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Ano XXVII • Nº 247 • Junho 2017 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br facebook.com/revista.eco21 ECO 21 Naomi Klein • Marina Grossi • Tasso Azevedo • Flávio Perri Samyra Crespo • Mario Mantovani • Carlos Minc • Liszt Vieira ISSN 0104-0030

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Ano XXVII • Nº 247 • Junho 2017 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br • facebook.com/revista.eco21

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Diretora Lúcia Chayb

Editor

René Capriles

Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles

Colaboradores

André Trigueiro, José Mon serrat Filho Leonardo Boff, Samyra Crespo

Evaristo Eduardo de Mi randa Sergio Trindade

Fotografia Ana Huara

Correspondentes no Brasil

São Paulo: Lea Chaib Belém: Edson Gillet Brasil

Correspondentes no Exterior

Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio

Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa França: Aurore Capriles

Representante Comercial em Brasília

Minas de Ideias

Serviços Infor mativos Argentina: Ecosistema

Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil

França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile)

México: Archipiélago

Direção de Arte ARTE ECO 21

CTP e impressão

Tricontinental

Jornalista Responsável Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108

Assinaturas

Anual: R$ 130,00 [email protected]

Uma publicação mensal de Tricontinental Editora

Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro

Tel.: (21)2275-1490 [email protected]

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Capa: O bafo de Trump Charge: Ramses Morales Izquierdo

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

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O dragão da maldade que quer queimar o mundoNum indignado testemunho logo depois que Donald Trump abandonara o Acordo de Paris, Al Gore escreveu: “Remover os Estados Unidos do Acordo de Paris é uma ação imprudente e indefensável. Isso prejudica a posição dos EUA no mundo e ameaça danificar a capacidade da humanidade de resolver a crise climática no tempo”. A fúria ensandecida de Trump contra todas as iniciativas ambientais e de saúde do Governo Obama não foi uma surpresa. Ele já tinha prometido acabar com a “ invenção chinesa” do aquecimento global. Nesse sentido, nunca foi mais explícita a profecia de Glauber Recha ao criar o personagem Antônio das Mortes, o dragão da maldade, o matador de cangaceiros, uma figura detentora de seu próprio misticismo, que acreditava ser necessário livrar o mundo dos males e que somente ele poderia ser esse predestinado capaz de negar todas suas faltas. Trump é esse dragão da maldade que pode levar o mundo para uma hecatombe nuclear. A retirada de Trump do Acordo de Paris não foi incoerente. Ele simplesmente deu ênfase a uma política que levou os EUA a subverter as iniciativas multilaterais que conduziam a enfrentar os problemas globais, entre eles o aquecimento. É bom lembrar que os EUA não são parte do Protocolo de Kyoto que dispõe de compromissos vinculantes para a redução da emissão dos gases de Efeito Estufa; nem de muitos outros instrumentos mundiais como a Convenção sobre Biodiversidade; o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que protege a biodiversidade e a saúde humana de potenciais riscos causados pela transferência, manipulação e uso de OGM; o Protocolo de Nagoya, que regulamenta o acesso a recursos genéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos de sua utilização; nem da Convenção de Basileia, sobre o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos. O governo estadunidense sempre alegou que esses instrumentos jurídicos prejudicam seus interesses econômicos. Robert Hutchison, ativista ambiental, ao fazer uma relação entre Trump e o Brexit, disse: “o surgimento do nacionalismo econômico e do populismo anticientífico criou um contexto inquietante no qual as mudanças climáticas devem ser pensadas e enfrentadas. Enquanto para a maioria a ciência das mudanças climáticas é complexa, mas clara o suficiente para não nos paralisar, e a energia sem os combustíveis fósseis é convincente, a política permanece enganosa e difícil: temos a tecnologia dos deuses e a política das pessoas narcisistas”. Ao mesmo tempo, as forças progressistas avançam por caminhos inesperados. O presidente francês Emmanuel Macron participou de uma iniciativa que vai além do Acordo de Paris, o projeto de um pacto mundial pelo meio ambiente que no futuro seria um Tratado internacional da ONU. A ideia é reunir num único texto todos os grandes princípios internacionais do direito ambiental e lhe conferir um caráter obrigatório, passível de ser controlado pela justiça. Este acordo completaria o arcabouço jurídico constituído por tratados, acordos e convenções adotados pela ONU, além de um sobre os diretos civis e políticos e outro sobre os diretos econômicos, sociais e culturais. Depois que Trump anunciou que os EUA abandonariam o Acordo de Paris, vários Estados, cidades e empresas reiteraram seus compromissos para reduzir as emissões. Nesse caminho, Michael Bloomberg, na COP-21, criou uma Força-tarefa para incentivar empresas a quantificarem os riscos climáticos do ponto de vista financeiro. O relatório final será apresentado aos líderes do G20 em Julho em Hamburgo. A iniciativa já recebeu o apoio de empresas que, juntas, somam um capital de US$ 3,5 trilhões, e de instituições financeiras responsáveis por ativos de cerca de US$ 25 trilhões. Essas mais de 100 corporações se comprometeram a apoiar as suas recomendações, um ato que comprova a importância da divulgação dos riscos e oportunidades relacionados ao clima. Fica então evidente que o dragão da maldade terá, como no filme de Glauber, um professor que é um santo guerreiro opositor vindo da ciência, que anulará a visão de um mundo dominado pela política da destruição. Trump não conseguirá queimar o mundo.

4 Naomi Klein - Trump sai do Acordo de Paris e deixa o mundo em chamas? 6 Nora Löhle - Com ou sem Acordo de Paris Trump não terá a última palavra 9 Marina Grossi - Setor empresarial reforça apoio ao Acordo de Paris10 Flávio Perri - RIO-92: trabalho sério, sonho e realidade12 Liszt Vieira - RIO-92 e Fórum Global: relembrando bastidores14 Lucas Tolentino - Sarney Filho reafirma parceria ambiental com Noruega16 Carlos Minc - Sobre o corte de verba da Noruega para a Amazônia18 Elisabeth Staudt - As conclusões da Cúpula da Sociedade Civil - C2020 Timothy Hurst - Renováveis empregam 9,8 milhões de pessoas no mundo22 Juliana Arantes - Entrevista com Vicente Andreu28 Elisa Homem de Mello - Itaipu, com nova gestão, inaugura planta de biometano32 Baher Kamal - O implacável avanço da seca é um cavaleiro do Apocalipse34 Claudio Angelo - Hidrelétricas em série levam Amazônia ao colapso36 Luciete Pedrosa - Carlos Nobre propõe a 3ª Via para desenvolver a Amazônia38 Tasso Azevedo - Quanto vale?40 Elton Alisson - Na costa brasileira o nível do mar tende a aumentar42 Alana Gandra - Cidades costeiras são mais frágeis à mudança do clima44 Esther Cutillas e Flora Pereira - Agenda 2030 e ODS48 Mario Mantovani - Desmatar é voltar ao passado49 Marcia Hirota - Inovação pela Mata Atlântica50 Samyra Crespo - Cidades e Soluções, exemplos e otimismo por André Trigueiro

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Agora que Donald Trump anunciou que vai tirar os Estados Unidos do Acordo climático de Paris, e os ativistas ambientais corretamente se mobilizam diante dessa guinada distópica, é hora de falar sem meias-palavras: praticamente todos os pontos fracos, decepcionantes e inadequados no Acordo de Paris são resultado do lobby estadunidense desde 2009.

