi fan Tutte
Na Ópera Cosi fan tutte, há uma alternância de situações dramáticas que
exigem dos cantores nuances de interpretação que possam contrastar com os
sentimentos reais, que mudam ao longo da ópera, nos momentos de paródia e
disfarce, típicos da tradição buffa. Há personagens riquíssimos, como: o malicioso
Don Alfonso, manipulador das demais personagens em suas fragilidades humanas;
as irmãs Dorabella e Fiordiligi, que se deixam seduzir, menos ou mais facilmente;
Guglielmo e Fernando, os amantes convictos que se transformam em amantes
desiludidos e, por fim, Despina, a empregada cúmplice de Don Alfonso, que se
aproveita da situação. A trama que envolve a troca dos casais, momentos de
sedução, traição e reconciliação, de certa forma, deixam mais dúvidas que certezas,
pois podemos supor que, apesar de reconciliados, os casais terminam desconfiados.
Afinal, é como diz Don Alfonso: “por hábito, vício ou necessidade de coração ASSIM
FAZEM TODAS (ou todos)”.
Duas versões para a mesma ópera
O desdobramento artístico das duas versões (século XVIII e contemporânea)
na montagem da UFRJ se justificou na ênfase da atualidade da história contada no
libreto e no ato de contemplar dois elencos de cantores. Para ilustrar a análise deste
artigo foram escolhidos dois personagens da trama: Don Afonso e Despina (essa
última em três diferentes concepções). Don Afonso e Despina agem como os
propulsores do conflito da trama e, por isso mesmo, articuladores das principais
ações encenadas. Eles se unem numa parceria para ludibriar os amantes
Dorabella/Guglielmo e Fiordilige/Fernado.
Análise dos figurinos, nas duas versões....
24
O que escrevemos até aqui contextualiza a análise que fazemos a partir das
duas montagens da ópera Cosi fan tutte. No Quadro 01 abaixo, apresentamos uma
espécie de decupagem (com perfil físico e perfil psicológico) dos dois personagens
que analisaremos e os seus respectivos figurinos, em cada versão encenada. É
importante esclarecer que enquanto Don Afonso possui as duas versões (de época
e contemporânea), a personagem Despina assume dois outros papéis, além do de
empregada, totalizando três atuações: a) quando se disfarça de médico/curandeiro
afro-brasileiro e b) membro da Corte Judicial/Autoridade máxima-Presidente da
República. Assim, somando o personagem de Don Afonso e as três atuações de
Despina, mostraremos os oito figurinos correspondentes às duas versões desse
projeto.
Personagem Perfis: físico e
psicológico Século XVIII, francês Contemporâneo, no
Brasil
Despina Criada de Fiordilige e Dorabella: astuta, se associa a Don Afonso para ludibriar suas patroas. A imagem de Despina é associada a do arlequim, da comédia dell‟arte.
Retratada como criada (séc. XVIII) com retalhos na barra da saia que lembram os losângulos do arlequim. Suas cores são: mostarda, marrom cinza e preto, comum aos empregados.
Uniforme doméstico preto e branco, bem curto.
Despina disfarce de médico
Ela se disfarça de médico para curar as irmãs de um desmaio causado por intoxicação.
Usa uma veste cinza, chapéu de abas largas, baseado em referências do período.
Representa um curandeiro afro-brasileiro que acorda as irmãs com passes religiosos.
Despina disfarce de Notário
Ela aparece de notário para realizar o casamento das duas irmãs com seus novos pares vindos da Albânia.
Usa uma peruca longa e desgrenhada, além de roupa da Corte Judicial.
Descrita como a autoridade máxima naquele lugar. É feita uma associação com o ex-presidente brasileiro, Lula.
Don Afonso Excêntrico, esperto e vivido que ludibria os dois casais em uma aposta e faz de tudo para sair vencedor.
Cores fortes: bordeux denota o bon vivant e sua peruca avantajada denota um gosto excêntrico.
Estética brega. Usa uma peruca acaju e camisa estampada.
Quadro 01 – Decupagem dos personagens
As referências listadas acima são as primeiras impressões, numa espécie de
brainstorming, que teve indicação da direção artística, assim como a própria leitura
dos alunos que realizaram a elaboração do projeto dos figurinos. Dessa maneira, o
trabalho de orientação encontrou um terreno fértil para iniciar as primeiras
pontuações na intenção de organizar e eleger as referências a serem desenvolvidas
como o conceito central dos figurinos.
25
Das referências à montagem dos projetos: os diversos caminhos do design de
figurino
Em Design a hegemonia vai contra a lógica da própria vastidão dos campos em que o designer atua. Não se pode conceber aqui sequer um processo único, que dirá um método que atenda às especificidades e necessidades desse universo que envolve uma pluralidade para além da produção do objeto e da produção gráfica tradicional, em direção ao design cênico, de interiores, ao estilismo, à computação gráfica, ao planejamento urbano, artesanato, paisagismo, arquitetura, engenharia de produção. Processos que envolvem a produção do objeto tridimensional hão de ser diferentes daqueles que tratam do desenho de produtos imateriais, tais como técnicas e serviços. Novos processos vêm surgindo neste contexto, como acontece com o chamado design estratégico, por exemplo (COELHO, 1999, p. 47).
De acordo com a citação acima, o design atua numa imensidão de campos e
entre eles o teatro toma emprestadas algumas de suas técnicas, principalmente, no
que diz respeito à representação de formas, desenvolvimento de projetos, pesquisas
de novos materiais, etc. Os processos que envolvem a produção de objetos
(incluindo o figurino) são também múltiplos e por isso mesmo resolvemos abordar
essa questão, num evento acadêmico que comporta tal discursão.
Entendemos a prática do figurino como uma atividade próxima ao design por
tratar questões também de cunho projetuais, como: inspiração/referência, cor, forma,
significado, função, desenho, etc. Ademais, como afirma BOMFIM (1998, p. 162) “O
projeto é a atividade onde informações de natureza abstrata serão transformadas
em algo concreto – a forma. A esta atividade pertencem três tarefas principais: a
organização de informações, a geração de conceitos e a apresentação de
resultados”.
Normalmente, a colagem é a primeira instância e uma ferramenta decisiva
para reunir em imagens as primeiras impressões de como cada personagem pode
se inserir visualmente em uma encenação. Portanto, após a colagem é necessário
avaliar, em termos práticos, qual a melhor forma para realizar cada projeto.
No caso da versão de época, foi escolhido um caminho mais conhecido no
design: seleção de referências, pesquisas de estilos, cores e materiais.
Posteriormente, foram feitos os primeiros croquis e após a aprovação dos mesmos,
os materiais foram comprados e os figurinos confeccionados. Esse processo
demanda tempo, inúmeras provas e ajustes, e um alto investimento financeiro. Tudo
isso porque em se tratando de épocas passadas, é fundamental haver uma boa
26
pesquisa de estilos, formas e materiais para atingir uma aproximação menos
anacrônica possível.
No caso dos figurinos de estilo contemporâneo, por exemplo, o risco de
anacronismo é consideravelmente menor, já que o contemporâneo é o que
encontramos disponível na nossa sociedade, hoje. Comumente, os figurinos
contemporâneos são, muitas vezes, tendências de moda ou até mesmo são
desenhadas por algum designer, especialmente para uma encenação ou filme. O
interessante é que esse fato não legitima classificar essas roupas como moda.
O figurino se concretiza principalmente pelo poder de decisão do figurinista
de vestir determinada peça de roupa em determinado personagem. Isso significa
que o design de figurino é um design peculiar, pois dependendo da linguagem ou
abordagem de estilos, não há necessidade de concluir todas as etapas projetuais
conhecidas normalmente como fundamentais em um design.
Diante disso, a realização do projeto da versão contemporânea foi
completamente direcionada para um processo conhecido no universo da moda como
produção de moda ou produção de figurino. Ou seja, foi feita uma colagem
referencial de cada personagem, e a partir dessas referências foram compradas
roupas prontas que se ajustavam aos perfis dos personagens descritos no Quadro
01. Isso significou uma economia de tempo, dinheiro e trabalho, pois a possibilidade
de sanar problemas de tamanhos escolhendo outro número na arara da loja é um
facilitador a ser considerado.
Nas Figuras 01, 02 e 03, a seguir, mostramos o resultado final dos figurinos
analisados, nas duas versões descritas anteriormente.
Figura 01 - Don Afonso e Despina: século XVIII e século XXI
27
Figura 02 - Despina em dois momentos: de médico (séc. XVIII) e de curandeiro.
Figura 03 – Despina: de notário (séc. XVIII) e inspirado em Lula.
Fonte: Escola de Música / UFRJ.
Conclusão
Nesse caso específico, o processo de orientação está diretamente ligado à
abertura de possibilidades. Muitas vezes, a falta de experiência do alunado pode
criar barreiras para o fluxo do desenvolvimento de um trabalho. Certamente existem
infinitas formas de realização de um mesmo projeto de figurinos. A quantidade de
referências pode gerar dúvidas de qual aspecto estamos tratando, como: será que
roupas compradas em loja para serem utilizadas na dramaturgia é figurino? Será
que é moda? Existe uma validade em algo feito dessa forma?
Notamos durante o desenvolvimento do projeto, que os orientandos
demonstram certa desconfiança e desânimo quando se trata de construir um figurino
como uma produção de moda. Existe uma espécie de “romantismo” ligado ao
processo de criação. De modo que o figurino comprado pronto parece ter menos
valor, como se ele não tivesse “alma” - a alma do artista. Mas, o que fica dessa
experiência é que construir um figurino se apoiando no design de moda não é
28
somente uma questão de compras, é principalmente uma questão de adequação do
olhar. E, nesse caso, o olhar é realizado por um artista.
Não se trata simplesmente de sair comprando aleatoriamente, mas existe um
sentido em cada escolha das roupas, uma associação simbólica por meio das cores
e formas selecionadas. Não foi por acaso que, por exemplo, Don Afonso foi vestido
com uma camisa estampada. Nesse caso, o figurino pontuou uma característica
decupada no libreto da ópera e indicada pela direção cênica como uma possibilidade
discursiva ligada ao estilo excêntrico e brega, descritos no Quadro 01.
Assim, o processo de criação de figurinos pode se aproximar muito do design
de moda, em alguns casos, inclusive, se confundindo conceitualmente. No entanto,
o que nos importa aqui é demonstrar que o projeto bem direcionado pode produzir
formas vestimentares que serão conhecidas como moda ou figurino, de acordo com
a demanda. Nesse caso, o figurinista estará cumprindo sua função: contribuir para a
composição do personagem e da cena.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BOMFIM, G. A. Idéias e formas na história do design: uma investigação estética.
João Pessoa: Universitária, 1998.
COELHO, L. A. L. “Percebendo o Método”. In: COUTO, R. M. de S., OLIVEIRA, A. J.
de (org.). Formas de design: por uma metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro:
2AB / PUC -Rio, 1999.
29
VESTIDO DE CENA: FLAMENCO DE CUATRO ESQUINAS12
Lisete Arnizaut de Vargas13
RESUMO: Neste trabalho discorremos sobre o processo criativo do figurino do espetáculo de Dança Flamenca “Las Cuatro Esquinas” da Companhia de Flamenco Del Puerto de Porto Alegre que foi agraciado com o Prêmio Açorianos de melhor figurino de Dança em 2013. Percorremos alguns trabalhos de autores que pesquisam o traje de cena, entrevistamos as criadoras Ana Medeiros e Juliana Prestes autoras do figurino deste espetáculo e apresentamos este trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Figurinos de Dança, Dança Flamenca, Prêmio Açorianos. ABSTRACT: In this paper we discus about the creative process of the show's costume Flamenco Dance "Las Cuatro Esquinas" Company Flamenco Puerto Del Porto Alegre, which was awarded the prize for best costume design Açorianos Dance in 2013. We went through some papers from authors who research the costume scene, gave voice to the creative and Ana Medeiros Juliana Prestes authors of this costume show and present this work. KEYWORDS: Costume Flamenco Dance, Flamenco Dance, Açorianos Dance.
Neste trabalho discorremos sobre o processo criativo do figurino do
espetáculo de Dança Flamenca “Las Cuatro Esquinas” da Companhia de Flamenco
Del Puerto de Porto Alegre que foi agraciado com o Prêmio Açorianos de melhor
figurino de Dança em 2013. Buscamos investigar como o figurino influencia no
resultado cênico do espetáculo coreográfico e na performance do bailarino. Para
tanto percorremos alguns trabalhos de autores que pesquisam o traje de cena,
demos voz às criadoras Ana Medeiros e Juliana Prestes, autoras do figurino deste
espetáculo em entrevista exclusiva e apresentamos este trabalho.
A Companhia de Flamenco Del Puerto fundada pela bailarina e coreógrafa
Andréa del Puerto, inicia sua trajetória como companhia de dança e música
flamenca em 2001. Desde então realizou vários espetáculos, circulando pelos palcos
do estado e do país, recebendo vários prêmios e indicações, tornando-se referência
em espetáculo Flamenco.
12
Texto apresentado no XIV Colóquio Internacional de Moda - UFC – Fortaleza, Ceará, 2013, no GT Traje de Cena. 13
Doutora em Filosofia e Ciências da Educação, defendendo a tese "Dança, Educação e Sociedade" pela Universidade de Barcelona – ESPANHA, Professora do Curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Líder do Grupo de Pesquisa “Arte, Corpo e Educação” – CNPq, Coordenadora do curso de Pós-graduação em “Arte, Corpo e Educação” - UFRGS, Consultora do CNPq para a área de dança, Diretora da ANDA – Associação Nacional de Pesquisadores em Dança, Diretora do Ballet da UFRGS, Pesquisadora membro do grupo “Célula de Dança” do RGS. Email: [email protected]
30
O Prêmio Açorianos de Teatro e Dança criado por decreto-lei municipal de nº
5.876 em 1977, se constituí em importante meio de valorização da produção cênica
do município de Porto Alegre. Os prêmios de dança são entregues anualmente ao
melhor espetáculo, melhor espetáculo pelo júri popular, melhor coreografia, melhor
bailarino, melhor bailarina, melhor figurino, melhor cenografia, melhor iluminação,
melhor trilha sonora e melhor produção.
No ano de 2013 a Companhia de Flamenco Del Puerto foi mais uma vez
agraciada com vários Prêmios Açorianos de Dança com melhor espetáculo “Las
Cuatro Esquinas”, melhor bailarina para Ana Medeiros, melhor bailarino para Gabriel
Mathias, melhor produção para Danielle Zill, melhor coreografia para Ana Medeiros e
Juliana Prestes, melhor trilha sonora, melhor iluminação para Leandro Gass e o que
vem a ser foco de nossa pesquisa, melhor figurino para Ana Medeiros e Juliana
Prestes. Buscamos a análise deste espetáculo pela qualidade apresentada, cuidado
nos detalhes, exaustivos ensaios, provas de figurinos, investimento nos materiais e
na valorização reconhecida pela sociedade e pela crítica especializada que
concedeu todos estes prêmios.
Ao iniciar nossa análise reconhecemos que o traje usado em cena é a veste
da produção e deve ser o mais apropriado possível ao contexto. Em entrevista com
Ana Medeiros, que assina juntamente com Juliana Prestes os figurinos da produção
“Las Cuatro Esquinas”, esta nos fala que no espetáculo “Tablao” da Companhia de
Flamenco Del Puerto de 2010 os figurinos foram adaptados, alguns trazidos da
Espanha, mas que acreditavam que para esta nova montagem deveriam estar
atualizados e elaborados de acordo com as demandas deste espetáculo em
particular. O figurinista pode desenhar todo o guarda-roupa ou optar por um mix de
peças criadas por ele, em composição com outras já disponíveis no mercado
(SABINO, 2007).
Roubine (1998) afirma que o bom figurino é aquele que respeita as regras da
encenação proposta e interage com o conjunto do espetáculo, não sendo este uma
peça alheia à realidade da produção em todos os sentidos, desde o econômico até
as opções estéticas a serem seguidas. Cada processo tem suas particularidades,
cada espetáculo possui características e demandas diferentes. O figurinista é o
responsável pela criação de roupas e acessórios seguindo o perfil dos personagens
propostos pelo autor e/ou diretor.
31
Para “Las Cuatro esquinas” trouxemos uma concepção de figurinos feitos
exclusivamente para este espetáculo diz Ana Medeiros: “fiquei mais na parte dos
desenhos e Juliana na escolha das cores e tecidos, pois ela é a diretora artística.
Também para fazer a junção da arte com a concepção do espetáculo assinado por
ela e de toda a modelagem.” Para Valese (2003) a criação do figurino é um processo
artístico, onde arte e design, e seus diversos aspectos, se reúnem para produzir um
elemento comunicador. Pensar a arte e o design é pensar, também, nas
transformações, nos processos, na recepção e nas interpretações possíveis, a partir
de sua comunicabilidade.
