análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

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UFRJ ANÁLISE SEMÂNTICO-COGNITIVA DAS SUBSTITUIÇÕES SUBLEXICAIS EM PORTUGUÊS LILIAN RIBEIRO FURTADO Rio de Janeiro Fevereiro de 2011

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Page 1: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

UFRJ ANÁLISE SEMÂNTICO-COGNITIVA DAS SUBSTITUIÇÕES SUBLEXICAIS

EM PORTUGUÊS

LILIAN RIBEIRO FURTADO Rio de Janeiro Fevereiro de 2011

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UFRJ ANÁLISE SEMÂNTICO-COGNITIVA DAS SUBSTITUIÇÕES SUBLEXICAIS

EM PORTUGUÊS

LILIAN RIBEIRO FURTADO Volume único

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (Letras Vernáculas), Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas, na Área de Concentração Língua Portuguesa. Orientador: Maria Lucia Leitão de Almeida Co-orientador: Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Rio de Janeiro Fevereiro de 2011

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ANÁLISE SEMÂNTICO-COGNITIVA DAS SUBSTITUIÇÕES SUBLEXICAIS EM PORTUGUÊS

LILIAN RIBEIRO FURTADO

Orientador: Prof. Doutor Maria Lucia Leitão de Almeida Co-orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Língua Portuguesa. Aprovada por: _______________________________________________________________ Presidente, Professor Doutor Maria Lucia Leitão de Almeida – Orientador _______________________________________________________________ Professor Doutor Mauro José Rocha do Nascimento - UFRJ _______________________________________________________________ Professor Doutor Janderson Lemos de Souza – UNIFESP _______________________________________________________________ Professor Doutor Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ, Suplente _______________________________________________________________ Professor Doutor Patrícia Teles Álvaro – IFRJ, Suplente

* * * Presente à defesa o Co-Orientador: _______________________________________________________________ Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves - UFRJ Rio de Janeiro 22 de fevereiro de 2011.

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Furtado, Lilian Ribeiro. Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em português – Lilian Ribeiro Furtado - Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2010. 74f. Orientador: Maria Lucia Leitão de Almeida Dissertação (mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2011. Referências Bibliográficas: f. 65-71. 1.Substituições sublexicais. 2. Analogia. 3. Linguística Cognitiva. 3. Esquema Imagético. 4. Mesclas Lexicais. 5. MCI. I. Almeida, Maria Lucia Leitão de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em português

Rio de Janeiro Fevereiro de 2011

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RESUMO

ANÁLISE SEMÂNTICO-COGNITIVA DAS SUBSTITUIÇÕES SUBLEXICAIS EM PORTUGUÊS

LILIAN RIBEIRO FURTADO

Orientador: Maria Lucia Leitão de Almeida

Coorientador: Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa).

Objetivamos, nesta dissertação, evidenciar as motivações cognitivas que

autorizam a formação de palavras por substituição sublexical e a interpretação desses

novos itens lexicais por meio da Teoria das Mesclas (FAUCONNIER & TURNER,

2002), relevando, também, o Princípio da Analogia para tais formações ( id, ibidem).

O corpus utilizado neste trabalho constitui-se de formações retiradas dos

trabalhos de Gonçalves (2005a; 2006), Almeida & Gonçalves (2007), Basílio (1997;

2003; 2005), Andrade (2008), Gonçalves & Assunção (2009) e Gonçalves, Andrade &

Almeida (2010). Além dessas fontes, foram recolhidas palavras utilizadas em situações

de fala as mais variadas: textos de jornais e revistas, conversações espontâneas etc.

Palavras-chave: Cognição, Analogia, Esquema Imagético, MCI, Mesclas Lexicais.

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ABSTRACT

SEMANTIC-COGNITIVE ANALYSIS OF SUBLEXICAL SUBSTITUTIONS IN

PORTUGUESE

Lilian Ribeiro Furtado

Orientador: Maria Lucia Leitão de Almeida

Coorientador: Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

In this dissertation, we aim to evidence the cognitive motivations that authorize word

formation trough sublexical substitution and the interpretation of the new lexical items

through Blending Theory (FAUCONNIER & TURNER, 2002), also taking account to

the Analogy Principle into account (id, ibidem).

The corpus used in the research is constituted by formations found in Gonçalves

(2005a; 2006), Almeida & Gonçalves (2007), Basílio (1997; 2003; 2005), Andrade

(2008), Gonçalves & Assunção (2009), and Gonçalves, Andrade & Almeida (2010).

Besides these fonts, other journal and magazines texts, spontaneous conversations etc.

have been collected from.

Key-words: Cognition, Analogy, ICM, Lexical Blends.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por sempre me erguer nas horas em que eu achava que não podia mais me

levantar, por ser misericordioso em todos os meus momentos, por me inspirar com bons

pensamentos e energias positivas no trabalho, na vida acadêmica e na vida pessoal e,

principalmente, por ter me dado família e amigos maravilhosos.

Aos meus pais, Marcos (in memoriam) e Doralice, por todas as noites em claro, por

todas as preocupações que tiveram comigo, por toda dedicação exclusiva para o bem-

estar e sucesso, por terem me mostrado que vencer é antes de tudo vencer os próprios

medos. Mãe, obrigada por todos os colos e cafunés que me acalentaram nas horas mais

difíceis, enfim, obrigada por me amar incondicionalmente.

À minha tão amada irmã, Lu, obrigada por ter feito minha inscrição para o vestibular da

UFRJ no curso de letras, por acreditar em mim, por ser minha companheira e minha

melhor amiga.

Ao meu Fabiano, por ser paciente, compreensível, pelos lanches e comidinhas que

sempre fazia pra mim nas minhas horas de estudo, por estar sempre disposto a me

ajudar, por ser meu companheiro em todas as horas. Amo você!

Aos meus orientadores e amigos, Malu e Carlos. Agradeço a você, Malu, por um dia ter

me convidado para ser sua orientanda e fazer parte do grupo de pesquisas NEMP,

obrigada por me mostrar que a vida acadêmica é tudo o que eu quero quando falamos

em Língua Portuguesa e obrigada, principalmente, por não ter aberto mão de mim num

dos momentos mais difíceis de sua vida. Em relação ao Carlos, sempre corri das suas

aulas na graduação e quando me deparei com ele no mestrado, pensei – agora já era (rs),

tinha medo do Carlos e da sua fama de “reprovar geral”. Hoje, vejo o tempo que perdi,

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descobri que tudo foi intriga da oposição. Carlos, como aprendi com suas aulas, sempre

saía embevecida delas no mestrado, como aprendi nas orientações da famosa salinha do

NEMP. Obrigada por ter me aceito, por ter me apoiado, por acreditar em mim. Obrigada

aos dois por serem um grande exemplo do significado da palavra MESTRE e por

desenvolverem um trabalho tão brilhante.

Aos meus amigos, Rodrigo Purcetti, Flávia Gonçalves e Juliana Machado. Obrigada

pelos momentos de descontração, pelos “papos furados”, pelas pizzas, pelas risadas e,

principalmente, pelo apoio constante e incondicional.

Aos meus amigos, Thaís Delazare e Vinícius Carvalho que tanto me ajudaram com

revisão, tradução e dicas na elaboração desta dissertação. Obrigada também pela

amizade, gargalhadas e carinho de sempre.

Às minhas recentes e maiores conquistas, Juliana Marins, Hayla Thamy, Rosângela

Gomes e Vítor Vivas. Amigos, obrigada por tudo. Vocês são muito especiais!

A todos do NEMP, pelas ricas trocas de conhecimento, pelo apoio em grupo, pela

sintonia, por ser, sem modéstia, o melhor grupo de pesquisas.

Aos professores doutores Janderson Lemos, Mauro Rocha, Patrícia Teles e Aparecida

Lino, por terem aceito integrar a banca de exame desta dissertação. Agradeço também a

amizade, os ensinamentos e a confiança que vocês sempre tiveram comigo.

Aos professores da pré-escola ao Mestrado que tanto contribuíram para o meu

conhecimento, para minha formação escolar e pessoal. Ao professor Marcelo Rosenthal,

por ter me dito “Menina, vai fazer letras” e por ter sido sempre um grande amigo.

Por fim, agradeço à CAPES por quase um ano de auxílio financeiro.

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“(...) Eu queria que a língua portuguesa

chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este

desejo todos os que escrevem têm. Um Camões

e outros iguais não bastaram para nos dar para

sempre a herança de língua já feita. Todos nós

que escrevemos estamos fazendo do túmulo do

pensamento alguma coisa que lhe dê vida.

Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei

do encantamento de lidar com uma língua que

não foi aprofundada. O que recebi de herança

não me chega.

Se eu fosse muda, e também não pudesse

escrever, e me perguntassem a que língua eu

queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e

belo. Mas como não nasci muda e pude

escrever, tornou-se absolutamente claro para

mim que eu queria mesmo era escrever em

português. Eu até queria não ter aprendido

outras línguas: só para que a minha abordagem

do português fosse virgem e límpida.”

Clarice Lispector

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SUMÁRIO

1. PALAVRAS INICIAIS ............................................................................................11

2. A LINGUÍSTICA COGNITIVA E OUTRAS CORRENTES TEÓRICAS.........13

2.1 O Estruturalismo Europeu.........................................................................................13

2.2 O Gerativismo e o Funcionalismo.............................................................................14

2.3 A Linguística Cognitiva.............................................................................................16

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: A LINGUÍSTICA COGNITIVA ................18

3.1 As Bases Cognitivistas..............................................................................................20

3.1.1 Esquemas Imagéticos ............................................................................................20

3.1.2 Frames ...................................................................................................................21

3.1.3 MCIs ......................................................................................................................24

3.1.4 Espaços Mentais.....................................................................................................26

3.1.5 Mesclagens Conceptuais.........................................................................................27

4. ANALOGIA: ANTIGAS VISÕES E NOVAS PERSPECTIVAS ........................31

4.1 Objetivos....................................................................................................................31

4.2 Saussure: as relações associativas e a formação de palavras.....................................32

4.3 A questão da analogia em Basílio (1997)..................................................................36

4.4 A questão do princípio da analogia e as substituições sublexicais para Gonçalves,

Andrade e Almeida (2010)..............................................................................................39

4.5 A analogia para a Linguística Cognitiva...................................................................44

4.5.1 O princípio da analogia e a Linguística Cognitiva.................................................44

5. ANÁLISE DAS SUBSTITUIÇÕES SUBLEXICAIS EM PORTUGUÊS............49

6. PALAVRAS FINAIS ................................................................................................63

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................65

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1. PALAVRAS INICIAIS

A presente dissertação visa a analisar o processo morfológico denominado de

substituição sublexical (DOBROVOLSKY, 2001; ALMEIDA & GONÇALVES, 2007;

GONÇALVES, ANDRADE & ALMEIDA, 2010), também chamado de analogia

(BASÍLIO, 1997) e de reanálise (GONÇALVES, 2005a).

O estímulo para este trabalho é a verificação de poucos, mas muito expressivos

usos dessas formações no português do Brasil. Apesar do pequeno contingente de

dados, cerca de 40 palavras (ANEXO 1), observamos a criatividade do falante, que

reinterpreta uma forma linguística já existente, rotulando, assim, um novo referente,

como ocorre em ‘boadrasta’ (uma madrasta que é boa), ‘mãetrocínio’ (uma mãe que

banca financeiramente) e bebemorar (comemoração regada à bebida), ou intensifica um

atributo, a exemplo de ‘trêbado’ (pessoa exageradamente bêbada) e ‘zilhão’ (muitos

milhões). Iremos observar, nesta dissertação, quais as motivações semânticas e os

princípios cognitivos envolvidos nas substituições sublexicais. A formação dessas

palavras revela não só a criatividade do falante, no que tange ao uso da língua, mas

também a expansão de significados das novas formas.

