anais eletrÔnicos juciene ricarte apolinário, rodrigo ribeiro...
TRANSCRIPT
-
2
ANAIS ELETRÔNICOS Juciene Ricarte Apolinário, Rodrigo Ribeiro de Andrade (Editores)
-
3
Campina Grande, Junho de 2018
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO
E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA
27, a 30 de junho de 2018, Campina Grande, PB, Brasil
2018@Copyrigth UFCG
Impresso no Brasil
Todos os direitos reservados
FICHA CATALOGRÁFICA
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - (27, a 30 de junho de 2018: Campina grande, PB - Brasil)
DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS: Caderno de Resumos do II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS
/Juciene Ricarte Apolinário e Ofélia Maria de Barros (Org.). – Campina Grande 2018. ISSN:
1. História. 2. Etno História. 3. História Indígena. 4. História da Educação 5. História Ambiental. 6. História e Direito.
-
4
Instituições executoras
Programa de Pós-Graduação em História – UFCG
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFCG
Núcleo de estudos e Assuntos Afro-Brasileiros e Indígenas - UEPB
Instituições Internacionais apoiadoras
Centro de Humanidades - CHAM, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal;
Universidade Pablo Olavide, Servilha, Espanha;
Instituições Nacionais apoiadoras
Programa de Pós- Graduação em Antropologia (UFPB)
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, UFG,
Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade da Universidade Rural do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação Universidade Federal do Amazonas
-
5
Comissão Organizadora
Coordenação Geral Profa. Dra. Juciene Ricarte Apolinário (PPGH-UFCG, Brasil | CHAM-UNL, Portugal)
Comissão Organizadora Profa. Dra. Edjane Dias Esmerina da Silva (UFCG) Prof. Dr. José Gabriel Silveira Corrêa (UACS-UFCG) Prof. Dr. José Pereira de Souza Júnior (UEPB, UFCG) Profa. Dra. Mércia Rejane Batista (PPGCS-UFCG) Profa. Dra. Ofélia Maria de Barros (NEAB-I-UEPB) Profa. Dra. Rosilene Dias Montenegro (UFCG)
João Paulo Peixoto Costa-IFPI
Jorge Eremites de Oliveria-UFP
José Gabriel Silveira Corrêa (UFCG)
José Otávio Aguiar (Pós-Doutor – UFCG)
Maria Regina Celestino de Almeida
(PPGH-UFF)
Mariana Albuquerque Dantas – UFRPE
Naybe Gutierrez Montoya - UPO,
Sevilha, Espanha
Patricia Melo Sampaio – (UFAM)
Sel Guanaes (UNILA)
Sônia Maria Missagia (UFES)
Taciana de Carvalho Coutinho (UFAM)
Tonico Benites Ava Guarani Kaiowá –
(UFGD)
Vania Maria Losada Moreira - UFRRJ
Alunos (História- UFCG/UEPB)
Adauto Santos da Rocha
Adriana Monyke Nascimento de Alencar
Adriano Ferreira Dos Santos
Alcione Ferreira Da Silva (Professora)
Alex Alves Campelo
Alex Pereira da Silva
Aline Praxedes De Araújo (Professora)
Betânia Maria De Andrade Paiva
Carla Edylane Felix Arruda
Cézar Da Silva Ferreira
Cibelle Jovem Leal
Darciley Gomes de Oliveira
Dênis Barbosa Pequeno
Edvânia da S. Nascimento
Erik Carlos Monte de Carvalho
Erykles Natanael de Lima Vieira
Éverton Alves Aragão
Fernanda Borges de Brito
Comissão Científica
Almir Carvalho Junior - UFAM
Almir Diniz de Carvalho Júnior - UFAM
Angela Domingues (UL)
Ângela Maria Vieira Domingues –
Universidade de Lisboa – CHAM-UNL,
Portural
Antonio Carlos Amador Gil – UFES
Brigitte Thierion – Universidade
Sorbonne, Paris 3 - França
Carlos Paz - FCH-UNCPBA/ Argentina
Carmen Alveal -UFRN
Celso Gestermeier do Nascimento –
UFCG
Edson Silva – UFPE/ PPGH-UFCG
Estevão Martins Palitot (UFPB)
Fernanda Sposito – Pós-Doutoranda -
USP
Fernando Antonio de Carvalho Dantas –
UFG
Francisco Cancela (UNEB)
Giovani José da Silva (Unifap/ Brasil)
Hermilia Feitosa Junqueira Ayres –
UFCG
Izabel Missagia de Mattos (UFRRJ)
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
6
ISSN:
Fernanda De Oliveira Thomaz Lemos
Franciny Raquel Torres
Jamilly Jéssica Martins Fernandes
Jessica Kaline Vieira Santos
Jesus Alves de Oliveira Quintans
Joanan Marques de Mendonça
João Eudes do Nascimento Alves
João Igor de Andrade Vital
José Acácio Pessoa de L. Neto
Karine Stefany da Silva Martins
Karolina Kelly G. Lins
Laís De Oliveira Neves
Leandro de Aquino Lima Ropinasse
Liélia Barbosa Oliveira
Luana Souto Cavalcanti
Lucas Gomes Medeiros
Lucas Santos Ribeiro Leite
Luísa Nunes Mendonça de Lima
Luiz Fernando Oliveira Sousa
Maria do Socorro Reis Melo
Maria José Elaine Costa S. Pereira
Maria Valéria Pereira
Matheus Henrique da Silva Alcântara
Michel Alves de Almeida Ricarte
Natiele Fernanda de Souza Barbosa
Naum Filipe Nicácio Alves
Nayara Silva Furtado
Rafaela Costa de Azevedo
Rayan Fernandes Pereira
Renally Rodrigues Leão
Robson da Silva Leandro
Rodrigo Ribeiro de Andrade
Rosa Michele Vieira de Oliveira
Taynara Alves Batista Pequeno
Victoria Cecília de Lima Ramos
Virgínia Genuíno Lira
Wendy Nicollas Diniz Cibalde
Whindson Senna Da Silva
Yona Kaluaná F. de Sousa
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
7
ISSN:
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
REALIZAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE E UNIVERSIDADE ESTADUAL
DA PARAÍBA
27, 28 e 29 de junho de 2018, Campina Grande, PB, Brasil
Local Abertura : Auditório de Extensão José Farias
Universidade Federal de Campina Grande
APRESENTAÇÃO:
O II Congresso Internacional Mundos Indígenas - diálogos sobre história, direito e
educação – abrangendo o período correspondente ao início do processo colonial (séculos
XVI) e incluindo os dias atuais, objetiva ampliar uma diversificada de rede colaborativa nos
âmbitos nacional e internacional desenvolvendo discussões interdisciplinares sobre
história dos povos indígenas da América. Para tanto, pretende-se ampliar diálogos entre
investigadores da temática em destaque para que se construam possibilidades de caminhos
teórico-metodológicos inovadores sobre a pesquisa acerca dos povos tradicionais ao longo
do processo colonial até o tempo presente. Nos últimos anos os estudos sobre a temática
indígena na América vêm obtendo contribuições oriundas das áreas de conhecimento, tais
como antropologia, arqueologia, história, educação e direito, proporcionando avanços
promissores no tocante a visibilidade do protagonismo ameríndio, através das suas variadas
formas de agenciamentos diante das pressões e violações dos seus direitos ao longo dos
mais de 500 anos. No Brasil, mais especificamente, a partir dos anos 1990, a história
indígena vem se legitimando enquanto uma dimensão fundamental na produção de
conhecimento, sendo escolhida como tema de dissertações e teses nos diversos programas
de pós-graduação em nosso país, tendência que também se verifica na América-Latina. O
diálogo interdisciplinar contínuo e o uso de múltiplas fontes históricas, assim como, de
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
8
ISSN:
variadas temporalidades permite-nos negar a tese do historiador oitocentista Francisco
Adolfo Varnhagen de que para os índios não haveria história, mas apenas etnografia [o que
implicaria em assumi-los enquanto conjuntos humanos vivendo num estado inferior]. O
mais importante é que uma das preocupações da historiografia recente sobre os mundos
indígenas é não construir mais uma imagem do “índio genérico”, ou apenas vítima dos
primeiros contatos com os europeus, “dizimados” e “assimilados”, ou seja, em processo de
desaparecimento. Ao contrário, nos últimos anos, as pesquisas vêm destacando as ações
indígenas que nos revelaram que cada unidade indígena possui um caráter étnico, que lhes
permite construir e acionar um posicionamento frente ao não-indígenas nos diferentes
espaços de fronteiras e em novas territorializações pós-contato nas américas portuguesas,
espanhola e inglesa. E, mesmo que negados no plano discursivo, os povos indígenas
continuavam e continuam existindo e se mostram de forma organizada politicamente,
afirmando as suas etnicidades e reivindicando a legitimidade das suas memórias e histórias.
