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Ano 11 • Nº 11 • Dezembro • 2013

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Além da boa gestão pedagógica, a competência de uma escola é aferida por uma credencial de peso:

trata-se do capital intelectual adquirido pelo corpo docente, a viga mestra da inteligência organizacional.

O que isso significa? Que as estratégias didáticas utilizadas e o traquejo nas disciplinas acadêmicas têm

relevância inconteste. Mas não só. É preciso dar relevo ao universo simbólico que informa os próprios

professores. Basta conferir o quanto seus saberes científicos, filosóficos, estéticos e técnicos impactam

o conteúdo programático quando o contextualizam. Ou, dito de outra forma, movem montanhas quando

conferem substância às disciplinas ensinadas. Assim, o que distingue professores proficientes de

professores carentes de riqueza intelectual? O acervo que acumulam ao longo da carreira, a capacidade

de atualizar-se incessantemente e, sobretudo, a faculdade ímpar de transmitir o que sabem de forma

acessível.

Como bem nos ensina a Profa. Elvira Souza Lima, cuja formação multidisciplinar constitui um

exemplo vivo, a escola é uma invenção da civilização, e as vivências que propicia são componentes

essenciais para o desenvolvimento do cérebro das crianças e dos adolescentes. Sua entrevista nos

esclarece que não há na genética humana uma área designada para a leitura e a escrita. Por serem

funções simbólicas, o ler e o escrever exigem adaptações do cérebro. Do mesmo modo, a imaginação

opera como mola propulsora do conhecimento humano. Tanto é que os eixos da escolarização são a

formação e o compartilhamento de memórias. Daí a importância estratégica da escola e o papel central

reservado ao preparo científico e cultural dos professores. O que será que o professor ensina se não

elementos de seu patrimônio intelectual? E, quanto mais elaborada for a “memória” dele, mais densas

serão as possibilidades de aprendizagem dos alunos e mais largos serão seus horizontes. É esse caminho

que a Móbile trilha com dedicada obstinação.

Na presente edição da Revista da Móbile, textos produzidos por alunos ilustram o trabalho artesanal

da arte de escrever. E, nesta linha, vale a pena ler a reflexão de Maria de Remédios Ferreira Cardoso,

diretora da Educação Infantil – “A importância da consciência fonológica na Educação Infantil” –, que

pontua o quanto esse nível de consciência é vital para a aquisição da leitura e da escrita. Chama igualmente

a atenção o relato “Descrição: a recriação por meio de palavras”, de Luciana Tomiatto e professoras do

4º ano do Ensino Fundamental I, que mostra a lógica que articula a descrição em textos narrativos.

Nessa linha, embora em um registro mais amplo, inscreve-se a instrutiva e bela resenha escrita

por Wilton Ormundo, vice-diretor pedagógico e professor de Estudos Literários do Ensino Médio. Ela

versa sobre a peça de teatro Folias Galileu e demonstra com precisa lucidez o alcance e a pertinência

da formação cultural. A ida ao teatro deixa de ser mero deleite ou fútil entretenimento e se converte em

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oportunidade de reflexão crítica – “infeliz a terra que precisa de heróis...”. Mais ainda, revela o quanto a

agenda cultural dos alunos permite articular as várias disciplinas que compõem a grade curricular.

Merece também menção o trabalho meticuloso – fruto do planejamento e da supervisão de Cleuza

Villas Boas Bourgogne, Diretora do Ensino Fundamental – desenvolvido na VI Semana Literária e cujo

tema central foi o Modernismo. Os textos apresentados são dos alunos que cursam desde o Infantil 5 até

o 3º ano do Ensino Médio. Ao folhear o material, evidenciam-se experimentações felizes que mergulham

na gramática do movimento e lhe desvendam motivações e características. Aleluia para a criteriosa

construção de linguagem!

Mais adiante, temos vários textos premiados no Concurso Literário, cujo frescor, delicadeza e

espontaneidade conferem um charme todo especial à carpintaria da arte de escrever. Destaques para a

prosa de Monique Murer, do 6º ano do Ensino Fundamental, e de Désirée Brissac Pereira, do 9º ano, assim

como para a poesia de César Zarzur, do 1º ano do Ensino Médio.

O projeto de Iniciação Científica do Colégio Móbile também merece uma visita, graças à variedade

de seus temas e às instigantes videoaulas que se encontram disponíveis no site da escola.

Dois projetos de pesquisa, aliás, se destacam. O primeiro, singelo e engenhoso no uso de recursos

tecnológicos, visa trabalhar fontes históricas e foi animado pela coordenadora educacional Ana Lúcia

Ribeiro de Almeida, além das professoras do 3º ano do Ensino Fundamental. Trata-se da pesquisa sobre

a história da Móbile (“Construindo o presente e revisitando o passado”). Outro primoroso projeto aborda

o impacto das drogas psicotrópicas sobre o sistema nervoso e, naturalmente, sobre o comportamento

humano. Trata-se da pesquisa que envolve os alunos do 2º ano do Ensino Médio (“Percepção alterada”),

iniciativa da professora de Biologia Tatiana Nahas. Esse projeto une, de forma metódica, o ensino da

fisiologia, a aplicação e o treino em variados procedimentos de pesquisa, bem como permite refletir

sobre os riscos pessoais e as implicações sociais do consumo de drogas. Dá-nos uma lição prática

de como desenvolver habilidades essenciais para os alunos. Habilidades referentes à construção do

conhecimento científico e às suas virtudes na apreensão de fenômenos que afligem parte significativa

da população. O desdobramento natural dessa empreitada é o posicionamento crítico diante do mundo.

Proveitosa leitura.

Nessa esteira em que reponta a delicada questão da autonomia intelectual, cabe sublinhar o

artigo de Glorinha Martini e de Wilton Ormundo, respectivamente diretora pedagógica e vice-diretor

pedagógico do Ensino Médio. Constitui verdadeira exposição de motivos que elucida a introdução das

disciplinas eletivas no currículo do Ensino Médio (“Sobre o peso da escolha”). Encontramos aqui não só

uma descrição dos conteúdos, mas uma preciosa fundamentação que pode ser resumida num subtítulo:

“escolho, logo me responsabilizo”. Essa iniciativa inova em sua busca de articular a formação básica

com competências específicas que guardam direta relação com as afinidades enunciadas pelos próprios

alunos. Eis um modo singular de superar aquilo que não se sabe e que muito se gostaria de ver ensinado

de forma sistemática.

Outra indicação recai sobre a valiosa reflexão que se ancora no campo da psicologia e que foi

levada a efeito por Tatiana Almendra, vice-diretora do Ensino Fundamental I, Maria de Remédios F.

Cardoso, diretora da Educação Infantil, e Wanessa Kelly e Silva Salvatore, coordenadora do 1º ano do

Ensino Fundamental. O artigo tem por título “Princípios para uma proposta de Educação Moral”. Nele, as

educadoras descrevem os passos para a formação de sujeitos detentores de consciência moral, patamar

inaugural para o “sentimento de pertença” e, sobretudo, para o exercício da cidadania. Afinal, como

deixar de investir na dimensão ética das novas gerações?

Mais um texto desafiador é o de Walter Spinelli, coordenador de Matemática do Ensino Médio

(“Estudar Matemática é perda de tempo: quem acredita nisso?”). Além de ressaltar as múltiplas e

variadas aplicações da matéria a situações de nosso cotidiano (a Matemática que “serve para alguma

coisa”), pontua utilidades derivadas, tais como a de nos municiar contra os engodos de vendedores

mal-intencionados e a de nos alertar contra as falácias das publicidades enganosas. Mais importante,

todavia, é a desmistificação que faz do “deus matemático”, esse fantasma que afugenta tantos alunos.

Spinelli mostra com absoluta propriedade como a disciplina transcende as miúdas serventias e contribui

decisivamente para desenvolver a capacidade de abstrair e conceber, faculdades determinantes para a

competente apreensão da realidade. Brilhante provocação intelectual que poderia ser generalizada para

as demais ciências.

Esta última edição da Revista da Móbile é mais um retrato do esforço redobrado de um grupo de

educadores cuja seriedade intelectual se traduz em jovens preparados para enfrentar os desafios do

estudo universitário e instrumentados para se tornarem agentes socialmente responsáveis.

Boa leitura!

MARIA HELENA BRESSER

Diretora Geral

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Projeto gráfico e editoraçãoFernando Alexandrinowww.letlive.com.br

FotografiasArquivo Móbile

Fotolitos e impressãoGráfica Editora Aquarela

REVISTA DA MÓBILE

EditorWilton de Souza Ormundo

TextosCleuza Vilas Boas BourgogneWilton de Souza Ormundo

RevisãoRicardo Paulo Novais

MÓBILE

Direção GeralMaria Helena Bresser

Direção

Educação InfantilMaria de Remédios F. Cardoso

Ensino FundamentalCleuza Vilas Boas Bourgogne

Ensino Médio (Educacional)Blaidi Sant'Anna

Ensino Médio (Pedagógica)Glorinha Martini

ColaboradoresEDUCADORESAdriana Caravieri RosaAdriana FelicíssimoAlexandre FioriAline Prates StroehAndré Luis Reis FernandesAndréa G. de Oliveira AssumpçãoAna Christina Calderelli NebóAna Lúcia Ribeiro de AlmeidaAna Paula Barbosa TietzeAndreza Martins de SouzaAntônio de Freitas da CorteBárbara Eliza Alves MartinsCaroline Fernandes de Oliveira SantosCarlos Eduardo C. GodoyCassia MilenaDanilo Alves Vasques PereiraDébora ZardiDenérida Brás Martins TsutsuiEliana M. de CamposEliana Mesquiatti TayanoElaine Cristina MiguelFelipe CoccoFelipe Corazza Teixeira PintoFelipe Figueiredo ChavesFernanda Campanhã RodolfoFlávia Bicudo DuranGlorinha MartiniGuilherme PascalIone CapucciIva Maria AlvesJorge Luis TeixeiraJulia Sarmento SalesJulio Cesar Del Cioppo RibeiroKátia KlassenKelly Cristina O. de AraújoKurt StuermerLara P. OlivaLarissa H. Deptula PereiraLilian Fraga TobiasLilian Henne Éboli Luciana Elena SarmentoLuciana Tomiatto de OliveiraLuigi ParriniLuiz FarinaLume AbeMarcia Bernhard de SouzaMaria Cristina P. GodinhoMaria de Remédios Ferreira CardosoMaria Isabel Vieira de CamargoMarina Callil VoosMichele CostaMonica Ferreira Alves ContePaula Fernanda Parra de OliveiraPaula Tonglet de VasconcelosPaulo Rogerio RodriguesPriscila RibeiroRegina Margaret PereiraRenata Santana MaltempiRoberta Hellena Bossolani de VitaRobervania Correia AraújoRodrigo Lima de CastroRogério GusmãoTatiana NahasTatiana AlmendraThaís Casagranda NevesValéria de Melo PereiraWalter SpinelliWanderli da Costa FonsecaWanessa Kelly e Silva Salvatore

ALUNOSAlice CappattoAmanda Leal Netto CamposAna Santana MoioliAndré Patah DaccaAndré SirangeloAndréa Lasevicius MoutinhoBeatriz GuelmanBeatriz PeanoBreno Mendes Cardoso FragaBruno Leite LandwehrCamila Damião FarahCamila MottaClara Cardoso Franco AvanciniClara Ploretti CappattoCarolina GarciaCésar ZarzurCláudio Luis de Melo PereiraDésirée Brissac PereiraEric Buonpater Lee SantosEthel Emilio RudnitzkiFernanda Dib GabrielFernanda TiemiFernando MauadGianluca SmanioGiulia FiorattiGustavo RacyGustavo de Siqueira FerreiraGustavo Takashi ShimokawaIan Vianna Vaz PintoIsabel Boujikian FelippeIsabella ArrudaIsabella de Freitas M. S. PereiraIsabella Pavani ScuottoIsabella Remaili MonacoJoão Paulo Teixeira Mendes ParizottoJoão Pedro GiesteiraJosé Bento CamassaJulia BrantJúlia YenJuliana MyiazakaKarina Donatpni UrbanoLaura Campos SabbagLaura PupoLígia CosséLucas MuchaluatLuísa CardosoLuísa CletoLuisa TaouilMarcela Romboli FarinaMarcella GenziniMarcelo de Ávila AfonsecaMariana Bussab MarekMariana Ros StefaniMarina Sadala BorgesMarina RovaiMichel KaganMonique MurerNickolas KokronNina Trentin BorghiOliver Serrano WiegerinckPatrick Leonardi PanizoPedro Godoy Bueno SimonPedro Henrique AmorimPedro ParizzotoRafael MagaldiRafael RejtmanRicardo Feliz OkamotoRoberta AlecrimSofia De Paula BaerSofia SangTamara Wolff Bandeira KlinkVictor Cury

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Elvira Souza Lima

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Nestes onze anos de existência da Revista da Móbile, utilizamos este veículo para falar de cinema com Fernando Meirelles, sobre ações de cidadania com a corajosa (e saudosa) Zilda Arns, para investigar a poesia de Ferreira Gullar – só para citar algumas pessoas que já fazem parte de nosso repertório de mais de uma década. Desta vez, convidamos Elvira Souza Lima, pesquisadora em desenvolvimento humano, com formação em neurociência, psicologia, antropologia e música, para tratar da neurociência e sua interface com a educação, nosso maior foco de interesse. Elvira trabalha com pesquisa aplicada às áreas de educação, mídia e cultura e é autora, entre outros, dos livros A criança pequena e suas linguagens, Quando a criança não aprende a ler e a escrever, Práticas culturais e aprendizagem e Brincar para quê?

Revista da Móbile – Por que a neurociência

– área que estuda o sistema nervoso

humano, o cérebro e as bases biológicas

da consciência, percepção, memória e

aprendizagem – tem sido bastante citada

atualmente nos meios educacionais?

Elvira – Uma das descobertas mais relevantes da

neurociência é a de que o cérebro apresenta grande

plasticidade e que, devido a essa característica,

ele pode se organizar funcionalmente para

atender a alguma adaptação necessária. A

neurociência apresentou uma dimensão inédita do

desenvolvimento humano pelo fato de possibilitar

acesso ao cérebro em funcionamento, o que faz

toda a diferença quando falamos em educação.

Revista da Móbile – Que contribuições

exatamente essa ciência tem dado para a

educação?

Elvira – A primeira grande contribuição que a

neurociência trouxe para a educação foi mostrar

que o desenvolvimento da aprendizagem não

é somente biológico. Ele é biológico-cultural.

A aprendizagem relacionada aos conhecimentos

escolares é cultural. Você não tem um cérebro

preparado para ler e escrever. Ler e escrever

requerem adaptações no funcionamento cerebral,

uma vez que não há, na genética da espécie

humana, uma área designada para a leitura ou

para a escrita. O cérebro precisa se transformar

para ler, ou seja, criar certos tipos de rede, e

esse órgão se reorganiza devido à sua enorme

plasticidade. A escrita é uma manifestação da

função simbólica, mas não há uma carga genética

para ler e escrever como temos para falar.

Revista da Móbile – Poderíamos, então,

afirmar que determinadas habilidades

humanas são biológicas, enquanto outras

são culturais?

Elvira – Sim. É importante salientar que os

contextos de vida da pessoa desempenham um

papel fundamental, tanto para a organização como

para a reorganização das redes neuronais. Uma

das principais contribuições da neurociência para

a educação foi mostrar o que é biológico, ou seja,

o que todas as crianças fazem independentemente

da escola. Por exemplo, elas têm a capacidade

de desenhar círculos e quadrados – figuras

geométricas que estão na genética da espécie.

O desenho é o registro de uma imagem que você

tem no cérebro. Então, vemos que a criança

organiza a percepção das figuras geométricas no

espaço geométrico, sem que isso necessariamente

passe pela escolarização. Outras habilidades

podem ser culturais.

Há na Internet um vídeo que mostra uma

menina, Carly Fleischmann. Ela tem um autismo

severo, diagnosticado desde os dois anos de

idade, e a família, há anos, submetia-a a uma

série de terapias sem grande êxito. Durante os

primeiros onze anos, Carly vivia imersa em seu

universo particular. Os médicos explicavam que

o autismo a impossibilitaria de se comunicar e

de ter uma vida normal. No entanto, certo dia,

a menina sentou-se diante de um computador

e digitou letras que formaram a palavra hurt

[dor, em inglês], seguida de help [socorro, em

inglês]. Hoje, ela produz textos maravilhosos,

bem escritos, por meio dos quais ela fala do

autismo de uma maneira impressionante. Ela

explica o que é ser autista, explica por que bate a

cabeça daquele jeito, por que mexe os braços sem

controle. No Facebook, ela responde às perguntas

feitas por pais de filhos autistas, por educadores

e por especialistas. A neurociência trouxe outra

dimensão do desenvolvimento humano, e essa

ciência ajuda a compreender casos como o de Carly.

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O cérebro precisa se transformarpara ler, ou seja, criar certos tipos de rede, e esse órgão se reorganiza devido à sua enorme plasticidade.

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Revista da Móbile – A escola seria um

espaço privilegiado da dimensão cultural,

tão importante para a educação?

Elvira – Exatamente. A escola é um dos contextos

de desenvolvimento da espécie humana nos quais

a dimensão cultural está fortemente presente.

Essa instituição é uma invenção da cultura, e

os conhecimentos que ela deve universalizar

para as várias gerações que por ela passam

são, igualmente, produtos da cultura. Como o

desenvolvimento do ser humano é biológico e

cultural, a vivência na instituição escolar é um

componente essencial para o cérebro humano.

Revista da Móbile – A neurociência se

ocupa de estudar um dos órgãos humanos

mais enigmáticos e fascinantes, o cérebro.

Qual o período máximo de amadurecimento

cerebral nos seres humanos?

Elvira – O cérebro leva, aproximadamente, vinte

anos para amadurecer. Ao longo desse processo,

temos marcas biológicas que nos igualam. A

memória, por exemplo. Temos todos uma memória

ativa, na infância, que funciona de maneira

diferente da memória adulta. O corpo caloso, que

é um feixe de fibras que temos no cérebro unindo

seu lado direito ao esquerdo e que leva dez anos

para amadurecer, está ligado ao desenvolvimento

da memória e da oralidade. Pelas pesquisas,

sabemos que a oralidade da criança se inicia na vida

intrauterina, com a maturação do sistema auditivo,

e vai até dez anos de vida, aproximadamente. Isso

significa que, quando alfabetiza, o educador está

lidando com uma criança que está em processo

progressivo de maturação de seu corpo caloso, de

desenvolvimento da oralidade e de alterações de

processos de memória.

Revista da Móbile – Em muitos de seus

artigos, a senhora fala sobre a importância

de os educadores saberem sobre memória

e seu funcionamento. Qual é, afinal, a

relevância da memória e da imaginação na

aprendizagem?

Elvira – Ser professor é interferir na memória

do outro. Não se pode tratar uma criança de oito

anos da mesma maneira que se trata uma de

seis, pois a memória delas funciona de maneiras

diferentes. O exercício e desenvolvimento da

função simbólica estão fortemente ligados ao

processo de escolarização. Elaborar resenhas,

sinopses, fazer esquemas, ler e interpretar

gráficos, mapas, textos verbais e não verbais,

representar fenômenos científicos por meio de

fórmulas matemáticas, desenhar, ler música,

criar softwares etc. são atividades escolares

que os seres humanos só podem fazer a partir da

memória e da imaginação.

Revista da Móbile – Em suas publicações

acadêmicas, a senhora fala sobre a

precariedade da imaginação entre as

crianças do século XXI, sobretudo aquelas

advindas das classes mais privilegiadas.

Por que isso ocorre?

Elvira – O que ocorre é que na vida dessas

crianças há uma presença constante da imagem,

inclusive nos livros infantis. Quando você lê um

romance, ou uma narrativa literária qualquer em

que não haja desenho, você é levado a criar o seu

próprio cenário. Em Harry Potter, por exemplo, J.K.

Rowling transformou toda uma carga simbólica de

uma sociedade em literatura. A criança, quando lia

esse romance inglês, antes de ele se transformar

na bem-sucedida série de filmes, criava seus

próprios cenários e personagens na cabeça. Mas,

quando você já tem as imagens prontas, não

cria. Tenho visto que muitas crianças advindas

de classes menos privilegiadas e matriculadas

em escolas públicas, mesmo não tendo acesso a

bens materiais, acabam tendo mais imaginação

do que aquelas pertencentes a classes mais ricas

economicamente. A criação dessas imagens por

parte das crianças é muito importante. O ato

de desenhar, da mesma maneira, é a forma por

excelência de expressão simbólica na criança. Na

psicologia, olhamos o desenho como um produto

psicológico; na antropologia, como um produto

cultural. O desenho, dessa forma, é importante

porque mostra o desenvolvimento da criança.

O currículo da Educação Infantil deve ter como

eixo norteador o desenvolvimento da imaginação.

Ninguém diz que as escolas finlandesas têm

desenho desde a Educação Infantil até o Ensino

Médio, mas elas têm. E isso faz toda a diferença.

Revista da Móbile – Trata-se de desenvolver

a função simbólica nas crianças?

Elvira – Sim. A função simbólica humana ‘se

desenvolve’ e necessita de estratégia para isso.

Uma das primeiras manifestações da função

simbólica é a capacidade de falar (com a voz, com

o aparelho fonador ou por meio de movimentos).

A função simbólica é a base do aprendizado, e seu

desenvolvimento é possibilitado, na escola, pelas

artes, pelas ciências e pelas vivências culturais.

O trabalho com desenho na Educação Infantil,

por exemplo, é uma das formas mais eficazes de

desenvolvimento da função simbólica. Entre os

mais velhos, o enlace emocional proporcionado

pela literatura tem esse papel. A leitura de boa

literatura, como a escrita por Machado de Assis,

envolve várias áreas do cérebro. O adolescente

lê e vai montando os personagens. Agora,

quando você escolariza a literatura, você perde o

encantamento. É necessária a leitura de deleite.

Revista da Móbile – E que consequências

teria o empobrecimento da imaginação para

as crianças?

Elvira – Sem imaginação, não se criam desenhos

ou textos. Sem imaginação não se aprende nada,

não se faz ciência. A imaginação é a mola

propulsora do conhecimento humano. Eu insisto,

por exemplo, que uma boa aula é feita de

perguntas porque elas estimulam a imaginação.

O bom professor sabe fazer perguntas adequadas.

E o problema é que hoje quase não se faz

perguntas em aula.

A imaginação forma um acervo. Para a

neurociência, um dos eixos fundamentais da

escolarização é a formação e o compartilhamento

de memórias. Essa ciência propõe uma visão que

integra os acervos que o educador possui em sua

memória aos processos de memória que o aluno

necessitará acessar e entender para que aprenda.

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Revista da Móbile – Em relação aos recursos

tecnológicos, tão discutidos hoje no campo

da educação, eles seriam aliados ou inimigos

da imaginação infantil?

Elvira – Depende de como se utiliza essa

tecnologia. O fato é que ainda estamos aprendendo

a usar essa ferramenta. A tecnologia é fantástica,

mas nós, educadores, a estamos utilizando

muito pouco. Alguns professores reclamam que

seus alunos não se motivam com os recursos

tecnológicos que são trazidos por eles para dentro

da sala de aula. A razão para isso é simples:

os estudantes acham que o que está lá fora em

termos tecnológicos é muito mais interessante do

que o mostrado na aula. Tecnologia, na escola, é

instrumento, é recurso; não é conhecimento. Um

exemplo de tecnologia bem utilizada a serviço da

educação são as animações. Por meio delas, os

alunos podem criar os cenários das narrativas que

leem. Animação é imaginação, é dramatização

visual.

Revista da Móbile – E como fica a questão

do currículo obrigatório dentro de uma

concepção que põe em primeiro plano o

acervo pessoal do professor?

Elvira – O currículo assume, nessa perspectiva,

uma dimensão formadora. Explico: para ser

desenvolvido com competência em sala de aula,

o currículo obrigatório dependerá dos acervos

de memória de cada educador. Dessa forma,

acredito que não são apenas os projetos político-

pedagógicos, o material didático utilizado na

escola ou a tecnologia que definirão a qualidade

da educação. Cada professor, com seus acervos

de memória, deverá ser o ponto de partida para

a proposição da didática mais adequada ao

aprendizado do aluno.

Na sala de aula, deve haver uma integração

dos conhecimentos formais e dos métodos de

aprendizagem, ou seja, uma prática docente que

inclua em suas linhas orientadoras a forma como

o cérebro aprende e como o cérebro pode e deve

se organizar para ensinar.

Revista da Móbile – Numa via de mão dupla?

Elvira – Sim. Dentro dessa perspectiva, os

períodos de desenvolvimento humano precisam

ser considerados tanto para o educando como

para o educador. Daí a importância de uma

formação continuada que leve em conta como o

adulto (professor) aprende, além do domínio do

conteúdo do que ele tem de ensinar. Se o professor

for um alfabetizador, por exemplo, ele precisará se

fazer algumas perguntas orientadoras: “qual o

conteúdo da língua portuguesa que corresponde

ao período de alfabetização de meu aluno?”;

“o que preciso ter em meu acervo de memória

para ensinar meus alunos a escrever?”; “como

aprende a escrever uma criança de seis, sete e

oito anos?”; “quais são os processos internos

que acontecem em relação à percepção, atenção,

imaginação e memória?”; “como se integram os

aspectos biológicos com o sistema semiótico da

escrita?”; “qual a participação da cultura nesse

processo?” etc.

Revista da Móbile – Dentro da concepção da

neurociência, defendida pela senhora como

importante aliada na educação, qual seria a

importância efetiva da formação do professor

no processo de ensino-aprendizagem?

Elvira – O ato de ensinar depende dos acervos

de memória do professor, ou seja, o professor

ensina com o que tem em sua memória.

O desenvolvimento pessoal e a formação

continuada desse profissional são partes

essenciais da pedagogia. Assim, a adequada

aprendizagem dos alunos ocorre em função do

bom desenvolvimento cultural do professor.

(Colaborou Cleuza Vilas Boas Bourgogne –

diretora pedagógica do Ensino Fundamental

da Móbile.)

Essa instituição [a escola]é uma invenção da cultura,e os conhecimentos que ela deve universalizar paraas várias gerações que por ela passam são, igualmente, produtos da cultura.

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e x p r e s s õ e s & i m p r e s s õ e s

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A Semana Literária é um evento bienal que tem como objetivo compartilhar com os convidados os

projetos desenvolvidos pelos alunos do Infantil 5 ao 3º ano do Ensino Médio. Cada edição do evento

possui um tema central a partir do qual são gerados desdobramentos de acordo com as características

próprias de cada faixa etária.

A organização de um evento como esse requer uma preparação que se inicia com meses de

antecedência. Para que uma exposição literária tenha sua validade no âmbito educacional, é imprescindível

que os alunos participem ativamente de toda a execução, desde as primeiras pesquisas sobre o tema

até a própria montagem da exposição, o que significa passar por diversas etapas de aprendizagem.

Em primeiro lugar, é essencial que o aluno entre em contato com o tema, por meio da leitura e da

aproximação com exemplares literários que abordem o assunto proposto. É importante também que cada

grupo discuta sobre o tema e compreenda a importância de abordá-lo em uma exposição. Mais tarde, os

alunos são desafiados a fazer literatura: o resultado do projeto sempre evidencia o trabalho de produção

de texto dos estudantes. Conhecer um tema e discutir as relações que podemos estabelecer entre ele e

nossa realidade – seja por meio da leitura, seja por meio da produção – não só amplia o universo cultural

dos alunos como também ajuda a construir um pensamento crítico que compreenda que a arte não está

desvinculada das questões sociais e culturais.

A 6ª edição da Semana, intitulada “Diálogos e experimentações modernistas”, aconteceu em outubro

de 2012. Em comemoração aos 90 anos da Semana de Arte Moderna (ou Semana de 22), a exposição teve

no chamado Modernismo sua fonte de inspiração, de onde surgiram os mais diversos desdobramentos.

Dois grandes eixos nortearam os trabalhos: por um lado, o resgate da cultura tipicamente brasileira,

e por outro a retomada dos conceitos de “ruptura” e “liberdade”.

Conheça a seguir os projetos apresentados durante a Semana Literária:

VI Semana Literária da Móbile

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2322

A tradição cultural brasileira foi resgatada pelos alunos do Infantil 5 por meio das brincadeiras

baseadas nas cantigas populares. Foi brincando que as crianças descobriram os falares, os costumes e

as crenças que formam nossa cultura. Após as brincadeiras e discussões sobre cada uma das cantigas,

os alunos puderam produzir pequenos ensaios, fornecendo sua opinião sobre cada “história” e criando

suas próprias rimas.

Ao subir ao palco do Teatro Municipal

na Semana de Arte Moderna de 1922, o

compositor Heitor Villa-Lobos inaugurou

uma nova faceta da música erudita.

Rompendo com os padrões acadêmicos

vigentes, Villa-Lobos incorporou à música

erudita elementos de nossa cultura, tais

como o canto do lendário pássaro uirapuru,

os saltos do Saci, o ritmo marcante de

canções indígenas, a típica melodia

caipira, o chorinho das tardes cariocas

e as cantigas presentes no cotidiano da

infância brasileira. Quem não se lembra

do som frenético do trem presente na obra

“Tocata”, popularmente conhecida como

“Trenzinho caipira”?

Ao conhecer a história do compositor

e discutir sobre suas produções, os alunos

do 1º ano do Ensino Fundamental puderam

reconhecer muitos elementos nacionais,

muitas vezes desconhecidos por eles, e

refletir – e produzir seus textos – sobre as

possíveis intenções do artista ao retomar a

cultura brasileira em suas composições.

Infantil 5

Cantigas de Rodano Rodamoinho do Tempo

Ensino Fundamental I - 1º ano

Villa-Lobos, o garimpeiroda cultura popular brasileira

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2524

Ensino Fundamental I - 2º ano

Comendo com os olhosEnsino Fundamental I - 3º ano

Do varal ao digitalA alimentação é, sem dúvida, uma das grandes peculiaridades de cada cultura. As comidas típicas de

cada lugar ajudam a construir uma identidade cultural bastante marcante. Não por acaso, em muitas das

histórias de tradição popular, a presença dos alimentos ajuda a construir um contexto cultural definido.

Durante o projeto, os alunos “degustaram” muitos desses textos, buscando reconhecer as marcas

que definem a nossa cultura e a nossa identidade. A partir desse estudo, cada estudante pôde criar

sua própria descrição das ceias, jantares e banquetes, inspirados nos contos regionalistas de Câmara

Cascudo.

Com o objetivo de resgatar aspectos do patrimônio cultural brasileiro e de aproximar os alunos do

Movimento Modernista, os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental se aventuraram no universo de

ritmos, rimas e pelejas do Cordel, gênero literário popular que se originou na oralidade e posteriormente

passou a ser impresso em folhetos. Para além de conhecer e apreciar o processo criativo dos cordelistas,

os alunos também realizaram experimentações poéticas que resultaram em uma importante ampliação

do universo lexical, bem como na aprendizagem da leitura melodiosa e cadenciada própria ao gênero.

Em uma nova perspectiva, os alunos reinventaram a tradição, trazendo-a também para o mundo digital.

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2726

Ensino Fundamental I - 4º ano

A poesia que explodedo concreto

Ensino Fundamental I - 5º ano

Ensaios antropofágicos: uma revisita à poesia modernista

Mergulhando no universo lúdico do Concretismo, movimento de poesia vanguardista que surge nas

décadas de 1950 e 1960, os alunos do 4º ano conheceram uma nova forma de fazer poesia que rompe com

o verso tradicional, a rigidez na métrica, o vocabulário erudito e os temas clássicos e dá vazão à inovação

formal e à criação do poema-objeto. Para compreender essa transição, os alunos não só entraram

em contato com muitos poemas concretistas, como também revisitaram vários poemas tradicionais e

puderam colocar em prática tais aprendizagens, transformando-se, assim, em leitores-poetas.

Ensaios literários podem ser desenvolvidos a partir de recursos distintos, que representem a

construção ou até mesmo a desconstrução de um texto original. Dentre esses recursos está a noção

modernista de antropofagia, que permeou os exercícios de produção poética do 5º ano do Ensino

Fundamental.

Inspirados por esse conceito, apresentado ao público por Oswald de Andrade em seu Manifesto

Antropófago, os alunos do 5º ano, após um trabalho aprofundado de leitura e compreensão dos mais

importantes poemas modernistas, revisitaram essas produções e, aplicando as premissas do movimento

antropófago, assimilaram, digeriram e desconstruíram a poesia de Carlos Drummond de Andrade, Manuel

Bandeira, Murilo Mendes e do próprio Oswald de Andrade, criando novas formas de compreender os

temas abordados por esses poetas.

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2928

Ensino Fundamental II - 6º ano

Ver com olhos livresEnsino Fundamental II - 7º ano

Save the jegueHá mais de 90 anos, os modernistas surgiram no cenário brasileiro, pensaram nossa cultura com

olhos livres e mudaram todos os parâmetros estéticos e linguísticos da arte e da literatura. Essa liberdade

tornou-se o tema de discussão e de inspiração para o projeto desenvolvido pelo 6º ano que apresentou

seus poemas mínimos.

O trabalho com poemas mínimos passou por algumas etapas. No primeiro momento, a leitura do livro

O Mário que não é de Andrade apresentou aos alunos o universo e o contexto histórico dos modernistas.

Depois, a leitura, a interpretação e o conhecimento de vários recursos poéticos mostraram a eles a força

dos poemas curtos. Em seguida, a apresentação do tema a partir de duas frases de Oswald de Andrade

presentes no Manifesto Pau-Brasil – “Contra a cópia, pela invenção, pela surpresa!” e “Nenhuma

fórmula para a contemporânea expressão de mundo: ver com olhos livres” – provocou a criatividade dos

pequenos poetas. Por último, movidos pela delícia de poder colar poemas nos muros da escola, partiram

para a produção.

O projeto desenvolvido pelo 7º ano partiu de uma contradição bastante modernista: por um lado,

a busca pela inovação e a ruptura com os padrões anteriores e, por outro, o resgate dos costumes

populares e das tradições tipicamente brasileiras. Essa dualidade foi sintetizada na figura do jegue,

animal representante da cultura popular e, ao mesmo tempo, protagonista de uma discussão bastante

atual: há espaço para o jegue em uma sociedade marcada por um avassalador progresso?

Diante desse confronto e dessa contradição tão modernistas, resta a pergunta: haverá limite para

o progresso? Os alunos, utilizando como voz narrativa o jegue, produziram textos em que tentaram

encontrar uma resposta.

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Ensino Fundamental II - 8º ano

Ruas ModernistasEnsino Fundamental II - 9º ano

Margem de LiberdadeA Semana de Arte Moderna de 22, não por acaso, aconteceu na cidade de São Paulo. Nossa cidade

já respirava a modernidade e o progresso antes mesmo de o movimento se concretizar. O processo de

urbanização, no início do século XX, evidenciou a cidade como um espaço em transformação. Indústrias,

bondes, carros, postes elétricos, edifícios e avenidas eram elementos constituintes da nova paisagem.

A partir da leitura de alguns poemas de dois participantes da Semana de Arte Moderna e

representantes desse Movimento, os alunos do 8º ano desenvolveram seu trabalho sobre São Paulo.

O primeiro poeta estudado, Mário de Andrade, apresentou uma pauliceia desvairada formada por um

turbilhão de imagens objetivas da cidade, associadas à realidade subjetiva do conflituoso eu lírico.

O segundo, Oswald de Andrade, caracterizado por suas irreverências líricas e por seu estilo conciso,

apresentou o ambiente do progresso sob o olhar infantil do aluno que produz seu primeiro caderno de

poesia.

Por meio desse estudo, as ruas paulistanas foram traduzidas poeticamente mais uma vez por jovens.

Alunos que, ao recriarem a palavra, representaram pontos de vistas diversos sobre o mesmo espaço

urbano, reorganizando também seu próprio olhar sobre a cidade.

A geração de 22, como ficou conhecido o grupo de artistas que fizeram parte do Movimento

Modernista, ganhou inúmeros desdobramentos e foi inspiração para muitas outras gerações. Uma delas

foi a chamada “Geração Mimeógrafo”, que, a partir dos anos 1970, ficou assim conhecida pelo modo

como divulgava seus poemas, nos bares e esquinas cariocas. A poetas marginais são, sem dúvida,

herdeiros de um dos principais nomes da Semana de 22: Oswald de Andrade. O coloquialismo, a mescla

com a tradição popular (nos anos 1970, a cultura pop vem se somar a isso), o poema-piada, a síntese de

linguagem e, sobretudo, o caráter libertário são características que aproximam, na forma e na postura,

dois lirismos separados, no espaço, por meio século. Após entrar em contato com essa nova forma de

fazer poesia e refletir sobre a ligação profunda entre esses poemas e sua função social, os alunos do

9º ano aceitaram esse desafio e deram a sua cara e o seu lirismo “a tapa”, estampando no peito o

resultado poético e imagético de seus estudos sobre Poesia Marginal e a Semana de 22.

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Ensino Médio - 1º e 2º anos

Manifestos: da palavra à açãoOs manifestos modernistas tiveram

um papel importantíssimo na construção

do movimento. Foi por meio deles que os

artistas divulgaram suas inovadoras ideias

e causaram as mais diversas polêmicas.

Pensando na importância desses textos

como veículos de expressão dos modos de

pensar, agir e de intervir na realidade social,

os alunos do 1º e do 2º ano do Ensino Médio

foram convidados a também produzir seus

manifestos e mostrar abertamente seus

pensamentos, incômodos e desejos.

Do resultado do convite, surgiram

textos que combinam, em um mesmo

movimento, coragem e personalidade na

apropriação do conhecimento e em sua

utilização. Esses manifestos são, sem

dúvida, um meio não só para conhecer o

que querem e o que pensam os nossos

jovens, mas também terreno fértil para

reflexões e ações sobre o novíssimo

século XXI.

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Ensino Médio - 3º ano

Como parte da Semana Literária,

aconteceu também o X Concurso Literário

da Móbile. Com muitos alunos inscritos

e textos belíssimos, o Concurso teve seu

resultado divulgado em um espetáculo

realizado pelo grupo de teatro do 3º ano

do Ensino Médio. Nessa apresentação,

os atores e músicos resgataram textos,

poemas e canções bastante representativos

do Movimento Modernista brasileiro e

anunciaram os textos vencedores.

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O concurso

Na escola, há um concurso

Do qual quero não só participar,

Mas também ganhar,

Mesmo sabendo que em meu concurso

O importante não é competir,

Jamais vou desistir.

Muitos colegas participarão

E não será fácil a competição

Mas como não posso esmorecer,

Pensando no que fazer

Vou logo escrever

Sonhando que irei vencer.

A um júri entregarei

A poesia que escreverei

Eu espero que dela ele goste

E que também nela aposte,

Pois só assim surgirá a vitória

Deste poeta que terá glória.

Meus pais se alegrarão

E meus professores também,

Pois sendo um campeão,

Jamais desistirei de ir além

E no futuro todos lerão

Minhas poesias que emocionarão.

Oliv

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– 6º

ano

)

37

Conheça as produções dos ganhadores do último concurso literário, realizado no final de 2012.

Conheça as produções dos ganhadores do último concurso literário, realizado no final de 2012.

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3938

A caixinha no piano

Combinei tudo com a tia Helena.

Finalmente, um sonho realizado:

ter um piano. Aprender as sonatas

de Beethoven, os chorinhos de

Nazareth. Eu estava em êxtase!

Tia Helena me entregou o piano

na terça-feira seguinte. E ele era

lindo! Alemão, de madeira maciça

escura e bem conservada, aquele

era o piano que pedi a Deus. Só o

cheiro que era horrível! Minha tia,

para afastar os cupins, encheu o piano de naftalina. Logo resolvi

caçar as bolinhas malcheirosas.

Abri o corpo do piano e comecei

o trabalho. De repente, percebi que,

lá no fundo, havia uma sombra

escura. Parecia um pequeno

embrulho. Pensei: “Deve ser mais

naftalina.” Enfiei a mão com

cuidado e, com esforço, consegui

pegar o pacotinho. Logo, percebi

que não era naftalina.

Era, na verdade, uma pequena

caixinha de música, do tamanho

da palma da minha mão. Tinha

uma aparência frágil, como se

fosse quebrar a qualquer momento.

Parecia feita de um vidro que era

da cor da madeira do piano, e na

tampa havia pequenos detalhes de

flores douradas.

Desci do banco e coloquei a

caixinha na mesa da sala. Ajoelhei-

me e, sem piedade nenhuma,

balancei-a bruscamente. Ela fez

um barulhinho, que mal podia ser

ouvido, que parecia de papel.

“Ha alguma coisa aí dentro”,

pensei. “Mas é melhor ir falar com

a tia Helena, essa caixinha nem

me pertence...” Não terminei de

pensar. Minha curiosidade falou

mais alto. Quero dizer, ela sempre

fala mais alto, nem que seja uma

questão de vida ou morte. Quando

ia abri-la, meu pequeno e ilustre

irmão apareceu.

Lição de casa cem por cento

feita, nenhuma encrenca e média

nove e meio em todas as matérias,

Guilherme era o orgulho da mamãe

e de qualquer professora no Brasil.

Porém, ele sempre dava com a

língua nos dentes. “Mamãe” aqui,

“mamãe” acolá, meu brilhante

irmãozinho contava para a mamãe

qualquer movimento meu, nem que

eu estivesse bebendo água.

Ele olhou para mim, e depois

para a caixinha. Logo após, olhou

novamente para mim com um

brilho nos olhos, com o olhar de

“eu vou contar para a tia Helena”.

Mesmo com a mamãe na Itália

fazendo um curso de Gastronomia,

Guilherme não desistia de ser

o meu “fofoqueiro particular”.

Como vi que não tinha jeito, contei

a história da caixinha para ele,

do meu sonho de ser pianista até

o frágil embrulho que encontrara

em meu lindo piano.

Quando terminei, ele apenas

olhou para mim e assentiu.