Segundo Viana (2007) os elementos que compõem o trabalho do figurinista estão divididos em três grupos: no grupo 1- em primeiro lugar estão às opções estéticas do espetáculo e o estilo da direção e toda equipe precisa destas diretrizes para trabalhar. Em segundo está o impacto visual e em terceiro o recurso financeiro (a quantia de recursos financeiros disponíveis para o figurino, para que não haja surpresas e inviabilidades). No grupo 2 estão os itens (regras ou observações) que devem ser checados: em primeiro lugar as indicações do texto ou referências temáticas quando não houver literatura dramática. Em segundo e terceiro estão à iluminação e o cenário. Para que se possa estudar a relação do traje com a luz, as cores, as formas do espaço e devidas especificações. Mesmo que seja um projeto da iluminação e da cenografia, pois o grupo deve trabalhar em conjunto somando as particularidades de cada área. No grupo 3 estão os aspectos que o traje pode revelar em cena: espaço-localização espacial e geográfica, tempo- período histórico, clima e época do ano, hora do dia e ocasião, idade, sexo, ocupação, posição social e atividade e fatores psicológicos (in PEREIRA, 2012).
Ana relata que “o espetáculo „Las Cuatro Esquinas‟ teve o diferencial de
trabalhar o figurino e a concepção do espetáculo, os dois caminhando juntos. Foi a
primeira vez que trabalhamos isso na Companhia Del Puerto e foi uma alegre
surpresa por que como nós duas coreografamos e também trabalhamos na parte
dos figurinos e ainda com a concepção do cenário, coisas que foram se mesclando
para dar o diferencial e ser agraciado pelo Açorianos”. Para Roubine (1998) é
através do figurino que o espetáculo moderno instaura de maneira mais profunda a
sua relação com a realidade devido à carga simbólica dada à cenografia ou mesmo
a afirmação do espaço como mera área de representação.
Para Viana (2007) o termo cenografia em sua origem etimológica significa
desenho da cena. Para este autor o traje de cena é composto principalmente por
seis elementos: cor, forma, volume, textura, movimento e origem. Quanto mais rico e
intenso for processo criativo na concepção visual de um espetáculo, mais
32
interessante e adequado será seu resultado. É preciso entender as características
particulares do espetáculo e aí sim desenvolver em equipe um processo criativo.
Continua Ana relatando: “Trabalhamos três momentos no figurino: o primeiro
foi a manhã que acompanhou a Guajira que é um palo (ritmo) muito romântico, muito
alegre, leve e para tal tivemos que trazer esta leveza e este romantismo. Bebemos
na fonte do Flamenco dos anos trinta com todo o romantismo dos babados, dos
flecos (franjas) a cor e até uma leve manga bufante romântica com adereços de
cabeça, peinetas claras, para remeter a este amanhecer e a este frescor da Guajira.
Utilizamos figurinos claros, flores, fendas, rendas babados, peinetas brancas, tudo
isso acompanhando a cenografia, a Igreja Nossa Senhora das Dores, então... esta
cor do leve, suave, sapatos beges, acompanhando este amanhecer e o casal mais
para os tons vermelhos”.
Segundo Artaud (1999), o figurino de teatro não é meramente uma roupa e
sim um indispensável instrumento ritual para o ator, que através da solenidade do
hieratismo poderia lhe imprimir o duplo; o artista embrulhado em sua roupa passaria
a ser uma efígie de si mesmo.
A segunda coreografia conta Ana foi o Tango. “Trabalhamos a partir da
incumbência da „Ju‟. Tem que ser um figurino fácil de trocar, pois temos poucos
segundos para mudar. Aí fizemos uma base preta e em cima desta base criamos
uma sobre saia e um colete. Cada bailarino tinha uma cor determinada nesta sobre
saia e neste colete, fazendo mescla com o cenário. Cada bailarino tinha um
momento de solo neste cenário, então o símbolo da cor era importantíssimo.
Trabalhamos a sobre saia, deixando aparecerem os babados pretos. Ao mesmo
tempo que aparecia a bailarina para bailar acontecia alguma coisa na projeção no
seu ponto. Tudo conectado. Baile, figurino e cenografia. Foi um momento muito
interessante que deu para juntar as três nuances. O tango tem este caráter alegre e
festivo que na realidade é como se fossem pequenos improvisos, então os lunares
(bolinhas) da roupa chamava isso”.
Ana fala sobre a Petenera que “tem o caráter mais forte, mais denso e mais
de inconformidade com a vida. A letra diz isso: „quisiera yo renegar de este mundo
por entero‟. Então pensamos em um figurino que trabalhasse com as transparências,
que fosse mais seco e mais moderno, mas com o signo do flamenco representado
pelos babados, mais esta parte de trás do collant que desse esta transparência nas
costas, trazendo um contemporâneo e ao mesmo tempo rigidez”.
33
Ana explica que este baile tem uma característica muito forte. “Ele foi
coreografado com um mantón (xale). Cada uma tinha um mantón com cores bege e
suas nuances. O figurino preto evidenciava estes mantóns, pois quando voavam no
ar conseguíamos enxergar os desenhos (traçados no ar) dos mantóns, dando foco a
eles, como se fossem labaredas, pois o figurino negro dá ênfase ao mantón e
potencializa estas labaredas que se projetavam”.
Para ela “o mantón também é interessante para fazer o figurino e coreografar, pois
ele também é vestuário. Vestimos o mantón, caminhamos e bailamos. Em
determinado momento ele também é roupa. Fazemos um giro e ele se transforma.
Fica em um braço só ou no resto do corpo e formamos figuras de outros figurinos”.
“Na dança, deve se pensar, principalmente, num figurino que exige uma série de
técnicas para não atrapalhar, de maneira nenhuma, o movimento do corpo”.
(MUNIZ, 2004, pág. 217).
Depois disso, continua (..)“vamos a outro momento que é a Bambera. Nesta
coreografia também tínhamos o problema de pouco tempo para se trocar. Como
éramos poucos bailarinos em cena tínhamos um tempo super restrito. Eu e Ju
trabalhamos um sobre manto por cima da saia com renda nude por baixo, como se
estivéssemos vestindo só a renda. Continuamos com a mesma saia que estava
presente nos Tangos, na Petenera e na Bambera e ela toma caráter totalmente
diferente. Esta base preta nos Tangos festiva e na Petenera fundo que se mescla
com o mantón e na Bambera toma caráter de vestido. De acabamento de vestido
com babados. Então pensando nisso, quando criamos figurinos para dança um dos
desafios que tivemos foi descobrir juntas como podemos trabalhar a versatilidade e
o „time‟ de se trocar, proporcionando, não uma coisa monótona em si, mas sempre
uma surpresa através do figurino”.
Continuando “entramos para as Alegrias, com batas de cola, (que é uma saia
comprida de cauda) que tu evolui com ela. A Ju trouxe da Espanha uma bata de cola
feita e pensada com o design para Imaculada Ortega que é uma „bailarina de mão
cheia‟. A base desta bata de cola, que tem que ter toda uma aerodinâmica para
bailar nós tiramos desta bata que ela se apresentou”.
Ana conta que “fizemos três saias e casaquinhos, cada um com histórias e
tons diferentes. A minha tem uma história bem interessante, seus bordados foram
tirados de um mantón que tem mais de cento e cinquenta anos. Foi bordado pela
minha bisavó em Jerez de la Frontera. Alison Lurie em “A linguagem das roupas”
34
(1977) aborda o ato de vestir como uma forma de linguagem própria, uma forma de
comunicação não verbal composta por elementos que funcionam como uma espécie
de “vocabulário”.
Ana diz que “o mantón era de seda pura e com estes bordados. Tu não
sabias direito qual era o lado direito e o lado avesso, uma coisa espetacular. Lindo,
lindo, lindo! Com o tempo a seda foi se desfiando e eu guardei estes bordados,
guardei, tem que guardar! Tem que guardar e fazer alguma coisa. Um dia surgiu
este figurino e pensei: vou aplicar na bata de cola e vou fazer um casaquinho „tipo
torero‟ e vou colocar. E aí aplicamos à mão estes bordados feitos pela minha bisavó
para eu dançar. Imagina o que isso significa para mim! Quando visto este traje é a
continuidade destas mulheres”.
“As roupas recebem a marca humana” (STRALLIBRASS, 2004, p. 14), sim
sem dúvida elas marcam a nossa presença na vida, no grupo, e ainda seguem
pontuando nossa presença mesmo na ausência. Digo isso, pois não é fácil, é quase
impossível nos desfazermos das lembranças e da presença de nossos mortos pela
conservação de seus pertences.
“A roupa, tende pois, a estar poderosamente associada com a memória, ou
para dizer de forma mais forte, a roupa é um tipo de memória. Quando a pessoa
está ausente, ou morre, a roupa absorve sua presença ausente”. (STRALLIBRASS,
2004, p. 18).
Levamos um ano para confeccionar os figurinos de „Esquinas‟ continua Ana.
“Tivemos um laboratório e ainda estamos em processo. Pelo Açorianos, não
esperávamos. Fiquei muito feliz, pois foi um figurino caro e de confecção cara. A
costureira não quer mais fazer batas de cola, pois é muito complexo. Aproveitamos
muito: base preta para Tangos, Petenera e Bambera. Não conseguimos aproveitar
figurinos de outros espetáculos, pois o flamenco acompanha uma tendência e uma
moda. Se formos pensar na moda flamenca, cada tempo tem um caráter de design e
figurino”.
Trazendo para Porto Alegre, diz Ana: “pensamos nos figurinos da Déia
(Andrea Del Puerto, bailarina falecida em 2008) que trabalhava com linhas retas,
pouquíssimos babados, figurino muito contemporâneo, muito limpo. Ela mesma
desenhava seus figurinos que evoluem com o baile. A saia sino, com as canelas de
fora que eu usava e que as meninas implicam comigo. „Yo soy mayor, soy vieja‟. Em
35
fim, a evolução deste traje traz para os figurinos que se vê agora no Flamenco.
Estamos bebendo nas origens com um quê do contemporâneo”.
Ana relata que “usamos as origens na Guajira e na Petenera com o babado
revisitado, uma leve transparência nas costas, uma linha mais „clean‟, mais lisa até o
ápice do barroco que foram as batas. Se fôssemos classificar em uma leitura
arquitetônica as batas seriam o barroco, a Guajira um neo clássico e a Petenera
seria um art decó que traria ainda a linha art noveaux e insinuando algo moderno
nas transparências”.
La Motte afirma que o figurino, além de um elemento comunicador, é um
elemento comportamental absolutamente indispensável. O simbolismo é a raiz da
criação dos figurinos, que se tornam metáforas da personalidade de seus
personagens, sendo que as roupas refletem suas ações e condições, mesmo
aquelas que atuam como pano de fundo e que estabelecem um mundo povoado
pelos personagens principais (in PEREIRA, 2010).
Ana conclui dizendo: Arquitetura, História da Arte, História do Flamenco, “todo
mezclado em Las Cuatro Esquinas”. Vimos que na criação dos figurinos e na
montagem do espetáculo tudo foi minuciosamente pensado e trabalhado para atingir
um resultado de excelência. A escolha dos tecidos, sapatos, modelos, cores, os
desenhos elaborados tudo de acordo com os diferentes movimentos da dança, em
sintonia com os diferentes ritmos e com a iluminação proposta para o retrato da
cena. Tudo sem despreocupar-se com o conforto e liberdade de movimentos que se
faz importantíssimo em um espetáculo de dança. As criadoras buscam atingir uma
atmosfera que transporte bailarinos e plateia a um determinado estado de
contemplação.
Do ponto de vista da direção, para o diretor Gabriel Villela, o traje liga o homem ao seu pensamento e à sua evolução. Afirma que no traje de cena está impresso um arquétipo e que este chega ao público, pelo sentido da visão, antes mesmo que a palavra (...) Seu processo de direção está diretamente ligado ao processo de criação de figurino através de uma investigação epidérmica do corpo do ator e da pele da personagem. Para Gabriel Villela, o bom figurinista é aquele capaz de identificar a qualidade de um bordado pelo avesso e o figurino é a matéria que veste a alma da personagem no palco. (PEREIRA,2012).
Constatamos que Ana Medeiros e Juliana Prestes que assinaram os figurinos
do espetáculo “Las Cuatro Esquinas” tiveram um importante trabalho de pesquisa
para chegar à cena final. Criar, desenhar, confeccionar, experimentar, voltar e
refazer até encontrar a satisfação, discutindo e analisando como:
36
Ariane Mnouchkine, a única encenadora contemporânea no estudo de Viana, diretora da companhia Thêátre du Soleil fornece aos atores e costureiras as diretrizes iniciais para a construção do figurino, com as personagens ainda em processo de criação. Ela conta com a colaboração de todo o grupo para o desenvolvimento do espetáculo. Os atores têm ao lado da sala de ensaios a sala de costura. Durante o processo de ensaio, eles têm a sua disposição as costureiras e muitos tecidos, que vão sendo utilizados até a concepção final – e aprovação- de Mnouchkine. Até então, eles pintam, costuram, montam e criam (PEREIRA, 2012).
Para Gianni Ratto (Muniz, 2004) o figurino é cenografia. “Refere-se ao figurino
como resultado de um estudo verticalizado da personagem dentro de uma
Determinada situação de existência e cujo resultado visual deste estudo é o próprio
traje como a pele de uma personagem que ainda não existia como escritura teatral”
(PEREIRA, 2012).
Concluímos este artigo com a clareza do quanto se faz importante o traje de
cena, ou como costumamos denominar o “figurino” na realização do espetáculo. Não
seria mais importante do que a proposta inicial da ação que é o movimento sentido e
transfigurado que brota do corpo, matéria prima da dança, mas que enriquece,
abrilhanta, transforma e fantasia a cena. Que transporta o espectador ao espaço que
se quer representar, podendo participar visualmente deste momento como mais um
ator deste espetáculo. Dentro da cena, no clima da representação e fantasia que é a
essência da arte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente: das Origens aos Nossos
Dias. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
LA MOTTE, Richard. Costume design: the business and art of creating costumes for
film and television. Michigan: McNughton & Gunn, Estados Unidos, 2. Ed., 2010.
LURIE, Alison. A Linguagem das Roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
MUNIZ, Rosane. Vestindo os Nus- O Figurino em Cena. Rio de Janeiro: SENAC Rio,
2004.
PEREIRA, Dalmir. Ensaiando Sobre Traje de Cena in Anais do 8° Colóquio
Internacional de Moda. Rio de Janeiro, 2012
ROUBINE, Jean-Jacques. Linguagem da Encenação Teatral. Rio de Janeiro: Zahar,
1998.
SABINO, Marco. Dicionário da Moda. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
37
STALLYBRASS, Peter. O Casaco de Marx: Roupas, Memória e Dor. Belo Horizonte:
Editora Autêntica, 2004.
VALESE, Adriana et al. Faces do Design. São Paulo: Editora Rosari, 2003.
VIANA, F. P. O Figurino Teatral e as Renovações do Século XX. São Paulo: Estação
das Letras e Cores, 2010.
VIANA, F. P., MUNIZ, R. Os Figurinos de Les Éphémères, Sala Preta – Revista de
Artes Cênicas, Núm. 7, pág. 117-122, Departamento de Artes Cênicas, Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
Entrevista com as bailarinas e figurinistas Ana Medeiros e Juliana Prestes concedida
no dia 29 de Abril de 2013 na sede da Companhia de Flamenco Del Puerto.
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OS ESPAÇOS PRATICADOS EM BR-3 DO GRUPO VERTIGEM: UMA REFLEXÃO
Lúcia Helena Martins14
RESUMO: O espetáculo BR-3 do Grupo Vertigem, é um teatro de espaços, aconteceu dentro do Rio Tietê em São Paulo e foi concebido a partir de uma vivência em três lugares do país. Partindo do pressuposto de que o espaço é um lugar praticado, este trabalho objetiva olhar para o espaço no espetáculo BR-3 e fazer uma reflexão sobre alguns aspectos que se imbricam, tais como carga semântica, ator-espaço-espectador, cidade-conceito e fato urbano etc. Esta investigação será realizada à luz de Michel de Certeau, Antônio Araújo e Evil Rebouças. PALAVRAS-CHAVE: espaço, local específico, ator-espaço-espectador, BR-3. ABSTRACT: The BR-3 play of group Vertigemo is a play of areas, it carried out inside Rio Tietê in São Paulo and was conceived from an experience in three places in the country. Assuming that space is a practiced place, this study aims to look at the space BR-3 show and to reflect on some aspects that imbricate, such as semantic charge, actor-spectator-space, city-conception and urban fact etc… This research will be conducted in the light of Michel de Certeau, Antônio Araújo and Evil Rebouças.
KEYWORDS: space, site specific, path-way, actor-spectator space-BR-3.
O espetáculo “BR-3” do Grupo Vertigem foi realizado dentro do Rio Tietê,
onde o público entrava no barco e percorria um trecho de 12 Km, assistindo as
cenas que aconteciam em suas margens, em cima dos viadutos e dentro do próprio
barco. Para a concepção do espetáculo, o grupo realizou uma vivência por Brasília,
Brasilândia e Brasileia, com o intuito de investigar identidades ou não identidades
brasileiras. A partir desta viagem Bernardo Carvalho escreveu um roteiro sobre a
saga de uma família brasileira que transitou por estes lugares, como pano de fundo
de alguns aspectos escondidos na história do Brasil. Os espaços (de viagem e rio
Tietê) em BR-3 serviram como matriz geradora das cenas.