O fato de o Acordo compro-meter os governos a manter o aquecimento da temperatura da Terra abaixo de 2°C, em vez de um alvo muito mais firme e seguro de 1,5°C, foi algo conquistado pelo lobby dos Estados Unidos.

O fato de o Acordo deixar a cargo de cada nação o quanto cada país irá se esforçar para que essa meta seja cumprida, permitindo que eles chegassem a Paris com compromissos que nos colocaram num rumo desastroso cujo efeito será mais de 3 graus de aquecimento, foi algo conquistado pelo lobby dos Estados Unidos.

O fato de o Acordo tratar mesmo essas metas insuficien-tes como não vinculantes, o que significa que os governos, aparentemente, não têm nada a temer mesmo se ignorarem seus compromissos, é outra coisa que foi conquistada pelo lobby dos Estados Unidos.

O fato de o Acordo expressamente proibir os países pobres de buscar reparação financeira para os danos causados por catástrofes climáticas foi algo conquistado pelo lobby dos Estados Unidos.

O fato de o documento firmado em Paris ser um “Acordo” e não um Tratado – até o fato de que Trump possa encenar sua saída do Acordo em slow motion enquanto o mundo pega fogo atrás dele – foi algo conquistado pelo lobby dos Estados Unidos.

Eu poderia falar sobre isso por horas e horas. Por muito tempo, os EUA tiveram ajuda de “ilustres” petro-estados como a Arábia Saudita nessa sabotagem por trás dos panos. Ao pressionar agressivamente para enfraquecer o Acordo de Paris, os negociadores norte-americanos normalmente argumentam que um Acordo mais consistente seria recusado pela Câmara e pelo Senado dos EUA – controlados pelos Republicanos. Isso provavelmente é verdade. Mas algumas dessas medidas que enfraquecem o Acordo – especialmente as que tentam reduzir a desigualdade entre países ricos e pobres – foram conquistadas apenas por hábito, porque cuidar dos interesses das empresas norte-americanas é o que os Estados Unidos fazem nas negociações internacionais.

Naomi Klein | Escritora e ativista ambiental, colaboradora no The Intercept

Trump sai do Acordo de Paris e deixa o mundo em chamas?

Quaisquer que sejam os motivos, o resultado final foi um Acordo que tem um objetivo de temperatura decente, mas cujo plano para alcançá-lo é frágil e tremendamente fraco para isso. James Hansen, indiscutivelmente o cientista climático mais respeitado do mundo, chamou o Acordo de “falso, uma fraude, na verdade”, porque “não há ação, apenas promessas”.

No entanto, fraco não é o mesmo que inútil. O poder do Acordo de Paris foi sempre o que os movimentos sociais decidiram fazer com ele. Tendo um compromisso claro de manter o aquecimento abaixo de 2 graus celsius, ao mesmo tempo que busca “esforços para limitar o aumento de temperatura para 1,5°C”, significa que não há espaço no orçamento global de carbono para descobrir novas reservas de combustível fóssil.

Esse simples fato, mesmo sem obrigação jurídica por trás disso, tem sido uma potente ferramenta nas mãos de movimen-tos contra novos oleodutos, campos de fracking e minas de carvão, bem como nas mãos de jovens corajosos – que levam o Governo dos EUA à Justiça por não terem protegido o seu direito a um futuro seguro. E, em muitos países, incluindo os EUA até recentemente, o fato de os governos falarem dessa meta só da boca para fora os deixou vulneráveis a esse tipo de pressão popular. Como disse o jornalista e cofundador do 350.ORG, Bill McKibben, no dia em que o Acordo de Paris foi revelado, “os líderes mundiais estabeleceram um objetivo de 1,5°C – nós vamos pressioná-los loucamente para que eles cumpram isso”.

Em muitos países, essa estratégia continua a funcionar, independentemente de Trump. Algumas semanas atrás, por exemplo, uma delegação de nações de ilhas do Pacífico viajou para as areias betuminosas de Alberta (Canadá) para exigir que o Primeiro Ministro Justin Trudeau pare de expandir a produ-ção dessa fonte de combustível de uso intensivo de carbono, argumentando que sua falha em evitar essa exploração viola seu belo discurso e as promessas feitas por ele em Paris.

Essa foi a rotina do movimento global de justiça climática quando se tratava de Paris: tentar manter os governos além da letra fraca do Acordo. O problema é que assim que Trump se mudou para a Casa Branca, ficou perfeitamente claro que Washington não era suscetível a esse tipo de pressão. Isso faz parecer meio ridículo quem ficou histérico quando soube que Trump estava batendo em retirada do Acordo. Porém, assim que o Acordo foi publicado, nós sabíamos que esse retrocesso estava nos planos de Trump. Sabíamos no momento em que ele nomeou Rex Tillerson para o Departamento de Estado e Scott Pruitt para a EPA (a Agência Ambiental dos EUA). Nós confirmamos quando ele assinou a papelada para iniciar as obras dos oleodutos Keystone XL e Dakota Access Pipeline na primeira semana do mandato.

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Por meses, ouvimos falar do cabo de guerra entre quem queria que os EUA permanecessem no Acordo (Ivanka Trump e Rex Tillerson) e aqueles que queriam que os EUA pulassem fora (Pruitt, Steve Bannon, estrategista-chefe da Casa Branca, e o próprio Trump). Mas o próprio fato de que Tillerson (fortemente ligado às petroleiras) pudesse ser o fiel da balança nessa disputa mostra o absurdo da situação.

Foram empresas petrolíferas, como a que Tillerson tra-balhou por 41 anos, cujo incansável lobby ajudou a garantir que os compromissos assumidos em Paris não tivessem mecanismos vinculantes. Por isso, um mês após o Acordo ter sido negociado, a Exxon Mobil, com Tillerson ainda no comando, publicou um relatório afirmando que “esperamos que petróleo, gás natural e carvão continuem a atender cerca de 80% da demanda global até 2040”. Era uma mera expressão de arrogância costumeira das empresas.

A Exxon sabe muito bem que, se quisermos uma chance decente de manter o aquecimento abaixo de 1,5 a 2°C, o objetivo declarado do Acordo de Paris, a economia global precisa abolir os combustíveis fósseis até mea-dos do século. Mas a Exxon ofereceu essas garantias aos seus investidores – e alegou que apoiava o Acordo – porque sabia que o Acordo de Paris não tinha força vinculativa.

É a mesma razão pela qual a facção de Tillerson da gestão Trump achou que poderia conciliar a permanência no Acordo de Paris ao mesmo tempo em que desmantelava a peça central do compromisso dos EUA no Acordo, o Clean Power Plan. Tillerson, melhor do que quase qualquer um, sabe o quão legalmente fraco é o Acordo. Como CEO da Exxon, ajudou a garantir isso. Enquanto tentamos entender, não sejamos bobos: a gestão Trump nunca esteve dividida entre aqueles que queriam destruir o Acordo de Paris e aqueles queriam respeitá-lo. Estava dividida entre aqueles que que-riam destruí-lo e aqueles que queriam ficar nele, ignorando-o completamente. A diferença é somente de óptica: a mesma quantidade de carbono é vomitada de todo modo.

Alguns dizem que não é esse o ponto – que o risco real na retirada dos EUA é que isso vai encorajar todos os outros países a diminuir sua ambição e logo todos irão romper com o Acordo de Paris. Talvez, mas não necessariamente. Assim como o desastre de Trump na saúde pública está encorajando outros países a levar em conta um sistema público de saúde pela primeira vez em décadas, o incêndio climático de Trump só alimentou mais a ambição climática em Estados como a Califórnia e Nova York. Em vez de jogar a toalha, coalizões como a New York Renews, que está pressionando o Estado de NY a usar 100% de energia renovável até 2050, estão ficando mais fortes a cada dia.

