análise gramsciana do estatuto do partido rede sustentabilidade

11
1 ANÁLISE GRAMSCIANA DO ESTATUTO DO PARTIDO REDE SUSTENTABILIDADE: CANDIDATURA CÍVICA INDEPENDENTE Danielle Cristina Braz  RESUMO: O recém-fundado partido político brasileiro Rede Sustentabilidade traz um estatuto repleto de inovações. Entre estas está a candidatura cívica independente, mecanismo que permite às lideranças de movimentos e causas sociais filiarem-se ao  partido e lançarem candidatos, sem a necessidade de manterem vínculo orgânico com o  partido. O presente artigo faz uma análise deste instrumento através de conceitos gramscianos, como o conceito de vontade coletiva, de guerra de posições, de centralismo democrático e, principalmente, através da proposta da forma organizativa do Moderno Príncipe. Com esta análise pretende-se demonstrar que a candidatura cívica independente, ao mesmo tempo em que enfraquece o sistema representativo dos partidos  políticos, também é um indicativo da instaurada crise de representatividade pela qual  passam tais partidos. PALAVRAS-CHAVE: Rede Sustentabilidade, Moderno Príncipe, Gramsci. GRAMSCIAN ANALYSIS OF STATUTE’S PARTY "SUSTAINABILITY NETWORK": CANDIDATURE CIVIC INDEPENDENT  Bacharel em Direito, advogada e aluna especial do curso de Mestrado em Ciências Sociais da Unioeste Toledo (PR). E-mail: daniellebraz [email protected] .

Upload: danielle-braz

Post on 15-Oct-2015

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 1

    ANLISE GRAMSCIANA DO ESTATUTO DO PARTIDO REDE

    SUSTENTABILIDADE: CANDIDATURA CVICA INDEPENDENTE

    Danielle Cristina Braz

    RESUMO: O recm-fundado partido poltico brasileiro Rede Sustentabilidade traz um

    estatuto repleto de inovaes. Entre estas est a candidatura cvica independente,

    mecanismo que permite s lideranas de movimentos e causas sociais filiarem-se ao

    partido e lanarem candidatos, sem a necessidade de manterem vnculo orgnico com o

    partido. O presente artigo faz uma anlise deste instrumento atravs de conceitos

    gramscianos, como o conceito de vontade coletiva, de guerra de posies, de

    centralismo democrtico e, principalmente, atravs da proposta da forma organizativa do

    Moderno Prncipe. Com esta anlise pretende-se demonstrar que a candidatura cvica

    independente, ao mesmo tempo em que enfraquece o sistema representativo dos partidos

    polticos, tambm um indicativo da j instaurada crise de representatividade pela qual

    passam tais partidos.

    PALAVRAS-CHAVE: Rede Sustentabilidade, Moderno Prncipe, Gramsci.

    GRAMSCIAN ANALYSIS OF STATUTES PARTY "SUSTAINABILITY

    NETWORK": CANDIDATURE CIVIC INDEPENDENT

    Bacharel em Direito, advogada e aluna especial do curso de Mestrado em Cincias Sociais da

    Unioeste Toledo (PR). E-mail: [email protected].

  • 2

    ABSTRACT: The newly founded political party brazilian "Sustainability Network" brings

    a statute packed with innovations. Among them is the "candidature independent civic",

    mechanism that allows the leaders of social movements and causes affiliating to the party

    and engage candidates through it, without the need to maintain direct relationship with the

    party. This article analyzes this instrument through gramscian concepts, such as the

    concept of "collective will" of the "war of position", the "democratic centralism" and

    especially, through the proposal of the organizational form of the "Modern Prince". This

    analysis is intended to demonstrate that the candidature independent civic, while it

    weakens the representative system by political parties, is also indicative of the already

    established crisis of representation through which pass such parties.

    KEYWORDS: Sustainability Network. Modern Prince. Gramsci.