Todavia, também pediu para ver

a misteriosa, porém delicada,

caixinha. Eu estava morrendo

de medo de que ele quebrasse

o embrulho e também chamasse

a atenção de tia Helena, que

estava na cozinha. Mesmo assim,

entreguei-o para ele com todo

o cuidado que um ser humano

pode ter.

Segurando a caixinha como se

fosse um diamante, Guilherme

observou, observou e observou.

Foi então que ele virou-a de ponta

cabeça (eu quase tive um ataque

cardíaco; achava que ele ia deixá-

la cair) e indicou com uma mão,

em silêncio total, uma fechadura

pequenininha. Ele se levantou,

deixando a caixinha em cima da

mesa, e saiu correndo.

Eu não sei o porquê de ele ter

saído correndo, mas aproveitei,

peguei o embrulho e estudei a

fechadura. “Como podem deixar

uma caixinha dentro de um piano

se não tem a chave?”, pensei.

Em seguida, por causa da minha

curiosidade, tive a absurda ideia

de que a chave estaria no piano

também, e já estava querendo

desmontá-lo quando meu irmão

reapareceu.

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Vestido em seu suéter listrado

e em sua calça cinza formal,

parecia até que ele ia sair com

o vovô e a vovó. Mas aquela era

só a roupa com que ele ia para a

escola, e olhe lá. E sua mão estava

segurando, delicadamente, uma

chave do tamanho do meu dedo

médio. Ela era toda dourada e

tinha minúsculos detalhes de flores.

Em minha opinião, era ainda mais

bonita que a caixinha!

Então, meu irmão me explicou

que ele havia ganhado aquela

chave da mamãe, antes de ela

ir para a Itália. E Guilherme

achava que aquela era a chave

do embrulho que eu achara

dentro do piano. E quando

colocou-a na fechadura, ela entrou

perfeitamente.

Não tenho como descrever

a curiosidade que eu senti no

momento. Era tanta, que até o

meu coração começou a bater

mais forte. Abrimos a caixinha

e lá encontramos... Cartas. Isso

mesmo. Cartas que provavelmente

já tinham uns dez anos. Abrimos

uma carta, e levei um susto quando

li o que estava escrito no começo:

“Para meus filhos, Guilherme

e Vanda.”

Por fim, depois de uns cinco

segundos, eu notei de quem era a

carta: de nosso pai falecido há onze

anos em um acidente de carro...

Foi muito triste ele ter deixado

eu e Guilherme tão cedo. Eu tinha

sete anos, e ele tinha acabado

de nascer!

Corremos para tia Helena

e contamos tudo. Ela ficou tão

emocionada que acabou lendo à

tarde todas as cartas com a gente.

Ela disse que aquele piano era

de nosso pai, e ele sabia que um

de nós iria querer seguir o sonho

dele. Ficamos muito emocionados,

e esse foi um dos melhores dias

da minha vida.

Monique Murer

(categoria prosa – 6º ano)

A arte de viver

Rebeca tinha dez anos e era uma criança alegre, apesar dos problemas de

fígado que seus pais, Sônia e Alexandre, descobriram em janeiro de 2012.

Ela tinha hepatite. As limitações da doença eram severas. Rebeca sentia

dores de cabeça todos os dias e muita fraqueza que a impediam de brincar

com suas amigas e com seu irmão Felipe, de 12 anos. Além disso, sua

alimentação não podia conter gordura, o que a impedia de comer chocolate,

batata frita, pastel, hambúrguer, pizza, doce de leite e outras delícias que

as crianças adoram. Rebeca gostava muito de roupas amarelas, pois a

lembravam do Sol e de toda a energia que ele transmitia. Infelizmente,

ela estava com o tom da pele muito amarelada em função da doença e ela

mesma pediu a sua mãe que evitasse roupas dessa cor.

Apesar de ser de uma família humilde, seus pais faziam um

acompanhamento médico com muita atenção. Rebeca ia às consultas a

cada 15 dias no serviço público do Hospital das Clínicas. Como não era

um atendimento particular, o tempo de espera às vezes era grande. Seus

pais sempre a acompanhavam. Dr. Lúcio era o médico responsável pelo

tratamento de Rebeca. Em junho de 2012, pela evolução da doença, Dr.

Lúcio conversou com Sônia e Alexandre que a única forma de cura seria

um transplante de fígado. Em função da gravidade da situação, a cirurgia

deveria ser feita dentro de um período de 3 meses. Caso contrário, Rebeca

poderia morrer.

Foi um grande choque para Sônia e Alexandre. A fila de transplante de

fígado, assim como dos demais órgãos, era muito grande. Além disso, quando

chegasse na vez de Rebeca, ela deveria receber um fígado compatível, o que

também poderia atrasar ainda mais. Saíram daquela consulta arrasados

e muito tristes. Amavam muito Rebeca e não suportavam a ideia de que

ela poderia morrer se tudo não acontecesse nesse período curto. Entraram

os três no ônibus para voltar para casa. Apesar de terem muita fé e

acreditarem em Deus, começaram a chorar e se revoltaram com a situação,

questionando por que estavam vivendo esse sofrimento.

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Rebeca abraçou seus pais com muita força e contou que teve um sonho

muito diferente nessa última noite. No sonho, ela estava muito apreensiva

procurando uma caixa amarela num jardim. De repente, uma outra menina

vestida de branco gritou seu nome e correu em sua direção. O nome dela

era Luana. As duas se sentaram em um dos bancos do jardim e a menina

lhe disse para não se preocupar, pois, no momento certo, ela receberia a

caixa amarela desde que mantivesse a fé e a crença em Deus e que nunca

perdesse a esperança na vida. Rebeca olhou para seus pais e começou a

chorar dizendo que não tinha entendido o sonho, mas que agora, depois

da conversa com Dr. Lúcio, tudo fazia sentido para ela. Nesse momento,

o ônibus chegou ao ponto final e eles desceram. Ao entrarem em casa,

contaram o que tinha acontecido para Felipe. Os quatro se abraçaram

e prometeram que rezariam juntos todos os dias e pediriam que Rebeca

recebesse o fígado novo em 3 meses.

Os meses de julho e agosto foram muito sofridos para toda a família.

Rebeca havia piorado sensivelmente. Sônia falava com Dr. Lúcio semanal-

mente para acompanhar a evolução da fila de transplante de fígado.

A angústia de viver na fila, a espera do telefone. Finalmente, no dia 1º de

setembro, Sônia recebeu uma ligação do Dr. Lúcio informando que tinha

aparecido o fígado para salvar a vida de Rebeca. A emoção foi indescritível...

Estavam muito felizes com a proximidade da cirurgia que poderia salvar

a vida da sua querida filha, mas apreensivos de Rebeca não suportar uma

cirurgia tão complexa e delicada.

Sônia, Alexandre e Felipe rezaram muito no hospital durante as 12

horas da cirurgia de Rebeca com muita fé e otimismo. Finalmente, Dr. Lúcio

saiu da sala de cirurgia e foi ao encontro deles. Comentou que a cirurgia

tinha sido um sucesso e que Rebeca ficaria bem. Um mês depois, Rebeca já

se sentia bem melhor. Ainda tomava o remédio para evitar a rejeição ao

fígado que havia recebido. Seu tom de pele estava normal e suas bochechas

estavam coradas. Recebeu um presente de seus pais e seu irmão: era uma

caixa amarela com um vestido amarelo dentro. Rebeca foi correndo colocar

o vestido e pediu que seus pais tirassem uma fotografia dela com a roupa

nova. Pediu que enviassem, dentro da mesma caixa amarela, a foto ao

Dr. Lúcio com uma carta na qual ela escreveu: “Muito obrigado a você e

à doadora que salvaram a minha vida. Agora posso usar amarelo, minha

cor preferida, sem me sentir mal.” Além disso, também relatou na carta o

sonho que ela teve na véspera do dia em que Dr. Lúcio disse para eles que

a única opção de cura seria o transplante.

Dr. Lúcio recebeu a caixa amarela e ficou bastante emocionado. Sentiu

uma sensação estranha de que a vida de uma pessoa depende da morte de

outra... A lei que regulamenta os transplantes é contrária ao encontro de

famílias de doadores e receptores. Dr. Lúcio ligou para os pais de Luana,

a doadora do fígado que salvou a vida de Rebeca, e disse que eles não

doaram somente o fígado da filha que havia morrido, e sim a esperança

de continuar executando a mais bela arte existente no universo: A ARTE

DE VIVER!

Lucas Muchaluat (categoria prosa – 7º ano)

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Poema “sem” tema Me mata consumo!

O meu poema não tem tema,

Afinal fazer um poema é muito difícil.

O poema tem que ter tema,

Pois um poema sem tema não é um poema,

Mas nesse caso o meu poema não seria um poema,

Pois ele não tem tema,

Porém o tema do meu poema é um poema sem tema

Então ele é ou não um poema?

A gente mata,

Desmata,

Planta pra falar que não desmatou

E desmata de novo o que a gente plantou

A gente compra,

Estraga,

Descarta pra falar que não comprou

E compra de novo o que a gente jogou

Aqui a gente nasce pobre

Vive pobre

E morre pobre

E quem nasce rico,

Vive rico

E morre pobre

Gustavo Racy (categoria poesia – 7º ano)

Ricardo Feliz Okamoto (categoria poesia – 8º ano)

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O Vinho

A casa da avó de

Pedro era antiga,

da época colonial.

Havia retratos

empoeirados, móveis

com teias de aranha

e objetos que, de tão

velhos, se tocados,

corriam o risco de se

transformarem em

poeira, sem contar o

velho chão de madeira

que fazia barulho

toda a vez que alguém

pisava. Mas o garoto

possuía uma estranha

ligação com aquele

lugar.

Era uma quinta-

feira, véspera da

prova de História, e o

menino havia passado

o dia estudando.

Não aguentava

mais ler nem uma

única palavra.

Estava exausto,

olheiras marcavam

profundamente seus

olhos negros. Já

nem sabia que horas

eram. Mesmo assim,

continuou com a

tarefa, pois só faltava

ler o trecho da morte

de Henry II, que teve

um fim trágico. As

pálpebras do garoto

não conseguiam

ficar mais abertas,

então lentamente se

fecharam, até ele

adormecer.

Acordou com o

rosto marcado pelo

livro. Que horas

eram? Para descobrir,

dirigiu-se à janela

entreaberta. Estava

claro, o céu não

possuía nenhuma

nuvem, mas o riacho

refletia uma noite

repleta de estrelas, o

bosque estava escuro

e o quintal da casa

era iluminado por

lampiões a gás. O que

estava acontecendo?

Será que estava louco?

Olhou novamente

para a escrivaninha,

mas havia algo

diferente nela. Seus

livros mal cuidados

de História foram

substituídos por

livros grossos escritos

à mão. Confuso,

esfregou levemente

seus olhos e percebeu

que não estava

mais usando sua

bermuda rasgada e

uma camiseta lisa,

e sim uma roupa

requintada, calça

e blusa de veludo

vermelho enfeitadas

por fios dourados.

Completamente

atordoado, desceu as

escadas que antes

eram barulhentas.

Encontrou uma sala

bem cuidada, com

móveis novos e nem

sequer uma poeira.

Imaginou ser uma

versão mais recente

da casa de sua avó.

Seu pensamento

foi interrompido pelo

som de vozes, e ele

seguiu na direção do

ruído. E se deparou

com uma mesa de

jantar deslumbrante.

Talheres de prata,

cálices com vinho e

guardanapos de pano.

Na mesa de madeira,

estavam sentados

uma encantadora

moça com um longo

vestido azul e um

homem assustador que

estava com um sorriso

maquiavélico. Pedro

os conhecia, só não se

lembrava de onde.

A mulher o

convidou para sentar;

como ele estava

faminto, não hesitou

a se juntar a eles.

Tomou um gole do

vinho. Então lembrou

quem eles eram.

Ela era a noiva de

Henry II e o senhor

era o pai dela, que

havia matado o nobre

envenenando-o. Um

pensamento surgiu

em sua mente. Ele

era Henry e o vinho

era o que ia matá-lo.

Mas era tarde demais;

havia bebido até a

última gota da bebida,

e o veneno começava

a fazer efeito.

46

Fern

anda

Tie

mi (

cate

gori

a pr

osa

– 8º

ano

)

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48 49

Marias

Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria +

— Maria, tu, como a filha mais

velha, tem que ir pegar água pra

nós. Anda, minha filha, se apresse,

ou nós vamos morrer de água,

secando – dizia o pai.

— Maria, toma juízo e vá no

caminho, te benzo sem água, pois

água tu que terá que trazer sem

travar – dizia a avó.

— Maria, minha filha, só resta a

você. Estou cansada e doente e seu

pai também, seus irmãos são novos

e a água acabou. Com o vento logo

na ventana vazia, vagando a vinda,

tu irá aparecer. Fé em Deus e em

Virgem Maria, Maria minha filha –

disse a mãe.

Maria andava pelo sertão, cujo

ventre a havia parido, mas agora

poderia ser seu túmulo, que este,

amargamente, colocasse.

Ela já estava desde as 7 da

manhã e agora, ao meio-dia, o balde

de água já estava em sua cabeça

negrinha a pixaim.

Passos a passos o destino ia

traçando a metade mais difícil do

caminho, a metade decisiva. Será

que iria ter forças? Será que iria

aguentar? “Sim”, pensava Maria,

“como filha de ser anato, raça forte

e porreta hei de ser, afinal, se o meu

pai é José Bento da Penha, eu, Maria

Bento da Penha, irei continuar,

levar o que é a minha sina, mas

também inspiração. Fazer o que

é a minha vida mas pode dar em

morte, e mesmo assim continuarei,

como painho fez quando matou duas

onças. Eles dependem de mim e eu

dependo do sol. Tenha piedade de

mim, bola de fogo, suplico-lhe.”

Infelizmente a chama incessante

não atendeu aos pedidos da menina;

pelo contrário, aumentou mais ainda

a sua potência, queimando eferves-

centemente os ombros da negrinha.

Não sabia que horas eram, já que

mal conseguia andar, muito menos

pensar. O calor continuava e até o

suor havia se secado, o desgaste a

descascava, colocando seus pés em

carne viva. Pensava em desistir,

mas tinha medo de morrer, então

continuava em uma verdadeira

dolorosa ode à vida.

O céu começava a rapidamente

escurecer. Maria sentia que algo a

seguia, virava para trás e não via

nada, até que a viu. Viu a si mesmo,

uma outra Maria carregando o

mesmo balde com a mesma dor.

“Quem era ela?” “Quem era eu?”

Sentia pena da moça, mas pouco

mal via; que pena, estava sentindo

de si mesma. Sentiu-se segura, e

mesmo com o calor tomando sua

mente seguiu a peregrinação, e a

outra Maria também.

Agora estavam em duas, era

mais fácil carregar o peso. Estavam

perto de casa, mas distantes e

longos passos haviam de dar as

duas Marias.

A visão embaçava, e lágrimas nos

olhos começavam a aparecer. Porém,

mesmo luzes embaçadas conseguem

brilhar, e no breu profundo em que

estava era possível identificar a

talvez lâmpada da ventana de seu

quarto.

Os pés doíam, o ombro pendava,

e no coração uma cicatriz profunda

se formava. Uma marca do sertão,

seria esta em formato de cruz?

Tomara que não.

Continuava a trilhar, agora já

era de noite, e nem a lua aparecia

devido à tempestade que se

aproximava. O balde e a vontade de

chegar continuavam em sua cabeça.

Por estar escuro, sabia que estava

perto, perto da chegada, perto da

vitória.

“Vamos, Maria, prossiga”,

era a voz do interior, anoitecido,

amariazido, sertaneiro. Nessa altura

do campeonato, a outra Maria já

havia a deixado, “provavelmente

morreu de cansaço”, pensou Maria,

“mas eu não me findarei desse

jeito, dependem de mim, e eu agora

dependo dos meus pés, apenas

pés”.

Chegava, avistava pessoas,

seriam duas (?) não sei. A visão

duplicava, o corpo relaxava. Sabia

que tinha chegado, sabia! Só faltava

atravessar a porta e botar os baldes

na mesa, vamos, vamos, coloca,

coloca, e............... descansa.

Caiu a vitoriosa Maria, tombando

no chão.

Désirée Brissac Pereira

(categoria prosa – 9º ano)

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50 51

Imensidão caótica

Por que tememos tanto o inferno?

Deixamos de viver a vida

Dia após dia

De viver verão,

De viver inverno

E a cada segundo que passa

Estamos mais longe

Do que queremos

O fim se aproxima

A cada momento que perdemos

A preocupação com o após

Faz com que percamos o agora

E esqueçamos o passado

Estamos sempre esperando

Por um futuro idealizado

Sem tempo preciso

Não percebemos o que nos foi negado

E agora? Cadê seu paraíso?

As frustrações

O afastam da sua crença,

Corrompido por uma imensidão

Você nunca fará diferença

Seu mundo inteiro está perdido

Mais um escravo acaba de ser vendido

Escravizado pelo sistema

Que tanto idolatrava

Caminha sem rumo definido

Somente seguindo imposições

Semente à procura de razões

Ainda tens muito o que crescer

E quando achou que tinha entendido

Percebeu que tudo não passava

De mentiras

Rodeado por animais de gravata

Caminhamos nessa selva de concreto

As esperanças são afugentadas

Pisoteadas e enterradas

No mais profundo dos buracos

Onde ninguém se arrisca a adentrar

Buraco profundo de escuridão

Chamado coração

Depois de tanto sofrimento

Fugi dessa realidade

Percebi

O inferno é aqui

Gustavo de Siqueira Ferreira (categoria poesia – 9º ano)

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53

Nos

sos

Dez

oito

Ano

s Aniversário de dezoito anos. Para a maioria das pessoas, é o melhor

dos aniversários. Eu com certeza classifico o meu assim, mas nunca havia

parado para tentar entender por que alguns não acham o mesmo. Pelo

menos até ontem, 20 de agosto. Aniversário de dezoito anos de minha

filha.

Durante os preparativos da festa, enquanto eu fazia doces e enchia

balões, nem reparei na tristeza de Talita. Porém, quando os convidados

começaram a chegar, alegres, barulhentos e festivos, vi minha filha subir

timidamente a escada que levava a seu quarto.

– Onde está Talita, Tatiana? – me perguntaram. Eu não respondi. Apenas

continuei a olhar para a direção em que Talita havia seguido. É certo que

ninguém pode entender o que se passa na cabeça dos outros em todos os

momentos, mas eu raramente deixei de fazê-lo com minha filha. Raras

vezes como esta.

Assim, deixei os convidados na sala e andei até o quarto de Talita.

Bati levemente na porta, e esperei que ela abrisse. No entanto, ao invés

de prestar atenção em se ela me deixaria entrar ou não, acabei tomada

por lembranças da época em que eu tinha dezoito anos. Diferentemente

dos tempos atuais, lá ninguém batia na porta, a ponto de eu já ter sido

surpreendida por alguém entrando enquanto me vestia várias vezes.

– Pode entrar... – ouvi Talita dizer. Abri a porta do quarto e encontrei

minha filha cabisbaixa, sentada na única cama do grande quarto. Talvez

fosse por isso que eu preferia me trocar no banheiro com aquela idade.

Minhas irmãs mais velhas entravam e saíam do quarto que dividíamos a

todo o momento, para deitar em suas camas e falar com seus namorados,

me dando pouco espaço.

– O que houve, meu bem? – perguntei, me sentando ao lado de Talita.

– Por que não está em sua festa?

Ela permaneceu quieta, abaixando ainda mais a cabeça.

– Eu não quero fazer dezoito anos – Talita finalmente respondeu. – Estou

com medo...

Fiquei a observar minha filha por alguns instantes. Aqueles cabelos

castanhos, o rosto meio japonês, meio brasileiro... Posso dizer que não vi

Talita naquela moça, quase mulher. Vi a mim mesma, Tatiana, prestes a

completar dezoito anos.

A única diferença é que, em meu 18º aniversário, não fiquei triste ou

com medo, e sim mais feliz que nunca. Com dezoito anos eu não seria mais

uma menina, e sim uma mulher a desabrochar. Naquele dia tão especial,

que fez as horas passarem como anos, passei a maior parte do tempo no

banheiro, me arrumando como uma mulher faria. Para à noite, só à noite,

festejar minha passagem.

Talita, porém, não estava eufórica ou ansiosa. Mais uma vez, me vi

incapaz de compreendê-la. Naquele momento, ela nem sequer olhava para

mim. Prestando mais atenção, percebi que seus olhos estavam fixos em

uma foto na mesa de cabeceira, na qual ambas comemorávamos o Ano

Novo em uma praia do Rio de Janeiro.

Parei para contemplar os arredores. Havia muitas outras fotos como

aquela nas paredes. Na maioria delas, eu estava ao lado de Talita. Novamente

me lembrei de minha infância: em meu quarto, não havia sequer uma foto

minha com meus pais. Ambos trabalhavam como loucos para sustentar

sete filhos, e, quando chegavam cansados em casa, eu ainda lhes dava o

trabalho de me dar atenção. Eu nunca trabalhei. Sempre dediquei todo o

meu tempo à minha única filha. Lá, em minha infância, ninguém tinha

cabeça para criança, quanto mais tempo. Por isso eu queria tanto me

tornar uma mulher. Assim, talvez tivessem tempo para mim.

Mas se Talita já tinha tudo aquilo antes de ser uma mulher, por que iria

querer se tornar uma?

– Eu nunca irei deixá-la – eu disse à minha filha, acariciando seu cabelo.

Ela levantou o rosto, já sorrindo, e me abraçou como se eu houvesse

solucionado tudo naquelas cinco palavras.

– Eu te amo, mãe – ela me agradeceu, ainda com a cabeça em meu

ombro, dizendo o melhor que uma mãe pode ouvir.

Isab

ella

Arr

uda

(cat

egor

ia p

rosa

– 1

º ano

do

Ensi

no M

édio

)

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Tropeiro sem Sertão

Um tropeiro sem querência, nascido lá no sertão

Não temia urutu, cascavel ou cerração

Vivia de vila em vila pra conseguir o seu pão.

Este tropeiro que eu digo não teve sucesso não

Um dia tocando gado, no chão de terra do estradão

A boiada estourou e começou a provação.

A comitiva então seguiu os bois no estradão

Só se ouvia o berranteiro e o latido do seu cão

Tropeiro então pensou, colocou o laço na mão.

Em sua primeira laçada quase arrancou o travessão

Tropeiro então puxou e derrubou uma vaca no chão

Pensando que daquele modo faria com o Furacão.

O boi Furacão era o touro do patrão

Tinha seus chifres bem largos, não tinha piedade não

Tropeiro não suportou a força do boi furacão.

Caiu da sua mula e deu com o rosto no chão

O touro sem piedade arrebentou a mula e o peão

Tropeiro não aguentou, morreu com o terço na mão.

Hoje na velha estrada não se vê mais confusão

Só se enxerga uma cruz, morreu ali um peão

Boiadeiro já se foi, nunca mais volta para seu rincão.

Olhando para o céu quando acaba a cerração

É possível ver bem lá no alto uma grande constelação

Um tropeiro e uma mula que não voltam para o sertão. Césa

r Zar

zur

(cat

egor

ia p

oesi

a –

1º a

no d

o En

sino

Méd

io)

Chega de tentar ser uma ilha

Ao passar dos anos, a mais

manifestações pela liberdade

assistimos. Protestos, vídeos e até

mesmo tatuagens pedem o fim da

dependência física e material. O

que motivaria alguém a desejar

fugir do eixo em torno do qual gira

a humanidade? Simplesmente a

dificuldade de estar completamente

sozinho.

Dependemos de tudo que foi criado

até hoje. A cada segundo nasce

uma ideia com potencial para

transformar o mundo. O

ritmo do desenvolvimento

da tecnologia está numa

progressão geométrica

crescente, e, quanto mais ela

se desenvolve, mais dependemos

dela. Dias atrás, houve uma queda

de energia em casa, e foi enorme a

minha surpresa ao descobrir que

sem ela eu não conseguia fazer nada.

Não podia esquentar o jantar, tomar

banho quente, abrir o portão para

sair, e nem ao menos acessar as

redes sociais. Foi então que percebi

que, quanto mais o tempo passa,

mais nos tornamos dependentes de

todas as inovações que acontecem,

e mudam o nosso olhar sobre o que

realmente precisamos para viver.

Essa dependência nos torna cada

vez menos livres. Vivemos em uma

imensa teia que cerca o planeta Terra

de conexões. Faz parte da rotina de

grande parte das pessoas ao acordar

pela manhã imediatamente checar

notificações no Facebook. Hoje,

são poucos aqueles que ainda

resistem às redes sociais.

É difícil manter-se isolado

quando, a todo instante,

nos deparamos com um fio

desta infinita teia invisível

que nos envolve.

Estamos cercados. É praticamente

impossível nos esconder. Através

de um celular podemos ser

rastreados em segundos, e nossa

localização aparece em um mapa

em três dimensões. Podemos ainda

visualizar qualquer lugar do mundo

com imagens recentes de satélite,

sem ter de levantar da cadeira.

Hoje todo celular tem câmera

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fotográfica, e não se pode mentir

sobre onde esteve, quando qualquer

ser curioso encontra, sem muita

dificuldade, provas da verdade

circulando virtualmente. Uma foto

qualquer pode acabar mudando uma

vida, uma vez que tudo que chega

à internet nunca mais sai. Não

há para onde fugir, e é impossível

voltar no tempo, mas 40 anos atrás

seria chamado de louco aquele que

tentasse prever que um dia nosso

mundo seria assim. Vivemos em

um constante “Big Brother”,

com câmeras para todos os

lados; a diferença é que,

até o fim de nossas vidas,

nunca saímos da casa.

Nenhum homem é uma ilha, como

lembrou John Donne. Dependemos

de novas ideias, precisamos de

conexões, estamos a cada instante

sendo monitorados, e hoje restam

poucos lugares onde podemos fazer

qualquer coisa sem sermos vistos, e

efetivamente alcançar a liberdade.

Resta-nos esperar que esses lugares

não sumam, e procurar por eles

para aproveitar enquanto ainda

existem. Àqueles que procuram a

liberdade, boa sorte.

Tamara Wolff Bandeira Klink

(categoria prosa – 1º ano do Ensino Médio) Sofia

De

Paul

a B

aer (

cate

gori

a pr

osa

– 2º

ano

do

Ensi

no M

édio

)

Memórias

Começa assim. Abro

meus olhos, mas não

vejo, escuto. Escuto o

ar que sopra em meus

ouvidos trazendo sons

que desconheço. Pouco

a pouco fazem-se

familiares. Ao longe um

caminhão bufa como um

animal, acompanhado

por vozes. Vozes

que marcham. Uma

gritaria e, de repente,

silêncio. O conhecido

silêncio que precede

o caos. Armas gritam

como homens, homens

gritam como armas. E

o ar sopra, trazendo

toda a dor dos que

estão lá fora. Eles me

encontraram.

Um baque surdo

rompe o caos, é seguido

por outro e mais outro.

Encolho-me enquanto

o lugar todo sacode

violentamente e se

desfaz em pedacinhos

que caem sobre mim.

Uma coceira começa

em minhas costas e

sobe por elas como

um inseto. A luz faz

cócegas. Abro os olhos

e, na clara escuridão,

um feixe de luz cruza o

ar como uma teia.

Ouço passos vindo

de todos os lados.

Quero me mexer,

mas não consigo, não

me encontro. Fecho

meus olhos e espero,

enquanto os passos

tornam-se cada vez

mais altos. Eles batem

à minha porta. Não

acho minha voz, não

respondo. Eles batem

mais e mais forte. A

luz começa a entrar

por todos os lados por

feixes que se formam.

Meus olhos ardem. As

madeiras gemem em

protesto, até que ouço

o parafuso da porta se

desprendendo e caindo

levemente, tilintando.

A porta se abre e a

luz entra intensa. Tudo

branco, como o céu que

minha mãe costumava

descrever. Mas eu não

estou no céu e minha

mãe não está aqui.

Salvei-me, mas agora

estou só.

Passos cada vez

mais altos fazem vibrar

todo o meu corpo colado

ao chão. Tão altos que

mal ouço minha própria

respiração. Abro meus

olhos. Ele me olha e

eu o olho. Ele não está

surpreso por me ver,

nem eu por vê-lo. Era

uma questão de tempo.

Quero me levantar. Não

consigo. O que cresce

em meu interior não é

suficiente. Sai na forma

de lágrimas. Lágrimas

ardidas que escorrem

por minha face. Ele

sorri e se aproxima.

Me encontrou. Eu

fugi, mas a guerra me

encontrou. Lentamente,

tudo à minha volta se

desfaz.

56 57

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Os prisioneiros contemporâneos

Qualquer sociedade, para garantir seu funcionamento, exige certa

previsibilidade de seus indivíduos – todo o sistema de relações sociais

depende do cumprimento de certos papéis; caso contrário, sua manutenção

estará em risco. Basta pensar em um sistema capitalista, que precisa dos

trabalhadores para ter sua produção, bem como de figuras de poder para

controlá-la. Aos mecanismos de organização da sociedade e, principalmente,

que garantem o cumprimento dos papéis sociais dá-se o nome de controle

social.

No entanto, na sociedade atual, há um limite impreciso entre o controle

social como forma de organização da sociedade ou de manipulação do seu

pensamento. Os valores são impostos de maneira muito mais implícita,

sendo poucas vezes vistos, de fato, como um controle. Isso fica claro ao

se analisar uma característica típica dessa sociedade, que é pautada pelo

consumo, pelos bens e, logo, pelas aparências – o marketing. Ele vai ter

cada vez mais força, com sua capacidade de persuasão e o objetivo único

de convencer a sociedade – que, agora, é chamada Sociedade de Controle

– a comprar seu produto. Muitos se deixam levar pela simples imagem do

produto, ou pelo desejo de consumir, sem saber ou questionar se, de fato,

precisam de tal mercadoria.

Essa sociedade impulsiva e alienada foi antevista por Platão, que a

ilustrou em seu famoso “Mito da Caverna”. Neste, prisioneiros acorrentados

em uma caverna, olhando eternamente para seu fundo, tomam sombras,

que ali se projetam, como realidade, não crendo na existência dos objetos

reais que formam tais projeções. Desse modo, os prisioneiros vivem

acreditando em uma ilusão. Esse seria o mundo sensível de Platão, visão

de mundo tida pelos sentidos e impulsos, sujeitos a alterações e enganos,

e que escondem a verdade, que é imutável. Esta, então, seria obtida por

meio da racionalidade e dos questionamentos, que levariam à essência

do pensamento, em um mundo que não está ao nosso alcance direto – o

Inteligível.

Ao criar tal mito e tais conceitos, então, Platão parece antever a

sociedade de controle que viria a se formar milênios depois. Os prisioneiros,

acorrentados e julgando imagens como se fossem realidade, têm o mesmo

comportamento de muitos indivíduos da sociedade atual, que também são

guiados pelas aparências e estão – mesmo que não tão claramente – presos

àquilo que a mídia impõe como o que deve ser incorporado. Há cada vez

menos questionamentos e mais aceitação do que se é imposto – “a ilusão é

sagrada”, como exposto pelo filósofo alemão Ludwig Feuerbach, no início

do século XIX –, de modo que a sociedade se deixa guiar pelos sentidos e se

afasta da verdade, segundo o conceito platônico.

Uma sociedade guiada pelas aparências e incapaz de ver as correntes

que a prendem, assim como a situação descrita por Platão, nunca foi tão

clara e, ao mesmo tempo, tão pouco notada por seus indivíduos.

Marcela Romboli Farina (categoria prosa – 2º ano do Ensino Médio)

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Canto III

Apaixonei-me e logo me machuquei,

Tentei me fazer acreditar,

Que, um dia, ainda verei,

Você, de verdade, me amar.

Mas de mentiras não posso viver,

E desistir virou opção,

Não desistir, mas esquecer,

Não opção, mas obrigação.

O tempo foi passando,

O coração curando

E a dor finalmente me deixando.

Mas toda essa tranquilidade teve um fim,

Quando um dia, enfim,

Um “oi” você dirigiu a mim.

Beatriz Guelman (categoria poesia – 2º ano do Ensino Médio)

Ladrão de Rosas

Onde estás, meu Ladrão de Rosas?

Para onde fostes, meu bem? Passei

as últimas madrugadas mornas

contorcendo-me na cama, esperando

por um sinal teu, qualquer fosse

ele.

Minha mãe não entende. Diz

que estou febril e nem suspeita que

seja tua falta a causa da minha

enfermidade. Se queimo agora é

por causa tua, é pela falta dos teus

dedos compridos deslizando pelos

meus cachos, é pela falta da tua

risada silenciosa, é por falta das

tuas rosas. Minhas forças se esvaem

do meu corpo como o perfume da

última flor que me trouxe. Ficarei

murcha e sem perfume, meu bem,

sem o teu alento. Preciso mais das

tuas mãos cuidadosas do que me

sinto confortável em admitir.

Meu bem-querer, não me sai

da memória aquele dia em que me

carregaste em tua bicicleta. Creio

ter sido o vento o culpado, mas

derrubaste a mim e a ti bem em

cima daquele roseiral. Bendito seja

o vento! Foi na cumplicidade com

aquelas rosas que me deste aquele

beijo. O primeiro. Com um fervor que

nunca tinha notado em ti. Lembro-

me bem dos teus lábios calmos

tocando os meus, enquanto teus

dedos urgentes exploravam minha

pele. A penugem da minha nuca

ainda se arrepia com lembrança

tão vívida. Ah, amor! Tu bebeste

de mim como o beija-flor bebe do

néctar das flores, com um misto

de cuidado e paixão. E deixaste em

mim tua saliva lasciva, teu líquido

inebriante. És o responsável pelo

meu vício em ti. E não me faltam

recordações daquele momento.

Aquela fita amarela que eu usava

nos cabelos, rasgada pelos espinhos

das rosas, ainda está guardada na

gaveta ao lado da cama. É a fiel

ouvinte das minhas súplicas de

amor assim como o eram as rosas

que a rasgaram.

Para onde foste, meu anjo?

Ainda quando passo por aquele

roseiral algo aperta meu peito e a

memória daquele tempo me escorre

líquida e salgada pelo rosto. E assim

retomo aqueles teus olhos azul-

mar, que como a vaga me puxavam

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para ti. Descobri em ti um lado

urgente, espontâneo. Os dedos e

os lábios ágeis. A falsa experiência

entremeada na fronte inocente.

Não sei o que foi que brotou em ti

naquele dia. Tu passaste a roubar

rosas. Protegido pelo meu amor,

ninguém jamais notou tuas roupas

sujas de terra, ninguém jamais deu

pela falta das flores. Mas eu as

contava todas, dava-lhes os nomes

mais bonitos. Eram filhas, frutos do

nosso romance secreto.

Lembro-me bem de assistir a ti,

pulando os portões dos palacetes

brancos em busca de novas rosas. Tu

voltavas com nova flor e novo beijo,

o sabor da adrenalina, do errado, do

perigo. Lembro-me de correr contigo

nas ruas de pedra e de ser agarrada

por ti, afogada em teus abraços. Eu

me sentia ainda menor do que já

era. E tu me derrubavas. Sempre

fui suscetível a cair, de qualquer

maneira. Tu fingias preocupação

quanto ao corte em meu joelho e eu

fingia manha. Tu me lançava aquele

riso danado só para me ver corar

feito a boba que eu era. E agora

ouço ainda teu suspiro, com aquela

tua voz estúpida no meu ouvido.

Quando procuro em falsa

inocência saber de ti, me dizem que

tu tens andado deprimido, que tua

mãe levaria a ti ao doutor. Se tens

estado quieto sei bem o porquê: nosso

segredo. Meu querido, ninguém além

de nós irá um dia compreender o

nosso segredo. Os passos furtivos.

As pedras na janela. O roseiral. A

adrenalina. A carícia. A grama nos

meus cabelos. A minha anemia. A

tua depressão. O nosso sufoco. Os

solavancos de vida.

Onde estás, meu amado? Para

onde foi o meu Ladrão de Rosas?

Aguardo ansiosamente por teu sinal.

Enquanto houver rosas no mundo,

haverá a nossa história.

Da tua – e sempre tua – Garota

do Laço de Fita.

Lígia Cossé

(categoria prosa – 3º ano do Ensino Médio)

62

Amor

De todos os assuntos

da terapia,

apenas um detesto:

Amor

Não consigo nem quero

falar de algo tão divino

e infernal a um mero

ser humano

O amor que sinto é meu.

Impossível dividi-lo,

impossível expressá-lo

até mesmo ao meu ser amado

Engraçado e tirano

esse tal de amor!

Sentimento egoísta, que não existe

sem aquele que ama e aquele que é amado

É via de duas mãos,

que leva ao mesmo

lugar:

Incerteza

Se concreto,

seria cristal.

Fácil de quebrar,

impossível de reconstruir

O amor é cisne reluzente

de casa de tia-avó.

Criança não pode tocar,

só ver

Se concreto,

jogá-lo-ia na parede,

para depois sair correndo

chorar sobre os cacos

Se mulher,

Capitu.

Se homem,

Bentinho.

Amor,

se real,

uma

mentira

Se bom,

não seria amor.

Se ruim,

não existiria.

Amor,

se não amor,

não seria necessário

(terapia)

63

Caro

lina

Gar

cia

(cat

egor

ia p

oesi

a –

3º a

no d

o En

sino

Méd

io)

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A Favor da Democracia

O Brasil é uma democracia desde o final da ditadura militar, em 1985.

No âmbito teórico, pode-se dizer que essa afirmação é verdadeira. Apesar

de a Constituição cidadã pregar este regime democrático, a desigualdade

socioeconômica do Brasil é uma das maiores do mundo. Ainda há o desafio

de democratizar diversos setores da sociedade, como é o caso do ensino

superior no país. Sendo assim, deve-se dizer que, em favor da democracia,

a inclusão social nas universidades é algo essencial para transformar o

Brasil em um país mais justo.

Desde sua origem, o Brasil fundamentou-se nas desigualdades. Com

a abolição da escravidão em 1888, não houve nenhum processo de

inclusão social para os negros, deixando-os assim à margem da sociedade.

Sem educação, esses não tiveram a oportunidade que deveriam para

se qualificarem e ascenderem socialmente. Observa-se ainda que 70%

da população considerada pobre no Brasil é negra, e que as melhores

universidades públicas do país têm como maioria esmagadora alunos

caucasianos. Desta forma, medidas que democratizem o acesso ao ensino

superior, dando também aos negros o direito de frequentar universidades

de qualidade, são necessárias e emergenciais.

No entanto, muitos ainda hoje discordam da tentativa de integração

social a partir da universidade, apresentando o argumento de que isto

prejudicaria o andamento das aulas e pesquisas, atrasando os cursos e

prejudicando alunos melhores preparados, isto é, provenientes da rede

particular de ensino. Porém, existem dados que comprovam a falha deste

argumento. Universidades públicas que já adotaram as cotas a alunos

provenientes de escolas públicas constataram que estes estão tendo um

desempenho surpreendente em relação a outros que vieram de instituições

educacionais particulares e foram aprovados no processo seletivo para o

ingresso na universidade.

Conclui-se assim que, diante deste cenário de desigualdade a que ainda

hoje o Brasil é submetido, é essencial que se criem projetos de integração e

ingresso a universidades federais e estaduais, através do sistema de cotas

raciais, para alunos provenientes de escolas públicas. Desta maneira, será

possível amenizar as injustiças até então vigentes em nossa sociedade.

Aliada a isso, há também a necessidade da criação de bolsas de ensino

para alunos de baixa renda, em instituições particulares, assim como

ocorre nos Estados Unidos. Apenas deste modo será possível existir um

Brasil mais justo e verdadeiramente democrático em um futuro não tão

distante.

Victor Cury

(categoria prosa – 3º ano do Ensino Médio)

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Projetar significa lançar-se à frente, traçar um rumo e seguir por ele em direção a determinado

objetivo. Ao ato de projetar liga-se, intrinsecamente, a existência de um movimento, quase

sempre em sentido único, na busca por algo de desejo individual ou coletivo. Dessa forma, ao

termo projeto podem ser associados alguns significados como, por exemplo, o de mudança,

ver adiante, observar o passado com o foco no futuro, resolver problemas, entre outros. Não

é à toa, portanto, que a palavra projeto vem sendo apropriada pelas escolas como sinônimo

de proposta inovadora de ensino e de aprendizagem. Nós, do Colégio Móbile, há muito nos

antecipamos na implantação de propostas de trabalho com vistas à realização de projetos

individuais, como é o caso, por exemplo, do processo que alguns alunos do Ensino Médio

vivenciaram durante o projeto de Iniciação Científica.

O projeto de Iniciação Científica do Colégio Móbile completou, em 2012, quatro anos de

existência, ganhando, definitivamente, status de interesse para alunos e comunidade, como

atesta o número elevado de acessos aos vídeos produzidos e disponibilizados – generosamente

– na Internet pelos alunos participantes. Para se ter uma ideia, alguns dos vídeos criados no

período foram acessados mais de 4000 vezes. Vale, portanto, reforçar as características do

projeto e os resultados obtidos pelos alunos ao encerramento da fase iniciada em agosto de

2011 e encerrada em 2012.

Um grupo de quatorze alunos participou do projeto. Desse grupo, sete alunos pesquisaram e

produziram trabalhos na área de Humanidades, enquanto outros sete alunos preferiram estudar

temas relacionados ao bloco das Ciências Naturais e Matemática.

A diversidade dos temas de estudo dos alunos chama a atenção, seja em Humanidades ou em

Ciências, principalmente porque foi possível observar que os interesses estiveram, mais até do

que em outros anos, bastante relacionados àquilo que poderiam produzir e deixar como herança

de suas passagens pelo colégio. Em razão disso, os professores têm agora acervo ainda maior

de videoaulas para enriquecer suas aulas nos anos futuros.

A lista dos trabalhos produzidos na área de Ciências Naturais e Matemática foi composta pelos

temas a seguir:

Alunos do Ensino Médio apresentamo resultado de suas pesquisas realizadas

entre 2011 e 2012.

“A ciência apreendeA ciência

em si”(Gilberto Gil)

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InvisibilidadeA aluna Beatriz Peano fez interessante associação entre filmes antigos e atuais sobre personagens que se tornam invisíveis, para aprofundar temade estudo de importante ramo da Física, a Óptica.