A pesquisa fundamenta-se nos pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva

(doravante LC): Fauconnier (1996, 1997), Fauconnier &Turner (2002), Lakoff (1987),

Langacker (1987,1991), Croft & Cruse (2004). A LC se preocupa em descrever a

linguagem como meio de conceptualização da realidade pelo sujeito e, por isso, enfoca

a conexão da linguagem e do conhecimento de mundo, formado pelas experiências

humanas. Assim, os elementos da linguagem são o resultado das capacidades

cognitivas gerais somadas à experiência social, individual e cultural do sujeito.

Objetivamos, ainda, evidenciar as motivações cognitivas que autorizam a

formação e a interpretação das substituições sublexicais por meio da Teoria das Mesclas

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(FAUCONNIER & TURNER, 2002) e do Princípio da Analogia em tais formações (id,

ibidem).

É importante destacar que privilegiamos dados de língua em uso, já que o foco

não é o processo de construção do significado online, mas sim o estudo dos meios pelos

quais se dão as extensões dos significados de um determinado item.

Esta dissertação estrutura-se do seguinte modo:

No capítulo 2, elaboramos uma análise comparativa da Linguística Cognitiva

com outras correntes teóricas da Linguística;

No capítulo 3, apresentamos as bases da Linguística Cognitiva, dando maior

relevo aos conceitos que fundamentarão a análise;

No capítulo 4, focalizamos a revisão da literatura no que concerne ao princípio

da analogia, com ênfase nas diferenças encontradas entre os pontos de vista das

correntes teóricas apresentadas no capítulo 2. Ressalta-se que optamos por abrir um

capítulo específico para esse assunto, dada a centralidade da analogia nesta dissertação;

No capítulo 5, descrevemos a metodologia da pesquisa, que se desdobra em

especificação de critérios e meios para a formação dos corpora, e procede-se à análise

dos dados, feita em três etapas. O objetivo de tal procedimento foi buscar dar conta dos

processos que atuam no que diz respeito à forma e ao significado das formações.

Na conclusão, apresentam-se as principais ideias defendidas na dissertação, bem

como sugestões para trabalhos futuros.

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2. A LINGUÍSTICA COGNITIVA E OUTRAS CORRENTES TEÓRICAS

Neste capítulo, abordaremos as perspectivas gerais das correntes teóricas que

antecederam à Linguística Cognitiva com o intuito de demonstrar a importância para

sua época e a contribuição de cada uma para o andamento das pesquisas em linguística.

2.1 O Estruturalismo Europeu

Segundo Ilari (1985:1) podemos dizer que uma das primeiras ideias sobre

Linguística no Brasil foram lançadas em “Erros escolares como sintomas de tendências

do português no Rio de Janeiro” (CÂMARA JR, 1957). Nesse texto, Mattoso Câmara

considera que os “erros” de alunos de ensino fundamental e médio, encontrados por

seus professores, não eram de fato erros e sim inovações da língua falada. Essa visão de

Mattoso Câmara interpretava sob outra ótica a situação pedagógica do Brasil e era

baseada nos pressupostos de uma nova ciência – a Linguística.

Assim, no início dos anos 1960, a Linguística Estrutural passa a ter papel

importante nos estudos e pesquisas de língua portuguesa, pois tinha como objetivo a

depreensão da estrutura da língua, a partir do comportamento linguístico observado. Os

estruturalistas consideravam que a língua era socializada pelos falantes de uma

determinada comunidade, já que acreditavam que a língua funcionava como um código

universal que viabilizava a comunicação entre as pessoas. Segundo Ilari (1985:5),

“Para um estruturalista, a língua não se confunde com as frases que as pessoas usam, nem com o comportamento verbal que observamos no dia-a-dia; é, ao contrário, uma abstração, um conhecimento socializado que os falantes de uma comunidade compartilham, uma espécie de código que os habilita a se comunicarem entre si”

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Dessa forma, se havia um código que comandava a compreensão e o uso da

língua entre os falantes, fazia-se necessário observar a regularidade entre as variantes da

língua portuguesa. Enfatizando a não existência de erro ou a não existência de uma

forma mais privilegiada que outra, era necessário verificar a distinção entre as formas e

a regularidade que mantinha a língua viva.

Esses estudos tiveram como base as ideias apresentadas por Ferdinand Saussure,

no início do século XX, com a publicação do livro “Curso de Linguística Geral”.

Saussure foi o primeiro a considerar a língua como sistema e a admitir a união entre a

imagem acústica – o significante – e a imagem mental – o significado. A essa união

Saussure deu o nome de signo linguístico.

Diferentemente da Linguística Cognitiva, o Estruturalismo considera a

linguagem como um sistema e defende que o mundo e a forma como o entendemos são

realidades extralinguísticos. Isso é evidenciado pela tese do estruturalismo de que existe

uma autonomia da linguagem, como se esta fosse um sistema suficiente em si mesmo.

2.2 O Gerativismo e o Funcionalismo

A teoria gerativa tem seu início com Noam Chomsky. Para ele, as línguas são

parecidas, uma vez que o que as fundamenta é a capacidade inata (a mesma para todos

os indivíduos) que o ser humano tem em relação à compreensão da língua. Isso faz com

que a Linguística Gerativa se diferencie da Linguística Estrutural Norte-Americana,

uma vez que esta negava esse posicionamento “ou acabava por embarcar em algum

tipo de behavorismo (sugerindo que a língua é aprendida por um processo indutivo, no

qual é essencial a exposição a uma grande quantidade de dados)” (ILARI, 1985:9).

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O Gerativismo considera fundamental determinar a diferença entre competência

e desempenho. A competência trata do conhecimento da língua pelo falante e o

desempenho, por sua vez, diz respeito ao uso que o falante faz da língua nas situações

mais diversas. Como se sabe, o Gerativismo enfatiza o estudo da competência em

detrimento do estudo do desempenho, pois considera que a língua-I, e não a língua-E, é

que tem a revelar ao linguista os princípios da gramática universal, pois não haveria

interferência dos aspectos sociais ou culturais. Por isso, seu foco de análise são os

componentes sintático e fonológico das línguas naturais.

Da mesma forma que o gerativismo se desenvolve em oposição ao

estruturalismo, o funcionalismo se desenvolve em oposição ao gerativismo. Os

funcionalistas acreditam ser essencial estudar a língua em uso, desfazendo a oposição

competência x performance. Viabilizam, portanto, uma análise mais abrangente das

diversas produções de uso da linguagem, realizadas pelo falante. Considerar apenas um

aspecto (e não os dois) significaria limitar o número de fenômenos estruturados. Por

isso, os funcionalistas prestigiam os aspectos pragmáticos nas pesquisas em linguagem.

Tanto o Gerativismo quanto o Funcionalismo se diferenciam da Linguística

Cognitiva, pois esta tem como ponto de partida a motivação da forma (fonológica,

morfológica ou sintática) pelo significado. Além disso, os gerativistas acreditam que a

linguagem é autônoma, modular e independente de outras faculdades mentais. Veremos

adiante que a Linguística Cognitiva acredita na não independência da linguagem, na não

separação do conhecimento linguístico do conhecimento enciclopédico. Sob os aspectos

das considerações pragmáticas, a LC se aproxima do Funcionalismo. Poderíamos então

dizer que a Linguística Gerativa se interessa propriamente pelo conhecimento da

linguagem no que este tem a revelar sobre a cognição. Ainda em oposição à Linguística

Gerativa,

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“a Linguística Cognitiva procura demonstrar que os

alegados fenômenos ‘formais’ que estiveram no

centro da formação da teoria gerativa envolvem

fatores semânticos e funcionais. Quer isto dizer que

para a Linguística Cognitiva a linguagem deve ser

explicada em termos semânticos e funcionais

(perspectiva que ela partilha, aliás, com outras

teorias linguísticas pragmática e funcionalmente

orientadas), e, portanto, uma sintaxe formal e

autônoma revela-se pouco adequada”. (SILVA,

1997)

2.3 A Linguística Cognitiva

A LC teve início no final da década de 70 com ex-gerativistas. Entretanto,

apenas em 1990 é que a teoria se estabelece de forma definitiva com a criação da

International Cognitive Linguistics Association, da coleção Cognitive Linguistics

Research e da revista Cognitive Linguistics. Muitos pesquisadores podem ser citados

como ícones devido aos trabalhos desenvolvidos na área. Dentre eles podemos destacar

George Lakoff, Ronald Langacker, Gilles Fauconnier, Eve Sweetser e Adele Goldberg.

Na Linguística Cognitiva, não há separação taxativa entre o componente

semântico e o componente pragmático, assim como não há independência entre a forma

e o sentido. Na realidade, o que existe é uma ligação entre as propriedades do

pensamento e as propriedades da linguagem. Segundo Fauconnier (1997; p.2) “o

objetivo maior da linguística cognitiva é especificar a construção de significado, suas

operações, seus domínios, e como eles estão refletidos na linguagem”

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Dessa forma, a LC se preocupa com o estudo da linguagem relacionado à

experiência humana no mundo. Assim, as propriedades da linguagem são estudadas

como resultados da capacidade cognitiva, que, por sua vez, é influenciada pela

experiência cultural e social do indivíduo. Essa relação constrói o que chamamos de

domínios culturais, que viabilizam a interpretação do mundo e das situações inusitadas

que exigem capacidade de inferência contínua sobre as coisas que constituem o mundo.

Dessa forma, quando dizemos, por exemplo, “olimpíada”, ativamos vários níveis de

conhecimento que nos permitem interpretar o termo a partir da nossa perspectiva; nesse

caso, “olimpíada” nos leva, instantaneamente, a pensar em atleta, jogos, quadras,

competição, time, regras etc., se fizermos a leitura como expectador do evento. Por

outro lado, se fôssemos organizadores do evento, o termo “olimpíada” talvez ativasse

ideias como gastos, contratos, funcionários, propagandas etc. Verificamos, dessa

maneira, que, a depender da perspectiva em que estejamos inseridos e do nosso papel,

teremos leituras iguais ou diferentes sobre o mesmo elemento.

Dessa forma, podemos considerar que a importância da LC é dada,

principalmente, pela perspectiva cognitiva de que a função primária da linguagem é a

categorização. Em outras palavras, devido à necessidade que temos de entender e

comunicar o que nos cerca, categorizamos o mundo e refletimos as categorizações na

linguagem - e, por esse motivo, a LC tem como tomar a linguagem desvinculada do

conhecimento de mundo.

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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: A LINGUÍSTICA COGNITIVA

O aporte teórico aqui adotado é constituído de um conjunto mais ou menos

homogêneo de abordagens que têm em comum premissas básicas, voltadas, sobretudo,

para:

(a) O Processo de Categorização;

(b) O Princípio da Invariância;

(c) O Significado Linguístico.

A categorização é o processo de identificação e nomeação das coisas no mundo;

portanto, é a faculdade primária do indivíduo, uma vez que “para compreender o

mundo e agir nele, temos de caracterizar os objetos e as coisas de forma que elas nos

façam algum sentido” (LAKOFF & JOHNSON, 2002:265).

Assim, a categorização acontece por meio do que a LC chama de teoria dos

protótipos, em que algumas entidades relacionadas entre si, sendo que algumas serão

mais prototípicas e outras mais periféricas e se agrupam por similaridades com limites

imprecisos entre si. Para ilustrar isso de uma melhor forma, poderíamos dizer que o

pardal é uma entidade prototípica da espécie ave, enquanto o pinguim é uma entidade

mais periférica da mesma espécie. Em outras palavras, ainda que o pinguim seja

classificado como entidade integrante da espécie das aves, possui características que nos

confundem quanto à sua classificação, como, por exemplo, possuir asas atrofiadas, que

impedem o voo, ter as pernas colocadas muito atrás, o que faz com que ande de forma

ereta, além de viver a maior parte do tempo no oceano; todas essas características não

são observadas em seres mais prototipicamente classificados como aves. De forma

análoga, consideramos naturalmente laranja, maçã e melancia como frutos e não

fazemos o mesmo com tomate e azeitona.