Profa. Dra Juciene Ricarte Apolinário – PPGH-UFCG-, Brasil CHAM-UNL, Portugal
Coordenadora Geral do II COIMI/2018
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
9
ISSN:
Sumário APRESENTAÇÃO: ......................................................................................................................................7
GT 1 – ESCRAVIDÃO INDÍGENA E ESCRAVIDÃO NEGRA: AGÊNCIAS CONECTADAS NOS ESPAÇOS
COLONIAIS. ............................................................................................................................................ 14
JUNTA DAS MISSÕES NA CAPITANIA REAL DA PARAÍBA: UM DESDOBRAMENTO DA
ADMINISTRAÇÃO COLONIAL ........................................................................................................15
ALDEADOS DE PIRATININGA - MORADORES iNDÍGENAS E ADMINISTRADOS DE SÃO PAULO
COLONIAL (1694 - 1775) ...............................................................................................................30
ESCRAVIDÃO E DIREITO NO BRASIL: O PROBLEMA DO ANACRONISMO .......................................44
GT 2 - POLÍTICAS INDIGENISTAS E INDÍGENAS ENTRE OS SÉCULOS XVI AO XIX NO BRASIL E NA
AMÉRICA LATINA: SUAS ESPECIFICIDADES DIANTE DAS RELAÇÕES INTERÉTNICAS E PODERES LOCAIS
............................................................................................................................................................... 58
MECANISMOS PARA RESISTÊNCIA ADAPTATIVA INDÍGENA E SEUS ENTRAVES: POSSIBILIDADES E
DIFICULDADES NO SISTEMA COLONIAL PARA O ÍNDIO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE, NO
SÉCULO XVIII ................................................................................................................................60
FORTIFICAÇÕES E ALDEAMENTOS NA RIBEIRA DO JAGUARIBE: POLÍTICAS INDIGENISTAS E AÇÃO
INDÍGENA NO FINAL DO SÉCULO XVII. ..........................................................................................68
FAMÍLIA E CASAMENTO INDÍGENA: UMA ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA ........................................84
INDÍGENAS BANDIDOS A INICIOS DEL SIGLO XIX EN CUBA: ENTRE LA REALIDAD Y EL MITO ........96
O PORTO DE ARAPUTANGA ........................................................................................................ 105
GT 3 – RECONHECIMENTO DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS NA AMÉRICA: LUTAS, CONQUISTAS E
RETROCESSOS ENTRE OS SÉCULOS XX AOS DIAS ATUAIS ................................................................... 115
TERRA, TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE NO MOVIMENTO INDÍGENA COLOMBIANO ............. 117
CULTURA & DESENVOLVIMENTO UMA PERSPECTIVA ETNOGRAFIA DOS IMPACTOS
SOCIOAMBIENTAIS E CULTURAIS: O CASO DOS TABAJARAS DO LITORAL SUL DA PARAÍBA. ...... 128
MARCO TEMPORAL, UMA REFLEXÃO INICIAL DE SUAS IMPLICAÇÕES ANTROPOLÓGICAS ......... 136
GT 4 – MISSÕES RELIGIOSAS E POVOS INDÍGENAS NA AMÉRICA: SÉCULOS XVI AO XXI .................... 148
A ESTRATÉGIA TIRIYÓ/TARËNO NO CONTEXTO DE MISSÃO NO ESTADO DO PARÁ, ENTRE AS
DÉCADAS DE 1960 E 1980 ........................................................................................................... 149
OS LADOS DA CRISTIANIZAÇÃO INDÍGENA: COLONIZADO E COLONIZADOR .............................. 163
O CORTE DO ARAME E O CIMI. ................................................................................................... 172
OS DEMÔNIOS INVADEM O NOVO MUNDO: A FÉ CRISTÃ E OS INDÍGENAS BRASILEIROS DO
SÉCULO XVI................................................................................................................................. 185
ENSINO SUPERIOR PARA POVOS INDÍGENAS NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS ............... 194
GT 5 – EXPERIÊNCIAS DO ENSINO E PESQUISAS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA NA AMÉRICA
ENTRE OS SÉCULOS XX E XXI ............................................................................................................... 209
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
10
ISSN:
PRODUÇÕES ACADÊMICAS EM EDUCAÇÃO NO TERRITÓRIO POTÎGŨARA – É POSSÍVEL
PESQUISAR E ESCREVER SEM VISIBILIZAR DISCURSOS E IDENTIDADES RACIALIZADAS? ............. 210
AQUI, NADA É FÁCIL: FORMAÇÃO DE REDE DE SOLIDARIEDADE ÉTNICA POR INDÍGENAS
POTIGUARA NA UNIVERSIDADE CONTRA PRECONCEITOS RACIAIS ............................................ 224
AÇÕES AFIRMATIVAS PARA ALUNOS INDÍGENA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE
DO PARÁ-UNIFESSPA .................................................................................................................. 234
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO: O CASO DA IGREJA DE SÃO MIGUEL ARCANJO DO POVO
POTIGUARA ................................................................................................................................ 249
AGÊNCIAS INDÍGENAS EM ALDEAMENTOS MISSIONÁRIOS: FACES DOS PODERES COLONIAIS NA
CAPITANIA DE PERNAMBUCO E SUAS ANEXAS (SÉCULOS XVII-XVIII) ......................................... 263
PROJETO DE LEITURA E ESCRITA ................................................................................................. 275
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS; LINDAS POTIGUARAS ................................................................. 275
PROJETO DE LEITURA E ESCRITA: FABULAS POTIGUARA ............................................................ 284
GT 6 –DIREITOS INDÍGENAS E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA ENTRE O SÉCULO XX AOS DIAS
ATUAIS ................................................................................................................................................. 297
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO GARANTIA DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS .............. 298
EDUCAÇÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO ESPECIAL DO POVO XERENTE: INTERFACE ......................... 302
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA GWYRA PEPO: CONFLITOS E RESISTÊNCIAS ................................ 313
GT 7 - HISTÓRIAS INDÍGENAS E PERSPECTIVISMOS AMERÍNDIOS ..................................................... 324
SINTAGMAS COSMOLÓGICOS E UM PERSPECTIVISMO AMERÍNDIO: SOBRENATUREZA E
CONHECIMENTO ENTRE OS ÍNDIOS TUXÁ DA BAHIA .................................................................. 325
INTERESSES DE UMA ETNO-HISTÓRIA ANCESTRAL, .................................................................... 334
A CABOCLA BRAVA FRANCISCA GOMES DE SOUSA .................................................................... 334
ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E DIREITO AMBIENTAL NA PROTEÇÃO A CULTURA
INDÍGENA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS EM SEU MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL ........... 348
DIÁLOGOS COSMOLÓGICOS: UMA NARRATIVA DA CRIAÇÃO BÍBLICA DO GÊNESIS ENTRE OS
CRISTÃOS E A NARRATIVA DO MITO DA CRIAÇÃO PELOS ÍNDIOS BRASILEIROS APAPOCÚVA-
GUARANI .................................................................................................................................... 364
ENSINO DE LEITURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES DELÍNGUA PORTUGUESA À LUZ DE
DOCUMENTOS OFICIAIS QUE REGULAMENTAM A EDUCAÇÃO INDÍGENA ................................. 372
GT 8 – POVOS INDÍGENAS DA AMÉRICA ENTRE O SÉCULO XVI E O XXI: PROCESSOS DE MESTIÇAGENS,
QUESTÕES RELIGIOSAS, IDENTIDADES E RECONHECIMENTO ............................................................ 387
PARTICIPAÇÃO DOS INDÍGENAS ARIÚ PARA FORMAÇÃO DO POVOAMENTO DE CAMPINA
GRANDE ..................................................................................................................................... 388
OS ÍNDIOS XUKURU DO ORORUBÁ E A CONSTRUÇÃO DO XEKER JETÍ NA SERRA DO ORORUBÁ –
PE ............................................................................................................................................... 402
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
11
ISSN:
“MARACATU NÃO É PAR, É ÍMPAR”: PRÁTICAS CULTURAIS, IDENTIDADES E ESTRATÉGIAS NO
MARACATU RURAL DE PERNAMBUCO (2000-2014) ................................................................... 412
MEMÓRIA E IDENTIDADE: POVO POTIGUARA DA PARAÍBA ....................................................... 427
GT 9 - DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS E SUA DIVERSIDADE DE EXECUÇÃO NAS DIFERENTES CAPITANIAS DO
BRASIL E GRÃO PARÁ E MARANHÃO ENTRE OS SÉCULOS XVIII E XIX ................................................. 446
O DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS E A DINÂMICA SOCIOESPACIAL NA MISSÃO DO GUAJIRÚ: DE SÃO
MIGUEL À VILA NOVA DE ESTREMOZ DO NORTE – CAPITANIA DO RIO GRANDE ....................... 447
PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO E A POLÍTICA POMBALINA: APONTAMENTOS SOBRE A
EREÇÃO DA VILA DE ÍNDIOS DE PORTALEGRE, CAPITANIA DO RIO GRANDE DO NORTE (1761) . 455
GT 10 – O ENSINO DA TEMÁTICA INDÍGENA E OS 10 ANOS DA LEI Nº 11. 645/20008: EXPERIÊNCIAS,
DISCUSSÕES E PROPOSTAS ................................................................................................................. 469
OS INDÍGENAS XUKURU-KARIRI EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS/AL: ENTRE MIGRAÇÕES, RETORNOS
E RETOMADAS DO TERRITÓRIO .................................................................................................. 470
“TERRA VERMELHA”: O ENSINO DA HISTÓRIA INDIGENA ATRAVÉS DA FONTE
CINEMATOGRÁFICA. ................................................................................................................... 481
RELATO DE EXPERIÊNCIA: ENSINO DA TEMÁTICA INDÍGENA NA FORMAÇÃO SUPERIOR EM
SAÚDE ........................................................................................................................................ 492