Apesar de muitos teóricos considerarem o lugar teatral como espaço onde
acontecem as relações de cena entre público e atores, baseada em Michel de
Certeau, acredito que um local por trazer característica de estabilidade é apenas um
lugar, ainda não é espaço, e somente se torna espaço a partir dos movimentos e
deslocamentos ali praticados. Então, o espaço depende dos deslocamentos das
pessoas por um local, por meio do contato físico de todos os participantes com tudo
14
Professora colaboradora no curso de Licenciatura em Teatro, na Faculdade de Artes do Paraná. Professora/diretora dos grupos de teatro juvenil e infantil na Fundação Cultural de Curitiba – Núcleo Santa Felicidade. Mestre em Teorias Literárias, pesquisa em dramaturgia do espaço (UNIANDRADE - 2012), especialista em Literatura Dramática e Teatro (UTFPR- 2007).
39
o que caracteriza o local (microgeografia, topofilia, historicidades, carga semântica,
imaginário etc). Desta forma, o local é ressignificado, tornando-se espaço produtor
de sentidos. O Rio Tietê, local escolhido para o acontecimento teatral BR-3, é
produtor de sentido do que é marginal no Brasil. Rio-esgoto da cidade de São Paulo,
passa por viadutos e atravessa grande parte da cidade. Nesse rio são jogados os
dejetos dos moradores da cidade, os restos, tudo o que é considerado lixo, coisas
sem serventia; e suas margens, onde o cheiro é insuportável, são povoadas por
animais que se alimentam destes dejetos jogados por seres humanos. Ao mesmo
tempo, Tietê é um rio que atravessa o Brasil, fonte de água, habitado – ao lado dos
animais citados – por uma pequena população que vive nas suas margens. O
público que se propôs a ir até o Tietê para ver o espetáculo – vivencia-o de dentro
do rio, em um barco que navega por um trecho. O que pode ser percebido pelo
público, e todo o coletivo, recebe interferência tanto do texto e da encenação como
da carga semântica e energética, evocando no espectador uma carga emocional
que dialoga com a noção que ele tem de Brasil, de identidade. Todas essas
interferências contaminam a encenação como uma espécie de metatexto. Os
elementos arquitetônicos para a composição da cena, tais como as pontes e as
tubulações, são utilizados para a cartografia da cena. “[...] as dimensões
arquitetônicas dos locais utilizados trazem ao espectador outra possibilidade de
apreensão do espaço, além dos significados históricos ali impregnados”
(REBOUÇAS, 2009, p.149).
Segundo Certeau, o urbanismo ocidental, que começa a acontecer desde o
século XVI, acaba por transformar o fato urbano, inerente às práticas urbanas em
conceito de cidade. A partir do momento em que se conceitua a cidade há a
suposição de que seja algo tratável pela racionalidade urbanística. O discurso
urbanístico sobre a cidade-conceito tem uma forma de organização de maneira que
recalque poluições físicas, mentais e políticas. Para Certeau, para romper com essa
disciplina institucionalizada pelo conceito-cidade, em que se mascaram as
contradições, existem alguns procedimentos resistentes e teimosos. Dentre eles, os
passos, a criação de atalhos e desvios a partir de pedestres, relatos e lendas. Neste
sentido, BR-3 é uma forma de desvio que atrapalha o fluxo desta cidade-conceito, já
que interfere na estrutura de um modelo a ser visto, fazendo aparecer todas as
contradições que as permeiam. O Grupo Vertigem, ao levar um espetáculo que fala
de identidade brasileira para o Rio Tietê, realiza e mostra uma caminhada por um
40
espaço “eliminado” do conceito-cidade. A história de BR-3 foi escrita por Bernardo
Carvalho a partir de relatos de pessoas que trabalharam na construção da cidade de
Brasilia - e que nunca puderam morar nela, e de pessoas que vivem na Brasileia e
em Brasílândia, ambas cidades periféricas e marginalizadas. Esses relatos,
ocultados pela História regida pelo conceito-cidade, além se serem vistos através
das cenas, durante o espetáculo, são revelados através do espaço do Rio Tietê –
local onde são jogados os dejetos, e outras coisas que são escondidas, como
metáfora de ocultamento.
Seguindo o raciocínio de Certeau, os passos dos indivíduos falam e moldam
espaços, e tecem lugares. O ato de caminhar é um processo de apropriação do
sistema topográfico pelo pedestre, ou seja, “uma realização espacial do lugar”
(CERTEAU, 2011, p. 164). O caminhar transcreve os traços e trajetórias reportando-
se a mapas urbanos. Tanto o grupo que vivenciou os relatos durante o processo nas
três cidades de BR-3 traz em seus corpos a historicidade e os relatos dos lugares
pelos quais passaram e os quais espacializaram, quanto o lugar Rio Tietê
transforma-se em espaço praticado, tornando-se espaço continuamente quando
acontece a relação entre os espectadores, atores e transeuntes que ali vivem e o
praticam. O grupo, o público e quem se encontra ali, durante o acontecimento, vai
moldando espaços sucessivos. Em BR-3, o percurso realizado pelo barco no Tietê,
ou seja, os movimentos organizados para se chegar aos lugares que são espaços
dramáticos (Brasília, Brasilândia e Brasileia), vai espacializando esses lugares
“reais” sucessivamente. Ao olharmos o mapa do Brasil vemos estabelecidos lugares
e suas delimitações, é como olhar um quadro, porém, ao realizar o percurso,
percebemos que essas fronteiras são delimitações e, ao mesmo tempo, pontes para
outros lugares. Segundo Certeau (2011), enquanto o itinerário relaciona-se com o
fazer, o mapa relaciona-se com o ver.
Antônio Araújo, diretor do Grupo Vertigem, diz que a razão que os leva a
utilizar espaços não convencionais, dá-se pelo tema tratado, ou seja, o significado
simbólico, histórico e institucional do lugar é mais importante que as possibilidades
cênico-arquitetônicas. Ao falar sobre processo de criação, relata que o motivo da
escolha do local específico surge a partir da necessidade de um elemento de
“realidade” que uma construção cenográfica jamais atingiria, pois um cenário jamais
substitui a experiência sensível intrínseca a esses locais. Para ele um local
específico interfere e afeta a criação do espetáculo, a leitura e recepção da obra, e,
41
além do mais, ressignifica o espaço. Vemos em BR-3 este significado simbólico e
histórico, assim como a ressignificação do Rio Tietê. O rio esgoto que atravessa o
Brasil e que está em movimento o tempo todo, é marginal, mal-cheiroso, escondido,
violento, assim como muitos episódios da História do Brasil. O espetáculo BR-3 foi
pensado a partir do espaço do Rio Tietê, pois, segundo Araújo, ele é um rio com
grande significado simbólico na história do Brasil. Segundo o encenador, as cenas e
as cidades ficcionais foram pensadas em relação aos lugares do rio, Brasília
associada ao monumental e aos viadutos, Brasilândia abrigada sobre as pontes e
Brasileia dispersa em suas margens. Para Araújo (2011, p. 174-175), as principais
interferências que a utilização de um “local específico” provoca são: 1) a relação
espaço/texto, é quando a dramaturgia é afetada pelo espaço, ou seja, a dramaturgia
tem que ser reescrita e adaptada conforme as condições arquitetônicas do local.
Como por exemplo, textos criados para que se efetue o deslocamento de ator ou
público de uma área a outra no lugar de representação; mudanças de ordem no
texto na tentativa de dialogar com a estrutura espacial, ajuste do roteiro conforme a
atmosfera proporcionada pelo local. 2) a relação espaço/ator, em que o espaço afeta
a interpretação, devido a situação atmosférica e objetual específica. Neste sentido,
as construções arquitetônicas podem facilitar ou induzir construções emocionais e
ainda, a presença do ator no lugar e sua relação com objetos que ali estão promove
o redimensionamento e a redescoberta do lugar. “Se o espaço afeta o ator, também
este afeta o espaço, humanizando-o e teatralizando-o simultaneamente. O corpo do
intérprete ressignifica o corpo arquitetônico. E vice-versa” (2011, p. 175). 3) a
relação espaço/público, em que o espaço interfere a recepção do espectador, pois
evoca as memórias pessoais, condicionamentos culturais, e as projeções do
espectador em relação ao local. A experiência em um local específico pode afetar
todos os sentidos da plateia, devido à presença de diferentes parâmetros
arquitetônicos e visuais, modificação na percepção sonora e auditiva, odores
característicos, variações de temperatura, contato físico com texturas e objetos,
presença corporal de outros espectadores de forma mais acentuada. “O espaço
também carrega uma história – conhecida ou não, mas que se encontra inscrita em
suas paredes – e uma carga emocional específica, que dialogarão com a
subjetividade de cada indivíduo da plateia” (2011, p. 175). A separação convencional
espetáculo/público é rompida, já que tudo é cena, é presença, e todos, inclusive os
atores são espectadores. Percebe-se que estas três classificações de interferências
42
articuladas por Araújo, se inter-relacionam. No primeiro ele fala da relação espaço e
texto escrito em papel, ou seja, realizam uma adaptação de um roteiro pré-
estabelecido ao local. Em BR-3, a partir da vivência pelas três cidades e junto às
improvisações, foi criado um roteiro por Bernardo Carvalho, para, conforme os
ensaios, realizarem as modificações. No segundo e terceiro tipos de interferência,
comentado pelo diretor, percebe-se uma aproximação com o que Certeau afirma
que espaço é lugar praticado, pois ele se modifica conforme os seus praticantes
(atores e espectadores) realizam ações e se movimentam, e ao mesmo tempo, este
movimento também é influenciado por tudo que caracteriza o local. A partir das
considerações críticas de Araújo a respeito dos diferentes tipos de interferência em
relação ao local específico (as relações espaço/texto, espaço/ator e espaço/público),
percebe-se que diversos processos de produção de sentido se imbricam. As
teorizações de Araújo evidenciam as infinitas possibilidades de leitura que se podem
fazer quando o lugar – incluindo todos os seus aspectos: simbólicos, históricos,
energéticos, etc. – é praticado por todos os participantes (atores e público).
Em relação à proxêmica15, podemos dividir o espetáculo em três partes.
Num primeiro momento, o público está no barco, sentado e ouvindo a narradora da
saga de Jonas, a Evangelista. Além de o público ser o espectador que acompanha a
história, pode ser também um grupo de fiéis que se encontra numa espécie de igreja
em que Evangelista é a pastora, já que esta provoca os espectadores em vários
momentos sobre suas vidas, fé e comportamento. Ao ouvirem a narração também
observam as cenas que acontecem às margens do rio. Então, ao mesmo tempo em
que há uma proximidade do público com a cena dentro do barco, a distância é
grande em relação às cenas que acontecem às margens, pois os atores chegam a
ficar pequenos ao lado da arquitetura do Tietê e, ao mesmo tempo, estão próximos
da narração. Num segundo momento, o público é conduzido ao segundo andar do
barco, em que acontece o ritual de Santo Daime e onde acontece o assassinato de
Jonas por sua filha, passando a fazer parte da cena com seus deslocamentos e,
também, compondo a igreja junto com os atores. Nesta cena enquanto acontece a
conversa entre Jonas e seu filho enquanto dançam, uma música de bailado típica
deste ritual toca e o público fica em meio ao baile. A distância entre atores e
15
Proxêmica: disciplina que avalia as distâncias estabelecidas entre as pessoas no convívio social e, ainda, as variações dessas distâncias conforme as condições arquitetônicas ou ambientais, a partir dos diversos grupos ou situações culturais que se encontram aí envolvidos (REBOUÇAS, 2009, p. 150).
43
espectadores é mínima, assim como na última parte, em que o público sobe ao
convés do barco, onde há o desfecho da trama.
Rebouças (2009), a partir de Roubine, afirma que há dois elementos que
podem alterar a relação espectador-espetáculo, a área reservada para a
representação e a arquitetura do edifício teatral. Quando o público se locomove pelo
espaço, em BR-3, esses deslocamentos acabam por ser incorporados à escrita da
cena, interferindo na dramaturgia, como, por exemplo, no momento em que o
público entra no barco BR-3, que além de ser o veículo que para que percorram o
Rio Tietê, representa uma igreja – como pode se ver os seguintes dizeres em sua
entrada: “Jesus é mais alvo que a neve” – sendo o papel dos “fiéis” reservado ao
público. Rebouças (2009, p. 152) afirma que, para Pavis, o deslocamento físico do
espectador altera a percepção por trazer uma sensação de liberdade e de escolha
de ângulos para ver a ação. O espectador pode, em função do espaço reduzido,
acompanhar a cena como se fizesse parte dela, o que acaba interferindo no olhar
dos demais espectadores. Também em relação à proxêmica, Rebouças afirma que
em alguns espetáculos:
[...] há um limite muito tênue para o público distinguir se é apreciador ou personagem daquela situação. Porém, por um lado a proximidade pode trazer ao espectador um envolvimento intenso com o que acontece no plano da ficção, por outro pode ocorrer um efeito de distanciamento da ação. Isso acontece, geralmente, quando o espectador, ao ver a cena, tem como imagem de fundo a platéia (2009, p. 154).
Por outro lado, a acomodação fixa do espectador pode remeter à reflexão
sobre a passividade da sociedade diante de muitos problemas.
Percebe-se então que, em diversos sentidos, BR-3 possui uma forma-trajeto,
em que as componentes não estão necessariamente reunidas em um espaço-tempo
unitário, porém todos estes os elementos se inter-relacinam. Esse espetáculo é
considerado um teatro de espaços, inseparável da experiência dos lugares por onde
passam e passaram os integrantes do grupo, assim como as identidades
migratórias.
REFERÊNCIAS:
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São Paulo: Perspectiva; Fapesp, 2011.
44
_____. Entrevista. In: FERNANDES, S.; AUDIO, R. (Orgs.). BR-3. São Paulo:
Perspectiva; Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p. 19-29.
CARVALHO, B. Eu vivo neste mundo. In: FERNANDES, S. & AUDIO, R. (Org.). BR-
3. São Paulo: Perspectiva; Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p. 31-37.
CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: 1. Arte de fazer. Trad. Ephraim Ferreira
Alves. Petrópolis: Vozes, 2011.
MOCARZEL, Evaldo. BR-3. Vídeo do espetáculo. Produção e finalização: Leonardo
Mecchi e Letícia Santos. Produção: Casa Azul.
_____. Documentário BR-3. Produção e finalização: Leonardo Mecchi e Letícia
Santos. Produção: Casa Azul.
PAVIS, P. Dicionário de teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo:
Perspectiva, 2005.
REBOUÇAS, E. A dramaturgia e a encenação no espaço não convencional. São
Paulo: Editora UNESP, 2009.
45
TEATRO DA VERTIGEM: UMA ANÁLISE DA LINGUAGEM, DO ESPAÇO E DO ELEMENTO CÊNICO.
Luiz Fernando Pereira16 Orientação Prof. Dr. Edélcio Mostaço17
RESUMO: Este artigo é uma análise das peças teatrais Paraíso Perdido, O Livro de Jó, Apocalipse 1,11 e BR3 do Grupo da Vertigem, no que se refere à linguagem cenográfica: seus elementos e objetos, sua performatividade, seu diálogo visual e sonoro pensados como linguagem não textual, mas cênica. PALAVRAS-CHAVE: Teatro da Vertigem, Linguagem Cênica, Performatividade, Dialogismo, Polifonia. ABSTRACT: This article aims at analyzing the staging of the plays Paraíso Perdido, O Livro de Jó, Apocalipse 1,11 and BR3from the theatre company called Teatro da Vertigem, and their scenographic language: their elements and props, theirperformativity, their visual dialogismand polyphony as non-verbal but scenographic language. KEYWORDS: Teatro da Vertigem, Scenographic Language, Performativity, Dialogism, Poliphony.
A abordagem do espaço cênico e do espaço teatral é ampla e merece uma
análise aprofundada, passando por conceitos narrativos nos quais entram em
questão e discussão a relação do espaço e o espectador, o espaço e a arquitetura
teatral, o objeto cênico, o objeto teatral começando pelo ponto de partida cênico,
linguagens e genealogias.
O Teatro da Vertigem, ao encenar a trilogia bíblica e na sequência o
espetáculo BR3, nos coloca uma questão na qual a cenografia, como integrante de
um teatro ambiental, que busca novos espaços, estabelece novas relações de
espaço e performatividade, como também nos faz refletir sobre o uso simbólico e
político dos espaços escolhidos, que antes de tudo são públicos: uma igreja para
Paraíso Perdido, um hospital para O Livro de Jó, um presídio para Apocalipse 1,11 e
um rio, o rio Tietê, para BR3.
Como se dá este uso simbólico? Quais são as implicações políticas? Como
este espaço que agora passa a ser teatral reflete na performance da representação?
Quais seriam os elementos de performatividade e como se estabelece suas
16
Professor Mestre do Curso de Bacharelado em Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Doutorando do PPGAT da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. 17
Doutor em Teatro pela Universidade de São Paulo, 2002 e Professor Associado da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.
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relações, espaço/real, ação/execução, objeto/elemento cênico? Podemos aqui falar
em polifonia e dialogismo no que diz respeito ao discurso visual e sonoro?
Podemos afirmar apoiados em estudos, que a cenografia é uma linguagem,
uma linguagem narrativa que, ao ajudar a contar uma história, se utiliza de
elementos semiológicos. O símbolo é em sua essência um elemento semiológico e,
portanto ao utilizar espaços ambientais para sua representação, o grupo Teatro da
Vertigem faz uma clara opção semiológica e simbólica.