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Dessa forma, podemos considerar que a categorização e, consequentemente, a

nomeação se dão segundo a apreensão humana das características da entidade a ser

categorizada, apreensão esta que condiciona nossas escolhas por um item lexical e não

por outro, a depender das situações sociais e culturais relativas ao fenômeno e a nós

como falantes/ouvintes..

O Princípio da Invariância diz respeito à não autonomia da linguagem. Para a

LC, não há separação entre conhecimento linguístico e conhecimento enciclopédico, ou

seja, não há independência entre a cognição humana e as experiências humanas, pois a

relação entre cognição e experiência mostra o entendimento que o indivíduo tem sobre

si e sobre o mundo que o cerca. A linguagem, portanto, é considerada parte do mundo e

como parte isolada dele.

O significado está relacionado ao fato de que a linguagem acessa domínios

cognitivos do indivíduo, que carregam sua experiência no mundo. Lakoff & Johnson

(1980) mostram que, por meio de metáforas conceptuais, projetamos novos domínios a

partir de domínios já conhecidos. Essas metáforas revelam analogias estruturais.

Vejamos, por exemplo, a metáfora conceptual “DISCUSSÃO É GUERRA”.

Consideremos, para tanto, que as pessoas envolvidas na discussão são adversários, que

há conflitos, divergências de opiniões, de posicionamentos e que um indivíduo quer

sempre convencer o outro do seu ponto de vista. Assim, tomamos posições, defendemos

ou atacamos a depender da nossa intenção na discussão. Para que essa associação seja

possível, não precisamos necessariamente experienciar uma guerra; basta que tenhamos

conhecimento dos fatores que envolvem o conceito GUERRA. Em outras palavras, as

coisas no mundo só nos fazem sentido quando são compartilhadas pela nossa

experiência social e cultural.

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3.1 As bases cognitivas

Em análises cognitivistas, é necessário conhecer alguns conceitos para que seja

possível descrever e entender fenômenos relacionados à linguagem e à cognição. Esse

conhecimento nos permitirá verificar a relação entre experiências gerais e o significado.

Portanto, é essencial saber o que são: esquemas imagéticos (EIs), frames, modelos

cognitivos idealizados (MCIs), espaços mentais (EMs) e mesclagens conceptuais.

3.1.1 Esquemas Imagéticos

Os esquemas imagéticos são as representações conceptuais mais básicas da

nossa experiência no mundo. Desse modo, podemos dizer que são imagens dinâmicas

de vivências compartilhadas por um determinado grupo de indivíduos. Os image

schemas (JOHNSON, 1987; LAKOFF, 1987, 1990) dizem respeito ao movimento do

corpo no espaço e à manipulação de objetos, e os mais básicos são: contentor ou

recipiente, origem-percurso-destino, elo, força e equilíbrio, entre outros.

Imaginemos o esquema imagético do EQUILÍBRIO, que leva em conta a relação

entre o corpo e o espaço. Metaforicamente, associamos essa compreensão de equilíbrio,

que adquirimos no decorrer da vida, como uma noção de um corpo mantido em sua

postura normal sem oscilações ou desvios (AURÉLIO, 2004), verticalidade versus

horizontalidade, a situações mais abstratas, como, por exemplo, quando dizemos a

alguém que fulano é desequilibrado. Nesse caso, não estamos querendo nos referir ao

fato de a pessoa não conseguir ficar de pé e sim que fulano não dispõe de faculdades

mentais saudáveis. Por outro lado, quando dizemos sicrano é uma pessoa equilibrada,

estamos dizendo que essa pessoa consegue ponderar sobre as situações da vida sem

perder o controle emocional. Assim, é possível verificar que cada esquema imagético

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21

reflete aspectos importantes das nossas experiências perceptuais e sensoriais, como esse

do equilíbrio.

De acordo com Johnson (1987), a nossa experiência é estruturada de forma tão

significativa que antecede a qualquer conceito de que tenhamos conhecimento. Para

isso, ele se utiliza do exemplo do CONTAINER. O autor considera que o esquema

consiste em estabelecer um limite entre “dentro” e “fora”, associando essa relação à

experiência mais básica de respirar (quando inspiramos, puxamos ar para dentro dos

pulmões e, quando expiramos, colocamos o ar para fora dos pulmões – por isso, a

relação “interior” e “exterior”). Assim, as exigências mínimas para o entendimento de

CONTAINER são a noção de interior, fronteira espacial e exterior.

Podemos também citar o esquema PARTE-TODO, em que Johnson (op. cit.),

utiliza como exemplificação a experiência em relação ao conceito “família”. Para os

ocidentais de cultura judaico-cristã, o casamento é entendido como parte fundammental

da constituição da família; portanto, entendemos naturalmente a família como o todo

constituído pelas pessoas que a compõem – as partes. Além dos exemplos já

mencionados, podemos destacar outros também relacionados a domínios básicos como

centro-periferia, origem-trajetória-destino, cheio-vazio, contato e movimento entre

outros.

3.1.2 Frames

Frame é um conceito que possibilita um caminho particular para o entendimento

do significado das palavras, bem como um caminho para a caracterização dos princípios

envolvidos na criação de novas palavras e frases. Assim, frame é um “sistema de

conceitos relacionados de tal forma que, para entender qualquer um deles, é preciso

Page 22: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

22

entender toda a estrutura em que ele se insere” (FILLMORE, 1982: 111). Assim,

quando uma entidade codificada linguisticamente é inserida num determinado

enunciado, escrito ou falado, todos os outros estão automaticamente disponíveis na cena

em que se inserem. Para que possamos entender melhor, tomemos como exemplos as

expressões “café da manhã” e “final de semana”, ambas utilizados por Fillmore (1982).

Para que a expressão “café da manhã” faça algum sentido, é preciso primeiro

considerar que a nossa cultura possui, em regra, três refeições por dia e que estas são

divididas entre os horários da manhã, início da tarde e início da noite. Além disso,

sabemos que a refeição servida no horário da manhã, geralmente depois de termos

dormido e acordado, tem um cardápio diferenciado (que pode variar de comunidade

para comunidade). Todas essas características nos permitem entender o que seja de fato

“café da manhã”; entretanto, alguns pontos podem ser discutidos, uma vez que não são

condições essenciais para o entendimento da expressão. Podemos, por exemplo,

imaginar que alguém não dormiu e ao amanhecer tomou logo o “café da manhã”.

Podemos também considerar que uma pessoa acordou às três horas da tarde e logo

depois tomou o “café da manhã”, além da possibilidade de uma pessoa querer uma sopa

para essa refeição. Todos os exemplos, num primeiro momento, podem ser estranhos,

mas o interessante é que nenhum deles desfaz a noção que temos de “café da manhã”;

pelo contrário, a nossa estranheza se dá devido à noção cognitivamente estruturada da

expressão “café da manhã”. Percebemos assim que não há um significado exato da

expressão; ao contrário, essa expressão ativa variados sentidos a partir do seu uso mais

prototípico. Nesse sentido, o conhecimento de mundo permite entender o frame “café da

manhã”.

No que diz respeito à expressão “final de semana”, devemos estar inseridos

numa sociedade em que a semana seja dividida em dias em que as pessoas trabalham e

Page 23: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

23

dias em que as pessoas não trabalham. Na nossa cultura, a semana é dividida em sete

dias, em que dois – sábado e domingo – são considerados de descanso e lazer, e cinco –

de segunda a sexta – geralmente, de trabalho. Entretanto, ainda que tenhamos essa

compreensão, algumas pessoas trabalham no sábado ou no domingo, e isso não faz com

que as pessoas mudem sua contagem do tempo ou considerem esses dias como dias da

semana. Pelo contrário, existe de fato a conscientização de que é um trabalho exercido

nos dias de final de semana, ainda que culturalmente saibamos que o domingo é na

realidade o primeiro dia da semana. Segundo Lakoff (1987:69), “O nosso modelo de

semana foi assim idealizado. Naturalmente que sete dias não existem objetivamente.

Eles foram criados no início da civilização humana”. Em outras palavras, numa

sociedade em que os conceitos de semana e final de semana sejam concebidos de forma

diferentes, a leitura e a compreensão dessas expressões por parte dos falantes se dariam

também de forma diferenciada.

Fillmore (1982: 235) vê os frames não como um significado adicional para

organização de conceitos, mas como um repensar fundamental dos objetivos da

semântica linguística. Podemos dizer, portanto, que frame é uma esquematização da

nossa experiência, mantida a longo prazo na memória, e que se refere aos elementos e

entidades associados a uma determinada cena.

Page 24: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

24

3.1.3 MCIs

As ideias sobre “Idealized Cognitive Models” – Modelos Cognitivos Idealizados

(MCIs) – foram apresentadas inicialmente por George Lakoff (1987) no livro “Women,

fire, and dangerous things”. Para o autor,

“MCI é uma estrutura complexa, uma gestalt, que se utiliza de quatro tipos de estruturas principais: estruturas proposicionais com a noção de frame de Fillmore; image-schematic structure estabelecido por Langacker; e os mapeamentos metafóricos e metonímicos de Lakoff e Johnson”. (LAKOFF, 1987:68).

Lakoff (1987:70-71) ilustra essa definição utilizando o exemplo “solteirão”, já

apresentado por Fillmore (1982). Para entendermos esse termo, primeiro precisamos

estar inseridos numa cultura em que haja a noção de casamento e não-casamento

monogâmico; além disso, essa noção deve estar diretamente relacionada ao sexo e à

idade. De forma mais clara, entendemos que “solteirão” pode ser definido como um

homem adulto de uma idade mais avançada que não é casado. Entretanto, só essas

definições não são suficientes para que capturemos o significado exato do termo, uma

vez que o Papa e o Tarzan, por exemplo, apesar de poderem ser enquadrados em todas

essas características, não podem ser apropriadamente chamados de “solteirão” na nossa

sociedade.

Observamos, assim, que os modelos cognitivos idealizados nos ajudam a

compreender o mundo. Um MCI pode se adequar ou não à nossa compreensão de

mundo. Dessa forma, quanto mais inexata é essa adequação, mais difícil para nós é a

aplicação de um determinado conceito. Lakoff (1987) diz que nos utilizamos dos MCIs

a fim de compreender o mundo. Assim, dentro do nosso modelo cultural, o Papa não se

Page 25: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

25

enquadra como “solteirão”, pois nossa cultura não permite casamento de sarcedotes,

assim como não prevê a poligamia.

Assim, podemos considerar que os MCIs estruturam o nosso pensamento e o

resultado deles é a forma como categorizamos o mundo. De acordo com Lakoff (1987:

371), “As categorias conceptuais humanas têm propriedades que são, pelo menos em

parte, determinadas pela natureza corporal das pessoas que as categorizam”. Dessa

forma, podemos utilizar o exemplo do termo “mãe” (LAKOFF, 1987:74-76). Num

primeiro momento, entendemos que “mãe” é aquela que gera e dá à luz a própria

criança; entretanto, verificamos que essa definição não condiz, por exemplo, com o caso

da “mãe de aluguel”, que gera e dá à luz a criança de outra mulher. Podemos concluir,

portanto, que “mãe” é um modelo complexo formado por outros grupos de modelos.

