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ANÁLISE DA INSERÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO DE
BIODIESEL NO NORDESTE PARAENSE E A RELAÇÃO ENTRE AGRICULTORES
FAMILIARES E GRANDES CORPORAÇÕES DO MERCADO DE
BIOCOMBUSTÍVEIS.
Vívian Delfino Motta1
Rubismar Stolf2
Resumo
Este artigo propõe analisar as mudanças trazidas pela implantação do Programa Nacional
de Produção de Biodiesel – PNPB no nordeste paraense. O estudo visa observar os
entraves, avanços e oportunidades que o programa trouxe e ainda poderá trazer para a
região, focando nos aspectos relacionados ao desenvolvimento rural, sustentabilidade
ambiental e nas interações entre os agricultores familiares e o mercado de
comercialização de óleo para a produção de biocombustíveis. Neste último aspecto,
interessa detalhar as articulações construídas entre grandes corporações e as
comunidades, considerando que esse novo arranjo envolve dois atores de fraca coesão
social.
Palavras chaves: Agricultura familiar, desenvolvimento rural, biodiesel, sustentabilidade
ambiental.
1 Engenheira Agrônoma pela Universidade Federal de Viçosa ‐UFV, especialista em Gestão Pública,
professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo‐ Campus São Roque e
mestranda vinculada ao programa de Pós Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da
Universidade Federal de São Carlos‐ UFSCar‐ CCA Araras
2 Professor associado iv da UFSCar, graduado em Agronomia pela Esalq - USP, mestrado em
Energia Nuclear na Agricultura CENA - USP e doutorado em Agronomia (Solos e Nutrição de Plantas
pela USP).
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Analysis of the insertion of the National Program for Biodiesel Production in
Northeast Pará and the relationship between farmers and large corporations in the
biofuel market.
This article aims to analyze the changes brought about by the implementation of the
National Program for Biodiesel Production - PNPB in northeastern Pará. The study aims
to observe the obstacles, advances and opportunities that action that the program could
bring to the region, focusing on aspects related to rural development, environmental
sustainability and interactions between farmers and the market for trading oil for biofuel
production. On the latter, interest detailing joints built between corporations and
communities, whereas this new arrangement involves two actors of weak social cohesion.
Keywords: Family Agriculture, rural development, biodiesel, environmental
sustainability.
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1.INTRODUÇÃO
Brasil e um breve histórico na produção de biocombustíveis.
O Brasil é pioneiro no investimento de biocombustíveis, apresenta um parque industrial
enorme, voltado para a produção de álcool combustível e contou na década de 70 com o
incentivo governamental do programa Pró-álcool para a expansão da produção de
motores. Há uma vasta literatura relatando os objetivos, sucesso e fracassos do Pró-
álcool. Kohlhepp, (2010) afirma “O Programa Pró-álcool iniciado em 1975 foi
concebido para garantir o fornecimento de energia, bem como para apoiar a indústria
açucareira pela diversificação da produção, depois da queda do preço do açúcar em
1974. Com know-how brasileiro, foram construídas destilarias, as quais transformaram o
excesso da produção de cana-de-açúcar em etanol anidro, usado como aditivo (24%) na
gasolina, sem a necessidade de nenhuma modificação nos motores dos veículos”.
A Cana de Açúcar é a principal cultura voltada para a produção do álcool no Brasil
e apresenta a tendência de expansão tanto nas regiões onde já é largamente cultivada (São
Paulo) como nas regiões de fronteira agrícola, Abramovay (2007) afirma que “cana-de-
açúcar também se expande de forma nítida tanto nas regiões onde ela já domina a
paisagem (em São Paulo, por exemplo) como em áreas onde substitui pastagens e a soja,
no Centro-Oeste e no Nordeste: a participação da cana-de-açúcar na renda
agropecuária brasileira passa 14% a 21% do total entre 2005 e 2007”.
O cultivo da cana trouxe incontestáveis avanços econômicos, mas é fato que
apresenta problemas ambientais sérios, fortalece a monocultura, o latifúndio, criando
paisagens monótonas. O sistema de produção utiliza grande quantidade de agrotóxicos e
fertilizantes, causando poluição ao meio ambiente. Até poucos anos atrás a cana era
queimada para facilitar sua colheita, causando a poluição do ar nas cidades circundadas
pela cultura, sendo um problema de saúde pública. Atualmente, no estado de São Paulo a
colheita é mecanizada, mas no nordeste brasileiro o fogo ainda é utilizado.