EDUCAÇÃO FÍSICA E CURRÍCULO: POSSIBILIDADES DE (RE)SIGNIFICAÇÃO DA CULTURA CORPORAL
DO POVO INDÍGENA POTIGUARA-PB ......................................................................................... 500
A LEI 11.645 NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INDÍGENA .............................................................. 517
OLHARES SOBRE EXPERIÊNCIAS NA AULA DE HISTÓRIA INDÍGENA: DESAFIOS, MEMÓRIAS E
ESQUECIMENTOS. ...................................................................................................................... 529
POR UMA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL: A QUESTÃO INDÍGENA NO ENSINO FUNDAMENTAL II .. 540
AS REPRESENTAÇÕES DOS INDÍGENAS APÓS A LEI 11.645/2008 E AS ESTRATÉGIAS PARA
DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS ......................................................................................... 553
TÓPICOS EM HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL: RELATO DE EXPERIÊNCIA NO IFRN – CAMPUS
AVANÇADO PARELHAS ............................................................................................................... 563
OS POVOS INDÍGENAS NA ESCRITA DA HISTÓRIA DO BRASIL: O ENSINO SUPERIOR E A
RENOVAÇÃO HISTORIOGRÁFICA ................................................................................................ 578
EXPERIÊNCIAS IDENTITÁRIAS DOS ESTUDANTES INDÍGENAS NA UFT – CAMPUS DE PALMAS .... 591
A PRÁTICA DOCENTE À LUZ DA LEI 11.645/2008. UM ESTUDO DE CASO .................................... 602
QUAL O ÍNDIO QUE VOCÊ CONHECE? IMAGENS SOBRE OS ÍNDIOS EXPRESSAS POR ESTUDANTES
DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO/UFPE ............................................................................................. 617
ÍNDIO EDUCA: NOVAS TECNOLOGIAS PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DA HISTÓRIA INDÍGENA
NO ENSINO BÁSICO BRASILEIRO ................................................................................................. 625
A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO PROFESSOR QUE ATUA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS INDIGENAS ................................................................................................................. 633
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
12
ISSN:
A PRESENÇA DA TEMÁTICA INDÍGENA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: PROBLEMATIZANDO PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS EM ESCOLAS PRIVADAS, DEZ ANOS APÓS A LEI Nº 11.645/2008 ........................ 648
SAÚDE, DIVERSIDADE E CULTURA: A EXPERIÊNCIA DAS RODAS SOBRE SAÚDE DOS POVOS
INDÍGENAS ................................................................................................................................. 654
GT 11 - AUTONOMIAS, ETNICIDADE E NAÇÃO. OS NOVOS MOVIMENTOS INDÍGENAS NA AMÉRICA
LATINA A PARTIR DE 1980 ................................................................................................................... 664
LA GUERRA DE CONQUISTA SOBRE EL CAMPO MEXICANO: RESISTÊNCIAS, IDENTIDADE E
TERRITORIALIDADE ZAPATISTA .................................................................................................. 665
“AQUI É TODO MUNDO ÍNDIO KARIRI”: PROCESSO DE AUTOAFIRMAÇÃO ÉTNICA DE
MORADORES DO SÍTIO POÇO DANTAS NA CIDADE DE CRATO-CE .............................................. 674
GT 12 - PATRIMÔNIO CULTURAL E QUESTÕES INDÍGENAS: ARQUIVOS, MUSEUS E BIBLIOTECAS NA
TESSITURA DAS MEMÓRIAS ................................................................................................................ 688
A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA EM JOGO: UM DEBATE ENTRE HISTÓRIA PÚBLICA E JOGOS
DIGITAIS ..................................................................................................................................... 690
UM OLHAR SOBRE O MUSEU INDÍGENA JENIPAPO-KANINDÉ: MEMÓRIA E IDENTIDADE ÉTNICA
................................................................................................................................................... 714
HISTÓRIAS INDÍGENAS E MITOS RESTAURADORES: ................................................................... 727
RUÍNAS, SANTOS E FESTAS NA ETNOGÊNESE DO POVO POTIGUARA ......................................... 727
HISTÓRIA E MEMÓRIA DA AFRO-JUREMA: O TOMBAMENTO DO SÍTIO DE ACAIS (ALHANDRA-PB)
................................................................................................................................................... 728
GT 13 - HISTÓRIA AMBIENTAL E ETNOHISTORIA INDÍGENA ............................................................... 747
ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E DIREITO AMBIENTAL NA PROTEÇÃO A CULTURA
INDÍGENA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS EM SEU MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL ........... 748
A GUERRA DOS BÁRBAROS: LEVANTE INDÍGENA E HOLOCAUSTO NO NORDESTE COLONIAL.
POESIA E RESISTÊNCIA NOS FOLHETOS POPULARES. .................................................................. 762
REFLEXÕES SOBRE A ESCRITA DA HISTÓRIA AMBIENTAL REFERENTE À CAÇA AS BALEIAS NO
BRASIL COLONIAL ....................................................................................................................... 775
ANÁLISE QUALITATIVA E QUANTITATIVA DOS LAUDOS DE CITOLOGIA CERVICAL DE 2016 DA
POPULAÇÃO INDÍGENA ALDEADA DE ETNIA POTIGUARA DO ESTADO DA PARAÍBA. ................. 793
AVALIAÇÃO DAS ANÁLISES BACTERIOLÓGICAS DA ÁGUA DAS ALDEIAS INDÍGENAS DE ETNIA
POTIGUARA DO MUNICÍPIO DE BAIA DA TRAIÇÃO NO ANO DE 2016. ........................................ 805
OS AMBIENTES E A ECOLOGIA DOMÉSTICA ENTRE OS POTIGUARA DA ALDEIA JARAGUÁ, PB. .. 815
LOUIS-FRANÇOIS DE TOLLENARE – (1816 - 1818) E SEUS OLHARES SOBRE OS ÍNDIOS ............... 821
GT 14 - PROTAGONISMO INDÍGENA E INQUISIÇÃO NA AMÉRICA ...................................................... 827
ÍNDIGENAS MADINGUEIROS DENUNCIADOS AO SANTO OFÍCIO NA CIDADE DO NATAL: O CASO
DE JOSÉ RODRIGUES MONTEIRO E MANUEL PEDRO (1755-1762) .............................................. 828
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
13
ISSN:
O PROTAGONISMO INDÍGENA: AS TRANSFORMAÇÕES CONCEITUAIS NO DECORRER DO TEMPO
ATRAVÉS DO CINEMA ................................................................................................................. 840
GT 15 - INDIGENAS E QUILOMBOLAS NO BRASIL: RESISTÊNCIA, IDENTIDADE, CULTURA E TRADIÇÃO
............................................................................................................................................................. 853
A FORMAÇÃO DO GRUPO DE PRODUÇÃO AUDIOVISUAL BURDUNA FILMES ............................. 854
ESCOLA KIRIRI COMO LUGAR DE RESISTÊNCIA: ESPAÇO ARQUITETÔNICO NA CONSTRUÇÃO
IDENTITÁRIA ............................................................................................................................... 866
MESTIÇAGEM EM PERSPECTIVA: O MOVIMENTO DOUTRINÁRIO VALE DO AMANHECER SUAS
INFLUÊNCIAS AFROBRASILEIRAS E INDIGENAS ........................................................................... 880
A GUERRA, OS QUILOMBOS E OS CORONÉIS DE PRINCESA: PERCURSOS DE MEMÓRIA E
RESISTÊNCIA ............................................................................................................................... 888
GT 16 - HISTÓRIA INDÍGENA E ARQUEOLOGIA NAS AMÉRICAS .......................................................... 897
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
14
ISSN:
GT 1 – ESCRAVIDÃO INDÍGENA E ESCRAVIDÃO NEGRA: AGÊNCIAS
CONECTADAS NOS ESPAÇOS COLONIAIS.
Profa. Dra. Patricia Melo Sampaio (UFAM)
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
15
ISSN:
JUNTA DAS MISSÕES NA CAPITANIA REAL DA PARAÍBA: UM DESDOBRAMENTO
DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL
ARAÚJO, Lana Camila Gomes
Universidade Federal de Campina Grande
APOLINÁRIO, Juciene Ricarte
Universidade Federal de Campina Grande
apoliná[email protected]
Introdução
Desde o início do processo colonizador, a atividade missionária esteve
intrinsicamente relacionada aos processos de expansão territorial europeia. Acreditava-se
que a aliança entre a Coroa e a Igreja era uma das maneiras mais eficazes para manter as
conquistas territoriais e que a catequização indígena, haveria novos e obedientes súditos
para o rei.
Reconhecendo a importância da atividade da atividade religiosa das mais diferentes
ordens presentes na América Portuguesa, como jesuítas, carmelitas, franciscanos, etc, frente
às causas indígenas, a Coroa criou em 1655, na cidade de Lisboa, uma Junta específica para
tratar das missões religiosas: Junta Geral das Missões ou Junta dos Missionários ou Junta da
Propagação da Fé, em virtude de sua natureza. (Mello, 2003, p. 2).
Na América Portuguesa, as primeiras Juntas que se estabeleceram foi no ano de
1681, nas capitanias do Rio de Janeiro e Pernambuco, configurando-se enquanto um
desdobramento tipológico da estrutura interna da administração central na época colonial.
As novas Juntas ficaram responsáveis em atender as demandas respeitantes às questões
missionárias religiosas envolvendo os homens e mulheres indígenas, além das decisões
sobre escravidão e liberdade destes.
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
16
ISSN:
Ocorre que as temáticas envolvendo os povos indígenas, foram por muitos anos
deixadas de lado pela historiografia oficial. Os indígenas foram invisibilidades da escrita
oficial da história do nosso país. Restando, apenas, as narrativas que os inseriam como
coadjuvantes dos grandes feitos dos colonizadores. Somente em meados da década de 80 se
intensificaram os estudos sobre as culturas indígenas, possuindo ainda muitas lacunas sobre
a História indígena e, consequentemente, sobre a Junta das Missões, especialmente de
forma localizada nas antigas capitanias.