Consideramos, dessa forma, que o modelo “mãe” é acompanhado do modelo

“nascimento”, do modelo “gestação”, do modelo de “amamentação”. A combinação

desses modelos faz com que possamos entender os vários tipos de “mãe”. Assim,

entendemos que “mãe de aluguel” é aquela que gera o filho para outra mulher, que será

a mãe que vai criar e provavelmente contribuiu com o material genético. Também dessa

maneira conseguimos entender que “mãe de leite” é a mulher que amamenta o filho de

outra mulher, mãe da criança. Mesmo os modelos cognitivos presentes em qualquer

situação de categorização, podem divergir de cultura para cultura, e é isso que desvia a

LC de busca de universais linguísticos. Portanto, é importante verificar que, em sentido

diverso do usado em sociolinguística estrutural, frame é um enquadre, um recorte de um

MCI, e que o MCI, apesar de estável, está sempre disponível para atualizações,

podendo, inclusive, sofrer alterações a depender de fenômenos socioculturais; o falante

pode, portanto, adicionar ou retirar informações do seu MCI.

Page 26: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

26

3.1.4 Espaços Mentais

Espaços Mentais (doravante EM) foram formulados, principalmente, por

Fauconnier (1985) para dar conta do processo dinâmico de referenciação. Tipicamente,

há elementos que constroem os EM – os chamados spaces builders. Fazem parte desse

grupo preposições, advérbios e locuções, entre outros. Tais categorias “abrem” o espaço

apropriado para a localização do referente. Assim, quando digo “Ontem, Lilian viu

Fabiano”, o space builder “ontem” abre o cenário adequado para a localização de “eu” e

“Fabiano” – entidades referenciais. Os MCIs do ouvinte estruturam os espaços mentais,

por isso, conseguimos localizar o encontro de um homem e uma mulher não

necessariamente comprometidos ou o encontro de um marido ou uma esposa.

O desenvolvimento da Teoria dos Espaços Mentais desemboca na Teoria da

Mescla, quando Fauconnier e Turner (1987) começaram a perceber que muitas vezes

um referente se projeta de um espaço fonte para um espaço alvo, adquirindo deste

algumas propriedades no espaço mescla. Tal é feito com a análise das condicionais, por

exemplo, em que para, dar conta do fenômeno, os autores criam o conceito de

compatibilização (“matching”).

Em 2002, finalmente, por meio da obra “The way we think” (FAUCONNIER &

TURNER, 2002), os pesquisadores perceberam que o processo da mescla ocorre de

forma geral e não poderia haver projeção sem as mesclas. Propõem, então, que se dá

mapeamento entre dois espaços quando o falante percebe que há elementos análogos

entre os espaços colocados em relação. Assim, é criado um espaço genérico em que a

analogia é realizada e permite o mapeamento de um em termos do outro. Assim se dá a

integração desses espaços, viabilizando a formação de um espaço mescla ou blending,

que veremos mais a frente, na seção mesclagens conceptuais (3.1.5).

Page 27: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

27

Dessa forma, diferentemente dos MCIs, os espaços mentais são transitórios, pois

são ativados e usados à medida que a interação progride. Por isso, a LC entende que “os

espaços mentais são domínios cognitivos locais que refletem o fracionamento da

informação à medida que o discurso acontece” (FERRARI, 2009 : 21). De acordo com

a Teoria dos Espaços Mentais de Fauconnier & Turner (1994), os espaços mentais são

organizados a partir de MCIs, que, por sua vez, são organizados a partir de frames. É no

espaço mental que organizamos os nossos pensamentos na interação; neles processamos

os conhecimentos trazidos dos domínios mais estáveis ou das bases de conhecimento

mais gerais, que contribuem de forma diferente para a construção do significado. Assim,

a noção de mapeamento, apresentada anteriormente, nos permite concluir que a

construção da comunicação se dá de forma analógica, ou seja, é por meio do processo

de analogia entre os constituintes dos espaços mentais que se dá a comunicação por

meio da linguagem e, consequentemente, a construção do significado.

3.1.5 Mesclagens conceptuais

A mesclagem conceptual – também chamada de integração – é um processo

imaginativo que nos permite projetar, em uma única cena, elementos que fazem parte de

cenas distintas. O exemplo empregado em Fauconnier e Turner (2002, cap. 3) é o do

monge budista. Os autores solicitam que pensemos em um monge que inicia uma subida

à montanha pela madrugada e só chega ao seu topo no pôr do sol. Ao chegar ao topo, o

monge fica lá por alguns dias e depois resolve descer numa madrugada. Os autores nos

questionam se existe algum momento pelo qual o monge passa exatamente na mesma

hora nos dois percursos, tanto na subida quanto na descida. A resposta é “sim”, mas isso

só é percebido se imaginarmos que temos dois monges diferentes, que fazem a trajetória

reversa no mesmo momento. Pensando assim, chegaremos à conclusão de que esses

Page 28: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

28

dois monges irão se encontrar em algum momento. Ao fazermos essa projeção, temos

dois espaços que se fundem num único – o blended space ou espaço da mescla.

O exemplo acima é representado por FAUCONNIER & TURNER (2002:45) da

seguinte maneira:

No esquema acima, o Input 1 representa o percurso de subida e o Input 2, o de

descida; o viajante é representado por a1 e a2 e a direção é dada pelas setas marcadas por

d1 e d2.. Esses elementos, como observamos, funcionam da mesma maneira e, portanto,

podem ser associados. Essas informações são processadas de forma instantânea,

°

°

°

°

d1 d2

d'

d

Blended space time

a1

a'1 a’2

Input space 1 Input space 2

a2

Generic space

Page 29: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

29

atuando no nível da memória de trabalho. Além disso, sabemos que esses inputs são

formados pelo que chamamos de conhecimento de mundo, que, de acordo com a teoria,

alimenta os MCIs. Para que a assossiação entre os inputs possa ocorrer, é fundamental

que haja o generic space (espaço genérico) responsável por capturar o que cada input

tem em comum. No blended space (espaço da mescla), observamos que são projetados

os componentes dos inputs que se fundem, viabilizando um novo processo imaginativo

e consequentemente o surgimento de um novo frame. Dessa forma, podemos afirmar

que os espaços inputs são aqueles que organizam o nosso pensamento e, à medida que

são mapeados, suas partes são conectadas. Após o mapeamento, o espaço genérico

captura o que os espaços inputs têm em comum e então, no espaço da mescla, ocorre a

fusão, e uma nova estrutura (que não existia isoladamente nos espaços inputs) passa a

existir.

Assim, se a mesclagem conceptual decorre da fusão dos elementos de dois

espaços inputs para a formação do espaço mescla, podemos dizer que o conceito de

mesclagem está, por exemplo, na pintura, na literatura e até mesmo na culinária. Isso se

deve aos processos de identidade, integração e imaginação, os três is1 da mente, que,

segundo Fauconier & Turner (2002:6), auxiliam na construção do sentido, uma vez que

demonstram a participação e a criatividade do falante. A identidade consiste na

identificação que o falante faz de determinado elemento ou situação, seja de identidade,

equivalência ou de oposição, apreendidos na consciência, como ponto de partida para o

reconhecimento da forma. A identidade é na verdade um produto do complexo trabalho

da imaginação. A integração é a junção, fusão que ocorre na conceptualização dos

elementos identificados. Em outras palavras, depois que ocorre o reconhecimento da

1 “The theme of this book is what the form approaches have assumed as given: the operations of identity, integration, and iamagination. These operations – basic, mysterious, powerful, complex, and mostly unconscious – are at the heart of even the simplest possible meaning.” (FAUCONNIER & TURNER, 2002).

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30

identidade, semelhança ou oposição, ocorre a integração conceptual (que, apesar de ter

uma estrutura elaborada, passa, normalmente, despercebida, pois trabalha na cognição).

A imaginação é o conceito-base para os dois anteriores, pois representa a participação

direta do falante. Apenas a indentidade e a integração não dão conta do significado e do

seu desenvolvimento. Nosso cérebro é capaz de simular situações imaginativas a todo

instante e, por isso, trabalha na construção do sentido. Dessa forma, verificamos que o

falante é o único responsável pela criação e compreensão de novas entidades no mundo,

uma vez que somos capazes de estabelecer os espaços mentais e as mesclas conceptuais.

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31

4. ANALOGIA

4.1 Objetivos

Neste capítulo, encaminharemos uma discussão sobre os conceitos envolvidos

na questão da ANALOGIA. Iniciaremos destacando os conceitos elaborados por

Saussure (2006,1916) para explicitar finalmente o que seja ANALOGIA para a

Linguística Cognitiva. O início pela abordagem saussureana justifica-se pelo fato de a

quarta proporcional (que será apresentada na seção 4.2) ter sido usada em trabalho

emblemático de Basílio (1997), que resgatou o conceito de analogia, totalmente

desprezado pelos gerativistas, para explicar tanto as formações lexicais regulares quanto

as aparentemente arbitrárias. Ao lado desse trabalho, a literatura cognitivista (cf., p. Ex.,

Fauconnier & Turner, 2002) vinha também resgatando tal princípio. Este capítulo tem,

pois, o intuito de cotejar as duas visões de analogia, a fim de definir e esclarecer os

aspectos considerados nesta dissertação. Antes disso, porém, apresentamos abaixo a

definição de termos que consideramos envolvidos nas diversas conceptualizações de

analogia e que se mostram básicos para seu entendimento. As seguintes definições

foram retiradas do dicionário Aurélio (2009), e serão fundamentais para futuras

discussões:

� Associação –

1. Ato ou efeito de associar-se;

2. Combinação, união;

� Comparação –

1. Ato ou efeito de comparar; confrontação, confronto, cotejo;

� Analogia –

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32

1. Ponto de semelhança entre coisas diferentes;

2.Semelhança, similitude, parecença;

3.Filos. Identidade de relações entre os termos de dois ou mais pares;

4.Filos. Semelhança entre figuras que só diferem quanto à escala;

5.Filos. Semelhança de função entre dois elementos, dentro de suas

respectivas totalidades. [Cf., nas acepç. 3 a 5, generalização (5).];

8.E. Ling. Modificação ou criação de uma forma lingüística por

influência de outra(s) já existente(s). [Particípios como ganho, gasto,

pago, ao lado de ganhado, gastado e pagado, são tradicionalmente

considerados formas analógicas cujo modelo provável foram pares de

formas do lat. vulgar, como, p. ex., acceptum/acceptatum.]

É importante ter em mente que associar requer uma união de duas ou mais coisas

que já foram comparadas e analisadas previamente devido aos interesses que podem ou

não ser comuns às partes envolvidas na associação. A diferença entre esses conceitos e

o conceito de analogia é bem sutil. Como observamos nas definições acima, a analogia

perpassa pela comparação das semelhanças ou diferenças das entidades envolvidas no

processo de análise. Veremos adiante como esses conceitos são aplicados ao princípio

da analogia e, consequentemente, às formações sublexicais.

4.2 SAUSSURE: as relações associativas e a formação de palavras

Antes de tratarmos propriamente sobre analogia, é importante entender como

ocorre o processo de formação de palavras para Saussure (2006,1916), considerando,

principalmente, o que sejam relações associativas.

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33

“(...) fora do discurso, as palavras que oferecem algo de comum se associam na memória e assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito diversas. Assim, a palavra francesa enseignement ou a portuguesa ensino fará surgir inconscientemente no espírito uma porção de outras palavras (enseigner, renseigner etc. ou então armement, changement, ou ainda éducation, apprentissage); por um lado ou por outro, todas têm algo em comum entre si.” (SAUSSURE, 2006, p. 143).

O trecho acima focaliza as relações associativas e evidencia a imbricação dos

conceitos apresentados em 4.1. Para que fique mais claro, vejamos o exemplo de

relação associativa utilizado por Saussure (2006,146):

Entendemos que as relações associativas, tal como formuladas por Saussure

(2006,1916), estabelecem mais uma comparação do que propriamente uma associação,

uma vez que não percebemos uma fusão entre os termos apresentados. Na realidade, os

exemplos do autor são comparados por um processo de cotejamento que, segundo ele,

ENSINAMENTO

ENSINAR

ETC.