Outro aspecto de relevância é o processo de contratação dos “bóias frias” para os
períodos de colheita, estudos mostram que a relação de trabalho é penosa e muitas vezes
desumana. Kokol e Misailidis, 2013, mostram que há avanços no setor sucroalcooeiro,
mas, o problema social relacionado com os trabalhadores ainda é eminente em algumas
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regiões produtoras “As mobilizações sociais em relação a essa questão vêm de longa
data; porém, com a iminência do esgotamento do prazo para o fim da utilização da
queimada como método da colheita, aceleram-se as preocupações com os trabalhadores
da cana-de-açúcar ocupados nesse cruel posto de trabalho, o corte da cana. Algumas
políticas já vêm sendo realizadas, e indicam que o governo e a iniciativa privada
optaram por promover cursos de qualificação para a recolocação dos cortadores de
cana-de-açúcar após a mecanização. Entretanto, a mera realização de cursos de
qualificação suscita dúvidas a respeito da efetividade de soluções em um setor cuja
grande maioria da ocupação de força de trabalho mantém condições precárias de
trabalho e salário, bem como baixos níveis de escolaridade, quase ineficientes para
preencher os cargos novos que irão surgir com o avanço da tecnologia na agricultura
canavieira.” Por todas essas questões a produção do álcool apresenta uma
insustentabilidade latente, apesar de ser considerado um combustível renovável, ainda há
o dilema entre energia renovável e sustentabilidade. Com base no cenário descrito acima,
o governo começa a apoiar outras matrizes tecnológicas para a produção de combustíveis
renováveis, baseado na produção de óleos advindos de outras culturas que tenham maior
inserção com as questões regionais. O enfoque utilizado na concepção do novo programa
é proporcionar ganhos econômicos, ambientais e sociais.
1.2. Programa Nacional de Produção de Biocombustíveis
A cartilha elaborada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (2010), responsável
pela divulgação do PNPB, define biodiesel como sendo “(...) um combustível
biodegradável derivado de fontes renováveis, que pode ser produzido a partir de
gorduras animais ou de óleos vegetais, existindo dezenas de espécies vegetais no Brasil
que podem ser utilizadas, tais como mamona, dendê, girassol, canola, gergelim, soja,
dentre outras. Por esse motivo a energia gerada pelo biodiesel é chamada de energia
renovável”.
O Programa Nacional de Produção de Biocombustíveis- PNPB foi Idealizado em
2004, com base no relatório produzido pelo grupo de trabalho ligado a Casa Civil. O
objetivo era produzir combustível a partir de outras matrizes além da cana de açúcar e
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trazer a ação aspectos ligados às questões sociais. Nessa condição, pensar em culturas
integradas aos biomas brasileiros que tenham uma boa produção de óleo voltada para
biocombustíveis possibilitaria a abertura de um novo mercado que por consequência
levaria ao investimento em novos cultivos adequados a realidade da agricultura familiar.
O PNPB tem a expectativa de inserir mais de 4milhões de famílias de agricultores no
mercado de gerado pela biodiesel.
Em, O acesso dos agricultores familiares ao mercado de biodiesel- parceria entre
grandes empresas e movimentos sociais (2007), Abramovay destaca a importância do
selo social para a comercialização no mercado externo, aumentando as oportunidades e
diminuindo as contestações “A abordagem do selo social do biodiesel pelas empresas
está muito mais próxima daquilo que Porter e Kramer (2006) chamam de “dimensões
sociais estratégicas do contexto competitivo”. Nesse caso, a responsabilidade social é
concebida no centro estratégico da gestão da empresa e busca ampliar a competitividade
através de mudanças no contexto social para explorar novas oportunidades de negócios e
aumentar a eficiência produtiva. No caso das empresas de biodiesel, a importância da
estabilização das fontes de abastecimento de matéria prima, a necessidade de não
ficarem dependentes de um só tipo de matéria prima e o menor custo de produção da
agricultura familiar são os principais motivos que levam a tão forte adesão empresarial
a um programa que tem um objetivo ao mesmo tempo econômico e social”.