Aerodinâmica dos automóveis Os cursos de Física oferecidos no Ensino Médio estimulam os alunos na compreensão das condições que permitem maior ou menor desempenho dos automóveis. A partir desse estímulo, o aluno Rafael Rejtman, em rigoroso trabalho de pesquisa, produziu vídeo explicando com detalhes a importância da aerodinâmica na fabricação dos veículos antigos e atuais.

Projeto Manhattan Na história do século XX, os esforços norte-americanos para a produção da bombaatômica foram intensos. O aluno Pedro Parizzoto interessou-se por estudar as origense as consequências do processo, sobretudo sob os pontos de vista da Física e da História.

Do café ao espaço Nickolas Kokron resolveu estudar um pouco mais as leis da Gravitação Universal e, partindo da imagem de diversas fórmulas registradas em uma xícara, elaborou uma sequência de explicação para essas fórmulas e também para sua aplicação no movimento dos satélites.

Karatê: a Física nas artes marciais Os movimentos e golpes do karatê, esporte queé praticado pelo autor da videoaula, estimularam o aluno Rafael Magaldi a analisar em detalhesas forças e os momentos envolvidos nesse esporte. O resultado foi uma videoaula em que um personagem simula golpes e, simultaneamente, explica a Física envolvida neles.

Química e gastronomia:comparando pães e bolos O prazer de Laura Pupo pela Gastronomia a impeliu a estudar as diferenças nos processos químicos envolvidos na produção de pães e bolos. Em um vídeo original, Laura explica, em detalhes, aspectos da Química associados aos conceitos que os alunos estudam normalmente em sala de aula.

O número de ouro: a mágica por detrás do belo Já na Grécia antiga, determinada proporção entre as medidas dos lados de um retângulo era conhecida por expressar conforto e beleza ao olhar humano. A aluna Roberta Alecrim, a partir de seu estudo, produziu videoaula mostrando como a proporção áurea é, ainda hoje, adotada como padrão de beleza em campos aparentemente tão distintos quanto a arquitetura e a medicina estética.

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Em Humanidades, foram produzidos os seguintes trabalhos:

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Cleópatra: a construção de um símbolo O trabalho minucioso de análise de documentos e da construção da memória histórica resultou na pesquisa sobre a imagem de Cleópatra. Símbolo de beleza e sensualidade, a rainha egípcia serviu de modelo feminino e assumiu diferentes papéis, de acordo com os contextos históricos que dela se apropriaram. A aluna Camila Damião Farah pesquisou a construção simbólica da imagem de Cleópatra ao longo do tempo, analisando os registros visuais e escritos, realizados em diferentes suportes: pinturas, desenhos, cartazes, esculturas, biografias, filmes ficcionais e documentários.

O Pasquim e a imprensa alternativa na Ditadura Militar Brasileira Com publicação de 1969 até 1991, O Pasquim foi um semanário irreverente queprocurou utilizar o humor para fazer críticas sociais e políticas contra o regime militar.O vídeo produzido pelo aluno José Bento Camassa traduz um pouco o contexto da época, destacando algumas das principais matérias publicadas no veículo, bem como a análisedos personagens envolvidos.

Tom Zé e o Tropicalismo O movimento musical tropicalista influencia a cultura jovem brasileira até hoje. Seus ícones foram, principalmente, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Rita Lee. Mas existiram outros integrantes? Sim. Dentre alguns deles, está o compositor e cantor Tom Zé. Por que será que Tom Zé não teve o mesmo reconhecimento popular que Caetano e Gil? O trabalho da aluna Luísa Cardoso procurou refletir sobre essa questão.

Da religião à religiosidade: a fé através dos tempos O aluno Gianluca Smanio construiu uma narrativa histórica para mostrar como a religião se transforma em religiosidade ao longo dos tempos. Para tanto, analisou o enfraquecimento da instituição religiosa e o surgimento do sincretismo e de outras crenças no mundo e no Brasil.

Occupy: as dificuldades da manifestaçãona Líquido-Modernidade A aluna Giulia Fioratti aprofundou os estudos realizados nas aulas de Filosofia sobre as posições de alguns pensadores contemporâneos. Com esse objetivo na cabeça, Giulia partiu do conceito de modernidade líquida, cunhado por Zigmunt Bauman, para analisar o acontecimento ocorrido nas ruas de Nova York em 2011.

Baader-Meinhof: O terrorismoe a contraculturaA aluna Julia Brant pesquisou o contexto do surgimento do grupo alemão Baader-Meinhof,que atuou no período de 1970 a 1998. No vídeo gerado por sua pesquisa, Julia procurou discutire distinguir o conceito de terrorismo e contracultura, tendo por objetivo responder à seguinte questão: Terrorismo foi uma ideia aplicada a grupos questionadores de contracultura para a manutenção da ‘ordem’?

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Manipulação nazista do cinema ao mundo A aluna Luísa Cleto desenvolveu inquieto trabalho sobre as relações entre história, cinema e propaganda, durante a Alemanha nazista, nas décadas de 1930 e 1940. Por meio da análise de trechos de filmes, produzidos pelo ministério de propaganda do governo alemão, a videoaula de Luísa permite identificar os artifícios estéticos e os discursos ideológicos utilizados no processo de adesão da sociedade alemã à política adotada pelo partido nazista.

Todos esses trabalhos, bem como os produzidos em anos anteriores, encontram-se disponíveis no

site da escola, no ícone referente à Iniciação Científica, para que sejam vistos, revistos, criticados e

utilizados por personagens internos ou externos à comunidade Móbile. Dessa forma, os alunos dividem

seus saberes e, de fato, se iniciam nas ciências, pois o conhecimento que não é compartilhável não

tem utilidade efetiva. Isso eles já aprenderam (o que não é pouco).

Walter Spinelli coordena os trabalhos de Ciências da Natureza e Matemática

e Felipe Corazza, os de Humanidades. Uma equipe de professores orienta os alunos.

Mais um anode ErrânciaAlunos do 9º ano do Ensino Fundamental apresentam espetáculo de encerramento do curso de Teatro.

“O teatro não tem a ver com edifícios, nem com textos,

atores, estilos ou formas. A essência do teatro reside num mistério

chamado ‘o momento presente’.”

Fragmento de A porta aberta – reflexões sobre a interpretação e o teatro, de Peter Brook.

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Ler um livro novamente. Tornar a assistir

àquele filme depois de algum tempo. Deter-se,

um belo dia, diante de uma pintura ou escultura

já conhecida há tempos. No universo da arte, o

segundo contato com uma obra traz à tona novas

nuances, gera descobertas inusitadas e renova a

sensibilidade.

Foi com esse pensamento que o Projeto

de Teatro do 9° ano levou ao palco da Móbile,

no final de 2012, nova montagem do espetáculo

Errância, encenado pela primeira vez em 2009.

Não obstante algumas alterações no

enredo, a peça continuou com o mesmo eixo temático:

a juventude e suas paixões. Paixões universais

quando o assunto são os jovens, tanto na questão da

descoberta do amor como na da perspectiva utópica

de mundo que eles cultivam.

Em um dos blocos do espetáculo, surge

a dúvida: e quanto a hoje? Será que tal dimensão

utópica e a intensidade juvenil para buscá-la ainda

existem? E o que cada jovem de hoje faz da sua vida

para conferir a ela a qualidade de não se anestesiar

diante dos empecilhos do mundo?

Errar. É essa a “resposta”; nada óbvia,

decerto. Errar no sentido de caminhar, de estar em

constante busca e movimento. Como diz a poeta

Orides Fontela, no poema do qual se extraiu o título

da peça,

“Só porque erro, acerto: me construo.”

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A máxima popular diz que errar é humano, mas que

cometer um erro pela segunda vez é burrice. Os

“errantes” de 2012 preferiram pensar de maneira

não tão metódica, mas mais lírica e livre, como o

poeta curitibano Paulo Leminski sugere:

nunca cometoo mesmo erroduas vezesjá cometo duas trêsquatro cinco seisaté esse erro aprenderque só o erro tem vez

Rogério Gusmão é professor de Português

do 9º ano e codirigiu, com a professora

Lume Abe, a peça Errância.

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e s p e c i a l

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“Você vem, quantos anos você tem?”ou Sobre o pesoda escolha

(“Divino maravilhoso”, de Caetano Veloso)

Somos seres inquietos e complexos. Vinicius de Moraes, em um de seus

poemas mais populares, brincou com as vantagens de nós, homens, não existirmos. Segundo

ele, “(...) depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra / E depois, da

gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra / Melhor fora que o Senhor das Esferas

tivesse descansado”. O descanso do “Senhor das Esferas” teria como consequência, no

jogo poético proposto pelo autor, a não existência do homem e, dessa forma, “Não seríamos

paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia / Não teríamos escola, serviço militar,

casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia”. Que tranquilidade seria!

Mas o fato é que existimos. E isso faz toda a diferença! Se, para nós, adultos, o “estar no

mundo” envolve, muita vez, dor e questionamentos – ainda que entremeados por momentos

de plenitude, epifania, alumbramento, prazer e realização (tão bem cantados pelo poetinha) –,

imagine o que é isso para um jovem que vai começar sua trajetória.

Não são poucas as questões

que inquietam nosso adolescente. “Quem

sou eu?”; “O que esperam de mim?”;

“O que vou fazer da vida quando terminar

meus estudos?”; “Que contribuições darei

eu para o mundo?”; “Estou preparado para

deixar a segurança da escola?” – são apenas

algumas das perguntas existenciais que tiram

o sono de nossos jovens (e o nosso, de certa

forma) ao longo do Ensino Médio.

O adolescente, em geral,

é ambicioso e onipotente. Ele almeja ser

protagonista absoluto de suas ações, seja na

escola, seja na família e, por que não dizer,

na sociedade. Ao mergulhar num conturbado

período de afirmação de sua identidade,

o jovem avança e recua na busca pela

famigerada autonomia. Uma das questões

primordiais associadas a essa dura fase de

desenvolvimento são as escolhas. Escolher

demanda coragem porque, necessariamente,

envolve renúncia.

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“Se muito vale o já feito, Mais vale o que será”

Escolho, logome responsabilizo

(“O que foi feito deverá”, de Milton Nascimento)

A sensação de angústia, própria do adolescente quando escolhe, está associada

ao fato de que as escolhas feitas por ele, agora, reverberarão de forma mais nítida e direta em

seu futuro, não tão distante assim. Trata-se de um momento de confronto entre os sonhos de

outrora (vividos na infância) e as cobranças e consequências concretas que caracterizam o

mundo adulto.

O adolescente que, agora, precisa fazer escolhas, encontra-se em uma fase de

transição, de mudanças, de adaptação e de ajustamento. Ele deixa para trás todo seu mundo

infantil, seguro, para entrar na vida adulta, cheia de incertezas. Para o jovem, inserido nesse

contexto nebuloso, é monumental a importância da construção de um projeto de vida futura.

Esse projeto surge, inicialmente, apenas como uma lista de desejos que se pretende realizar,

seguida, obrigatoriamente, de um conjunto de etapas e propósitos bem concretos a serem

cumpridos para garantir o futuro almejado. Para o adolescente, nem sempre é fácil admitir

que seu futuro depende, em grande parte, do que ele faz ou deixa de fazer, dos seus erros ou

acertos atuais.

Ainda que reconheçamos que um projeto de vida não é estanque ou imutável

(mas algo em constante ajustamento à realidade que vai sendo vivenciada pelo adolescente),

sabemos da importância de formar alunos que sejam capazes de escolher seu futuro, vislumbrar

possibilidades, analisar riscos, refazer caminhos.

Ao longo desses quase quarenta anos de existência da Móbile e dos catorze

do Ensino Médio, realizamos (com sucesso) uma série de projetos que intencionam atender

às muitas expectativas e interesses de nossos estudantes, sempre vistos por nós em suas

particularidades. Como somos um grupo de educadores inquietos (e responsáveis), começamos,

nos últimos anos, a refletir sobre os mecanismos que poderiam auxiliar nossos alunos a fazer

suas escolhas de maneira mais consciente, acertada e processual. Tendo como norte o respeito

à singularidade deles e a constatação de que o hipermoderno século XXI é bem diferente do XX,

introduzimos no currículo do Ensino Médio, em 2013, uma série de disciplinas eletivas.

Na Móbile, a conquista de

uma atitude intelectual autônoma é tarefa que

permeia as intenções pedagógicas de nosso

corpo docente. Propomo-nos a formar alunos

que, a partir da assimilação dos saberes

acumulados pelas diversas ciências (humanas

e naturais) e pelas artes, sejam capazes de

pensar, argumentar, criticar, concluir, projetar,

antecipar, solucionar, criar, interferir... É nossa

tarefa, portanto, promover para os alunos a

construção de uma rede de significação a

partir dos conhecimentos adquiridos por eles

na escola.

No Ensino Médio, mais especi-

ficamente, isso se reflete em uma escolha

curricular que possa servir ao propósito de

tornar nossos educadores mediadores da

sistematização do saber acadêmico de nossos

alunos, estabelecendo as condições necessárias

para que estes se tornem capazes de construir

suas próprias redes de conhecimento por

meio de processos mentais de agregação e

recriação dos muitos saberes favorecidos pelos

professores em suas aulas.

Foi com a perspectiva de aperfei-

çoar um trabalho realizado com sucesso há

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décadas que, ao longo de dois anos, nossos educadores

refletiram, estudaram, pesquisaram e, finalmente,

produziram programas especiais para os pioneiros cursos

eletivos que seriam oferecidos às turmas de 2013. Nesse

período, buscaram os conteúdos, os conceitos e os

modos de avaliação que poderiam ser agregados à rede

de significados das disciplinas já oferecidas, no Ensino

Médio, no chamado núcleo comum (Estudos Literários,

Língua e Produção de Texto, Inglês, História, Geografia,

Ética e Cidadania, Filosofia, Matemática, Física, Química,

Biologia e Espanhol).

Vale lembrar que as disciplinas do núcleo

comum visam despertar nos alunos a percepção de que

os conhecimentos acadêmicos são subsídios essenciais

para a vida. A partir da aquisição de um patrimônio

composto por um conjunto de saberes básicos (mas

altamente complexos), torna-se possível a instauração

de um tipo de conhecimento indispensável ao

desenvolvimento humano. Em outras palavras: os ganhos

cognitivos proporcionados pelas disciplinas do núcleo

comum são singulares e não podem ser adquiridos por

meio de nenhum outro tipo de conhecimento.

A introdução das disciplinas eletivas

reforça nossa opção por um projeto pedagógico que

desperte em nossos alunos a consciência de que o

conhecimento é uma construção permanente, a

percepção de que muito ainda há que se aprender e,

finalmente, a importância de se lançar curiosamente em

busca de modos de superação daquilo que não se sabe.

E tudo isso a partir de uma disciplina com a qual os

alunos têm afinidade, pois a escolheram.

“Fazer lições de casa das matérias que a gente escolheu é muito mais gratificante.”André Patah Dacca

“Escolhi eletivasde Humanas porque queria ‘abrir meu pensamento’ e estou sentindo isso acontecer.” Mariana Bussab Marek

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Eletivas: novas possibilidadesde “lançar mundos no mundo”

As disciplinas eletivas foram divididas em dois grupos, tendo em vista seus

diferentes propósitos acadêmicos. Fazem parte do chamado grupo 1 as matérias diretamente

relacionadas às suas correspondentes no núcleo comum, ou seja, Matemática, Física, Química,

Biologia, Ética e Cidadania, História e Geografia. Ao grupo 2 pertencem as disciplinas que não

apresentam relação direta com o núcleo comum: Robótica I, Criatividade em Mídias Digitais,

Prática Esportiva e Teatro I (destinadas aos alunos do 1º ano); Criação Literária, Espanhol,

Política, Robótica II e Teatro II (destinadas aos alunos do 2º ano).

Para compor o currículo do 1º ano, os alunos – ainda em fase de adaptação

ao Ensino Médio – foram convidados a escolher apenas uma eletiva pertencente ao grupo 2.

Essa escolha deveria ser baseada na afinidade deles com o que seria trabalhado na disciplina.

Por exemplo, muitos estudantes que se encantaram e se identificaram com o projeto de teatro

desenvolvido no 9º ano puderam vivenciar outras experiências no campo das artes dramáticas

optando por cursar Teatro I no 1º ano. Outros, empolgados com as infinitas possibilidades do

universo virtual, escolheram se matricular em Criatividade em Mídias Digitais.

Em relação ao 2º ano, além das disciplinas que compõem o núcleo comum,

os alunos puderam escolher uma eletiva do grupo 2 e duas do grupo 1. Mais maduros e

autônomos em relação às suas escolhas, esses adolescentes levaram em conta, para optar

pelas disciplinas do grupo 1, seu desejo de aprofundar seus conhecimentos sobre temas

que compõem os programas curriculares das disciplinas do Ensino Médio (Biologia, Física,

Geografia, História, Matemática e Química) e/ou sobre assuntos que sejam de relevância para

sua formação científico-humanista. É nosso objetivo que, ao final do 2º ano, nosso aluno tenha

condições de avaliar seu projeto de vida, uma vez que estará prestes a fazer uma série de

escolhas importantes relativas ao seu futuro acadêmico, pessoal e profissional.

Nas Ciências, os alunos dessa série vivenciam circunstâncias nas quais se

percebem sujeitos de seu próprio conhecimento quando são incitados a coletar informações

a partir do referencial de análise conceitual desenvolvido nas aulas do núcleo comum.

Consideramos que estão aptos a observar e propor estratégias de medidas de grandezas,

selecionando-as pela relevância que terão na produção das análises ou cálculos que realizarão

posteriormente. A elaboração de modelos mentais e a análise da validade desses modelos são

intensamente trabalhados nas aulas.

Nas Humanidades, por sua vez, são trabalhados novos procedimentos

de pesquisa, leituras e releituras diferenciadas de documentos históricos, a proposição de

situações-problema e de intervenções a partir do estudo prévio de fenômenos humanos,

o aprofundamento na bibliografia-base dos cursos, além da possibilidade de ampliação

significativa da chamada “biblioteca cultural” dos estudantes, nas palavras do teórico francês

Jean Marie Goulemot.

“É muito legal a gente poder dizer paraos amigos de outras escolas que podemos escolher matérias.” Marcelo de Ávila Afonseca

1º ano: primeira escolha

2º ano: mais um passo rumo ao projeto de vida

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Finalmente, o aluno do 3º ano terá à sua disposição as disciplinas eletivas do

grupo 1 (Matemática, Física, Química, Biologia, Ética e Cidadania, História e Geografia), do qual

deverá escolher três delas para compor sua grade curricular. Para isso, precisará levar em

consideração que os temas que comporão o programa das matérias escolhidas estão voltados

ao aprofundamento do conteúdo acadêmico dos programas curriculares das disciplinas do

Ensino Médio (núcleo comum), já com vistas à carreira escolhida e ao concurso vestibular.

Guardadas as suas especificidades, as eletivas criadas pelo corpo docente

do Ensino Médio da Móbile levam em conta as necessidades de um aluno inserido no

complexo e dinâmico século XXI. Dessa forma, nossos estudantes são estimulados a buscar

caminhos próprios e criativos para a resolução de problemas dos mais variados tipos, propor

soluções cênicas, trabalhar cooperativamente em grupo, planejar, criar estratégias, programar,

debater, dissecar animais, arriscar-se na escrita artística (literária), entre outras habilidades

e competências necessárias ao mundo contemporâneo. Nas linhas a seguir, você poderá se

informar sobre o que se aprende em algumas eletivas e, o mais importante, saber o que os

alunos pensam sobre elas.

3º ano: tempo de decisão

Saiba o que se ensina em algumas das disciplinas eletivas da Móbile

No curso Criatividade em Mídias Digitais, os

alunos são desafiados a trabalhar em grupo,

a coletar dados, a utilizar a imaginação

e a planejar partindo de um problema

apresentado pelo professor.

“Aprendi bastante nesse curso porque para

resolver os desafios você tem de lidar com

recursos de edição, além de conhecer os

programas que devem ser usados para

resolver o problema proposto pelo professor.

O curso estimula bastante o trabalho em

grupo. Gostei especialmente do desafio em

que você tirava várias fotografias em um

mesmo espaço, em diferentes posições,

e depois precisava juntar tudo utilizando

um programa especial. Algo que tem uma

aparência simples, mas que é altamente

complexo.” Bruno Leite Landwehr

Mídias Digitais (grupo 2)

89

As aulas de Teatro I são estruturadas em

oficinas de criação, nas quais os alunos,

coordenados pelo professor, constroem um

ambiente propício à expressão artística do

grupo e de cada participante, à discussão do

texto a ser encenado e à sua dramaturgia.

No curso, é realizada uma montagem-

mosaico a partir de canções, contos,

fragmentos de textos dramáticos etc., em

colaboração com os alunos-atores.

“O legal é que é uma criação coletiva.

No processo, você só trabalha em grupo,

o que proporciona um enorme senso de

coletividade e responsabilidade. Aprendi

bastante cursando Teatro I porque analisamos

as complexas letras das canções de Chico

Buarque e, a partir delas, tínhamos de propor

hipóteses interpretativas sobre os sentidos

contidos dos versos. Como as canções que

escolhemos foram compostas nos duros

anos da ditadura brasileira, acabamos

ganhando conhecimento, além de teatral,

histórico. Gostei muito do resultado final,

nossa encenação.” Ana Santana Moioli

Teatro I (grupo 2)

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Presente em diferentes contextos econô-

micos, políticos e culturais, o Espanhol, idioma

ensinado na eletiva, possibilita o trânsito por

enfoques interdisciplinares cujos objetivos

remetem tanto ao conhecimento da língua

e de suas regras quanto ao enriquecimento

cultural do aluno. No curso, o estudante

estabelece contato com o amplo universo

hispânico, tão próximo de nós, mas nem

sempre reconhecido como tal. Além disso,

os alunos são mobilizados a desconstruir

estereótipos acerca do idioma espanhol, dos

povos que o falam e de suas culturas.

“Todo o mundo que está matriculado na

eletiva de Espanhol escolheu estar lá porque

quer aprender mais ou porque gosta de

línguas. Então, o grupo se dá muito bem,

e isso inclui a relação com o professor

Alexandre. É uma aula divertida porque a

gente interage muito. Sinto que o professor

se preocupa verdadeiramente com nossa

aprendizagem. Eu gosto muito de fazer essa

eletiva.” Cláudio Luis de Melo Pereira

O curso de Criação Literária é voltado

aos alunos que desejam exercitar suas

habilidades na elaboração de textos

ficcionais de diferentes gêneros literários.

As aulas intercalam análises de diversos

textos e autores contemporâneos e

procedimentos de escrita com exercícios e

propostas práticas de criação. Além disso,

ao longo do trabalho, procura-se estimular

a expressão e a sensibilidade dos alunos,

e, assim, incentivá-los a descobrir seus

próprios estilos.

“Foi um curso que nos inspirou a escrever

mais; criou em nós um hábito de escrita.

Eu já tinha ideias guardadas, mas não as

botava para fora por falta de oportunidade.

Como tínhamos de escrever um texto por

semana, as ideias que vinham à minha

cabeça se transformavam em textos, e isso

possibilitou uma entrada muito legal no

universo literário.” Ethel Rudnitzki

Na seção “Produções em Foco”

desta edição, você poderá ler alguns textos

escritos pelos alunos de Criação Literária.

Criação Literária (grupo 2)

A disciplina Prática Esportiva tem como

objetivo desenvolver as capacidades

físicas e as habilidades motoras dos alunos.

Por meio de atividades formativas, recreativas

e competitivas, é propiciado ao estudante

um espaço singular de representação

corporal. Trata-se de um momento lúdico e

de desenvolvimento físico, vivido dentro do

contexto acadêmico da Móbile.

“Na aula de Prática Esportiva, resgatamos

nosso lúdico universo infantil, época em

que brincávamos de queimada ou carimbo.

Trata-se de um momento privilegiado de

relaxamento, embora não seja uma aula

para não se fazer nada. Eu saio mais leve

dessa aula porque é na quinta-feira, e eu já

estudei a semana inteira, então poder jogar

bola em alguém, sair correndo, tomar bolada

é muito legal.” Laura Campos Sabbag

Prática Esportiva (grupo 2) Espanhol (grupo 2)

90 91

Na disciplina eletiva de Robótica, os alunos

estudam princípios da linguagem necessária

à programação de robôs e, em grupos,

planejam o passo a passo para a resolução

de um problema proposto pelo professor.

“Em Robótica, a programação aprendida

no início do curso é utilizada o ano inteiro.

É preciso colocar no papel aquilo que você

quer que o robô faça, utilizando muita lógica.

É interessante que, agora, no final do ano,

basta que o professor apresente um desafio

para que você já faça um desenho mental do

que o robô tem de fazer. Como trabalhamos

grande parte do curso sozinhos, somos

obrigados a pensar, dentro do grupo, o

que precisamos realizar para resolver os

problemas.” João Paulo Teixeira Mendes

Parizotto

Robótica I (grupo 2)

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92 93

Há dezenas de excelentes artigos acadêmicos publicados a respeito do

que caracteriza a complexa fase do desenvolvimento humano denominada adolescência.

Todos os anos, áreas como a Psicologia, a Sociologia, a Pedagogia e a Medicina realizam

inúmeras pesquisas sobre esse tema. Poderíamos, por isso, fechar este texto recorrendo a

esses consistentes campos do conhecimento, mas preferimos buscar na poesia inspiração

para isso. Em um de seus mais belos haicais, Mário Quintana fala sobre esse delicado momento

humano:

Adolescer, para o poeta, significa ter a possibilidade de vislumbrar a vida com

seu sabor de novidade e, quando personificada, vê-la coberta “apenas” – o que não é pouco –

com a intensidade de um desejo jovem e novo. Cabe a nós, educadores, saber olhar para esse

desejo, de modo a torná-lo possível, quando ele estiver ao nosso alcance.

Adolescente, olha! A vida é nova...A vida é nova e anda nua

– vestida apenas com o teu desejo!

Glorinha Martini é diretora pedagógica

e Wilton Ormundo é vice-diretor pedagógico,

ambos do Ensino Médio.

O curso de Política parte da investigação do conceito de Política ao longo da história e analisa

como ele estruturou a organização das sociedades contemporâneas. As aulas são embasadas

numa perspectiva histórica e sociológica, localizando o conceito de política desde a tradição

greco-romana. No curso, são realizadas, ainda, pesquisa de temas contemporâneos, análise

de problemáticas e a apresentação de resultados em relatórios escritos, seminários e

debates.

“Eu diria que as aulas do 1º semestre foram conceituais, depois entramos de cabeça na

discussão do sistema de cotas a partir de textos e vídeos que o professor trazia e de pesquisas

que nós realizávamos. Agora, estamos organizando um debate. O Beto nos dividiu em três

grupos. Um grupo vai fazer a divulgação do evento, outro vai redigir os argumentos contra

o sistema de cotas ou a favor dele e o terceiro vai cuidar das regras e da organização do

debate.” Fernando Mauad

Política (grupo 2)

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r e f l e x õ e s

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9796

O consumo de álcoolna adolescência

O projeto Saúde e Bem-Estar do

Adolescente, desenvolvido pela equipe

de Orientação Educacional do Ensino

Fundamental da Móbile, coloca em pauta

temas que fazem parte do universo dos

jovens. A reflexão acerca desses temas, neste

momento do desenvolvimento dos alunos, é

bastante significativa não só como ampliação

de conhecimento, mas também para assegurar

uma adolescência mais saudável.

Falar com jovens sobre o consumo de

álcool é um desafio!

Desafio por sabermos que na adolescência

há um sentimento de onipotência e que o

movimento dos jovens está voltado para a

transposição de limites e para explorar o

desconhecido. Nesse processo, alguns, mais

que outros, colocam-se em maior risco e

pensam pouco nas consequências de suas

escolhas.

Como, então, achar o tom certo para falar

de uma substância que tem um diferencial,

pois, apesar dos efeitos danosos, é aceita

socialmente?

A informação é o primeiro passo. O

conhecimento traz condições para a tomada

de decisões mais acertadas. Podemos,

portanto, prevenir um comportamento de

risco dando instrumentos para reflexão,

além de estabelecer com os jovens valores

e princípios que sustentem as suas relações

sociais e tomadas de decisão.

Colocando o jovem na perspectiva de

um sujeito que se responsabiliza por seus

atos, discutimos, nas aulas de Orientação

Educacional, os riscos que o consumo precoce

do álcool traz.

Lançamos discussões sobre os seguintes

aspectos:

• hábitos e comportamentos: a questão

social e a aceitação social;

• influência do grupo nas ações dos jovens;

• influência da propaganda na formação

de hábitos e comportamentos;

• leis existentes sobre a proibição

da compra de bebidas alcoólicas por

menores de dezoito anos.

Realizamos, desde 2010, uma pesquisa

sobre hábitos e comportamentos dos

alunos. Os resultados dela abrem um

amplo campo de reflexão, e o interesse dos

alunos na discussão é grande por revelar o

comportamento de seu grupo social sobre o

uso de bebida alcoólica, tabaco, alterações

que as drogas podem trazer ao cérebro e

idade em que o cérebro amadurece.

100%90%80%70%60%50%40%30%20%10%

0%

18%

31%

10%3%

16%

35%

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0%

34%27%

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10%3%

90% 92% 92%96%

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2010 2011 2012 2013

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Você

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Total dos alunos

22%27%

40%31%

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Eliana M. de Campos é coordenadora educacional do 9º ano do Ensino Fundamental.

Apostamos na informação e no diálogo

como ferramentas para sensibilizar o jovem

de que vale a pena colocar em prática os

conhecimentos adquiridos.

Os alunos ficam bastante mobilizados

e envolvidos ao discutir o assunto, mas

sabemos que temos um longo caminho pela

frente, pois, como nos lembra o médico Jairo

Bouer (psiquiatra, especialista em saúde e

comportamento dos adolescentes), “Muitas

vezes o jovem esquece ou abandona tudo o

que sabe em algum lugar da cabeça. E isso o

coloca cara a cara com o risco”.

Reafirmamos que, por se encontrarem

numa fase de busca e estabelecimento

de escolhas, os jovens precisam de

autoconfiança ao enfrentar a pressão do

grupo e de um maior discernimento, que

se desenvolve por meio da ampliação

do repertório vivencial e intelectual para

responder a novas situações.

O desafio, assim, é que, de forma

convergente e assertiva, a escola, a família

e o grupo social possam oferecer elementos

que sejam determinantes na abertura de

caminhos para dissociar o consumo de álcool

como pré-requisito para uma convivência

social agradável.

9998

100%90%80%70%60%50%40%30%20%10%

0%

8%

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14%

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0%

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97% 96%

Você

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2010 2011 2012 2013

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Você

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Meninos

26%32%

49%

32%

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A importânciadas relações sociaisna aprendizagemDesde o início do século XX,

temos nos deparado com

uma questão fundamental:

como deve ser o grau de

participação dos alunos no

processo de aprendizagem?

A perspectiva “tradicional”,

como se sabe, coloca

os professores no papel

de transmissores de

conhecimentos e de

controladores de resultados

obtidos. Nesse modelo, o

professor detém o saber e

cabe ao aluno interiorizar

o conhecimento tal como

lhe foi apresentado, de

modo que a ação prioritária

seja repetir procedimentos

ensinados, e o exercício

realizado consiste na

cópia de modelos até que

o educando seja capaz

de automatizá-los. Sem

dúvida, essa concepção

não considera o aluno como

“personagem” principal

no processo de ensino-

aprendizagem.

Hoje, acreditamos que um

projeto pedagógico que

tenha como um dos seus

pilares o engajamento dos

estudantes na produção

de conhecimento deve

garantir a interação

direta entre alunos e

professor, permitindo o

acompanhamento dos

processos de pensamento

que cada um realiza em sala

de aula. É necessário que a

organização do espaço de

aprendizagem favoreça as

interações em diferentes

níveis: em relação ao

grupo-classe, no momento

de um debate; em relação

aos grupos de alunos,

quando a tarefa requisite ou

permita; ou nas intervenções

individuais, quando

necessárias para uma ajuda

mais específica.

Promover atividades que

se articulem em torno do

exercício com as operações

mentais pressupõe um

aluno que entende o que

faz, por que faz e tem

consciência, em qualquer

nível, do processo que está

seguindo. Nessa dinâmica,

a mediação do adulto,

nesse caso o professor, se

coloca cada vez mais num

patamar de importância e,

por esse motivo, exige desse

educador uma capacitação

que vai além do domínio da

sua disciplina. O professor

tem de promover canais

de comunicação que

compartilhem uma linguagem

comum, clara e explícita,

evitando mal-entendidos ou

incompreensões. É função

desse profissional ensinar

aos alunos comportamentos

sociais que os capacitem a

ouvir e a considerar a fala

do outro, a compartilhar

ideias e hipóteses acerca de

assuntos de natureza social

e científica, a compreender

que o conhecimento tem

uma função social e,

portanto, a participação

no trabalho coletivo é uma

questão de compromisso

ético.

O planejamento do

professor deve contemplar

aprendizagens que

favoreçam o ensino

de comportamentos

indispensáveis a um

ambiente marcado

por relações em que

predominem a confiança,

o respeito mútuo e a

solidariedade.

Na Móbile, acreditamos

que, dentre as situações

de aprendizagem que

objetivam o ensino

desses comportamentos

sociais, as atividades de

correção, programadas

no planejamento, têm uma

grande importância no

percurso de aprendizagem

dos alunos. Poderíamos

justificar essa relevância

considerando os seguintes

objetivos:

• Permitir que diferentes estratégias de correção favoreçam exercícios de reflexão

e tomada de consciência das aprendizagens.

• Garantir que o aluno entre em contato com diferentes formas de solucionar

um problema, ampliando o seu repertório de estratégias e procedimentos.

• Identificar, a partir das intervenções do professor, problemas que dizem respeito

à compreensão de conceitos e procedimentos, bem como questões relacionadas

com a organização, com o registro e clareza na forma como o aluno se expressa oralmente

e por escrito.

101100

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• Permitir que o professor apresente novas problematizações, ampliando o universo

de conhecimentos dos assuntos que são debatidos, identificando se os alunos fazem

aplicações e generalizações.

• Desenvolver nos alunos comportamentos relacionados com empenho e perseverança,

valorizando os processos realizados e não apenas resultados pontuais, tratando o erro

de uma forma construtiva, sendo este um meio para identificar equívocos conceituais

ou procedimentais.

• Compreender de maneira clara “o que” e “como” está aprendendo traz segurança

e maiores recursos de intervenção por parte desse aluno nas aulas, favorecendo

um diálogo maior com o professor e com os iguais.

Dentro dessa perspectiva

de trabalho, as estratégias

de correção devem

atender a esses diferentes

propósitos.

Na nossa prática

pedagógica, identificamos

três tipos de correção:

coletiva, em grupos

reduzidos e individual;

todos eles atrelados à

programação do professor

e às metas de aprendizagem.

Acreditamos que essa

categoria de atividade

requer, necessariamente,

um acompanhamento do

professor nas discussões

que serão realizadas nos

grupos, para que possa

identificar problemas

comuns que necessitem

de uma abordagem com

toda a classe.

Trata-se de uma atividade programada para ensinar os alunos

a participar coletivamente de um debate, reconhecendo

pontos de vista diferentes a respeito de um problema ou

de uma questão. Acreditamos ser uma possibilidade para

o aluno exercitar o “ouvir” e considerar a “fala” do outro.

O professor tem um papel importante como mediador na

organização, na socialização e na participação de todos os

alunos.

Uma atividade dessa natureza permite que o professor lance

novos problemas e garanta a socialização de respostas. Em

muitas situações, surgem soluções que são inéditas e que,

mesmo não fazendo parte do universo da maioria dos alunos,

são passíveis de serem debatidas. Essas soluções, ainda

que não sejam compreendidas na sua totalidade, ampliam o

repertório do grupo.

A correção em pequenos grupos deve, além de atender

aos objetivos do trabalho em grupo, considerando-o

como procedimento e não como apenas uma estratégia,

valorizar as aprendizagens entre os iguais, mostrando que o

conhecimento não se constrói somente na relação professor-

aluno.

Nessa modalidade de correção, ocorrem diferentes níveis de

compreensão sobre o objeto de estudo; portanto, aquele que,

porventura, domina mais determinado conteúdo também se

beneficia, pois tem a oportunidade de tomar consciência

de suas aprendizagens quando explica para o outro. Desse

modo, esvazia-se a ideia de que apenas um é recompensado

por esse tipo de trabalho.

É de responsabilidade do professor orientar as etapas

de correção, explicitando aos alunos os critérios e as

justificativas que devem elaborar a partir dos equívocos do

colega. Essa correção não deve ficar restrita ao apontamento

de “erros” e “acertos”, mas, sim, levantar os equívocos e,

juntos, procurar uma nova solução. Logo, não é qualquer

exercício que se encaixa nesse tipo de correção.

O professor também é responsável por selecionar as questões

que se prestam a uma correção coletiva, considerando

sempre a faixa etária, o tempo de concentração dos

alunos e o quanto uma correção desse tipo agrega novas

aprendizagens.

103102

Correção coletiva

Correção em grupos reduzidos

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104

Correção individual

Uma atividade dessa natureza requer uma estrutura de aula que garanta um diálogo do

professor com cada aluno, ou pelo menos com aqueles que, no contexto, precisam de uma

intervenção especial. Para que isso aconteça de forma satisfatória, acreditamos que a aula

deva ser planejada com o objetivo de mobilizar a classe para uma atividade individual que

possa ser monitorada pelo assistente, permitindo que o professor dialogue com cada aluno

sobre dificuldades e equívocos no processo de aprendizagem.

Essa modalidade de correção agrega ao trabalho um conjunto de informações sobre o aluno,

objetivando uma intervenção nos processos de pensamento que ele realiza e que, descritos

para o professor, identificam que etapas do percurso de aprendizagem necessitam de ajustes

e correções.

Acreditamos, na Móbile, que essas estratégias de correção certamente se enriquecem se o

professor fizer uso de recursos tecnológicos que hoje estão disponíveis e que, sem dúvida,

trazem para a sala de aula um ganho de qualidade, não só pela facilidade no contato com

determinados aplicativos educacionais, mas também pela agilidade na socialização de

informações. Hoje, já utilizamos aplicativos em sala de aula que favorecem, de maneira rápida,

o trabalho de comparação das diferentes soluções apresentadas pelos alunos a partir de uma

questão ou de um problema e mapeiam as respostas apresentadas, facilitando a intervenção

do professor, dando a ele uma avaliação mais precisa do nível de compreensão a respeito das

ideias que estão sendo debatidas pelo grupo classe.

Certamente, o professor, no seu planejamento, deve inserir diferentes estratégias de correção,

sempre tendo clareza de que essas escolhas precisam considerar quais são suas metas

de aprendizagem, assim como quais procedimentos e comportamentos sociais podem ser

desenvolvidos.

Antônio de Freitas da Corte é vice-diretor do Ensino Fundamental II.

Na Móbile, a biblioteca é um espaço

vivo, espaço de comunicação aberto ao meio

sociocultural que a rodeia e, sem dúvida, espaço

dinamizador de cultura. Em meio aos livros, as

crianças, os adolescentes e os adultos sentem-

se estimulados a ler, pesquisar e, assim, ampliar

seu repertório cultural. Queremos que os alunos

mergulhem no rico universo da literatura, por

isso a biblioteca precisa ser organizada como um

espaço prazeroso e cheio de pequenas surpresas

encantadoras.

Para os educadores da Móbile, a biblioteca é

um ambiente de extrema relevância para o projeto

pedagógico da escola, pois funciona como um

espaço que oferece múltiplas possibilidades de

trabalho. São muitos os projetos que envolvem

leitura: “Encontros com autores e ilustradores”,

“Contação de histórias”, “Rodas de leitura”,

“Oficinas”, “Palestras”, “Aulas de Literatura e

Filosofia” e “A árvore de histórias” são algumas

das ações que dinamizam o diálogo com a

biblioteca e encantam os alunos.

A criação do Blog da Biblioteca da Móbile

foi uma ação que aproximou educadores, pais

e alunos. Esse ambiente virtual potencializou o

compartilhamento de muitos projetos de leitura,

não só com a comunidade escolar, mas também

com outros espaços de cultura. Por exemplo, para

os alunos, a oportunidade de colaborar com a

divulgação de saberes por meio do projeto “Dicas

de leitura – de criança para criança” agrega mais

sentido às suas leituras. Compartilhar as próprias

descobertas com os colegas é perceber-se como

um sujeito que tem contribuições a dar para a

coletividade. A divulgação do blog rapidamente

promoveu a propagação das ideias debatidas nas

rodas de leitura e, por conseguinte, o interesse

por novos títulos.

Biblioteca:espaço dedescobertas

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Para acessar o blog, acesse a página da Móbile

(www.escolamobile.com.br)

Os depoimentos a seguir, dados por

diferentes profissionais da Móbile,

evidenciam a estreita ligação da biblioteca

com os projetos desenvolvidos em cada

ciclo.

A biblioteca é um espaço que abriga um leque de atividades desenvolvidas com o intuito defazer com que as crianças criemo hábito da leitura e adquiram conhecimento. Desse modo, as crianças têm acesso a outras visões de mundo que possibilitam estabelecer novas relações com o que as cerca. Para os pequenos, torna-se um espaço lúdico por excelência, pois éo lugar de brincar com os livrose com as letras, do ‘faz deconta’, do contar e do ouvirhistórias. Torna-se um conviteà brincadeira, a viajar no mundo da imaginação.

Maria de Remédios Ferreira Cardoso

Diretora Pedagógica da Educação Infantil

Na visita dos alunos do Infantil 2 para conhecer o funcionamentoda Biblioteca, Adriana Felicíssimo encantou a todos com a narrativada história Uma lagarta muito comilona. Participar desse espaço vivo,em que a principal motivação é o livro, possibilita a ampliação do repertório de histórias das crianças, além de ser uma experiência enriquecedora. Após essa visita, escolher e manusear um livro ficou muito mais prazeroso para nossos pequenos leitores.