A primeira montagem da trilogia bíblica, Paraíso Perdido, em 1992, foi
encenada pelo grupo numa igreja tradicional (Igreja de Santa Ifigênia) quase ao lado
da Catedral da Sé, em São Paulo, espaço cênico profundamente carregado de
significados.
Notamos então a arquitetura da igreja com seus bancos apropriados tornada
espaço cênico no qual a concepção cenográfica praticamente não interfere ou muda
nada, mas que pelo seu próprio conteúdo simbólico interfere em tudo: no
representar, no usar e ocupar este espaço, propondo um outro olhar para um local
pretensamente conhecido, que se fez cenográfico no seu uso físico, e cuja energia
reaviva a sacralidade da igreja e coloca a fé em discussão.
O espetáculo O Livro de Jó, continuando a busca em desenvolver a ocupação
de ambientes não convencionais, aprofundando-se nas possibilidades cênicas dos
lugares, na exploração e utilização de objetos e materiais simbólicos e narrativos os
quais influenciariam outras áreas de criação, estreou em 1995 no hospital
desativado Humberto I, como sendo o segundo espetáculo da trilogia.
Os objetos e materiais cênicos não poderiam ser mais simbólicos: macas,
instrumentos cirúrgicos, equipamentos de transfusão de sangue, leitos hospitalares,
chapas de radiografias se tornam semelhantes a instrumentos de tortura, reforçados
pela atuação do ator Matheus Nachtergale que interpretava o personagem Jó
mergulhado desde o início do espetáculo “num banho de sangue literal e figurado,
que assumia diante do espectador um risco físico que contaminava, apavorava”
(FERNANDES, 2010).Percebe-se claramente aqui uma linguagem narrativa
semiológica, carregada de simbolismos.
Em Apocalipse 1,11, criação de um texto dramático baseado no texto bíblico “O
Apocalipse de São João”, a concepção cênica/espaço nos revela situações densas
de significação semiológica, o simbolismo da prisão onde o espetáculo é
apresentado nos faz refletir no fim dos tempos ou começo de uma nova era. Ao levar
47
o mito apocalíptico para o espaço do presídio, este salienta a sensação de
confinamento e a expectativa de evasão transmitidos pela própria ambientação física
das celas, dos pátios, das grades, dos muros. De uma maneira transgressora, nos
coloca a condição dos excluídos sociais, e suas condições sub-humanas de
sobrevivência.
O próximo espetáculo do Teatro da Vertigem é BR3.
Em BR3, o Teatro da Vertigem se aprofunda na descoberta da identidade e do caráter nacional iniciado com Apocalipse 1,11. A trajetória deste trabalho foi desenhada de forma teórico-prática englobando, desde a leitura – ou releitura – de grandes intérpretes do país tais como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Hollanda, Caio Prado Júnior, Raymundo Faoro, Darcy Ribeiro, Milton Santos, até uma pesquisa de campo que compreendeu um percurso geográfico por três diferentes “Brasis”: Brasilândia (bairro da periferia da cidade de São Paulo), Brasília (capital da nação, situada no centro do país) e Brasileia (cidade no extremo do estado do Acre, quase na fronteira com a Bolívia).(http://www.teatrodavertigem.com.br/site/index2.php).
Ao se apropriar e cruzar estes três diferentes “Brasis” e transportá-los para o
espaço cênico do rio Tietê, mais uma vez encontramos aqui o uso simbólico do
espaço da representação.
Neste espaço movediço e instável o diretor cria uma espécie de heterotopia. Brasília associada ao monumental e aos viadutos, Brasilândia abrigada sob as pontes e Brasileia dispersa nas margens são espaços heterodoxos, forçados a conviver no mesmo leito-estrada, e absolutamente outros em relação às cidades reais a que se referem e de que falam. Filtrados pelo olhar coletivo e deformados por essa modalidade contemporânea de teatralidade, fragmentária e explodida, tornam-se lugares de “desvio”, irreconhecíveis em sua identidade original. Mas, ao mesmo tempo, propostos ao espectador como uma forma inédita de reconhecimento. (FERNANDES, 2010).
Como vimos, todos estes exemplos nos remetem a linguagem do espaço
cênico, linguagem carregada de simbolismos e consequentemente inserida no
conceito de semiologia: a ciência que estuda os signos e todos os fenômenos da
significação.
Ao abordarmos todos estes conceitos semiológicos devemos pensar na noção
de espaço cênico e seus elementos agregados à construção do discurso do
espetáculo.
Poderíamos inferir que no momento em que o espectador faz uma (re)leitura
desses espaços cênicos, ele realiza uma nova leitura de seu espaço-cultural, e
consequentemente uma (re)leitura de sua inserção política.
48
O Teatro da Vertigem ao envolver o público em suas apresentações faz com
que o espectador tome uma posição político-social de intervenção, pois ele faz parte
desta performance, não mais como espectador, mas sim como um elemento que é
envolvido cenicamente, ele faz parte da ação, pois ao posicionar-se para ver “a
cena” ele é um elemento componente da própria cena.
Essa transformação do público numa comunidade cúmplice e solidária
estabelece um diálogo direto com o mesmo e procura alcançar o objetivo proposto
pelo grupo, o de comprometer e envolver suas “testemunhas” – “ A dramaturgia é
fundamentada a partir do lugar que carrega significados em concordância ao desejo
de „posição política‟ dos performers que subvertem, reafirmam, reagem em função
do espaço cênico” (RODRIGUES, 2009).
Os estímulos sensoriais que podemos perceber na montagem de Paraíso
Perdido, que se apropria do espaço de uma igreja, pela conjuntura que se
estabelece e que não é cenário, mas o espaço real e efetivo, nos cria um
constrangimento pelo próprio desenvolvimento da ação, e pela relação direta com
este espaço. A emoção real não é só percebida pela representação, mas também
pela significação social deste espaço. Sua relação entre o real e o ficcional se faz
pelo estreitamento entre as relações. O público carrega uma efetiva referência do
espaço sacro pela sua religiosidade, e esta referência será acrescida de um
desconforto, certo constrangimento por este uso não habitual. Esta relação
espetáculo – público – espaço e o real contém um alto grau de performatividade.
Em O Livro de Jó, o hospital carrega em sua essência cenográfica, mais uma
vez, o conteúdo do lugar: paredes brancas, luzes que cegam e principalmente
objetos cênicos carregados de simbolismos que estão na memória do público, do
qual é exigido se manifestar enquanto partícipe da ação de performatividade,
detonada primeiro pelo modo de executar a ação, e segundo pelo modo de perceber
a ação, que terá um caminho conduzido pelo objeto cênico, pelo signo simbólico
narrativo incrustado neste objeto cênico.
Em Apocalipse 1,11 a continuação do teatro performativo pautado nos
trabalhos anteriores é ainda mais evidente, pois “no espetáculo, Antonio Araújo cria
ambientes distintos, aproveitando as celas, os pátios, os corredores, as grades, os
muros e a entrada do presídio para organizar uma frenética e aterrorizante
movimentação processional, exacerbada pela interpretação tensa dos atores e pela
sonoplastia agressiva.” (FERNANDES, 2010).
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Na encenação de BR3, encontraremos novamente o conceito de
performatividade agregado ao espetáculo. Ao levar o público para assistir esta
encenação no rio Tietê, o grupo usa a cidade de São Paulo como o espaço real, de
uma maneira ainda mais radical do que nas montagens anteriores. Não estamos
agora em um espaço circunscrito, com funcionalidades determinadas de uma igreja,
de um hospital ou de um presídio, mas em um ambiente aberto onde nosso
referencial espacial é a amplidão de uma cidade. São seus viadutos, o rio, as
marginais. Ao público é solicitado participar da ampliação do espaço real, da ação
ao se deslocar de um lugar a outro, à deriva no meio do rio, ou ultrapassar a fina
passarela encostada no “rio-esgoto”, pela qual se adentra o barco. Ao se deslocar
para acompanhar a apresentação o público passa da simples ação de deslocamento
para a execução da performance do espetáculo e torna-se o objeto, o elemento
cênico sem o qual o espetáculo não se concretiza. Por estar no espaço real o
público torna-se refém do espetáculo, pois não pode abandonar o barco, e ao
mesmo tempo sente o impacto por sua incapacidade de intervir – ele é um elemento
cênico – pura performatividade.
Ao refletirmos sobre os trabalhos do Teatro da Vertigem não podemos aqui
deixar de analisar a relação estabelecida entre o discurso textual, o discurso visual e
o discurso sonoro.
Para tanto devemos trazer para nossa reflexão os conceitos de dialogismo e
polifonia apreendidos ao estudarmos textos e pensamentos de Mikhail Bakhtin.
Segundo Mostaço,
dialogismo e polifonia são dois conceitos gêmeos na obra de Bakhtin, geralmente estudados e percebidos em paralelo. Convém destacar, contudo, que nenhum dos dois conceitos deve ser tomado em abstrato, como uma categoria analítica isolável de um discurso concreto. Ou seja, aparecem formulados nas obras sobre Dostoievski e Rabelais, para destacarem particularidades dos discursos empregados pelos dois autores, e apenas com prudência podem ser exportados para outros contextos. (MOSTAÇO, 2012). Polifonia/dialogismo constituem não apenas modos de figurar o mundo e a realidade, como também situar e enfrentar as criaturas que a habitam. Onde eu me projeto no outro que também se projeta em mim, nossa comunicação dialógica requer que meu reflexo se projete nele e o dele em mim, que afirmemos um para o outro a existência de duas multiplicidades de “eu”, de duas multiplicidades de infinitos que convivem e dialogam em pé de igualdade.(Em Dostoievski, O discurso do herói e o discurso do narrador citado por MOSTAÇO, 2012).
“Com a polifonia temos a passagem a um universo aberto, a libertação da
consciência da personagem (que pode interrogar o autor ou o público) no rumo de
50
uma autoconstituição. Ele é um sujeito, um eu, descobre o homem, arma-se,
estrutura-se através do diálogo.” (MOSTAÇO, 2012).
Assim o discurso visual no seu campo de emprego artístico se completa com o
uso dos elementos cênicos. Quando analisamos o cenário que usa uma igreja como
seu elemento narrativo, ou seja, discursivo – faz parte do discurso do espetáculo –
estamos transformando os elementos que compõem este cenário em elementos que
são signos de uma linguagem. Sendo a cenografia uma linguagem narrativa, ela vai
dialogar com o texto, com a representação e se tornará perceptível justamente por
carregar em sua essência o conceito dialógico. Conversa com a encenação, com a
performance e principalmente possui um alto grau de envolvimento da interação
estabelecida entre o enunciador (texto, ator, cenário/objeto cênico) e o enunciatário,
um eu e um tu, ou um nós e eles no espaço ocupado pela cenografia.
Seguindo nosso foco podemos então citar nas peças do Teatro da Vertigem
aqui analisadas exemplos específicos:
Paraíso Perdido – Cenário: uma igreja com todos seus elementos que a
compõe: bancos, altares, imagens, vitrais.
O Livro de Jó – Cenário: hospital com seus corredores, salas cirúrgicas, macas,
seringas, banheiras, porta soro, radiografias, e outros.
Apocalipse 1,11 – Cenário: presídio com suas alas, salas, celas, portões,
dependências opressoras.
BR3 – Cenário: cidade de São Paulo – rio Tietê, barco, pontes, viadutos,
passarelas.
Todos esses elementos citados acima são signos simbólicos, narrativos e
dialógicos. “O conceito de polifonia deriva da arte musical, querendo exprimir a
conjunção dos diferentes sons – das diferentes vozes – que compõem uma dada
tessitura sonora. Ele nasce em oposição ao monológico, querendo abarcar tudo o
que está ainda em formação, em modo inconcluso em diálogo, em interação.”
(MOSTAÇO, 2012).
Cito este conceito para introduzir o discurso sonoro produzido pela cenografia
nos espetáculos do grupo Teatro da Vertigem aqui analisados.
Estes sons produzidos pela cenografia e elementos cenográficos e objetos de
cena vão dar suporte a ação, a performance, e se tornam elementos importantes
para que possamos identificar as relações dialógicas e polifônicas das quais está
impregnada a linguagem, mais uma vez reafirmando a linguagem visual como uma
51
linguagem narrativa. Aqui temos dois planos cenográficos. O primeiro onde a
cenografia é narrativa e o segundo onde a cenografia gera diálogo com outros
planos. Exemplificando:
Temos em Paraíso Perdido uma cena de grande impacto quando os
atores/performers arrastam os bancos da igreja criando uma coreografia cenográfica
a envolver o público, o som desta ação provocado pelo atrito dos bancos no piso da
igreja, é espetacularmente ampliado pelo eco, inerente ao espaço cenográfico – a
igreja. Este diálogo polifônico cenográfico causa uma sensação de opressão e
estranhamento no público que se sente acuado e partícipe da ação.
Em O Livro de Jó o som dos corredores, portas batendo, passos subindo
escadas, gemidos de dor provocados supostamente por instrumentos de tortura,
criavam o diálogo e o polifônico para o discurso visual e sonoro.
Em Apocalipse 1,11as batidas das portas das celas, as sirenes tocando, o som
nos corredores, o som das grades promovem um ataque aos sentidos; Através
destes elementos de cenografia reforça-se novamente o diálogo e o discurso visual
e sonoro.
Completando essa exemplificação, em BR3 o som da cidade interfere
diretamente no espetáculo, buzinas, motores de veículos, um avião que passa. O
referencial sonoro através desta cidade está aberto a qualquer inesperada
interferência de um objeto/som. Não temos mais o controle, o discurso está sob o
domínio da cidade.
O Teatro da Vertigem, na sua característica de grupo atuante no meio urbano,
nos presenteia com uma proposta instigante o uso dos espaços cênicos não
convencionais, criando desta forma uma linguagem cênica narrativa na qual estão
explícitos os elementos de performatividade, e de uma maneira inovadora e através
do seu primor artístico, redesenha a cidade mesclando o real e o imaginário com
maestria,oferecendo-nos um rico material para a reflexão do uso do espaço/real,
ação/execução, objeto/elemento cênico e o discurso polifônico e dialógico visual e
sonoro.
BIBLIOGRAFIA:
FERNANDES, Silvia. Teatralidades Contemporâneas. São Paulo: Perspectiva:
FAPESP, 2010.
52
MOSTAÇO, Edélcio. In Teatro da Vertigem: Processos Contemporâneos. André
Carreira (org). São Paulo: Escola Célia Helena, 2009.
_________________. Retirado da aula da disciplina Estética, Teatralidade e
Performatividade no curso de Pós-Graduação em Teatro-PPGT-CEART-UDESC-
2012.
RODRIGUES, Éder Sumariva. In Teatro da Vertigem: Processos Contemporâneos.
André Carreira (org). São Paulo: Escola Célia Helena, 2009.
TEATRO DA VERTIGEM. Disponível em
<http://www.teatrodavertigem.com.br/site/index2.php acesso em 19/07/2013>.
53
ESPAÇOS SENSORIAIS: UM DIÁLOGO HÍBRIDO ENTRE A LUZ E O PERFORMER
Cláudia de Bem18 RESUMO: Esta pesquisa tem como foco o estudo da luz como um estímulo visual criativo capaz de dialogar com o espaço e o performer . Os procedimentos metodológicos serão desenvolvidos através de dois laboratórios práticos e uma abordagem teórica da luz como objeto artístico, partindo de conceitos da física, da ótica, da neurofisiologia, da fenomenologia, psicologia e das artes. Através da análise e reflexão da pesquisa prática, permeada por questões teóricas e contrapontos com outras áreas, pretende-se comprovar que a luz é também uma linguagem híbrida e um elemento constitutivo para desencadear o processo perceptivo do ator-performer.
PALAVRAS-CHAVE: luz, imagem, estímulo visual, percepção, performer.
ABSTRACT: This research focuses on the study of light as a creative visual stimulus able to dialogue with space and with the performer. The methodological procedures will be developed through two practical labs and a theoretic focus on light as an artistic purpose, starting from concepts of physics, optics, neurophysiology, phenomenology, psychology and the arts. Through the analysis and consideration of the practical research, permeated by theoretical questions and counterpoints with other areas, it is intended to prove that light is also a hybrid language and a constitutive element for initiate the perceptive process of the actor-performer.
KEYWORDS: light, image, visual stimulus, perception, performer.
INTRODUÇÃO
Estamos vivendo um momento onde se instala uma mudança de paradigmas
em diversos setores da humanidade. A individualização, o consumismo, a tecnologia
exigem a cada dia adaptação para aderir as inovações e padrões gerados pela
cultura de massas.
A visão fenomenológica se expande por vários campos de conhecimento
trazendo uma nova abordagem sobre a compreensão do homem e sua relação com
o mundo, seu entorno e a sua essência.
No âmbito do teatro, os fundamentos estéticos expandiram-se em
experiências e inovações teatrais. Encontramos hoje uma cena híbrida, espaços não
convencionais, tecnologias diversificadas, multiplicidade de linguagens, subversão
do texto. Dentro deste contexto emerge um teatro contemporâneo com teorias de
construção de linguagens e questionamentos. Muitos teóricos e artistas, desde o
início do século XX já vem produzindo e construindo experimentos e manifestações
que configuram e teorizam este teatro contemporâneo.
18
Mestranda em Artes Cênicas, PPGAC-UFRGS.
54
Hans-Thies Lehmann na sua obra intitulada “Teatro pós dramático” analisa e
classifica esta tendência atual de um teatro que subverte os conceitos tradicionais
onde o dramático está enraizado e nos aproxima de uma prática revolucionária.