O programa descreve que a monocultura deve ser evitada, que a geração de renda para
os agricultores é objetivo importante e central, ainda cita a segurança alimentar e fatores
estratégicos para a agricultura familiar. Isso irá ocorrer a partir da integração entre dois
atores que não possuem forte coesão dentro do sistema, agricultura familiar e empresas da
área de combustíveis, são elementos que não tinham, até pouco tempo, nada em comum e
que agora precisam estabelecer um diálogo para alcançar seus interesses. Na integração
para a implementação da PNPB há o acompanhamento do estado para que ocorra a
geração de renda para agricultura familiar, o Estado não aloca recursos, mas sim, fomenta
a criação de um novo mercado. Há a participação ativa do movimento sindical como
órgão de certificação dos agricultores que se encaixam na categoria de familiar, a empresa
só consegue comercializar o produto para a Petrobrás (com um maior valor do óleo
somado a incentivos fiscais) se obtiver o selo verde. O selo e cedido pelo MDA, mediante
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a ratificação do sindicato que acompanha as relações firmadas em contrato entre empresa
e os agricultores. “As empresas não apenas selecionam seus fornecedores com base no
trabalho do movimento sindical, mas apóiam-se na estrutura sindical para negociar os
contratos e organizar a oferta – e, portanto o controle da própria qualidade do produto -
com um aparato próprio de assistência técnica, garantindo preços aos produtores. Desta
relação entre empresas e movimento sindical depende o “selo social” (MAGALHÃES;
ABRAMOVAY, 2007 pag 16.).
Após a obtenção do selo verde a empresa fica apta a participar dos leilões realizados
pela Petrobrás para a compra do biodiesel, que a partir de 2014 fará parte da composição
da gasolina comum utilizadas pelos automóveis brasileiros. Apesar do desenho inovador e
do arranjo que permite a participação dos agricultores, não há registro dos impactos que a
integração vem causando nos sistemas produtivos da agricultora familiar. Os agricultores
familiares do sul e sudeste têm um sistema de produção altamente integrado ao mercado,
estão familiarizados em lidar com recursos financeiros consideráveis, além do acesso fácil
a tecnologias e maquinário. No nordeste parense, isso é novidade, a região é caracterizada
pela agricultura familiar com base ecológica e voltada para alimentação familiar. A
integração trará grandes modificações produtivas e sociais. Até mesmo o acesso
permanente a assistência técnica será novidade para população. É importante analisar as
transformações que ocorrerão, pois hoje o processo de integração já existe e envolve
cerca de 600 famílias, a meta é envolver 2000 agricultores até final de 2014.
O Nordeste paraense
O Nordeste paraense é uma mesorregião, segundo o MDA (2013), composta por
20 municípios: Abel Figueiredo, Aurora do Pará, Bujaru, Cachoeira do Piriá, Capitão
Poço, Dom Eliseu, Garrafão do Norte, Ipixuna do Pará, Irituia, Mãe do Rio, Nova
Esperança do Piriá, Ourém, Paragominas, Santa Luzia do Pará, São Miguel do Guamá,
Tomé-Açu, Ulianópolis, Concórdia do Pará, Rondon do Pará e São Domingos do Capim.
A população total do território é de 734.545 habitantes, dos quais 353.352 vivem na área
rural, o que corresponde a 48,10% do total. Possui 23.542 agricultores familiares, 16.204
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famílias assentadas, 26 comunidades quilombolas e 8 terras indígenas. Seu IDH médio é
0,65. (MDA - Territórios da cidadania, 2013).
A agricultura nesta região é baseada no sistema conhecido como sistema de corte e
queima, definido como aquele que é feito a partir da abertura de clareiras, onde a área é
cultivada em curtos períodos, menores que o pousio. (JUNIOR et al, 2008). (CONKLIN
1961; POSEY, 1984; EDEN & ANDRADE, 1987; KLEIMAN et al., 1995),
McGRATH(1987) a define como uma estratégia de manejo de recursos, onde os campos
são rotados de forma a explorar o capital energético e nutritivo do complexo natural
solo-vegetação da floresta, muitas vezes constituindo a única fonte de nutrientes para as
roças. Já, Boserup (1965) apresenta como “A agricultura de corte e queima é uma
adaptação altamente eficiente às condições onde o trabalho, e não a terra é o fator
limitante mais significativo na produção agrícola”. Na literatura o sistema de corte e
queima também é tratado como sistema itinerante.
O processo produtivo dos camponeses, situados nas áreas de fronteira agrícola da
Amazônia brasileira constitui-se fundamentalmente, do cultivo de produtos de base
alimentar (arroz, milho, mandioca, feijão e hortaliças), um sistema de extrativismo
(madeira e frutas nativas), um sistema de criação (aves e suínos) e um sistema de
beneficiamento de farinha de mandioca. O cultivo corte e queima de tarefas sincronizadas
em um calendário anual do uso da força manual familiar, da estação chuvosa e da
fertilidade natural do solo (Freitas, 2000).