APRENDIZAGEM ENSINEMOS

EDUCAÇÃO

ETC.

DESFIGURAMENTO

ARMAMENTO

ETC.

ELEMENTO

LENTO

ETC.

ETC.

Page 34: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

34

pode acontecer dentro ou fora do discurso. Além disso, Saussure (2006,1916)

estabeleceu três tipos possíveis de associação: a) a associação que acontece por imagens

acústicas, como em ensinamento e lento, que têm em comum apenas alguns segmentos

fonológicos; b) a associação por aproximação semântica, como acontece com

aprendizagem e educação, que têm em comum apenas traços de significado; c) a

associação por semelhança fônica e semântica, na qual “existe tanto comunidade dupla

do sentido e da forma como comunidade de forma ou de sentido somente”.

(SAUSSURE, 2006, p.146). Assim, Saussure (2006,143) explicita que as relações

associativas “(...)não têm por base a extensão; sua sede está no cérebro; elas fazem

parte desse tesouro interior que constitui a língua de cada indivíduo.”

Dessa forma, fica claro que nas relações associativas de Saussure há tanto

relações de âmbito psicológico quanto de âmbito formal. Estas últimas servirão de base

para a relação da quarta proporcional em relação ao princípio da analogia com o

abandono das relações psicológicas – “o tesouro da língua”.

No capítulo IV do Curso de Linguística Geral, Sausurre (2006,1916) afirma que

as palavras são formadas por analogia

“(...) em francês, sobre o modelo de pension: pensionnaire, réaction: réactionnaire, etc., qualquer pessoa pode criar interventionnaire ou répressionaire, com o significado de “em favor da intervenção”, “em favor da repressão”. (SAUSSURE, 2006, p. 190-191).

Ele explica que “Uma forma analógica é uma forma feita à imagem de outra ou

de outras, segundo uma regra determinada” (SAUSSURE, 2006, p. 187). Assim, para

o autor, a analogia é explicada pelo cálculo da quarta proporcional, já utilizado por

Aristóteles, no capítulo XXI da Poética, resultando numa proporcionalidade, explicada

Page 35: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

35

por meio da regra de três também chamada de quarta proporcional, em que um termo

(a) está para outro (b) assim como um termo (c) está para outro termo (d). Para entender

melhor esse funcionamento, Saussure (2006, 1916, p. 188) utiliza o exemplo em (01), a

seguir, com o objetivo de demonstrar que a analogia sempre atua em favor da

regularidade:

(01) ōrātōrem :: ōrātor = honōrem :: X

X = honor

Observamos que o exemplo em (01) trata da relação fonética. Para ele, a

analogia supõe um modelo e, consequentemente, a imitação regular desse modelo.

Assim, a forma honor foi formada devido à analogia realizada com ōrātor, ao contrário

do que se tinha anteriormente, no par honōs : honōsem. Com o rotacismo do /s/, ficamos

com o par honōs : honōrem. Por um longo período, as formas honor e honōs

conviveram até que a forma mais nova prevaleceu em relação à mais antiga. Por esse

motivo, Saussure (2006,1916) afirma que os fenômenos analógicos não necessariamente

levam a mudanças, uma vez que nada de novo temos com a nova palavra.

Além de observar os aspectos fonéticos, Saussure (2006,1916) também

considera que a analogia é de ordem gramatical e que nada adianta considerá-la apenas

no nível do som, uma vez que a “idéia nada representa no fenômeno fonético”

(SAUSSURE, 2006, p. 191). Assim, “Toda criação deve ser precedida de uma

comparação inconsciente dos materiais depositados no tesouro da língua, onde as

formas geradoras se alinham de acordo com suas relações sintagmáticas e

associativas” (SAUSSURE, 2006, p. 192).

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36

Percebemos que o autor a todo instante considera a analogia como uma

comparação direta entre duas entidades, viabilizando o surgimento de uma terceira, que

não constitui mudança ou novo elemento na língua, no que tange ao significado.

4.3 A questão da analogia em Basílio (1997)

Margarida Basílio, em seu texto intitulado “O princípio da analogia na

constituição do léxico: regras são clichês lexicais”, explicita que, quando falamos de

constituição do léxico, devemos considerar pelo menos três proposições:

“a do estruturalismo americano, em que itens lexicais são concatenações morfêmicas; a da gramática tradicional e da Teoria Gerativa, em que o léxico tem um componente de Regras de Formação de Palavras, que operam sobre palavras previamente existentes, interpretando sua estrutura e/ou formando novas palavras; o do princípio clássico da analogia, proposto por Saussure para o tratamento das relações e produtividade lexical.” (BASÍLIO, 1997:9)

Entre os três conceitos apresentados, a autora sugere a adoção do Princípio da

Analogia (doravante PA), proposto por Saussure (2006/1916), em detrimento da Regras

de Formação de Palavras (doravante RFPs). Assim, a autora inicia o texto apresentando

a diferença entre os dois conceitos e considera que

“a RFPs define construções lexicais possíveis pela postulação de uma operação fonológica sobre uma base categorial, morfológica e semanticamente especificada, que tem como produto um item lexical morfológica, semântica e categorialmente especificado” (BASÍLIO, 1997:10)

De acordo com a autora, “para operarmos com o PA não precisamos de

elementos delimitados e categorizados nos moldes estabelecidos pela RFPs”; conclui,

Page 37: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

37

assim, que, como “mecanismo lógico, a quarta proporcional pode operar com

quaisquer elementos que se conformem à estrutura básica” (BASÍLIO, 1997, 11).

A autora destaca, ainda, que considerar o PA é também considerar que o

princípio dá conta da produtividade lexical e da criatividade do falante. Isso acontece

porque o PA “parece estar na base das formações de reestruturação morfológica que

tanto podem criar novos elementos morfológicos quanto produzir palavras de efeito

retórico e poético” (1997,11). Para confirmar esse posicionamento, Basílio (1997) cita o

termo “enxadachim” de Guimarães Rosa. A autora diz que este termo tem uma

formação analógica óbvia e a representa pelo cálculo da quarta proporcional de

Saussure, como se vê em (02):

(02) espada : espadachim :: enxada : X. Após essa representação, a autora conclui que, para que uma forma seja

construída por PA, é necessário inicialmente um conhecimento prévio de duas palavras

e que elas tenham algo em comum

“de modo que, pela subtração da parte em comum, possamos inferir a significação/função da outra parte; ou então, o conhecimento de uma única palavra, tendo uma das partes em comum com idêntico significado em muitas outras, de tal modo que, pelo mesmo processo, possamos inferir o significado e estrutura desconhecida”. (1997, 12)

Por isso, para que façam sentido essas considerações, Basílio, por meio dos

exemplos ‘carpinteiro’ e ‘carpintaria’, demonstra que, devido ao nosso conhecimento do

que sejam os significados das palavras, conseguimos identificar “carpint-” como base

presa, significando “trabalho em madeira”, e “-eiro” e “-aria” como “agente” e

Page 38: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

38

“locativo, respectivamente. Basílio (1997) conclui então que “a identificação de uma

base presa numa construção morfológica depende das condições de identificação

morfo-semântica de pelo menos uma das partes da construção” (1997,12). Percebemos

dessa maneira que a autora considera a relação significante/significado fator essencial

para o princípio da analogia. Em outras palavras, Basílio (1997,14) afirma que muitas

vezes basta conhecermos o significado de uma única palavra para se reestruturar e criar

outras palavras, como o que acontece com “hipódromo”, “camelódromo” e

“namoródromo”. Nesses exemplos, mesmo que o falante reconheça o significado das

palavras, “é o reconhecimento da estrutura que permite a análise morfêmica e a

substituição de uma parte por outra” (1997, 14).

Outro exemplo interessante que a autora cita é ‘Irangate’, uma vez que o

entendimento do seu significado é claramente dependente do conhecimento de mundo

do falante. Segundo Basílio (1997,15), ‘Irangate’ é formado a partir de ‘Watergate’ e

tem uma análise mais complexa, pois, nas palavras da autora, o termo “se origina de

uma analogia dupla, em que temos uma analogia no sentido mais metafórico, ao lado

de outra a ser interpretada classicamente como a quarta proporcional”. Para que o

falante interprete o que seja ‘Irangate’, é necessário saber que ‘Watergate’ é um

condomínio comercial, situado em Washington, em que ocorreu o crime de Nixon, que

foi um escândalo na política. Dessa forma, a autora percebe que essa referência a

“condomínio” migra para “escândalo de Nixon” e, consequentemente, o falante detentor

desse conhecimento é capaz de formar e interpretar ‘Irangate’ como “escândalo do Iran”

e a não correspondência entre “Water” e “Nixon” passa a ser irrelevante para o

entendimento de ‘Irangate’. Basílio chama atenção para o fato de que, nesse exemplo,

“a estrutura geral se liga ao significado referencial, e não ao significado morfêmico; assim a quarta

Page 39: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

39

proporcional se baseia não só no significado de cada parte, mas na estrutura de duas partes morfêmicas (XY) e na estrutura semântica de duas partes (determinate/determinado)” (1997,15)

Após todas essas análises, Basílio propõe saber qual das duas abordagens é mais

adequada do ponto de vista teórico e chega à conclusão de que o PA dá conta dos

processos analisados pela RFPs e dos processos não-lineares e que, por isso, pode ser

“considerado como um universal lexical, explicando a utilização de relações lexicais

para aquisição do léxico em qualquer língua” (1997, 19).

A autora constata que o

“mecanismo da analogia é um mecanismo lógico, e não especificamente linguístico, teríamos o princípio fundamental da expansão e conhecimento lexical como um mecanismo geral cognitivo e, portanto, não especificamente linguístico, o que poderia parecer contrariar as proposições da Teoria Gerativa”.

Verificasse, dessa forma, que o que prevalece é o fato de que o Princípio da

Analogia é um princípio geral em oposição às inúmeras regras de formação de palavras,

as quais dificultam a análise de processos semelhantes, mas não idênticos em todas as

línguas.

Neste trabalho, partindo da análise de Basílio (1997), verificamos que o

princípio da analogia, que está nos processos supracitados, é de natureza diferente

quanto à quarta proporcional em que ele se baseia.

4.4 A questão do princípio da analogia e as substituições sublexicais para Gonçalves, Andrade e Almeida (2010)

Gonçalves, Andrade e Almeida (2010) propõem, no artigo “Se a macumba é

para o bem, então é boacumba: análise morfoprosódica e semântico-cognitiva das

Page 40: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

40

substituições sublexicais em português”, analisar, morfológica e semanticamente, o

corpus (ANEXO 2) e para isso utilizam os princípios da Morfologia Prosódica

(McCARTHY & PRINCE, 1998), que dão conta de explicar as substituições sublexicais

quanto ao aspecto formal, e a Teoria das Construções Gramaticais, que justifica a

análise cognitiva do fenômeno. Vale ressaltar que, pela primeira vez, observamos uma

proposta de análise das substituições sublexicais que une os aspectos morfológicos e

semânticos. Na presente discussão, além de apresentar um resumo do aspecto formal2,

vamos nos ater de forma prioritária às análises cognitivas das substituições sublexicais

propostas pelos autores, uma vez que a dimensão cognitiva é que é o objeto da

dissertação com base no princípio da analogia (FAUCONNIER & TURNER, 2002).