Lehmann teoriza e exemplifica de que forma desde os anos 70 as manifestações
cênicas vem buscando este estado de presentificação ao invés de representação. O
palco, ou seja, o espaço da encenação é a própria presença e revela isto como uma
tendência da arte contemporânea. A multiplicidade de linguagens que dialogam
entre si nos fazem enxergar uma nova paisagem na construção cênica. O texto
dramatúrgico não é mais dominante como no teatro dramático, há interdependência
entre o discurso verbal e a obra teatral assim , a cena passa a não ser comandada
pelo texto.
Esta nova paisagem com caráter inovador e com ênfase nos processos artísticos
requer uma nova forma de fazer e pensar a arte.
Minha formação acadêmica é multidisciplinar e minha trajetória nas artes
também. Iniciei nos palcos como atriz migrando posteriormente para a estética de
cena até chegar na Galeria. Assim, creio que também me tornei híbrida .
Desde 1999, dedico-me ao estudo da luz como linguagem de composição
visual aliada à cena teatral. Através da experiência como iluminadora fui percebendo
a complexidade da luz, seu caráter efêmero e sua natureza pragmática. A dimensão
artística da luz coexiste em várias dimensões, podendo atingir um caráter pictórico,
ilusionista, psicológico ou funcional e com grande potencial de influência na
atmosfera cênica.
Reconhecendo a luz como uma ferramenta sensível com grande
potencialidade de aplicação surge a hipótese de desenvolver uma experimentação
artística onde a luz seja o estímulo propulsor .
Difícil falar de luz com palavras por ser uma linguagem bastante intuitiva e,
criar estímulos que desencadeie emoções e sensações através da presença num
espaço preenchido somente de luz, requer uma certa complexidade .
Compreender a luz e como nos relacionamos com ela envolve conceitos da física,
da ótica, da neurofisiologia, da filosofia, psicologia e das artes. A luz torna o mundo
visível e está sempre presente no nosso cotidiano.
A complexidade que envolve a experiência visual depende dos processos
óticos, fisiológicos e neurais que compõe a visão e dos fenômenos físicos
associados a natureza da luz. Como ferramenta artística, podemos encontrar na
55
artes muitos artistas de prestígio que enxergam na luz uma poderosa substância de
criação plástica .
As escolhas para reflexão teórica têm sido uma tarefa difícil. A carência de
produção acadêmica dentro das Artes Cênicas que alimente estas questões me fez
buscar parceiros em outras áreas. Os estudos sobre as propriedades da luz e dos
fenômenos luminosos podem nos levar a diferentes abordagens e aplicações.
Estes conceitos aplicados a arte ampliam as possibilidades de criação com a
luz e de percepção do espaço e a capacidade de transformá-lo , criando outras
formas de ver, de sentir e de se relacionar.
Reconheço que existe no âmbito das artes visuais e na filosofia um diálogo
mais próximo a abordagem desta pesquisa. Artistas Visuais como o norte americano
James Turrel, Robert Irwin, Olafur Eliasson, Regina Silveira, trazem nas suas obras
uma reflexão profunda sobre experiências perceptivas do homem com a luz e o
espaço. Estes exemplos demonstram a superação da técnica. A magnitude destas
obras só foi possível com o profundo conhecimento físico da natureza da luz e seus
fenômenos.
Considerando que o homem se coloca sob uma outra atitude diante do
mundo, reconstruindo um novo olhar sobre o espaço e sobre as relações do
indivíduo com o corpo, no campo da fenomenologia encontro argumentos que
elucidam a trajetória e a composição da criação e questões desta pesquisa. Na tese
de Lucia Santaella, Matrizes da Linguagem e Pensamento, encontro um fio condutor
quando ela propõe sobre existência de um vínculo indissociável entre pensamento e
linguagem, onde a representação visual deve estar umbilicalmente atada tanto ao
mundo visual tal como percebido quanto às imagens mentais estimuladas pela
percepção ou não e como ela desenvolve seu pensamento.
A luz da semiótica de Peirce nem podia ser diferente, visto que sua teoria da percepção tem uma estrutura lógica similar à da linguagem. A percepção se constitui em uma semiose específica, quer dizer, na percepção também há ação sígnica. Tanto é assim que o juízo perceptivo funciona como signo. Além disso, para Peirce, imagens mentais também são signos... (SANTAELLA, 2005, p. 206).
Este objeto de estudo está sendo analisado através de dois laboratórios
práticos.
No primeiro, já desenvolvido, foram utilizados: estímulos visuais, um espaço
vazio e um performer .
56
Para conceber um espaço impregnado de sensações como procedimento
capaz de interrogar a percepção através dos sentidos, fez-se necessário definir duas
variáveis:
- Espaço: tudo que está ao entorno do ator e o que ele pode perceber.
- Estímulo Visual: O que torna o espaço visível. Tudo que é projetado no
espaço.
A luz aqui assumiu uma dimensão quase metafísica. Ao invés de criar a luz
para cena, ela assume o caráter propulsor para a cena.
Os estímulos propostos se dividiram em dois: um sistema de luz com
lâmpadas tubulares T5 fluorescentes de temperatura alta com reatores dimerizáveis
e filtros corretivos de temperatura fria. O outro foi desenvolvido através de imagem.
A captação de imagens foi gerada pela observação dos fenômenos óticos causados
pela incidência da luz sobre as águas. Estas imagens videográficas configuraram
uma experiência ótica e foram utilizadas como estímulo visual para dialogar com o
performer .
A abordagem semiótica está na escolha da matéria prima: os elementos
naturais e seus significados nas relações humanas. O corpo foi captado nos
laboratórios em forma de sombra gerando uma outra imagem da fusão do estímulo
com o movimento e resposta do ator performer.
Figura 1-laboratório prático-2012
Os resultados foram aferidos através de depoimentos do ator performer e das
minhas observações descritas em diário. Na primeira parte desta pesquisa, concluiu-
se que existem várias camadas no espaço invisível, além do físico, onde o ator se
situa e reage aos estímulos ali colocados e há alternativas técnicas de se criar um
diálogo híbrido entre elas.
Utilizo a terminologia “híbrido” apoiada na definição de Lúcia Santaella
57
No sentido dicionarizado, „hibridismo‟ ou „hibridez‟ designa uma palavra que é formada com elementos tomados de línguas diversas. “Hibridação” refere-se à produção de plantas ou animais „Hibridização‟, proveniente do campo da física e da química, significa a combinação linear de dois orbitais atômicos correspondentes a diferentes elêtrons de um átomo para a formação de um novo orbital O adjetivo „híbrido‟, por sua vez, significa miscigenação, aquilo
que é originário de duas espécies diferentes. (SANTAELLA, 2005).
O laboratório 2 será realizado com dois atores . Introduzirei a referência de
um texto de Beckett , “Esperando Godot” . Esta escolha se dá pela característica
visual apresentada no universo Beckettiano. A inspiração para criação de estímulo
terá como referência a descrição apresentada pela pesquisadora teatral Célia
Berretini, em seu estudo “Samuel Beckett: Escritor Plural” :
Universo inóspido, hostil, lúgubre, vazio, angustiante, é, grosso modo, o habitat do homem beckettiano. Para traduzir visualmente tal habitat, Beckett recorre ao cenário nu, despojado, pobre, e isso desde Esperando Godot, se bem que o desta , comparado ao de outras, ainda pareça “rico”. Vê-se uma estrada desoladora, em que apenas surge uma árvore sem folhas e uma pedra-dura e fria, é a conotação obrigatória-, na qual sentado Estragão, em silêncio, tentando em vão desembaraçar-se do sapato que o incomoda-posição inconfortável do homem num mundo igualmente inconfortável. É a linguagem Visual, muda, antecipando a sonora. (BERRETINI, 2004, p.109)
A metodologia para criação dos estímulos será a mesma adotada no primeiro
laboratório. O que diferencia nesta experiência é a contextualização em que se
desenvolverá o trabalho prático.
As imagens serão captadas na natureza, tendo como matéria prima os
fenômenos óticos provocados pela incidência da luz nos elementos naturais:
água,terra,fogo e ar . As referências para a produção das imagens de tons e
atmosferas são: o árido, a infinitude, o vazio , a espera.
Será criado um diário individual de cada participante para descrição das
experiências . Estas anotações serão feitas sempre após a realização do laboratório
prático. Todo o processo será captado através de filme full HD.
A possibilidade do exercício da criatividade e construção de abordagens
estéticas alternativas, poderá se converter numa troca positiva para o processo
artístico do ator performer. Não me proponho a resolver esta questão complexa, mas
sim trazer uma experimentação de uma artista em processo.
Acredito que esta investigação possa contribuir para o fomento das artes
cênicas já que a metodologia da experiência intersecciona diversos campos
58
interdisciplinares que vão fornecer conceitos para pensar a prática artística à luz das
abordagens iconológicas, semiológicas e estéticas.
BIBLIOGRAFIA:
ARNHEIM, Rudolph. Arte e percepção visual - Uma psicologia da visão criadora. São Paulo:Pioneira, 1998. BARROS , Ana Maria. Fio de luz (artigo), 1997. Acesso disponível: http://www.pucsp.br/~cos-puc/interlab ) BACHELARD Gaston. A Poética do Espaço. In: Os Pensadores XXXVIII.1.ed. São Paulo: Abril Cultural,1974. BOLEN, Jean Shinoda. A Sincronicidade e o Tao. São Paulo: Cultrix.1979. CAMARGO, Roberto Gill. Função estética da Luz. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 2012. CALMET, Hector –Escenografia-Escenotecnia e Iluminacion. Ediciones De La Flor. Buenos Aires, 2003. CAPRA, Fritjof. As conexões Ocultas. 11 ed. São Paulo.Ed. Cultrix, 2002. CRAIG, Edward Gordon. El espacio como espectáculo. Ed. La Casa Encendida. Madrid, 2009. DAMÁSIO, Antonio. O Livro da consciência-A Construção do Cérebro Constante. Lisboa.Temas e Debates-Círculo Leitores. 2010. PAVIS, Patrice. A Análise dos Espetáculos.São Paulo: Perspectiva, 2005. ____. Dicionário de Teatro, 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. EDINGER, Edward F. Anatomia da Psique. O Simbolismo Alquómico na Psicoterapia. São Paulo: Cultrix,1985. LEHMANN. Teatro Pós Dramático. São Paulo: Cosac Naify-1977 HUTIN, Serge. A Tradição Alquímica: A Pedra Filosofal e o Elixir da Longa Vida. São Paulo, Editora Pensamento, p. 86-88; 91-92; 107-108. LEVY, Pierre. O que é o Virtual? 2 ed. São Paulo: Editora 34,2011. _____ As Tecnologias da Inteligência. São Paulo: Editora 34, 1996. LIMA, Mariana. Percepção Visual aplicada a arquitetura e iluminação. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2010. MOREIRA, Vinicius de Araujo. Iluminação Elétrica,3ed. São Paulo. Editora Edgar Blucher Ltda.2008 MOURA, Edgar – 50 anos Luz-Câmera e Ação, Ed 2. Senac.São Paulo,1999. PEDROSA, Israel. Da Cor a Cor Inexistente, 10 ed.. Rio de Janeiro: SENAC, 2009. PEDROSA, Israel. O Universo da Cor, 3 ed.. Rio de Janeiro: SENAC, 2008. PONTY, Maurice Merleau. Fenomenologia da Percepção. 4 ed. São Paulo: WMF, 2011. SANTAELLA, Lucia. Matrizes da Linguagem do Pensamento. São Paulo: Iluminuras, 2009. SIRLIN, Weli. La Luz em El Teatro. Buenos Aires: Editora ATUEL, 2005 WHITMONT, Edward. A Busca do Símbolo.Conceitos Básicos de Psicologia Analítica. São Paulo: Cultrix.1969.
59
A ILUMINAÇÃO CÊNICA NA FOTOGRAFIA
Jaqueline Linhares19 Fernando Souza20
RESUMO: Este trabalho pretende avaliar as relações entre teatro e fotografia, utilizando como eixo a iluminação. Trataremos brevemente sobre as questões que concernem às duas artes (movimento e imagem) e apresentaremos ensaio que mostre como se dá o trabalho de captação de imagens e a influência da iluminação na fotografia de teatro. PALAVRAS-CHAVE: Fotografia, Teatro, Iluminação, Cores. ABSTRACT: This study aims to evaluate the relationship between theater and photography, using illumination as an axis. We will talk briefly about the issues that concern the two arts (motion and image) and present experiment that shows how is the job of capturing images and the influence of lighting in theater photography. KEYWORDS: Photography, Theater, Illumination, Colors.
INTRODUÇÃO
O efeito visual é a relação primeira entre a iluminação de teatro e a de
fotografia. O que diferencia o efeito visual das duas áreas são as intenções de cada
profissional. A iluminação de teatro tem por objetivo expor a cena a determinado
conceito ou ideia que enfatize a cena e a peça. O fotógrafo, por sua vez, utiliza a
iluminação para explicitar as características do momento que deseja “congelar” na
obra fotográfica final.
No teatro, os aparelhos, modelos de iluminação e gelatinas de cor terão por
objetivo principal iluminar o ator ou a cena e levar o espectador a refletir o trabalho
lúdico apresentado. Segundo Valmir Perez, a luz, sendo um componente de
linguagem do espetáculo, também se afirma como um componente de
representação. (PEREZ, 2007, p.33).
Na fotografia, a luz é componente tão essencial que está até embutido
etimologicamente na palavra. Segundo Hurter (2010), “fotografia” vem das palavras
gregas photos (luz) e graphien (ou seja, “desenhar com luz”). A relação com a
fotografia no Oriente, por outro lado, é outra. Em japonês, fotografia é traduzida para
sha-shin, que significa “reflexo da realidade” ou “expressão visual”. A fotografia, seja
para os ocidentais, seja para os orientais, é uma linguagem e uma forma de
expressão visual. (LIMA, 1985, p.17).
19
Graduanda do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Faculdade de Ciências Humanas e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná; [email protected]. 20
Profº. Ms. Fernando Souza, UTP, [email protected].
60
Esta pesquisa tem por objetivo relacionar as duas formas de arte, linguagem,
e expressão – teatro e fotografia – pelo eixo da iluminação. Para ilustrar as
diferenças e semelhanças entre os dois trabalhos de iluminação, apresentaremos os
efeitos visuais de iluminação em fotografias de teatro, de modo a explicitar a
afinidade que a iluminação cênica de teatro tem com a iluminação cênica de
fotografia.
METODOLOGIA
Iniciamos o trabalho com pesquisa sobre o referencial teórico em iluminação
fotográfica e teatral. Em seguida, aplicamos um plano de iluminação colorida para
espetáculo de teatro (concebido pela iluminadora Erica Mityko) em ensaios
fotográficos com alunos Artes Cênicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
e da Faculdade de Artes do Paraná (os trabalhos foram realizados no Auditório
Salvador de Ferrante – Guairinha, do Centro Cultural Teatro Guaíra). Por fim,
apresentamos uma análise dos resultados do ensaio fotográfico.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A relação entre a fotografia e o teatro não é ocasional. Ambas as linguagens
estão intimamente ligadas por um elemento muito importante: a iluminação. A
fotografia é, por excelência, produto da luz sobre os objetos. No teatro, a iluminação
exerce papel fundamental, já que ela pode influenciar a visão do espectador sobre
as cenas. Sobre a relação entre as duas artes, Roland Barthes afirma que
Não é, porém (parece-me), pela pintura que a fotografia tem a ver com a arte, é pelo Teatro. Na origem da Foto, sempre colocamos Niepce e Daguerre (mesmo que o segundo tenha usurpado um pouco o lugar do primeiro); ora, Daguerre, quando se apossou da invenção de Niepce, explorava, na praça do Château (na Republique), um teatro de panoramas animados por movimentos e jogos de luz.” (BARTHES, 1984, p. 53)
Os movimentos clicados por Daguerre são o foco da iluminação no teatro. Os
jogos de luz são capazes de enfatizar e dar movimento a objetos ou personagens,
mesmo que estes sejam estáticos. Também é capaz de criar perspectiva em planos
bidimensionais, entre outros efeitos. Todas as nuanças da iluminação teatral, é
claro, estão voltadas para o espectador, que recebe a cena teatral com mais
intensidade quando há o jogo de luzes. Valmir Perez sintetiza claramente o poder da
expressividade da iluminação de teatro:
61
Luzes coloridas sobre superfícies pigmentadas criam terceiros cromatismos. Com isso, é possível criar diferentes ambientes e “climas” psicológicos através das mudanças cromáticas sobre os cenários. O estudo da pigmentação e textura cenográfica permite aos designers de iluminação auferir os cromatismos resultantes dessas misturas entre sistemas aditivo e subtrativo da cor16. Quando não existe levantamento apropriado das qualidades cromáticas dos elementos das cenas (cenários, figurinos etc.), a iluminação pode “matar” o produto final, desviar as cores propostas para tons que não sejam apropriados e que não sugiram determinados nuances psicológicos, simbólicos ou expressivos. (PEREZ, 2007, p. 40).