Considerando os aspectos climáticos e culturais da região, o PNPB escolheu
fomentar o cultivo do dendê nesta região. O óleo de palma apresenta excelente qualidade
para a produção de biodiesel.
PNPB e Agricultores familiares do nordeste paraense.
Dentre todos os estados que participam do programa o Pará é o tem menor adesão,
todos os produtores de dendê do estado estão localizados no nordeste paraense. Dados do
Relatório de Expansão do dendê na Amazônia, elaborado pela ONG Repórter Brasil,
destacam que atualmente a área plantada de dendê no nordeste paraense é de 140 mil
hectares, com perspectiva de expansão de 329 hectares até 2020.
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O Banco da Amazônia- BASA é o agente financeiro responsável pelo repasse
recursos para os agricultores familiares através do PRONAF Eco dendê. A partir do
momento que a parceria entre empresa e agricultor é firmada, há o acesso ao
financiamento. Assim, através do numero de projeto contratados junto ao BASA e
possível estabelecer um mapa da localização e do número de agricultores envolvidos.
A entrada de recursos financeiros via financiamento, o acesso a assistência técnica
fornecida pela empresa e o contato com novas tecnologias, informações e práticas estão
influenciando a forma de trabalho e a qualidade de vida dos agricultores familiares da
região. “O sistema agrícola do agronegócio é distinto do sistema agrícola do
campesinato. No sistema agrícola do agronegócio, a monocultura, o trabalho
assalariado e produção em grande escala são algumas das principais referências. No
sistema agrícola camponês, a biodiversidade, a predominância do trabalho familiar e a
produção em pequena escala são algumas das principais referências. [...] O campesinato
pode produzir a partir do sistema agrícola do agronegócio, contudo, dentro dos limites
próprios das propriedades camponesas, no que se refere à área e escala de produção.
Evidente que a participação do campesinato no sistema agrícola agronegócio é uma
condição determinada pelo capital”. (FERNANDES & WELCH, 2008, p.49).
Analisando a situação do nordeste paraense, já é possível verificar que houve
mudanças relacionadas ao sistema de produção. O estudo relacionado com a expansão do
dendê na Amazônia mostra a influencia da lógica produtiva da empresa, a FASE-
Federação para a Assistência Social e Educacional, criada em 1961, realizou outro estudo
sobre a produção de dendê na Amazônia e seu impacto na agricultura familiar, este foi
apresentado no encontro intitulado “Agrocombustíveis, Mercado de Terras e Povos
Tradicionais no Pará”, que aconteceu campus da Universidade Federal do Pará-UFPA,
em fevereiro de 2013. Neste estudo a FASE afirma que os agricultores de Concórdia do
Pará apresentam problemas com o uso do agrotóxico, há contaminação dos cursos d´água
e efeito sobre a saúde das famílias. O relatório elaborado pela ONG Repórter Brasil, trás a
mesma afirmação “Um dos principais impactos ambientais do dendê, já detectados no
nordeste paraense (depois da onda de desmatamentos praticados por - ou a mando de -
empresas em lotes de agricultura familiar para a implantação de dendê entre 2008 e
201010) tem sido a contaminação por agrotóxicos de igarapés que alimentam os
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inúmeros rios – como o Pará, Tocantins, Moju, Acará, Acará Miri, Capim, Aiu--Açu,
Maracanã e Camari, entre outros - da região” (RELATÓRIO DE EXPANSÃO DO
DENDÊ NA AMAZÔNIA, 2013). As próprias empresas compradoras do dendê realizam
estudos para avaliar as mudanças causadas pela introdução da cultura em comunidades de
agricultores familiares, esses estudos mostram que há outros problemas graves como falta
de mão de obra, falta de preparo na aquisição do crédito que é utilizado em outras
atividades, diminuição do tamanho e do cuidado com as lavouras produtoras de
alimentos.
Avaliando essa situação podemos perguntar, se a PNPB com esse arranjo auxilia no
desenvolvimento da região? Na concepção de desenvolvimento rural hoje trabalhada
pelos teóricos?