Ione CapucciOrientadora Educacional do Infantil 2

Usar a biblioteca como espaço cultural é muito enriquecedor para as crianças. O encantamento pelos livros já é nítido nessa faixa etária, e conhecer o autor Daniel Munduruku possibilitou aos nossos alunos perceber, de uma maneira clara, que sempre há um artista por trás de cada história contada. Além disso, com esse encontro, as crianças ampliaram ainda mais o seu conhecimento a respeito da cultura indígena.

Flávia Bicudo DuranOrientadora Educacional do Infantil 4

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Os materiais de uma biblioteca possibilitam à criança vivenciar situações de aprendizagem de modo lúdico e motivador em um espaço diferente da sala de aula. Os alunos do Infantil 5, além de ampliarem o repertório de títulos de obras literárias e de autores, assim como a habilidade de leitura propriamente dita, participaram de oficinas sobre o tema trabalhado em sala de aula (sustentabilidade). Foram momentos de descoberta, reflexões, sonhos e aprendizado.

Andréa AssumpçãoOrientadora Educacional do Infantil 5

As aulas de Português do 2º ano do Ensino Fundamental são enriquecidas semanalmente pelos encontros na biblioteca. O deslocamento da sala de aula até esse espaço já representa o convite ao mundo da imaginação. Durante as atividades, os alunos têm a possibilidade de compartilhar experiências, ampliar o repertório literário, desenvolver e (re)descobrir o prazer pela leitura. Rodas de leitura, oficinas e encontros com autores são momentos esperados pelos alunos, que se encantam e vivenciam momentos “mágicos” proporcionados pelos livros. Além disso, contamos com a Adriana Felicíssimo, que prepara o espaço com carinho e contribui durante a contação de histórias.

Débora Zardi e Priscila Ribeiro Professoras do 2º ano – Ensino Fundamental l“Hoje é sexta-feira, dia de biblioteca!”

Os alunos do 2º ano do Ensino Fundamental I contam nos dedos para esse dia chegar. E não é à toa, pois, nessa ocasião, eles são convidados a conhecer outros mundos... Ouvir histórias proporciona-lhes a oportunidade para desenvolver a imaginação, enriquecer o vocabulário e completar experiências. É por meio da linguagem que o sujeito reconhece os significados de sua cultura, estabelece relações entre as informações e constrói sentido para si e para o mundo. Por isso fazemos desse espaço a extensão da sala de aula.

Maria Cristina P. GodinhoOrientadora Educacional do 2º ano– Ensino Fundamenta l

Receber um profissional para analisar a construção da narrativa do livro Três Sombras, de Cyril Pedrosa, no espaço da biblioteca, favoreceu o reconhecimento desse espaço como um lugar prazeroso e propício para o ensino e para a aprendizagem. Indiretamente, sempre contribui para que o aluno mantenha um vínculo com o espaço, tornando-o um frequentador habitual e cada vez mais autônomo em busca de novas leituras e informações fundamentais em sua formação.

Wanderli da Costa FonsecaOrientadora Educacional do 7º ano –Ensino Fundamental II A

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A importância da consciência fonológicana Educação Infantil

O caminho que uma criança percorre desde o nascimento até a adolescência, rumo

à fase adulta, está relacionado tanto a condições biológicas quanto àquelas proporcionadas

pelo espaço social em que vive.

Durante o seu desenvolvimento, uma criança passa por diversas etapas, e diferentes

aspectos caracterizam as suas relações com o mundo físico e social. O desenvolvimento infantil

não acontece de forma linear. As mudanças ocorrem em períodos contínuos que se sucedem

e se sobrepõem. Em muitos aspectos, a ordem em que sucedem é a mesma para todas as

crianças, porém a idade em que cada uma passa por elas varia.

O conhecimento acerca da estrutura sonora da linguagem desenvolve-se nas

crianças pequenas no contato com a linguagem oral. É na relação com diferentes formas

de expressão oral que esse conhecimento metalinguístico se constrói, ou seja, ainda muito

pequena a criança procura, ativamente, compreender a natureza da linguagem falada à sua

volta e, na tentativa de compreendê-la, formula hipóteses, procura regularidades, submete suas

suposições à verificação e constrói uma gramática própria, que não pode ser considerada uma

simples cópia do modelo adulto, mas uma criação original. As diferentes formas linguísticas

a que cada um é exposto dentro de uma cultura vão desenvolvendo aquilo que chamamos

“consciência fonológica”.

Quando os pais disponibilizam livros e gibis para os filhos brincarem, contam

histórias, ensinam pequenas canções e a fala, propriamente dita, estão favorecendo esse

desenvolvimento.

Antes que possa ter a compreensão do princípio alfabético, a criança precisa

perceber que os sons associados a um conjunto de letras são os mesmos da fala. O domínio do

princípio alfabético e a percepção dos sons devem estar assegurados para que o aluno seja

um bom leitor.

Segundo o especialista Lamprecht Moojen, consciência fonológica é uma habilidade

metalinguística e pode ser definida como a capacidade de operar explicitamente com os

segmentos da palavra falada; é a tomada de consciência das características formais da

linguagem. Essa habilidade compreende dois níveis:

1. a consciência de que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas,

ou seja, a frase pode ser segmentada em palavras; as palavras, em sílabas; e as sílabas, em

fonemas;

2. a consciência de que essas mesmas unidades repetem-se em diferentes palavras

faladas, tendo uma relação direta com a oralidade.

Em linhas mais gerais, é uma habilidade metacognitiva que possibilita à criança

manipular e refletir sobre a estrutura sonora das palavras.

Esse conceito abrange habilidades que vão desde a simples percepção global da

extensão das palavras, e/ou de semelhanças fonológicas entre elas, até a efetiva segmentação

e manipulação de sílabas e fonemas. Existem diferentes níveis, alguns dos quais precedem a

aprendizagem da leitura e da escrita, enquanto outros parecem ser mais um resultado dessa

aprendizagem. Estudos recentes mostram que o desempenho das crianças em “consciência

fonológica” aumenta de acordo com a escolaridade.

Essa habilidade em crianças obedece a padrões operacionais de complexidade,

sendo que a percepção de rimas e segmentação de sentenças em palavras são as tarefas

menos complexas dessa escala; seguido de segmentação de palavras e de adição das sílabas

em palavras. Atividades como análise inicial, subtração de sílabas e emissão de rima requerem

maior competência fonológica, dado o seu maior grau de complexidade. Essa competência

é desenvolvida conforme as crianças experimentam situações lúdicas, como jogos de rima,

cantigas de roda, e também quando são instruídas formalmente por meio de atividades de

alfabetização. O nível da “consciência fonológica” adquirido anteriormente à instrução formal

tem um papel fundamental como facilitador desse processo.

111110

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113112

A estimulação dessa habilidade na Educação Infantil é vital para a aquisição do

código escrito, otimizando o processo de alfabetização, visto que crianças que são estimuladas

com atividades que trabalham essa habilidade apresentam melhor desenvolvimento na leitura

e na escrita.

Na Educação Infantil, as crianças já são capazes de identificar palavras que rimam,

separá-las em sílabas, assim como reconhecer palavras que começam com o mesmo som.

Essas habilidades pertencem a níveis elementares de “consciência fonológica”.

No primeiro nível estão a rima e aliterações.

A rima representa a correspondência fonêmica entre duas palavras a partir da vogal

da sílaba tônica. Por exemplo, para rimar com a palavra SAPATO, a palavra deve terminar em

ATO, pois a palavra é paroxítona; mas, para rimar com CAFÉ, a palavra precisa terminar somente

em É, visto que a palavra é oxítona. A equidade deve ser sonora e não necessariamente

gráfica, ou seja, as palavras OSSO e PESCOÇO rimam, pois o som em que terminam é igual,

independentemente da forma ortográfica.

Já a aliteração, também um recurso poético, como a rima, representa a repetição

do fonema consonantal. Os trava-línguas são um bom exemplo de utilização da aliteração, pois

repetem, no decorrer da frase, várias vezes o mesmo fonema.

Os pesquisadores Goswami e Bryant realizaram estudos a esse respeito e

comprovaram que a habilidade de detectar rima e aliteração é indicadora do progresso na

aquisição da leitura e escrita. Isso ocorre porque a capacidade de perceber semelhanças

sonoras no início ou no final das palavras permite fazer conexões entre os grafemas e os

fonemas que eles representam, ou seja, favorece a generalização dessas relações.

É comum vermos crianças de 4 ou 5 anos brincando com nomes dos colegas em

jogos de rimas. Mesmo sem saber que isso é uma rima, a brincadeira espontânea das crianças

atesta sua “consciência fonológica”.

O segundo nível é a consciência da sílaba, que consiste na capacidade de

segmentar a palavras em unidades denominadas sílabas. Essa habilidade depende da

capacidade de realizar análise e síntese vocabular. Segundo o dicionário Michaelis, “a análise

é a decomposição em elementos constituintes [nesse caso, a sílaba] e a síntese é a operação

mental pela qual se constrói um sistema; agrupamento de fatos particulares em um todo que os

abrange e os resume [no nosso caso, a palavra]”.

Atividades como contar o número de sílabas; dizer qual é a sílaba inicial, medial

ou final de determinada palavra; subtrair uma sílaba das palavras, formando novos vocábulos,

entre outras, favorecem o desenvolvimento da “consciência fonológica”.

O terceiro nível é a consciência de palavras, também chamada de “consciência

sintática”. Representa a capacidade de segmentar a frase em palavras e, além disso, perceber

a relação entre elas e organizá-las numa sequência que tenha sentido. Essa habilidade tem

influência mais precisa na produção de textos, e não no processo inicial de aquisição de escrita.

Ela permite focalizar as palavras enquanto categorias gramaticais e sua posição na frase.

Contar o número de palavras numa frase, explicitando isso verbalmente ou batendo uma palma

para cada palavra, é uma atividade de “consciência de palavras” (ou “consciência sintática”).

Por exemplo: quantas palavras há na frase “Crianças gostam de canções”? Ao responder

corretamente a essa questão ou batendo uma palma para cada palavra, enquanto repete a

frase, a criança demonstra sua “consciência sintática”. Além disso, ordenar corretamente uma

oração ouvida com as palavras desordenadas também é uma capacidade que depende dessa

habilidade.

Outro nível a ser adquirido pela criança é a “consciência fonêmica”, que consiste

na capacidade de analisar os fonemas que compõem a palavra. É no processo de aquisição da

Mas quais são esses níveis?

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leitura e da escrita que esse tipo específico de habilidade passa a se desenvolver. A escrita

de um sistema alfabético, como o português, permite que os indivíduos tomem contato com

as estruturas mínimas da linguagem – os fonemas –, o que não é possível, por exemplo, num

sistema ideográfico (como o japonês).

Dessa forma, percebemos que certo nível de “consciência fonológica” é

imprescindível para a aquisição da leitura e da escrita, ao mesmo tempo que, com o domínio

da escrita, essa habilidade se aprimora. Ou seja, estágios iniciais da “consciência fonológica”

contribuem para o desenvolvimento dos estágios iniciais do processo de leitura, e estes, por sua

vez, contribuem para o desenvolvimento de habilidades mais complexas.

Atividades como dizer quais ou quantos fonemas formam uma palavra; descobrir

qual palavra está sendo dita por outra pessoa, unindo os fonemas por ela emitidos; formar

um novo vocábulo, subtraindo o fonema inicial da palavra (por exemplo, omitindo o fonema

/k/ da palavra CASA, forma-se a palavra ASA), são exemplos em que se utiliza a “consciência

fonêmica”.

A “consciência fonológica” associada ao conhecimento das regras de

correspondência entre grafemas e fonemas permite à criança uma aquisição da escrita com

maior facilidade, uma vez que possibilita a generalização e memorização dessas relações

(som/letra).

Não há dúvida de que o desenvolvimento das habilidades metalinguísticas é um

importante fator para o sucesso da alfabetização e de que a “consciência fonológica” é um dos

fatores fundamentais para a aprendizagem da leitura e da escrita alfabética. O desenvolvimento

dessas habilidades, desde a Educação Infantil, minimiza possíveis dificuldades futuras nessa

aprendizagem.

A Móbile possui um programa estruturado desde o Infantil 2 com jogos e

brincadeiras que estimulam e desenvolvem essas capacidades metafonológicas, pois sabemos

que a aprendizagem da leitura e da escrita é um processo complexo que envolve vários sistemas

e habilidades. Para ler, não basta apenas realizar a decodificação dos símbolos impressos; é

necessário que existam, também, a compreensão e a análise crítica do que se lê. O sucesso na

aquisição da leitura e da escrita depende, entre outros fatores, de um bom nível de “consciência

fonológica” adquirido pela criança desde os primeiros anos de vida.

Maria de Remédios Ferreira Cardoso é diretora da Educação Infantil.

115

Princípios parauma propostade Educação Moral

A reflexão sobre o ensino da moral que aqui nos propomos tem como ponto de partida a pergunta: “Que sujeitos queremos formar?” A resposta

a tal questionamento explicita o objetivo de uma proposta de Educação Moral e determina as ações que devem ser consoantes a esse objetivo.

Iniciaremos então daí... Enquanto agentes mediadores da educação de crianças e adolescentes,

queremos não somente formar sujeitos que sejam gestores da própria aprendizagem. Almejamos, sobretudo, formar sujeitos que sejam autônomos

do ponto de vista moral. E o que isso significa exatamente? Antes de esclarecermos tal conceito, vale, ainda que brevemente,

apresentar a concepção sobre moral e ética que sustenta a nossa definição acerca de um sujeito autônomo do ponto de vista moral.

Segundo o psicólogo da USP Ives de La Taille (2006), a moral é definida pelo modo como devemos agir perante as pessoas com as quais convivemos. Portanto, está relacionada ao dever e às regras, bem como aos valores e aos princípios que as determinam. Em outras palavras, a moral vem responder à pergunta: “O que devo fazer perante o outro?” A ética, por sua vez, vem responder à pergunta: “Como devo viver?” ou “Qual vida vale a pena ser

vivida?”, e nos remete às aspirações, aos projetos de vida, à construção do ser e do conceito que ele tem de si. Enquanto a primeira está diretamente

relacionada à virtude justiça, a segunda está relacionada a virtudes como a generosidade, a fidelidade, a gratidão, a compaixão, a tolerância, a

amizade, o amor. Em suma, a moral ordena, enquanto a ética aconselha.Isso posto, podemos, agora, retomar a questão: “O que significa

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um sujeito autônomo do ponto de vista moral?” Formar esse sujeito autônomo implica formar pessoas que compreendam a importância das

regras para si e para o outro, que as respeitem, critiquem-nas e, quando necessário, as reformulem. Também que sejam capazes de refletir e

assumir as consequências das próprias ações. Acrescentamos, ainda, mais um comportamento importante para que o sujeito dê um passo rumo à autonomia moral: antecipar as consequências dos próprios atos para que seja capaz de fazer as melhores escolhas; escolhas que considerem o outro, o coletivo, pautando-se na moral e na ética. Estamos falando de um sujeito que seja capaz de autogovernar-se. Quantos desafios à educação!

Autonomia – O desenvolvimento moral, segundo Jean Piaget, ocorre em estágios que se iniciam pela anomia, ausência total de regras, sucedendo a

heteronomia, podendo-se chegar à autonomia. Na heteronomia, as regras existem para determinar o que é certo e o que é errado, mas ainda não

são frutos de um consentimento mútuo. Para o sujeito heterônomo, a regra é criada pelos adultos, sendo algo imutável. Elas são seguidas pela

obediência ao adulto, pelo medo de decair perante o olhar das autoridades, por medo da perda do amor ou por medo de um castigo.

O que vai determinar o caminho para a autonomia são as qualidades das relações no meio em que as crianças estão inseridas, bem como o

modo como a moral é ensinada. Então, que aspectos devemos levar em conta quando falamos de uma proposta de ensino moral?

O primeiro deles é o aspecto cognitivo que envolve o saber fazer moral, ou seja, o conhecimento das regras e os princípios que as determinam. Por exemplo, não riscar ou danificar as carteiras tem como princípio garantir o direito de que todos aprendam em um ambiente com materiais de qualidade. Reconhecer os princípios que existem por detrás das regras permite que a criança, aos poucos, generalize comportamentos. Nesse caso, ela perceberá que não é somente a carteira que ela não poderá riscar ou danificar, mas

qualquer objeto ou espaço de uso coletivo. Quando pensamos no ensino do fazer moral, é preciso considerar

a importância da consistência em que as regras são exigidas e a consequência quando elas são desrespeitadas. Um ambiente em que regras

e combinados são aplicados inconsistentemente não contribui para que os sujeitos saibam claramente como devem se comportar. Ainda, diante de

um descumprimento de regra, é papel do adulto definir uma sanção que

tenha uma relação direta com o erro cometido e que deve ser aplicada imediatamente ao erro descoberto. É o que Piaget denominou sanção por

reciprocidade. Continuando no mesmo exemplo, uma sanção possível para um aluno que riscou a carteira em que outro estudará seria a criança limpar

o que sujou, além de fazê-la pensar no princípio que sustenta aquela regra, permitindo que ela generalize o princípio para outros contextos. Piaget faz uma distinção entre a sanção por reciprocidade e a punição. Enquanto a primeira tem relação direta com o erro cometido, contribuindo para que a criança compreenda a importância da regra, e, consequentemente, passe a respeitá-la, a segunda é arbitrária, ou seja, não tem relação alguma com o desrespeito à regra. A punição, diferente da sanção por reciprocidade, alimenta a obediência à regra por temor a punição.

Outro ponto crucial para o ensino do saber fazer moral é a coerência, que envolve dois aspectos: a coerência na aplicação das regras para todos

e a coerência entre o que nós, adultos, falamos e exigimos e o que de fato fazemos. A educação não se dá apenas pela oralidade; as crianças e os

adolescentes aprendem muito por modelos. Propomos uma pausa para uma reflexão individual: no corre-corre da vida moderna, tenho sido um

modelo coerente ou incoerente? Em que situações desconsiderei o coletivo em detrimento do desejo individual?

Até o momento, falamos do papel das sanções por reciprocidade, da consistência e da coerência na aplicação dessas regras, bem como da

importância de trabalhar os princípios que as regem, variáveis estritamente relacionadas ao saber fazer moral. Sob essa perspectiva, os alunos conhecerão bem as regras, entenderão seus princípios e serão capazes de discursar sobre eles. No entanto, ainda assim, esses conhecimentos não se refletirão necessariamente em boas ações. Parafraseando Ives de La Taille, sem dúvida “saber fazer moral” é necessário, mas não é suficiente; é preciso “querer fazer moral”. É necessário incluir em uma proposta de educação moral aspectos afetivos que motivem os sujeitos a querer agir moralmente, validando os aspectos cognitivos já destacados anteriormente. Quais

contextos de aprendizagem contribuem para o despertar do “querer fazer moral” referido pelo psicólogo?

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O respeito heterônomo às regras muda

quando crianças se relacionam e precisam decidir com igualdade

É no desencontro dos interesses pessoais que a escola medeia conversas com pequenos e grandes grupos para que os alunos resolvam conflitos e tomem decisões em assembleias buscando uma convivência harmoniosa e respeitosa. Essas situações educacionais favorecem, e muito, o respeito autônomo às regras acordadas por todos, bem como a descentralização, pois os alunos precisam considerar a opinião e o sentimento do outro. Essas

situações educacionais contribuem para que os estudantes respeitem as regras, e não simplesmente as obedeçam, por compreender a importância

delas para uma maioria. Como afirmou Piaget (1994):“... ao viver e perceber a reciprocidade em suas relações sociais

observam-se uma cooperação progressiva e o surgimento do respeito mútuo. As regras passam a ser respeitadas não porque foram impostas por

uma figura de autoridade, mas porque se mostram como resultado de uma livre decisão das próprias consciências.”

As decisões coletivas traduzem-se em valores de um grupo. Ora, se faço parte desse grupo, necessariamente preciso agir de acordo com os

valores dele; caso contrário, o sentimento de pertença não se desenvolverá. Assim, esse contexto de aprendizagem contribui imensamente para motivar

crianças e adolescentes a agirem moralmente.Quando a escola planeja intencionalmente temas relacionados à

moral e à ética, ela propõe que os alunos discutam sobre o justo, o bem, o admirável. No calor dessas discussões, entre ideias que são construídas, desconstruídas e reconstruídas, os valores dos grupos emergem. Atente-se para o fato de que esse processo é uma construção, não uma imposição do certo e do errado!

Exemplifiquemos a riqueza dessas reflexões por meio da discussão entre os alunos do 1º ano do Ensino Fundamental sobre admiração. Inicialmente,

pequenas narrativas da literatura infantil tornaram-se detonadores para a discussão das ações e relações que envolviam as personagens. Relações

essas recheadas de afeto e... admiração. O objetivo era que nossos pequenos compreendessem esse conceito a fim de, posteriormente,

identificá-lo também em sua relação com o outro. Na etapa seguinte,

em desenhos, os alunos representavam as pessoas que admiravam e justificavam a escolha: “Admiro o João porque, quando um amigo precisa

de ajuda... tipo caiu e se machucou ou não está conseguindo fazer uma lição, ele vai lá e ajuda todo mundo.”; “Eu desenhei minha mãe porque ela é

uma médica que ajuda as pessoas a não sentirem dor.”; “Admiro o Antônio porque, quando ele inventa brincadeiras, convida as pessoas e deixa todo mundo brincar.”

Inevitavelmente, nessas situações, cada aluno acaba voltando-se para si e questionando encobertamente: “Quem sou eu?” Por trás dessa pergunta, desvela-se um posicionamento pessoal perante valores. Afirmar “eu sou tal ou tal coisa” implica apresentar-se como valor, interpretar-se perante valores. Andrea Dias (2002) complementa essa ideia ao afirmar que:

“... Valores colocam em oposição o bem e o mal, o desejável e o indesejável, a construção da identidade necessariamente situa-se nesta

busca de um valor positivo, condição necessária à realização da “vida plena.”

Concluindo, uma proposta sólida de educação moral deve abarcar duas direções que não são de modo algum opostas, mas complementares:

é necessário um trabalho cotidiano com os alunos para que conheçam as regras e entendam os princípios e os valores que as determinam,

contribuindo para a formação Moral. Culturalmente, temos o hábito de reforçar e destacar o errado. A nossa sociedade fala pouco do positivo, do

correto, das ações e valores que devem estar presentes na vida das crianças e dos adolescentes. Propomos um exercício diário para reverter esse contexto, para valorizarmos o positivo, visto o impacto disso na construção de uma personalidade Ética. Acreditem: vale a pena!

Leia mais sobre esse assuntoDIAS, Andréa C. F. Estudo psicológico sobre o lugar das virtudes no universo moral aos 7 anos de idade:as crianças da 1ª série discutem coragem e generosidade. São Paulo. Dissertação de Mestrado defendidano Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2002.LA TAILLE, Y. de. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed, 2006.PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994. (Trabalho originalmente publicado em 1932.)

Tatiana Almendra é vice-diretora do Ensino Fundamental I, Maria de Remédios F. Cardoso é diretora

da Educação Infantil e Wanessa Kelly e Silva Salvatore é coordenadora do 1º ano do Ensino Fundamental.

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Por que músicana escola?

A música é uma manifestação que faz parte das mais antigas tradições do homem.

Há estudos que demonstram que, entre 35 mil e 40 mil anos atrás, os primeiros humanos

modernos da Europa já contavam com a tradição musical bem estabelecida, na qual a música

exercia um papel de grande importância, presente em diversos contextos sociais e culturais.

Na Grécia Antiga, a música tinha como função auxiliar o cidadão a buscar o

equilíbrio da alma e, ao mesmo tempo, produzir um conjunto harmônico de conhecimentos. Para

os gregos, os conceitos de concordância e proporção eram a base de todas as manifestações

intelectuais, éticas e estéticas, e a música, por si só, agregava esses princípios.

É notório que essa linguagem artística continua a se fazer presente na vida humana

até os dias de hoje. Existem diversas pesquisas que, apesar de ainda não serem conclusivas,

apontam para o fato de que o aprendizado musical auxilia no desenvolvimento de outras áreas

do conhecimento humano. Pode-se destacar, por exemplo, a associação entre o aprendizado

musical e o desenvolvimento:

a) do raciocínio lógico-matemático

Na Idade Média, Aritmética, Astronomia, Geometria e Música constituíam as

disciplinas do quadrivium, a divisão mais alta das sete artes liberais, e acreditava-se que, sem

a música, nenhuma disciplina poderia ser perfeita. Além da associação histórica entre as duas

áreas – que se manteve de diferentes formas ao longo do tempo –, é possível observar diversas

relações matemáticas contidas na própria estrutura musical. Por conta da observação desses

fatos, foram realizadas diversas pesquisas que encontraram evidências de que o aprendizado

de música contribui para o aprendizado de matemática.

b) do aprendizado da linguagem

Música e linguagem são duas formas de comunicação humana que envolvem os

sons e que, segundo estudos neurocientíficos, possuem tanto diferenças quanto semelhanças.

Elas compartilham propriedades acústicas, tais como altura, timbre, duração e intensidade, que

são os parâmetros do som. Música e linguagem, sob a ótica da psicologia do desenvolvimento,

são formas de comunicação muito próximas e, na infância, são igualmente importantes. Como

exemplo, pode-se observar que a fala dirigida aos bebês possui diversas características

musicais, tais como: variações de altura (grave e agudo), de ritmo e de intensidade (forte e fraco).

É muito raro uma pessoa adulta dirigir-se a um bebê sem fazer amplo uso dessas variações – o

que não ocorre ao conversar com outro adulto. Esse comportamento, visto de forma natural e

bastante frequente, tem uma explicação científica: estudiosos sugerem que a melodia (com as

variações exemplificadas acima) é a principal mensagem que os bebês entendem, pois para

eles o conteúdo semântico das palavras está em processo de construção.

Além dos fatores mencionados, o aprendizado musical convida o indivíduo a uma

percepção atenta dos sons e suas mais sutis variações. Por conta disso, acredita-se que o

aprendizado de música pode auxiliar também no aprendizado de outras línguas, uma vez que,

tanto para perceber pequenas variações quanto para se ter uma boa pronúncia dos sons, é

necessário permanecer atento às sutilezas sonoras, aspecto amplamente trabalhado pela

educação musical.

c) do desenvolvimento da leitura

Há diversos estudos que sugerem que a percepção musical e o estudo de música

têm estreita relação com o desenvolvimento da leitura e com a consciência fonológica

(a habilidade que o ouvinte tem de segmentar a fala em unidades menores e ainda assim

Quadrivium e triviumNa Idade Média, além do quadrivium, havia

o trivium, constituído pela Gramática, Lógica

e Retórica. Todos os indivíduos considerados ilustres e

respeitados por seus conhecimentos deveriam conhecer

e estudar as sete “artes liberais”.

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reconhecê-las independentemente de variações em altura, tempo, timbre e contexto). Há

estudos tanto teóricos quanto clínicos a respeito do assunto, e ambos encontraram evidências

que confirmam a correlação entre a educação musical e o rendimento de leitura em estudantes

de idades entre 5 e 19 anos. Tais pesquisas sugerem que alunos musicalizados podem aprender

a ler mais depressa.

Deve-se salientar que os estudos

mencionados não são conclusivos e, ainda,

é necessário que a pesquisa nessa área

avance a fim de que se possa determinar

se há efetivamente transferência cognitiva

da educação musical para as áreas do

conhecimento mencionadas, pois, apesar de

as pesquisas preliminares apontarem para

isso, ainda não há evidências concretas e

irrefutáveis a esse respeito.

De toda maneira, embora a

realização de pesquisas que procurem

relacionar o aprendizado musical ao

desenvolvimento cognitivo em outras áreas do

saber seja importante e aponte perspectivas,

ainda mais interessantes para o ensino de

música, faz-se necessário destacar que o

ensino dessa linguagem artística não pode

ser valorizado apenas por seus benefícios

extramusicais, mas pelo valor que possui em

si mesmo.

Como se sabe, a música é uma

forma de comunicação e expressão humana

ancestral, presente em praticamente todos os

povos e culturas do mundo, desde suas mais

antigas tradições. Esse fato por si só atesta

sua importância e sua forte relação com o

que é humano. Fundamentado nele, deve-se

mencionar que, como forma de expressão

utilizada pelas mais diferentes sociedades,

a música traz consigo traços históricos e

culturais das regiões a que pertence, aspectos

valorizados e evidenciados nas aulas dessa

disciplina.

As práticas de educação musical

auxiliam tanto crianças quanto adultos no

desenvolvimento auditivo, motor, cognitivo e

social, aspectos fundamentais para o ser

humano. Tais aspectos são inerentes à forma

como essas práticas ocorrem e podem ser

facilmente percebidos em um trabalho que seja

desenvolvido de maneira sólida e consistente,

pautado em estudo, pesquisa sistemática e

experiência significativa, observando-se

sempre as respostas dos alunos aos estímulos

apresentados, tal como ocorre no trabalho

realizado na Móbile.

A forma como as aulas de Música

ocorrem coloca em jogo questões complexas

do relacionamento humano, que transcendem

a própria música: o acesso a músicas de

diferentes povos e culturas, com suas

formas peculiares de expressão artística, é

propício para que se aprenda e se perceba a

necessidade de respeitar diferentes maneiras

de agir e de ser, bem como as diferentes

culturas. Trabalhando-se com improvisação

musical, entram em cena questões que

são próprias do convívio humano, uma vez

que é fundamental ouvir o outro, analisar,

perceber quando deve ser seu momento de

destaque, bem como também de ceder, de

permitir que o outro tenha seu momento solo.

Em outras palavras, práticas como essas

podem contribuir para que as pessoas se

relacionem de maneira mais colaborativa e

humana ao mesmo tempo que favoreçam

o desenvolvimento das faculdades da

percepção, da atenção, da autodisciplina, da

autocrítica, da criatividade e da comunicação

afetiva.

A música é uma forma autônoma

de conhecimento que tem importância

fundamental na cultura humana, e é

nesse ponto que reside seu maior valor:

na possibilidade de ver e ouvir crianças

cantando, tocando, aprendendo, brincando,

expressando-se, criando e improvisando com

música, pois ela é intrínseca à vida humana e

pertence a todos nós.

A música, tão presente na vida

humana, envolve diferentes dimensões do ser.

Essa linguagem artística deve ser entendida,

então, como uma forma de expressão

integradora de importantes faculdades

humanas, uma vez que ela trabalha com o

sensível e o cognitivo, bem como com a

razão e com a emoção. Ao mesmo tempo, a

presença do corpo, por inteiro por meio de

gestos, danças e da expressão corporal, faz-

se fundamental para que esse processo seja

sentido, experimentado e, sobretudo, vivido em

sua plenitude. Partindo-se dessa concepção

de educação musical, pode-se depreender

que ela exerce um papel de suma importância

na atualidade, sobretudo quando se tem a

noção da necessidade de desenvolvimento

integral do ser humano.

A música pela música

As aulas

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124

BRITO, Teca Alencar de. Material de apoio para introdução do ensino à música em escolas de

língua portuguesa. SESI: 2010.

FONSECA, João Gabriel Marques. Por que educação musical? Disponível em:

http://www.atravez.org.br/ceem_1/educacao_musical.htm

FONTERRADA, Marisa T. O. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação – 2ª ed.

São Paulo: Editora Unesp; Rio de Janeiro: Funarte, 2008.

ILARI, Beatriz. A música e o desenvolvimento da mente no início da vida: investigações, fatos

e mitos. In: Revista Eletrônica de Musicologia. Vol.: IX, 2005.

MÚSICA Paleolítica. Agência FAPESP. São Paulo: FAPESP, 25 jun. 2009. Disponível em:

<http://agencia.fapesp.br/10685>. Acesso em: 25 de julho de 2013.

NASSER, Najat. O Ethos na música grega. Boletim do CPA, Campinas, nº 4, jul./dez. 1997.

Disponível em: http://venus.ifch.unicamp.br/cpa/boletim/boletim04/22nasser.pdf

SARMENTO, Luciana Elena. A escuta na contemporaneidade: uma pesquisa de campo em

educação musical. São Paulo, 2010, 168 f. Dissertação (Mestrado em Educação Musical/

Musicologia/Etnomusicologia) – Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista.

Aprenda mais...

Luciana Elena Sarmento é professora de Música da Educação Infantil, do 1º ano do Ensino

Fundamental e do curso Opcional “Educação musical: canto, corpo e voz”.

125

Avaliação da prática docente: da reflexãoà ação

Quando pensamos numa

escola, não pensamos em uma

construção arquitetônica.

A escola é, sobretudo, um

conjunto de pessoas. E é na

relação entre essas pessoas

que se dá a aprendizagem em

todos os âmbitos: pedagógico,

acadêmico, político-social e

ético.

Diante dos meios

diversificados de busca

de conhecimentos que o

desenvolvimento tecnológico

atual nos proporciona, o papel

do professor transcende o de

transmissor de informações

para seus alunos. Ele é um

mediador da aprendizagem.

Para isso, levanta dúvidas,

questiona, desafia, estimula a

curiosidade e a participação

de seus alunos.

Uma escola que se

propõe a formar cidadãos

conscientes dos efeitos de

suas ações sobre a sociedade

e o meio ambiente, pessoas

com sólida base acadêmica

e capazes de decifrar a

realidade e de posicionar-se

diante dos acontecimentos

de forma crítica, competente,

responsável e construtiva

precisa contar com uma

equipe de educadores que

seja, ao mesmo tempo,

competente para promover as

diversas aprendizagens nos

seus alunos, mas que também

esteja em constante busca de

aperfeiçoamento e ampliação

de seus conhecimentos.

Segundo Prado (2011), para

que o professor cumpra seu

papel com competência,

é necessário que esteja

comprometido “(...) com a

aprendizagem dos alunos e

com os valores da sociedade

democrática, respeitando

a diversidade, não apenas

dominando os conteúdos e

as novas tecnologias, mas,

sobretudo, sabendo adequá-

los a diferentes contextos,

de maneira sistêmica e

interdisciplinar, dominando o

conhecimento pedagógico e

os processos de investigação

de maneira a aperfeiçoar sua

práxis e, por fim, gerenciando

seu próprio desenvolvimento

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profissional, estando sempre

disposto a aprender.”

A escola pode, e deve,

promover o aperfeiçoamento

profissional constante de seus

educadores, e são várias as

ações possíveis para chegar

a isso. Garantir um espaço

para reflexão e avaliação do

próprio desempenho é uma

delas. Como Gadotti (2003)

afirma, “(...) a formação

continuada do professor deve

ser concebida como reflexão,

pesquisa, ação, descoberta,

organização, fundamentação,

revisão e construção

teórica e não como mera

aprendizagem de novas

técnicas, atualização em

novas receitas pedagógicas

ou aprendizagem das últimas

inovações tecnológicas”.

Avaliamos porque partimos do pressuposto

de que o ser humano pode modificar-se e

aprende a aprender. A avaliação tem por

objetivo saber por que um ou outro objetivo não

foi atingido e como fazer para ser alcançado;

visa à identificação clara de necessidades

e fragilidades para estabelecer estratégias

eficazes de superação de dificuldades. É, em

suma, um exercício de descrição e análise

crítica de uma realidade com o objetivo de

transformá-la.

Nesse sentido, a avaliação do professor é

parte de um processo, levando-o a escrever

sua “própria história” e, a partir daí, “gerar

suas próprias alternativas de ação” (SAUL,

2000).

Avaliar, em outras palavras, consiste num

exercício metacognitivo, tornando o educador

espectador de seus próprios modos de pensar

e das estratégias que emprega para resolver

problemas, buscando identificar como

aprimorá-los (DAVIS et al., 2005).

Na Móbile, o processo de pensar sobre

o próprio processo, enquanto desempenha

seu papel de educador, ocorre de forma

contínua e é promovido pela própria escola

por meio dos Parâmetros para a análise da

prática docente. Nesse documento, estão

descritos os comportamentos relacionados ao

conhecimento da disciplina com que o professor

trabalha, ao ambiente de aprendizagem que

proporciona aos seus alunos e a atitudes

profissionais referentes ao cumprimento das

diferentes tarefas que exerce. Por meio de

“rubricas” (descritores), o professor faz sua

autoavaliação e discute com a Coordenação

os aspectos da prática docente já alcançados,

as variáveis que contribuem para que

determinado comportamento ainda não tenha

sido avaliado como totalmente atingido,

as estratégias novas a serem adotadas e

estabelece metas a serem perseguidas.

Os dados obtidos com o preenchimento

do documento, pelo professor, feito em dois

momentos do ano, são comparados, e novas

metas são estabelecidas. Por meio da análise

dos perfis de todos os professores, obtemos

representações gráficas do perfil da equipe

toda. Os dados representados dessa forma

permitem visualizar a equipe como um conjunto

e identificar aspectos que serão tema de

capacitação continuada feita nas assessorias

e reuniões pedagógicas semanais.

Esse trabalho de reflexão e capacitação

continuada faz a diferença. Além de resultar

na maior qualidade do trabalho de formação

dos nossos alunos, proporciona ao professor-

educador crescimento profissional contínuo e

contribui para a reconstrução permanente de

sua identidade pessoal.

DAVIS, C., NUNES, M. M. R. e NUNES, C. A. A.

Metacognição e sucesso escolar: articulando

teoria e prática. Cadernos de Pesquisa, 2005,

vol. 35, nº 125.

GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho:

ensinar e aprender com sentido. São Paulo:

Grubhas, 2003.

PRADO, F. L. Metodologia de projetos.

São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

SAUL, A.M. Avaliação emancipatória: desafio

à teoria e à prática da avaliação e reformulação

de currículo. São Paulo: Cortez, 2000.

Por que avaliamos nosso corpo docente e que tipo de avaliação valorizamos?

Conheça profundamenteesse assunto...

127126

Eliana Mesquiatti Tayano é vice-diretora do Ensino Fundamental I.

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Estudar Matemáticaé perda de tempo:quem acredita nisso?

MatemáticaInfeliz daquele que teve, alguma vez na vida, a excitante experiência de ser ludibriado

nos cálculos por um esperto vendedor. Não existe estatística oficial sobre a questão, mas é

possível inferir que não são poucos os casos de consumidores que percebem, tardiamente,

que foram enganados, propositadamente ou não, no valor da compra ou do troco. A frustração,

nesses casos, é intensa, e a culpa recai sempre sobre duas razões: os parcos conhecimentos

de Matemática do consumidor e, em decorrência disso (aí vem a segunda razão), a diferença

entre as velocidades de processamento dos cálculos que realizam vendedor e comprador.

Operar com valores do sistema monetário faz parte daquela Matemática que todos julgamos

importante para uma vida feliz, ou seja, da Matemática “que serve para alguma coisa”.

O lavrador precisa abrir um poço circular em suas terras a fim de coletar água para suas

necessidades (regar a terra, abastecer cozinha e banheiro, saciar a sede dos animais etc).

Poços desse tipo têm forma final que se assemelha a um cilindro, sólido bastante estudado nas

aulas de Geometria. Em busca de seu objetivo, o lavrador estabelece a “largura” da boca do

poço e pensa no seguinte cálculo da quantidade de terra que precisará extrair:

Alunos aprendem que o volume de um cilindro pode ser calculado pela aplicação de uma

fórmula que envolve a medida do raio da base, a medida da altura e, por fim, o valor do número

II – 3,14 (volume = IIr2.h ). O lavrador não conhece essa fórmula, mas utiliza, na construção de

seu poço, um saber matemático que, provavelmente, tem-se perpetuado, no boca a boca, por

gerações e gerações de lavradores. De fato, o volume de um cilindro calculado por meio da

aplicação da fórmula estudada nas aulas de Matemática pouco difere daquele que pode ser

obtido pela rotina de cálculo conhecida do lavrador. Nesse caso, portanto, o conhecimento

geométrico em questão, isto é, o cálculo da capacidade de um recipiente, pertence ao grupo

da Matemática que “serve para alguma coisa”.

De tempos em tempos, determinada universidade particular anuncia nos veículos de

comunicação uma chamada publicitária sobre a aprovação de seus formandos em Direito no

exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB):

De fato, essa instituição é a que tem o maior número de aprovados no tal exame ou, em

outras palavras: nenhuma universidade aprova, em mesmo ano, tantos alunos quanto ela.

Não há inverdades nesse comunicado, embora ele esconda certo raciocínio falacioso, que

consiste na omissão de que a maioria absoluta dos alunos inscritos no exame da OAB é

oriunda da tal universidade X. E isso não é um detalhe. Muda tudo. Para se ter uma ideia,

vamos considerar que, por exemplo, 1000 alunos realizaram o exame e 500 deles estudaram

na universidade X, e os demais estudaram em alguma das outras cinco instituições de ensino,

igualmente distribuídos entre elas, ou seja, 100 estudantes em cada uma. Se 80 estudantes da

universidade X foram aprovados no exame e 40 de qualquer outra instituição também, temos

certo que 80 é “mais” do que 40, mas precisamos avaliar também que 80 representa em 500

muito menos do que 40 em 100. Assim, proporcionalmente, a universidade X não é a que mais

aprova no exame da OAB. O cálculo proporcional, tão importante para a análise estatística, é,

em nossos tempos, condição necessária para o exercício pleno da cidadania e, portanto, parte

“Multiplicarei a medida da ‘largura’ do poço por ela mesma. Esse valor será multiplicado pela profundidade do poço e, em seguida, deste resultado, subtrairei sua quinta parte.”

“A universidade X é a que mais aprovano exame da OAB.”

˜ ˜ ˜

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integrante da Matemática “que serve para alguma coisa”. Mas, afinal, como viver hoje em dia

sem dominar, minimamente, o cálculo proporcional e as porcentagens?

Qualquer pessoa que reforme um cômodo de sua casa sabe que precisa calcular

a área do piso ou das paredes para comprar a quantidade apropriada de material para

revestimento ou pintura. Na maioria das vezes, a superfície cuja área precisa ser calculada

tem o formato retangular – e todos sabemos que a área de um retângulo é obtida pelo produto

de suas dimensões. O cálculo de áreas de superfícies retangulares, em plantas residenciais,

em terrenos, em piscinas etc. é, portanto, mais um exemplo da Matemática “que serve para

alguma coisa”.