Logo, pesquisar sobre a Junta das Missões na Capitania Real da Paraíba envolve
muitos desafios, pois envolve discussões sobre Administração Colonial, Relações
Interétnicas, Agenciamentos Indígenas, e ainda lidar com uma historiografia cheia de lacunas
sobre a nossa própria história, sem mencionar a responsabilidade de abordar temáticas
ainda pouco visitadas pelos pesquisadores.
Sabemos que estudar o período colonial não é tarefa fácil, principalmente porque o
acesso às fontes é restrito e estas, escassas. A maioria das fontes são documentos oficiais
que precisam além de ser compreendidos em suas diferenças quanto a sua tipologia (cartas,
certidões, consultas, despachos, provisões, requerimentos, etc), exigem do pesquisador,
conhecimento, experiência, técnicas para transcrição paleografia e o que julgo ser mais
importante: persistência.
Isso porque a documentação não é meramente transcrita ou traduzida, ela precisa
ser analisada, e muitas vezes, inclusive, à contrapelo, em favor daqueles que foram
silenciados durante o processo do registro oficial. Sendo assim, este trabalho é apenas uma
parte das pesquisas que tenho me dedicado ao longo dos últimos oito anos.
As primeiras Juntas das Missões
No final do reinado de D. João IV, era crescente o entendimento de que o meio mais
eficaz para a conservação dos domínios ultramarinos portugueses era cuidar da propagação
da “fé católica” nas novas conquistas ultramarinas. Para tanto, a Coroa por intermédio da
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
17
ISSN:
Igreja necessitava manter os seus missionários atuantes nas recentes possessões, a fim de
poder garantir a autoridade do reino lusitano, ameaçada por outras potências estrangeiras.
Para tanto, foi necessária a criação de um organismo ligado à administração central que
tratasse exclusivamente das questões referentes às missões ultramarinas e onde os
missionários das conquistas pudessem recorrer e apelar. (MELLO, 2007).
Em 1655, foi criada a primeiras Junta das Missões, conhecida também como Junta
Geral das Missões, em Lisboa. A nova instituição colonial, desmembrou-se da estrutura
interna da administração central e seria, a partir de então, responsável por tratar dos
assuntos que envolvessem o processo de cristianização dos nativos das colônias portuguesa.
Estavam entre as suas várias competências: examinar a legitimidade dos cativeiros dos
indígenas e apreciar como instância final as apelações das causas de liberdade dos índios.
No que se refere a constituição da Junta Geral das Missões, é importante destacar
que esta atuava em consonância com outros órgãos políticos-administrativos, como o
Conselho Ultramarino. E, outra especificidade é que, apesar da Junta das Missões ser um
projeto institucional para tratar sobre as missões e condições dos homens e mulheres
indígenas nas colônias, a Igreja não foi inserida na sua criação, mas apenas em um segundo
momento, como aponta Mello (2007).
Discorre ainda Mello que em 1678 foram expedidas ordens aos Governadores Gerais
e ao Vice-rei da Índia que enviassem para a Junta de Lisboa, sobre o estado das missões e os
progressos cristãos na colônia oriental. As respostas agradaram ao Rei, que tomou
conhecimento do aumento da propagação da fé nas Índias e o estimularam a constituir o
estabelecimento de outras Juntas Ultramarinas, constituindo em Goa, a primeira Junta das
Missões subordinada à Junta Geral das Missões do Reino. E, posteriormente, foram criadas
Juntas das Missões em Angola, Pernambuco, Rio de Janeiro e Cabo Verde, bem como na
Bahia (1688), no Pará (1701), em São Paulo (1746) e novamente no Rio de Janeiro (1750),
estas, instituídas por Carta Régia de 7 de março de 1681.
A adaptação dos religiosos e administradores coloniais à Junta das Missões foi
complicada e complexa. A nova instituição político-religiosa se caracterizava enquanto um
novo projeto, com dinâmica específica, mas que não foi claramente explicitada em
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
18
ISSN:
documentos oficiais. Um ofício1 do Rei de Portugal à Inquisição de Goa – África, onde foi
instalada a primeira Junta das Missões fora de Lisboa, revela a preocupação do reino em
enviar um visitador para as partes do norte, para conceder recomendações acerca das
missões e outros assuntos.
A necessidade de se estabelecer uma Junta das Missões na Capitania Real da Paraíba
As capitanias coloniais enfrentavam dificuldades para julgar as causas de liberdade
dos índios perante a Junta das Missões, especialmente, devido as grandes e longas distâncias
entre uma Junta e outra. Em uma provisão(minuta)2 datada de 13 de março de 1733,
enviada ao ouvidor-geral da Paraíba, Tomás da Silva Pereira, o Rei Dom João V reconhece
que a distância entre a capitania da Paraíba e Pernambuco acabavam dificultando os
processos da Junta das Missões.
Porém, enfatizava o rei sobre a importância de cada ouvidor e capitanias seguir a
jurisdição, devendo agir dentro de suas competências, averiguando sumariamente se era
justa, ou não, a liberdade dos índios que nela se achassem cativos. Ademais, continuava o rei
a afirmar que esse era o único meio pelos quais poderiam ser defendidos os direitos dos
cativos, pois “sua incapacidade e pobreza não lhes dera lugar para se defender por meios
ordinários”.
Vale salientar que, fora encontrado, durante o processo de pesquisa, uma provisão3
(minuta) do rei D. João V ao ouvidor geral de Alagoas, do dia 13 de março de 1733, com teor
praticamente idêntico à provisão acima mencionada, na qual deixa claro o rei que a
subordinação perante as Juntas é uma ordem expedida para todos os ouvidores do estado
do Brasil, para que eles conheçam sumariamente as causas de liberdade dos índios, cabendo
a Junta das Missões de cada distrito a sentença final.
1 OFÍCIO a Inquisição de Goa. 24/03/1692. Lisboa, Portugal: [s.n.]. D.01 2 PROVISÃO (minuta) do rei D. João V, ao ouvidor-geral da Paraíba. AHU-Paraíba, mç. 28, doc. 53, 13 de
março de 1733. AHU_ACL_CU_014, Cx. 8, D. 691. 3 PROVISÃO (minuta) do rei D. João V ao ouvidor-geral de Alagoas, 13 de março de 1733.Anexo: 2ª via. AHU,
Alagoas Avulsos, Cx. 1, Documento 83.
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
19
ISSN:
Mello (2003) alude que as formações das Juntas eram bem heterogêneas, estando
presentes representantes de esferas de poder diferentes: justiça, finanças e religião. De
acordo com a autora, cada capitania possuía uma composição. A maioria das Juntas eram
compotas por Ouvidores Gerais, Provedores da Fazenda e Bispos ou Vigários Gerais, na
ausência dos Bispos. Todavia, a sede do governo-geral do Brasil, a capitania da Bahia,
apresentava necessidades singulares, pelas quais o governador desta, solicitou ao reino que
as Juntas fossem compostas ainda por Prelados Superiores de cada ordem religiosa que
possuíssem missões; pedido, que foi autorizado no ano de 1696.
A atuação dos missionários na Capitania Real da Paraíba perante a Junta esteve
restrita a subordinação a Junta da capitania de Pernambuco, a qual tinha como competência
analisar as questões indígenas em sua capitania e nas anexas (Alagoas, Paraíba, Rio Grande e
Ceará, subordinadas ao bispado de Pernambuco). Vale destacar que, apesar de associarmos
na maioria das vezes o projeto de catequização indígena aos jesuítas, outras ordens
religiosas como a dos Carmelitas descalços, Beneditinos, Franciscanos e Capuchos de Itália,
também estavam envolvidas no projeto colonizador missionário.
Em provisão4 do ano de 1600, do capitão-mor da Paraíba, servindo o mesmo de
provedor-mor da Fazenda Real, Feliciano Coelho de Carvalho, ao feitor e almoxarife da
Fazenda Real da mesma capitania, Fomes dias, ordenou o pagamento da quantia de 46 mil
réis ao padre Frei Anastácio, presidente dos padres da Ordem de São Bento, destinado este
valor para os serviços de doutrina e cristandade dos “gentios aldeados”.
Os povos originários aldeados eram aqueles colocados nos aldeamentos, espaços
próprios pensados e criados pelos colonizadores, para agrupar os homens e mulheres
indígenas, de várias etnias em um único espaço. Os aldeamentos objetivavam a perda da
identidade dos indígenas com o local de origem, que poderia provocar mudanças nas
práticas culturais indígenas e novas ressignificações. Mas o que pretendiam que era a perca
da etnicidade os colonizadores não conseguiam, pois como afirma João Pacheco de Oliveira
(1999) o processo de nova territorialização ocorria, mas não subsumia as etnias indígenas5.
4 Provisão (treslado) do capitão-mor da Paraíba, 13 de março de 1600. Paraíba AHU-Paraíba, cx. 1.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 1, D. 2. 5
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
20
ISSN:
Além do mais, não se perde nem cultura, nem identidade, nem etnicidade, pois ambas estão
em constante transformação e se dão também entre os contatos, adquirindo novas
ressignificações.
Para facilitar a dita civilização dos índios, a localização dos aldeamentos ficava
estrategicamente próxima aos assentamentos portugueses e mais distantes das demais
povoações, sob forma de defesa, como aponta Cavalcanti (2009).
Cem anos depois, em decreto6, o rei Dom Pedro II ordenava ao Conselho Ultramarino
consultar o papel que fez o ex Capitão-mor da Paraíba, Manuel Soares de Albergaria, sobre
as missões da capitania. Além de propor que a Junta das Missões se encarregasse de
algumas dessas missões aos padres da Companhia de Jesus, oferecendo aos missionários
côngrua7 e casa de residência.