PNPB no Nordeste paraense e o desenvolvimento rural sustentável
Ângela Kageyama, (2004) afirma O desenvolvimento – econômico, social, cultural,
político – é um conceito complexo e só pode ser definido por meio de simplificações, que
incluem “decomposição” de alguns de seus aspectos e “aproximação” por algumas
formas de medidas. De acordo com Veiga (2000), não existe “o desenvolvimento rural”
como fenômeno concreto e separado do desenvolvimento urbano. O desenvolvimento é
um processo complexo, por isso muitas vezes se recorre ao recurso mental de
simplificação, estudando separadamente o “desenvolvimento econômico”, por exemplo;
ou, como propõe Veiga, pode-se estudar separadamente o “lado rural do
desenvolvimento”. Nesse conceito de vínculo contínuo de desenvolvimento como um
todo, um conceito mais amplo de territorialidade. O espaço [rural] é agora procurado por
urbanos, consumidores da natureza e das atividades que esta proporciona. O mercado já
não se limita a pôr em relação, através das trocas de produtos agrícolas e de equipamentos
e tecnologias, dois espaços produtivos: a cidade industrial e o campo agrícola. Hoje
envolve todo o território numa teia diferenciada de atividades e de fluxos econômicos.
Nesse conceito de território, os serviços existentes no espaço urbano, devem
estar acessíveis ao camponês, o rural não é mais só o lugar com lavouras, mas incorpora o
turismo, o lazer, a educação, saúde, saneamento básico, conceito da multifuncionalidade
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do meio rural. Olhar o cultivo do dendê como forma de inserção dos agricultores no
mercado e como provedor do desenvolvimento rural para o Nordeste paraense requer
análise, em alguns aspectos há avanços, como abertura de mercado, acesso a assistência
técnica (sem questionar a qualidade), fomento para a melhoria da economia local,
comprador seguro para o produto. Por outro lado há dificuldades, não houve por parte da
empresa e do governo uma participação para a melhoria da qualidade de vida das famílias
neste momento, a integração é puramente comercial, os agricultores devem adquirir os
benefícios através dos ganhos que o dendê deverá proporcionar. É possível dizer que o
PNPB não é uma ação de desenvolvimento rural e sim de capitalização do produtor.
Nesse processo de capitalização há a relação entre dois atores de fraca coesão
dentro do tecido social, grandes empresas multinacionais e agricultores familiares
brasileiros nunca se unirão para a construção de um mercado comum, nessa composição
ainda é preciso considerar a mediação realizada por órgãos governamentais. A teoria dos
campos elaborada por Bourdieu é universal, mas que pode ser utilizada para compreender
a construção de campos específicos e das forças que regem esse campo. “O conceito de
campo é empregado por Bourdieu para caracterizar a natureza das diversas entidades
sociais, como o espaço social, uma empresa com atuação em múltiplos mercados, a
família, ou o próprio campo como domínio específico das atividades.” (HELAL &
MARIZ, 2011). Os campos não são estáticos e homogêneos, são regidos por lutas,
vínculos e ocupação dentro do espaço social, essa organização modifica as relações e
interfere diretamente na consolidação do programa e no alcance dos objetivos propostos.
Jalcione Almeida (1997), afirma “questões técnicas, ambientais e sociais? Mas o
grande desafio, talvez, resida na capacidade das forças sociais envolvidas na busca de
outras formas para o desenvolvimento de imprimir sua marca nas políticas públicas,
para que estas venham a afirmar política, econômica e socialmente a opção pela
agricultura familiar, forma social de uso da terra que melhor responde a noção de
sustentabilidade e as necessidades locais, regionais e do país (Programa Tecnologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável, 1995). O sucesso das iniciativas atuais por um novo
e diferente modo de desenvolvimento está na razão direta dos resultados obtidos nesta
direção, ou seja, no fortalecimento dos processos organizativos da agricultura familiar
nas suas diversas formas associativas.”
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2. Material e método
Em 2013 foram realizadas 100 entrevistas nos municípios de Concórdia do Pará e
Tomé- Açu, utilizando questionários semi – estruturado, as questões têm como principal
enfoque coletar informações relacionadas com: mudanças na economia família, mudanças
no regime e condições de trabalho, mudança da organização espacial, relação com a
empresa compradora do dendê.
Buscando diminuir as distorções entre o perfil dos entrevistados, as famílias foram
agrupadas em 2 tipos, as características escolhidas para identificar os tipos foram:
™ Origem da renda familiar:
™ Tamanho da propriedade:
™ Disponibilidade de mão de obra
Figura1: Agricultor produtor de dendê no município de Tomé - Açu
Fonte: ONG Repórter Brasil, 2013.
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Os dados coletados pelos questionários foram inseridos em um sistema informatizado
de planilhas, construído pelo Laboratório Socioambiental Araguaia Tocantins/ UFPA. A
ferramenta organiza e calcula as médias dos indicadores (área, disponibilidade de mão de
obra, valor da renda familiar, tamanho da área). Após essa etapa, as planilhas mostram qual
agricultor cujo, os dados fornecidos se aproximam dos valores médios de todos os
agricultores do tipo em análise. Este entrevistado será usado como modelo e os cenários de
análise serão construídos com base em seu questionário.