Fora dos EUA, os sinais também não são tão ruins. A transição para as energias renováveis já acontece de modo acelerado na Alemanha e na China; os preços estão caindo tão fortemente, que forças muito maiores que Trump estão impulsionando essa mudança.

Claro, ainda é possível que a retirada de Trump provo-que um retrocesso climático global. Mas também é possível que ocorra o contrário: que outros países, sob a pressão de populações furiosas com as ações de Trump, se tornem mais ambiciosas se os Estados Unidos se tornarem realmente nocivos. Eles podem até mesmo decidir endurecer o Acordo sem os negociadores dos EUA para atrapalhá-los.

Há outro ponto, cada vez mais ouvido nos movimentos sociais mundo afora: promover sanções econômicas contra os Estados Unidos diante do vandalismo climático do Presidente Donald Trump.

Vejam que coisa louca, mesmo que isso não esteja escrito no Acordo de Paris, se você decide tocar fogo no mundo, você deveria pagar um preço por isso. E isso deve ser verdade se você for o Governo dos Estados Unidos ou a Exxon ou alguma fusão bizarra dos dois.

Um ano atrás, a sugestão de que os EUA enfrentassem uma punição tangível por colocar em risco o restante da humanidade seria alvo de risada nas rodinhas do establishment: ninguém colocaria suas relações comerciais em perigo por uma coisa tão pequena quanto o Planeta Terra. Mas recentemente, em sua coluna no Financial Times, Martin Wolf escreveu: “Se os EUA se retirarem do Acordo de Paris, o resto do mundo deve considerar sanções contra eles”.

Estamos a um longo caminho de que os parceiros comerciais dos EUA adotem uma medida drástica dessas, mas não apenas os governos podem impor punições econômicas para esse tipo de comportamento imoral. Os movimentos sociais podem pedir boicotes e desinvestimentos para as empresas – assim como foi feito contra o regime de apartheid sul-africano. Não apenas contra empresas de petróleo, mas também contra o conglomerado de Trump. Pressão moral não funciona contra Trump, mas a pressão econômica talvez funcione.

Ou talvez seja hora de sanções econômicas vindas dos consumidores.

ECO•21 agradece a gentileza da Carta Maior. Tradução: Charles Nisz

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Apesar do anúncio de Trump e da renúncia de fato ao papel dos Estados Unidos como líder climático global, a Administração Trump não pode pretender falar em nome ou restringir as ações de atores climáticos ambiciosos nos Estados Unidos. A boa notícia - e aquela que mantém viva a esperança de que, como um país que atua de maneira responsável para combater a mudança climática, os Estados Unidos, coletivamente, são melhores do que o seu atual líder. Existem outros atores fortes nos EUA, no nível subnacional - estados e cidades – que legislam e lutam por uma ambiciosa política climática.

Logo após o anúncio de Trump sobre se retirar do Acordo de Paris, 61 prefeitos representando 36 milhões de norte-americanos fizeram uma declaração conjunta #cities4climate (cidades pelo clima) na qual se comprometem em adotar os objetivos do Acordo de Paris e fortalecer relações ao redor do mundo para proteger o planeta e criar uma economia de energia limpa. Isso está em consonância com o papel cres-cente dos atores não-estatais, como as cidades, no processo climático, incluindo o grupo de liderança climática do C40, que inclui 90 cidades globais, somando juntas 650 milhões de pessoas e um quarto da economia global.

O Conselho C40 é liderado pelo ex-Prefeito da cidade de Nova York, Michael Bloomberg, cuja importante filantropia privada apoia a iniciativa e que, além da cidade de Nova York, conta com outras 11 áreas metropolitanas dos EUA. Cerca de 27 cidades, incluindo Atlanta e Chicago, já se comprometeram a produzir toda sua demanda de eletricidade até 2025 a partir de fontes renováveis. Estados como Minnesota, Illinois, Nova York, Califórnia, Washington, Oregon e Nova Inglaterra ao estabelecer seus próprios compromissos de redução de emissões de CO2 já foram significativamente além das metas da NDC (Contribuições Nacionalmente Determinadas) dos EUA, estabelecidas no nível federal.

Nos Estados Unidos, como em todo o mundo, a mudança em direção às energias renováveis é irreversível. As energias renováveis estão ficando cada vez mais competitivas e se tornaram verdadeiras alternativas de investimento muito atraentes, já que os custos da geração de energia solar e eólica diminuíram em 80% e 60% respectivamente nos últimos oito anos. Por exemplo, as tecnologias verdes como soluções de armazenamento e veículos elétricos – aliás, onde o empre-endedor, visionário e ex-assessor de Trump, Elon Musk, vê o futuro promissor da sua empresa, a Tesla – estão se tornando mais competitivas em termos de custos e contribuem para fazer um “case” de negócios para investimentos sólidos nas energias limpas.

Liane Schalatek | Diretora Associada da Fundação Heinrich Böll, na América do Norte

Nora Löhle | Diretora de programa Energia e Meio Ambiente da Fundação Heinrich Böll nos EUA

Com ou sem Acordo de Paris Trump não terá a última palavra

No âmbito estadual, progressos significativos já podem ser observados, inclusive nos Estados republicanos tradicionais, como Kansas: enquanto o Estado produziu menos de 1% de sua energia proveniente de fontes eólicas em 2005, a participação da energia eólica na geração total de energia no estado atinge hoje 30%. Considerando o conjunto do país, hoje, dois terços do total das novas capacidades de eletricidade instaladas nos EUA em 2016 são gerados por energia eólica e solar.

Assim, em muitos níveis, o argumento do Presidente Trump de que ele é “a favor de Pittsburgh e não de Paris”, e que seu movimento de sair do Acordo protege os empregos americanos, foi completamente desmantelado. A energia renovável e outras tecnologias verdes já criam muitos novos empregos. Com 260 mil pessoas, a indústria solar nos EUA já emprega uma multidão dos 76,572 trabalhadores empregados pela indústria de carvão em 2014, último ano para o qual os dados estão disponíveis. E com uma crescente produção de gás nacional muito mais barata, com ou sem o Acordo de Paris, estes postos de trabalho perdidos de carvão não voltarão – incluindo em Pittsburgh – à tradicional cidade do aço no chamado “cinturão de ferrugem” do país, onde a maioria dos empregos hoje em dia está nas indústrias de serviços de saúde e educação e não mais nas indústrias de carvão e aço.

A maioria dos Estados não retrocederá em seu compromisso de agir frente às mudanças climáticas, mesmo que o Governo Federal queira. Esta convicção é clara no Estado da Califórnia, onde o parlamento, antes do anúncio de Trump, trabalhou de maneira febril para cimentar sua legislação climática pro-gressista e torná-la “à prova de Trump”, isolando a Califórnia de retrocessos ambientais advindos do nível federal.

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De acordo com Kevin de Leon, Presidente Pro tempore do Senado da Califórnia, o Estado duplicará seu esforço para ser um líder climático global, com o objetivo de atingir 100% de energia limpa até 2045. O que parece como uma hipérbole para um Estado, não é: se a Califórnia fosse um país, seria a sexta maior economia do mundo e parte do G7. Para a Cali-fórnia, que criou 500 mil novos empregos de energia limpa nos últimos anos e se orgulha de ter desvinculado as emissões de carbono do crescimento do PIB, o avanço dos ambiciosos compromissos climáticos é o único caminho para o futuro. E a Califórnia parece estar pronta para trabalhar junto a outros Estados dos EUA como Nova Iorque e Washington, em uma “coalizão de boa vontade”, desafiando a Casa Branca de Donald Trump nos planos doméstico e internacional.