São múltiplas e variadas as aplicações da Matemática a situações de nosso cotidiano,

como o caso do troco, das áreas, dos volumes e das porcentagens. Mas há também, pelo

menos na opinião do cidadão comum, “coisas” da Matemática que não servem para nada

e que, portanto, estudá-las seria pura perda de tempo. Se isso é verdade, por que é que

as ensinamos nas escolas? Por que não nos detemos a ensinar apenas os conceitos que

“servem para alguma coisa” e, no resto do tempo, permitimos aos estudantes dedicarem-se a

atividades de outra ordem, de outras disciplinas?

Embora essa discussão a respeito da utilidade dos conteúdos disciplinares – é bom que se

diga – não seja prerrogativa da Matemática, pois poderíamos questionar também se o modelo

atômico do carbono, os personagens da revolta de Canudos ou o que escreveu Graciliano

Ramos “servem para alguma coisa”, é na Matemática que argumentos contrários à exposição

de determinados conteúdos encontram os mais ferrenhos defensores.

Diante desse quadro, o que fazer com os conteúdos que não encontram aplicações

práticas imediatas, ou seja, com aquilo que alguns dizem “não servir para nada”? Não ensinar?

Diminuir seu espaço nos planejamentos? Ensinar apenas aos alunos interessados? Vamos

refletir um pouco sobre os elementos que nos fazem optar por um ou outro encaminhamento.

Do senso comum, extrai-se, com facilidade, a ideia de que a Matemática ajuda as pessoas

a tornarem-se mais inteligentes (seja lá o que signifique ser mais inteligente nesse caso).

Também facilmente extrai-se a noção de que a Matemática é um campo de conhecimentos

destinado apenas aos “iluminados”, cidadãos privilegiados pela natureza na distribuição da

capacidade neural(!) São essas as principais causas que, se “bem” utilizadas, concretizam-se

em mecanismos de poder de uns sobre os outros, dos “bem dotados” sobre os esquecidos pelo

“deus matemático”. Alguns professores, às vezes, até de forma inconsciente, são experts na

arte de fazer seus alunos sentirem-se diminuídos diante da “grandeza” dos conhecimentos de

seu mestre. Pura balela! Todos somos capazes de aprender e aplicar em situações cotidianas

os conhecimentos matemáticos do grupo “que serve”; todos, todos mesmo, desde que assim

o desejemos. Não se trata, portanto, de crer na inteligência superior daqueles que conhecem

um pouco de Matemática, uma vez que no plano geral de nossas atividades cotidianas somos

todos igualmente munidos dos conhecimentos de que precisamos para nos movimentarmos

para lá e para cá, conversarmos, namorarmos, consumirmos etc. Então, desviemos nosso

olhar do “que serve” para o restante, nem menos nem mais importante.

Nas escolas de nosso tempo, campeia, com vigor, a ideia de que o conhecimento de

algum conceito é construído quando o estudante consegue associar internamente a mais

ampla gama de significados para o conceito, de maneira que possa vê-lo não apenas na

aplicação que detecta de modo direto e simples, mas também nas relações que o conceito

pode apresentar com outros, de outras disciplinas e de outros contextos. A imagem metafórica

para tal elaboração consiste em uma rede na qual os significados conceituais ocupam os

nós, e os fios que fazem as ligações entre os nós são gerados a partir da reflexão realizada

pelo estudante. Nesse quadro, um cidadão é considerado mais hábil intelectualmente quanto

maior for seu poder de refletir e transitar sobre os nós dessa rede infinita, de modo análogo

àquele no qual um usuário navega na Internet pesquisando objetos para a composição de

determinado assunto. Tarefas dessa natureza exigem muito mais do que conhecer temas

de conteúdos “que servem”; exige a capacidade de abstrair da realidade bruta para outro

tipo de realidade, que transita com mais intensidade pelas mentes dos que armazenaram

um arsenal de fatos, imagens e relações durante seu tempo de estudo, na escola ou na vida;

exige caminhar para uma realidade imaginada. Talvez esteja aí, na questão do fortalecimento

da capacidade de realizar abstrações, a maior das contribuições que o ensino acadêmico da

Matemática pode dar a alguém.

Abstrair e imaginar são ações humanas para as quais estamos nos preparando

durante todo o nosso tempo de vida, evoluindo em nossas concepções à medida que

Ser ou não ser útil?

Matemática

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ampliamos a plataforma de conhecimentos de onde alçamos nossos voos. Trata-se, dessa

maneira, de uma relação simples, proporcional na maioria dos casos: mais conhecimentos,

maiores voos.

Em um plano geral, recorremos à Proposta Curricular para a Matemática, proposta

pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, para elucidar que

entre tudo aquilo que estudou, leu, praticou, discutiu, ouviu etc. Especificamente no caso

da Matemática, ao estudá-la, o sujeito realiza uma investigação intelectual que se inicia na

visão e caminha em direção ao pensamento; vai, portanto, do que pode ser percebido ao

que pode ser concebido, como se parafraseasse a própria história da existência humana.

Adaptando livremente a expressão criada pelo escritor irlandês Oscar Wilde: talvez não seja

a Matemática que imita a vida, mas, sim, a vida que imita a Matemática.

Por tudo isso, aquele que estuda apenas o “que serve” de imediato para alguma

coisa pode estar inibindo em si próprio o exercício de algumas das mais importantes

capacidades humanas das quais foi dotado: abstrair, imaginar e criar. Mas não vai nem

perceber. Sorte dele?

Todo e qualquer conhecimento pode ser mais ou menos útil em determinados momentos,

dependendo da capacidade de estabelecer relações de quem o detém. Em vista de

determinada necessidade, de aplicação ou de reflexão, o sujeito aciona sua mente na

busca dos conhecimentos adquiridos e, nesse momento, a resposta virá, mais ou menos,

prontamente dependendo da qualidade das relações conceituais que conseguiu estabelecer

“Todos lidam com números, medidas, formas, operações; todos leem e interpretam textose gráficos, vivenciam relações de ordeme de equivalência; todos argumentam e tiram conclusões válidas a partir de proposições verdadeiras, fazem inferências plausíveisa partir de informações parciais ou incertas. Em outras palavras, a ninguém é permitido dispensar o conhecimento da Matemáticasem abdicar de seu bem mais precioso:a consciência nas ações.”

Walter Spinelli coordena, junto com Glorinha Martini,

o curso de Matemática do Ensino Médio.133132

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Como queremosser reconhecidos nas

redes sociais?A pergunta que intitula este

artigo tem o objetivo de

provocar uma reflexão sobre

a imagem que constituímos

nas redes sociais e o papel

dos adultos na orientação

de comportamentos que

garantam uma coexistência

harmoniosa entre crianças

e adolescentes nesses

contextos digitais.

O que temos observado,

em número considerável,

é uma sequência de

equívocos na condução

das conversas realizadas

nessas redes: expressões

grosseiras, humilhações,

temas inapropriados para a

idade, incapacidade de se

identificar com o outro e de

sentir o que ele sente. Por

meio do registro escrito,

crianças, jovens e mesmo

pais chegam, por vezes, a

travar batalhas verbais que,

ao vivo, não se permitiriam.

Constatamos, por vezes,

uma falta de percepção de

que a linguagem empregada

nos diálogos denuncia a

qualidade das relações

sociais instituídas por eles

no meio virtual. É como se

a distância existente entre

os interlocutores virtuais

inibisse a capacidade crítica

de alguns sobre o valor

que determinados termos

usados para se referir ao

outro detêm: por alguma

razão, desconsideram

que, em nosso léxico,

existam palavras mais

representativas de afeto

e outras de depreciação

e intimidação.

Quando muitas das

mensagens e imagens

postadas no Facebook

e Instagram chegam

à Escola por meio de

alunos ou de pais que

estranham ou desaprovam

alguns comportamentos

apresentados nessas

redes sociais, temos a

oportunidade de retomar

reflexões sobre liberdade,

dignidade, tolerância e

respeito, propostas às

crianças em diversas

atividades escolares,

desde a primeira infância.

Estimular os alunos para

o pensar constante sobre

as responsabilidades

individuais no contexto das

relações humanas sempre

foi uma das metas do projeto

educacional da Móbile e

não seria diferente em uma

época em que educamos

para uma sociedade cada

vez mais tecnológica.

Durante os debates com

os alunos, surgem muitas

questões e dúvidas, como

sites e redes apropriados

para cada faixa etária e o

tempo adequado de uso

do computador; entretanto,

o campo que se mostra

mais vulnerável refere-se

justamente à qualidade

das relações interpessoais

estabelecidas na internet

e ao perfil de exposição a

que se submetem nesse

ambiente. Por vezes,

identificamos, na fala dos

alunos, certa incompreensão

das consequências que

atitudes de constrangimento

moral podem provocar no

outro. Também é comum nos

depararmos com discursos

que, por vezes, banalizam

a gravidade da exposição

precoce a essas situações

de risco. E por que crianças

e adolescentes têm visto

esses comportamentos

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são proibidas para cada

faixa etária. No termo de

adesão ao Facebook e

Instagram há, por exemplo,

a seguinte afirmação:

“Você não deve usar se

for menor de 13 anos.“

Logo, seria esperado que

crianças com faixa etária

inferior a essa idade não

participassem dessas redes

sociais. Mais uma vez, os

adultos tornam-se a peça-

chave para a proteção das

crianças, na medida em

que têm o dever de impedir

que suas crianças fiquem

vulneráveis a ocorrências

cujas circunstâncias ainda

não têm maturidade para

enfrentar.

Os sites a seguir podem

ajudar pais na tarefa de

educar seus filhos para uma

coexistência harmoniosa

entre os usuários das redes

sociais.

Oito motivos para não criar um perfil no Facebook

para as crianças

http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2013/09/oito-

motivos-para-nao-criar-um-facebook-para-uma-crianca.html

Como evitar riscos para as crianças na internet

http://www1.folha.uol.com.br/tec/985773-cuidados-essenciais-

como-evitar-riscos-para-criancas-na-internet.shtml

Internet Segura Br

http://www.internetsegura.br/dicas-jovens-criancas/

Cuidado especial com privacidade protege

crianças na internet

http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2013/09/cuidado-

especial-com-privacidade-protege-criancas-na-internet-veja-

dicas.html

Rede com proteção

http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/rede-

protecao-634939.shtml

10 cuidados importantes na utilização da internet

pelas crianças

https://www.facebook.com/notes/weduc/10-cuidados-

importantes-na-utiliza%C3%A7%C3%A3o-da-internet-pelas-

crian%C3%A7as/10150561715639902

como triviais e corriqueiros?

Talvez porque ainda não

compreendam que as normas

de conduta que balizam

as relações interpessoais

na escola, no trabalho, no

clube, na família e em tantos

outros espaços devam ser

as mesmas no âmbito virtual;

ou talvez porque ainda não

adquiriram a capacidade de

prever as consequências

de suas ações e não

desenvolveram a aptidão de

analisar os contextos sob

diferentes pontos de vista.

Para que esses jovens

tornem-se adultos capazes

de gerenciar conflitos

de forma construtiva,

colaborativa e solidária e

construam uma imagem

positiva e mais valorizada

nos grupos dos quais fazem

parte, as mesmas reflexões

que ocorrem na escola sobre

“Quem sou eu no grupo?,

Como quero ser reconhecido

pelos outros?, Que caminhos

quero trilhar?” devem fazer

parte também da dinâmica

familiar. E como fazer isso?

Crianças e adolescentes

precisam da supervisão

constante dos adultos

para vivenciar os desafios

que o crescimento impõe.

Na Escola, em todos os

espaços físicos, há sempre

um adulto para observar,

supervisionar, mediar os

conflitos que surgem e

propor situações positivas

de aprendizagem social. No

ambiente familiar, o mesmo

deve ocorrer. No momento

em que nós, adultos, nos

distanciamos, deixamos

de orientar, proteger e

promover o desenvolvimento

saudável de nossos filhos

e alunos. É esperado, no

entanto, que eles resistam

às nossas intervenções e

busquem formas alternativas

para se afastarem de nossa

supervisão. E o espaço da

internet tem se mostrado

propício a esse afastamento.

Longe de nossos olhos,

sentem-se aparentemente

mais livres para arriscar;

entretanto, ficam mais

vulneráveis à pressão do

grupo e, paradoxalmente,

com menor liberdade

para fazer boas escolhas.

Nossa ajuda começa,

portanto, no momento em

que assumimos o papel de

limitar e acolher nossas

crianças e adolescentes.

Ao limitar, controlamos os

riscos que eles vivenciam

ao experimentar novas

situações. Ao acolher,

abrimos a possibilidade

de um diálogo que visa à

percepção do outro e à

construção de formas mais

solidárias e seguras de

enfrentar os desafios que

surgem. É imprescindível

para o crescimento saudável

deles que reconheçam, na

figura do adulto, a autoridade

capaz de promover

consciência sobre questões

morais.

Não se trata de proibir a

navegação virtual, mas, sim,

de acompanhar, orientar os

caminhos que se apresentam

e limitar o uso de redes que Cleuza Vilas Boas Bourgogne é diretora pedagógica do Ensino Fundamental.

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p r o d u ç õ e s e m f o c o

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Construindo o presentee revisitando o passado

É papel da escola desenvolver habilidades e competências para que os alunos possam aplicá-

las em seu contexto social. A busca pela formação de cidadãos críticos, criativos e protagonistas

de sua realidade está cada vez mais presente em nossas práticas. Foi com esse objetivo que os

alunos do 3° ano do Ensino Fundamental atuaram como verdadeiros pesquisadores em busca de

informações para descobrir a história de uma instituição tão presente em suas vidas: a Móbile.

Trabalhar com diferentes fontes históricas e fazer conexões entre o passado e o presente

foram os fios condutores de todo o projeto, que teve início com um percurso pelos arredores

da escola até a Rua Pintassilgo. Lá, os alunos conheceram o local onde a Móbile funcionou por

cerca de seis anos e foram instigados a observar as mudanças e permanências no entorno.

Atentaram para o fato de que o terreno onde se localizava a escola ficava ao lado de um córrego

(hoje canalizado), o que favoreceu uma grande enchente ocorrida em 1985, fator que determinou

a mudança da escola para a Rua Araguari.

Após a vivência feita na primeira sede da escola, e com a certeza de que por meio das

relações entre as várias fontes históricas é que o conhecimento sobre o passado vai sendo

interpretado e reconstruído, os alunos, divididos em pequenos grupos, passaram a coletar novas

informações em diferentes fontes de pesquisa.

Ao assistirem ao vídeo comemorativo dos 30 anos da Móbile, as crianças puderam conhecer

a trajetória da escola, que passou de dez a mais de dois mil estudantes em seus 37 anos de

existência. As semelhanças e diferenças em relação aos aspectos físicos foram evidenciadas ao

observarem fotos de diferentes épocas e ao analisarem cada detalhe de maneira minuciosa.

O texto da edição especial de 30 anos da Revista da Móbile foi uma importante fonte de

pesquisa para os alunos, pois nele puderam encontrar relatos de acontecimentos marcantes na

história da escola. As entrevistas realizadas com profissionais que até hoje atuam na Móbile

foram também fundamentais nesse processo porque os alunos tiveram a oportunidade de ouvir

relatos sobre as mudanças e permanências

vivenciadas por pessoas que fazem parte da

história da instituição.

O momento de compartilhar o

conhecimento adquirido pelos grupos

aconteceu com grande entusiasmo e

dedicação. Todos se organizaram, planejaram

e socializaram suas descobertas e registros

para que, coletivamente, cada turma pudesse

construir relatos sobre a história da Móbile,

alterações no espaço físico e em sua

trajetória como instituição escolar.

Com a certeza de que a utilização dos

recursos tecnológicos no âmbito pedagógico

pode contribuir significativamente para uma

aprendizagem eficiente, a turma passou

a trabalhar no produto final do projeto:

transformar relato em uma animação.

O iPad foi a ferramenta escolhida para

viabilizar a produção dessas animações. As

crianças, divididas nos grupos de trabalho,

foram instrumentalizadas para trabalhar

com o aplicativo ShowMe e, em duplas,

contribuíram com a leitura ou com um

desenho representando um trecho do texto

produzido. A dedicação e o envolvimento de

todos foi grande, e o resultado não poderia ter

sido outro: uma animação mais interessante

que a outra!

Ao final do projeto, foi possível consolidar

a ideia de que tornar o aluno produtor do

conhecimento possibilita a construção de

saberes mais significativos.

As animações produzidas pelos alunos

do 3º ano do Ensino Fundamental em 2012

estão disponíveis em um canal do YouTube da

Móbile. O link pode ser acessado por meio do

próprio site da Móbile

http://www.escolamobile.com.br/

projeto-historia-da-mobile/

– ou pelo link do canal Móbile

http://www.youtube.com/user/colegiomobile

Ana Lúcia Ribeiro de Almeida (coordenadora

educacional) coordenou o projeto junto com

as professoras do 3º ano: Adriana Caravieri

Rosa, Lara P. Oliva, Larissa H. Deptula

Pereira, Marina Callil Voos e Julia Sarmento

Sales.

141140

Alunos do 3º ano do Ensino Fundamental investigam história da Móbile.

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Quer saber o queeu fiz na escola?Entre no nosso blog!

O advento da Internet representou, sem dúvida,

uma mudança na realidade tecnológica e na

vida humana. Muito se discute hoje sobre

os chamados “nativos digitais”, “imigrantes

digitais” e sobre como uma nova geração utiliza

o meio virtual com tanta naturalidade quanto

utilizamos qualquer outro eletrodoméstico.

O compartilhamento de informações e as

múltiplas possibilidades de interação foram

os aspectos principais que modificaram as

relações humanas estabelecidas antes do

surgimento da web. Hoje, uma fotografia feita

em qualquer lugar do mundo é transmitida

em segundos a outro lugar. Não só fotos,

mas também notícias, vídeos, pesquisas,

entrevistas, informações, receitas etc. são

retransmitidos instantaneamente.

A Internet inaugurou um novo tempo, que exige

outras maneiras de pensar e de fazer educação.

Quebrando paradigmas, a tecnologia digital

é um instrumento não mais do futuro, mas

do ‘hoje’, e produzir e utilizar coletivamente

conhecimento, serviços e produtos são os

novos desafios das escolas deste século.

Dentre os recursos oferecidos pelo computador

e disponíveis por meio do acesso à Internet, a

equipe do Infantil 3 encontrou uma ferramenta

caracterizada pela ampla participação dos

usuários da rede, o blog.

Surgidos no final dos anos 1990, os blogs

são diários virtuais que permitem o compar-

tilhamento de pensamentos, relatos, imagens

e reflexões pessoais. Esse caráter social do

compartilhamento de informações atende

142

Professoras do Infantil 3 utilizam ferramenta da Internetcomo forma de comunicação com famílias.

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perfeitamente a um anseio por parte dos

pais das crianças, sintetizado nesta questão:

“O que meu filho faz na escola?” Não como um

diário, em que o cotidiano escolar é relatado; o

objetivo da equipe do Infantil 3 com a utilização

desse recurso é partilhar objetivos, descrever

estágios do desenvolvimento e mostrar às

famílias e à comunidade o que fazemos e por

que fazemos.

O Blog do Infantil 3 funciona como um portfólio

virtual voltado à divulgação do trabalho

desenvolvido nessa série. Encontram-se nesse

espaço mais do que descrições da rotina; os

pais são convidados a entender o que existe

por trás de cada atividade e os objetivos

pedagógicos relacionados àquilo que está

sendo realizado pelas crianças.

Para a equipe de professores, alimentar o

blog não é uma tarefa fácil, pois exige um

papel ativo de reflexão sobre a prática que

realiza. O blog incentiva a escrita colaborativa

e o pensamento crítico, além da autoria, da

interatividade e da socialização.

Após um ano da existência e utilização desse

veículo, avaliamos que, além de postagens

relativas às atividades realizadas, poderíamos

enriquecê-lo ainda mais compartilhando com

os pais sugestões de leitura, passeios, jogos

e filmes. Assim, as famílias poderiam envolver

seus filhos nos temas trabalhados de uma

maneira extraescolar.

Realizar atividades fora da escola que

dialogam com o que está sendo aprendido

e desenvolvido dentro dela – como é o caso

do blog – é uma maneira de demonstrar à

criança o valor que a família dá à educação.

Faz com que o conteúdo ensinado ganhe um

caráter afetivo na aproximação e interação

que se desenvolve entre pais, filhos e escola.

As crianças passam a ver que seus pais

compartilham de seu cotidiano escolar e que

se interessam em conhecê-lo.

A educação é uma área dentro da nova

realidade tecnológica em que os weblogs

certamente podem ser utilizados como

ferramenta de comunicação e de troca de

experiências com excelentes resultados. Fica

o nosso convite: acessem e participem dessa

construção:

http://blogdoinfantil3.wordpress.com

Aline Prates Stroeh é coordenadora

pedagógica do Infantil 3.

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Criar com palavras

Acredito que, em sua origem mais remota, as palavras eram muito mais próximas da vida

e de seus acontecimentos do que como as conhecemos hoje. Essa crença, que aproxima

o surgimento da linguagem do nascimento da própria poesia, conduz à imaginação de um

mundo, hoje certamente fictício, em que quase não havia separação concreta entre palavras

e as experiências que essas palavras evocavam; a um mundo povoado por símbolos, anterior

à cisão existente nos signos e anterior às necessidades imediatas da comunicação racional.

Gosto de utilizar, como exemplo, a imagem de um homem primitivo, narrando a seus

companheiros de caverna sua reação ao presenciar um relâmpago atingindo uma grande

árvore e a consequente chama. Tanto para o homem que falava quanto para aqueles que

escutavam, essa narrativa se configurava como uma verdadeira reconstituição do episódio

vivido. A fala, portanto, dava conta não apenas de relatar os fatos, mas, também, de traduzir

os sentimentos de terror e fascinação vivenciados pelo tal homem. As palavras dessa história,

penso, eram poucas, talvez apenas nossas equivalentes a “árvore”, “raio” e “fogo”. Belas e

terríveis, essas palavras formavam um conjunto com muitos significados a um só tempo: a

transformação da vida; a imensidão do mundo e a pequenez do homem; a beleza cruel da dor;

entre tantos outros possíveis. Como em um pequeno, mas extremamente vivo, poema!

A compreensão dessa potência vivencial da linguagem, capaz de manifestar experiências

concretas, é, acredito, essencial para o desenvolvimento da escrita como real instrumento de

criação. É, também, um passo importante na ampliação da sensibilidade e na percepção de

outra possibilidade de se relacionar com o mundo e com os próprios sentimentos.

Em minhas aulas de Criação Literária, até agora, procurei estimular o reconhecimento

da vida existente nas palavras para, depois, buscar a utilização prática e criativa dessa vida.

Tentei demonstrar ser possível a um escritor, ainda que jovem e em formação, entrar em

contato com suas emoções e questões profundas por meio da escrita. E, então, conhecendo-as,

muitas vezes com espanto, traduzi-las e reinventá-las em textos de diferentes gêneros.

Penso que o transcorrer do trabalho, em sala de aula e fora dela, tem sido revelador para

muitos de nós. Em diversos casos, foi possível acompanhar um percurso claro, de descobertas

progressivamente mais intensas e apontamentos de estilo. Nesse sentido, a produção

semanal de exercícios foi fundamental para o estabelecimento de uma relação “orgânica”

com a escrita, e de maior consciência técnica e estrutural.

Atualmente, nos encontramos em um momento intermediário de nosso processo, em que

já podemos ver alguns de seus reflexos, como nas produções que compartilhamos nesta

revista.

S U P L Í C I O Gota que deseja escuridãoD E G L U T I Ç Ã O Ralo que engole gotaE a esconde dentro de si

L I B I D OPoça que espera por descargaT A T ODescarga que toca poça E a alvoroça

Preso dentro de azulejos,Sinto e não sou sentido,

Vejo e não sou visão,Ouço e não sou som,

Tenho a voluptuosidade do nada. Do tudo.

Que mais queres tu, sublime idiota?

E U F O R I A Vapor que se alongaVapor que se contrai

E N C O N T R O Vidro que beija vapor

E o condensa 147146

Alunos do 2º ano do Ensino Médio são pioneiros na participaçãode curso eletivo de Criação Literária e mostram suas incursões na arte das palavras.

Camila Motta

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Ciclos

149148

Então pisou no chão. Mas não era chão, era ele mesmo. E, pé ante pé, caminhou em sua essência, conhecendo-se.

Lembrava do acidente, do vermelho, da dor. Caminhou mais um pouco, assustado mas curioso. Ninguém nunca lhe dissera que o fim estava dentro de nós, que a morte era só uma passagem para o subconsciente.

E como era grande, o subconsciente. Andou por vários minutos, sem achar nada. O mesmo piso de cor indefinida tendendo para o abstrato. Caminhou por mais algum tempo, confuso.

Depois de muito andar, surgiu uma porta. Não estava lá antes, não, tinha certeza.

Teve medo. Escureceu.Assustou-se com o escuro repentino. Raios.Deu um leve sorriso, percebendo seu poder.

Dia.Encarou a porta, indeciso. Segurou na

maçaneta e se surpreendeu com uma pequena imagem que surgiu no metal gelado. Um rosto invertido o encarava de volta, sorrindo espevitadamente. Seu rosto, 40 anos mais jovem, com os cabelos bagunçados e olhos brilhantes o convidava a entrar. Olhou em volta e se imaginou criança, como o fora, um dia. Fora e ainda o era,

dentro daquela maçaneta. Abriu a porta e olhou. Bonito. Conhecido. Seguro. Entrou.

Ele se arrependeu e voltou atrás. O desco-nhecimento infantil o assustou mais do que o nada do subconsciente, pois neste era, pelo menos, ele mesmo. Reconheceu, no garoto que andava alegremente de bicicleta no mundo dentro da porta, acenando para sua mãe ocupada; o mesmo brilho que vira nos olhos da maçaneta. Reconheceu-o como sua velha amiga, a Possibilidade, que se fora para outros olhos, outras vidas, abandonando-o. Estava velho demais para tanta Possibilidade, a amizade dos dois já havia se acabado, muitos anos antes. Pensando bem, estava morto demais para Possibilidades.

Fechou a porta e continuou caminhando, pensando se todos teriam este mesmo destino: presos dentro de um espaço infinito. Andou mais, quem sabe por dias, mas não era possível dizer. O sol se punha quando o homem perdia as esperanças, e surgia de novo quando, lembrando-se de seu poder, sorria e retomava a caminhada ritmada.

Depois de muitos pensamentos, o homem resolveu voltar.

Decidiu que era melhor ficar perto da porta,

caso um dia mudasse de ideia e quisesse voltar para a tela em branco que é a vida de uma criança.

Mas não parou quando encontrou a maçaneta sorridente. Decidiu continuar, ver se era infinito também para o outro lado. Enquanto andava, começou a sentir uma grande vontade de correr. E correu o mais rápido que pôde, sem nunca ficar sem ar. Correu tanto que chegou ao fim do infinito, onde uma forte luz deixava tudo branco.

Ouviu vozes do outro lado da luz. Aproximou-se, com receio, tentando entender o que diziam. O branco era absoluto e queimava a pele. Quanto mais perto ele chegava, mais dor sentia, mas continuava tentando entender do que falavam aquelas vozes.

Quando chegou ao fim, doía tanto que começou a chorar. As vozes, felizes, o acolheram.

Nina Trentin Borghi

Espelho

A imagem me encaraSádica

Se recusa a obedecer,zombando de mim.

Levanto o braço esquerdoEla continua imóvel,

me desafiacom olhos vermelhos

Olhos quentesfervendocomo lava

a imagem derreteescorre viscosa

como tintagoteja

Agora encaro o silêncioa u s ê n c i a

O espelho é inabitadoEstou sozinha

Marina Rovai

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Iluminado

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Matei um porquinho-da-índia! Era domingo, dia da fadiga. Cotidianamente entediante. Nada acontecia na janela, mesmo com o Sol

brilhando. Era deprimente o modo como ninguém saía de casa para aproveitar a luz do dia. Preferiam ficar dentro de suas gaiolas, dormir, comer, e trocar de canal, de forma automática.

Olhando para fora, eu procurava companhia, alguma alma viva para me acompanhar em um passeio para fora da porta da sala. Porém, seria como matar o descanso alheio se eu interrompesse alguma atividade essencialmente domingueira para propor que o tempo fosse gasto ao Sol. Havia, contudo, uma criatura que não recusaria a minha proposta: meu porquinho-da-índia.

Decidi sair, desejando que tanto a minha saúde quando a dele fosse melhorada naquela situação. A minha precisava de uma aliviada no stress e um pouco mais de melanina e vitamina D. Eu estava pálida! A dele não precisava de um bronzeado, seus pelos já eram negros. O que ele precisava, urgentemente, era de atividade. O quão chato deveria ser morar dentro de uma gaiola? Mover-se, comer, beber, dormir, defecar, divertir-se em um espaço limitado, vazio, quieto, no qual o azul do céu e os raios do Sol não chegam... deveria ser pura fadiga. Que dó!

Levei-o então para fora, coloquei-o ao Sol, salvando-o de mais um domingo de tédio. Ele parecia estranhar tudo aquilo, como se estivesse em outro universo. Achei fofo. Subia pelas paredes da gaiola, tentando achar um jeito de escapar para o mundo colorido e novo que apresentei a ele. Que adorável! Seus olhinhos pretos brilhavam, refletindo o brilho solar. Era como se ele estivesse experimentando um ilapso. Nós dois. Plenos.

Hora do almoço, deixei-o lá, livre, aproveitando o fluxo divino da luz. Quando voltei, ele estava parado, fitando o Sol, hipnotizado. Sorri, mas minha felicidade foi interrompida por uma triste constatação: petrificado ele estava, pois havia morrido. Faleceu descobrindo o milagre da luz inalcançável, no céu.

No início senti uma tristeza profunda e avassaladora, consequência da culpa que tinha por tê-lo deixado exposto. Sem dúvida era trágico a morte de tão pura criatura, que compreendia meus domingos de tédio, meu desejo pela liberdade. Chorei por um tempo.

Contudo, conforme os domingos iam passando, percebi que morrem felizes aqueles aos quais o Sol atinge. Felizes os que admiram-se com a brisa, as flores e o dia. Felizes os que sentem o calor da luz, o cheiro do céu e o sabor da grama. Felizes os que aspiram a algo diferente, aspiram à luz. É essa a morte desejada: Solar.

Janela Vazamento

A tesoura em suas mãos rugia. Faminta, devorava a teia vorazmente. Seu corpo cansado, convulsionado, sentava-se à janela, ocupado em recortar a rede. Rede que a separava do mundo, e guardava-a na sombra de uma flor por desabrochar. Suas mãos carregavam um descontrole pulsante. Os olhos ardiam em chamas de lágrimas antigas, guardadas. Fulminava a teia, que a impedia de transpassar, e filtrava a vista. Havia tempo que as mãos sonhavam com tal momento, e que a tesoura suplicava, em seus ouvidos. Finalmente deixara-se seduzir.

Aflita, roía aos poucos cada uma das linhas que se desenhavam à sua frente, e padronizavam a paisagem. Caindo aos recortes, liberava-se a entrada do ar, que perfurava seus pulmões de recém-nascida. Seu corpo inflava-se, crente de que começaria a pairar pelo teto feito balão. O rosto contraíra-se em uma manifestação de prazer, preenchendo-se dessa nova dor trazida pelo ar. Cuspiu por todos os orifícios os moldes e ordens mofados, que empodreciam o corpo. Era esta a rebelião da alma contra a própria carcaça.

Desceu da cadeira para admirar a vista, satisfeita com a nova porta, e com a lufada de vento sem direções que lambeu-lhe os ossos. Largou a tesoura extasiada no parapeito dessa nova aurora, para lavar-se nas impurezas desse novo mundo. E mergulhou.

O céu está azul. Lá fora. Aqui dentro é só isopor, insuficientemente insuportavelmente branco, com 30946 pontinhos pretos, como estrelas toscas. E o relógio tic-tac, tic-tac, que lateja moribundo em meu pulso.

Gotas de tempo não rolam, se arrastam , pelo espaço dos adjuntos adverbiais, complementos nominais, oração su...bor...di...nada ad...je...ti...va e o tic-tac do relógio e os saltos altos e rítmicos da bomba cardíaca dentro de mim.

Lá fora, nuvens brancas formam desenhos no ar, para desmanchá-los em seguida, de forma lenta mas contínua. Como palavras em meu cérebro, lentas e contínuas, que ganham espaço, preenchendo de ecos inexicais o vazio por baixo de meus cabelos pretos, junto ao barulho do relógio, o cleck do pescoço da galinha que comi no almoço, o desmanchar líquido das nuvens, ad...jun....to ad...no....mi...nal, e o grito de angústia em cadeia e segundos escorridos por dentro do crânio e o mendigo na rua, e o zero de ontem e o tic, tum-tum, tac, tic, tum-tum, tac.

E sob esse teto branco é tudo devagar demais e silêncio demais e sinto o coração impulsionar minha garganta, uma bomba apitando freneticamente antes de explodir na monotonia. Meu maior medo é enlouquecer nessa imensidão caótica, insuficiente insuportável.

Ethel Emilio Rudnitzki Marina Sadala Borges Júlia Yen Luiz

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Um novo olhar: o desenho de observação e a ressignificaçãode um mundo

Rabiscos, traços, diversas cores e formas que, muitas vezes, constituem algo aparentemente

indecifrável! Quantos de nós, adultos, já nos deparamos com essas imagens? Desde pequenas,

as crianças observam, atentamente, o mundo em que estão inseridas; nada lhes passa

despercebido. A cada nascer do dia, um novo desafio, uma nova conquista, que passa a ser

expressa intensamente nos mais variados desenhos. Porém, o desenho infantil é mais do que uma

ação exclusivamente motora. Mesmo em sua forma mais “rudimentar”, um simples rabisco é a

expressão de um ser em pleno desenvolvimento.

Diante do importante papel do desenho no processo de desenvolvimento e aprendizagem,

no segundo semestre deste ano, integramos a área de Artes Plásticas à de Conhecimento da

Natureza para trabalhar com o tema “Plantas”. Como parte desse projeto, as crianças passaram

a fazer desenhos de observação, retratando uma série de plantas da escola. Concomitantemente,

escolhemos conhecer a biografia, a obra e o processo criativo da artista Margaret Mee, que

serviu de referência para fundamentar e valorizar situações em que trabalhamos o desenho de

observação.

Diversos especialistas estudam o desenho

infantil e destacam que ele é um dos recursos

utilizados pelas crianças para se inserirem no

universo adulto. Por meio dele, elas podem

deixar sua marca, interferir no mundo. Para

Florence de Mèredieu, o desenho começa

como algo essencialmente lúdico, como os

rabiscos feitos por diversão, mas, à medida

que as crianças se desenvolvem, eles passam

a se tornar mais “sérios”, e o interesse em

representar o real ganha cada vez mais

importância. Nesse contexto, o desenho pode

ser visto como meio de interação social, e uma

relação dialética se estabelece entre a criança

e o meio em que está inserida: “O processo

de socialização transforma depois o desenho

de imaginação em desenho de observação”

(MÈREDIEU: 2006).

Para a artista plástica e estudiosa Edith

Derdyk, a partir de seu desenho, a criança

age e se comunica com o mundo que a cerca.

Ao desenhar algo observado, a criança usa

seus modelos internos para representar o que

deseja. Esses modelos são o modo como a

criança interpreta e representa os elementos

observados. Dessa forma, ela não copia

determinado objeto que lhe seja exposto; ao

desenhar, ela reconstrói o que observou de

forma original e pessoal. Para a especialista, o

desenho é sempre uma interpretação, uma vez

que, ao desenhar, a criança relaciona, simboliza,

significa e atribui novas configurações ao

original: “O desenho traduz uma visão porque

traduz um pensamento, revela um conceito.”

(DERDYK: 1994)

Lowenfeld e Brittain (1977) também

contribuem com seus estudos e destacam

que a arte para a criança é mais do que

um passatempo qualquer, pois ela envolve,

principalmente, a seleção de aspectos do

meio em que a criança vive, com os quais se

identifica e que chamam mais a sua atenção.

152

Crianças do Infantil 4 expressam-se por meio dos desenhos, importantes aliados no processo de desenvolvimento e aprendizagem.

153

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A partir disso, a criança organiza as informações

em um novo e significativo todo, por meio

de seu pensamento. Em outras palavras,

a arte é concebida pelos autores como

(re)interpretação do mundo exterior e não

como cópia ou como uma tarefa simplista. No

ato de desenhar, há um ser humano pensante

que observa, percebe, seleciona e organiza

os aspectos mais importantes sob o seu ponto

de vista. Assim, a arte, para a criança, é

de suma importância porque favorece o seu

desenvolvimento perceptual, emocional, social

e contribui para o desenvolvimento do “eu

criador”.

O desenho na Móbileentre as crianças – No segundo

semestre deste ano, propusemos às crianças

mais um desafio: desenvolver um novo olhar

para um espaço tão conhecido, o pátio. Nosso

objetivo principal foi sensibilizar o olhar das

crianças com o intuito de que elas produzissem

desenhos baseados em suas percepções e

pudessem, por meio deles, observar, descrever

e comparar. Para isso, elas passearam pelo

espaço, antes somente de brincadeiras,

ressignificando-o. Escolheram as plantas que

mais lhe agradaram, observaram suas linhas,

formas, cores, sentiram diferentes texturas

de folhas e flores e perceberam inúmeros

detalhes – antes invisíveis – das plantas

presentes no espaço.

Para o desenvolvimento de todas as etapas

desse projeto, ter o trabalho da artista plástica

Margaret Mee como referência foi muito

importante e significativo. Conhecer a maneira

como Margaret interagiu e se relacionou com

a natureza para retratar a flora amazônica foi

um fator fundamental para o desenvolvimento

de um olhar observador e mais sensível

aos detalhes. Além disso, as crianças se

conscientizaram da importância de respeitar

a natureza, antes mesmo de começarem a

produzir suas próprias obras.

Cada um, a seu modo, a partir de suas

vivências, captou detalhes e registrou no

papel plantas como bananeiras, pitangueiras,

manacás, hibiscos. Plantas que sempre

estiveram presentes, mas que passaram

a ter um sentido diferenciado com o

desenvolvimento do projeto, à medida que as

crianças foram adquirindo uma postura mais

observadora. Assim, com lápis e papel, nossas

crianças se tornaram grandes artistas! Autoras

de obras surpreendentes, reconstruindo o

mundo, ressignificando objetos e descobrindo

a si mesmas como protagonistas de suas

histórias.

154 155

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Andreza Martins de Souza, Caroline Fernandes de Oliveira Santos, Paula Tonglet de Vasconcelos,

Roberta Hellena Bossolani de Vita, Robervania Correia Araújo, Thaís Casagranda Neves

são professoras do Infantil 4 e Flávia Bicudo Duran é coordenadora pedagógica dessa série.

Para formar produtores de textos proficientes e autocríticos

A equipe de correção de textos da Móbile é composta por oito profissionais de Letras e

Jornalismo, com experiências variadas tanto na área de educação quanto na de revisão de

textos. Formados, em sua maioria, pela Universidade de São Paulo, nossos corretores, com

suas diferentes bagagens profissionais e culturais, contribuem para o exercício de diversas

atividades relacionadas à produção textual – correção de textos, elaboração de relatórios

e de material didático, atendimento a alunos em Plantões de Dúvidas e em aulas de Apoio

Pedagógico e realização de Oficinas de Produção de Texto – nos cursos das Humanidades, no

Ensino Fundamental II e no Médio. Dessa forma, nossa atuação não se restringe à correção

diária de textos para os cursos de Língua e Produção de Texto (Ensino Médio) e Português

(Ensino Fundamental); ela ocupa papel fundamental nos cursos de História, Estudos Literários,

Ética e Cidadania e Filosofia.

Por acreditarmos que a redação escolar não é um mero exercício didático, mas uma

ferramenta essencial de expressão para os nossos alunos, temos por norte a observação dos

textos, antes de tudo, como leitores reais, capazes de se entusiasmar ou sofrer estranhamento

diante do que leem. Isso explica, também, por que convidamos dois jornalistas para integrar

nossa equipe. Queríamos, com isso, ampliar nosso olhar sobre as produções textuais,

recusando o mero exercício de “caçar” erros e “enquadrar” os estudantes nas categorias de

“bom” ou “mau” produtor de texto, como é comum na prática de correção de redações em

muitas escolas. Buscamos, ao contrário, entender os desvios como eventos que fazem parte do

processo de aprendizagem das crianças e jovens que estudam na Móbile. Buscamos meios de

Leia mais....

MÈREDIEU, Florence de. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2006.

DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil.

2ª ed. São Paulo: Editora Scipione, 1994.

LOWENFELD, Viktor; BRITTAIN, W. Desenvolvimento da capacidade criadora.

São Paulo: Editora Mestre Jou, 1977.

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intervir nesses problemas de maneira processual. Assim, nunca deixamos de indicar ao aluno

que ele cometeu um erro, mas lhe damos condições para entender por que errou e como seria

possível evitar tal deslize (ver exemplo a seguir).

Ao tomarmos tais preceitos como norteadores de nossa conduta, estamos preocupados

com as exigências em relação à produção de texto na vida adulta e com os parâmetros

adotados nos concursos vestibulares e no Enem. Por isso, desenvolvemos, em conjunto com os

professores de Português, um consistente trabalho com os gêneros textuais mais relevantes,

ao longo dos sete (fundamentais) anos em que acompanhamos os estudantes da Móbile. Desse

modo, intentamos incutir nos jovens a capacidade de comunicarem, por escrito, ideias de forma

clara, organizada e profunda, deixando de lado as abordagens mais generalizantes e tendo

como base os elementos que estruturam notícias, contos, crônicas, cartas argumentativas,

artigos de opinião etc.

Não nos atemos apenas à avaliação dos textos, mas sinalizamos aos alunos os tipos

de erros, adequando os apontamentos aos conhecimentos relativos a cada nível de escolaridade

deles. Nos casos em que os textos serão reescritos para a avaliação definitiva, fazemos

observações sobre possibilidades de melhora, de modo a agregarmos um direcionamento à

nova produção (ver exemplo a seguir).