Após a escolha do representante as informações como custos de produção, dias/homens
trabalhados, volume comercializado, preço de comercialização, estoques, consumo,
patrimônio, financiamentos, dentre outros aspectos são inseridos em outro sistema, gerando
planilhas e gráficos que representam a realidade econômica do agricultor em determinado
ciclo agrícola. Para possibilitar a identificação das mudanças, serão construídos 3 cenários
para cada tipo:
™ Cenário 1- realidade econômica do agricultor sem o cultivo do dendê: Para
saber se o novo cultivo melhora as renda da família e consequentemente sua
qualidade de vida, é preciso conhecer qual era a situação econômica da família
anteriormente. Destacando a importância da formação da renda,
disponibilidade de trabalho e custos totais.
™ Cenário 2- realidade do agricultor no ano de implantação e antes da colheita:
durante alguns anos o dendê não apresenta produção, nesse período o
agricultor deverá ser capaz de custear a atividade sem obter retorno financeiro.
É preciso conhecer como o sistema de comportará com o aumento dos custos
totais sem o aumento da renda.
™ Cenário 3- realidade do agricultor após o início da produção: neste momento o
objetivo e identificar a participação do dendê na renda familiar e qual a sua
contribuição para a melhoria na qualidade de vida dos agricultores envolvidos
na parceria.
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Para a análise do trabalho disponível foi utilizado como base os conceitos descritos
por Chayanov.
Alexander Chayanov (1888-1930) foi professor do de um importante instituto de
agronomia perto de Moscou e principal expoente de um grupo de economistas agrícolas e
engenheiros agrônomos que ficou conhecido como a “Escola da Organização da Produção”,
por sua permanente tentativa de contribuir para que os camponeses pudessem melhor gerir
os recursos que dispunham. Abramovay em Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão
(2007, pág. 71) analisa os estudos de Chayanov e descreve “aumentando o tamanho da
família crescerá a intensidade do trabalho. O importante é que tanto a satisfação das
necessidades de consumo como o julgamento da penosidade do trabalho capaz de atingir
essa satisfação são de natureza estritamente subjetiva. O valor que a família atribui ao seu
esforço- que que explica o volume da atividade econômica- depende da estimativa que é
feita do trabalho, relativamente na satisfação ou não do consumo. Em outras palavras,
trata-se de determinar a utilidade marginal da renda obtida, relativamente às necessidades
de consumo, pois é isso que permite estabelecer a natureza da motivação da atividade
econômica da família camponesa.”. Essa relação entre trabalho e consumo é ponto crucial
dentro da descrição da sustentabilidade do cultivo do dendê nos estabelecimento familiares,
para descrever essa problemática foram utilizados os conceitos teorizados por Chayanov.
O potencial de trabalho de um estabelecimento familiar depende principalmente da
quantidade e da idade dos membros na família. O trabalho disponível é composto pela força
produtiva de todas as pessoas que moram no lote e que já tenham idade para desempenhar e
até mesmo gerenciar algumas atividades. O conjunto familiar deve trabalhar para suprir as
necessidades dos membros que são considerados apenas consumidores (crianças abaixo de
14 anos). O ponto de partida é um homem adulto porque este é capaz de produzir 100% do
que consome, sendo que ao relacionar estes dois fatores (trabalho/consumo) o resultado será
igual a 1. Segundo Chyanov (citado por REYNAL et al, 1997, pg 80). Isso acontece quando
o individuo atinge os 18 anos de idade, entretanto para uma mulher a relação
consumo/trabalho é igual a 0,8, a soma destes índices compõe a UTE (Unidade de Trabalho
Equivalente) do lote, ressaltando que conforme os membros da família vão envelhecendo a
relação ira mudar, porque para jovens o potencial produtivo irá aumentar em compensação
para os adultos a tendência deste potencial é a queda. Quando parte dessa capacidade
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produtiva é aplicada fora do lote há uma redução na UTE, se os membros da família
trabalham fora ou estudam a UTE é diminuída em 50%.
Figura 2: dendezeiro em Concórdia do Pará.
Fonte: arquivo pessoal, 2013.