O Presidente Trump em seu anúncio televisionado na Casa Branca pode ter recebido o aplauso barato dos presentes e assegurado uma vitória fácil para cumprir uma promessa de campanha aos seus principais eleitores, mas ele não pode contar com o apoio da maioria dos cidadãos dos EUA para esta sua decisão. Pesquisas recentes destacam que cerca de 62% dos estadunidenses em geral apoiam permanecer no Acordo de Paris, incluindo uma maioria de mais de 60% de independentes políticos. E como a “Marcha Popular pelo Clima” ou a “Marcha pela Ciência”, que ocorreu recentemente reunindo mais de 100 mil cidadãos nas ruas em Washington em apoio à ação climática dos EUA demonstrou, as organi-zações de cidadãos e da sociedade civil não serão silenciadas. Essas organizações estão trabalhando em direção a uma reversão eleitoral sobre a agenda de Trump nas eleições de médio prazo em 2018.

Com estados, cidades e cidadãos dispostos a dobrar e avançar com os compromissos climáticos, a comunidade global ainda pode contar com a disposição de muitos americanos para agir de forma responsável em apoio às ações climáticas globais, mesmo que sua Casa Branca não queira.

Infelizmente, este ativismo não compensará o fracasso da Administração Trump em cumprir sua obrigação internacional de financiamento climático. Mesmo que a declaração sobre deixar o Acordo de Paris seja na realidade uma notícia antiga e sem muita consequência adicional, será difícil ignorar a diminuição do financiamento internacional do clima pela Casa Branca sob a Administração Trump. O anúncio da intenção dos EUA de se retirar do Acordo de Paris torna formal o que Trump já havia demonstrado com o pedido de orçamento para o ano fiscal de 2018 há algumas semanas: que, sob sua administração, não haveria apoio financeiro dos EUA para os países em desenvolvimento para ajudá-los a realizar suas ambições climáticas – e, com toda a honestidade, o resultado provavelmente teria sido o mesmo, ainda que a Administração Trump tivesse decidido permanecer no Acordo de Paris.

Como o Diretor do Orçamento da Casa Branca, Mulvaney, disse em meados de Março com respeito ao financiamento climático doméstico e internacional: “Nós não vamos mais gastar dinheiro com isso. Consideramos que é um desperdício de seu dinheiro fazer isso”; comentário feito a respeito do orçamento para a Agência de Proteção Ambiental (EPA). A proposta de Trump é de interromper o financiamento do Plano de Energia Limpa, programas internacionais de mudanças climáticas, pesquisas sobre mudanças climáticas e programas de parceria e outros esforços relacionados.

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Embora a proposta de orçamento da Casa Branca para o ano fiscal de 2018 provavelmente irá mudar para obter aprovação pelo Congresso dos EUA, é improvável que uma maioria republicana em ambas as casas restitua os compro-missos internacionais de financiamento climático.

Para relembrar, muitos países em desenvolvimento na apresentação de suas Contribuições Nacionalmente Deter-minadas (NDCs) na preparação para a Cúpula do Clima de Paris indicaram claramente o que eles poderiam alcançar sozinhos através dos seus esfor-ços domésticos e quanto da sua ambição estava condicionada ao apoio internacional e ao financiamento climático por parte dos países desenvolvi-dos, incluídos aqui os Estados Unidos. Por exemplo, apenas para implementar as NDCs dos 48 países em desenvolvimento mais pobres, isso poderia custar 93 bilhões de dólares por ano, com uma participação signi-ficativa proveniente de fontes internacionais.

Um país-chave como a Índia calculou todos os seus custos de implementação da NDC, abarcando um total de US$ 2.5 trilhões ao longo de 15 anos, em um esforço totalmente condicionado ao apoio financeiro internacional. Assim, a recusa dos EUA no âmbito da Administração Trump de cumprir obrigações financeiras sob a Convenção sobre o Clima para o Acordo de US$ 100 bilhões por ano até 2020 – a linha de base financeira segundo a qual o apoio ao financiamento do clima deveria ser contra-tado sob o Acordo de Paris – sem dúvida tem um “efeito de resfriamento” sobre a capacidade das Partes que são países em desenvolvimento de aumentarem seus compromissos de redução de emissões como parte do processo de “avaliação global” (stock take) e revisão das contribuições no âmbito do Acordo de Paris nos próximos anos.

Embora elementos centrais da implementação do Acordo de Paris tais como a redação do livro de regras técnicas possam avançar nos próximos anos sem a participação da Administração Trump (presumivelmente até que uma pró-xima e mais esclarecida Administração possa recomprometer os Estados Unidos ao Acordo de Paris), haverá uma perda líquida de apoio às finanças climáticas – em especial porque outros países da OCDE não estarão dispostos a compensar o déficit de financiamento dos EUA, aumentando assim suas próprias contribuições financeiras, o que seria necessário. Só se pode esperar que as ações dos Estados Unidos não produzam entre os países desenvolvidos outros renegados ao financiamento climático.

Os métodos contábeis das contribuições financeiras uti-lizados pelos EUA no que diz respeito às ações climáticas em todo o mundo podem ter sido questionados com frequência (como, por exemplo, se os empréstimos e garantias sob uma agência de crédito à exportação dos EUA devem ser conta-bilizados para o cumprimento das obrigações estadunidense de financiamento climático); não obstante, agora, a falta destes será sentida de maneira indiscriminada nas negociações internacionais sobre o clima.

O orçamento do ano fiscal de 2018 elaborado pela Casa Branca elimina completamente a Iniciativa Global sobre Mudanças Climáticas (GCCI), a qual forneceu, por exemplo, US$ 10 milhões em apoio à UNFCCC e ao Painel Intergover-namental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) no orçamento do ano passado – uma soma que, embora pequena, significa uma redução financeira tremenda na garantia do trabalho em curso de ambos os órgãos. Na sua campanha eleitoral, Trump

já havia prometido cancelar todos os pagamentos dos EUA aos “programas da ONU sobre mudanças climáticas” e o orça-mento do ano fiscal 2018 zera todo o apoio ao Fundo Verde do Clima (GCF), considerado instrumental para a implemen-tação do Acordo de Paris.

Isso foi feito apesar do acordo de contribuição no valor de US$ 3 bilhões assinado pela administração Obama para o GCF e que tornaram os EUA tecnicamente o maior país con-tribuinte aos US$ 10,3 bilhões totais prometidos ao GCF, dos quais a Administração Obama

só pode entregar US$ 1 bilhão, incluindo uma transferência de última hora no valor de US$ 500 milhões antes de sua saída. Enquanto o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) continuará a receber dinheiro dos EUA como o único fundo multilateral de meio ambiente no âmbito do orçamento de Trump, as contribuições serão reduzidas em 30% em relação aos níveis do ano fiscal de 2017. A proposta de orçamento de Trump também está reduzindo o apoio dos EUA aos ban-cos multilaterais de desenvolvimento em um quarto. Estes bancos, por suas próprias contas, são atores importantes no financiamento climático global, que, sozinhos, contribuíram com US$ 25 bilhões em 2015.