(Trecho de texto dissertativo-argumentativo de aluno do 3º ano do Ensino Médio, seguido dos respectivos apontamentos feitos por um dos corretores da Escola Móbile. Trata-se de uma produção para o curso de Filosofia segundo a qual o aluno deveria dissertar com base na seguinte pergunta: “É possível afirmar que a liberdade proposta na Modernidade só tornou-se real na pós-modernidade? Utilize a dicotomia razão crítica x razão técnica na construção da sua argumentação.)

(Trecho da 1ª versão de um texto narrativo de aluno do 6º ano do Ensino Fundamental. Trata-se de uma atividade de escrita e reescrita segundo a qual os alunos deveriam criar uma história de herói e vilão.)

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Com base nos apontamentos feitos por nós, o aluno reescreve o texto, apresentando a

segunda versão (ver exemplo a seguir).

Além do trabalho com correção de textos, somos responsáveis, ainda, pela elaboração de

relatórios sobre todas as correções que fazemos. Neles, apontamos pontos de crescimento

apresentados em cada atividade e indicamos aqueles aspectos que precisam ser aprimorados

pelos alunos. Por meio desse tipo de documento, os professores têm condições de avaliar,

inclusive, o alcance do trabalho que realizaram em sala de aula.

Havendo necessidades mais específicas de retomada de determinados aspectos

problemáticos, verificados em determinadas produções feitas pelos alunos (problemas de

coesão e coerência, não domínio do tópico frasal etc.), somos solicitados a elaborar material

didático destinado às Oficinas de Produção Textual, ministradas pela própria equipe de correção

para pequenos grupos. Nesse tipo de aula, reunimo-nos com os estudantes, convocados

anteriormente pelo professor, para discutirmos diversos temas de redação, analisarmos textos

de diferentes gêneros, dependendo do que estão estudando no momento, e procuramos retomar

as técnicas redacionais estudadas durante as aulas regulares de Língua e Produção de Texto ou

Português.

Além das oficinas, também somos responsáveis pelo atendimento de alunos do Ensino

Médio em Plantões de Dúvida e de alunos do Ensino Fundamental II em encontros denominados

Apoio Pedagógico. Para essas atividades, apenas os alunos do Ensino Fundamental são

convocados, enquanto os do Ensino Médio, mais autônomos, podem comparecer a elas sempre

que sentirem necessidade ou quando sugerimos que o façam.

Dessa maneira, organizamos nosso trabalho em conjunto com aquele que é realizado

pelos professores, atentando para o rendimento apresentado pelos alunos e procurando

respaldá-los, a fim de terem as mais diversas oportunidades de discussão dos próprios textos e

de refletirem sobre seu trabalho como escritores. Muito longe de sermos os temidos “fiscais da

língua portuguesa” (!), somos um grupo de profissionais focados em formar leitores e autores

profícuos e conscientes dos mecanismos linguísticos mais adequados para se expressarem por

meio da língua escrita. Tarefa, sabemos, nem sempre fácil, mas certamente gratificante.

Ana Paula Barbosa Tietze coordena os corretores da Móbile, equipe formada por André Luis

Reis Fernandes, Danilo Alves Vasques Pereira, Felipe Figueiredo Chaves, Jorge Luis Teixeira,

Kátia Klassen, Luigi Parrini e Regina Margaret Pereira.

(Nota-se que o aluno fez modificações significativas em seu texto, procurando evitar, por exemplo, a repetição do termo lua negra.)

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#Móbile na Metrópole: o controle social

Início do ano letivo de 2013. Os professores das disciplinas de História, Geografia e Filosofia

articulavam seus cursos para desenvolverem uma trama conceitual que permitisse que os alunos

do 2º ano pudessem pesquisar, refletir e experimentar novos saberes. Ou melhor, sabores.

Mesmo sem ser anunciado oficialmente para os alunos, o Projeto “Móbile na Metrópole: o

controle social” teve como início, além das aulas em si, a apresentação do monólogo Tentativa,

protagonizado pela atriz Tatiana Schunk e dirigido por Henrique Scheafer. A personagem, uma

mulher incomodada com a vida que leva, destila um discurso ácido sobre tudo que a irrita:

“Me irrita quem entra sem pedir licença. Me irrita quem invade meu espaço.[...] Me irrita a

fumaça, me irrita lixo na rua. Me irrita não ficar feliz toda hora, me perceber frustrado, as pessoas

que falam uma coisa e fazem outra sem se dar conta. Me irrita não ser ouvido, não ter chance

de falar, não ser reconhecido, ir a médicos que não te olham na cara. [...] Me irrita gente que tem

justificativa pra tudo, a mentira, gente que só enxerga o próprio umbigo, gente que acha tudo

normal.”

A dureza dessas falas acabou por convidar os estudantes da Móbile a pensar sobre a vida

que levam e sobre a cidade que habitam... Mas, mais do que saber que existem problemas em

uma sociedade e em uma cidade como São Paulo, queríamos que essa compreensão passasse

pela pele desses jovens, e não apenas pela razão. Mais do que saberes novos, queríamos que

os alunos experimentassem sabores novos. Desejávamos que entendessem que a experiência

é algo singular, intransferível, incapaz de ser traduzida por palavras. Nas palavras de um dos

teóricos que embasaram nosso trabalho, o educador espanhol Jorge Larrosa Bondía, em Notas

sobre a experiência e o saber de experiência:

“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa,

não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo,

quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos

aconteça.”

Diante de uma sociedade veloz, de uma relação com a informação como se esta fosse

conhecimento, a técnica sobrepondo a crítica e a vida virtual se expandindo a níveis

inimagináveis, o Projeto de Humanidades do 2º ano tinha como objetivo ampliar o olhar e a

experiência dos alunos por meio de um processo de pesquisa e de um estudo da própria cidade

em que eles vivem.

Em princípio, “viajar” para São Paulo pareceu muito estranho para todos os alunos, para

alguns pais e também para parte dos professores. Pareceu-lhes, em outras palavras, uma

proposta nada sedutora à primeira vista. Foi preciso, então, convencer todos os envolvidos de

que os ganhos pedagógicos seriam significativos, do ponto de vista acadêmico e de formação

pessoal. Ampliados os diálogos com os alunos, detalhando-se mais os roteiros de estudo,

chegamos a uma adesão de 90% dos estudantes do 2º ano. Enfim, lá fomos...

Pioneiro Estudo do Meio do 2º ano do Ensino Médio surpreende ao desafiar os alunos a enfrentar a “dura poesia concreta” de uma metrópole.

163

“Eu não poderia imaginar, por mais que tivéssemos planejado quase tudo, o que

iríamos viver. O prazer de ser surpreendido pela experiência é fantástico. Obrigado a

todos que correram o risco juntos.”Professor Felipe Corazza

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– Os primeiros

passos pela cidade foram

cautelosos, com os alunos

desvelando impressões

prévias e transformando-as,

ou não, em constatação.

Com o passar das horas,

com as primeiras catracas

superadas, alguns quilômetros

percorridos, a relação de afeto

entre os estudantes e a cidade

começou a se estreitar. O que,

em princípio, era apenas uma

relação distante começou a

virar um namoro. Ou melhor,

um flerte que antecede a

‘ficada’ – como eles dizem.

Todos nós fomos ficando mais

à vontade, tendo tranquilidade

para a curiosidade ocupar

nossos olhares. Foram muitos

lugares, muitos roteiros,

muitas pessoas, muitas

surpresas. Dos destinos mais

óbvios, como a Catedral da

Sé, o Teatro Municipal, até

a visita a uma ocupação

promovida pelo Movimento

dos Trabalhadores Sem Teto

e a um centro budista no

bairro da Liberdade, ou a

vivência de uma oficina de

Parkour na Praça Roosevelt,

até a pedalada na ciclovia

da Marginal Pinheiros,

todas essas experiências

nos provocavam e nos

transformavam. Vivemos ali

uma nova situação.

Em um mundo repleto de

informação, como poderíamos

ser surpreendidos por algo

desconhecido? Já lemos

tudo, assistimos a vídeos,

traduzimos instantaneamente

a vida no Google, consultamos

todos os oráculos virtuais.

Existe algo que não saibamos?

Mesmo tendo a possibilidade

de, em dois minutos, acessar

o smartphone? Esperto é o

telefone. Nós precisamos

de um pouco mais. De

mais gente, de mais suor,

de mais sentidos, de mais

contradições, de muito mais

problemas e paixões.

Foram três dias e duas

noites de surpresas. Ficamos

surpresos conosco. Com o

modo como nos tratamos, com

a maneira como cuidamos uns

dos outros pelas ruas, com os

olhares que trocamos. Ficamos

surpresos de perceber que a

vida pode ser mais doce; que

o novo, apesar de assustador,

pode ser inspirador. Falando

em noites, não podemos nos

esquecer de um momento

único: o sarau. (Um dia,

contarão por aí que alunos

da Móbile fizeram o primeiro

Sarau #MobilenaMetropole

na Praça Roosevelt em 2013.

Foi em um teatro chamado

Miniteatro: 160 pessoas

espremidas para compartilhar

instantes, canções, piadas,

danças e poemas. Foram as

duas horas mais partilhadas

que pudemos experimentar.

Das piadas do Enrico até a

sanfona do César, da ópera

do Caio até a dança da

Cássia e do Pascal, vivemos

momentos diferentes. Nós nos

vimos de outras maneiras,

nos percebemos com novos

olhos. Olhos mais gentis,

menos duros, mais dispostos

à vertigem.)

A disposição para o incerto

permitiu que mergulhássemos

em São Paulo, na nossa

cidade, na metrópole de

A cidade

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todos, nativos e estrangeiros.

Reparamos em cada detalhe,

cada pessoa, cada movimento,

na arquitetura, no grafite,

na pichação, reparamos em

cada via pública. O olhar

atento contribuiu para que

os estudantes despertassem

ou aprofundassem questões-

problemas que estavam sendo

criadas e pesquisadas por

eles. O tema ‘O Controle Social’

possibilitou que os alunos

abordassem questões muito

diversas para a construção

de um belo seminário final.

Das “Cores na cidade”, da

“Mídia e o consumo” até o

“Ritual na alimentação do

século XXI” ou os “Enclaves

fortificados na construção de

uma cidade”, foram muitos

os trabalhos que mostraram

autoria, formalização e

pesquisa acadêmica na área

de Humanidades. A equipe

de professores, assim como

o grupo de alunos, ficou

satisfeita com o que todos

construíram.

Construir um projeto de

pesquisa no Ensino Médio, ao

longo de um ano inteiro, é

um privilégio em tempos de

imediatismo. Poder vivenciar

um processo e entender que

o tempo amadurece escolhas

permite ver e rever e possibilita

alguns aprendizados que

não podem facilmente ser

medidos, é constatar que

ainda faz sentido produzir

movimentos diversos dentro

de uma escola. A educação

de nossos jovens, ao contrário

do que o mundo sugere, é para

que eles se tornem cidadãos,

e não consumidores, como

diria nosso “amigo”, o mais

que geógrafo Milton Santos.

Um estudodo meio vivido

A proposta de um trabalho

centrado na experiência

permite que a teoria seja

pensada sob a perspectiva do

vivido de fato. Dessa forma,

os alunos passaram por um

processo de elaboração

do trabalho que permitiu

desenvolver a pesquisa no

seu sentido mais abrangente.

Isso corresponde ao estímulo

e direcionamento do trabalho

oferecido pelo planejamento

de ciclos de pesquisa

envolvendo a práxis teórica

e empírica, alternando

estratégias de leitura e

discussão e possibilidades

de observação do cotidiano,

construindo uma complexa

relação entre o conteúdo

acadêmico escolar e a

busca por uma compreensão

profunda sobre a realidade

em que nos inserimos como

sujeitos críticos e cidadãos.

Mais do que observadores,

buscamos inserir nosso

educando como parte ativa

de seus objetos de estudos.

Ao entender-se como parte

do que é estudado, pretende-

se criar a consciência de que

esse universo que nos cerca é

passível de crítica, e mais, de

transformação.

No transcorrer dos trabalhos,

o tema do “Controle Social”

foi apresentado junto a uma

variedade de textos que

se aproximam das muitas

possibilidades de reflexão

abertas. Partindo do estudo

interdisciplinar sobre a

formação histórica, espacial,

cultural e ideológica que

envolve a cristalização da

sociedade industrial, os

alunos foram convidados a

pensar sobre o modo de vida

que, longe de ser natural, é

produto de determinado modo

de organizar a produção e,

por consequência, social

e política. Profundamente

afetados pela tecnologia e

pelo modelo cosmopolita de

organizar sua visão de mundo,

os alunos foram provocados

a questionar sua própria

inserção como cidadãos. Em

outras palavras: a experiência

e a cidadania revisitadas no

espaço da metrópole.

A teoria proposta pelos

educadores deveria embasar

o olhar dos alunos sobre o

vivido, ressignificando-o

sob a luz da teoria. Após o

estudo realizado na escola

e já com uma questão-

problema previamente

elaborada, partimos para

a experiência do campo.

Vivendo as contradições

e novidades abertas pela

metrópole, os alunos foram,

aos poucos, percebendo o

quanto eles estavam distantes

de um cotidiano urbano que

pensavam conhecer. Essa

constatação instigou ainda

mais o descobrimento de

novas perspectivas teóricas

sobre sua questão inicial.

Recolhemos material, dados,

impressões, conversas e

trocas de conhecimento que

prepararam a nova etapa do

trabalho. Depois de todo o

vivido, os alunos tiveram a

missão de reunir, sintetizar,

organizar e redefinir a pro-

blematização inicialmente

proposta.

Como resultado, todos

apresentaram seminários

nos quais foram elaboradas

possibilidades de encaminha-

mento dos problemas pro-

postos. Os mais variados

temas foram apresentados

(alimentação, urbanismo,

conflitos urbanos, movimentos

sociais, saúde, lazer, entre

outros). Com isso, ampliou-se

o repertório de perspectivas

e olhares sobre a cidade, e

pudemos, todos, confirmar o

quão enriquecedor, tanto do

ponto de vista humano quanto

teórico, demonstrou-se o

processo de pesquisa, estudo

e formulação do trabalho

como um todo.

166

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3Rs: reduzir, reciclar e reutilizar materiais em sala de aula

Hoje, só crescem a discussão ambiental e a conscientização sobre

a necessidade de preservação do meio ambiente. O conceito de

desenvolvimento sustentável vem sendo disseminado desde as últimas

décadas, trazendo a ideia da utilização dos recursos naturais sem

desperdício, de modo a não esgotá-los para as futuras gerações.

O homem, sendo parte integrante desse sistema, deve cuidar dele,

preservá-lo e mantê-lo pensando no futuro. É preciso rever a forma

como estamos lidando com o ambiente. Desmatamento, queimadas,

caça e pesca predatórias, poluição, desperdício de água, resíduos com

destinação final inadequada, entre outros problemas, estão acabando

com a saúde do planeta.

Faz-se necessário que cada um de nós respeite o local onde vive,

reduzindo o consumo, muitas vezes desnecessário, reciclando e

reutilizando os resíduos, bem como modificando comportamentos e

atitudes relacionados aos cuidados com a natureza.

Foram esses e outros questionamentos acerca do meio

ambiente que levaram os alunos do Infantil 5 a pesquisar sobre a

sustentabilidade ambiental. Nosso foco não estava apenas na teoria,

mas na prática. Seria possível transformar lixo em arte? Dar utilidade

àquilo que parecia ser tão desnecessário? Como fazer a separação

do material produzido por nós e, se necessário, descartá-lo de modo

adequado? Essas foram algumas das questões que nos inquietaram.

A resposta veio rapidamente: REDUZIR, RECICLAR, REUTILIZAR. Assim,

as crianças tiveram a oportunidade de vivenciar os “3Rs” por meio dos

estudos que realizaram sobre a “Sustentabilidade Ambiental”.

Nossos alunos observaram a quantidade de lixo que produzem durante

uma semana no ambiente escolar e registraram em um painel todas as

informações coletadas nas pesquisas e em suas constatações.

A preservação do meio ambiente começa com pequenas atitudes

diárias que fazem a diferença, como a reciclagem do lixo. A separação

traz significativas vantagens. Uma delas é a diminuição da quantidade

de dejetos que são depositados nos lixões ou aterros sanitários, bem

como o reaproveitamento de materiais que seriam descartados de

modo equivocado nesses locais e prejudicariam o meio ambiente.

Segundo a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada

pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são recolhidas,

no Brasil, cerca de 250 mil toneladas diárias de lixo, resultado da

169168

Alunos do Infantil 5 participamde projeto sobre preservaçãodo meio ambiente.

“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”

Antoine Lavoisier

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171170

proliferação das indústrias, dos processos de urbanização e da

utilização desenfreada dos recursos naturais. Mais da metade desses

resíduos é jogada, sem qualquer tratamento, a céu aberto. Com isso, o

prejuízo econômico e ambiental torna-se mais acentuado.

Depois dessas investigações iniciais, nossos alunos tiveram uma missão

a cumprir: listar os diferentes destinos do lixo doméstico a partir de

pesquisas realizadas em livros, vídeos e revistas e analisar coletivamente

essas informações. Eles concluíram que o lixo está presente em nosso

meio e identificaram os problemas ambientais causados pelo descarte

inadequado desse material. Por fim, as crianças elencaram diferentes

formas de coleta e destino do lixo, além de entrarem em contato com

informações acerca do período de decomposição de alguns materiais.

Coleta seletiva

Sabe-se que a separação na fonte evita a contaminação dos materiais

reaproveitáveis, aumentando o valor agregado deles e diminuindo os

custos de reciclagem.

Para iniciar um processo de coleta seletiva é preciso avaliar, quantitativa

e qualitativamente, o perfil dos resíduos sólidos gerados em determinada

localidade, a fim de estruturar melhor o processo de coleta.

Com a coleta seletiva, são possíveis a reutilização, a reciclagem, a

compostagem, o aumento do tempo de vida dos aterros sanitários e o

menor impacto ambiental.

Assim, nossos alunos classificaram o lixo pelo tipo e aprenderam

que cada elemento tem determinado descarte (em uma lixeira de

cor específica que segue um padrão mundial). Com propriedade, as

crianças separaram o material orgânico que era acondicionado em uma

composteira confeccionada por elas.

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173172

O que é reciclável?

As crianças aprenderam que é reciclável todo resíduo descartado

que constitui interesse de transformação de partes ou seu todo. Esses

materiais poderão retornar à cadeia produtiva para virar o mesmo

produto ou produtos diferentes dos originais.

Ao longo do projeto, as crianças aprenderam sobre o uso adequado e

a maneira de renovação de certas matérias-primas e compreenderam

que a maioria do lixo produzido pelas pessoas pode ser reciclada ou

reutilizada. Identificaram e selecionaram, ainda, quais os materiais

podem ser reciclados ou reaproveitados.

A reutilização também é uma forma de redução, pois os produtos

permanecem mais tempo em uso antes de serem descartados, evitando-

se desperdícios e gerando menor consumo. Reaproveitar objetos

ou embalagens sem que eles sofram qualquer tipo de alteração ou

processamento complexo (só passam, por exemplo, por limpeza) é

uma das formas de dar nova utilidade àquilo que seria descartado.

Existem inúmeras formas de reutilização, dependendo da criatividade

do gerador.

A mudança de atitudes e a formação de novos hábitos com relação

à utilização dos recursos naturais foram evidentes nesses grupos do

Infantil 5 e, para registrar que é possível mudar hábitos e transformar

lixo em arte, nossos alunos socializaram conhecimentos adquiridos

sobre o reaproveitamento de materiais descartados e montaram,

ao final do projeto, uma exposição produzida a partir de materiais

reaproveitados (brinquedos, jogos, instrumentos musicais etc.) na sala

de Artes Cênicas da Educação Infantil.

Os visitantes tiveram a oportunidade de apreciar a exposição e pensar

sobre o papel de cada um na relação com o meio ambiente.

Professoras do Infantil 5: Ana Christina Calderelli Nebó, Fernanda

Campanhã Rodolfo, Lilian Henne Éboli, Monica Ferreira Alves

Conte, Paula Fernanda Parra de Oliveira, Renata Santana Maltempi.

Orientadora Pedagógica: Andréa Gonçalves de Oliveira Assumpção.

Copos descartáveis,sacolas e sacosplásticos, CDs,disquetes, embalagensplásticas, embalagenstipo PET, canos e tubosplásticos em geral.

Jornais e revistas,caixas em geral,aparas de papel,fotocópias,envelopes, cartazesvelhos, papel de fax,embalagens tipolonga vida.

Tampinha de garrafa,latas de óleo, leite em pó e conservas, latas de refrigerante,alumínio, embalagensmetálicas decongelados.

Recipientese frascos emgeral, garrafas de bebidas, copos, potes de produtos alimentícios, cacos.

Restos de comida,papel higiênico,lenços de papel,guardanapos,absorventes.

“A responsabilidade social e a preservação ambiental significam um

compromisso com a vida.”João Bosco da Silva

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A exploraçãode temas globaisnas aulas de Inglês

Quais os problemas ambientais que enfrentamos hoje? O que podemos fazer para conservar

e proteger nosso planeta? Questões como essas têm despertado grande interesse nas aulas de

Inglês, quando os alunos do 4º ano do Ensino Fundamental se deparam com um desafio: usar

a língua inglesa para discutir assuntos relacionados à sustentabilidade, incorporando novos

conhecimentos linguísticos, e desenvolver suas próprias “dicas ecológicas”, para produzir vídeos

com imagens e mensagens sobre temas ambientais.

Com o objetivo de proporcionar uma aprendizagem significativa e contextualizada da língua

inglesa, o projeto Going Green parte de conhecimentos prévios dos alunos, apresentando ao

longo de suas diversas etapas oportunidades para a ampliação do repertório linguístico, o

desenvolvimento do senso crítico e a construção de novos saberes. Tomando o conhecimento

da língua estrangeira como uma ferramenta de compreensão, reflexão e intervenção sobre a

realidade que nos cerca, lançamos mão de questões problematizadoras para que os alunos

assumam uma postura questionadora e ativa diante de seu próprio aprender.

Segundo os educadores espanhóis Fernando Hernández e Montserrat Ventura (1998),

projetos “geram um alto grau de autoconsciência e significatividade nos alunos, com respeito

à sua própria aprendizagem”. Motivados pela possibilidade de autoria de seus Going Green

videos, os alunos buscam a aquisição dos recursos linguísticos necessários para expressar

suas opiniões, discutem, elencam com seus parceiros as ideias mais relevantes e interagem em

situações comunicativas, em que o uso do idioma se dá de maneira autêntica.

Para formular suas teses, Hernández e Montserrat baseiam-se nas ideias de John Dewey,

filósofo e pedagogo norte-americano, que defendia a relação da vida com a sociedade, dos

meios com os fins e da teoria com a prática. Os teóricos espanhóis defendem que os projetos são

uma forma de organizar a atividade de ensino e aprendizagem ou os conhecimentos escolares.

Ao revisitarmos, nas aulas de Inglês, alguns temas explorados anteriormente como conteúdos de

ciências, repensamos hábitos, discutimos causas e efeitos, problemas e soluções, expandindo os

limites de nossa sala de aula.

Desafiados cognitivamente quando expostos a materiais e recursos diversos, como o livro

The Earth Book, canções, vídeos de campanhas ecológicas e apresentações com informações

sobre questões específicas, os alunos têm a chance de lidar com diferentes fontes de informação

e com a ferramenta tecnológica Windows Movie Maker. O contato com recursos tecnológicos

de comunicação e a autoria são também objetivos do projeto, que visa garantir não apenas

a compreensão de conteúdos linguísticos, mas também o uso prazeroso e autêntico dos

conhecimentos e das habilidades em desenvolvimento.

174

Projeto Going Green: a integração de linguagens e recursos pedagógicos e tecnológicos para uma aprendizagem significativa da língua inglesa.

In the end we will conserve only what we love. We will love only what we understand. We will understand only what we are taught.

Baba Dioum, Senegalese Conservationist175

As etapas do projeto

O ciclo de aprendizagem que denominamos

Going Green tem como atividade disparadora a

leitura compartilhada da obra The Earth Book, de

Todd Parr. Trata-se de um texto acessível, divertido e

leve, que permite diferentes níveis de interpretação,

dependendo da idade e da maturidade do leitor.

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Partimos da apreciação do texto e das ilustrações (apresentados, também, em formato de um

vídeo em que o próprio Parr faz sua leitura em voz alta). Depois, exploramos as novas palavras

e frases que compõem a obra. Ao compreendermos e registrarmos esses novos conteúdos

linguísticos, construímos um repertório de Green Tips e levantamos as ideias que podem ser

empregadas nos vídeos a serem produzidos posteriormente pelos alunos.

O trabalho com o texto de Todd Parr nos traz como desafio o aprofundamento da leitura,

por meio da inferência e da discussão de significados implícitos. Expressando-se em inglês de

maneira simples, com palavras e frases curtas, associadas, os alunos são capazes de contribuir

para a construção de relações entre ações, fenômenos e consequências, “explicando” o que o

autor quis dizer com imagens e palavras aparentemente simples.

Continuamos, então, a discussão dos problemas ambientais com perguntas mais específicas,

tais como: “O que é Global Warming?”; “Por que reciclar?”; “Como reduzir a poluição do ar?”,

entre outras. Esses assuntos são desenvolvidos em inglês com a participação ativa dos alunos

durante apresentações de slides, vídeos, canções e atividades orais e escritas de consolidação

dos novos conteúdos. Um exemplo de uma atividade que tem despertado bastante o interesse dos

alunos, entre outras, é o questionário intitulado “Are you a Green Kid?”, que propõe a reavaliação

dos hábitos dos alunos a partir de perguntas e respostas pessoais.

Quando convidamos os alunos a pensar

sobre os conceitos tratados, questionando as

informações apresentadas, notamos que as

ideias podem ser elaboradas coletivamente,

em inglês, com contribuições de vários

colegas, e que os conceitos e opiniões

se transformam à medida que os alunos

interagem.

176 177If I use both sides of the paper,

I’ll help save the planet.

We don’t cut a lot of trees if we

use both sides of the paper.

Yes! Protect the forests, the

habitats, and save the animals.

Teacher

Students

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What can we do to reduce air

pollution? Is it better to use the

car or the bus?

The car is better. With the bus…

more pollution…

And the buses in São Paulo have

natural gas.But the bus takes more people!

Teacher

Students

178 179Uma vez percorrido esse caminho de construção dos conhecimentos e desenvolvimento das

ideias, passamos então à etapa de produção do projeto, em que os novos recursos linguísticos e

os conceitos trabalhados podem então ser aplicados.

Em pequenos grupos, os alunos discutem um tema (por exemplo, Global Warming, Endangered

Animals, Recycling, Green Tips, entre outros) e selecionam algumas ideias ou mensagens que

gostariam de incluir em seus vídeos, usando as fichas de trabalho, o livro The Earth Book e outros

registros de aula como referência. Nesse momento, muitos alunos se dão conta de mais coisas

que gostariam de aprender, e perguntas interessantes surgem dessa necessidade de conhecer

mais palavras ou expressões. Há, também, uma preocupação com a qualidade de um trabalho

que será publicado, o que faz com que a devolutiva da professora sobre os textos produzidos seja

recebida com muita atenção.

No laboratório de Informática, chegamos, então, ao momento mais divertido de todo o

processo: quando os alunos interagem com seus pares para selecionar as imagens e utilizar

a ferramenta Windows Movie Maker. É dessa maneira que cada grupo compõe seu vídeo,

acrescentando legendas, créditos, trilha sonora e efeitos especiais à sequência de fotos

inseridas.

Finalmente, a apreciação dos vídeos em classe e a publicação deles no site da escola

parecem validar ainda mais a experiência, pois propiciam a troca de opiniões e a valorização de

todo o trabalho desenvolvido.

Ganhos e resultados alcançados com o projeto

O produto final do projeto Going Green consiste

em um conjunto de imagens com legendas em

inglês e música que comunicam as ideias de cada

grupo, como registro desse envolvente processo

de aprendizagem. No entanto, acima de tudo, o

que resulta de todo esse ciclo de atividades é a

possibilidade de uso do inglês para explorar um tema

amplo, relacionado à vida real e ao conhecimento

de mundo dos alunos.

A leitura de uma obra literária na língua em

que foi criada originalmente e o acesso aos demais

materiais autênticos que utilizamos em classe,

como vídeos e canções, trazem para a sala de aula

o inglês usado em contexto significativo, ampliando

o repertório da língua com palavras e frases sempre

associadas a imagens e situações relacionadas

às questões ambientais. Outrossim, durante todo

esse processo de aprendizagem, os alunos são

convidados a usar seus novos conhecimentos

linguísticos para expressar opiniões e pensar sobre

as questões ambientais discutidas, apropriando-se

dos conteúdos de maneira pessoal.

Outra conquista dos alunos ao final do projeto

é a familiaridade com o uso da ferramenta de

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180

produção de vídeo, novidade para a grande maioria

dos alunos de 4º ano do Ensino Fundamental.

Essa habilidade adquirida com o projeto pode ser

transferida a outras situações de aprendizagem, ou

até mesmo a contextos pessoais, fora da escola.

Com a integração de diversos saberes e

habilidades aos conteúdos linguísticos, o projeto

Going Green tem se mostrado uma valiosa

experiência de aprendizagem. Com seus múltiplos

objetivos e recursos, o projeto traz avanços em

termos linguísticos, ao mesmo tempo que dá

aos alunos a oportunidade de usar o inglês e

a tecnologia como ferramentas para explorar e

produzir conteúdos e expressar suas ideias de

maneira ativa, participando intensamente de seu

processo de aprendizagem.

Para conhecer o Projeto Going Green, visite

http://www.escolamobile.com.br/going-green-2012.

Para aprofundar seus conhecimentos...

Project Based Learning | BIE - www.bie.org/‎

THOMAS, J.W. (1998). Project-based learning:

Overview (Ensino com abordagem de projeto:

visão geral). Novato, Califórnia: Instituto Buck para

Educação.

HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do

currículo por projetos de trabalho: o conhecimento

é um caleidoscópio. Trad. J. H. Rodrigues. Porto

Alegre: Artmed, 1998.

Marcia Bernhard de Souza

e Lilian Fraga Tobias são

professoras de Inglês

do Ensino Fundamental I.

Mistério, suspensee terror

Mistério, suspense... o sobrenatural; quem nunca se deparou com esses temas ao assistir a

um filme, ouvir uma história, canção ou ler um livro? Esses elementos, comuns ao gênero literário

gótico, sempre despertaram o fascínio e o interesse das pessoas na busca da superação do

medo do desconhecido e de uma experiência prazerosa. Foi esse interesse, comum a tantas

pessoas, que motivou a equipe de Inglês do Ensino Fundamental II a escolher como material

paradidático para os alunos dos cursos Basic 7 e Basic 8, de 8°e 9° ano, os contos de terror

escritos pelo norte-americano Edgar Allan Poe. Esse material contribuiu para enriquecer o

repertório cultural dos alunos a partir de discussões sobre a importância da literatura gótica e

das narrativas fantásticas.

A literatura gótica surgiu no século XVII, na Inglaterra, com a publicação da obra The Castel

of Otranto (O castelo de Otranto), do romancista inglês Horace Walpole, escrito em 1764. O

gótico apresenta como recursos recorrentes a fantasia e o terror, manifestados por meio de

cenários sombrios, de sentimentos ambíguos e do sobrenatural. Esses elementos servem para

que o leitor questione a chamada realidade, além de suscitar horror e fascínio ao mesmo tempo.

Os romances produzidos no oitocentismo inauguraram um gênero que influencia a literatura até

os dias de hoje.

Alunos de 8º e 9º ano do Ensino Fundamental descobrem o universo da literatura góticae dos contos fantásticos nas aulas de Inglês

“Words have no power to impress the mind without the exquisite horror of their reality.” (Trad.: As palavras não têm o poder de impressionar a mente sem o extraordinário horror de sua realidade.)

Edgar Allan Poe

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A literatura gótica foi importante para o surgimento do gênero conto fantástico, narrativa que

explora a oposição entre o real e o fantástico. No conto fantástico, os elementos da literatura

gótica se fundem com os da narrativa fantástica, fazendo com que o leitor entre em contato com

o universo fantástico sem perder, em nenhum momento sequer, a noção da realidade. Por não

perdê-la é que lhe causa surpresa o acontecimento estranho, fora do comum ou aparentemente

sobrenatural que, de repente, parece desmentir a solidez do mundo real até então descrito no

conto. Esse momento de surpresa e de perplexidade é foco da literatura fantástica. Um dos

teóricos mais importantes da história da literatura, Tzetan Todorov, define conto fantástico como

uma dúvida insolúvel entre uma explicação natural e uma outra sobrenatural para os estranhos

fatos narrados.

Todos esses elementos, comuns à literatura gótica e aos contos fantásticos, estão presentes

na obra de Edgar Allan Poe, autor que contribuiu enormemente para a literatura com a introdução

de elementos de terror na produção escrita de sua época. Poe é figura de suma importância para

a criação de um novo fazer literário e para o respeito que esse tipo de literatura alcançou junto

ao público e à crítica especializada.

O universo intrigante e sombrio da literatura de Poe, bem como sua biografia e o contexto

de produção de sua obra, foi apresentado aos alunos como parte dos conteúdos que os

instrumentalizaram a fazer uma análise crítica dos contos lidos. Nesse contexto, a língua inglesa

foi utilizada como ferramenta para que as análises pudessem proporcionar novos conhecimentos

e novas perspectivas culturais.

Os aspectos linguísticos e linguístico-discursivos trabalhados pelos professores, tais como

a seleção vocabular, os implícitos presentes nos textos, a relação dos fatos ocorridos nos

contos com passagens da vida do autor, os tipos de comparação, seja por equivalência ou por

diferenciação, e os conectivos utilizados para tal (“tanto quanto”, “assim como”, “do mesmo

modo” etc.) levaram os alunos a assumir uma postura ativa ante a construção de sentido dos

textos literários, conscientizando-se de sua posição como leitores, participantes ativos na

formação discursiva estabelecida com o autor do texto.

182

9CD - Edgar Allan Poe -

Mirella and Marina

Edgar Allan Poe was born in

Boston, in 1809. Two years

after his birth, Elizabeth, his

mother, died. Some time later,

Edgar’s father left home and

abandoned his two sons and

a daughter. After that, Francis

and John Allan adopted him.

He started studying and in

1827 he published his first

book. The more people die, the

more he writes stories. What

may be happening? Do you

think all these horrible things

happened just in his life? Take

a look at some of his stories.

Trecho do blog

Edgar Allan Poe Project

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184 185

O projeto se iniciou com os alunos ouvindo

a canção “Hotel California” (1976), de Don

Felder, Don Henley e Glenn Frey, porque

ela dialoga com os elementos fantásticos da

literatura gótica. Nosso objetivo foi aguçar a

curiosidade dos alunos e refletir sobre o que

há por trás dos versos herméticos, misteriosos

e intrigantes da canção. Tal apreciação

ofereceu recursos para os alunos fazerem a

primeira análise dos contos que estariam por

vir. Eles aprenderam, nessa primeira atividade,

a importância de explorar o vocabulário de

uma letra de canção.

Antes de dar início à leitura dos contos, os

alunos participaram de uma palestra, em língua

inglesa, que discorreu sobre a vida de Poe,

abordando não só momentos relevantes de sua

biografia, como também aspectos importantes

do contexto histórico romântico. Nessa

palestra, estabeleceu-se um paralelo entre as

produções do autor e as possíveis releituras

contemporâneas de suas obras, presentes

em desenhos, seriados, filmes, artes plásticas

e em canções. A relação da obra literária de

Poe com outras formas de arte presentes na

contemporaneidade foi importante para que

os alunos se interessassem mais pelo autor

e percebessem a permanência, em maior ou

menor grau, dos textos que seriam lidos.

Durante a leitura e análise dos contos,

uma das discussões trazidas pelos

professores consistiu na comparação entre

histórias de terror e de suspense. Há muita

controvérsia na definição desses gêneros,

especialmente quando o fantástico ou até

mesmo o sobrenatural aparecem. Para tornar

a discussão mais significativa para os alunos,

escolhemos ilustrar a conversa, de maneira

lúdica, com trechos do longa-metragem

norte-americano O Sexto Sentido, de M. Night

Shyamalan. Ao assistir ao material selecionado,

os estudantes identificaram e analisaram

características comuns aos contos de terror,

presentes nas cenas da obra de Shyamalan,

e foram convidados a classificá-la como um

filme de terror ou de suspense. Com base

em discussões em sala de aula e articulando

todo o conhecimento prévio adquirido acerca

do tema, os alunos concluíram tratar-se de

um filme de suspense, pela mobilização, no

espectador, de sentimentos de incerteza e de

tensão psicológica, numa narrativa enigmática

que adia ou prolonga a resolução de uma

situação apresentada.

Em seguida, foi lido um conto por semana

e as discussões ocorreram em sala. Ao ler as

narrativas curtas, os alunos deveriam realizar

alguns procedimentos e registrá-los no plano

de estudos:

- selecionar fatos marcantes do conto lido;

- relacionar os fatos aos personagens;

- relacionar fatos da história lida com

passagens da vida do autor;

- identificar e listar vocabulário que

caracterize a história de terror.

Etapas do projeto

“Then she lit up a candle and she showed me the way.There were voices down the corridor.I thought I heard them sayWelcome to the Hotel California.” (Versos da canção “Hotel California”, de Don Felder, Don Henleye Glenn Frey. Trad: “Então ela acendeu uma vela e me mostrou o caminho. / Havia vozes no corredor / e acho que eu as ouvi dizer /bem-vindo ao Hotel California.)”

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186 187

Um trabalho como esse exige grande

organização e cooperação dos envolvidos. Por

isso, as discussões aconteceram coletivamente

(o compartilhamento das opiniões contribui

para a análise literária). O trabalho coletivo

também tem como objetivo proporcionar aos

envolvidos possibilidades de crescimento nas

relações interpessoais, uma vez que elementos

como tolerância, respeito às diferenças e

negociação permearam o trajeto dos alunos.

Dessa maneira, é importante que as regras de

convivência e respeito sejam retomadas para

um bom aproveitamento de todos.

Em 2012, a produção final culminou em

uma sessão de “contação” de histórias (com a

sala devidamente escura e com lanternas). Os

alunos também foram convidados a escrever

um novo final para a história escolhida ou um

início de um conto de terror. Já em 2013, a

produção final foi um blog, e os alunos tiveram

como objetivo instigar as pessoas a ler os

textos de Poe por meio da disponibilização

de “aperitivos” sobre as histórias. Os alunos

utilizaram elementos de terror dos contos nas

suas produções, selecionando cuidadosamente

um vocabulário que deveria “convidar” o leitor

a se aventurar nesse universo sombrio.

Avaliando esse projeto, vemos que, com

uma leitura mediada pelo professor em sala

de aula, o estudante pode desenvolver um

alto grau de criticidade e estratégias mais

elaboradas e eficientes para a leitura e

interpretação de textos em língua estrangeira,

sejam eles literários ou referenciais. Esse

processo confere ao estudante um arranjo

inestimável de possibilidades de ampliação

do conhecimento de mundo, construindo

uma identidade cultural e uma mentalidade

intercultural. É assim que gostamos de ensinar

língua estrangeira: concebendo-a como

ferramenta de comunicação entre os povos e

promoção da interação com outras culturas.

Paulo Rogerio Rodrigues é coordenador

do curso opcional Inglês Móbile; Elaine

Cristina Miguel é professora de Inglês do

Ensino Fundamental II.

Para saber mais…

BOTTING, Fred. Gothic. London: Routledge, 1996.

LAZAR, Gillian. Literature and Language Teaching: a guide for Teachers and Trainers. Cambridge:

Cambridge University Press, 2005.

MELLO, Camila. Literatura gótica e cinema: narrativas sobre famílias. Todas as Musas, Ano 2, n. 2,

Janeiro-Junho 2011.

MENON, Mauricio. Figurações do Gótico e de seus desmembramentos na literatura Brasileira de 1834 a

1932. Londrina, 2007.

POE. Edgar Allan. The complete illustrated works of Edgar Allan Poe. London: ChancelorPress: 1996.

POE. Edgar Allan. Histórias fantásticas. São Paulo: Ática, 1996. p.-3-4.

POE, Edgar Allan. Historias extraordinárias. Ilustrações Poly Bernatene [tradução Antônio Carlos Vilela].

São Paulo: Melhoramentos, 2010.

YAMAKAWA, Ibrahin. Ensino de língua inglesa: o papel do texto literário na formação do leitor.

Para conhecer mais sobre o trabalho com a obra de Edgar Allan Poe:

Blog feito pelos alunos:

http://poeproject2013.blogspot.com.br

Revista Nova Escola:

http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-2/literatura-ingles-contos-edgar-allan-poe-744831.shtml

Para conhecer mais sobre o estilo gótico e a obra de Edgar Allan Poe:

A literatura de tradição gótica:

http://www.brasilescola.com/literatura/a-literatura-de-tradição-gotica.htm

http://dialogosliterarios.files.wordpress.com/2013/03/45.pdf

http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=926&itemid=2

http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/literatura_gotica.htm

Edgar Allan Poe

http://poestories.com

Aplicativo IPoe

https://itunes.apple.com/en/app/ipoe-interactive-illustrated/id507407813?mt=8

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Descrição: a recriação por meio de palavras

Aprender a escrever é um

processo que envolve muito

mais do que, simplesmente,

compreender o significado

das letras, uni-las para

formar palavras e organizar

essas palavras para

transformá-las em frases.

Aprender a escrever

envolve reflexão e técnica,

além de constituir um

ato de prazer (sensação

que será, posteriormente,

experimentada pelos leitores

do texto).

Dentre os diversos tipos

textuais com os quais os

alunos trabalham ao longo

do Ensino Fundamental,

como a narração e a

dissertação, há também

a descrição. Descrever

consiste em recriar, por

meio de palavras, algo que

uma pessoa quer dar a

conhecer a outra. Dessa

forma, aquele que não está

vendo, ouvindo ou sentindo

o objeto descrito pode

construir uma imagem como

se estivesse em contato

direto com esse objeto.