Imagem: Jaqueline Linhares
Para a composição da imagem acima, foi solicitado que as atrizes se
apresentassem com uniformidade (proximidade) no figurino, nenhuma maquiagem e
liberdade de expressão. A iluminação colorida é o foco principal da imagem. A
dificuldade encontrada foi apresentar as cores em refletores PC, presentes na parte
inferior da imagem. As cores primárias verde e vermelho, as cores compostas
amarelo e azul (o efeito lilás se deu por causa da composição das cores).
Independentemente da mudança das cores na cena, a fotografia captou o
movimento. O efeito da alteração da incidência da luz é perceptível na fotografia
final. Sobre isso, Luciana Martha Silveira sintetiza que Edwin Land observou [...] que
quando modificava a cor da fonte de luz incidente num determinado cenário
registrado numa fotografia, sua coloração se alterava na imagem fotográfica, mas
não nos olhos do observador. (SILVEIRA, 2011, p. 100).
62
Imagem: Jaqueline Linhares
Nesta imagem, são duas cenas concomitantes. Percebe-se isso pela
diferença de iluminação e da expressão das figuras. A atriz à direita está sob luz
lilás; a cena representa o pensamento da outra personagem. A primeira atriz à
esquerda está sob luz vermelha; a cena é da personagem “produzindo” os
pensamentos que serão representados pela personagem da direita. A fotografia
apresenta a diferenciação de cenas tanto pelos diferentes planos em que as figuras
estão quanto pela iluminação diferenciada para cada uma das cenas concomitantes.
Imagem: Jaqueline Linhares
Nesta imagem, há somente uma luz vermelha intensa. O momento registrado
é de uma cena de exercícios físicos. As cores da cena representam excitação, num
63
continuum que vai do mais pesado (na parte de baixo da imagem) ao mais leve (no
topo).
Na fotografia da encenação teatral, o fotógrafo sempre trabalha na
adversidade das condições ideais de captação de imagens. Embora ambas as artes
– fotografia e teatro – tenham a iluminação como ponto em comum, cada uma utiliza
a luz para fins próprios. Mas, ao mesmo tempo, o fim pode ser idêntico. Se
considerarmos que as cores influenciam as sensações dos seres humanos, a cor e a
luz captadas na imagem podem torná-la, por assim dizer, “autoexplicativa”. Nos
trabalhos de fotografia teatral, é muito importante o fotógrafo saber manusear o
equipamento, acompanhar os ensaios, e ter especial cuidado no trato das imagens
artísticas e a iluminação é parte essencial para que este trabalho se realize artística
e tecnicamente bem, conforme indica Emídio Luisi: “A correta leitura das luzes, sua
sutileza e variações, é que fornece à imagem produzida o clima em que a trama se
desenrolou. Para a obtenção de bons resultados, é necessário treino e
perseverança”.
Embora o trabalho do fotógrafo se baseie na luz, o ambiente fechado, com
iluminação artificial e cores, é um desafio a se superar. O resultado é belo, ao olhar
aquela imagem, e perfeitamente, ter captado, não somente a cena, a expressão, o
movimento, é ter conseguido registrar o momento exato em que a luz,
especialmente as coloridas, que entraram em cena, aqui, tanto no teatro, quanto
para a fotografia, é a satisfação de qualquer profissional fotográfico, e o resultado de
toda uma equipe em apenas uma imagem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BARTHES, Roland. A Câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
HURTER, Bill. A luz perfeita: guia de iluminação para fotógrafos. Santa Catarina:
Photos, 2010.
LIMA, Ivan. A fotografia é a sua linguagem. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1985.
PEREZ, Valmir. Desenho de iluminação de palco: pesquisa, criação e execução de
projetos. 2007. 156f. Dissertação (Mestrado em Multimeios) Universidade Estadual
de Campinas, São Paulo, 2007.
SILVEIRA, Luciana Martha. Introdução à teoria da cor. Curitiba: UTFPR, 2011.
64
REGISTRO AUDIOVISUAL DE ESPETÁCULOS TEATRAIS
Nadia Moroz Luciani21
RESUMO: Este artigo foi desenvolvido com o propósito de fomentar a discussão a respeito da captação de imagens e sons de espetáculos teatrais em meios digitais. Um dos objetivos é alertar para os benefícios, armadilhas e equívocos deste tipo de procedimento, bem como para a sua importância e crescente interesse. As novidades no universo digital têm ampliado consideravelmente as práticas de captação digital de espetáculos de teatro, musica e dança, inclusos musicais, óperas e tantas outras manifestações cênicas por motivos diversos, como registro, divulgação, reprodução ou comercialização das obras. Para tanto, analisa a opinião de alguns profissionais da área, bem como considera a experiência da autora com a criação de projetos de iluminação captados profissionalmente. PALAVRAS-CHAVE: Iluminação; Vídeo; Captação de Imagens; Comunicação e Arte. RÉSUMÉ: Cet article a été élaboré sur la proposition de stimuler la discussion a propos de la captation des images et sons de spectacles de théâtre en milieu digital. Un de ses objectifs est celui de déclarer les bénéfices, pièges et gaffes commises, aussi bien que déclarer son importance et intérêt. Les nouvelles et avances technologiques de l‟univers digital augmentent considérablement les pratiques de captation d‟images de spectacles de théâtre, musique et dance, aussi bien que musicaux, opéras et tant d‟autres manifestations scéniques pour de raisons diverses comme divulgation, registre, reproduction ou commercialisation des ouvres. Dans ce but, analyse l‟opinion des professionnels du métier et considère l‟expérience de création des projets d‟éclairage registrés professionnellement. MOTS CLES: Éclairage; Vidéo; Captation d‟Images; Communication et Art.
Essa reflexão acerca da captação de imagens e sons de um espetáculo
teatral para reprodução em vídeo surgiu simultaneamente ao embate gerado entre
iluminadores e videastas nas mais diversas esferas das artes cênicas ante a
necessidade crescente, pelos mais diversos motivos, da captação de espetáculos
cênicos em vídeo. A necessidade de registro, repetição e projeção de espetáculos
para divulgação, promoção e até comercialização das produções resultou numa
nova realidade para os iluminadores, que não mais realizam seus projetos apenas
para a observação do olho humano, mas também para sua apreciação através do
filtro implacável da câmeras de fotografia e vídeo.
Paulo Biscaia22 alerta (2005), ao combater a opinião popular de que uma
peça de teatro, por melhor que seja, sempre é ruim em vídeo, o que considera uma
21
Mestranda do PPGT, Professora de Iluminação Cênica nos Cursos de Artes Cênicas, Teatro e Dança da UNESPAR/FAP – Universidade Estadual do Paraná / Faculdade de Artes e Coordenadora do projeto de Extensão LABIC – Laboratório de Iluminação Cênica da FAP. Também é membro da ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa em Artes Cênicas e da ABrIC/OISTATBr – Associação Brasileira de Iluminação Cênica, centro brasileiro da OISTAT – Organização Internacional de Cenógrafos, Arquitetos e Técnicos de Teatro.
65
afirmativa pessimista, para o esforço vão do vídeo em tentar se apropriar à forca de
uma linguagem que não está adequada à sua plataforma. As interpretações
exageradas, os planos e ritmo da narrativa deslocados e a iluminação diferenciada
da que usada normalmente em cinema e vídeo fazem com que essa adaptação
sofra as consequências da inaptidão em respeitar as limitações e características de
cada uma. e da impossibilidade de transpor, simplesmente, a linguagem teatral para
uma estética audiovisual. Para Biscaia (2005), que sempre teve, desde o início de
sua carreira como diretor teatral, o hábito de captar suas produções em vídeo e,
mais recentemente, transformá-las em material cinematográfico, bastava manter o
ponto de vista no lugar certo e usar o bom senso para encontrar o equilíbrio entre as
linguagens para obter um ótimo resultado, ou seja, realizar essa adequação
respeitando e compreendendo a montagem teatral em suas características estéticas
gerais e específicas, bem como as escolhas e definições do encenador.
Para um iluminador teatral, ou lighting designer, a necessidade de adaptar
seus projetos de iluminação, originalmente concebidos para o olho humano, para as
condições de luminosidade requeridas pelas câmeras fotográficas ou de vídeo,
resulta, muitas vezes, em perdas e “agressões” à linguagem criada ao ponto de
haver, hoje, um sério embate entre os eles e os profissionais do vídeo. Biscaia
(2005) trata como um desrespeito com o trabalho do iluminador que um videmaker
solicite que a intensidade da luz seja “um pouco aumentada” para a gravação,
mesmo entendendo que sua intensão seja a de que o resultado em vídeo seja o
mais próximo possível do que a retina humana vê. Há com isso, segundo ele, um
risco muito grande de descaracterização da obra original, destacando ainda que
essa necessidade pode ser sanada pela habilidade e conhecimento técnico do
operador de câmera. ele ainda alerta que esse tipo de solicitação tornou-se
tradicional tendo em vista a qualidade de captação dos primeiros equipamentos
semi-profissionais usados para captação de peças durante o boom de câmeras das
décadas de 80 e 90. Ele esclarece que geralmente a má qualidade das imagens era
atribuída à má qualidade na iluminação, quando na verdade era uma limitação do
22
Paulo Biscaia Filho, graduado em Artes Cênicas pela PUC-PR e mestre em Artes pela Royal Holloway University of London, é professor dos cursos de Artes Cênicas e Cinema da Faculdade de Artes do Paraná. Foi também Diretor da Cinemateca de Curitiba, Programador de Cinemas e Consultor de Audio Visual para a Fundação Cultural de Curitiba, além de atuar como autor, diretor e criador musical para teatro; diretor, roteirista e editor de audiovisual e cineasta. É diretor da Vigor Mortis – Video, Stage and Words e recebeu vários prêmios nacionais e internacionais por seus filmes e espetáculos.
66
próprio equipamento VHS ou VHS-C, cujos registros de espectros eram baixos e
imprecisos. A ampliação da qualidade de captação e da sensibilidade dos novos
equipamentos digitais têm atenuado em muito esse conflito, mas, mesmo assim, as
diferenças de linguagem e expressão artística existentes entre o palco e a tela
representam, ainda, um abismo considerável.
Além das condições de luminosidade, Biscaia ainda alerta para as diferenças
de linguagem, padrão de interpretação dos atores e características de encenação.
Para ele, o videomaker deve ter sempre em mente a certeza de que o que está
captando é teatro e não cinema. Raramente as expressões faciais, os excessos da
maquiagem e as imperfeições dos cenários teatrais resistem a closes e tomadas
muito próximas. Nem mesmo as marcações de cena e os gestos teatrais permitem
certas aproximações, então, mesmo que sejam usados diferentes pontos de câmera
(sempre respeitando os limites da plateia e entendendo os bastidores, coxias e
camarins como “territórios proibidos”), é importante a constante preocupação em
manter a distância estabelecida pela cena, considerar as contracenas e o entorno de
cada atuação e, principalmente, respeitar os planos abertos e a movimentação da
luz, que deve sempre preceder os movimentos de zoom ou traveling das câmeras.
A operação da luz é característica importante da peça ou do espetáculo e é o
que lhe confere atributos cinematográficos como ritmo, movimento e pulsação.
Segundo Pavis, ela tem um poder “musical” (2005, p. 202), sendo um recurso que
age sobre a imaginação do espectador sem distrair a sua atenção, um elemento vivo
(DULLIN apud PAVIS, 2005. p. 202). Se a captação da imagem interfere na
movimentação da luz, subverte e, por vezes, destrói esses atributos. Ao antecipar-se
ao movimento da luz, “fechando” em close um ator e deixando de mostrar o palco
todo, imenso e iluminado ou diminuto pela escuridão, ele nega ao espectador do
vídeo a totalidade da intensão da cena, sua amplitude e real dimensão. No entanto,
se esse close for retardado em alguns segundo para permitir que o espectador
perceba, antes, a vastidão da cena, para só depois mostrar a riqueza do detalhe da
expressão de alegria ou dor da personagem, aí sim será respeitada a linguagem do
teatro e criada uma nova.
Aumont explica que o espaço é uma “categoria fundamental do nosso
entendimento” (KANT, apud AUMONT, 2012. p. 220) e que o espaço refere-se, do
ponto de vista perceptivo, à percepção visual e tátil, sendo que a segunda é que nos
dá o real sentido de espaço. Desta forma, a representação do espaço nas imagens
67
planas, como as do vídeo, por exemplo, só consegue reproduzir alguns desses
traços, como os relativos à profundidade, de forma simbólica. É preciso tentar
aproximar o espectador do vídeo da experiência real da cena vista no teatro e para
isso devem ser usados, de forma bastante sutil e adequada, recursos
cinematográficos. Para que isso seja possível, no entanto, é preciso entender a
captação de um espetáculo em vídeo como uma nova obra de arte e não apenas um
registro. O videomaker revela-se mais um designer a compor a equipe de criação do
espetáculo e seu produto, o vídeo, mais uma das linguagem do espetáculo, mesmo
que não usada concomitantemente às outras. Este produto deve traduzir e
representar, da mesma que todos os outros elementos do espetáculo, sua
concepção, seus conceitos e diretrizes. Assim, é fundamental que esse profissional
possa acompanhar o processo de concepção do espetáculo e seu desenvolvimento,
bem como ter total conhecimento de tudo o que há e ocorre em cena.
Luciano Coelho23 afirma que:
O processo ideal para se filmar uma peça permitiria, em primeiro lugar, que o videasta estudasse a “mise-en-scène” do espetáculo e pudesse discutir com o diretor sua decupagem (em que momento usaria planos abertos ou fechados, quando seria interessante um movimento de câmera, etc.). Também seria importante o trabalho com o iluminador para entender a dinâmica da luz e concepção de seus movimentos. [...] Normalmente quando um vídeomaker é chamado para filmar um espetáculo é final de temporada e o registro acontece durante uma apresentação normal, com público. Poucas vezes assisti à peca antes de filmá-la, fato que procuro compensar pela intuição e experiência. Infelizmente o processo é sempre apressado e não favorece o trabalho de quem faz o vídeo. (COELHO, 2005)
Ele também defende o uso de diferentes pontos de vista e câmeras múltiplas,
bem como o fato de filmar o espetáculo mais de uma vez, fazendo planos gerais,
planos médios e, às vezes, planos mais fechados, salientando que isso implica em
edição posterior e maior custo. Biscaia (2005) lembra ainda, a esse respeito, que o
que antes era complexo e quase inatingível, hoje é bastante simples de fazer com
computadores domésticos e sotfwares de edição de vídeo. Na impossibilidade de
haver diversas câmeras para a captação, ele destaca que é possível filmas em dias
diferentes os diferentes ângulos, correndo o risco de pequenas nuances de
interpretação nas diferentes apresentações, mas permitindo maior riqueza no
resultado. Coelho (2005) explica que essa variedade de aberturas de
23
Luciano Coelho estudou cinema da Escuela Internacional de Cine y Televisión de Cuba e participou do Taller de Dirección de Fotografia Hector Rios em Santiago do Chile. realizou diversos curtas e longa-metragens, tendo sido premiado por vários deles no Brasil e no exterior. Hoje é coordenador do Projeto Olho Vivo e diretor da Linha Fria Filmes.
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enquadramento, muito mais própria do cinema e da televisão, resulta muito mais
interessante para quem assiste. Ele ainda reforça afirmando que um peça inteira
filmada em plano geral vista em uma televisão ou monitor jamais terá o mesmo
impacto do espetáculo ao vivo e que o uso de planos fechados (editados com
sensibilidade junto a planos abertos) pode aproximar, mesmo que minimamente, o
espectador do DVD da experiência de assistir o espetáculo no teatro.
Santaella (2005) também apresenta as consequências das inovações
tecnológicas nas transformações das linguagens cinematográficas e na
popularização do uso do vídeo para registra e até mesmo compor espetáculos
teatrais, afirmando que:
A edição digital e os sistemas de efeito ofereceram uma série de aperfeiçoamentos e recursos que se tornaram marcas registradas do vídeo na sua exploração das sintaxes possíveis da imagem em movimento, como, por exemplo, a sobreposição de múltiplas camadas de imagem e a evanescência de suas passagens, procedimentos que se afastavam deliberadamente da narrativa cinematográfica. Curiosamente, esses procedimentos inventivos do vídeo retomavam, de uma lado, procedimentos experimentais das vanguardas estéticas, [...] e de outro, absorviam ousadias provenientes das mídias de massa. (HAYWARD apud SANTAELLA, 2005. p. 55).
O que confere, então, qualidade, coerência e adequação a uma captação em
vídeo de um espetáculo cênico? É fácil recair sobre um simples “registro em vídeo
de um espetáculo teatral” (BISCAIA, 2005), mas um bom profissional deseja mais do
que isso. Os pontos mais importantes a serem considerados são as diferenças de
linguagem, as características da encenação em todos os seus aspectos, da
marcação das cenas e interpretação dos atores às linguagens específicas da
expressão sensorial (visual e sonora, principalmente) e, sobretudo, o ponto de vista
do espectador. É inconcebível que um videomaker ou um operador de câmera
considere a possibilidade de captar a imagem de uma cena elaborada para teatro
em uma angulação não prevista para a sua visualização pelo público. Tomadas dos
bastidores, das coxias ou do urdimento subvertem absolutamente a concepção do
espetáculo e só devem ser consideradas em casos de uso para a realização do
making of do espetáculo ou específicos de registro de bastidores.