No passado, a Overseas Private Investment Corporation (que o orçamento de Trump para 2018 não apoia), emitiu US$ 1 bilhão por ano em empréstimos, garantias e seguros para mobilizar investimentos do setor privado em energia renovável. Provavelmente todos os outros programas de energia limpa sob a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Inter-nacional (USAID) e sob o Departamento de Estado, uma parte significativa da assistência climática bilateral estadunidense, também foram completamente “desfinanciados”; o apoio às atividades de desenvolvimento sustentável como, por exemplo, biodiversidade ou paisagens sustentáveis foram reduzidas ao ponto de extinção. De acordo com alguns cálculos, o corte relacionado à assistência ao desenvolvimento poderia ser da ordem de US$ 2,9 bilhões para o ano fiscal de 2018.

Se alguém procura alguma notícia esperançosa que saia dos EUA relacionada ao financiamento do clima, esta diz respeito às ações dos acionistas de empresas de investimento, como a BlackStar ou a Vanguard. Estes estão flexionando seus músculos e exigindo a responsabilidade financeira climática das carteiras de investimento de longo prazo das empresas em que investem. Paradoxalmente, a maior empresa de petróleo do mundo, a gigante Exxon Mobil – que é terreno familiar do Secretário de Estado, Rex Tillerson –teria lutado para que os EUA permanecessem no Acordo de Paris.

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A saída dos EUA do Acordo de Paris, anunciada no dia 1º deste mês (Junho) pelo Presi-dente Donald Trump, é uma péssima notícia para o mundo. Afeta a construção feita ao longo de décadas em prol da luta global contra as mudanças climáticas e do multilateralismo. Entretanto, essa decisão não muda os fatos, nem a posição histórica do Con-selho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), de suas empresas associadas e de seus parceiros nacionais e internacionais.

A ciência é clara em afirmar que limitar o aquecimento global a 2°C é o único caminho para preservar as condições de vida no Planeta. O mundo apoia o Acordo de Paris e 146 países já ratificaram suas metas de redução de emissões de médio e longo prazo.

As empresas já estão engajadas na transição para uma eco-nomia de baixo carbono. Mais de 1 mil empresas de vanguarda já estão tomando medidas sobre as mudanças climáticas, inclusive nos EUA, e reafirmaram seu profundo compromisso com o Acordo. As grandes companhias já entenderam que este é um caminho sem volta e que aquelas que largarem na frente estarão melhor posicionadas no mercado global.

A redução das emissões de Gases de Efeito Estufa é um bom negócio. A implementação do Acordo de Paris pode desbloquear ao menos US$ 13,5 trilhões (www.wemeanbusi-nesscoalition.org/multimedia) em investimentos nos próximos 15 anos. Apenas as soluções do projeto Low Carbon Tech-nologies Partnership Initiative - LCTPi (http://lctpi.wbcsd.org) podem gerar de 25 a 45 milhões de empregos por ano, respondendo por 65% das reduções de emissões necessárias em todo o mundo.

A agenda climática tem forte peso na geopolítica atual. Enquanto os EUA se isolam, países da União Europeia e China, por exemplo, se pronunciaram rapidamente repudiando a posição norte-americana e afirmando que irão acelerar a implantação do Acordo de Paris e a transição global para as energias limpas. O Brasil também demonstrou seu desconten-tamento com a posição do governo Trump e, dadas as grandes vantagens competitivas que possui em uma economia de baixo carbono, pode ocupar uma posição de liderança.

As redes globais articuladas pelo World Business Council For Sustainable Development e pelo We Mean Business, das quais o CEBDS é representante no Brasil, buscaram demover o Governo Trump desta posição equivocada.

Setor empresarial reforça apoio ao Acordo de Paris

Marina Grossi | Presidente do CEBDS

Seguiremos dispostos ao diálogo.No plano nacional, já entregamos ao Governo Federal um

estudo(1) onde apontamos as oportunidades que devemos aproveitar e os desafios que devemos superar para imple-mentar as metas que o país assumiu. Continuaremos ativos e propositivos em todos os espaços por um mundo sustentável e próspero para todos.

1 - O estudo “Oportunidade e Desafios das metas da NDC Brasileira para o Setor Empresarial” (2017) é uma iniciativa do CEBDS com o apoio do We Mean Business. Esta publicação busca oferecer ao setor empresarial uma avaliação sobre como a contribuição apresentada pelo Brasil ao Acordo de Paris poderá reestruturar o sistema produtivo brasileiro por meio de oportunidades de negócio direcionadas a uma economia de baixo carbono.

Para baixar: http://cebds.org/publicacoes/oportunidade-e-desafios-das-metas-da-ndc-brasileira-para-o-setor-empresa-rial/#.WUsOcevyupq

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Vinte e cinco anos é um longo tempo, mas ao mesmo tempo insignificante na com-paração com a presença da vida humana no Planeta. Em todo caso é medida da consciência que progressivamente se forma sobre os destinos da humani-dade como parte atuante sobre o “bioma” Terra.

A convocação da Confe-rência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, RIO-92, é marco histórico da mobilização mundial que trouxe 107 Chefes de Estado e de Governo ao Rio. A decisão de sediar a RIO-92 foi um grande momento para o país que era então agredido e vilipendiado na ONU por sua não-política amazônica e por sua indiferença diante da degradação ambien-tal ligada à pobreza extrema. Essa situação de inferioridade desencadeou uma “ fuite em avant” (fuga para frente), pois a Conferência no Rio despertou o país para a necessidade de políticas públicas voltadas para o novel conceito do desenvol-vimento sustentável e lhe ofereceu a oportunidade para uma revisão de seus procedimentos e instituições públicos.

Flávio Miragaia Perri | Embaixador aposentado, ex- Secretário Nacional e Estadual do Meio Ambiente. Foi Secretário Executivo do Grupo de Trabalho Nacional responsável pela organização da Conferência do Rio, de 1992

RIO-92: trabalho sério, sonho e realidade

Houve um movimento significativo nessa direção por muitos países, senão pela comunidade internacional, instigado pelo Relatório produzido pelas Nações Unidas sob a condução da senhora Brundtland . A Conferência foi uma oportunidade de refletir e debater as clamorosas constatações e apelos que daí derivaram. Foi importante ouvir os países nórdicos e constatar a atuação dos países amazônicos, reunidos e coordenados sob a égide do Tratado de Cooperação Amazônica.

Quais os legados da Conferência de 92?

A Declaração do Rio foi um documento chave por conta da precisão de seus conceitos reunidos em 27 tópicos, que consolidaram a ideia maestra, que até hoje nos conduz, do Desenvolvimento Sustentável.

Foi determinante na definição do conceito o clamor dos países pobres que levaram a incluir nesse contexto o Princípio 5 da Declaração, conclamando os Estados e os povos a coo-perar na tarefa julgada essencial de erradicar a pobreza, como requisito indispensável do Desenvolvimento Sustentável.

A Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas constituíram marcos do progressivo acordo sobre a necessidade de incrementar ações de proteção do meio ambiente.

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Flávio Miragaia Perri

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A Agenda 21 é ainda hoje o mais completo repo-sitório de pensamentos e ações, como programa e método de trabalho, para materializar o conceito de Desenvolvimento Sustentável, conjugando proteção ambiental, justiça social, desenvolvimento tecnológico e eficiência econômica. Sua aplicação nunca aconteceu globalmente, mas temas centrais foram ali tratados, como estraté-gias para combater a pobreza extrema, saúde pública, qualidade para os estabelecimentos humanos, educação e dinâmica populacional entre outros.