GONÇALVES, ANDRADE E ALMEIDA (2010, p. 1) consideram que as

substituições sublexicais (doravante SSL) “caracterizam-se por apresentar nova

perspectiva sobre a entidade que está sendo instanciada” e isso torna as SSLs

diferentes dos cruzamentos vocabulares (doravante CV), que muitas vezes rotulam

novos referentes no mundo. Para Gonçalves (2002), os cruzamentos resultam de um

processo não-concatenativo realizado por meio de combinações aleatórias em que as

bases podem sofrer sobreposições. Os CVs caracterizam-se, portanto, pela junção de

duas palavras que se fundem uma na outra. Tal processo cria, além de uma nova

palavra, um novo significado, como, por exemplo, “craquético” (craque + caquético) –

um craque que é caquético, “abreijos” (abraços + beijos) – abraços e beijos, mautorista

(mau + motorista) – um motorista ruim.

Dessa forma, os autores dividem as reanálises da palavra-matriz em (a) quando

um elemento invasor é base como acontece com boacumba (macumba boa), (b) quando

é afixo como, por exemplo, tricha (homossexual exagerado) e (c) quando é um

2 Para maiores esclarecimentos sobre o polo significante das formações sublexicais, v. Gonçalves, Andrade e Almeida (2010).

Page 41: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

41

segmento como é o caso de zilhão (escalaridade), verificam que o “processo de

formação por SSL constitui uma construção gramatical (doravante CG) que deriva de

uma construção básica” (p. 4). Apresentam como construção morfológica para as SSLs

o seguinte:

Entendem, portanto, que “numa palavra derivada, construção XY do tipo DT-

DM (determinante-determinado), X corresponde à posição do especificador, que pode

ser uma base (nos casos de sufixação) ou um prefixo (nos casos de prefixação)”

(GONÇALVES, ANDRADE & ALMEIDA, 2010, 8). Esse modelo permite considerar

as SSLs como construções semiabertas (GOLDBERG, 1995), uma vez que a nova

construção é configurada como membro da construção base. A partir dessas

considerações, os autores propõem então a seguinte formalização para a construção

morfológica de reanálise:

Semântica: Z < DT DM > X Y R:(reanálise) < morfema sequência >

reinterpretado copiada Morfologia Z [µ] + [Y]

Semântica Z < DT DM >

R: PRED < X Y >

Morfologia Z base + afixo afixo base

Page 42: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

42

Note que Z é “ampliação do significado evocado pela construção origem”, X é o

significado presente no frame ativado pela parte revelada no processo e Y resíduo

aproveitado da construção de origem. Essas considerações permitem que os autores

analisem SSLs como ‘enxadachim’3, que interpretam como “espadachim de enxadas”,

‘picante e bucetante’ 4 (Agamenon Mendes Pereira, Jornal O Globo, 27/11/2005), em

que se percebe a comicidade da formação, e a sequência ‘trocínio’, considerada afixo e

viabilizadora de formações como “mãetrocínio, tiotrocínio e avotrocínio”.

Além das análises propostas acima, demonstram as habilidades cognitivas

envolvidas nas substituições sublexicais e, para isso, consideram o que sejam análise,

síntese e reanálise. A “análise é responsável pela identificação da parte da palavra

destacada pela seleção” (GONÇALVES, ANDRADE & ALMEIDA, 2010, 11). Em

outras palavras, essa habilidade de análise permite ao falante a decomposição estrutural

da palavra. Em oposição à análise, temos a capacidade de síntese, que “possibilita a

recontextualização das partes em um todo que supera as próprias partes isoladas”.

Essas habilidades atuam de forma simultânea, pois a análise constitui a entrada das

informações e a síntese licencia o estabelecimento e a hierarquização das relações entre

as partes, “reconfigurando, assim, o todo em uma unidade de sentido” (GONÇALVES,

ANDRADE & ALMEIDA, 2010, 12).

Os autores ressaltam que as habilidades de identificação e de análise são

ativadas previamente e servem de base para as operações analógicas, que estão ligadas à

possibilidade que o falante tem de perceber e reconhecer as diferenças e similaridades

entre os conceitos. Dizendo de uma outra maneira, essas habilidades possibilitam o

isolamento da(s) propriedade(s) de um conceito que pertence a um domínio e também

permitem a contraposição dessa(s) propriedade(s) a um outro conceito que figura em um

3 Ver o conto Fatalidade de Guimarães Rosas 4 Ver explicação no artigo “Se a macumba é para o bem, então é boacumba: análise morfoprosódica e semântico-cognitiva das substituições sublexicais em português” (2010)

Page 43: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

43

mesmo domínio ou num outro domínio. Tudo isso é compreendido a partir do que

estabelecem Fauconnier & Turner (2002) quando tratam dos três “is” da mente e de

como se dá o processamento da analogia como atividade cognitiva.

Após a análise morfossemântica de dados como ‘bebemorar’, ‘boacumba’,

‘boadrinha’ e ‘frátria’5, os autores destacam que

“o processo de SSL tem a característica fundamental de proporcionar a expansão do conteúdo semântico da construção básica por meio da mescla conceptual, evidenciando as propriedades imaginativas da cognição humana, como bem ressaltado por Fauconnier e Turner (2002).”

É exatamente nessa última citação que direcionaremos nossas análises, uma vez

que, mesmo considerando e ressaltando a importância das mesclas conceptuais, os

autores optaram pela utilização da Teoria das Construções Gramaticais

(GOLDBERG,1995). Entendemos que a Teoria das Mesclas (FAUCONNIER &

TURNER, 2002) explica melhor as formações sublexicais no que diz respeito aos

aspectos cognitivos da língua. Além disso, vamos apresentar propostas de análises para

os dados em que a parte esquerda da palavra-base é mantida na substituição sublexical,

não analisada pelos autores.

5 Canção “Língua” de Caetano Veloso

Page 44: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

44

4.5 - A analogia para a Linguística Cognitiva

Após considerarmos aquilo que algumas vertentes teóricas entendem como

princípio da analogia, apresentaremos inicialmente o que nos parece ser o princípio da

analogia para a Linguística Cognitiva nos termos de Fauconnier & Turner (2002).

4.5.1 O princípio da analogia e a Linguística Cognitiva

“Como duas ideias podem surgir para

produzir uma nova estrutura, quais

mostram a influência das ideias que as

antecedem sem ser uma mera

combinação ‘copia-cola’ ”6

(Margareth Boden)

Não é à toa o trecho em epígrafe, pois salva a natureza da analogia. O princípio

da analogia é um dos princípios fundamentais da Linguística Cognitiva, como relevado

na obra de Fauconnier & Tunner (2002). Esse princípio atua no momento em que o

falante tem a necessidade de explicar um determinado elemento a partir de outro já

conhecido. Assim, verificamos que a analogia é um princípio de primeira ordem, que

facilita a aquisição e o reconhecimento de um novo domínio, uma vez que nos permite

fazer um paralelismo entre elementos de significados distintos com o objetivo de

verificar e fazer surgir um novo elemento no mundo, categorizado de forma mais

adequada.

6 Tradução nossa de “How can two ideas be merged to produce a new structure, which shows the influence of both ancestor ideas without being a mere “cut-nd-paste” combination?” (Margareth Boden), Fauconnier & Turner, 2002, 17

Page 45: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

45

O senso comum sugere que pessoas em diferentes situações apresentam

diferentes formas de pensar. Dessa forma, o adulto e a criança pensam de formas

diferentes a respeito de uma determinada situação, bem como a forma de pensar do

gênio é diferente da forma que pensa uma pessoa comum. Poderíamos dizer, inclusive,

que temos duas funções de pensamento: (a) uma mais direta, que todos processam de

forma automática, como, por exemplo, o ato de ler e o de respirar e (b) uma outra mais

imaginativa quando, por exemplo, estamos empenhados em criar uma história fictícia.

O princípio da analogia trata exatamente das questões menos óbvias ao pensamento e à

consciência. A LC tem estudado recentemente mais o pensamento analógico e pôde

constatar que desde muito cedo essa habilidade surge na criança e passa a operar em

todos os níveis sociais e conceptuais do indivíduo. Fauconnier & Turner (2002,18)

destacam como são interessantes a sistematicidade e a complexidade do processo

analógico, que, formado logo no início da vida, se torna invisível para a consciência e

acaba por passar despercebido nas situações diárias devido às habilidades da nossa

consciência de identificar e reconhecer semelhanças e diferenças.

Para exemplificar essas considerações, os autores utilizam como exemplo o caso

de Margareth Thatcher. Relatam que, no início dos anos noventa, Margareth Thatcher

era conhecida como Dama de Ferro e tinha uma certa popularidade entre alguns grupos

dos Estados Unidos da América (EUA), sendo comum, inclusive, encontrar afirmações

do tipo “os EUA precisam de uma Margareth Thatcher”. Os autores, entretanto,

firmaram suas análises na resposta de um determinado grupo que dizia que “Margareth

Thatcher jamais seria eleita nos EUA, porque o sindicato dos trabalhadores impediria”.

Para entender essa afirmativa devemos considerar a possibilidade de Margareth

Thatcher concorrer à presidência dos EUA e os obstáculos que ela encontraria para ser

eleita. Entretanto, percebemos que o raciocínio é menos automático e mais imaginativo

Page 46: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

46

para que consigamos atingir o entendimento da afirmação apresentada. Isso acontece

porque, na realidade, entendemos que Margareth Thatcher já é chefe de governo de

outro país além de não ser cidadã americana para poder concorrer às eleições nos EUA.

Assim, ainda que a Grã-Bretanha e os EUA apresentem algumas similaridades, eles são

bastante diferentes quanto à cultura e à forma de governo.

Dessa forma, só conseguimos entender a afirmação através da mescla que

relaciona características da Grã-Bretanha com algumas características dos EUA. Na

mescla, por exemplo, verificaremos que o repúdio que o sindicato dos trabalhadores dos

EUA sente pela Dama de Ferro não é oriundo de uma experiência deles com a chefe de

governo; pelo contrário, a insatisfação é projetada na mescla a partir do que ela faz com

o sindicato dos trabalhadores ingleses.

Depois de verificarmos que esse entendimento se dá a partir das inferências que

fazemos da cena em questão, fica mais fácil processar a analogia. Assim, a chefe de

governo Margareth Thatcher corresponde ao presidente dos EUA; o sindicato dos

trabalhadores ingleses corresponde ao sindicato dos trabalhadores americanos; os

ingleses que votam correspondem aos americanos que votam; e a Grã-Bretanha

corresponde aos EUA. Como podemos perceber, essas correspondências são

imaginativas, pois são possíveis a partir das inferências que fazemos das cenas, e

consequentemente são dependentes do nosso conhecimento de mundo. A afirmação

dificilmente faria sentido para um falante que não partilha desse conhecimento de

mundo. Certamente, esse falante realizaria uma analogia mais óbvia dos pares, fazendo

uma correspondência direta e objetiva da concorrência à presidência. Notamos, assim,

que, ao informarmos esse mesmo falante das reais situações dos países e dos seus

representantes, ele realizará de forma instantânea a correspondência das inferências dos

pares.

Page 47: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

47

Vejamos a representação dessa mescla conceptual para esse exemplo:

De fato, percebemos que a analogia só é percebida quando observada de forma

intencional, pois se dá, quase sempre, de forma inconsciente, sem que percebamos as

habilidades cognitivas envolvidas no processamento. Note que o produto da mescla não

está nos análogos envolvidos nos inputs da mesclagem conceptual.

A analogia, portanto, é um processo que tem o objetivo de construir e

reconstruir espaços inputs, sendo uma associação intuitiva e esquemática realizada pelo

sujeito. Podemos entender, dessa forma, que a analogia é uma transferência de

inferências que se dá na construção das cenas ativadas pela língua e, por isso mesmo, é

Blended space

Input 1 - Inglaterra Input 2 - EUA

� 1º ministro

� Sindicato dos trabalhadores

� Líder de Governo

� Sindicatos

� Sindicato dos trabalhadores

� Presidente

� Suposta Margareth Thatcher

� Força do Sindicato dos trabalhadores

Generic Space

Page 48: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

48

uma habilidade cognitiva que precede o processamento da mescla conceptual e permite

a correlação de elementos individuais, como no exemplo do monge, explicitado na

seção 3.1.5, ou elementos que estabelecem a relação papel-valor, como no exemplo da

Margareth Thatcher.