Manuel Soares de Albegaria, enquanto Capitão-Mor da capitania da Paraíba ficou
conhecido por incentivar as lutas contra o “gentio tapuia do sertão”, oferecendo munições e
gentes, ao Capitão-Mor dos Sertões das Piranhas e Piancó, Teodósio de Oliveira Ledo. Em
outro episódio de 16998, o Capitão-Mor Albegaria, incentivava a precaução a uma possível
luta contra a nação de tapuias, denominados Ariu, que estavam aldeados em um lugar a que
chamavam a Campina Grande.
A consulta descrita aponta que os Ariu tinham sido levados ao aldeamento chamado
de Campina Grande por Teodósio de Oliveira Ledo em 1697 e foram aldeados junto a
quarenta Cariri, sob a perspectiva que queriam viver como vassalos de Vossa Majestade e
reduzirem-se a Santa Fé Católica. Mesmo assim, com receio e para acompanhar tal
transferência, ordenava o capitão o envio de dez soldados e o conserto das armas, para que
combatessem aquela “grande quantidade de índios”.
6 DECRETO do rei D. Pedro II, 6 de novembro de 1700. Obs.: consulta reg. CU, cód. 265, fól. 155v-156.AHU-
Paraíba, cx. 5, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 238. 7 O termo “côngrua” é originalmente um adjetivo. Se referia a um auxílio financeiro concedido pela Fazenda
Real às ordens religiosas no território ultramarino. A finalidade das côngruas eram manter a estrutura
eclesiástica, viabilizar uma ação pastoral e construir, conservar a ornamentar os templos. Dessa maneira,
garantiam ao clero condições materiais que lhe proporcionassem uma vida decente na Colônia Portuguesa.
LIMA (2014) 8 CONSULTA do Conselho Ultramarino. 3 de setembro de 1699. Anexo: 2 docs.AHU-Paraíba, cx. 5, doc.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 226.
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
21
ISSN:
A documentação discorre como a administração colonial associada ao sistema do
Padroado criavam meios de punição aos indígenas que não aderissem ao seu projeto
colonial. Mas também, principalmente, revela como os homens e mulheres indígenas
resistiam diante da imposição colonizadora, mesmo sendo severamente punidos, até
mesmo, com a morte.
De acordo com Medeiros (2008), as nações indígenas do sertão da Capitania da
Parahyba vivenciaram diversas situações relativas ao contato no século XVIII: guerras,
acordos de paz, redução, participação militar nos conflitos com outros grupos indígenas e o
impacto que a política pombalina teve no processo de desenraizamento espacial e cultural
das identidades étnicas existentes e a construção de novas identidades. E, os indígenas da
região como Icó, Xucuru, Cariri, Corema, Pega, criaram mecanismos diferentes de resistência
para se inserirem no espaço dentro de uma ordem colonizadora.
Medeiros (2008) elenca, a partir de análise documental, que em 1709, por exemplo,
Teodósio de Oliveira Ledo enviou uma carta ao Rei de Portugal, relatando que os Pega e
Corema “inquietavam” os moradores, pelo fato de serem uma grande nação e com mais de
mil e tantos arcos. O rei, por sua vez, respondeu ao referido Capitão-Mor dos Sertões das
Piranhas e Piancó, que se fosse preciso, declarasse guerra contra estes tapuias. Além da
proteção com os arcos, os documentos evidenciam uma frequência de furtos aos moradores
das redondezas dos Piranhas, pelos tapuias da região.
Outra forma de resistência pode ser verificada a partir dos conflitos de terras. A
Coroa Portuguesa, preocupados em dominar o território colonial, tomaram as terras dos
nativos, sobre repressão e guerra, ocasionando destruição e mortes. A tomada de terras
associava-se também, ao projeto missionário sob orientação da Junta das Missões, na
formação dos aldeamentos e na transferência dos tapuias de uma região para outra.
Diante disso, como estratégia de sobrevivência, aponta Medeiros (2008), algumas
nações indígenas passaram permitir a ocupação de suas terras aos colonizadores em troca
de uma relação de paz, podendo ser entendidas como uma estratégia de sobrevivência
étnica.
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
22
ISSN:
Na disputa por posse de terras, em certidão de 17529, do ouvidor-geral da Paraíba,
José Ferreira Gil, este comprovava ter encontrado, durante a correição executada no sertão
do Piancó, os Tapuias da nação Panati, os quais se recusavam a ir para onde a Junta das
Missões determinara. Conforme tal documentação, a Junta das Missões enviou ordem para
transferir os Panati para terras na travessia do Pajaú, mas os nativos se recusavam e tal
situação se agravava porque no distrito onde estavam, não havia missionários.
Vale salientar que apesar de fazer parte de um projeto antigo da colônia, no século
XVII, muitas etnias indígenas ainda não faziam parte dos aldeamentos. A escassez de
missionários nas aldeias do sertão da Paraíba foi constante na primeira metade do século
XVIII. Em 1715, por exemplo, o capitão-mor da Paraíba, João da Maia Gama, escreve ao Rei
de Portugal, informando que a nação dos Korema, Panati, Fagundes, Icós, Pega, Kanindé e
Kaburé, se achavam sem missionário, embora a maior parte deles já tivessem tido.
(MEDEIROS, 2008).
Cavalcanti (2009) afirma que muitos foram os pedidos dos religiosos para
administrarem aldeamentos que não tinham missionários, como no exemplo acima citado,
no qual o capitão-mor da Paraíba solicita religiosos, especificamente aqueles observantes da
Nossa Senhora do Carmo da Reforma. Em documento datado de 17 de abril de 1747, o prior
do Carmo da Paraíba, João de Santa Rosa afirmava sobre as condições de vida dos índios do
sertão e dos problemas para realizar a catequização, ressaltando que o principal embargo
era o estado de “barbárie” em que estes índios se encontravam.
Por estar a capitania da Paraíba sujeita à Junta das Missões do bispado de
Pernambuco, há vários documentos sobre a atividade missionária na Paraíba nos arquivos de
Pernambuco. Sendo assim, de acordo com Medeiros (2008), em 1746 foi publicada na
Descrição de Pernambuco um quadro contendo a distribuição das aldeias no sertão da
capitania da paraíba pelas ordens religiosas e os povos indígenas por elas missionados.
9 CERTIDÃO do ouvidor-geral da Paraíba. 25 de janeiro de 1752. AHU-Pernambuco. AHU_ACL_CU_014, Cx.
16, D. 1321.
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
23
ISSN:
Relação das ações missionárias nas aldeias da Capitania da Paraíba, 1946
Região Aldeia Missionário Povos
Paraíba Jacoca Beneditino Caboclos de língua geral
Paraíba Utinga Beneditino Caboclos de língua geral
Mamanguape Baía da Traição Carmelita da
reforma
Caboclos de língua geral
Mamanguape Preguiça Carmelita da
reforma
Caboclos de língua geral
Mamanguape Boa Vista Religioso S. Teresa Canindé e Xucuru
Taipu Cariris Capuchinho Tapuia
Cariri Campina Grande Hábito S. Pedro Cavalcanti
Cariri Brejo Capuchinho Fagundes
Piancó Panati Religioso de S.
Teresa
Tapuia
Piancó Corema Jesuíta Tapuia
Piranhas Pega Sem Missionário Tapuia
Rio do Peixe Icó Pequeno Sem Missionário Tapuia
Tabela 2: Documento Informação Geral da Capitania de Pernambuco em 1749, publicada nos Anais da Biblioteca Nacional. Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, 11, p. 168/180, 1904 e Anais da Biblioteca Nacional, v. 28, p.117/496,1906. In.: MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Contatos, conflitos e redução: trajetórias de povos indígenas e índios aldeados na Capitania da Paraíba durante o século XVIII. Anais do II Encontro Internacional de História Colonial. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. Disponível em: < www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais>. Acesso 03 mai. 2016
Além da dificuldade em relação a ausência de missionários nas aldeias Piranhas e Rio
do Peixe, os problemas em relação a catequização dos povos indígenas ia além. A dinâmica
da colônia não se restringia a relações de dominação. Pelo contrário, os indígenas reagiam
incentivando rebeliões, por exemplo, e ainda incitavam os negros africanos a se unirem em
prol da sobrevivência de seus povos.
A resistência era entendida como desordens e violências, tendo como um dos
motivos mais decorrentes a falta de demarcação das terras, a Coroa Portuguesa solicitava10
10 CARTA do capitão-mor da Paraíba. Paraíba, 27 de abril de 1736. AHU_ACL_CU_014, Cx. 10, D. 800.
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
24
ISSN:
a demarcação das terras dos índios e a colocação de marcos nos limites da capitania com a
de Pernambuco e a do Rio Grande.
As formas de resistência indígena podem ser diversas. Freire (2012) ao investigar as
atuações missionárias dos carmelitas descalços em Boa Vista – capitania da Paraíba, no
século XVIII, revela que, apesar da repressão missionária colonial desta ordem religiosa em
relação as práticas culturais dos indígenas, estes mantiveram um ritual tradicional, honrando
suas tradições e desalinhando o tecido do projeto colonial, causando-lhe manchas, fissuras,
nódoas.
O ritual da jurema sagrada, de acordo com a historiadora Freire (2013) era prática
cultural dos indígenas Kanindé e Xukuru, que mesmo com a intervenção secular eclesiástica,
não abandonaram suas tradições. Incomodados por não cessarem com essa atividade
indígena, os carmelitas descalços representados pelo governador de Pernambuco, Henrique
Luís Pereira Freire, enviam uma carta ao Conselho Ultramarino do rei D. João V, informando
sobre o “uso que fazem os índios de uma bebida chamada Jurema”.