Conclui-se, com isso, que as dificuldades e problemáticas da captação em
vídeo de espetáculos teatrais podem ser resolvidos com sucesso e bons resultados
podem ser alcançados. Para tanto, é fundamental observar a qualidade técnica e
humana dos equipamentos e profissionais envolvidos e é importante ter consciência
de que o que se filma é um espetáculo teatral e não um filme, conhecendo
69
profundamente o espetáculo e adquirindo total propriedade sobre as intensões e
particularidades da encenação. Com respeito mútuo, experiência, aptidão e
sensibilidade é possível realizar registros artísticos criativos e, mesmo assim, fiéis,
de obras cênicas.
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AUMONT, Jacques. A Imagem. 16ª Edição. Campinas: Papirus, 2012.
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COLI, Jorge. O Invisível das Imagens. in Novaes, Adauto (Org.). Muito Além do
Espetáculo. São Paulo: Senac, 2005.
SANTAELLA, Lucia. Porque as comunicações e as artes estão convergindo? São
Paulo: Paulus, 2005.
ENTREVISTAS24:
BISCAIA, Paulo. Depoimento em Entrevista. Curitiba, 2005.
COELHO, Luciano. Depoimento em Entrevista. Curitiba, 2005.
24
Entrevistas concedidas como material de apoio à intervenção de Nadia Luciani sobre Captação em Vídeo de Espetáculos Teatrais durante o I Congresso Brasileiro de Iluminação Cênica realizado em São Caetano do Sul em setembro de 2005 pelo GEPHIC – Grupo de Estudos, Pesquisa e História da Iluminação Cênica e pela FASCS – Fundação das Artes de São Caetano do Sul.
70
VISUALIDADES CÊNICAS: PERSPECTIVAS DOS USOS DAS MÍDIAS AUDIOVISUAIS
Larissa Hobi25 RESUMO: Partindo do pressuposto de que os elementos os quais compõem a cena são regulados e organizados na perspectiva da construção de uma narrativa, propomos uma discussão levando em consideração o surgimento do cinema, a convergência das mídias, o advento da internet e da Word Wide Web, associados aos usos das mídias audiovisuais em cena. Pretende-se uma reflexão acerca dos usos das mídias audiovisuais e suas perspectivas estéticas, as quais passam a compor experimentos artísticos, assumindo um papel dialógico por meio da intersecção encenação contemporânea / mídias audiovisuais. Desse modo, sugerimos um diálogo com autores que tratam do assunto, como também com práticas de grupos que fazem usos de tais recursos, buscando investigar quais as relações e possibilidades de usos dessas mídias na cena teatral contemporânea. PALAVRAS-CHAVE: Cena contemporânea. Mídias audiovisuais. Intermidialidade ABSTRACT: Based on the presupposition that the elements composing the scene are regulated and organized in the perspective of the construction of a narrative, we propose a discussion taking into account the origin of cinema, the convergence of medias, the advent of the Internet and the World Wide Web, associated with the uses of the audiovisual medias in scene. This work aims at a reflection on the uses of audiovisual medias and their aesthetic perspectives composing artistic experiments, assuming a dialogical role by means of the intersection of contemporary scenic play / audiovisual medias. Thus, we suggest a dialog with authors discussing the subject, as well as group practices that make use of such resources, aiming at investigating the relationships and possibilities of uses of these medias in the contemporary theatrical scenes. KEYWORDS: Contemporary scene. Audiovisual medias. Intermediality.
Na atualidade, a diversificação e multiplicação de meios tecnológicos de
produção e difusão – outrora representados por meios com mídias incompatíveis
entre si, a exemplo da fotografia, do cinema, do telefone, do rádio, da TV, do vídeo e
do som – aliam-se, devido à convergência das mídias, as possibilidades abertas
pelas “[...] atuais interfaces computacionais com seus fluxos ininterruptos de
linguagem hipermídia, junto com a realidade virtual, aumentada, mista e a
transmídia”. (SANTAELLA, 2012, p. 61).
Desse modo, partirmos do pressuposto de que os elementos que compõem a
cena, a saber: o ator, a voz, a música, o ritmo, o espaço, o tempo, a ação, o figurino,
a maquiagem, o objeto, a iluminação, o olfato, o tato, o paladar e o texto, são
regulados e organizados na perspectiva da construção de uma narrativa que pode
25
Mestre em Artes Cênicas (PPGArC/UFRN), integrante dos Grupos de Pesquisa Teatro: Tradição e contemporaneidade (CNPq/UFPB), linha de pesquisa Cena e Contágio e Grupo de Estudos de Praticas Educativas em Movimento – GEPEM (CNPq/UFRN) nas linhas Conteúdos e Metodologias e Tecnologias da comunicação e informação. Email: [email protected]
71
se apresentar de forma multissequencial e multiforme ou não-sequencial 26 ;
propomos uma discussão que leva em conta o surgimento do cinema, a
convergência das mídias, o advento da internet e da Word Wide Web, associados
aos usos das mídias audiovisuais em cena.
Desde seu surgimento, o vídeo ganha inserção na cena teatral, porém, é com
o advento da convergência das mídias – desenvolvimento da multimídia que
produziu a convergência de vários campos midiáticos tradicionais em um único
formato, o digital, realizável em diferentes tempos e espaços; fenômeno que abriu
novas possibilidades, antes impensadas – e suas infinidades de usos, que as mídias
audiovisuais tem tornado-se quase que uma constante nas encenações
contemporâneas. Quais os usos e suas possibilidades? As mídias audiovisuais
podem se apresentar de diversas maneiras, sendo solicitada por vezes na
composição da cenografia, ou ainda no auxilio a construção da narrativa, como
também para presentificar ausentes, efetivar soluções cênicas “impossíveis” de
realização, como pode também discutir presenças possíveis e conectar lugares
distantes geograficamente, por meio de streaming de áudio e vídeo.
A revolução potencial, que as tecnologias digitais trazem consigo, enriquecem
as teorias do espetáculo com um novo pólo de reflexão e de experimentação,
abrindo novas frentes e possibilidades estéticas, afinal, movimentos isolados surgem
em espaços distintos simultaneamente. Esse é o legado da convergência das
mídias, do disponível e transitório, dos suportes compatíveis e acessíveis a
praticamente todas as pessoas.
Diante desse caleidoscópio de possibilidades, das quais a arte em suas
variadas linguagens vem se apropriando, surgem trabalhos produzidos em um meio
fluido que atravessa um turbilhão de mudanças técnicas/tecnológicas rapidamente.
Tendo suas raízes no século XX, o questionamento as tradições artísticas, como
também a natureza experimental, ganha um novo impulso com os novos meios
tecnológicos, que irão expressar novas possibilidades de significação e percepção
de tempo e espaço, explorando-o ou subvertendo-o, movimento iniciado por
invenções não artísticas, a exemplo da fotografia e posteriormente do filme, que
serviram de subsídio para experimentações artísticas, sendo o embrião da arte e
tecnologia.
26
Termo utilizado por Murray (2003) em substituição ao termo não-linear como forma de compreensão dos novos formatos narrativos.
72
Lehmann (2007) ao tematizar questões como: assimilação das tecnologias da
informação pelo teatro associadas à utilização de novas e velhas mídias
audiovisuais, tendo como suporte uma tecnologia computacional avançada que
impulsiona em direção a um teatro high-tech e uso de suportes que ampliam as
fronteiras da encenação, nos remete a encenações vistas recentemente em âmbito
nacional, internacional e local. O autor aborda também o uso do vídeo pré-gravado,
em que atores estabelecem com o universo da imagem níveis de realidade diversos.
Nessa perspectiva, podemos citar como exemplo as primeiras experiências com
mídias audiovisuais no teatro feitas por Meyerhold, em 1923, e Piscator, em 1924,
fazendo uso de projeções e, em 1925 de filmes. Recursos que permanecem ainda
em voga, complementando, ilustrando ou contrastando com a representação cênica.
Lehmann (2007) apresenta possíveis influências e assimilações da televisão e
do vídeo nas encenações contemporâneas, como sobreposição, interrupção abrupta
de cenas e ações, mínimo de continuidade e unidade e mudança no foco de
atenção. Ao recorrer à estética do filme ou do vídeo, que irá manter-se em diálogo
constante com a estética teatral, ocorrerá uma assimilação e contaminação mútua
dos conceitos estéticos das diferentes mídias envolvidas, porém, em um novo
contexto, gerando um outro tipo de produto estético.
Ao levantar questões relacionadas à interação, Lehmann (2007) propõe que o
problema entre teatro e mídia não se instala nas ilimitadas possibilidades de
simulação da realidade. Estaria o teatro de fato tentando unicamente simular a
realidade ao fazer uso das mídias audiovisuais em cena? O autor alega que o teatro
não se constitui enquanto uma arte da reprodução, aliás, discussão essa a qual
acreditamos já tenha sido superada. O próprio Lehmann (2007) nos evidencia ao
dizer que após a apropriação pelos meios de comunicação de massa, o teatro não
precisa mais se ocupar em tentar reproduzir a realidade, pois a câmera faz isso com
mais êxito.
Esse processo, pelo qual a pintura também passou, precisando reinventar-se
com o surgimento da fotografia, apresenta-se nas últimas décadas ao teatro em
nova roupagem, indicando que a transição para uma interação mediada
tecnologicamente, suscita questionamentos relativos à disputa a qual pode emergir
do aperfeiçoamento dessa interação. Propondo que a inquietude do teatro deve ser
“[...] a tendência de transição para uma interação de parceiros afastados entre si
mediante recursos tecnológicos. Será que essa interação cada vez mais
73
aperfeiçoada disputará o lugar com o domínio das artes ao vivo, cujo princípio é a
participação?” (LEHMANN, 2007, p. 370).
Para Lehmann (2007), o teatro consiste em um espaço-tempo comum de
mortalidade, em que atores e espectadores envelhecem juntos, e, na tecnologia da
comunicação midiática, os sujeitos estariam separados uns dos outros pelo hiato da
computadorização. Lehmann (2007, p. 374) ainda descreve o uso de suportes,
recursos e dispositivos relacionados com seu contexto de época, afirmando:
Desde a mechané antiga até o teatro high-tech contemporâneo, o prazer no teatro sempre significou também prazer com uma mecânica, satisfação com o que dá certo, com a precisão maquinal. Desde sempre houve um aparato que simula a realidade com auxilio da técnica não só do ator, mas também do maquinário teatral.
Ao generalizar tal afirmação, Lehmann (2007) aponta uma dinâmica cada vez
menos usual e uma visão pessimista da apropriação feita pelo teatro das técnicas e
tecnologias, a qual destitui diretores e grupos que, por vezes, fizeram e fazem uso
das tecnologias as questionando, discutindo, problematizando e as inserindo em um
contexto ético e estético, não apenas as usando como simulação do real. No
subtítulo Mídias no teatro pós-dramático, o autor inicia apontando os possíveis usos
das mídias no teatro, defendido por ele, pós-dramático:
Ou as mídias encontram um uso ocasional, que não define de modo fundamental a concepção de teatro (mero aproveitamento da mídia); ou servem como fonte da inspiração para o teatro, sua estética ou forma, sem que a técnica midiática necessariamente desempenhe um grande papel nas próprias montagens; ou constitutivas de certas formas de teatro. (LEHMANN, 2007, p. 377).
E segue elucidando a utilização de mídias na cena, a exemplo da apropriação
do uso de uma estética cinematográfica, o close-up, em que por meio da captura de
imagens em determinados ângulos ocorre o direcionamento do olhar do espectador,
criando-se a poética de uma câmera. Outra possibilidade é a inspiração na estética
das mídias, tendo como prioridade não o uso de mídias em cena, mas a apropriação
de elementos usuais das mídias de massa. Ou ainda, as mídias como fator
constitutivo, trazendo à tona suas possibilidades técnicas, sendo muitas vezes
exposto abertamente. Aponta também como característica, a utilização do vídeo
para integrar atores ausentes, apresentando sempre como uma forma de sanar um
problema pré-existente, e não como uma opção estética que visa discutir novas
configurações em relação ao paradigma teatral – atuante, texto, público.
74
Lehmann (2007) expõe como possibilidade a teatralização das mídias, na qual as
imagens dos atores são registradas com auxilio de câmeras e monitores e reproduzidas,
sendo, em muitas das vezes, combinadas com material pré-filmado. “Por um lado, o teatro
„vivo‟ é posto em suspensão e passa a ser uma ilusão, um efeito de uma máquina de
efeitos. Por outro lado, experimenta-se na atmosfera intensa e vital do trabalho uma
tendência inversa: a tecnologia das mídias é teatralizada” (LEHMANN, 2007, p. 384).
A apropriação do teatro por tal recurso pode gerar no espectador a incerteza sobre
as imagens: quais são “reais”, captadas durante a apresentação? Quais são pré-filmadas?
Considerando tal evento como “uma intensificação e uma desconstrução do teatro em
vários níveis” (LEHMANN, 2007, p. 384), o autor pontua ainda o uso de microfones, que se
são visíveis, evidenciam a não ilusão. Aponta também, dentro de sua proposta conceitual
pós-dramática, trabalhos em que:
A mídia não serve apenas à geração de efeitos espetaculares, mas se conecta de tal maneira com a ação viva no palco que surgem novas modalidades da dramaturgia visual. Trabalha-se com câmeras e monitores de vídeo móveis, com telas que continuamente abrem novas janelas para outros espaços, com procedimentos refinados pelos quais os atores parecem entrar e sair de espaços em vídeo, como se a materialidade do corpo não importasse. O espaço não é mais subordinado ao ordenamento da perspectiva e da separação de interior exterior; ele se torna um espaço “virtual” ou espiritual, no qual as coordenadas temporais se tornam oscilantes junto com as espaciais. (LEHMANN, 2007, p. 385).
Tendo como pano de fundo as discussões acerca da intersecção
teatro/mídias, Pavis (2010) argumenta que o verdadeiro desafio lançado ao teatro
pós 1970 veio das mídias audiovisuais a partir de 1980, em que:
[...] a presença no centro do espetáculo ao vivo tem conseqüências sobre nossa percepção. Desse modo, a mudança de escala da imagem, procedimento corrente da fotografia e do cinema, conduz, na imagem apresentada no palco, a uma desorientação espacial e corporal do espectador. Na concorrência entre a imagem fílmica e o corpo “real” do ator, o espectador não escolhe necessariamente o vivo contra o inanimado, muito ao contrário! O seu olho é atraído por aquilo que é visível em maior escala, visto que não cessa de evoluir e retém a atenção pela mudança constante de planos e escalas. (PAVIS, 2010, p.175).
Na atual conjuntura, situada na década de 1980, encontrávamos na cultura
das mídias, era cultural definida por Santaella (2003) como a do “disponível e
transitório” em que novas tecnologias e equipamentos encontravam-se no mercado,
a exemplo de: fotocopiadoras, videocassetes, walkman, walktalk e câmeras
portáteis. Paralelo ao lançamento desses equipamentos criou-se um crescente
75
mercado de videoclips e videogames visando produzir novas linguagens para
circularem junto aos equipamentos. Havia também uma crescente indústria de
produção e distribuição de filmes, chegando aos consumidores por meio das
videolocadoras, hoje praticamente extintas. Essa diversidade de novas tecnologias,
equipamentos e linguagens, culminou com o surgimento da TV a cabo. Tiveram
lugar novas formas de percepção e fruição, assim como mudanças em relação ao
consumo, que agora se dava de forma mais individualizada, se diferenciando do
consumo massivo.
O teatro sempre se valeu de tecnologias cênicas referentes ao seu contexto
de época, porém, é a partir do surgimento da encenação e as possibilidades
advindas com ela, admitindo a regulagem dos diversos elementos pertencentes à
cena que, o teatro passa a se estruturar seguindo outra dinâmica de composição.
Essa abertura permite ao teatro solicitar o uso das mídias não apenas como técnica
e forma, mas sim, abrangendo todo o sentido global da encenação.
O uso das tecnologias no teatro, por muito tempo, limitadas a episódios
irrealizáveis pelos homens, a exemplo de voar, deslocar-se e desaparecer, eram
utilizadas em circunstâncias excepcionais, visando a não desvinculação das ações a
explicações verossímeis. Na atualidade, expande-se e admitem-se possibilidades
infindas de seus usos que irão se filiar a proposições estéticas. Ora, pode-se fazer
uso das tecnologias para criar ou evidenciar a ilusão, como também, optar por
subverter a ilusão e escancarar de forma brutal a teatralidade do teatro.
[...] As imagens de vídeo, de formato maior ou menor, segundo o suporte de transmissão, ampliam para um contexto totalizante a ação que se desenrola no palco. Mas, ligadas a uma lógica de fragmentação, de atomização, elas têm, sobretudo, funções espetaculares, narcísicas, mnemônicas, introspectivas, intimistas, lúdicas, elas dão a ver o “não mostrável” na cena ou perturbam a visão do espectador. Escavando a imagem cênica pelo modo pelo qual elas aí se incrustam, como corpos estranhos, elas manipulam, desconcentram, desestabilizam o público, pondo em abismo o real e o teatro, introduzindo múltiplas possibilidades de variações sobre a distância e a aproximação entre a cena e a plateia. (PICON-VALLIN, 2006, p. 100).