Muitos autores da

literatura brasileira ficaram

conhecidos por suas

vivíssimas sequências

descritivas, inseridas em

textos narrativos, auxiliando

seus leitores a construir

a imagem de cenários e

personagens essenciais

para a compreensão da

história. Quem não se

lembra da descrição feita

por Lima Barreto de seu

major quixotesco Policarpo

Quaresma?

189188

Dentro do curso de Língua Portuguesa, alunos do 4º anodo Ensino Fundamental I trabalham com a descrição.

“Quaresma era um homem pequeno, magro, que usava pince-nez, olhava sempre baixo, mas, quando fixava alguém ou alguma coisa, os seus olhos tomavam, por detrás das lentes, um forte brilho de penetração, e era como se ele quisesse ir à alma da pessoa ou da coisa que fixava.” (Lima Barreto, Triste fimde Policarpo Quaresma)

Ou da secura descritiva de nosso maior

regionalista, Graciliano Ramos, para falar

de um cenário árido, habitado pela família

de Fabiano?

“Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do caseiro fechada, tudo anunciava abandono.”(Graciliano Ramos, Vidas Secas)

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Expansão textual

Um dos objetivos do 4º ano

do Ensino Fundamental na

frente de trabalho Produção

de Texto, no ensino de

língua portuguesa, é a

expansão textual. Os

alunos, conhecedores da

macroestrutura do texto

narrativo, trabalham, nessa

série, com a exploração e

o detalhamento das ideias

apresentadas na história.

Para isso, realizam uma

sequência de atividades

sobre descrição.

O trabalho se inicia com a

discussão e a análise de

trechos descritivos. É nesse

momento que os alunos

têm a oportunidade de

comparar diferentes textos

que descrevem o mesmo

cenário ou personagem e

identificar os recursos que

um autor utilizou, realizando

exercícios como o descrito

a seguir:

Na sequência do

trabalho, os alunos são

apresentados a dois tipos

diferentes de descrição:

a objetiva (concreta, com

as características “reais”

do objeto descrito) e a

subjetiva (própria do sujeito

que vê e “sente” os objetos

à sua volta). Para vivenciar

as propriedades dessas

formas de descrever, aos

alunos são apresentados

inúmeros fragmentos,

sempre com a meta de

promover situações

de análise de texto. A

leitura permite a eles a

apropriação de indicadores

textuais que, comumente,

caracterizam as diferenças

linguísticas desses dois

tipos de descrição. O trecho

a seguir configura um dos

exemplos de construção

textual proposto para

análise nas aulas de língua

portuguesa.

Analise os exemplos abaixo:

I - O reino era um lugar muito tranquilo, bonito,

cheiroso e alegre.

II - O reino era um lugar muito tranquilo. Todas as

manhãs, um arco-íris cortava o céu, mesmo que o

sol e a chuva não se misturassem. O ambiente era

de um colorido infinito, pois havia flores em toda

parte. O cheiro delas alegrava os habitantes, assim

como o extraordinário canto dos pássaros. No lago

de águas cristalinas, cisnes nadavam sem pressa.

a) Os dois trechos apresentam a descrição de um

espaço? Justifique sua resposta.

b) Em qual dos exemplos você consegue imaginar

melhor as cenas? Por quê? Discuta com seus

colegas e sua professora e, juntos, construam uma

resposta.

“Acordei assim que o trem parou. Quando

olhei pela janela pude ver a paisagem: os trilhos

terminavam em uma grama verde que se estendia por

um largo espaço. Longe, ao pé de grandes montanhas,

havia uma pequena estrada, por onde duas pessoas

caminhavam. Havia árvores por todos os lados. Elas

formavam uma grande floresta com árvores muito

altas. Um único pinheiro se destacava, sozinho no

gramado.

Pensei em como seria estar perdida em

meio às árvores que pareciam sempre a mesma.

Respirei fundo: cheiro de mato. Só então reparei

na minúscula casa que se erguia em meio àquele

espetáculo da natureza. Ela era toda de pedra e

possuía uma pequena porta e duas janelas.

Ao observá-la senti uma leve tristeza pela solidão que

representava. E pude perceber que ali onde eu estava,

ao lado daquela casa, era o lugar mais lindo que eu já

havia visto. E o mais emocionante. Demoraria muito

tempo para viver aquela maravilhosa experiência

novamente.”

O narrador descreve a casa de duas formas diferentes.

Primeiro, ele expressa características objetivas,

informando de que cor ela é, qual forma possui e onde

está localizada. Depois, ele expressa características

subjetivas, relacionadas à sua opinião e aos seus

sentimentos.

a) Aponte duas características objetivas usadas pelo

narrador.

b) Aponte duas características da casa relacionadas

ao modo como o narrador a vê ou ao que sente por ela.

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Os alunos, ao serem

instigados a observar

o emprego de termos

ou comparações muito

particulares – como “linda”

em “linda paisagem” e

“grama verde que se

assemelhava a um tapete”,

dentre outras que carregam

em si traços subjetivos de

quem narra –, passam a

identificar que as palavras

têm uma carga semântica

que depende do universo de

quem escreve ou lê.

Baseando-se na leitura e

na análise de sequências

descritivas, os alunos

reconhecem as partes do

objeto que estão sendo

retratadas e as palavras

utilizadas pelo autor para

caracterizar essas partes,

como os adjetivos e as

locuções adjetivas. Com

isso, além de observarem

que as palavras têm

diferentes funções em nossa

língua, os alunos têm a

oportunidade de ampliar seu

universo lexical, por meio

do uso de outros adjetivos

e locuções adjetivas que

mantenham o sentido

original do texto.

Após colocar em prática

o uso dessas classes

gramaticais em descrições

de pequenos objetos, a

análise continua. Que

outras técnicas um autor

pode utilizar para descrever

uma personagem ou um

cenário, de modo a ser

bastante detalhista para o

leitor? Os alunos observam

que as comparações e

a exploração dos cinco

sentidos humanos também

colaboram para que se

construa uma imagem

completa do objeto descrito.

A partir daí, eles começam

a produzir pequenos

textos descritivos em

que exploram o uso de

adjetivos, as comparações

e a exploração dos sentidos

humanos. Esses textos são

construídos com base na

observação de imagens,

tanto fotografias quanto

pictóricas, e os alunos

constroem descrições

de espaços ou cenas

apresentadas.

Nos momentos de produção,

os estudantes são levados

a refletir sobre os efeitos de

sentido provocados no texto

pelo uso de determinadas

palavras ou expressões.

A escolha do autor, que

opta por uma ou outra

palavra, por um ou outro

recurso descritivo, indica

sua intenção na escrita. A

seleção de uma linguagem

mais ou menos metafórica

faz parte do trabalho do

escritor.

Para descrever

personagens, os alunos

aprendem, também,

a importância não só

do uso dos adjetivos e

locuções adjetivas, mas

das sequências de ações

que levam o leitor a “concluir” as características de quem está sendo retratado. Entendem

que não é preciso dizer que uma personagem é “curiosa” se, ao longo da história, ela for

apresentada como aquela que faz muitas perguntas e quer saber de tudo o tempo todo;

que não é preciso usar o adjetivo “carinhoso” se, ao longo do texto, o pai for apresentado

como aquele que acorda sempre o filho com um beijo, leva-o para passear de mãos dadas,

respeita-o e brinca com ele no parque...

Essa estratégia de descrição é utilizada em exercícios, como os apresentados a seguir, e em

produções de texto narrativo.

Marcella Genzini

João Pedro Giesteira

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Depois de analisar e aprender cada uma dessas técnicas de descrição, aos alunos são

propostas diferentes atividades de produção para que as coloquem em prática, tanto em

exercícios isolados quanto dentro de seus textos narrativos:

Alice Cappatto

Juliana Myiazaka

Sofia Sang

195194

Luisa Taouil

Luciana Tomiatto de Oliveira é professora e assistente de coordenação de Língua Portuguesa do 4º ano.

Desenvolveu este trabalho com as professoras Denérida Brás Martins Tsutsui e Bárbara Eliza Alves

Martins, também do 4º ano.

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O desafioda tecnologiaEles estão aí: os tablets fazem parte de nosso dia a dia, das salas de aula. Mas...

O que fazer com esses equipamentos?

Essa pergunta precisa ser feita constantemente pelo educador para

que uma ferramenta tão multifuncional não se torne apenas “um novo

caderno” ou apenas um livro digital, já que as possibilidades de uso

que os aplicativos, lançados diariamente, oferecem vão muito além do

registro de dados e do armazenamento de informações para leitura.

Os desafios

O surgimento dos tablets representa um desafio a todos os envolvidos

no processo educacional: educadores e alunos. Por um lado,

os professores precisam refletir, planejar e criar atividades em que

os recursos tecnológicos potencializem as estratégias pedagógicas

e agreguem ganhos reais à aprendizagem. Perguntas como:

Aluno do 5º ano do Ensino Fundamental utiliza aplicativo sobre corpo humano.

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“Quais são as vantagens de utilizar tablets no ambiente escolar?” e “De que maneira esses

recursos podem, efetivamente, potencializar o desenvolvimento das capacidades dos alunos

e promover maior qualidade ao processo de ensino-aprendizagem?” são fundamentais para

a aplicação competente dos novos recursos digitais oferecidos na contemporaneidade. Por

outro lado, os alunos precisam tomar consciência da prática adequada desse recurso dentro

do ambiente escolar.

É fato: o tablet já é um material de estudo, de pesquisa, de comunicação dos saberes

propostos no decorrer das atividades, e, assim como não se abre um gibi durante a aula

de Matemática porque esse material não está inserido no contexto de trabalho, os alunos

precisam reconhecer que não devem acessar redes sociais ou jogos eletrônicos que não

mantenham relação direta com o que foi proposto pelo professor. Nesse sentido, o professor

precisa orientar e estabelecer combinados sobre o uso apropriado da tecnologia, da mesma

forma que se responsabiliza pelo uso de qualquer outro material em aula.

Contexto

Consciente das inúmeras possibilidades existentes no mercado, a Móbile optou por iniciar

uma investigação a respeito dos aplicativos disponíveis para iPad. Para isso, em 2012,

formou uma equipe especial de Tecnologia Educacional (TE), composta por profissionais de

múltiplas áreas. Paralelamente, disponibilizou diversos tablets a professores, com o intuito

de desmistificar o acesso deles à nova ferramenta e, ao mesmo tempo, incentivar o interesse

por novas metodologias de ensino.

Em 2013, a Móbile adquiriu um número suficiente de tablets para que os professores

tenham a oportunidade de utilizá-los em seus cursos, da Educação Infantil ao Ensino Médio.

Além disso, reuniões de capacitação têm sido planejadas a fim de garantir espaços de

investigação e de experimentação de diferentes aplicativos.

Enquanto professores pesquisam a inserção da ferramenta em

suas aulas, grande parte de nossos alunos já possui tablets

e os utiliza diariamente em atividades variadas, relacionadas,

sobretudo, ao entretenimento. Há, por exemplo, inúmeros

jogos, muitos com potencial educativo, que fazem parte

do cotidiano das crianças. Constata-se, no dia a dia, que o

instrumento não é novidade e não apresenta desafios em seu

uso para elas; pelo contrário, muitas vezes, são elas que nos

ensinam truques e peculiaridades de seu uso.

Alunas do 2º ano do Ensino Médio utilizam o tablet em aula de Biologiapara comparar estruturas anatômicas reais às imagens digitalizadas..

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Alguns ganhos possíveis Caminhos

Observando a qualidade dos resultados

educacionais obtidos, podemos já elencar

alguns ganhos:

• Os alunos demonstram grande motivação

em atividades que utilizam recursos

tecnológicos modernos e dinâmicos.

• A ferramenta possibilita o acesso fácil a

conteúdos multimídia disponíveis na web,

seja em sites de notícias ou acadêmicos,

seja em plataformas de aprendizagem

administradas pelo professor.

• É possível realizar atividades investigativas

nas quais, na mesma mesa de trabalho,

diferentes alunos buscam informações em

variadas fontes, debatendo, argumentando

e elaborando sua resposta ao desafio

proposto pelo professor.

• Torna-se mais simples a captação de

imagens, registro de ideias e elaboração

de trabalhos multimídia em qualquer local,

mesmo longe da sala de Informática.

• Aplicativos específicos permitem a

realização de atividades de análise de

dados, enquetes e sondagens on-line.

• Informações são apresentadas de

forma bastante interessante e instigante

em e-books e aplicativos com material

multimídia.

• É possível carregar menor quantidade de

material escolar, porém com acesso a maior

quantidade de conteúdo.

• A prática do uso da tecnologia como

ferramenta de produtividade pessoal

contribui para a preparação do aluno para o

mercado de trabalho.

Dentre os possíveis caminhos pedagógicos do uso do tablet na escola, apontamos alguns

exemplos interessantes:

• Acesso à web – Videoaulas

Antes mesmo da chegada dos tablets à escola, alguns professores já produziam à videoaulas

como material de apoio aos alunos em seus cursos. Essa modalidade de material didático tem

como característica o uso de recursos multimídia: filmes, animações, fotografias e outros para

produzir aulas gravadas e disponibilizadas na web. Desse modo, a relação professor-aluno

ganha uma nova dimensão, que vai muito além dos limites espaciais e temporais da sala de aula.

É possível, por exemplo, utilizar as videoaulas como disparadoras de algum assunto que será

discutido na aula. Também podem ser utilizadas como instrumento de revisão do conteúdo por

alunos que ainda tenham alguma dúvida, em momentos de estudo individual para as avaliações.

Tem sido comum encontrar alunos sentados no pátio, nos corredores ou na biblioteca estudando

com seus tablets e smartphones sintonizados nas videoaulas preparadas por seus professores.

Exemplos

- Blog da Professora Kelly (História em Fragmentos) - http://historiaemfragmentos.wordpress.com/

- Blog do Prof. Amparo (Videoaulas de Ciências) - http://videoaulasciencias.blogspot.com.br/

• Aplicativos – Pesquisas com o público (alunos)

Desde o momento em que os tablets foram lançados no mercado, a todo instante surgem

aplicativos desenvolvidos especialmente para o ambiente escolar. Uma categoria de aplicativos

reúne ferramentas de pesquisa de opinião, ou questionários on-line, que possibilitam a interação

entre professor e alunos, captando e analisando, em tempo real, respostas do grupo. A equipe de

Matemática do Ensino Fundamental I e II, por exemplo, realizou, ao longo do primeiro semestre

deste ano, diversas atividades que envolviam a aprendizagem de estratégias de cálculo mental.

Nelas, os alunos eram desafiados a resolver problemas e indicar suas respostas no tablet. Essas

atividades possibilitaram que o professor acompanhasse o processo de produção dos alunos, o

tempo que cada um utilizou para a realização das questões e um mapeamento das respostas de

Alunas do 7º ano do Ensino Fundamental utilizam o aplicativo iCell como material de apoio em aula sobre células.

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todo o grupo. O conhecimento do professor a respeito das respostas apresentadas pelo grupo

permitiu o levantamento de equívocos nos cálculos e a promoção imediata de discussões sobre

estratégias e conhecimentos acionados na resolução dos desafios propostos.

• A produção de material didático

Outro aspecto bastante interessante dos tablets é a possibilidade, por parte do professor, de criar

material didático multimídia personalizado, que potencialize o interesse do aluno e eleve sua

interação com o conteúdo a um patamar impossível de ser atingido com um material impresso.

É possível e simples transformar fichas, que antes eram apenas impressas, em livros digitais

interativos, com filmes, animações e atividades de verificação do aprendizado (testes). Um

dos exemplos de livros digitais produzidos pela área de Tecnologia Educacional da Móbile é

o e-book “Caixa de Eletricidade”, parte integrante do curso de Física do Ensino Médio. Todo

ano, os alunos do 3º ano recebem como material de aula uma maleta com diversos dispositivos

elétricos e um caderno com atividades para que possam, ao longo do período letivo, construir

uma série de circuitos elétricos, aplicando, assim, seus conhecimentos sobre eletrodinâmica.

Em 2012, a equipe de Tecnologia Educacional da Móbile inovou transformando o caderno de

atividades da Caixa de Eletricidade em um e-book interativo com fotos, vídeos, simulações e

testes, tornando a experiência do aluno ainda mais rica e possibilitando que sua aprendizagem

fosse significativamente mais efetiva. Os alunos fazem download do material para seu iPad e o

utilizam ao longo de toda a sequência didática, de maneira autônoma, como orientador de estudos

e verificador de sua aprendizagem.

Link para download da Caixa de Eletricidade:

https://itunes.apple.com/br/book/caixa-eletricidade-caderno/id597989997?mt=11

Conclusão

Em meio a tantas possibilidades, acreditamos que o esforço na investigação de possíveis

formas de uso dos tablets na escola pode realmente contribuir para a melhoria no processo

de ensino-aprendizagem.

Aulas que utilizam os mais modernos recursos disponíveis de forma integrada ao cotidiano

da sala de aula contribuem para formar alunos motivados e preparados para fazer uso

eficiente da tecnologia em suas vidas. Aguardem novas notícias.

Carlos Eduardo C. Godoy (Amparo), Julio César Del Cioppo Ribeiro

e Felipe Cocco compõem a equipe de Tecnologia Educacional da Móbile.

Alunos do 7º ano do Ensino Fundamental utilizam o aplicativo Socrative em aula de Matemática.Esse recurso possibilita ao professor fornecer feedback imediato sobre a aprendizagem do aluno.

202 203

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A compreensão de fenômenos complexos, bem como a construção de uma

interpretação adequada de suas referências, exige a mobilização de saberes

provenientes de diferentes áreas do conhecimento. Assim, as equipes

de Artes, Espanhol e Inglês realizaram um trabalho de reflexão conjunta

para oferecer a seus alunos ferramentas diversas que possibilitaram um

entendimento consistente de determinados acontecimentos históricos e

movimentos artísticos.

Na primeira etapa do desenvolvimento do projeto, os alunos do 8º ano

pesquisaram as condições históricas que propiciaram o surgimento da Pop

Art. Como se sabe, a Segunda Guerra Mundial marcou o fim da hegemonia

artística europeia e apontou os Estados Unidos como novo centro da

arte moderna. Enquanto a arte europeia lutava para se restabelecer em

meio a uma civilização em crise, a arte norte-americana se recheava de

descobertas e invenções, movidas pelo ímpeto criativo dos artistas. O

desenvolvimento econômico estadunidense, decorrente, principalmente,

de exportações para países devastados pela guerra, fez com que o país se

tornasse o centro mercantil do mundo.

Embora tenha surgido na Inglaterra, entre o fim da década de 1950 e o

início dos anos 1960, foi nos Estados Unidos que a Pop Art se manifestou de

forma mais significativa. O crescimento econômico do país e a divulgação

do American dream e American way of life fizeram surgir uma cultura

de consumo, mote da Pop Art, manifestação artística denominada como

“comercial” por autores como E. H. Gombrich. Ironicamente, ao mesmo

tempo que é fruto da condição econômica, esse movimento critica o

consumismo e o ideal do sonho norte-americano.

Intervencoes e cultura de massa: o Pop Art nos EUA e

na Espanha

Intervencoes e cultura de massa: o Pop Art nos EUA e

na Espanha

Intervencoes e cultura de massa: o Pop Art nos EUA e

na Espanha

Alunos dos cursos de Espanhol e de Inglês mergulham no instigante universo da Pop Art

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Segundo Giulio Carlo Argan, a Pop Art “expressa não a criatividade do povo,

e sim a não criatividade da massa”. Quando artistas como Andy Warhol

(1928-1987) trabalham com as latas de Campbell’s soup (Imagem 1), Claes

Oldenburg (1929) faz a escultura de um hambúrguer gigante, ou ainda Roy

Lichtenstein (1923-1997) amplia cenas de quadrinhos, estão apelando para

referências norte-americanas de fácil acesso.

Andy Warhol tornou-se um dos ícones da Pop Art por ser capaz de, por

meio da repetição exaustiva das imagens, destituir personalidades de seu

glamour e ideologia e transformá-las em bens de consumo. Ao mesmo

tempo, eternizou as feições de líderes ao transformá-los em obras de arte

cuja função, para muitos, estaria restrita ao aspecto estético.

A Pop Art na sala – Os principais acontecimentos e características

relacionados ao movimento da Pop Art foram discutidos ao longo das

aulas de Inglês, e os alunos foram convidados a participar de uma

palestra ministrada nessa língua. Paralelamente às discussões promovidas

nos encontros com os professores de Inglês, nas aulas de Artes, os

alunos conheciam, analisavam e aprendiam as técnicas empregadas pela

Pop Art.

No curso de Espanhol, por sua vez, a primeira etapa do trabalho consistiu

no estudo da repercussão da Pop Art na Espanha e na análise de seu

tom político, que se caracterizava como um marco de referência de uma

sociedade e cultura que ainda sofria a repressão da ditadura de Francisco

Franco (1939-1975).

Nesse cenário, destacou-se o grupo valenciano Equipo Crónica (Imagem 2),

formado em 1964 por Rafael Solbes (1940-1981), Manolo Valdés (1942) e

Juan Antonio Toledo (1940), que logo se desligou do grupo. Segundo a

reportagem do jornal espanhol La Vanguardia, na ocasião do aniversário

de 40 anos do grupo, “suas imagens partiam da capacidade do espectador

para ler as entrelinhas e reconhecer os ícones coletivos, a crítica social e

política, além das consignas antifranquistas. (...) O humor resguardava o

grupo da ira da censura do governo”. Imagem 1

Imagem 2

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Em suas primeiras obras, pode-se observar uma influência da Pop Art norte-

americana, sobretudo pela utilização de imagens procedentes dos meios

de comunicação. Desse período (1964-1966), destaca-se a emblemática

¡América, América! (1965), em que a repetição da figura do personagem

Mickey Mouse é interrompida pela imagem de uma explosão atômica –

referência à bomba que os Estados Unidos lançaram sobre o Japão durante

a Segunda Guerra Mundial (Imagem 3).

De acordo com Facundo Tomás, “do ponto de vista formal, o grupo usava

recursos plásticos dos meios de comunicação em massa e participou

da grande corrente internacional que foi a Pop Art. No entanto, não se

limitaram a constituir uma espécie de sucursal espanhola do pop, uma vez

que manifestavam sua personalidade através de um processo criativo que

os distinguiu dos demais grupos”. Sua singularidade se expressava por meio

de uma espécie de crônica sobre a sociedade espanhola, tendo, muitas

vezes, como base referências canônicas da História da Arte na Espanha.

Um bom exemplo dessa intertextualidade são as várias intervenções que

Equipo Crónica fez em obras do renomado pintor espanhol Diego Velázquez

(1599-1660).

Para tornar mais produtivo o estudo que se fazia acerca da intervenção

contemporânea sobre a referência clássica, foi trabalhada nas aulas de

Espanhol a obra de Velázquez como um paradigma da pintura espanhola

do século XVII. Obras emblemáticas como Las meninas (o La família de

Felipe IV, 1656) (Imagem 4) foram apresentadas ao grupo para discussão de

seus elementos históricos e estéticos. Posteriormente, foram apresentadas

intervenções feitas por Solvés e Valdés sobre o clássico pintor (tão

conhecido por sua relação com a corte espanhola). Por ser uma referência

fundamental da História da Arte, e mais especificamente da História da

Arte Espanhola, a obra de Velázquez foi uma base importante para as

intervenções do Equipo, conforme demonstram obras como La salita

(1970) (Imagem 5), trabalho no qual o grupo valenciano mantém alguns

personagens de Las Meninas e recria um espaço completamente diferente

em relação a seu ambiente aristocrático original. A intervenção feita pela

dupla provoca a reflexão sobre uma sociedade que faz uso dos meios de

comunicação e consome objetos comuns da vida cotidiana.

Imagem 3

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Imagem 4 Imagem 5

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A partir do estudo das principais características da Pop Art e das propostas

artísticas de Warhol e do grupo Equipo Crónica, principalmente, promoveu-

se uma discussão relacionada aos personagens históricos transformados

em mitos populares por esse movimento artístico. Nota-se, por exemplo,

que nos trabalhos de Warhol não há distinção entre a estrela de Hollywood

Marilyn Monroe, o presidente norte-americano Ronald Reagan ou o

revolucionário Che Guevara (ver boxe informativo a seguir).

Che Guevara é de autoria do norte-americano Gerard Malanga, artista que trabalhou

ao lado de Andy Warhol. Em 1968, às voltas com problemas financeiros, Malanga

teve a inusitada ideia de criar uma obra fazendo-se passar por Andy Warhol.

A falsificação logo foi descoberta, mas, para impedir a prisão de Malanga, Warhol

disse que a obra era sua e, desde então, deteve os direitos sobre ela. A foto de Che

é reproduzida em série, o que banaliza sua força simbólica. As cores fortes lembram

anúncios publicitários, feitos para vender produtos industriais. Além disso, a obra é

um pôster, elemento-símbolo da cultura pop e passível de réplica. Desse modo, o

artista converte um símbolo do comunismo em mercadoria padronizada, disponível

para ser consumida por qualquer pessoa.

212

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No curso de Espanhol, o trabalho se centrou em problematizar a mitificação

em torno da imagem popular de “Che” Guevara, considerado uma das dez

figuras mais importantes do século XX. Primeiramente, os alunos puderam

conhecer a trajetória do personagem histórico Ernesto Guevara, jovem

argentino de classe média, estudante de medicina que, durante uma

viagem pela América Latina, teve contato com os mais diversos problemas

que afetam a população dessa região. No México, Guevara conheceu o

comandante Fidel Castro, a quem se juntou na luta contra o então governo

cubano, tornando-se um líder guerrilheiro e um importante ator no cenário

político da Cuba pós-revolução.

Em um segundo momento, discutiu-se a divulgação e circulação da imagem

de Che Guevara da obra de Malanga/Warhol. Baseada na fotografia de

Alberto Díaz Gutiérrez, fotógrafo cubano conhecido como Alberto Korda, a

imagem divulgada pelos artistas norte-americanos se tornou muito popular,

principalmente entre jovens que, muitas vezes, desconhecem quem foi

e o que fez Ernesto Guevara. É notável que, nos dias atuais, encontra-se

facilmente – descontextualizada –, e em diferentes partes do mundo, a

reprodução da figura do “Che” em camisetas, broches, bonés, capas de

cadernos, entre outros. De certa forma, a incorporação de determinados

personagens pela Pop Art produz um efeito de esvaziamento de suas

referências históricas.

Ampliando a reflexão acerca do “efeito pop”, e como parte conclusiva do

trabalho, os estudantes convocaram conteúdos relativos à proposta do

movimento artístico da Pop Art e de suas técnicas como a serigrafia e a

repetição da imagem. A partir da proposta de transformação de ícones

históricos em bens de consumo, os alunos confeccionaram camisetas

com a estampa de personalidades por eles escolhidas e as expuseram no

saguão da entrada da Móbile.

Nas várias etapas desse projeto, foram mobilizados conhecimentos

provenientes de diferentes áreas que, juntos, articularam saberes que

contribuíram para a construção de um pensamento crítico em relação

a um movimento artístico que contribuiu para deslocar a referência de

personagens históricos.

GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1978.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

“Equipo Crónica: el pop incómodo”, La Vanguardia, 02/06/04.

Curador da mostra El Equipo Crónica de la Colección del IVAM en el Museo Nacional

de Artes Visuales de Uruguay (http://mnav.gub.uy/cms.php?e=equipocronica, 02/03/05).

214 215

Michele Costa e

Alexandre Fiori

Kurt Stuermer,

Michele Costa e

Alexandre Fiori

Kurt Stuermer,

compõem a equipe

de Espanhol

a de Inglês.

e

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Uma cidade vistada janela

Foi com esta proposta – a de fotografar a paisagem que se vê da janela de casa – que os

alunos do 6º ano iniciaram diversos estudos sobre a cidade de São Paulo. O projeto “Um olhar

investigativo sobre a cidade de São Paulo” vislumbra, entre seus objetivos, tanto promover

um entendimento mais expressivo da cidade em que se vive e valorizar o reconhecimento da

multiplicidade de fenômenos que compõem a vida urbana quanto garantir o desenvolvimento

de procedimentos de pesquisa e de comunicação oral.

Motivados pelo estímulo inicial, conhecer o que cada um dos colegas enxerga da própria

janela, os alunos, coordenados pelas disciplinas de História, Geografia, Ciências e Língua

Portuguesa, iniciaram o processo investigativo, focando-se nos seguintes temas e questões:

• São Paulo além da minha janela (Que São Paulo existe além de minha janela?);

• Arborização e fauna urbana (Quais são as diferenças entre a paisagem que os

portugueses encontraram ao chegar ao planalto de Piratininga, em 1554,

e a atual?);

• Os rios de São Paulo (Como eram, como estão e como poderiam ser os rios?);

• O mundo dentro de São Paulo (Quais são as origens dos moradores

de São Paulo?);

• Mobilidade urbana (Por que as pessoas não conseguem circular com facilidade

por São Paulo?);

• História do centro (Reconstruir a História de um local da cidade);

• Memória e identidade (Qual a relação entre a memória individual e a do grupo

com a memória da cidade?);

• São Paulo e lazer (A cidade e suas possibilidades culturais e de entretenimento);

• A cidade de São Paulo como inspiração para as Artes (São Paulo e suas

construções culturais: o passado e o presente).

Após a apresentação dos temas pela equipe de professores, os alunos mapearam

os desdobramentos de cada tema e estabeleceram perguntas-problema que

conduziram às pesquisas. Organizados em grupos, de posse de livros e

da internet, os alunos traçaram os caminhos necessários para coletar

respostas às questões-problema. Nas aulas de Geografia, foram

orientados a realizar as pesquisas, apropriando-se de

sites de busca confiáveis e identificando os termos mais

adequados para consulta. Nas aulas de História, abordando a

diversidade das fontes de pesquisa, os

alunos aprenderam outras possibilidades

de realizar seus estudos: por

meio da leitura de imagens,

da observação, das

entrevistas, entre outras.

Com maior domínio do

216

Alunos do 6º ano do Ensino Fundamental investigam a cidadede São Paulo em projeto.

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tema pesquisado e com novas indagações, os alunos partiram para a pesquisa de campo no

centro de São Paulo com o objetivo de confirmar, refutar, bem como desenvolver os dados

pesquisados em sala de aula. Vivenciar os espaços da cidade permitiu “descobrir” São Paulo,

seus lugares históricos, seu movimento contínuo, sua diversidade.

Sabendo que, como fechamento do trabalho, cada grupo também se responsabilizaria por

comunicar as aprendizagens aos colegas por meio de seminários, todos buscaram garantir

registros verbais e fotográficos das etapas cumpridas. Comprometer-se com a comunicação

oral do conhecimento construído a partir das leituras, das entrevistas e observações

constituiu-se também em um importante objetivo para os alunos. Por essa razão, paralelamente

às etapas investigativas, foram apresentadas às crianças as especificidades desse gênero

textual oral, o seminário. Os alunos foram estimulados a refletir sobre diferentes tópicos, todos

eles tão importantes para uma exposição oral. Durante as aulas, debateram a organização das

ideias e o desenvolvimento delas ao longo da apresentação de um seminário. Nas aulas de

Ciências, por sua vez, os alunos foram apresentados aos recursos tecnológicos que garantem

uma organização dos temas pesquisados, bem como a comunicação do trabalho produzido.

Possibilitar associar as imagens à organização da fala e pensar em como garantir a atenção

e a reflexão de quem assiste às exposições foram aspectos abordados durante a construção

da exposição oral.

O comprometimento dos alunos em vários momentos do trabalho foi notório; quer seja pelos

temas sugeridos, pela convivência na construção do percurso de trabalho, pelos desafios na

utilização dos recursos tecnológicos, pela experiência intensa de produzir em grupo, pela

manipulação com diferentes fontes de pesquisa, como a entrevista, quer seja pela perspectiva

de comunicar aos colegas o que foi descoberto.

Por meio do projeto “Um olhar investigativo sobre a cidade de

São Paulo”, os alunos pensaram intensamente nas relações

entre o passado e o presente de São Paulo, aproximando-se

significativamente dos problemas e do potencial urbano de uma

cidade tão complexa. Reviver o passado e viver o presente da

metrópole de forma crítica possibilita imaginar seu futuro e, quem

sabe, colaborar, como cidadãos exercendo as mais diversas

profissões, para que São Paulo, nossa cidade, seja, um dia, mais

humana e amigável, motivo de orgulho para todos.

Projeto desenvolvido pela equipe do

6º ano do Ensino Fundamental

(Carlos Eduardo C. Godoy, o Amparo

– professor de Ciências; Iva

Maria Alves – professora de

Geografia; Kelly Cristina O. de Araújo

– professora de História; Valéria

de Melo Pereira – professora

de Língua Portuguesa;

Maria Isabel Vieira de Camargo –

orientadora educacional

do 6º ano).

219

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Percepção alterada

“Abatido por um dia sem graça, pela perspectiva do dia seguinte que seria triste, pus aos meus lábios uma colherada de chá na qual eu deixara amolecer um pedacinho de madeleine... Estremeci, atento ao que de modo extraordinário se passava em mim. Um prazer delicioso me invadira, isolado, sem a noção da sua causa. (...) Não me sentia mais medíocre, contingente, mortal. De onde vinha esse prazer poderoso? (...) Todas as flores de nosso jardim e as do Parque de Swann, e as ninfas do rio Vivonne, e a gente simples da aldeia com suas casinhas, e toda a cidade de Combray e seus arredores – tudo aquilo que toma corpo e se torna sólido saiu, cidades e jardins, de minha xícara de chá.”

220

Alunos do 2º ano do Ensino Médio estudam por meio de pesquisas de que forma as drogas provocam alterações nas funções do sistema nervoso.

PROUST, M. No caminho de Swann. Em busca do tempo perdido, vol.1.

São Paulo: Editora Globo, 2002.

221

Fernanda Dib Gabriel, Isabella de Freitas Moraes Sampaio Pereira e Tamara Wolff Bandeira Klink.

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222 223

O revolucionário romance do

escritor francês Proust, Em busca do

tempo perdido, exemplifica o quanto

nossas emoções e memórias estão

ligadas às sensações e percepções que

temos do mundo. Muitas vezes, quando

nos lembramos de um acontecimento,

lembramos também do cheiro dos lugares

ou do frio que estávamos sentindo ou

até mesmo das cores intensas que

compuseram uma cena. Acontece também

de associarmos um cheiro ou uma música a

determinada pessoa. Essa relação estreita

entre memórias, sensações, sentimentos

e percepções tem um culpado: o sistema

nervoso, mais especificamente o encéfalo.

O encéfalo é o órgão mais

complexo do corpo humano. É responsável

pela integração e armazenamento de

informações, além de comandar as ações

motoras. Toda vez que bebemos um suco,

respiramos, lemos um livro, ouvimos nossa

música predileta, marcamos um encontro,

realizamos uma prova, disputamos um

campeonato, assistimos a um filme,

telefonamos para um amigo, lembramo-

nos de um passeio, comemos um prato

apetitoso, sentimo-nos tristes ou realizamos

qualquer outra atividade de nosso cotidiano,

o encéfalo está envolvido de alguma forma.

Esse órgão faz parte do sistema nervoso

central e trabalha de forma integrada com

as outras estruturas dele, coordenando

sensações, aprendizados, movimentos,

memórias etc.

O estudo do sistema nervoso

no Ensino Médio na Móbile ocorre no

contexto do estudo da Fisiologia, tema que

é trabalhado de modo comparativo entre os

diversos tipos de seres vivos ao longo do

2º ano. Uma vez tendo compreendido como

diversos sistemas funcionam de maneira

integrada de forma a garantir as funções

de nutrição nesses organismos, é hora de

enxergar o controle de tudo. É hora também

de revisitar essas mesmas funções, desta

feita identificando o fluxo da informação

envolvido na garantia da homeostase

corporal em cada situação específica.

Assim, os alunos iniciam o

segundo semestre aprendendo que a

comunicação no sistema nervoso se dá por

meio da transmissão dos impulsos elétricos

pelos neurônios e que esta geralmente

é intermediada por algumas substâncias

químicas, os neurotransmissores. Os

neurotransmissores liberados por um

neurônio provocam estimulação ou

inibição do neurônio seguinte, e é isso que

modula nosso comportamento. Algo que

interfira nessa comunicação altera, por

consequência, na percepção, no humor, no

pensamento ou mesmo na mobilidade.

Eric Buonpater Lee Santos, Michel Kagan e Pedro Henrique Amorim.

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224 225

É o caso das drogas psicotrópicas,

aquelas capazes de interferir no

funcionamento do sistema nervoso central.

Investigar a ação dessas drogas permite

uma compreensão mais aprofundada

sobre a modulação da comunicação entre

neurônios e sobre as funções específicas

controladas por diversas estruturas que

compõem o sistema nervoso central.

Mais que isso: propicia um aprendizado

contextualizado. Afinal, mais interessante

e esclarecedor do que memorizar uma

lista de funções atribuídas a um conjunto

de estruturas é identificar quais funções

são perdidas ou amplificadas quando

a comunicação entre os neurônios de

determinada região é bloqueada ou

hiperestimulada.

Tal abordagem das funções

neurais dialoga com aquela que é

comumente feita pela ciência. Por exemplo,

para a investigação sobre o envolvimento

do hipocampo no armazenamento de

informações, os cientistas injetam

neurotoxinas nessa estrutura no encéfalo

de ratos e comparam o comportamento

dos animais lesados com o de animais

íntegros no desempenho de uma tarefa

que exige memória espacial. Ou, então,

aplicam testes de memória espacial num

paciente que sofreu dano hipocampal em

decorrência de acidente automobilístico, um

AVC ou cirurgia para tratamento de outras

enfermidades. Basicamente, infere-se o

papel desempenhado por uma estrutura a

partir de seu não funcionamento ou de seu

funcionamento alterado.

Fernanda Dib Gabriel, Isabella de Freitas Moraes Sampaio Pereira e Tamara Wolff Bandeira Klink.

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226 227

As drogas psicotrópicas alteram a comunicação entre neurônios ao aumentar,

diminuir ou ainda perturbar de forma diversa a eficiência da neurotransmissão. Por

exemplo, algumas drogas podem fazer com que os neurônios liberem uma quantidade

de neurotransmissores acima do normal. É o equivalente da diferença entre ter alguém

sussurrando ao seu ouvido e ter alguém gritando a mesma mensagem com um microfone (e

ainda ao seu ouvido). Ou seja, comunicação mais intensa não significa comunicação melhor.

Muitas drogas psicotrópicas interferem no chamado circuito de recompensa.

Trata-se de um fluxo de informação entre três principais estruturas do nosso encéfalo,

que leva à liberação do neurotransmissor dopamina em decorrência de determinados

comportamentos que realizamos, o que resulta na sensação de prazer. Esse circuito

normalmente é acionado por comportamentos relacionados à sobrevivência do indivíduo –

como comer –, ou à sobrevivência da espécie – como o sexo. “Garantiu a sobrevivência?

Parabéns, um pouco de prazer como recompensa!”, diria um neurônio ao outro, usando

dopamina como mediadora dessa comunicação. Drogas que provocam liberação de

dopamina em quantidades muito maiores que nesses casos podem levar o indivíduo a uma

nova definição química de prazer: somente essa incrível quantidade de dopamina é que

provocará prazer, outra não...

Há, também, o caso de drogas psicotrópicas que se encaixam perfeitamente

em receptores presentes na membrana de certos neurônios. Mas por que nosso encéfalo

teria receptores específicos para moléculas presentes, por exemplo, em uma planta?

Certamente, porque temos neurotransmissores de constituição química similar. Mas

que neurotransmissores são esses? E que tipo de informação modulam? Foi procurando

responder a questões como essas, após a observação do comportamento de drogas

psicotrópicas no encéfalo de pacientes, que foram feitas muitas das descobertas científicas

sobre nossas vias de neurotransmissão. Ou seja, às vezes os estudiosos têm algumas vias

nervosas mapeadas e investigam como drogas psicotrópicas podem alterá-las. Mas, às

vezes, o percurso se inverte: ao buscarem-se explicações para o efeito de determinada

droga no organismo, descobre-se um novo neurotransmissor e desvendam-se, por exemplo,

as vias ligadas à dor, abrindo perspectivas para o desenvolvimento de medicamentos.

Na sala de controle

Clar

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228 229

O projeto

Organizados em trios, os alunos trabalham na elaboração de um conjunto de

infográficos relativos às drogas psicotrópicas. (Ver trabalhos espalhados ao longo deste

artigo.) Esse conjunto é resultado do estudo da ação de três drogas, cada uma pertencente

a um dos tipos (depressora, estimulante e perturbadora da atividade do sistema nervoso).

A trinca de drogas é escolhida pelo trio a partir de uma lista fornecida, e uma série de

informações sobre elas é reunida pelo grupo ao longo de sua pesquisa:

• princípio ativo da droga;

• efeitos no sistema nervoso:

- circuito específico de neurotransmissão em que a droga atua;

- forma de atuação da droga nas sinapses;

- principais áreas do sistema nervoso afetadas e a consequência;

- eventual atuação da droga no circuito de recompensa no encéfalo;

- justificativa para inclusão da droga no grupo de classificação a que pertence,

a partir do conjunto de efeitos no sistema nervoso;

• efeitos diretos ou secundários em outros sistemas do corpo.

Os alunos utilizam fontes confiáveis (artigos científicos e de divulgação científica,

vídeos, simulações e outros materiais), disponibilizadas na pasta da disciplina no Móbile

Virtual (fonte digital de estudo). A pesquisa é feita individualmente, e cada aluno inicia o

processo sendo responsável por encontrar as informações de uma das drogas escolhidas

Assim, ao pesquisar sobre esses percursos, os alunos aprendem também um

pouco sobre como se dá o processo de construção do conhecimento científico. Estudo

integrado das funções biológicas, aprendizado contextualizado e abordagem científica: está

formada a tríade que embasa este projeto.

Andréa Lasevicius Moutinho, Clara Cardoso Franco Avancini e Isabel Boujikian Felippe.