    1. INTRODUO

    O presente artigo tem por objetivo a anlise, em bases gramscianas, de um dos

    mecanismos trazidos pelo novo partido poltico brasileiro chamado Rede

    Sustentabilidade. O mecanismo escolhido chama-se candidatura cvica independente e

    ser analisado luz de alguns conceitos importantes da teoria de Gramsci, partindo do

    pressuposto que estes conceitos permanecem atuais e do conta de explicar a atual

    conjuntura poltica brasileira.

    A candidatura cvica independente vem prevista no estatuto do partido

    (ESTATUTO..., 2013, p. 187) da seguinte forma:

    Art. 88. A REDE oferecer at 30% (trinta) do total de vagas nas eleies

    proporcionais para candidaturas cvica independentes que sero oferecidas sociedade para cidados no filiados e que no pretendam

    exercer vnculos orgnicos com nenhum partido poltico dispostos

    exclusivamente a disputar as eleies e exercer mandato parlamentar para

    defender e representar movimentos, redes e causas sociais legtimas e

  • 3

    relevantes para a sociedade, o Programa, o Estatuto e o Manifesto da

    REDE.

    A proposta do partido , portanto, oferecer aos representantes de movimentos e

    causas sociais, a possibilidade de serem candidatos pela Rede, sem precisarem manter

    qualquer tipo de relao orgnica com o partido.

    Os representantes precisam somente apresentar uma carta de intenes, dizendo

    quais so seus propsitos para o mandato parlamentar, sendo que o partido ter o direito de

    deliberar, inclusive atravs de reunies abertas toda populao, e decidir se aceita ou no

    a candidatura.

    Uma vez eleito atravs deste sistema, o candidato no ter a obrigao de obedecer

    a nenhuma orientao partidria e o partido, por sua vez, no poder questionar ou

    interferir no mandato do parlamentar, a no ser que ele descumpra algum dos propsitos ao

    qual se vinculou na carta de intenes.

    Importa ressaltar, num primeiro momento, que apesar do partido escolhido no ser -

    nem se auto declarar - um partido revolucionrio, na acepo gramsciana da palavra, este

    instrumento foi escolhido por constituir-se em uma verdadeira inovao na organizao

    partidria, no encontrando correspondncia em nenhum dos estatutos de partidos polticos

    atualmente existentes no Brasil. Desta forma, em que pese a Rede no ter uma ao

    poltica que interesse nossa anlise, este instrumento, no mnimo curioso, carece de maior

    aprofundamento terico, no sentido de demonstrar que ele talvez seja um reflexo do grave

    perodo de descrdito generalizado na atuao dos partidos polticos.

    2. O MODERNO PRNCIPE

    A concepo gramsciana do Moderno Prncipe nasce atravs de uma analogia feita

    entre o partido poltico e o Prncipe maquiaveliano. Na interpretao de Gramsci1,

    1 Para Gramsci, Maquiavel no teria escrito o Prncipe inspirado ou destinado a algum soberano

    especfico. Na verdade, o Prncipe seria um mito, na concepo soreliana da palavra, ou seja, uma

  • 4

    Maquiavel, enquanto um dos primeiros intelectuais orgnicos da burguesia escreve O

    Prncipe no intuito de formar entre os membros da classe burguesa uma vontade coletiva

    que os orientasse no sentido da unificao dos estados italianos em um s Estado-Nao.

    Esta unificao impulsionaria os propsitos comercias da burguesia e a fortaleceria

    enquanto classe progressista da poca, criando as bases para a construo de um novo

    Estado.

    Este seria, portanto, o papel do Prncipe naquele determinado momento histrico.

    No entanto, na sociedade moderna em que vivera Gramsci, o Novo Prncipe no poderia

    ser uma nica pessoa, mas sim a expresso de um grupo social, representado atravs do

    partido poltico (GRAMSCI, 2000, v. 3, p. 59). Nas palavras de Geraldo Magella Neres

    (2012, p. 17) o partido seria o moderno Prncipe, pois se consolidara como a instituio

    reconhecida e legitimada pelo processo histrico recente como o criador de novos Estados

    e de novos ordenamentos: o suscitador de uma nova vontade coletiva que aspira a se

    transformar em sociedade integral.