Observe-se que, nesta mescla, não estão sendo mapeadas entidades sob

entidades como no caso da mescla do monge budista, representado na seção 3.1.5; o que

temos é uma mescla de funções sociais que são tidas como análogas. Em outras

palavras, tanto o primeiro ministro da Inglaterra quanto o presidente dos EUA podem

assumir a função de líderes do país por analogia. Vale ressaltar que é esse tipo de

mescla que identificamos nas substituições sublexicais.

Page 49: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

49

5. ANÁLISE DAS SUBSITUIÇÕES SUBLEXICAIS EM PORTUGUÊS

As SSLs, ao lado de outros fenômenos semânticos e morfofonológicos, como os

cruzamentos vocabulares, não são típicas apenas da língua falada, mas são localizadas

tempo-espacialmente, em função de inputs culturais. São novos elementos da cultura

(como o fenômeno das lojas de Yogoberry, febre do verão de 2010) que os provoca,

principalmente. Daí terem um caráter eminentemente fugaz. Não é, entretanto, sua

fugacidade que os descredencia como padrões regulares da língua. O raciocínio é

rigorosamente o contrário: por se fazerem tão rapidamente e serem imediatamente

compreendidos por falantes de determinada comunidade, evidenciam padrão linguístico

o tempo todo disponível.

Os dados aqui analisados advêm de exemplos capturados em diálogos, de notas e

charges publicadas em jornais de grande circulação, de nomes de estabelecimentos

comerciais etc. Enfim, da língua em uso. Os dados de ‘boadrasta’ a ‘cheesburguer’ (cf.

anexo 2) foram coletados por Andrade e Gonçalves. Os dados ‘abmudo’, ‘abcego’,

‘ditabranda’, ‘dilmasia’ e ‘iogocana’ foram acrescentados por nós nas análises.

Pelo processo das SSLs, as formas linguísticas são interpretadas e uma

sequência não-morfêmica é promovida à condição de base (boa + madrinha =

boadrinha) ou afixo (tri + bicha = tricha). Consideraremos aqui as distinções que

Gonçalves (2005a) faz entre os CVs e as SSLs. Segundo o autor, “cruzamentos

constituem produtos da junção de dois vocábulos em ‘planos alternativos’, ao contrário

das formações analógicas, cujas bases operam em ‘planos competitivos’

(GONÇALVES, 2005a:151). Observamos, portanto, que nos CVs as bases se fundem

conforme acontece em ‘namorido’ (namorado + marido) e chafé (chá + café)

diferentemente do que ocorre com as SSLs em que apenas uma parte da palavra

Page 50: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

50

funciona como alvo e é reanalisada intencionalmente como acontece em ‘boadrasta’

(madrasta que é boa). Verificamos também que em relação ao aspecto semântico-

cognitivo os CVs rotulam novos referentes enquanto que as SSLs instanciam as

propriedades de um referente já existente seja por meio da reanálise de uma base

(bebemorar) ou de um afixo (trêbado).

As SSLs são processos que se dão por analogia a partir da identificação de uma

parte da palavra como um elemento que tem um dado valor no conceito que ativa.

Então, em ‘boadrasta’, o segmento ‘ma’ é retirado do radical da palavra ‘madrasta’ e

reinterpretado como o adjetivo ‘má’, que tem propriedade negativa. Assim, cria-se valor

(value), qualidade em ‘ma’, e ‘drasta’ passa a condensar o significado de ‘esposa do pai’

– papel (role). Em paralelo a isso, podemos considerar o que Fauconnier & Turner

(2002) dizem a respeito da transferência de inferências que ocorre com o princípio da

analogia. Os autores citam no capítulo 8, por exemplo, o fato de a palavra ‘pai’ poder

apresentar significados diferentes. Consideram inicialmente a sentença ‘Paul é pai de

Sally’, em que o espaço genérico contém duas pessoas e nenhuma relação; o frame

ativado é o de “pai-filho”, originado de um frame mais geral – “parentesco entre um

homem e uma mulher”. No input 1 temos apenas os papéis e no input 2 apenas os

elementos e só no espaço da mescla é que temos a relação papel-valor correspondente à

sentença. Os autores ainda consideram que a palavra ‘pai’ pode ter diferentes

significados, mas que, apesar disso, a palavra apresenta sempre o mesmo papel, uma

vez que sempre nos convida a usar o nosso potencial para criar novas redes a partir da

relação “pai-filho”. Utilizam os exemplos ‘Zeus é pai de Atena. Ela nasceu da sua

cabeça, completamente vestida de armadura’ e ‘José é pai de Jesus’. Nos exemplos,

observamos que, apesar de termos um nascimento incomum e uma relação de pai-filho

em que o pai não contribuiu com o material genético, a sentença é facilmente

Page 51: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

51

compreendida e aceita devido ao nosso conhecimento da existência de um espaço de

parentesco mais geral. Dessa forma, as inferências que fazemos do termo ‘pai’ são

transferidas para o espaço da mescla, permitindo que entendamos a sentença mesmo que

faltem as figuras ‘mãe’ e ‘bebê’. Isso acontece, porque, ainda que não projetemos para o

blending os elementos ‘pai’, ‘mãe’ e ‘bebê’, projetamos a estrutura familiar e as

emoções envolvidas nessa relação.

Similarmente, as SSLs são formadas a partir do mesmo processo: transferência

de inferências que fazemos da palavra-origem. Dessa forma, nas SSLs, observamos que

ocorre o isolamento de parte da palavra como referente que encontra seu análogo pelo

valor. Assim, na palavra ‘picante’, originalmente deverbal do verbo ‘picar’, o falante

identifica as duas primeiras sílabas (pica) como correspondentes ao termo chulo ‘pica’ –

órgão sexual masculino (papel) que encontra no termo chulo, que representa o órgão

feminino ‘buceta’, o seu correspondente do mesmo valor – ‘bucetante’.

Verificamos, dessa forma, que a reinterpretação do elemento alçado para a

função da nova categoria, ativada pelas formações sublexicais, detonam uma mescla

regular que se caracteriza pelo fato de que Y (a expressão valor) detona o blending (a

mescla). Especificamente, conforme demonstram Fauconnier e Turner (2002), isso

acontece por realizar as seguintes operações:

“chamar para o espaço input um determinado frame relacionado ao conteúdo Y;

construir um espaço genérico;

projetar o elemento Y para criar um elemento Y’ na mescla;

fornecer para a parte estável W da palavra no espaço input uma relação adequada para Y;

projetar que W cria um elemento W’ no blending e

Page 52: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

52

projetar a relação Y/W em Y’/W’ no espaço blending.”7

Dessa forma, ao analisarmos os dados (ANEXO 1), verificamos que temos

palavras formadas por diferentes (a) classes morfológicas como em ‘boadrinha’ e

‘bebemorar’ e (b) estruturação morfológica, como em ‘abmudo’ e ‘Dilmasia’. Os

diferentes processos de formação, no entanto, não alteram o processo cognitivo PAPEL-

VALOR, em que um elemento estável define o papel e um elemento variável define o

valor. Assim, a substituição sublexical ‘boadrasta’ tem a seguinte representação:

7 Tradução nossa “Call up an input space for the relational frame containing Y; Construct a blended space; Project the element Y to create an element Y’ in the blend; Provide for a W in the input space that will bear an appropriate relationship to Y; Project the YW onto Y’W’ in the blend.” (FAUCONNIER & TURNER, 2002)

Page 53: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

53

A mescla acontece da mesma forma para as SSLs ‘boadrinha’, ‘boadrasta’ e

‘bebemorar’. O resultado é interessante, porque, no momento em que a mescla acontece,

é possível que se criem ou se recategorizem novas formas que antes eram estáveis na

língua. Por exemplo, a palavra ‘madrinha’ nos remete socialmente àquela pessoa

escolhida para cuidar do filho de alguém na ausência da própria mãe. Então,

culturalmente, ‘madrinha’ nos remete a uma pessoa boa; entretanto, sabemos que nem

RECATEGORIZAÇÃO DA PROPRIEDADE DO REFERENTE POR NOMEAÇÃO

Blended space

Input 1

� BOADRASTA

Input 2

� MA = Y

� DRASTA = W

� Y’ = BOA

� W’ = DRASTA

Frame

� Y”

� W”

Y = TIPO DE RELAÇÃO FAMILIAR W = PAPEL SOCIAL

Page 54: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

54

toda ‘madrinha’ é necessariamente boa e, no momento em que o falante percebe isso,

verifica também que a palavra não dá conta exatamente da cena que ele se propõe a

definir e cria ‘boadrinha’, forma mais adequada para categorizar a ‘madrinha’ que

considera boa. Então, a palavra ‘madrinha’ passa a evocar dois tipos de conceitos que

antes não tinha – uma pessoa que pode substituir nossa mãe e que pode ser boa ou má.

Além disso, é importante destacar que as palavras que compõem o grupo acima

são formadas a partir da verificação de classes morfológicas. Nos exemplos citados,

temos nas SSLs adjetivos e verbo – ‘boa’ e ‘beber’, respectivamente. Note que, apesar

de a mescla ser do mesmo tipo e de termos um valor mais genérico, cada palavra é

ativada no blending a partir de um valor mais específico do que o que encontramos no

frame que o antecede e que tem valor mais geral. Então, em ‘boacumba’, temos no input

1 W= cumba e Y= ma; no input 2 W’ = cumba e Y’=boa e no espaço da mescla as

inferências que foram transferidas W’’ = prática religiosa e Y’’ = tipo de prática

religiosa além da emergência da SSL ‘boacumba’. Podemos observar que o mesmo

tipo de analogia acontece com o verbo ‘comemorar’. No input 1, temos W = morar

(comemoração regada a algo) e Y = come (ato de comer); no input 2, temos W’ = morar

(comemoração regada a algo) e Y’ = bebe (ato de beber) e, consequentemente, no

espaço da mescla, temos W’’ e Y’’ e a formação de ‘bebemorar’ – comemoração regada

à bebida.

Além das substituições em que observamos a recategorização da propriedade do

referente por nomeação, temos também aquelas em que há a recategorização de um

nove referente por nomeação . No esquema a seguir, vemos a análise de ‘sucoína’:

Page 55: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

55

Para entendermos a mescla acima, é necessário saber que ‘cafeína’ é o nome de

um estabelecimento no estado do Rio de Janeiro , mais precisamente na zona sul, onde

RECATEGORIZAÇÃO DE UM REFERENTE POR NOMEAÇÃO

Blended space

Input 1

� SUCOÍNA

Input 2

� CAFÉ = Y

� ÍNA = W

� Y’ = SUCO

� W’ = ÍNA

Frame

� Y”

� W”

Y = TIPO DE PRODUTO DOMINANTE W = LUGAR ONDE

Page 56: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

56

se consome café, e não estritamente a substância que encontramos no café ou no chá. A

partir desse conhecimento, o falante analisa a parte ‘café’ como o valor – parte mais

variável – e ‘ína’, a parte estável, passa a carregar um novo papel – lugar onde se

consome algo, que pode ser café ou suco, no caso, ‘sucoína’, um estabelecimento de

venda de sucos, localizado em Ipanema. O mesmo se dá para as substituições ‘videasta’,

‘siteografia’, ‘sacolé’, ‘bucetante’, ‘baraticídio’, ‘cracolândia’, ‘drogonauta’,

‘enxadachim’, ‘frátria’, ‘framburguer’, ‘cheeseburguer’, ‘fishburguer’, ‘Lulagate’,

‘Irangate’, ‘monocelha’ e ‘iogocana’, ressaltando o frame, o papel e a função individual

que cada palavra carrega, além das inferências transferidas para o espaço da mescla.