A empresa que negocia a produção com os agricultores entrevistado também foi
visitada, metodologia utilizada foi um questionário aberto, onde os responsáveis pelo
programa explanaram as principais dificuldades e avanços com relação a implantação do
PNPB no nordeste paraense. A empresa concedeu o acesso a informações descritas em
documentos como: a tabela com produção até o momento da entrevista de cada agricultor,
preço pago pela tonelada do dendê, exigências descritas em contrato, cédula de contratação
do crédito PRONAF Eco Dendê e a tabela com a estimativa esperada de produção por ano
de cultivo.
3.RESULTADOS
Perfil dos entrevistados
Com base nos dados coletados foi possível identificar que os agricultores
entrevistados apresentam características econômicas distintas. As atividades realizadas que
são responsáveis pela formação da renda foi o grande diferencial, assim foi adotada a
tipologia descrita abaixo para homogeneizar os grupos e possibilitar a análise correta da
realidade.
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Agricultores tipo 1- Dependentes de recursos externos.
O termo “recursos externos” foi utilizado para identificar o valor monetário gerado
por atividades não agropecuárias. No caso desse tipo, os agricultores que possuem emprego
permanente em empresas ou repartições públicas e/ou são aposentados e/ou beneficiários do
programa bolsa família com benefícios girando em torno de R$492,00/mês. Quando esses
recursos passam a compor mais de 50% da renda familiar, alocamos o agricultor no tipo 1.
Para os entrevistados desse tipo verificamos que o recurso monetário gerado pelas atividades
externas compõe de 85% a 100% da renda familiar. A renda bruta das famílias varia entre
R$1,680,00 a R$680,00 por mês (atividade assalariada + bolsa família). 97,8% dos
entrevistados se encaixam neste grupo
Tabela 1: Perfil do agricultor tipo 1, antes da implantação da cultura do dendê
Quadro Síntese para Apoio na Tipologia
Produto Bruto (PB) Disponibilidade e Uso da Terra R$ % Ha %
Grandes Animais Leite e
Derivados Variação
do Rebanho
Pasto Próprio
Pasto de 3os
Animais de Serviço
0,00 0,0
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
Mata 7,0 24,1 Lavoura Tmp. 2,0 6,9 Lavoura Prm. 10,0 34,5 Pasto
Pasto Limpo
Pasto Sujo
0,0
0,0
0,0
0,0
Pequenos / Médios Animais 600,00 7,0 Capoeira 10,0 34,5 Agricultura Perene / Semi
Banana
Outros
0,00 0,0
0,00
0,00
Total 29,0 100,0 Rebanho Bovino
Unidades Animais (U.A.) 0,00 Agricultura Temporária
Arroz
Feijão do Sul
Mandioca
Outros
-880,00 -10,3
0,00 0,0
0,00 0,0
-720,00 81,8
-160,00 18,2
Disponibilidade de Trabalho Familiar Quantidade de UTE 1,90
Relação Terra Disponível / Trabalho
Ha / UTE Área / Trabalhador Equiv. 15,26
Extrativismo
Vegetal Não Madeireiro
Animal
Madeireiro
690,00 8,1
690,00 100,0
0,00 0,0
0,00 0,0
Indicadores Sociais
Organização Política Trabalho Fora do Estabelec. 8.160,00 95,2 Índice de Partic. no Movimento 0 Outras Receitas 0,00 0,0 Acesso a crédito
Total 8.570,00 100,0 Índice de acesso 1
Fonte: entrevistas, 2013.
Todos os representantes desse grupo possuem PRONAF Eco dendê, a média de
endividamento é de R$62.300,00/projeto, com carência de 6 anos e juros de 2% ao ano, o
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valor total do juro que incidirá sobre a dívida inicial é de R$41.100,00. Por trabalharem fora
do lote, as famílias apresentam baixa disponibilidade de mão de obra.
Agricultores tipo 2- Renda gerada apenas pelas atividades agropecuárias.
Este tipo representa a minoria dentro da comunidade estudada, são agricultores
que não vendem sua força de trabalho para atividades externa, possuem cultivos voltados
para o mercado, geralmente pimenta e/ou mandioca para ser vendida como farinha.
Também há cultivos de feijão caupi, milho que são utilizados pela família, mas não são o
suficiente para garantir a alimentação, boa parte dos itens são comprados no comércio.
Existe uma inserção tímida no mercado de polpa de frutas como cupuaçu e a maracujá.
A extração do açaí visa atender o consumo familiar, podendo o excedente ser
comercializado. Apesar de possuir grande quantidade de mão de obra familiar, os
agricultores contratam diaristas, há casos em que os lotes possuem trabalhadores
permanentes. Esse fator é interessante, pois o agricultor investe parte do lucro na redução
da sua carga de trabalho.