Não se ignore tema de indiscutível atualidade, que é a consideração ética e política das claras limitações à própria sobrevivência do Planeta: há um limite na capacidade do planeta Terra de sustentar a convivência da humanidade e natureza (aliás, uma é parte da outra).

A Conferência do Rio, nestes 25 anos, despertou a opi-nião pública, em ações que envolvem progressivamente a participação de povos e cidadãos no debate. Organizações da cidadania multiplicaram-se em número e eficácia e destaco aqui a importância inegável das redes sociais e da Internet. Vimos isso em todas as ocasiões que se sucederam, desde a conferência não-governamental liderada no Brasil por Israel Klabin, celebrando os cinco anos da RIO-92, à extraordinária celebração internacional da RIO+20.

Houve, entretanto, altos e baixos nesse seguimento de 25 anos: o Protocolo de Kyoto não foi o sucesso que pretendeu ser; a Conferência de Paris – saudada como a consagração do combate uníssono universal às consequências das mudanças climáticas, apesar da adesão de 195 países – ainda claudica.

O novo Acordo tem o objetivo de fortalecer a resposta à ameaça da mudança do clima e de reforçar a capacidade dos países de lutar contra os impactos dessas mudanças, no contexto do desenvolvimento sustentável. Trata-se de manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais e adotar políticas e inaugurar projetos que limitem o aumento da temperatura a apenas 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.

Como tem ocorrido em outros contextos de negociações internacionais de pretendida participação dos EUA, esse grande país, sob Trump, acaba de anunciar sua saída do Acordo.

No Brasil, se tomamos o Rio de Janeiro como parâmetro, verificamos recentemente (a partir

de um inventário coordenado pela COPPE-UFRJ) a dificuldade de setores voltados para a produção energética ou para a recuperação das bacias hidrográficas em evoluir em projetos de redução das

emissões de dióxido de carbono (CO2). Dificuldades tecnológicas e restrições

financeiras entram de cambulhada naquilo que conhecemos como a falência do Estado do Rio

de Janeiro.

A coordenadora técnica do estudo, a pesquisadora Carolina Dubeux, aponta a contradição entre objetivos e a realidade: “o consumo energético do setor público deveria ter a emissão restrita a 203,11 gigatoneladas de CO2 em 2030 e, no entanto, o levantamento aponta que em 2015 a liberação de gases de Efeito Estufa do setor era de 694,82 gigatoneladas” (dados do O Globo 9/6/2017). Assim também a restrição que deveria ser perseguida aos esgotos urbanos está distante da meta.

A pesquisadora não é inteiramente pessimista ao apontar tais fatos, pois acredita em outros desenvolvimentos tais que a energia eólica e solar, a redução da frota movida a diesel e gasolina, dando lugar a veículos elétricos, etc. Crê inevitável que os governos do Estado e dos municípios adotem políticas para saneamento das lagoas da Barra da Tijuca e da Baia da Guanabara.

Também creio nessa inevitabilidade, mas são passados 25 anos da adoção de um fantasioso Projeto de Despoluição da Baia da Guanabara e os resultados são pífios. Interesses conflitantes por motivações aparentemente jurídicas (e hoje sabemos que interesses também são financeiros e por vezes pessoais) e falências da administração pública impedem que um verdadeiro projeto de despoluição seja posto em prática.

Processos políticos nunca são lineares, especialmente se conduzidos por autoridades medíocres, movidas por interesses nem sempre transparentes. Acredito na necessidade de socor-rermos o meio ambiente, urgentemente, mas é lamentável que 25 anos depois da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Rio seu país-sede e sua cidade-sede fracassem na aplicação de princípios consagrados então e aplicados com sucesso em países mais sérios.

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Boutros Boutros-Ghali, Secretário-Geral da ONU, Fernando Collor, Presidente do Brasil e Maurice Strong, Secretário-Geral da RIO 92

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Em Junho de 1992, a Confe-rência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-mento - a RIO-92 - reuniu no Riocentro 180 Chefes de Estado, num espectro que ia do então Presidente George Bush (pai) a Fidel Castro, com a cobertura de 9 mil jornalistas. A destrui-ção dos recursos naturais pela atividade econômica já fizera soar o alarme.

Ao mesmo tempo, no Parque do Flamengo, reuniu-se o Fórum Global com a participação de 1500 organizações não-governamentais, mobilizando cerca de 2.000 pessoas provenientes de 101 países. A coorde-nação geral ficou a cargo do Fórum Internacional de ONGs, criado em agosto de 1991 em Genebra durante o Terceiro Encontro Preparatório (PrepCom) da RIO-92. Éramos três coordenadores: um canadense, Peter Padbury, um filipino, Maximo Kalaw Jr., e o brasileiro que subscreve essas linhas, indicado pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS).

O Fórum Brasileiro reuniu, durante dois anos de debates, entidades ambientais, sociais, comunitárias, religiosas, de defesa dos direitos individuais e coletivos, defesa da melhoria da qualidade de vida, Universidades, Sindicatos etc. Foi uma extraordinária experiência democrática de busca de consenso com respeito às diferenças.

Liszt Vieira | Doutor em Sociologia, Coordenador do Fórum Global da RIO-92

RIO-92 e Fórum Global: relembrando bastidores

O foco principal era a crítica à então dominante teoria do crescimento econômico que ignorava o impacto social (desi-gualdade e pobreza) e o ambiental (destruição dos recursos naturais não renováveis) que ameaçavam o Planeta e princi-palmente a sobrevivência da humanidade. Por detrás, estava a visão tripartite de três atores principais, Estado, Mercado e Sociedade Civil, e não apenas o Estado e o Mercado, como sempre foi amplamente divulgado.

Para compreender a Conferência RIO-92, é necessário levar em conta o contexto histórico que a antecedeu. Quando foi oficialmente convocada em 1988, ainda no clima de Guerra Fria, os EUA tinham interesse em mostrar ao mundo que os países socialistas eram mais poluidores do que os capitalistas. Um ano depois, em 1989, caiu o Muro de Berlim e em 1991 desmoronou a União Soviética. Os EUA perderam o interesse, mas não podiam mais impedir a realização da Conferência já aprovada pela ONU. Passaram então a colocar dificuldades, principalmente nas negociações da Convenção do Clima, que foi esvaziada para que os EUA pudessem assinar.

Do lado brasileiro, por coincidência ou não, também surgi-ram resistências. O que era considerado uma vitória diplomática do Itamaraty - trazer a Conferência para o Brasil - passou a ser visto por setores do Governo Collor como indesejável,

pela provável crítica de países estrangeiros ao desmatamento da Amazônia.

As contradições no Governo levaram a um considerável atraso nas obras da Conferência oficial no Riocentro. Três meses antes, o atraso era tanto que um jornal dos EUA perguntava se a obra iria ficar pronta a tempo. Um dirigente de uma ONG estadunidense me disse que não estava preocupado: se não ficasse pronta, a Conferência iria para a sede da ONU em Nova York. Disse isso a um jornalista e no dia seguinte foi publicado que eu estava propondo a transferência da Conferência para Nova York. Percebi então que havia um

jogo pesado nos bastidores e me usaram para defender uma posição que existia no Governo. Esse conflito de posições no Governo foi confirmado: pouco depois, o Coordenador Logístico da Conferência foi afastado e um outro diplomata foi nomeado, quando, então, as obras começaram a andar. Prevaleceu o bom senso.