    Desta forma, o Moderno Prncipe se ocuparia da grande poltica, ou seja, de

    questes ligadas fundao, destruio, defesa e conservao de determinadas estruturas

    orgnicas econmico-sociais (GRAMSCI, 2000, v. 3, p. 21); e no da pequena poltica,

    que teria relao com as questes polticas cotidianas.

    Neste ponto preciso fazer algumas consideraes sobre o foco deste estudo.

    Embora o tema do artigo seja a anlise da candidatura cvica independente, instrumento de

    vis eleitoral que se enquadraria perfeitamente na pequena poltica gramsciana; no sobre

    a pequena poltica que se pretende falar aqui.

    O objetivo utilizar-se do mandato cvico independente para trazer baila toda a

    discusso sobre a debilidade do sistema representativo por partidos polticos. Para isto se

    far necessrio analisar as possveis conseqncias negativas que o instrumento em apreo

    causar conscincia coletiva do eleitorado brasileiro, relacionando-as com a teoria

    gramsciana sobre os partidos polticos, em especial sobre o Moderno Prncipe.

    criao da fantasia concreta que atua sobre um povo disperso e pulverizado para despertar e

    organizar sua vontade coletiva (Gramsci, 2000, v. 3, p. 14). Sobre a interpretao gramsciana de Maquiavel: Neres, 2009.

  • 5

    Portanto, como vamos falar de conscincia coletiva, que em Gramsci ganha um

    contedo de classes, certamente no estaremos falando da pequena poltica, mas sim da

    grande poltica, o que justifica a importncia de bem conceituar o Moderno Prncipe.

    3. A FORMAO DA VONTADE COLETIVA

    O Moderno Prncipe, na proposta de Gramsci (2000, v. 3, p. 18), tem como

    principal funo ser o anunciador e o organizador de uma reforma intelectual e moral, [...]

    criar o terreno para um novo desenvolvimento da vontade coletiva nacional-popular no

    sentido da realizao de uma forma superior e total de civilizao moderna.

    Esta reforma intelectual e moral est umbilicalmente ligada ao conceito de guerra

    de posies criada por Gramsci para explicar o processo de transio socialista nas

    sociedades ocidentais2. Isto por que a guerra de posies pressupe a conquista paulatina

    de espaos no seio e atravs da sociedade civil (COUTINHO, 1984, p. 83); sendo que

    estes espaos uma vez conquistados, seriam preenchidos com o contedo produzido pela

    reforma intelectual e moral, que em ltima anlise, consolidaria a formao de uma

    vontade coletiva da classe proletria.

    No entanto para que o Moderno Prncipe tenha condies de criar tal vontade

    coletiva no bojo da classe operria, atravs da guerra de posies, preciso que ele observe

    alguns pontos fundamentais, que segundo Gramsci (1981, p. 242) seriam:

    1) la ideologia de partido; 2) la forma de la organizacin, y su grado de cohesin; 3) la capacidad de funciona em contacto com la masa; 4) la capacidad estratgica y tctica.

    Entre os quatro elementos elencados por Gramsci, interessa-nos para fins do

    presente artigo, debruar-se sobre o item 3: a capacidade do partido de funcionar em

    contato com a massa. Segundo Gramsci, o partido deveria ter entre seus membros,

    2 Gramsci diferencia os pases ocidentais dos orientais atravs do tipo de sociedade civil existente

    em cada um deles. Estes ltimos possuem uma sociedade civil pouco organizada, enquanto que os

    primeiros possuem uma sociedade civil complexa e articulada resistente s erupes catastrficas do elemento econmico imediato funcionando como um verdadeiro sistema de trincheiras. (Gramsci, 2000, v. 3, pp. 71-74).

  • 6

    dirigentes que seriam parte da massa e a ela permaneceriam vinculados, mesmo que

    exercendo funes diretivas, como forma de garantir a constante troca com a massa e

    rechaar a teoria determinista de oligarquizao dos partidos prevista por Michels3.