De acordo com as pesquisas de Freire (2012), este caso fez criar uma Junta das
Missões no ano de 1739, especificamente para discutir como após a transferência desses
povos do sertão para o litoral, a catequização e o intenso compromisso dos religiosos na
catequização, dos indígenas considerados feiticeiros continuavam com tais práticas
heréticas. Por não se renderem aos interesses colono-missionário, o desfecho foi a prisão
dos índios em Mamanguape por suas práticas religiosas julgadas transgressoras.
Este caso juntamente incentiva o debate sobre a insuficiência da Junta das Missões
de Pernambuco frente a demanda da capitania da Paraíba. Assim, no ano seguinte, o
capitão-mor da Paraíba, Pedro Monteiro de Macedo, escreveu ao rei de Portugal, Dom João
V, sobre a necessidade de estabelecer na capitania uma nova Junta das Missões, com um
requisito: que fosse independente do governo de Pernambuco.
O interesse na instalação de uma Junta decorria de vários interesses políticos e
religiosos internos. Para tanto, nos propusermos a fazer uma análise minuciosa da
documentação acima mencionada no capítulo seguinte, partindo do pressuposto de que
ainda há muito o que se discutir quando se trata de história indígena na nossa região. E,
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
25
ISSN:
também, de que além de um artifício da Igreja e da administração colonial, a Junta das
Missões atuava enquanto um “Mecanismo de acesso à justiça colonial utilizado pelos índios
na primeira metade do século XVIII, através da análise das apelações de sentenças de
liberdade de índios proferidas nas Juntas das Missões. (Mello, 2005, p.1)
Mello (2005) ao elucidar sobre atuação da Junta das Missões na capitania do Pará e
Maranhão concluiu que ao desvendar o quotidiano desse tribunal, cuja diligência estava no
ajustamento dos contraditórios interesses da sociedade local, onde se entrecruzavam
colonos, índios, missionários e autoridades coloniais, estava longe de ser um espaço
privativo do poder dos colonos missionários ou da defesa inflexível dos seus interesses,
convergindo as demandas de todos os setores da sociedade colonial.
Assim, buscou-se analisar a documentação entendendo o século XVIII como um
período de instabilidade e complexidade cultural, social, política e econômica,
diferentemente do que propôs a historiografia dita oficial, pretendeu-se verificar as
vulnerabilidades do sistema colonial frente as diversidades das questões indígenas, como.
No sentido que, apesar da documentação analisada compor o registro das atividades
por parte das autoridades civis, militares e eclesiásticas, é possível verificar a submissão
financeira da Igreja ultramarina à Coroa decorrente do direito de Padroado e suas
consequências bastante perniciosas para a estruturação da Igreja na Colônia e para as
relações entre o clero e sua população. Revelando que, a atuação das diversas ordens
religiosas em relação aos povos indígenas relacionava-se com a criação e promulgação da
legislação indigenista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do Capitão-mor Monteiro de Macedo solicitar em 1739, ao rei Dom João V, a
criação de uma Junta das Missões na capitania da Paraíba independente de Pernambuco, e
informar sobre as reais necessidades para a nova Junta, seu pedido lhe foi negado.
Rejeitando o pedido, a Coroa Portuguesa continuou a subordinar a capitania da Paraíba à
Pernambuco, nos assuntos relacionados as missões religiosas.
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
26
ISSN:
As primeiras Juntas das Missões na América Portuguesa foram criadas em 1681, se
constituindo enquanto um desmembramento tipológico da estrutura interna da
administração colonial, a fim de tratar sobre os assuntos relacionados ao projeto missionário
religioso dos povos indígenas nas colônias portuguesas, bem como os assuntos
correspondentes a escravidão e liberdade destes povos.
Assim, caracterizou-se enquanto um instrumento colonial o qual legislava sobre os
povos originários, tendo como princípio expandir a fé católica a partir da catequização dos
homens e mulheres indígenas. A preocupação em converter o nativo estava além de um
interesse social, mas, sobretudo econômico, pois “docilizar” o “gentio” permitiria não
somente a inserção deste como vassalo do rei e pagador de impostos, mas também a
utilização de sua mão de obra nos negócios do pau-brasil e açúcar, por exemplo.
Na capitania da Paraíba não foi formada uma Junta das Missões, pois era
subordinada a Junta da capitania de Pernambuco. A subordinação causava, não somente
conflitos de ordem religiosa e intelectual, mas principalmente política, pois fazia com que a
Paraíba tivesse que recorrer sempre a jurisdição de Pernambuco para solucionar seus
próprios problemas internos. Além do mais, havia disputas de poder entre os políticos da
Paraíba e Pernambuco, o que levou ao capitão-mor Monteiro de Macedo solicitar a criação
de uma Junta na Paraíba. Sem êxito, os assuntos missionários da Paraíba continuaram sendo
avaliados e julgados pela Junta das Missões de Pernambuco.
A documentação analisada revela que mesmo com os investimentos religiosos os
missionários tiveram muitas dificuldades em catequizar os povos originários. Eram
frequentes as emboscadas e levantes dos indígenas da região. Vale destacar que muitos
homens e mulheres indígenas resistiram a participar dos projetos religiosos ressignificaram
os ditames do Estado, e principalmente se configuraram como agentes de sua própria
história.
FONTES
Arquivo Histórico Ultramarino – Paraíba
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
27
ISSN:
Arquivo Histórico Ultramarino – Pernambuco
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Lana Camila Gomes de; APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. Projeto Catálogo Geral dos manuscritos avulsos e em códices referentes à História Indígena e Escravidão Negra no Brasil: política indígena e indigenista na Capitania Real da Paraíba. X Congresso de Iniciação Científica da Universidade Federal de Campina Grande, 2013. Disponível em: < http://pesquisa.ufcg.edu.br/anais/2014/resumos/xicicufcg_2956.pdf>. Acesso dia 4 de março de 2015.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Política indigenista no Brasil colonial (1570-1757). Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 29, p. 49-60, dec. 1988. Disponível em: . Acesso: 09 mai. 2014. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i29p49-60.
BOCCARA, Guillaume. Antropologia diacrónica. Dinâmicas culturales, processoes históricos, y poder político. Nuevo Mundo Mundos Nuevos. Disponível em: Acesso: 07 jun. 2014.
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura/ FAPESP, 1992/ 1998.
CAVALVANTI, Alessandra Figueiredo. Missões de Aldeamento em Pernambuco e Capitanias anexas. Anais do II Encontro Internacional de História Colonial. Mneme – Revista de Humanidades, UFRN, Caicó. V.9. n.24. Set/out. 2008. Disponível em: . Acesso: 12 mar. 2016.
________. Aldeamentos e Política Indigenista no Bispado de Pernambuco – séculos XVII e XVIII. 131f. Dissertação. (Mestrado em História). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009. Disponível em: . Acesso: 12 de mar. 2016
CORTESÃO, J. Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel sobre o Achamento do Brasil. Texto integral. São Paulo: Martin Claret, 2003.
DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da história do Brasil: do descobrimento à globalização. Rio de Janeiro, Ediouro, 2001, p. 40.
DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: CNCDP, 2000.
http://pesquisa.ufcg.edu.br/anais/2013/http://pesquisa.ufcg.edu.br/anais/2013/http://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/70058http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i29p49-60
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
28
ISSN:
GATTI, Ágatha Francesconi. O Trâmite da Fé: a atuação da Junta das Missões de Pernambuco, 1681-1759. 246f. Dissertação. (Mestrado em História Social). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: . Acesso: 23 mar. 2016
FALCON, Francisco J. C. Mercantilismo e Transição. São Paulo: Editora Brasiliens, 1994. Disponível em:. Acesso: 22 abr. 2016
LOPES, Fátima Martins. Privilégios e isenções dos Principais indígenas nas vilas pombalinas em Pernambuco e Capitanias Anexas. Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime. Lisboa, 2011. Disponível em: < http://www.iict.pt/pequenanobreza/arquivo/Doc/p3-01.pdf>. Acesso: 15 dez. 2015
MATOS, Frederik Luizi Andrade de. Os capuchos da Piedade na Junta das Missões do Estado do Maranhão e Grão-Pará: a atuação do frei Manoel do Marvão. XXVIII Simpósio Nacional de História. Florianópolis, 2015. Disponível em: . Acesso: 21 mar. 2016.
MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Contatos, conflitos e redução: trajetórias de povos indígenas e índios aldeados na Capitania da Paraíba durante o século XVIII. Anais do II Encontro Internacional de História Colonial. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. Disponível em: < www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais>. Acesso 03 mai. 2016
MEDEIROS, Pinto Ricardo de. Política indigenista do período pombalino e seus reflexos nas capitania do norte da América Portuguesa. In..: PACHECO DE OLIVEIRA, João. A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011.Pp.115-144
MELLO, Márcia Eliane Alves de Souza e. “Conflito e jurisdição na constituição das Juntas das Missões no Atlântico Português (séculos XVII-XVIII)”. In: Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2005. Disponível em: < http://cvc.institutocamoes.pt/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=76&Itemi d=69>. Acesso: 21 mar. 2016.