Essa transferência de inferências é facilmente observada em ‘Irangate’. Na seção

4.3, observamos que Basílio (1997) destaca que, para que o falante interprete esse item,

é necessário saber que ‘Watergate’ é um condomínio em que ocorreu o crime de Nixon;

poderíamos dizer nesse momento que o falante precisa ser detentor desse MCI. Além

disso, a autora percebe e esclarece que a referência “condomínio” é entendida como

“escândalo de Nixon” e isso permite que o falante seja capaz de formar ‘Irangate’ como

“escândalo do Iran” e ressalta o fato de a correspondência entre ‘Water’ e ‘Nixon’ ser

irrelevante para o entendimento de ‘Irangate’. Ela afirma, portanto, que o significado,

nesse momento, se liga ao significado referencial, o que lhe permite sustentar que a

quarta proporcional, proposta por Saussure, se baseia não no significado de cada parte e

sim na estrutura de duas partes morfêmicas e na estrutura semântica. Por isso,

estabelece a quarta proporcional ‘Watergate: escândalo de Nixon :: Xgate: escândalo de

X’. Verificamos, assim, que o Princípio da Analogia, apresentado pelos teóricos da

Linguística Cognitiva, nos parece explicar melhor o fenômeno, uma vez que o que

observamos na formação de ‘Irangate’ é uma transferência de inferências que o falante

faz a partir do frame ativado e não apenas da comparação entre as partes envolvidas no

Page 57: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

57

processo. Assim, ‘gate’ passa a ter um significado estável – ‘escândalo em algum lugar

ou que envolve alguma pessoa” e ‘Water’ passa a ser interpretado como Nixon, e, a

partir dessa análise, a construção de ‘Irangate’ torna-se possível.

Podemos também citar a substituição sublexical ‘enxadachim’ como forma de

representar a maior eficiência do Princípio da Analogia, no tange aos conceitos

abordados na seção 4.5.2. Observamos que tanto a análise que Basílio (1997) propõe

quanto a que foi proposta por Gonçalves, Andrade e Almeida (2010) são de extrema

importância, pois foram as primeiras realizadas para o fenômeno e suscitam variados

questionamentos no que tange à forma como o significado interfere na formação dessas

palavras (seções 4.3 e 4.4). Para a proposta de análise desta dissertação, ‘enxadachim’,

bem como todos as outras palavras formadas por analogia, apresenta uma parte da

palavra que carrega um significado mais estável e outra que vai ser variável. Dessa

forma, pode-se estabelecer as seguintes representações:

Page 58: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

58

RECATEGORIZAÇÃO DE UM REFERENTE POR NOMEAÇÃO

Blended space

Input 1

� IRANGATE

Input 2

� WATER = NIXON = Y

� GATE = W

� Y’ = IRAN

� W’ = GATE

Frame

� Y”

� W”

Y = LUGAR OU PESSOA QUE SOFRE ESCÂNDALO

W = ESCÂNDALO DE ALGO OU EM ALGUM LUGAR

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59

Outro fator não menos importante é o fato de que a Teoria da Mesclas dá conta

tanto das palavras com substituição interna à esquerda quanto com alteração à direita,

considerando, para isso, os estatutos adquiridos de prefixo e sufixo, respectivamente.

RECATEGORIZAÇÃO DE UM REFERENTE POR NOMEAÇÃO

Blended space

Input 1

� ENXADACHIM

Input 2

� ESPADA = Y

� CHIM = W

� Y’ = ENXADA

� W’ = CHIM

Frame

� Y”

� W”

Y = OBJETO MANUSEADO

W = AQUELE QUE MANUSEIA ALGO

Page 60: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

60

Assim, ‘abmudo’ e ‘abcego’ intensificam e recategorizam um referente e mantêm a

parte esquerda da palavra com o significado mais estável, representando alto nível de

deficiência. Já nas palavras ‘autotrocínio’, ‘tiotrocínio’ e ‘mãetrocínio’, observamos que

a parte estável da palavra é à direita e estas recategorizam um velho referente. Todas

essas formações são explicadas pelo princípio da analogia (FAUCONNIER &

TURNER, 2002). Vejamos:

RECATEGORIZAÇÃO DO REFERENTE POR NOMEAÇÃO

Blended space

Input 1

� ABMUDO

Input 2

� SURDO = Y

� AB = W

� Y’ = MUDO

� W’ = AB

Frame

� Y”

� W”

Y = DEFICIÊNCIA W = ALTO NÍVEL DE DEFICIÊNCIA

Page 61: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

61

Também entendemos que as SSLs podem ocorrer para intensificar a propriedade

de um referente, como acontece com ‘abmudo’ e ‘abcego’, já citados, além de palavras

como ‘tricha’, ‘trêbado’, ‘zêbado’ e ‘zilhão’. Nessas últimas, é possível verificar que o

falante toma a parte ‘bi’ ou ‘bê’ da palavra como intensificador e a reinterpreta a partir

de uma escalaridade que vai do nível inicial ao nível máximo, representado pela letra

‘z’, por ser esta a última do alfabeto. Vejamos a representação abaixo, correspondente

ao que está no item lexical pronto:

RECATEGORIZAÇÃO POR INTENSIFICAÇÃO DE PROPRIEDADE NA NOMEAÇÃO

Blended space

Input 1

� TRÊBADO

Input 2

� BÊ = Y

� BADO = W

� Y’ = TRÊ

� W’ = BADO

Frame

� Y”

� W”

Y = NÍVEL DE ALCOOLISMO

W = ALCOOLIZAÇÃO

Page 62: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

62

Neste trabalho, optamos por trabalhar com as mesclas que envolvem a relação

papel-valor (role-value) por darem conta de como a cognição está inserida no processo.

Sabemos que as mesclas conceptuais que se aplicam ao fenômeno envolvem níveis

menores ou maiores de complexidade, possibilitando um trabalho de análise a partir das

redes de duplo escopo e de espelho que certamente poderão ser desenvolvidas em

trabalhos futuros.

Page 63: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

63

6. PALAVRAS FINAIS

Esta dissertação, à luz da Linguística Cognitiva, teve como objetivo a

investigação da formação de palavras por meio das substituições sublexicais no

português do Brasil. Com base nas análises propostas, defendemos que o princípio da

analogia é uma das principais habilidades cognitivas, conforme explicam Fauconnier &

Turner (2002). Por isso, podemos considerar que, nas substituições sublexicais em

português, o falante e o ouvinte conseguem fazer automaticamente correspondências

instantâneas dos diferentes significados dos elementos envolvidos nas cenas em que

estejam inseridos, fazendo surgir, assim, um termo mais adequado para a cena que

desejam representar. Dessa forma, conseguimos demonstrar que o princípio da analogia

não se dá apenas no âmbito da forma, como uma relação comparativa entre arquiteturas

morfofonológicas, mas, sobretudo, no nível da cognição, integrando conceitos e

produzindo recategorizações.

É importante registrar ainda que, em relação aos trabalhos de Basílio (1997) e

Gonçalves, Andrade e Almeida (2010), avançamos nos aspectos seguintes. Em relação

ao trabalho de Basílio (1997), evidenciamos que a analogia cognitiva não é o mesmo

que a quarta proporcional de Saussure (2006,1916), visto que esta se restringe à forma.

No que diz respeito ao trabalho de Gonçalves, Andrade e Almeida (2010), progredimos

na análise semântico-cognitiva ao tratarmos a substituição sublexical como resultado da

operação cognitiva mescla antes de ser um processo de formação de construções

gramaticais. Em outras palavras, concordamos com Gonçalves, Andrade e Almeida

(2010) que as palavras formadas por substituição sublexical são construções

gramaticais, mas enfocamos que, antes de serem construções gramaticais, são produtos

de uma operação cognitiva já consagrada na LC, que é a mescla conceitual.

Conseguindo também integrar numa mesma modelagem - “a da mescla” - os dados que

Page 64: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

64

não somente fazem a substituição pela esquerda mas que também a fazem pela parte

direita da palavra. Ressalte-se ainda que houve considerável avanço teórico na aplicação

da teoria da mescla ao adotarmos o padrão XY de Z, conforme Fauconnier & Turner

(2002:147).

Apesar de um quantitativo pequeno de palavras nos dados apresentados, o

fenômeno nos parece cognitivamente disponível para produzir novas recategorizações

por meio da nomeação, o que nos leva a crer que mais palavras/construções gramaticais

serão formadas por substituição sublexical. Sabemos que o estudo não para por aqui,

pelo contrário, este é só o início de uma longa caminhada pela Linguística Cognitiva,

em geral, e pela Teoria das Mesclas, em particular. Acreditamos, portanto, que este

estudo tenha contribuído para os avanços nas análises sobre o fenômeno, assim como

todos os outros aqui apresentados.

Page 65: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

65

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

ANEXO 1

SUBSTITUIÇÃO SUBLEXICAL PALAVRA DE ORIGEM

BOADRASTA MADRASTA

BOADRINHA MADRASTA

BOACUMBA MACUMBA

BEBEMORAR COMEMORAR

LULAGATE WATERGATE

IRANGATE WATERGATE

SITEOGRAFIA BIBLIOGRAFIA

SUCOÍNA CAFEÍNA

CRACOLÂNDIA DISNEYLÂNDIA

SACOLÉ PICOLÉ

ENXADACHIM ESPADACHIM

VIDEASTA CINEASTA

IOGOCANA IOGOBERRY

ABMUDO ABSURDO

ABCEGO ABSURDO

DITABRANDA DITADURA

TRÊBADO BÊBADO

ZÊBADO BÊBADO

TRICHA BICHA

ZILHÃO MILHÃO

AUTOTROCÍNIO PAITROCÍNIO

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73

TIOTROCÍNIO PAITROCÍNIO

MÃETROCÍNIO PAITROCÍNIO

DILMASIA ANASTASIA

BARATICÍDIO SUICÍDIO

BUCETANTE PICANTE

FÁTRIA PÁTRIA

MÁTRIA PÁTRIA

FRANBURGUER HAMBURGUER

FISHBURGUER HAMBURGUER

CHEESBURGUER HAMBURGUER

ANEXO 2

SUBSTITUIÇÃO SUBLEXICAL PALAVRA DE ORIGEM

BOADRASTA MADRASTA

BOADRINHA MADRASTA

BOACUMBA MACUMBA

BEBEMORAR COMEMORAR

LULAGATE WATERGATE

IRANGATE WATERGATE

SITEOGRAFIA BIBLIOGRAFIA

SUCOÍNA CAFEÍNA

CRACOLÂNDIA DISNEYLÂNDIA

SACOLÉ PICOLÉ

Page 74: Análise semântico-cognitiva das substituições sublexicais em

74

ENXADACHIM ESPADACHIM

VIDEASTA CINEASTA

MONOCELHA SOBRANCELHA

MONOCRÁTICO DEMOCRÁTICO

TRÊBADO BÊBADO

ZÊBADO BÊBADO

TRICHA BICHA

ZILHÃO MILHÃO

AUTOTROCÍNIO PAITROCÍNIO

TIOTROCÍNIO PAITROCÍNIO

MÃETROCÍNIO PAITROCÍNIO

BUCETANTE PICANTE

BARATICÍDIO SUICÍDIO

FÁTRIA PÁTRIA

MÁTRIA PÁTRIA

FRANBURGUER HAMBURGUER

FISHBURGUER HAMBURGUER

CHEESBURGUER HAMBURGUER