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Liszt Vieira

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A Conferência RIO-92 pode ser considerada um êxito ou um fracasso dependendo das expectativas. Na realidade, ficou aquém do esperado, mas foi um marco importante para a luta mundial pela sustentabilidade. Os seguintes Acordos foram aprovados na RIO-92:

1) Três Convenções foram assinadas: a do Clima ( esvaziada para contar com a assinatura dos EUA), a da Biodiversidade (que os EUA não assinaram) e a da Desertificação;

2) Declaração de Princípios sobre Florestas (não houve acordo para uma Convenção);

3) Declaração do Rio (Declaração de Princípios);4) Agenda 21 (Plano de Ação),5) Carta da Terra (uma declaração universal de valores

e princípios éticos). No Fórum Global, os militantes e ativistas se reuniram em

tendas previamente instaladas no Parque do Flamengo para discutir uma intensa agenda de sustentabilidade ambiental, social, econômica, política e ética. Ao mesmo tempo, ocorriam diversos shows, manifestações e espetáculos teatrais, circen-ses, musicais etc. que atraiam multidões que passavam e não sabiam bem o que estava sendo discutido nas tendas.

Foram aprovados no Fórum Global 36 Planos de Ação chamados “Tratados” da sociedade civil, divididos em qua-tro grupos: de cooperação, econômicos, meio ambiente e movimentos sociais. Esses “Tratados” analisavam e faziam propostas sobre sustentabilidade em diversas áreas como, por ex, agricultura, indústria, planejamento urbano, política econômica, social, cultural, transporte público, educação, saúde, meio ambiente etc.

Cabe aqui também uma informação de bastidores. Durante a 4ª PrepCom em Nova York, em Março de 1992, o FBOMS participou de uma reunião entre o Embaixador Ronaldo Sardenberg, da Missão Brasileira na ONU, e o então Ministro do Meio Ambiente, na época chamado Secretário Nacional, o ambientalista José Lutzemberg. Nessa reunião, filmada pelo dirigente do FBOMS Nilo Diniz, o Ministro Lutzemberg denunciou corrupção no IBAMA na área de controle de agrotóxicos e exploração e transporte de produtos florestais.

Pouco depois, o Ministro Lutzemberg teve em Washington uma reunião com o Presidente do Banco Mundial. Essa reunião não foi documentada, mas transpirou que Lutzemberg fez forte crítica ao Banco Mundial pelo financiamento de hidroelétricas de grande impacto socioambiental. Segundo vazou na época, o Presidente do Banco Mundial perguntou:

- Ministro, então o que o Sr. acha que o Banco devia fazer? E Lutzemberg respondeu: Fechar as portas!

Seja pela crítica à corrupção no IBAMA, ou pela crítica ao Banco Mundial - ou por ambas - o fato é que, poucos dias depois, o Ministro Lutzemberg foi demitido.

A Conferência RIO-92 foi seguida de diversas outras con-ferências, como a de População no Cairo, a de Mulheres em Beijing, a de Direitos Humanos em Viena. As ONGs tiveram participação ativa em todas elas, influenciando as decisões tomadas pelas delegações oficiais. E até hoje acompanham, em Nova York, as reuniões da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU, órgão criado na Rio-92 e previsto ini-cialmente para ser instalado no Rio de Janeiro. Essa proposta foi recusada pelo Governo Brasileiro, sempre com medo da crítica internacional à devastação ambiental na Amazônia. Com isso, o Rio de Janeiro deixa de receber anualmente centenas de delegados de mais de cem países.

Pode-se dizer que a RIO-92 foi o ponto de partida da série de reuniões internacionais que todo ano discutem as grandes questões de mudanças climáticas e biodiversidade, principalmente. São as chamadas COPs. E o Fórum Global de 1992 pode ser considerado a matriz das reuniões posteriores e encontros da sociedade civil sobre sustentabilidade que, sem o caráter espetacular que teve durante a RIO-92, assumiram uma postura mais técnica em busca de eficiência.

A Carta da Terra, aprovada em Junho de 1992 pelo Fórum Internacional de ONGs, no âmbito do Fórum Global, afirmava que “em toda nossa diversidade, somos um”. O antropólogo Levy Strauss disse certa vez que, quanto mais diversidade, mais humanidade. As organizações da sociedade civil reunidas no Fórum Global articularam a visão antropológica da diversidade humana com a visão ecológica da unidade do Planeta. Como o Planeta, ao longo de seus 4,5 bilhões de anos, demonstrou grande capacidade de regeneração, o que está sob ameaça é a sobrevivência da humanidade com a destruição dos recursos naturais. O que temos pela frente é uma verdadeira crise de civilização que pode afetar profundamente e até mesmo ame-açar a continuidade do homo sapiens demens no Planeta Terra. Este é o grande tema do Século 21 para o qual a RIO-92 e o Fórum Global deram o sinal de alerta.

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Lucas Tolentino | Jornalista do MMA

Sarney Filho reafirma parceria ambiental com Noruega

O Brasil continuará a ter o apoio do governo norueguês nas ações de combate ao desmata-mento. O Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, declarou em Brasília, que o Governo Federal adotou todas as medidas necessárias para a conser-vação da Amazônia e que as autoridades norueguesas reaf irmaram a parceria com o Brasil. A declaração ocorreu após viagem de Sarney Filho e comitiva presidencial a Oslo.

Em nota, o Ministé-rio do Clima e do Meio Ambiente da Noruega considerou a parceria com o Brasil “um grande sucesso” e reiterou que permanecerá apoiando o país. Principal doadora de recursos na área ambiental, a Noruega informou que decidirá a contribuição de 2017 somente no fim deste ano após a confirmação das taxas de desmatamento e declarou entusiasmo com o “forte compromisso” do ministro Sarney Filho em fortalecer a fiscalização no bioma.

O Ministro Sarney Filho ressaltou o fortalecimento da fiscalização após a recomposição orçamentária do Ibama e do ICMBio, feita desde dezembro passado. “As operações de comando e controle, que estavam devagar e quase não existiam mais, voltaram com intensidade muito grande, maior até do que nos anos anteriores”, explicou Sarney Filho.

A medida pode indicar expectativa de queda no desmata-mento. “Os dados preliminares, ainda passíveis de refinamento, nos dizem que essa curva ascendente do desmatamento come-çou a ser revertida”, afirmou. Os números serão consolidados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a previsão é que sejam divulgados até Novembro, pelo Programa de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes).

Ações

Mais de R$ 2,7 bilhões foram doados pela Noruega desde 2009 ao Fundo Amazônia, instrumento responsável por financiar ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e apoiar o desenvolvimento sustentável no bioma.

Como os dados indi-cam aumento no desmata-mento entre Agosto de 2015 e Julho de 2016, o governo norueguês informou que em 2017 deve haver um pagamento máximo de US$ 35 milhões, de acordo com as regras do próprio Fundo. Os avanços brasi-leiros na agenda ambien-tal foram destacados por Sarney Filho. O Ministro afirmou que, pela primeira vez, recursos do Fundo Amazônia foram destina-dos para ações adicionais de comando e controle lide-radas pelo Ibama. O apoio do Fundo Amazônia deverá

prosseguir em 2017 e estender-se também ao ICMBio.As medidas para ampliação das áreas protegidas também

foram citadas. Sarney Filho destacou os vetos das Medidas Provisórias 756/2016 e 758/2016, que reduziam os limites de Unidades de Conservação (UC), publicados no dia 20 deste mês. O Ministro também destacou a criação do Parque Nacional dos Campos Ferruginosos (Pará) e a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Goiás), da Estação Ecológica do Taim (Rio Grande do Sul) e da Reserva Biológica União (Rio de Janeiro) – anunciadas no início do mês.