__________. As Juntas das Missões Ultramarinas na América Portuguesa. In.: Anais da V Jornada Setecentista. Curitiba, 2003. Disponível em: . Acesso: 21 mar. 2016
http://www.iict.pt/pequenanobreza/arquivo/Doc/p3-01.pdf
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
29
ISSN:
_________. Fé e Império: a Junta das Missões nas conquistas portuguesas. EDUA: Amazonas, 2007.
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
30
ISSN:
ALDEADOS DE PIRATININGA - MORADORES iNDÍGENAS E ADMINISTRADOS DE
SÃO PAULO COLONIAL (1694 - 1775)
RAMOS, Antonio Martins
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Introdução:
O objetivo deste trabalho é o estudo do lugar social dos moradores indígenas de São
Paulo colonial, que através do espaço urbano dos aldeamentos e das condições jurídicas
determinantes de seus regimes de trabalho, constituía-se na prática, em efetivo estado de
escravidão. O período em foco é o século XVIII, quando da existência do regime legal
denominado "Administração", que regularizou práticas de tutela e trabalho compulsório
praticadas desde o século XVI, fazendo dos aldeamentos (dos jesuítas ou da Coroa) locais de
referência para a habitação e requisições de mão-de-obra dos índios. Dessa forma, além da
investigação histórica a respeito da sociedade paulista dentro da ordem colonial, destaca-se
também a própria história urbana de São Paulo, onde a relação entre o núcleo da cidade, os
aldeamentos periféricos e o contexto colonial geopolítico da Capitania relaciona-se ao
funcionamento do sistema colonial da América portuguesa como um todo.
Embora proibida pela Igreja e pelas leis das Coroas de Portugal e Espanha, a escravidão
indígena foi uma realidade nas Américas, onde encontrou formas de se manifestar que não
contrariassem diretamente a letra das leis, mas atendessem aos interesses, em geral
conflitantes, da Coroa, dos colonos e dos padres missionários. Assim sendo, busca-se
encontrar o ponto de vista dos índios, que desprezado pela historiografia tradicional, não os
colocava como sujeitos agentes neste contexto. Nesta forma de abordagem metodológica,
que busca uma aproximação com os estudos culturais e a antropologia, define-se o conceito
de "resistência adaptativa", ao se considerar a integração social dos povos indígenas como
resposta ativa à realidade colonial, e não enquanto mera submissão.
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
31
ISSN:
Problematização e desenvolvimento:
Na busca pelo lugar do indígena dentro de uma determinada sociedade, surgem questões
de identidade étnica, social e cultural, sujeitas às variações de contexto histórico. Em
primeiro lugar, não se deve, a rigor, generalizar a vasta amplitude étnica, nativa ou mestiça,
no termo aglutinante "indígena", que singulariza a diversidade cultural podendo deixar de
lado não só fatores históricos determinantes, como também descaracterizar identidades
individuais e coletivas, considerando-se também que o termo "índio", no singular, surgiu e
serviu aos propósitos coloniais, mesmo quando associado aos etnônimos que lhes foram
atribuídos. Faz-se necessária uma identificação dos povos ocupantes do espaço, no caso, o
núcleo de Piratininga, considerando as interações dinâmicas de fatores tais como,
originalidade, mestiçagem, fixação e deslocamento, cujas indicações são dadas pelas formas
dos termos que ficaram nos registros, como por exemplo, mamelucos, caboclos, tapuias,
servos, paulistas, homens-bons, entre outros diversos.
Um termo que se usa de forma um tanto desapercebida é o de "morador". Em geral,
refere-se aos habitantes brancos das vilas. Levando-se em conta porém, que somente uma
determinada parcela dos habitantes era formada por colonos europeus, e grande parte por
mestiços, verifica-se que este conceito merece uma revisão. Uma possível solução pode
estar na dimensão social atribuída aos espaços, que diferenciam os conceitos de vila, cidade,
aldeia, aldeamento. Dessa forma, emerge a questão do aldeamento enquanto espaço de
segregação, determinada pela permanência dos índios em confinamento ou liberdade,
restritos ao lugar social a eles impostos pela legislação, ou como habitantes mais livres, de
acordo com fatores como graus de parentesco ou ações e atividades de trabalho. Resta saber
em que sentidos o termo "morador" possa ter sido usado nos contextos jurídicos e sociais da
época.
De qualquer forma, as leis referentes à questão da escravidão tinham efeitos
discriminatórios que influenciavam o cotidiano, colocando o chamado "índio" numa posição
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
32
ISSN:
subalterna que, quando muito, apenas variava de intensidade. Um traço característico do
século XVIII em especial, foi a vigência do regime de "administração", que legalizou, na forma
portuguesa, o uso e a posse da mão-de-obra indígena. É sabido que na prática, serviu a
propósitos não muito diferentes da escravidão direta, mas essa contradição, resultante de
um dado cultural que impedia a servidão indígena, levou a conflitos e situações diversas que
envolviam não somente os portugueses (governantes, colonos, sertanistas, missionários)
mas também os "administrados", que procurando encontrar seus espaços sociais dentro da
ordem colonial, criaram formas diversas de resistência, incluindo-se o ajustamento às
normas vigentes e suas possibilidades.
Nasce daí uma forma de reação que não depende apenas do conflito, mas da negociação,
da conciliação e da concórdia: a resistência adaptativa. Naturalmente que, numa ordem
social marcada pela opressão, esta não oferece alternativas aos oprimidos. Porém num
contexto que relativiza a escravidão, considera os índios aliados como súditos, e acima de
tudo, depende deles para seu próprio funcionamento, surgem alternativas de espaços
sociais, que mesmo numa margem estreita, oferecem opções de vida que podem ser
negociadas. A presença do branco, por si só, pode também não representar uma ameaça
direta de conflito tão diferente dos próprios contatos intertribais.
Os estudos de história cultural mais recentes já abandonaram a ideia de culturas puras e
extáticas, considerando o multiculturalismo em constante movimento, que no caso
americano, segundo Stuart Hall, surgiu ainda antes da expansão europeia, através dos
deslocamentos e migrações dos povos, quando o colonialismo veio intensificar este
movimento. (Hall, Stuart. 2003, p. 51). Assim sendo, o espaço dos aldeamentos e das
próprias vilas coloniais pode ser entendido como um amálgama cultural indígena-europeu,
onde o processo denominado de "aculturação", pode ter tomado sentidos diversos, que não
somente o da submissão.
Isto não significa, porém, que a resistência adaptativa tenha sido uma forma de solução
contra a dominação opressiva trazida pelos brancos. Outra questão são seus resultados. É
preciso dimensionar as consequências, por exemplo, do advento do Estado entre os índios,
elemento a eles completamente estranho. (Clastres, Pierre. 2003, 217.). Enquanto as
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
33
ISSN:
sociedades primitivas tinham formas de produção econômica que, no entendimento da
cultura ocidental, possam ser vistas como de subsistência, a vida nos aldeamentos, conforme
indica Pasquale Petrone, foi marcada pela miséria. (Petrone, Pasquale. 1995, 324.). Resta
saber até que ponto tais categorias são resultados dos filtros culturais da visão do homem
branco, e o que representava para os índios adaptados, efetivamente, a vida nos
aldeamentos e vilas.
Ao se tratar das condições jurídicas e sociais dos moradores indígenas, sejam eles
aldeados, administrados, servos ou escravos, estamos tratando não apenas do quadro social
de Piratininga, mas também do próprio lugar ocupado por São Paulo na história colonial, no
período em que a vila se constitui em cidade e a capitania define seus horizontes
geográficos. Isto porque os indígenas, nas diferentes condições de origem e adaptação no
entorno do espaço paulista, foram eles sujeitos predominantes, ativos e fundamentais em
todos os movimentos da história colonial paulista, não obstante o declínio populacional que,
de forma tão drástica, seguiu-se ao final da colonização.
Ao movimento de mudanças legislativas e administrativas, que paralelamente concorreu
ao processo de evolução histórica de São Paulo (centro missionário jesuíta, núcleo de
apresamento indígena, centro de exploração mineradora), as consequências sociais sobre os
grupos indígenas são indicativos de todo este processo que, a rigor, constituía-se num
conflito entre liberdade e escravidão. Este conflito foi determinante não apenas na
configuração da ordem social colonial, mas também na própria formação geográfica e
urbanística paulistana, com seus bairros e municípios descendentes dos diversos
aldeamentos. Neste aspecto, cada aldeamento teve suas atribuições pelas suas
particularidades, mas também cumpriram um papel comum de espaço, urbano ou rural,
relativo à disputa pelo controle dos índios.
Quando ao final do século XVII esta disputa tornava-se acirrada, instituiu-se a legalização
do regime de administração, regularizando uma situação comum de escravidão prática.
Embora todos os testadores paulistas proclamassem a liberdade dos seus índios, eles eram
herdados, dados em dote e doados. Continuavam a ser considerados como mercadorias, pois
eram comprados e vendidos, apesar da proibição da Coroa. Uma das formas de burlar as leis,
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
34
ISSN:
seria por exemplo, a de declarar que não eram os índios a ser vendidos, mas os seus serviços
(Nazzari, Muriel. 1999, 32.). "Em São Paulo, os indígenas eram inventariados como peças de
'serviço forro', 'servos da administração' e 'administrados', expressões que camuflavam a
obrigação ao trabalho forçado sob a máscara da prestação de um serviço pessoal ao colono,
em que este último aparecia como responsável pela tutela do serviçal." (Davidoff, Carlos.
1982, 37.). Através destas expressões contidas nos documentos, podemos traçar um quadro
de representações do que foram formas de eufemismo da escravidão.