    Para que isto fosse possvel, era preciso adotar um mtodo de organizao

    especfico, atravs de clulas profissionais, ou seja, clulas com base no local de produo

    e no no critrio territorial adotado pelos demais partidos burgueses. Alm disso, o partido

    deveria ser especialmente responsvel pela educao destes membros que seriam o

    principal instrumento do partido de vinculao com as massas (GRAMSCI, 1981, p. 248).

    Destas ltimas observaes feitas por Gramsci, sobre a necessidade do permanente

    contato do partido com as massas atravs da formao de dirigentes especialmente

    preparados para isso, podemos traar um paralelo com a candidatura cvica

    independente.

    Em primeira anlise, um leitor desatento poderia concluir que no momento em que

    o partido traz para perto de si representantes de movimentos e causas sociais, sem a

    necessria vinculao orgnica, ele estaria achando uma forma bastante capciosa de

    construir este contato com as massas, indispensvel para a construo do partido

    revolucionrio.

    No entanto, isto uma falcia perigosa, pois fere o mais importante princpio

    organizativo do partido revolucionrio: o centralismo democrtico. Gramsci conceitua o

    centralismo democrtico como sendo o principio de organizao partidrio mais

    apropriado aos partidos revolucionrios. A este instrumento ele no d contedo especfico

    (GRAMSCI, 2000, v. 3, p. 92), apenas traa diretrizes gerais que devem ser observados na

    sua aplicao. Entre estas diretrizes est a organicidade, conceituada da seguinte forma:

    (...) ele (o centralismo democrtico) orgnico porque leva em conta o movimento, que o modo orgnico de revelao da realidade histrica, e

    no se enrijece mecanicamente na burocracia; e, ao mesmo tempo, leva

    em conta o que relativamente estvel e permanente ou que, pelo menos,

    move-se numa direo fcil de prever, etc. (Gramsci, 2000, vol. 3, p. 91).

    3 Gramsci dedicou algumas pginas dos seus Cadernos do crcere para rebater a teoria da

    oligarquizao dos partidos polticos defendida por Robert Michels no livro A Sociologia dos Partidos Polticos de 1914.

  • 7

    A essncia do centralismo democrtico, portanto, est edificada sobre a idia da

    centralizao que garante a eficcia da ao partidria, e ao mesmo tempo, sobre a lgica

    democrtica, que permite ao partido ter movimento, no sentido de ter organicidade, ou

    seja, permite que seus membros sejam capazes de pensar a conjuntura poltica, discuti-la e

    avaliar internamente as melhores posies a serem adotadas pelo conjunto do partido.

    Desta forma, podemos observar que as consequncias da candidatura cvica

    independente seriam desastrosas para a organizao interna do partido. Isto porque ao no

    estabelecer relao orgnica com o partido, a liderana mesmo que advenha das massas e

    com ela permanea vinculado, no participar internamente da vida partidria e no se

    submeter s posies adotadas pelo partido. Assim, o partido internamente sofrer um

    esvaziamento das lideranas e externamente ter prejudicada a eficcia de sua ao

    poltica.

    Ademais, o prejuzo se dar tambm na esfera da formao poltica das prprias

    lideranas, que no participando da vida interna do partido e no tomando parte nas

    discusses, no tero a possibilidade de formarem dentro de si, por um processo dialtico

    de convencimento, uma conscincia verdadeiramente de classe, que enxergue no partido

    um instrumento necessrio para a transformao social, e assim, permanecero merc de

    pequenos interesses dos grupos que representam.

    4. FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA PARA A

    CONSTRUO DO SOCIALISMO

    Por fim, cabe ressaltar ainda os prejuzos que a candidatura cvica independente

    trar ao sistema de democracia representativa adotado pelo Brasil atualmente, e como o

    fortalecimento desta democracia est intimamente ligado com a construo do socialismo.

    O sistema de representao vigente no Brasil e na maioria dos pases do mundo o

    chamado sistema partidrio, em que os partidos polticos so os verdadeiros detentores do

  • 8

    mandato, conforme asseverou o Ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Csar

    Asfor Rocha4:

    Ora, no h dvida nenhuma, quer no plano jurdico, quer no plano

    prtico, que o vnculo de um candidato ao Partido pelo qual se registra e

    disputa uma eleio o mais forte, se no o nico elemento de sua

    identidade poltica. O candidato no existe fora do Partido Poltico e

    nenhuma candidatura possvel fora de uma bandeira partidria.