Tabela 2: perfil dos agricultores tipo 2 antes da implantação do dendê.
Fonte: entrevistas, 2013.
3.2. Trabalho, renda e a introdução do cultivo do dendê: construção de um
novo cenário.
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Durante as entrevistas e a observação das atividades cotidianos do lote, foi
possível perceber que para os dois tipos houve uma mudança drástica no arranjo espacial
do lote, de maneira geral, os agricultores não cultivam grandes áreas com uma mesma
cultura. Mesmo entrevistados do Tipo 2, que apresentam uma grande inserção no
mercado possuem pimentais com uma média de 5,5 hectares. A cultura do dendê, no
formato descrito pela PNPB e adotado pelo contrato com a empresa, exige que o
agricultor implante 10 hectares do cultivo, essa extensão de área para apenas um cultivo é
uma nova realidade que altera a distribuição do trabalho familiar dentro do lote.
O arranjo político criado pelo PNPB para abertura de mercados, integração entre
atores diferentes visando garantir a comercialização do produto, é interessante. Porém, as
considerações regionais, as especificidades não foram observadas durante a elaboração do
programa. O acesso ao crédito Pronaf Eco Dendê aqueceu o consumo de produtos
agropecuários que anteriormente não eram comercializados (agrotóxicos, fertilizantes,
mudas) gerando emprego e a expansão de empresas nas cidades visitas. É incontestável
que a presença da empresa mudou a perspectiva de desenvolvimento da região,
aproximou a tecnologia do cotidiano dos lavradores, forneceu assistência técnica
permanente, serviço que o Estado nunca conseguiu implementar. A empresa também
aumentou o fluxo de informações entre os agricultores, gerou emprego nas unidades
processadoras de óleo que estão localizadas nas comunidades estudadas.
O programa tem como foco a inclusão social e o desenvolvimento territorial a
partir de um programa de geração de renda sustentável, mas ao entrevistar e observar a
realidade local é possível verificar aspectos que comprometem o objetivo da ação.
Nas entrevistas é possível observar o confronto entre a lógica da empresa e a
lógica do agricultor familiar. A empresa busca aplicar a lógica produtiva do sistema
convencional, das grandes fazendas, utilizando insumos (agrotóxicos, adubos, preparo de
solo mecanizado, manejos constantes como coroamento) para garantir a máxima
produtividade. Já os agricultores familiares tem como foco principal a reprodução
familiar, é preciso garantir alimento, vestuário, medicamentos, recursos para o transporte,
se for preciso negligenciar os tratos culturais para atender as necessidades da família, a
cultura ficará em segundo plano. Não há um histórico de uso de insumos e quantidade e
constância como pede a cultura do dendê, a alta demanda de trabalho faz com que tratos
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culturais sejam realizados de forma incorreta, a necessidade sempre urgente de capital
leva o agricultor a focar em atividades que gere recurso rápido, como o trabalho fora do
lote.
Há ainda o despreparo para utilizar o crédito agrícola de forma correta, o
envelhecimento visível da população do campo e as dificuldades estruturais que
desanimam o agricultor. Em 93,7% dos questionários desse tipo, o agricultor caracterizou
a cultura do dendê como “difícil”, “dificultosa” isso é reflexo da alta demanda de trabalho
que a cultura exige, as famílias estão encontrando dificuldade para a manutenção da
atividade, mas 100% dos entrevistados afirmaram ter esperanças que essa atividade irá
melhorar suas vidas no futuro.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Para que o programa alcance o resultado esperado, é necessário ajustar as
exigências, permitindo práticas que hoje são impossibilitadas pelos contratos firmados. É
fundamental utilizar técnicas que diminuam a quantidade de mão de obra e possibilitem o
consórcio do dendê com outra culturas que sejam de conhecimento do agricultor, que
exijam baixo volume de mão de obra e se apresentem valorização no mercado, uma
alternativa é a inserção do cultivo da mandioca raiz que para a produção e
comercialização de farinha. Atividade secundária que pode ajudar a cobrir os custos do
dendê durante os anos de fraca produção.
Outros aspectos podem ser observados, o ajuste da área plantada a força de
trabalho existente com uma possível expansão escalonada, capacitação dos agricultores
para o entendimento da utilização do crédito bancário e as consequências do não
pagamento das parcelas, ações que visem gerar renda durante os anos de baixa produção
da cultura do dendê e a possibilidade de uma parceria adequada entre a empresa e os
agricultores, onde os programas sejam discutidos de igual para igual formando uma ação
orgânica entre os dois atores.
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