Até 1758, quando a administração foi abolida, a legislação passou por mudanças em
direção à liberdade indígena, mas apesar disso, pouco se mudou nas formas de relação de
trabalho e convivência social, como se pode verificar pela documentação do período. Em
1728 passou a ser ilegal herdar, deixar em testamento, ou dar índios em dote, o que
afetando diretamente o direito de propriedade em caso de morte do primeiro administrador,
constituiu uma quase "sentença de morte" à escravidão indígena. Apesar disso, mesmo
depois da lei de 1758, que decretara a liberdade plena, muitos índios ainda permaneciam em
situação de dependência de seus antigos senhores, e o próprio termo "administrado"
continuava a ser encontrado em documentos e inventários paulistas, como por exemplo, no
caso do Mosteiro de São Bento, que mostra que os monges ainda possuíam índios
administrados ou mesmo escravizados. (Nazzari, Muriel. 1999, 36.).
O espaço dos aldeamentos, enquanto não simplesmente local de habitação dos índios,
mas como centro de referência de "busca e aluguel de serviços", continuou cumprindo essa
função pelo século XVIII, apesar das mudanças de leis, do declínio populacional e da
secularização. Originalmente, na concepção jesuíta, seriam espaços de proteção, onde o
projeto colonial se manifestaria, em primeiro lugar, pela conversão, condição fundamental à
formação dos súditos reais. "Nas aldeias, nomes pelas quais aquelas comunidades passaram
a ser chamadas, os índios eram forçados a viver de acordo com a lei natural e as leis civis, e,
em contrapartida, estavam protegidos da escravidão nas mãos dos colonos." (Eisenberg,
José. 2000, 112.) Mas dada a violência dos apresamentos, e a forma de relação social
interna de Piratininga, com a requisição da mão-de-obra indígena como verdadeiro
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
35
ISSN:
combustível econômico de São Paulo, o cotidiano fez destes espaços lugares de significados
ambíguos para os aldeados.
Estabelecidos ao redor do núcleo da vila, assentados à relativa distância, e integrados
entre si por caminhos, o estudo dos aldeamentos traz uma nova dinâmica à história urbana
paulistana, ao se considerar a rede de integração entre as aldeias entre si, a vila de
Piratininga, e os distantes destinos dos sertões, sejam os do apresamento (missões do
Paraguai, do Guairá e do Prata) ou das minerações (Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais). Em
todos os casos, as diversas etnias aldeadas cumpriam funções sem as quais não seria possível
o funcionamento do próprio sistema colonial. Na relação em que ao mesmo tempo se
dependia dos índios, e estes eram subjugados, o aldeamento foi a forma e o modelo colonial
português adotado para este fim. Dessa forma o aldeamento não se compõe como alheio à
vila, mas pelo contrário, integrado a ela, assim como o administrado em relação ao
administrador. Evidentemente, a relação é desigual, mas o lugar de seu espaço no contexto
urbano é também o espaço social do morador indígena que habitava em ambos, entre a vila
e a aldeia.
Assim podemos afirmar sobre o morador indígena, considerando o equívoco de se
generalizar o indígena aldeado, dada a variedade de funções sociais e atividades que
cumpriam. Certamente os que eram recrutados para as expedições ao sertão ausentavam-se
da cidade tanto quanto os sertanistas, mas a diversidade de ofícios e trabalhos domésticos a
que eram requisitados são indicadas nos documentos de forma numerosa. Além disso, é
certo que muitos dos administrados residiam nas casas dos moradores. O que nestas fontes
se revela também, de maneira evidente, é a utilização do termo "morador" para se referir de
forma exclusiva à população branca.
O morador indígena de Piratininga foi, portanto, aquele que em detrimento de sua
condição desfavorecida, encontrou seu espaço social dentro do espaço urbano, no que se
pode considerar como forma de resistência adaptativa. Uma forma de atuação comum,
como indicada nas fontes, era o recurso à defesa jurídica, colocando-o como sujeito atuante
mais próximo ao seus direitos enquanto súdito. "De fato, no alvorecer do século XVIII, a
despeito da regularização da relação senhor-administrado através de uma carta-régia de
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
36
ISSN:
1696, os índios começavam a conscientizar-se das vantagens do acesso à justiça colonial,
sobretudo com respeito à questão da liberdade." (Monteiro, John. 2009, 215.). O conceito de
resistência adaptativa deve incluir formas diversas, ligadas ao relacionamento social a partir
de vínculos legais, de trabalho, e até mesmo afetivos, como se pode deduzir a partir das
relações de trabalhos domésticos: "Outro setor que se percebe uma presença significativa do
trabalho indígena é o dos serviços caseiros, de grande variedade. Ama-de-leite; ajudar a criar
crianças; e também o serviço prestado por crianças." (Petrone, Pasquale. 1995, 218.). Assim
Pasquale Petrone cataloga exemplos de atividades exercidas pelos aldeados, entre os demais
moradores: "Diversidade de ofícios: louceiros, barbeiros, costureiros, sapateiros, tecelãs,
seleiros, oleiros, carpinteiros, músicos, pedreiros, pintores, lavradores, boiadeiros, alfaiates,
sacristãos, artesãos diversos, caçadores, pescadores, guias, carregadores, guarda-costas,
estafetas, damas-de-companhia, etc."(idem, 220.).
A busca pelo lugar social do morador indígena, portanto, relaciona-se com seu próprio
movimento de procurar a integração. Esta integração como forma de resistência, procurava
afirmar sua identidade cultural de indígena ao mesmo tempo que a de súdito real e cristão, e
em sua luta de resistência, encontrava no aldeamento a ambiguidade de um espaço de
exclusão e integração, como uma espécie de periferia de um sistema social que reiterava a
ambiguidade nas leis que criavam a figura do súdito-administrado, entre a liberdade e a
escravidão.
- Justificativa e conclusões:
Na história da América colonial, a escravidão imposta aos povos indígenas ocorreu dentro
de particulares formas de alteridade assumidas pelos europeus, que muito a diferenciavam
da escravidão africana. Enquanto aos negros era infligida de forma aberta e direta, sem
muitos escrúpulos quanto à legitimidade moral, aos nativos americanos foi necessário que se
idealizassem formas que justificassem não somente o cativeiro, mas a própria dominação
colonial sobre o espaço territorial do qual eram originários, a fim de possibilitar uma
determinada ordem social favorável aos objetivos do sistema colonial.
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
37
ISSN:
Considerados pela Igreja católica como fortemente aptos para a conversão, e pelas coroas
de Portugal e Espanha como legítimos súditos reais, os vários e tão diversos povos indígenas,
de forma generalizante, foram logo submetidos a legislações específicas que buscavam
definir modelos de enquadramento social que, salvo as diferenças de interesse dos principais
agentes (missionários, colonos, exploradores, governantes), justificavam suas ações como
necessárias a uma forma de dominação que se via como civilizatória-salvacionista, detentora
de uma cultura que se auto-considerava superior. (Agnolin, Adone. 2007, 244.). Tais
legislações, que tomaram diferentes formas nas colônias portuguesas e espanholas,
submetiam-se à decisão tomada pela Igreja de se proibir a escravidão indígena. Assim sendo,
valiam-se de termos e conceitos correlatos, tais como, servidão, trabalho compulsório,
encomienda, administração, e até mesmo a justificativa de escravidão em casos específicos,
como principalmente, pelo conceito da "guerra justa".
Desde os primórdios de sua fundação pelos jesuítas, a vila de São Paulo de Piratininga
esteve diretamente envolvida nas ações metropolitanas relativas aos índios, tanto em
relação à catequese jesuíta, quanto pelo apresamento e cativeiro das etnias e grupos
considerados idôneos para tanto. Tão logo desde cedo, no século XVI, tais interesses
entravam em conflito, opondo principalmente colonos e missionários, mas envolvendo
também moradores, governantes locais, a coroa portuguesa, e também os vizinhos
espanhóis, além é claro, dos próprios índios, cujo ponto de vista tem sido pouco considerado
até pela historiografia mais recente. Documentos da Câmara de vereadores já indicavam
episódios relativos a estes conflitos, que pela sua abrangência e significados, acabaram por
influenciar até mesmo nas mudanças legislativas coloniais, contribuindo para aquilo que se
tornou tão característico das leis portuguesas sobre a questão indígena: sua constante
oscilação entre escravidão e liberdade.
Coube aos jesuítas, dada a predominância do poder da Igreja em relação às coroas, o
protagonismo da criação do que seria o principal sistema de ordenamento social dos
diferentes grupos indígenas, que viria a organizar a forma de exploração da mão-de-obra
indígena: o modelo do aldeamento. Apesar disso, dados os interesses conflitantes dos
demais colonos, o aldeamento não constituiu-se, em São Paulo, como espaço eclesial
-
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
38
ISSN:
fechado, mas inserido numa ordem pública que reservava diferentes funções para os índios:
serviços temporários e trabalhos compulsórios, que sob diversas formas, chegavam até
mesmo a formas veladas de escravidão. Além disso, havia também os grupos indígenas
considerados hostis, que apresados através de expedições qualificadas como "guerras
justas", eram diretamente submetidos à escravidão. Até 1609, os índios de São Paulo podiam
ser escravizados legalmente, e "até 1693, quando uma bandeira de São Paulo descobriu ouro
em Minas Gerais, os índios eram a principal presa que traziam para casa". (Nazzari, Muriel.
1999, 28.).
Desde o início do século XVII, já haviam surgido várias expedições cujo objetivo principal
era a busca de ouro, que se acreditava existir em abundância em São Paulo. (Silva, Maria
Beatriz Nizza da. 2009, 42.). No entanto o objetivo prático, até para o funcionamento das
próprias expedições, era mesmo o apresamento indígena. Inicialmente, a mão-de-obra
indígena era usada na mineração. Apesar disso, sua obtenção era um problema, pela
dificuldade em se lidar com os índios (documento de 1612, idem, 43.). Vigorava neste
período a legislação de Felipe II (decretada em 30/07/1609 e reiterada em 10/09/1611), que