    Observa-se, portanto, que ao prever a candidatura cvica independente, o estatuto

    da Rede Sustentabilidade cria uma brecha no sistema eleitoral brasileiro, uma vez que, o

    candidato passa a se utilizar do partido apenas como uma ferramenta necessria

    homologao de sua candidatura perante a Justia Eleitoral, ferramenta esta que

    facilmente descartada depois da eleio, algo que poderamos chamar de prostituio dos

    partidos.

    Uma vez eleito, o parlamentar passaria a exercer o mandato cvico independente

    podendo atuar politicamente de forma autnoma. Legitimar-se-ia, portanto, a possibilidade

    do parlamentar abandonar o partido ao qual se vinculou durante a eleio, criando aqui

    no s uma brecha, mas uma verdadeira afronta legislao eleitoral, que ao exigir o

    tempo mnimo de filiao e ao reconhecer o pertencimento do mandato aos partidos, deixa

    claro seu objetivo de fortalecer os partidos polticos, atravs da necessria vinculao de

    fato e no apenas formal - entre candidatos/parlamentares e partidos.

    Neste sentido a candidatura cvica independente mais do que causar um prejuzo

    direto democracia representativa, enfraquecendo-a, causa tambm, indiretamente um

    prejuzo construo do socialismo. Isto porque, conforme assevera Coutinho (1984, p.

    52) a luta pela construo do socialismo requer hoje, mais do que nunca, a expanso da

    democracia representativa, a sua articulao com mltiplos organismos de democracia de

    base, a defesa de uma vida cultural aberta e pluralista. Nesse sentido, ele se utiliza da

    contribuio dada por Rosa Luxemburgo (apud COUTINHO, 1984, p. 65) sobre a questo

    democrtica:

    4 O Ministro se pronunciou durante a consulta feita por alguns partidos polticos, em abril de 2007,

    sobre a possibilidade de desvinculao do partido durante o mandato parlamentar. A consulta

    culminou na criao da Resoluo n 22.610 pelo TSE que versa sobre os casos de perda do

    mandato parlamentar por infidelidade partidria incluindo aqui casos de desvinculao partidria sem justo motivo -, ressaltando mais uma vez que o mandato parlamentar pertence ao partido e no

    ao eleito.

  • 9

    Jamais fomos idlatras da democracia formal, mas isso quer dizer apenas

    o seguinte: sempre distinguimos entre o ncleo duro de desigualdade e

    servido recoberto pelo suave invlucro da igualdade e das liberdades

    formais, mas no para rejeit-las, e sim para incitar a classe operria, a

    no se contentar com elas e a tomar o poder poltico, a fim de preencher

    esse invlucro com um contedo social novo.

    A concluso que, ao enfraquecer os partidos polticos, se est ao mesmo tempo

    enfraquecendo a prpria idia j muito debilitada de representao poltica atravs dos

    partidos. Ao fazer isto, quem perde diretamente a democracia burguesa, que v

    desmoronar todo seu sistema de representao formal; mas perde tambm o prprio

    socialismo que vislumbra um retrocesso na democracia representativa, cuja conquista,

    mesmo no sendo suficiente, representa um patamar importante na guerra de posies

    gramsciana.

    5. CONCLUSO

    Da anlise da candidatura cvica independente e da sua correlao com alguns

    importantes conceitos gramscianos, podemos chegar a concluses interessantes. Em

    primeiro lugar, com relao ao papel central do partido poltico na revoluo proletria.

    Para Gramsci, o partido, na forma do moderno Prncipe, o nico capaz de ser o agente

    mediador entre a classe operria e a formao de uma nova sociedade.