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pelo trio. A pesquisa inicial é feita em sala de aula, utilizando tablets. Como lição de

casa para a aula seguinte, cada aluno prepara um “mini” relatório das informações já

encontradas a respeito da droga que ficou sob sua responsabilidade. Depois, ele compartilha

esse documento com os demais membros do grupo.

No primeiro compartilhamento, feito em sala de aula, cada membro do grupo

apresenta aos demais o resultado de sua pesquisa. Os colegas identificam, na apresentação,

pontos que carecem de mais pesquisa para melhor entendimento sobre a droga em questão.

Isso define o passo seguinte, que constitui a lição de casa de cada aluno para a outra aula:

a pesquisa das informações que faltam sobre cada uma das drogas. Isso, porém, é feito com

um rodízio entre os membros do grupo: na primeira pesquisa, o aluno 1 pesquisou a droga

1; o aluno 2 pesquisou a droga 2 e o aluno 3 pesquisou a droga 3. Nessa segunda etapa, o

aluno 1 pesquisa as informações faltantes sobre a droga 2, o aluno 2 faz o mesmo para a

droga 3 e o aluno 3 faz o mesmo para a droga 1.

O mesmo sistema é repetido nas aulas seguintes até que três compartilhamentos

tenham sido feitos e cada aluno tenha pesquisado um pouco sobre as três drogas. Em

seguida, os estudantes começam a trabalhar na pesquisa de imagens e na elaboração

dos infográficos, também com momentos de compartilhamento em sala de aula. Ao longo

de todo o processo, o andamento do trabalho do grupo é reportado por escrito para a

professora, que retorna esses relatórios no início de cada aula, de forma a orientar o novo

compartilhamento no grupo.

Tal processo se desenrola em paralelo à continuação do estudo teórico do sistema

nervoso, mais especificamente dos processos envolvidos na percepção. Assim, os alunos

vão paulatinamente conhecendo o fluxo de informação envolvido na nossa percepção, ao

mesmo tempo que investigam a alteração da percepção por drogas psicotrópicas e algumas

das consequências disso para o organismo como um todo.

Após cerca de um mês de pesquisas e debates, cada grupo apresenta seu trabalho

final, que constitui a nota de classe do terceiro bimestre. Após a correção, os trabalhos

mais completos e consistentes são expostos no mural da sala durante uma aula expositiva

que visa realizar um fechamento do projeto e a integração com outros em curso nas demais

disciplinas.

Clar

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Transdisciplinaridade

Na aula final dessa sequência didática, algumas das principais formas de atuação

das drogas psicotrópicas na comunicação entre neurônios são revisadas. Especial menção

é feita à atuação no circuito de recompensa encefálico. Os alunos, então, assistem a um

filme que mostra os experimentos originais de James Olds, realizados na década de 1950.

Considerado um dos fundadores da Neurociência moderna, o psicólogo foi o primeiro a

identificar e comprovar experimentalmente a existência do circuito de recompensa por meio

de estimulação elétrica direta dos centros de recompensa no encéfalo de ratos.

Em seguida, são apresentados estudos atuais sobre o funcionamento específico

do cérebro adolescente, indicando o grau de desenvolvimento do córtex pré-frontal, uma das

estruturas integrantes do circuito de recompensa encefálico.

Finalmente, discute-se, também, o fato de que os riscos relacionados ao uso de

uma droga não se restringem a esses efeitos, havendo ainda riscos legais e sociais. Nesse

contexto, algumas perguntas são levantadas: como e por que as pessoas usam drogas?,

quanto o desenvolvimento científico e tecnológico interfere no debate sobre drogas?, quais

são os custos públicos relacionados às drogas? etc. Parte desse debate aponta para o

trabalho concomitante realizado em outras disciplinas, como Ética e Cidadania, de forma que

os alunos possam ter um olhar amplo e transversal sobre o tema, especialmente fundamental

num mundo com tantas informações contraditórias e algumas pouco relevantes.

Agir como um “editor do mundo” – fazendo seleções e avaliações para se

posicionar e tomar boas decisões – é habilidade que se aprende. Habilidade esta que é

parte da autonomia intelectual, um dos pilares do projeto pedagógico da Móbile, escola

constantemente preocupada em formar cidadãos que sejam capazes de argumentar,

criticar, antecipar, propor. Ao oferecer parâmetros para isso, seja propiciando a pesquisa

de referências atualizadas e a elaboração de uma síntese, seja revisitando o processo de

construção do conhecimento científico, esse projeto didático visa estabelecer condições

para que os estudantes construam suas próprias redes de conhecimento a respeito de

um tema e estejam mais preparados para se portarem em relação a debates referentes

a modificações em sistemas de saúde, legalização de drogas, criminalização de drogas

outrora lícitas etc.

Isabella Remaili Monaco, Karina Donatpni Urbano e Patrick Leonardi Panizo.

Breno Mendes Cardoso Fraga, Ian Vianna Vaz Pinto, Gustavo Takashi Shimokawa e Pedro Godoy Bueno Simon.

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Tatiana Nahas é professora de Biologia do Ensino Médio.

Isabella Remaili Monaco, Karina Donatpni Urbano e Patrick Leonardi Panizo.

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p r o f i s s i o n a i s

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1. Não seja roteirista.

Simples assim. Roteirista

de TV, cinema, quadrinhos,

desenho animado, programa

de televendas – não importa.

Não vale a pena. E isso também

vale para quem quer ser

romancista, músico, bailarino,

pintor, dramaturgo... Desista

enquanto é tempo. Ignore todo

mundo que diz que você tem

de perseguir os seus sonhos e

vá ser banqueiro ou advogado.

Ganhe dinheiro. Compense

a inevitável infelicidade

comprando um carrão,

escalando o Everest e andando

de caiaque na Patagônia.

2. Esqueçao glamour.

Se você está nessa para ser

famoso, pode esquecer.

A verdade é que a maioria das

pessoas nem imagina o que um

roteirista faz. Poucos sabem

que, por trás de cada filme,

seriado, telenovela ou episódio

de Mulheres Ricas, existem

pessoas quebrando a cabeça

para escrever a melhor história

possível, geralmente ganhando

pouco e tendo de cumprir

prazos insanos.

Já vi gente que acha que os

atores improvisam os diálogos

na hora. Já me pediram dicas

de hotéis achando que eu faço

roteiro de viagem. Agora prefiro

dizer que sou jornalista, mesmo

nunca tendo trabalhado em

uma redação na vida.

3. Arrumeum emprego.

É muito difícil ganhar dinheiro

criando histórias. No Brasil,

então, é quase impossível.

Fora os autores principais

de telenovelas, que ganham

milhões por ano, roteiristas por

aqui são tão valorizados quanto

Coca-Cola quente. Enquanto

a grande chance de entrar no

mercado não vem (e ela pode

nunca vir), o melhor é escrever

nas horas vagas e arrumar

um trabalho que pague suas

contas. Se tudo der certo, cedo

ou tarde você percebe que não

nasceu para sofrer, desiste

de ser escritor e escolhe uma

profissão de gente normal.Há um vídeo famoso no YouTube que mostra um experimento feito com crianças e marshmallows.

Nele, uma mulher oferece um marshmallow para uma das crianças e diz: “se você não tiver comido o

marshmallow quando eu voltar, eu te dou outro marshmallow”. Mas a criança não sabe quando (ou se) a

mulher vai voltar.

Ponha esta revista de lado por um segundo e pense no que você faria se fosse a criança. Você comeria o

marshmallow solitário ou esperaria pela chance de ter dois?

Se você está se perguntando o que raios isso tem a ver com ser roteirista, a resposta é: tudo.

Para explicar melhor, tentei reunir a seguir 7 dicas de sobrevivência para quem pensa em seguir essa

profissão. Começando pela mais importante de todas:

Há onze anos, o (então) aluno concluinte do Ensino Médio André Sirangelo foi convidado a inaugurar a seção “Futuros profissionais” deste veículo, que estava apenas começando. Agora, depois de formado e já atuante no mercado, voltamos a convidá-lo para (também) inaugurar a seção Profissionais da Revista da Móbile. Com senso de humor, o roteirista aborda seus percalços na tentativa áridade manter-se no universo da ficção.

7 dicas de sobrevivênciapara roteiristas em apurosAndré Sirangelo

238 239

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4. Não caiaem armadilhas.

Se, por sorte, você conseguir

entrar para o seleto grupo

daqueles que de fato ganham

dinheiro escrevendo roteiros

em tempo integral, parabéns!

Mas não respire aliviado ainda

— o mais difícil vem depois.

O Brasil não é Hollywood, e um

roteirista iniciante, por aqui,

normalmente se vê obrigado

a ser também o seu próprio

agente, manager, advogado,

contador e líder sindical.

Na falta de uma organização

que regulamente o pagamento

de royalties e um piso salarial

da categoria (como existe nos

EUA), um jovem autor precisa

analisar bem suas opções

de trabalho, negociar seu

cachê e lutar por um contrato

justo. E o que não falta por

aí é gente querendo explorar

a boa vontade de escritores

iniciantes. Ser escritor é

saber fazer escolhas. Comece

escolhendo bem seu próximo

projeto.

5. Jogue forao bom gosto.

Quer escrever uma comédia

pirandelliana ou o novo

Breaking Bad? Esqueça.

Vivemos em um país viciado

em dramaturgia descomplicada

e produzida em massa. E quer

saber? Não tem nada de errado

nisso.

A grande questão é que ainda

não aprendemos direito a

dar um passo além. Seriados

complexos como os norte-

americanos e filmes densos

como os argentinos ainda são

raridade por aqui.

Ou seja, mesmo que

continue trabalhando em

segredo em sua reinterpretação

pós-moderna de Beckett

ou Shakespeare, o mais

provável para um roteirista

no Brasil é que ele se abolete

confortavelmente na eficaz

indústria da telenovela e da

neochanchada.

6. Não comao marshmallow.

Lembra-se do experimento

do marshmallow? Pois é.

Se você comesse o

marshmallow solitário (como

fazem várias das crianças no

vídeo), você provavelmente

não iria muito longe na vida

de roteirista. Por outro lado,

se você tem paciência para

esperar por uma recompensa

que ninguém sabe nem se

realmente vai vir, as coisas

ficam um pouco mais fáceis.

Lembro que o Nick Hornby

(autor de Um Grande Garoto e

roteirista do filme Educação)

falou em uma entrevista que

um filme que fica pronto é

recompensador, mas, ao mesmo

tempo, é algo próximo de um

milagre. E é por isso que ele

prefere escrever livros. “Cansei

de esperar por um milagre toda

vez que eu termino alguma

coisa”, ele disse. E ele tem

razão: tudo no cinema demora

muito. O normal para

qualquer roteiro é ficar vários

anos — às vezes décadas

— em desenvolvimento. Na

TV, o ritmo de produção é

mais rápido, mas a dificuldade

de emplacar um projeto é a

mesma. E não tem nada mais

desanimador do que um roteiro

que não vai para frente.

Isso porque, ao contrário de um

livro, um roteiro não é uma obra

acabada. Ele precisa de atores,

diretores, câmeras, editores e

dezenas de outras pessoas e

fatores para existir. É como a

planta de uma casa que ainda

precisa ser construída.

Ser roteirista é nunca saber

se a casa que você desenhou

vai realmente sair do chão.

É continuar trabalhando sem

comer o marshmallow, mesmo

sabendo que o segundo

marshmallow pode jamais

chegar. E, se chegar, o primeiro

provavelmente já vai ter

estragado.

7. Não desanime.

Se mesmo depois dessa

avalanche de pessimismo você

ainda quer ser roteirista, talvez

essa carreira seja mesmo para

você. Pessimismo e rejeição vão

estar sempre presentes. Mas,

se você é como eu, talvez não

consiga se imaginar fazendo

outra coisa. Saber lidar com a

parte negativa da experiência

talvez seja a chave para seguir

em frente.

A verdade é que a satisfação de

ver um projeto concluído apaga

todos os problemas citados

até aqui. É como dizem por aí:

a dor é temporária, mas um

filme é para sempre. No fim das

contas, tudo o que você tem de

fazer é parar de se preocupar

com o resto e fazer a sua parte:

escrever um bom roteiro.

André Sirangelo se formou

na primeira turma de Ensino

Médio da Móbile, em 2001.

Cursou Jornalismo na

Faculdade Cásper Líbero,

mas acabou virando

roteirista de cinema,

TV e HQ. Atualmente,

escreve o seriado A Teia

(TV Globo), previsto para

estrear em 2014, e trabalha

na adaptação da obra

O Mistério do Cinco Estrelas

para o cinema.

240 241

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e d u c a d o r e s

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Amparo e a fotografia A fotografia faz parte de minha vida desde muito cedo. Ainda adolescente, antes de escolher

a carreira de biólogo, eu já viajava com a imaginação contemplando fotografias de exploradores

na África, Patagônia e em outros locais de natureza selvagem. Belas imagens sempre tocaram

minha alma despertando a vontade de conhecer lugares.

Quando entrei no curso de Biologia, não tinha recurso para adquirir uma boa câmera, mas

comecei a viajar regularmente em busca de locais preservados, de natureza e de aventura!

As belas imagens dos locais, naquele momento, eram registradas apenas em minha memória!

Ao me formar, juntamente com alguns amigos, criei uma empresa de turismo especializada

em viagens de Estudo do Meio e de Ecoturismo. Por causa disso, passei a viajar mais

frequentemente, para todo o Brasil. Conheci locais muito interessantes, que mereciam ser

fotografados; entretanto, continuei a fotografar com os olhos e a alma.

Em certo momento da vida, dei uma grande guinada em meu caminho e me tornei professor

de Ciências. Descobri o quanto essa atividade me motivava e passei a investir energia, tempo e

dinheiro nessa missão. Comprei minha primeira câmera!

(Parece estranho: trabalhei com ecoturismo e não fotografei! Comecei a dar aulas e comprei

uma câmera!)

Inicialmente, registrava minhas aulas, trabalhos dos alunos, atividades de Estudo do Meio.

Foi uma fase de “fotografia jornalística”, como registro de fatos. Aos poucos, a paixão antiga

de viajar e fotografar começou a tomar forma e se transformou em realidade. Passei a registrar

momentos inesquecíveis, mas as fotos ainda

deixavam bastante a desejar.

As dificuldades, entretanto, tornaram-

se motivação e, aos poucos, fui trocando de

equipamento em busca de melhores resultados.

Percebi, então, que não bastaria ter uma boa

câmera. Passei a estudar, e muito! Paralelamente

ao aprendizado da técnica fotográfica, busquei

também estudar sobre arte, estética e composição

fotográfica.

Os resultados começaram a surgir. Passei

a fazer fotos que “se aproximavam” do que

tinha tentado registrar. E, ao contemplar essas

fotos posteriormente, a emoção do momento

do registro retornava… Descobri uma nova

faceta da fotografia: a possibilidade de carregar

sentimentos, emoções e até mesmo sensações

juntamente às formas, cores e sombras.

Esse caminho de aprendizado fotográfico

resgatou nuances da motivação que me levou a

ser biólogo. Ao buscar registrar com precisão e

fidelidade as paisagens, organismos e fenômenos

naturais, percebi que me aproximava cada vez

mais da vida de naturalista com que sonhara na

adolescência.

Hoje, como professor, a fotografia desem-

penha papel bastante importante em minhas

aulas. Continuo a fotografar como forma de

registro das atividades e produção dos alunos e

fotografo também para produzir material didático

com imagens próprias. Mas, acima de tudo,

Além de ensinar, os professores da Móbile estudam, engajam-se em projetos sociais, escrevem livros, rememoram, realizam viagens culturais. Os educadores Amparo, Kurt e Rodrigo falam sobre fotografia, bicicleta e a arte de brincar.

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descobri que ganho meu dia quando os alunos

observam uma foto e exclamam: “Wow! O que

é isso, professor? Foi você que fez essa foto?

Onde? Como?”

A partir desse momento, fica fácil conduzir

a classe para um caminho de perguntas e

respostas a respeito do tema da aula. Imagens

bem planejadas, bonitas, instigantes possuem

grande valor como instrumento de motivação e

organização do aprendizado. Minhas fotos atuais,

mesmo quando feitas em momentos de lazer e

sem pensar nas aulas, possuem um viés didático

que busca valorizar elementos conceitualmente

importantes em relação ao assunto registrado.

Ao estimular os alunos a fotografar, tenho

o objetivo de desenvolver seu olhar crítico e

investigativo. Para fotografar, é preciso, antes,

observar com atenção, buscando a melhor forma

de retratar aquilo que despertou o interesse!

Por fim, penso que a fotografia desempenha

importante papel na divulgação das questões

ambientais porque possibilita o registro dos

elementos que merecem ser preservados e expõe

problemas que precisam ser resolvidos. É isso!

Carlos Eduardo Godoy (Amparo) é professor de

Ciências do Ensino Fundamental II

e Assessor de Ciências do Fundamental I.

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/ Kurt e a bicicletaComecei a utilizar a bicicleta como meio de transporte há mais de vinte anos, quando vivia na Alemanha.

Tempos de estudante são tempos de economizar, é verdade, mas não foi só isso que me fez tomar essa

atitude. A possibilidade de me locomover de uma forma independente e segura me conquistou. Quando

voltei para São Paulo, achei que me tornaria dependente de um carro, mas, com o passar do tempo,

percebi que não precisaria ser assim.

Hoje, não troco a minha bicicleta por nada. Chego à escola de bike, o que me faz começar o dia mais bem

disposto (e atento!); não me estresso com o trânsito ou com a falta de vaga para estacionar; e, se precisar,

carrego, literalmente, minha bicicleta nas costas para onde quiser. É claro que os dias de chuva são

um grande incômodo, mas, enquanto os carros param nas ruas alagadas, eu sigo pedalando. De forma

modesta, contribuo para diminuir o número de carros nas ruas desta cidade, já que o meu só é utilizado à

noite, nos finais de semana, e ajudo um pouquinho a diminuir a poluição da cidade.

Dizem que é perigoso ser ciclista no trânsito de São Paulo. É verdade, não é fácil. Quando se anda em uma

grande cidade como a nossa, é preciso se cercar de cuidados: capacete, refletores, roupas claras, farol,

luz traseira e, claro, andar de forma correta pelas vias certas. Acredito que, no dia em que todos tiverem

experimentado o prazer de sentir o vento no rosto em um dia de verão ao ir e vir do trabalho, sem buzina,

fumaça ou estresse, talvez haja uma conscientização geral da importância de investir em outras formas

de transporte que não o carro, e haverá, então, um maior respeito não só ao ciclista, mas a todo cidadão

que busca viver em uma cidade melhor.

Kurt Stuermer é

professor de Inglês

do Fundamental II.

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O brincarcomo essência

Ah... que saudades do barranco da minha casa! Na verdade, não era

bem da minha casa, mas bastava pular a cerca do terreno baldio vizinho para dar de cara com

um universo mágico para a imaginação de uma criança. E foi aqui que tudo começou.

Quando eu tinha por volta de sete anos, meu pai ficou desempregado

por problemas de saúde e minha mãe estava em greve na empresa em que trabalhava. Com isso,

eu e meus irmãos tivemos que aprender logo cedo o quão suado é o sustento de uma casa. Por

outro lado, também aprendemos o quanto é importante investir na criatividade de uma criança.

Meus pais não mediram esforços para nos incentivar utilizando apenas o que tínhamos “em

mãos”: a imaginação.

Mexendo na terra, pude ser padeiro, astronauta, pedreiro, soldado...

Explorando os imensos pés de mamona, descobri uma verdadeira artilharia em suas traiçoeiras

sementeiras. (Sem contar as diversas vezes em que, sentado em um pedaço de papelão,

pude escorregar barranco abaixo, chegando em casa com a roupa laranja de tanto rolar na

terra.) É também dessa época que guardo viva a memória do quanto as formigas são unidas

para defenderem seu território (uma vez, por descuido, sentei-me bem em cima de um imenso

formigueiro e levei inesquecíveis picadas). Sim, as formigas formam uma sociedade bem unida.

É também desse período que recordo, com certo saudosismo, das

gincanas de rua da Dona Vera, das aulas de flauta com Dona Lourdes, das amarelinhas, corridas

de bicicleta, tombos, novas corridas, novos tombos... das idas e vindas ao convento e seminário

dos religiosos Orionitas para brincar nos pomares, comer fruta no pé, subir em árvores (mesmo

chorando de medo da altura), brincar com meninos e meninas portadores de necessidades

especiais do Pequeno Cotolengo (obra mantida pelos Orionitas), tocar instrumentos musicais,

fazer teatro e quadrilha de festa junina, comer doce na despensa e depois ter dores de barriga

pelo exagero, dentre tantas outras aventuras

que podem praticar meninos ou meninas. Foi

conversando com o velho Senhor Miguel,

caseiro das obras da rua em que morei, que,

com sua sabedoria matuta, ensinou-me sobre

o eclipse do Sol, os segredos dos girinos e

dos sapos, bem como a cultivar e cuidar de

minhocas e plantas.

Sim! Eu tive infância.

Daquelas com cheirinho de bolinho de chuva

recém-preparado pela avó e gostinho de

limonada para um delicioso lanche feliz no

final da tarde. Lanche saboreado junto a pé

de ipê que plantamos (diga-se de passagem,

que nunca deu flores), mas que, atualmente,

já ultrapassa o telhado do sobrado em que

moramos. O ipê é forte!

Infância dividida com

amigos crianças, amigos adultos e amigos

idosos. Infância com base no respeito mútuo,

em que o mais novo aprende com o mais

velho e o mais velho também sabe escutar o

mais novo. Ambos se respeitam e aprendem

juntos. Nessa roda-gigante da vida, estar no

alto não é ser mais importante do que o que

está embaixo, mas, sim, apenas uma condição

de momento. O tempo passa e a roda-gigante

gira.

Assim como o pé de

ipê, eu também cresci. Mas cresci com a

certeza de que tive a oportunidade de ter

uma infância feliz. Uma infância em que as

dificuldades ensinaram-me a importância de

ser forte, mas sem perder a ternura e o

sorriso no rosto. Uma infância que possibilitou

à imaginação criar um repertório (e por que

não dizer uma coletânea?) de boas memórias.

Vivenciar a infância é mais importante do

que saber o conceito do que é infância. Hoje

em dia, nossas crianças têm cada vez mais

dominado o discurso do que é ser criança,

porém têm tido menos oportunidades de

vivenciar de forma autêntica esse momento

da vida. Cada vez mais, a criança tem sido

compartimentada e direcionada. Há cada vez

menos espaço e tempo para a descoberta

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e a curiosidade. Não quero cometer anacronismos e desconsiderar o fato de vivermos novos

tempos, com organizações sociais e situações urbanas diferentes. Mas preocupa-me a situação

da criança hoje.

Pensando nessa dicotomia da infância que vivi e das infâncias que

presencio cotidianamente em meu trabalho como professor, pedagogo, brinquedista, contador

de histórias e curioso por natureza, passei a investir na ideia de levar a sério o brincar, as

brincadeiras e os jogos em minha prática diária. Encaro o pretensioso desafio de reinventar a

infância.

Graduei-me em Pedagogia pela USP, tornei-me contador de histórias

pela Prefeitura de São Paulo e fiz a formação de brinquedista e organizador de brinquedotecas

pelo Instituto Indianópolis e pela Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri), da qual sou

membro filiado. Na ABBri, tive a oportunidade de ministrar oficina com a temática dos jogos em

sala de aula e organização de brinquedotecas.

No segundo semestre de 2012, fundei o grupo de estudos Coletivo

Brinquedista, articulando brinquedistas de vários lugares do Brasil e promovendo reflexões,

oficinas, estudos e ações sociais em diversas esferas. Como fruto desse trabalho, surgiu a

oportunidade de revisitar minha infância: montar um espaço cultural e uma brinquedoteca no

Pequeno Cotolengo – aquele dos pomares, despensas com doces e brincadeiras do começo

desta história. Desafio? Combater, por meio do brincar, a depressão e o sedentarismo de cento

e seis assistidos, portadores das mais diversas necessidades especiais. Atualmente, o projeto

está em fase final de implantação, angariando fundos e formando uma equipe voluntária de

atuação. Acabei tendo a oportunidade (e por que não escolha?) de me divertir com meu trabalho,

de poder ser um pedagogo-brinquedista ou um brinquedista-pedagogo.

Em tese, a vida

mostrou-me que nem todos os ipês dão

flores. Mostrou-me também que tirar os pés

do chão e subir em galhos mais altos pode

nos dar vertigem e medo. Por outro lado,

aprendi que a beleza é relativa quando se tem

imaginação. Aprendi também que um salto

adiante ou uma escalada mais alta podem

ser melhor encarados com um bom toque de

criatividade.

Se tenho saudades

do barranco da minha casa? Ah... como

tenho saudades. Mas posso reviver aqueles

sentimentos tão edificantes todo os dias!

Basta olhar o brilho nos olhos de cada aluno,

quando consigo fazer com que eles viajem

para seus quintais imaginários em cada

aula que dou; basta olhar o sorriso de uma

criança com paralisia cerebral e perceber que

naquele momento do brincar ela está além de

suas limitações corporais e deixa sua mente

viajar para seus universos encantados; basta

olhar na face de cada adulto que cruza meu

caminho e perceber que, naquela breve troca

de olhares e sorrisos, temos a oportunidade

de sermos um pouco crianças outra vez.

Então, caro leitor, faço-lhe um convite: vamos

brincar? Tire suas sandálias, pegue sua asa-

delta e venha brincar comigo.

Rodrigo Lima de Castro é professor

do 2º ano do Ensino Fundamental I.

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r e s e n h a

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254 Folias Galileu emtempos de desilusão

Três datas, três peças, três contextos. Trinta anos separam a publicação

de A Vida de Galileu, de Bertold Brecht, da encenação de Galileu Galilei, realizada pelo Teatro

Oficina de José Celso Martinez Corrêa. Mais de cinco décadas – precisamente cinquenta e

cinco anos – separam a montagem de Galileu Galilei da peça Folias Galileu; e setenta e cinco

anos separam o espetáculo concebido pelo prestigiado grupo paulistano Folias daquele criado

pelo dramaturgo alemão.

Datada de 1938, a primeira versão da peça de Brecht foi escrita num

momento delicado: quando se acreditava na vitória do regime fascista na Alemanha. No texto

que Fernando Peixoto chamou de “suma do pensamento brechtiano”, o dramaturgo alemão

aproveita as mazelas de seu tempo para investigar de que maneira um pensador reage quando

submetido a uma estrutura social repressiva, totalitária. Que responsabilidade tem o criador

sobre sua obra e sobre a sociedade? Que papel social tem um herói? Ele é necessário às massas?

É “infeliz a terra que não tem heróis?”, como afirma o personagem Andrea Sarti, já decepcionado

No mês de setembro deste ano, os alunos do 3º anodo Ensino Médio da Móbile foram convidados a assistir ao espetáculo Folias Galileu, baseado na peça mais conhecida do dramaturgo alemão Bertold Brecht(A vida de Galileu). O texto a seguir é uma resenha crítica da peça teatral.

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com seu mestre Galileu, ou, ao contrário, é “infeliz a terra que precisa de heróis”?, como defende

o físico após abjurar. Qual a importância do conhecimento crítico proposto pela ciência? Pode

a razão ser arma contra a repressão e a barbárie? Essas são algumas das questões propostas

pela peça de clara estrutura dialética e viés marxista, escrita por Brecht num momento delicado

da história do Ocidente.

Protagonizada por Cláudio Corrêa e Castro, a peça do Teatro Oficina,

encenada em 1968, é vista por muitos críticos como uma espécie de retorno de José Celso

Martinez Corrêa ao teatro racionalista e à primazia da palavra, depois de dirigir aqueles que

foram considerados ícones do “desbunde”, do Tropicalismo, da contracultura, O Rei da Vela

e Roda Viva. (Espetáculos vistos por muitos intelectuais de esquerda, defensores de uma arte

engajada, como alienados e descompromissados com as grandes questões políticas presentes

no contexto da ditadura militar brasileira). De forma análoga ao que Brecht fez em seu tempo,

José Celso traça um paralelo entre sua encenação e o duro Brasil pós-1964. Vale lembrar que o

ensaio geral da peça Galileu Galileu se deu em 13 de dezembro de 1968, dia em que foi decretado

o temido Ato Institucional número 5. Em resenha crítica publicada no Jornal da Tarde, em 18 de

dezembro de 1968, Sábato Magaldi confirma a análise dos críticos que viam em Galileu Galilei

um retorno do Teatro Oficina ao racionalismo, tão valorizado pelos marxistas: “[...] José Celso

M. Corrêa havia proclamado sua descrença na eficácia do teatro racionalista e nos dá um

espetáculo prodigiosamente racional que é uma das mais nítidas provas do valor da razão. Mas

afirmar que o diretor, por felicidade, é contraditório apenas simplifica o problema sem ver-lhe

as diversas coordenadas. A verdade é que José Celso M. Corrêa tem vivido no âmago de todas

as fases do novo processo cultural brasileiro e as anima sempre com estímulos extremamente

valiosos e criadores. Confesso que temia ver Galileu transformado em festival tropicalista.

Nada tenho contra estes festivais: somente ficariam deslocados nessa obra-prima de Brecht.

José Celso assimilou a experiência do Rei da Vela e Roda Viva para encarar o monstro sagrado

brechtiano com uma audácia e uma liberdade inventiva que dizem bem tanto do encenador como

do texto. Talvez se José Celso não tivesse ousado antes, ele se colocaria em face do Galileu

com reverência e timidez prejudiciais. A teatralidade pura e desinibida que veio conquistando

garantiu à nova encenação uma grandeza e uma linguagem cênica admiráveis: Brecht, sem

a cartilha brechtiana, sem efeitos de afastamento catalogados nos manuais. Uma maravilha,

nunca um Brecht se fez entre nós tão isento de modismos brechtianos e nunca a palavra de

Brecht me pareceu mais límpida e comunicativa. Um didatismo preciso, inteligente, másculo e

poderoso.”

Salto no tempo. Em 2013, é a vez de o inquieto Folias arriscar-se na

montagem daquela que é considerada por muitos a principal obra de Brecht. Risco não inédito,

o que pode confirmar o público fiel e a crítica especializada que acompanham a trajetória de um

grupo que se estabeleceu como coletivo em 1997 e que se notabilizou por não temer correr riscos.

Vale rever: em 2003, o Folias apresentou ao público seu Otelo, estabelecendo um paralelo entre a

história contada por Shakespeare e a chegada ao poder, no Brasil, da esquerda. Questionava-se,

por meio da montagem mais aplaudida do grupo paulistano, se Lula se transformaria ou não no

Mouro que cede aos caprichos da “burguesia veneziana”. Ainda em tempos de Lula, em 2007,

aproveitando a efeméride da comemoração dos dez anos de criação do grupo, o Folias monta

sua trilogia sobre a formação do estado democrático, a Oresteia (O canto do bode), de Ésquilo –

a primeira tragédia grega, e única completa. O espetáculo foi concebido para ser uma alegoria

– crítica, ácida, provocativa – da formação das democracias na América Latina. Assim leu a

Oresteia do Folias a crítica Mariângela Alves de Lima em resenha publicada no jornal O Estado

de São Paulo, em 31 de dezembro de 2007: “[...] O grupo Folias d’Arte parece ter perdido senão a

esperança, a paciência. Apresentou este ano um espetáculo irado e animado na mesma medida

das suas produções anteriores. A diferença, no entanto, está na conclusão que acrescenta à

Oresteia, significativamente subintitulada O Canto do Bode. Bem ao contrário do propósito de

Ésquilo, a leitura contemporânea da trilogia não celebra a instauração da justiça democrática,

mas representa a redenção jurídica metaforizada pela instauração do tribunal civil como um

golpe demagógico, prelúdio melancólico de inumeráveis democracias de fachada. [...]”.

Em Otelo, o texto de Shakespeare permanece, mas com uma nova

tradução, em que se procurou valorizar (intencionalmente) o aspecto popular, coloquial – por

vezes chulo e vulgar – das falas originais, escritas pelo bardo, em inglês; a Oresteia do Folias

mantém parte significativa do texto da trilogia original de Ésquilo, mas com interferências

dramatúrgicas importantes feitas por Reinaldo Maia. Em Folias Galileu, ao contrário, o texto

original de Brecht cede espaço a uma criação totalmente original e coletiva, feita pelos atores do

espetáculo e lapidada por Heloísa Cardoso e Rafaela Penteado. O que não é um detalhe.

Na montagem do Folias, permanecem alguns personagens do texto

original de Brecht de 1938 – Andrea Sarti, Virgínia (filha de Galileu), Dona Sarti (governanta de

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Galileu e mãe de Andrea) e Federzoni (operário-oculista, colaborador de Galileu) são alguns

deles. Têm voz, também, padres, matemáticos e personagens inventados, como é o caso da

aristocrática e católica mãe de Ludovico Marsili (noivo de Virgínia), apenas mencionada no

texto de Brecht, mas que ganha grande relevância na peça do Folias. É ela nossa anfitriã e a

responsável pela abertura e fechamento da peça, em registro irônico, perverso e sarcástico,

impresso com tintas quase expressionistas pela sua intérprete, Bete Dorgam.

Não há Galileu no Folias Galileu. Sabemos das descobertas, ousadias,

fracassos, relações, paixões, revoltas, desilusões do físico, matemático, astrônomo e filósofo

italiano por meio de “testemunhos” dados pelos personagens em quase duas horas de peça.

A direção de Dagoberto Feliz propõe uma solução cênica engenhosa para a inserção desses

monólogos: cabe ao público – ciceroneado pelas quase escravas da rica mãe de Ludovico

Marsili – percorrer o galpão do Folias e ouvir os depoimentos de Dona Sarti, Virgínia, do

Inquisidor, entre outros.

Andrea Sarti (adulto) é o único que permanece em cena todo o tempo,

fumando inúmeros cigarros e sentado em meio às arquibancadas. Logo no início da encenação,

o público se depara não com o menino deslumbrado e cheio de sonhos, encantado com as

descobertas do patrão de sua mãe, o pequeno Andrea, que abre a parte I do texto de Brecht;

o público se depara com um Andrea adulto, amargurado, decepcionado com seu mestre,

transformação que, na peça original, só se configura na parte XIII, quando Galileu abjura e afirma

detestar e maldizer todos seus “enganos” e “heresias”, “assim como quaisquer outros enganos

e pensamentos contrários à Santa Igreja”.

São as catorze esquetes, assistidas por aqueles que se aventuram

pela portaria do teatro, banheiro, café, camarins, rua, boteco em frente à sede da companhia,

que fornecerão ao público do Folias os mais diversos pontos de vista sobre a loucura de

Galileu quando afirma, no texto de Brecht, que “a Terra rola alegremente em volta do Sol, e as

mercadoras de peixe, os comerciantes, os príncipes e os cardeais, e mesmo o papa, rolam com

ela”. É percorrendo esse itinerário arriscado que o público entenderá a paixão e a mágoa de

Andrea com o professor de Matemática e Física da Universidade de Florença.

Não há como manter-se indiferente aos monólogos assistidos. Impacta

a crueza da senhora Marsili, ex-futura sogra de Virgínia, filha de Galileu, quando, logo no início

da peça, reduz o importante físico àquele “que disse e que desdisse”. Sua análise simplista do

capitalismo defende como “natural” um mundo em que convivem ricos e pobres, os quais devem

ser “incluídos socialmente”. Ironicamente, entrevista a plateia para descobrir as profissões das

pessoas que a compõem. Em sua avaliação, professores de literatura ensinam coisas inúteis,

atores são pessoas “sem função”, poetas são desqualificados, ainda que, generosamente, ela

aceite incluir esses desprivilegiados e desvalidos.

Na segunda cena, enlouquecido, um padre “e matemático” afirma ter

abandonado a astronomia em nome da “segurança do cotidiano”. A Procuradora da República,

que custeia as pesquisas de Galileu, defende que a ruína do físico reside no fato de ele não

pensar, como resultado de sua pesquisa, em um produto “realmente rentável” que a justifique.

Um outro padre fornece, em tom solene e monocórdico, típico das missas católicas, detalhes

sobre cada um dos paramentos sagrados e dos objetos litúrgicos presentes nos rituais da Igreja.

Ao contrário das propostas de Galileu, esses objetos, com valor e função definidos, garantiriam

a “ordenação da vida”, daí sua suposta importância para o homem.

Dona Sarti, a mãe do pequeno Andrea e governanta da casa de Galileu,

aparece em duas cenas, interpretada por duas atrizes: em uma delas, a atriz Gisele Valeri se

queixa, falando em italiano, dos gastos de seu patrão com livros, em lugar de leite, e mostra

empatia com as dores de Virgínia; na outra, a atriz Nani Oliveira cozinha um assado e confessa

que não enxerga nada no telescópio que mudou a história do homem e que fascinou seu

pequeno Andrea e o patrão.

Virgínia também se desdobra em duas na montagem do Folias: em

registro humorístico e histriônico, interpretada por Suzana Aragão, transforma a bilheteria do

teatro em confessionário e afirma não compreender por que o pai insiste na astronomia, quando

deveria pensar em algo mais rentável, como a astrologia. Vestida de noiva, aos gritos, em plena

Santa Cecília, goza com a possibilidade do sucesso e do reconhecimento que a figura pública

de seu pai – “já popular em Roma” – lhe poderia garantir. A outra Virgínia, interpretada com

delicadeza por Kátia Naiane, confessa, em meio a um inútil vestido de noiva, seu fracasso e

solidão, diante da recusa do noivo rico Ludovico Marsili em casar-se com ela, e fala sobre o alívio

de saber que seu pai havia renegado suas teorias em nome da Igreja e de sua sobrevivência.

Numa pausa entre uma cena e outra, a mãe de Ludovico seduz o público

com chá e biscoitos e lhe pergunta, em tom imperativo: “Quando um homem é queimado, são

queimadas suas ideias?” Para provar que não, a senhora Marsili relata a história de um escravo

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seu que, por “falar demais”, foi devidamente calado com açoites, mas mantido vivo para “melhor

controle”.

Numa das cenas mais comoventes do espetáculo, o público sobe ao

sótão do galpão, onde se localiza a sala de figurinos do Folias, para testemunhar o “ver com

olhos livres” de um Andrea ainda no frescor de sua infância, deslumbrado com a liberdade que

só o conhecimento proporciona. É lá que, num procedimento tipicamente brechtiano, a atriz

que interpreta Andrea se transforma em menino, diante do público, ao atar um pano aos seios.

Distanciamento e emoção.

Para quem conhece o trabalho do Folias, seria ingenuidade pensar que,

de fato, o grupo, ao montar seu Galileu, pretende apenas – o que não seria pouco – retomar o

drama vivido por uma das cabeças mais revolucionárias de todos os tempos. Ao contrário do

que é comum em seus programas, em que os paralelos possíveis entre teatro e realidade são

explicitados ao leitor por meio de ensaios críticos, em Folias Galileu cabe ao público arriscar-se

na tentativa de descobri-los.

Em editorial publicado no caderno Folias dez anos: Oresteia – O Canto

do bode (Edição especial 10 – primeiro semestre de 2007), lê-se: “Na história do Folias, temos

mantido como regra refletir sobre o mundo a partir de ‘nosso mundo’.” E o que, afinal, a partir

de Galileu, se poderia refletir sobre o tal ‘nosso mundo’ a que se refere o editorial? Em tempos

de esquemas de compras de votos de parlamentares e de retomada despudorada de um

neoliberalismo outrora combatido, não se poderia pensar na figura do amargo Andrea Sarti

como símbolo de uma classe intelectual traída e usurpada? Os inúmeros monitores presentes

na sala da Procuradora da República (responsável pelo financiamento das pesquisas de Galileu)

– que devassam a intimidade dos outros personagens e do público (que também se descobre

“gravado” pelas câmeras) – não seriam símbolo da hipermodernidade e da sensação da

existência do tal Grande Irmão, proposto por George Orwell no sempre atual 1984, que a todos

vigia e controla, em tempos de Obama? Ou, em outra perspectiva, seriam símbolo do voyeurismo

e do “narcisismo sob medida”, explorado por filósofos como Gilles Lipovetsky, defensores

da ideia de que, na contemporaneidade, focamo-nos exageradamente em nossas aflições

individuais e angústias, mas nos anestesiamos para o coletivo? E a figura da senhora Marsili?

Não poderia representar a hipocrisia de uma elite que defende a inclusão e a tolerância, mas

que não abre mão de lucros exorbitantes, de luxos desnecessários e se incomoda com a PEC das

domésticas e outros “abusos”? Dona Sarti seria metonímia de um grupo social cujo propósito

maior é a sobrevivência, cada vez mais difícil, e que não tem tempo ou disposição para grandes

discussões filosóficas e outros “supérfluos” e “frivolidades” da intelectualidade? A primeira

faceta de Virgínia – aquela que corre vestida de noiva pelas ruas perpendiculares à degradada

rua Amaral Gurgel – não seria representativa das pessoas que almejam sucesso a qualquer

custo? “O sucesso me deixa em êxtase!” – brada ela a certa altura.

O desfecho do Folias Galileu guarda uma surpresa (para o desiludido

Andrea e para o público que excursionou pelo galpão da Santa Cecília). O aprendiz de Galileu

descobre que, ainda que tenha abjurado, o pensador italiano não desistiu de suas pesquisas.

Dedicou sua vida a desafiar a cegueira humana, a ignorância e a prepotência dos poderosos que

sabem, como o sabe a senhora Marsili, que quando um homem é queimado não são queimadas

suas ideias. “Desconfiai do mais trivial,/na aparência, singelo./E examinai, sobretudo, o que

parece habitual./Suplicamos expressamente:/não aceites o que é de hábito/como coisa natural,/

pois em tempo de desordem sangrenta,/de confusão organizada,/de arbitrariedade consciente,/

de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural/nada deve parecer impossível de

mudar”, alertam os versos de Bertold Brecht, mas que poderiam ser de Galileu ou até mesmo

de Andrea. Com Folias Galileu, Mariângela Alves de Lima, o grupo Folias parece ter retomado a

esperança, embora a paciência tenha, de fato, se esgotado, o que não é difícil de entender.

Wilton Ormundo é vice-diretor pedagógico e professor de Estudos Literários do Ensino Médio

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