Ao teatro cabe refletir-se, criar estratégias que dialoguem com suas plateias
habituadas as imagens em movimento, na qual a percepção se pauta na
simultaneidade. É evidente o processo de adequações mútuas as quais o teatro,
assim, como as mídias audiovisuais precisam passar a partir do diálogo
estabelecido. Essas mídias distintas irão resultar em um outro produto, hibrido de
76
suas linguagens, as quais irão refluir e contaminar-se. Enfatizamos que o surgimento
de novas possibilidades, a exemplo das advindas das tecnologias digitais, não anula
formas e estéticas já consagradas, surgem para somar, dialogar.
REFERÊNCIAS:
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São
Paulo: Itaú Cultural: Unesp, 2003.
PAVIS, Patrice. A Encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas.
São Paulo: Perspectiva, 2010.
PICON-VALLIN, Beatrice. A arte do teatro: entre tradição e vanguarda: Meyerhold e
a cena contemporânea. Rio de Janeiro: Teatro do pequeno gesto/Letra e imagem,
2006.
SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano. 3. ed. São Paulo: Paullus,
2008.
___. A relevância da arte-ciência na contemporaneidade. In: RAMOS, Luiz F. (org.).
Arte e ciência: abismo de rosas. São Paulo: Abrace, 2012.
77
APONTAMENTOS SOBRE A IRRUPÇÃO DO REAL EM JANELAS IMAGÉTICAS FOTOGRÁFICAS NA CENOGRAFIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA
Luiz Henrique da Silva e Sá27
RESUMO: A partir dos conceitos de “efeito de real” e “efeito de realidade”, a presente comunicação aborda as relações que se estabelecem entre fotografia e cenografia. É considerada a manifestação artística cenográfica que, a partir dos anos 1950, introduz janelas imagéticas fotográficas como item de composição espaço-visual do espaço cênico. Utilizando-se de análises de Roland BARTHES, busca-se uma compreensão sobre os efeitos de real causados pela inserção da técnica fotográfica na criação cenográfica. Finalmente, é traçado um paralelo com manifestações teatrais contemporâneas. PALAVRAS-CHAVE: Cenografia. Fotografia. Real. Realidade. ABSTRACT: From the “effect of real” concept and the “reality effect” concept, this paper discusses the relations established between photography and scenography. It is considered the artistic expression on set design that from the 1950‟s introduces photographic-imagetic windows as object of visual-space composition on the stage. By the analyses of Roland BARTHES, we seek an understanding of the effects of real caused by the use of photographic techniques in stage design. Finally, it is outlined a parallel with contemporary theatrical events. KEYWORDS: Scenography. Photography. Real. Reality.
Sobre a relação entre fotografia e teatro, a presente comunicação pretende
abordar a o entendimento da fotografia como item de composição do espaço
cenográfico. Não importa, no âmbito deste trabalho, a discussão sobre a qualificação
da fotografia como arte ou processo científico-tecnológico, mas busca-se uma
compreensão sobre os efeitos de real causados pela inserção da técnica fotográfica
na criação cenográfica.
No começo do século XX, a cenografia abdicou da pintura de representação
realista em favor de uma pureza formal que se estabelece na exploração dos meios
que o próprio palco oferece. Quando inserida na cenografia, a pintura moderna não
mais trazia a ilusão de objetos e de espaços externos ao acontecimento que os
suportam, mas, sim, a indicação de uma estética assinada, cuja expressividade vai
ao encontro da encenação.
Por volta da metade do século XX, porém, vemos um retorno à representação
realista em superfícies bidimensionais no espaço cênico. Este retorno, no entanto,
não mais busca meios pictóricos para se efetivar. Através das tecnologias de
27
Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro PPGAC-UNIRIO; professor assistente; doutorando; Professora orientadora Drª Lidia Kosovski. Designer e cenógrafo.
78
projeção de imagem, agora é a fotografia que irá propor uma ocupação espaço-
visual sobre o palco.
Sabe-se que o primeiro posicionamento cultural perante a imagem fotográfica
foi o de considerá-la um espelho do real. Seu caráter mimético, procedente de sua
natureza técnica, trazia ao espectador a ilusão de um aspecto de naturalidade da
imagem. (GUEDES, 2011, p. 202) Um segundo posicionamento, entretanto, pode
ser classificado como sendo a fotografia um entendimento de transformação do real.
Um real interpretado e transformado que cria uma espécie de realidade interna
transcendente. (GUEDES, 2011, p. 203) Finalmente, pode-se entender a fotografia
como um traço do real. Esta definição é trabalhada por Roland BARTHES em seu
ensaio “A câmara clara” (1989), onde estabelece uma dialética constante entre o
caráter iconográfico e o caráter indicial da fotografia. Sobre seu aspecto icônico,
evidencia que
com efeito, uma determinada foto não se distingue nunca do seu referente (daquilo que representa), ou, pelo menos, não se distingue dele imediatamente ou para toda a gente (o que sucede com qualquer outra imagem, carregada à partida e por estatuto do modo como o objeto é simulado). (BARTHES, 1989, p. 18)
Entretanto, evidencia que é característico da fotografia o fato de carregar
sempre consigo seu referente. A indicialidade encontra-se no fato de que “aquilo que
a fotografia reproduz até ao infinito só aconteceu uma vez: ela repete
mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”. (BARTHES,
1989, p. 17) Ou seja, uma imagem fotográfica traz consigo seu caráter de prova, o
registro ótico – através de aparelhos mecânicos e processos químicos – de que o
fato retratado realmente ocorreu. A matéria fotográfica, o substrato fotossensível,
torna-se um meio quase invisível perante a capacidade de perfeição referencial
icônica e, principalmente, sua função de registro e prova.
A partir da conceituação de “efeito de realidade” e “efeito de real”, sendo o
primeiro entendido como a representação figurativa a partir de códigos pictóricos
específicos; e o último como a representação ficcional que insere o espectador em
sua estrutura espacial através de efeitos figurativos, (OUDART, 2009, p. 242)posso
inferir que na imagem fotográfica o efeito de realidade se dá muito mais em favor de
sua função icônica, pois é uma representação figurativa estabelecida a partir de
códigos específicos; códigos não pictóricos, mas sim óticos (pelas lentes),
mecânicos (pelas câmeras) e químicos (pelo processo de fotossensibilidade). Por
79
outro lado, seu caráter indicial traz consigo um “efeito de real”, pois insere o
espectador duplamente: tanto em sua estrutura espacial, através do estabelecimento
de um ponto de vista que emana de sua visão, quanto em sua condição de
testemunha ocular de um fato ocorrido através de uma prova estabelecida como
“irrefutável”. Mesmo que o referente tenha sido produzido artificialmente, há uma
compreensão amplamente difundida de que a fotografia, mesmo nos dias de hoje,
ainda é documento de registro e prova. De qualquer forma, até mesmo nos
processos de fotorrealismo, onde imagens iconicamente próximas à realidade são
criadas por instrumentos digitais, continua havendo o caráter de evidência; uma
evidência, pelo menos em um nível, de um processo de realidade artificial.
Há no processo de significação da imagem fotográfica uma triangulação que é
similar àquela que acontece em um evento teatral.
[...] uma foto pode ser o objeto de três práticas [...]: fazer, experimentar, olhar. O Operator é o Fotógrafo. O Spectator somos todos nós que consultamos nos jornais, nos livros, álbuns e arquivos, coleções de fotografias. E aquele ou aquilo que é fotografado é o alvo, o referente, uma espécie de pequeno simulacro, de eidôlon emitido pelo objeto, a que poderia muito bem chamar-se o Spectrum da Fotografia, porque esta palavra conserva, através da raiz, uma relação com o „espetáculo‟ [...].(BARTHES, 1989, p. 23)
Num processo de representação de mundo, coloca-se entre o fotógrafo –
operator– e o espectador – spectator – imagens ou evidências de um referente que
estabelecem, no processo comunicativo, uma espécie de espetáculo visual. Quando
o processo de contemplação da fotografia escapa da individualização e passa para a
coletividade – como, por exemplo, num evento teatral – essa espetacularização da
imagem faz valer uma dinâmica comunicativa muito potente. Se existe a presença
de uma iconicidade relativa a uma imagem externa ao acontecimento teatral, sua
postura indicial faz nascer, dentro do espaço cenográfico, janelas de irrupção do
real.
Ao descrever as funções que a sociedade estabelece para a imagem
fotográfica – “informar, representar, surpreender, dar significação, provocar
desejo”(BARTHES, 1989, p. 49) – BARTHES destaca, em seu estudo, dois
possíveis elementos fotográficos de interesse referencial. O primeiro é o studium,
que pode ser entendido como a temática geral do referente fotográfico; através dele,
descobre-se as intenções do fotógrafo. O segundo elemento seria o punctum,
presente na cena fotográfica mas definido pelo espectador, não pelo operator. Este
80
elemento é aquele detalhe específico “que salta da cena, como uma seta, e vem
trespassar-me” (BARTHES, 1989, p. 46), cuja seleção se dá pela experiência
específica de cada espectador. Desta forma, o criador de uma imagem tem pouco
ou nenhum poder sobre a definição de um punctum.
Associada ao teatro, a fotografia amplia seus elementos de interesse
referencial. Neste caso, studium e punctum não se finalizam na própria imagem,
mas sim no conjunto estabelecido entre a espacialidade cenográfica e as janelas
imagéticas. A temática geral reconhecida nas imagens, cujo foco de criação não
está mais nas mãos do fotógrafo, e sim do cenógrafo, que fez a seleção imagética,
se estabelece em uma dinâmica intermitente das relações internas entre a imagem e
o espaço, o cenário construído, os corpos dos atores, a encenação, a sonoridade, a
iluminação, a movimentação. Mesmo existindo um punctum específico para uma
imagem fotográfica utilizada cenograficamente, a função referencial estabelecida
pela fotografia possibilitará, em momentos específicos, que a própria imagem
projetada represente o punctum do espaço cenográfico. É inegável que seu caráter
imaterial, sua luminância e sua relação de proporções, quando comparada à cena,
criam um automático deslocamento do olhar em direção aos pontos de projeção, o
que estabelece a formalização de específicos focos de interesse na volumetria do
espaço cênico.
Pelas palavras do encenador Louis JOUVET, no teatro “vivemos e vemos viver,
para além de nós, um ser no qual vivemos ao mesmo tempo; assim, ao mesmo
tempo, vivemos e vemo-nos viver.” (JOUVET, 1967, p. 19) E desta forma, pergunto-
me: como vemo-nos viver no teatro atual? De que forma o mundo é representado no
teatro contemporâneo? Silvia FERNANDES propõe que “uma resposta transgressiva
dos criadores a essa inquietação esteja no fato de que seu teatro combine um forte
impulso de aproximação com o real à mais completa rejeição da representação da
realidade, ao menos nos moldes realistas”. (FERNANDES, 2010, p. 83)
Em artigo que trata da emergência do real na cena e na ficção teatral DA
COSTA (2009) faz uso de três montagens teatrais contemporâneas realizadas por
três diferentes encenadores brasileiros em uma busca por traços comuns, em
grupos e companhias, de intervenção na vida e no tempo presentes. Segundo
conclui o autor, “essa ambição do teatro atual [...] só pode ser adequadamente
compreendida se visualizada em sua condição de modos de subjetivação, de
produção de subjetividade coletiva e individual, de agenciamento de formas de sentir
81
e estar no mundo.”(DA COSTA, 2009, p. 24) Uma redução, entretanto, na
potencialização de elementos representacionais / referenciais do objeto ficcional
pode acentual o caráter teatral da manifestação, trazendo à tona o objeto a ser
percebido em sua realidade efetiva de evento teatral. (DA COSTA, 2009, p. 14)
FERNANDES fala da emergência de eventos teatrais que deixam de lado as
exigências estéticas em favor de uma natureza política, ética, antropológica ou
religiosa. (FERNANDES, 2010, p. 84) Tratando de uma vontade manifesta de
contato com a realidade social, manifestações do teatro contemporâneo buscam
escapar de um processo de reprodução ou representação da realidade para que, em
certa medida, o real se apresente sem mediações. (FERNANDES, 2010, p. 85)
Segundo DA COSTA:
a vontade de intervenção no mundo, a vontade de falar e agir no presente, é o que parece levar os atores a estabelecerem a todo instante uma relação não apenas referencial, mas também, digamos, tátil, experiencial com o ambiente externo ao teatro. Nesse caso, o drama só serve ao artista como plataforma para que ele salte e atinja o entorno em que ele vive na atualidade. [...] O drama encenado nunca é dado apenas pelas linhas de um microcosmo ficcional fechado e pela interação entre personagens dentro desse microcosmo. O drama é também a cena do real e do presente. (DA COSTA, 2009, p. 21)
Utilizando-se dessa passagem, pode-se buscar uma transposição dessa
relação dialética entre o “microcosmo funcional” e a “cena do real e do presente”
para a representação cenográfica contemporânea que se utiliza de soluções
representativas imagéticas – fotografia, vídeo, cinema – dentro de sua composição
espaço-visual. Ora, é sabido que mesmo estabelecendo um processo comunicativo
de referencial icônico, a imagem fotográfica possui, historicamente, uma relação
estreita com sua função indicial. O “estive aqui” sempre foi uma leitura comum
associada à imagem fotográfica, leitura essa que continua corrente – apesar da
ampla divulgação das possibilidades de manipulação da imagem e consequente
quebra de seu efeito de prova, de seu efeito de indício.
Faz-se aqui essa relação com o intuito de demonstrar que dentro de um
microcosmo ficcional – o cenário construído, espaço-tempo de visualidade,
comunicação e também deslocamento de atores – janelas imagéticas podem ser
abertas ao olhar do público como que se, por magia ou truque, uma nova dimensão,
que faz ligação com o mundo exterior – novamente, função indicial da imagem –
pudesse ser aberta “em meio a um jogo permanente de vai e vem entre âmbitos
heterogêneos ou forças distintas”. (DA COSTA, 2009, p. 22) Ou seja, a composição
82
espaço-temporal estabelecida sobre o palco, que forma um microcosmo ficcional, ao
mesmo tempo trabalha suas funções comunicativas sobre si própria e estabelece
visualmente relações indiciais com o espaço-tempo exterior. Relações essas que,
apesar de percebidas visualmente, mantém um aspecto material que traz funções
táteis ao espectador. Imagens-matéria, janelas ao exterior, saltos quânticos no
espaço-tempo.
DA COSTA (2009, p. 22-23) lembra que a imagem técnica é um recurso
amplamente utilizado pelo Teatro Oficina, da cidade de São Paulo, que faz uso
contínuo de imagens projetadas em grandes telas, assim como por outros setores
do espaço teatral, e sobre os corpos dos espectadores. Tais imagens fazem
“menção a grande número de questões e aspectos da vida coletiva, das relações de
força e poder, dos confrontos circunscritos e pontuais e de outros mais amplos e
gerais na vida planetária do presente”. (DA COSTA, 2009, p. 23)
Da mesma forma como são absorvidos os espaços físicos onde os espetáculos
do Teatro da Vertigem ambientam-se – “carregados de memória histórica e vivência
coletiva (DA COSTA, 2009, p. 23) –, o uso de janelas imagéticas, que não tenham
objetivo puramente decorativo, também pode propor uma “memória histórica”.
Comparando-se à adereçagem cenográfica, que cria uma visualidade de falsa
vivência aos espaços criados, um “efeito de real”, a imagem fotográfica produz, na
cenografia, por seu caráter assimilado de registro e prova histórica, uma ligação com
o aspecto real muito mais potencializado.
O truque contemporâneo existe para ser entendido como tal. Seria inocência
pensar que o espectador atual compreenderá um espaço cenográfico acreditando
piamente na realidade de uma vivência criada por efeitos de pintura e
envelhecimento. Entretanto, assumido o truque, a imagem fotográfica que é
presenciada, materializada e entendida como tal – não confundida num sistema
representacional – pode, por assimilação de uma espacialidade externa ao
acontecimento teatral, assim como que por referência a um tempo outro que não
aquele ali vivido, ter um momento de irrupção do real inserido dentro de um espaço-
tempo ficcional.
BIBLIOGRAFIA:
83
BARTHES, R. [1980] A câmara clara. Tradução de Manuela Torres. Lisboa:
Edições 70, 1989.
DA COSTA, J. Irrupções do real no teatro contemporâneo. Subtexto - Revista de
Teatro do Galpão Cine Horto, VI, n. num. 06, Dezembro 2009. pp. 13-26.
http://primeirosinal.com.br/publicacoes/subtexto.
FERNANDES, S. Teatralidades contemporâneas. São Paulo: Perspectiva:
FAPESP, 2010. ISBN ISBN 978-85-273-0881-6.
GUEDES, Â. D. G. Reflexões sobre o estímulo da fotografia na ruptura do modelo de
representação do exterior pós-arte moderna. Revista Eletrônica Trama
Interdisciplinar, São Paulo, 2, n. N. 1, 2011. pp. 201-210.
http://www3.mackenzie.br/editora/index.php/tint.
JOUVET, L. [1948] Notas sobre o edifício dramático. In: JÚNIOR, R. (. ). O teatro e
sua estética. Tradução de Redondo Júnior. Lisboa: Editora Arcádia, v. II, 1967.
OUDART, J.-P. [1971] O efeito de real (L'efet de réel). Revista Poiésis, Niterói, n.
13, Agosto 2009. p. 241-259. Trad. Luciano Vinhosa.
SÁ, L. H.S. Histórias de Cenografia e Design: a experiência de Helio Eichbauer.
Escola Superior de Desenho Industrial / Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, p. 230. 2008.