    Isto porque o partido capaz de reunir interesses e valores que outras entidades e

    instituies no poderiam reunir. Por bvio, o contedo do moderno Prncipe deveria ser

    adaptado s realidades sociais e histricas de cada nao, levando em conta os princpios

    bsicos de organizao elencados por Gramsci, mas a sua existncia seria imprescindvel.

    Em segundo lugar, conclui-se que a imprescindibilidade do partido decorre em

    grande parte, das funes que ele possui: a realizao de uma reforma intelectual e moral e

    a formao de uma vontade coletiva, que represente os interesses da classe operria.

  • 10

    A formao desta vontade coletiva passa necessariamente por, pelo menos, outros

    dois conceitos gramscianos: a guerra de posies e o centralismo democrtico. O primeiro

    refere-se forma de luta poltica que deve ser adotado pelo partido na sua ao externa,

    conquistando posies dentro da sociedade civil; e o segundo, organizao interna do

    partido. Estes conceitos so muito teis para esclarecer a ideia gramsciana de como deveria

    se dar o contato do partido com as massas.

    O centralismo democrtico procura garantir ao mesmo tempo a eficcia da ao

    poltica unidade na ao e a construo democrtica de um consenso interno que

    garanta o constante movimento do partido. O contato dos dirigentes partidrios com as

    massas, portanto, precisa se dar de maneira efetiva, ou seja, no sentido de garantir a

    formao de uma verdadeira conscincia de classe entre as massas.

    Nesse sentido, o mandato cvico independente engana a classe operria, pois

    oferece ela a possibilidade de votar em lideranas que, mesmo tendo discursos

    compatveis com a causa do proletariado, nada podero fazer isoladamente e de forma

    aleatria para modificar a realidade colocada, j que alm de no serem capazes de formar

    a vontade coletiva, tambm no sero capazes de orientar as massas durante a ao

    poltica.

    Assim, o mandato cvico independente ao criar uma falsa contradio entre

    partido poltico e movimento social, com a ideia implcita de que os movimentos sociais

    seriam moralmente superiores aos partidos, acaba por dividir ainda mais a classe operria.

    A diviso do proletariado h muito prevista por Marx, como uma forma da

    burguesia impedir ou retardar a revoluo, ganha, portanto, mais um aliado no estatuto

    partidrio da Rede. A ideia muito simples: concentrar grupos cada vez menores em torno

    de causas cada vez mais especficas e pontuais, o que acaba por ofuscar o verdadeiro cerne

    da questo: a luta de classes.

    Ao passo que estes movimentos diminutos passam a ganhar fora, tornando-se mais

    importantes que o prprio partido revolucionrio - este sim capaz de traar a disputa tendo

    em vista a luta de classes o que ocorre o enfraquecimento do processo de construo do

    socialismo.

  • 11

    Por fim, o que podemos depreender que a criao de um instrumento como a

    candidatura cvica independente talvez seja um indicativo da crise de representatividade

    pela qual passam os partidos polticos atualmente. Por isso, a concluso mais importante

    que podemos ter neste momento sobre a necessidade dos partidos, em especial os de

    esquerda, repensar o seu papel na atual conjuntura poltica brasileira a tempo de

    recuperarem sua relao com a massa, posto que ela, em ltima anlise, ser o motor dos

    avanos sociais.

    6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal e outros ensaios, 2

    ed. Ampliada. Rio de Janeiro: Salamandra, 1984.

    ESTATUTO da Rede Sustentabilidade. Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF, n. 38, p.

    187-194, fev. 2013.

    GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Crcere. v. 3. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

    2000.

    GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Crcere. v. 6. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

    2000.

    GRAMSCI, Escritos Polticos. Mxico DF: Ediciones Passado y Presente, 1981.

    MICHELS, Robert. Sociologia dos partidos polticos. Braslia: Editora da Universidade

    de Braslia, 1982.

    NERES, Geraldo Magella. Poltica e hegemonia: a interpretao gramsciana de

    Maquiavel. Curitiba: Ibpex, 2009.

    NERES, Geraldo Magella. Gramsci e o moderno Prncipe: a teoria do partido nos Cadernos do crcere. So Paulo: Cultura Acadmica, 2012.