Os avanços na política ambiental brasileira foram apre-sentados à Noruega, principal doadora de recursos ao Brasil na área ambiental. Em viagem oficial a Oslo, o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, reuniu-se com o Ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Vidar Helgesen, que reafirmou o apoio ao Brasil. Na ocasião, Helgesen reconhe-ceu a determinação do Ministro Sarney Filho em defender a sustentabilidade no país. Sarney Filho também informou que, pela primeira vez, recursos do Fundo Amazônia foram destinados para ações adicionais de comando e controle lideradas pelo Ibama. O apoio do Fundo Amazônia deverá prosseguir em 2017 e estender-se também ao ICMBio.

O Ministro Helgesen classificou como positiva a publicação dos vetos das MPs 756/2016 e 758/2016, que reduziam os limites de UCs. Os vetos foram recomendados pelo Ministro Sarney Filho em função da “contrariedade do interesse público e inconstitucionalidade”. A posição do Ministério foi baseada em estudos e pareceres técnicos do ICMBio.

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Durante a recente visita do Presidente Michel Temer a Noruega, o governo desse país anun-ciou um corte de 50% nos recursos enviados ao Fundo da Amazônia, por causa do aumento do desmatamento e do retro-cesso da política ambien-tal do Brasil. Em 2008, quando fui Ministro do Meio Ambiente, criamos o Fundo da Amazônia, e com o BNDES, alocamos inicialmente 1 bilhão de dólares de apoio, doado pela Noruega.

Reduzimos o desmatamento da Amazônia à metade: de 13 mil quilômetros quadrados, em 2007 e 2008, para 6,5 mil quilômetros quadrados, entre os anos 2009 e 2010. O Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a adotar metas de redução das emissões de Gases de Efeito Estufa; por Lei. Com esse recurso da Noruega, diversos municípios e cooperativas extrativistas se estruturaram.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) melhoraram a cobertura por satélite, houve apoio a projetos de madeira sustentável, comercialização de produtos extrativistas e estruturação de Secretarias Municipais de Meio Ambiente.

Sobre o corte de verba da Noruega para Amazônia

Carlos Minc | Deputado Estadual - RJ (sem partido) Presidente da Comissão pelo Cumprimento das Leis da ALERJ

Nós conseguimos, efetivamente, avançar em alguns campos. Agora, por pressão da Bancada Rura-lista, o IBAMA está de mãos atadas, projetos que tramitam no Congresso querem reduzir as áreas ambientais e as terras indí-genas. O desmatamento da Amazônia aumentou em 30%, e, agora, recebemos essa triste notícia ! Por

causa desse retrocesso, a Noruega, como principal doadora, contribuindo com 80% do Fundo da Amazônia, anuncia que irá reduzir pela metade esse recurso que tanto nos ajudou para avançarmos contra o desmatamento.

O Governo está quebrado, os poucos recursos que tínha-mos para ações de prevenção, monitoramento, combate ao desmatamento e a realização do Cadastro Ambiental Rural (CAR) serão cortados pela metade, por causa dessa política predatória, pressionada pela Bancada Ruralista. Como Pre-sidente da Frente Parlamentar Ambientalista da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, vamos mobilizar as Frentes Ambientalistas de todo o Brasil para tentar reverter esse desastre! Temos que parar esse retrocesso. O Governo Temer é um desastre, e na área ambiental é mais ainda! A consequência será terrível!

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Carlos Minc fiscalizando uma área desmatada

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Mais de 300 organizações da sociedade civil de todas as regiões do mundo se reuniram de 18 a 19 deste mês (Junho), na Universidade HafenCity, em Hamburgo, na Alemanha, para aconselhar os governos das nações do Grupo dos 20 (G20) sobre como alcançar “o mundo que queremos”. É claro para todos que os desafios são enormes e nosso sistema econômico global está no caminho errado. O mundo nunca viu tamanha desigualdade: oito pessoas super-ricas hoje possuem tanta riqueza quanto a metade desfavorecida da população mundial. O fosso entre ricos e pobres está se ampliando na maioria dos países ao redor do Globo. Isso também se reflete nas persistentes desigualdades de gênero.

Sem alterações políticas importantes, a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que Chefes de Estado e de Governo adotaram apenas dois anos atrás, na ONU, não serão alcançados. O mundo também permanece vulnerável a novas crises econômicas e à degradação ambiental. Além disso, a menos que os governos se comprometam com os sistemas de segurança social e os esforços generalizados de criação de emprego, a digitalização e a automação aumen-tarão o desemprego, levando potencialmente a salários mais baixos, erosão dos direitos laborais e instabilidade política. As ações negativas são necessárias por todos os governos, especialmente por aqueles que se reunirão na Cúpula do G20 no próximo mês (7 e 8 de Julho). O princípio de “Leave No One Behind” (Não deixar ninguém para trás) significa uma ação afirmativa para as pessoas pobres, desfavorecidas, discriminadas, excluídas e países. Também significa ajustar as políticas comerciais, fiscais, energéticas, climáticas, agrícolas e outras em conformidade.

O recente anúncio do Governo dos EUA de sair do Acordo sobre o Clima de Paris não foi apenas rejeitado pela sociedade civil global, mas por muitos Estados, cidades e empresas nos EUA e em todo o mundo. A crise global do clima representa um dos maiores riscos para o desenvolvimento sustentável, a igualdade de gênero, a inclusão, o crescimento econômico equitativo e a estabilidade financeira, e até a própria sobrevi-vência para os mais vulneráveis. Uma transição e uma coope-ração justas para um futuro sustentável podem impulsionar o desenvolvimento econômico, criar empregos, melhorar a produtividade e reduzir as desigualdades.

As conclusões da Cúpula da Sociedade Civil - C20

Elisabeth Staudt | Jornalista do C20

Se espera que os outros 19 membros do G20 reafirmem o seu compromisso inabalável com medidas de implementa-ção abrangentes e concretas do Acordo de Paris.

Há apenas algumas sema-nas, o G20 e outros governos se reuniram no Fórum de Financiamento para o Desen-volvimento das Nações Unidas e concordaram que a “trajetó-ria global atual não cumprirá o objetivo de erradicar a pobreza até 2030”. É indispensável

tomar medidas imediatas para políticas fiscais progressivas e mais efetivas e uma melhor gestão tributária, incluindo uma cooperação internacional mais profunda para impulsionar a cobrança de impostos e reduzir os fluxos financeiros ilícitos. Essas etapas, aliadas ao cumprimento dos compromissos em matéria de assistência oficial ao desenvolvimento, são neces-sárias para mobilizar os fundos necessários para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

O mundo permanece excessivamente vulnerável à crise financeira à medida que o setor financeiro e suas instituições cresceram. Hoje, em vez de melhorar a regulamentação finan-ceira (que foi um motivo original para atualizar o G20 em nível de Cúpula), existe a perspectiva de desvendar padrões de regulamentação. Além disso, a ausência de um mecanismo acordado internacionalmente para uma reestruturação justa, transparente e efetiva de dívidas soberanas externas é preocupante, já que o FMI julga cada vez mais países em desenvolvimento como estando em risco de aumento do stress das dívidas. Embora a Agenda de 2030 para alcançar os SDGs exija investimentos em larga escala e longo prazo, inclusive em infraestrutura, estamos preocupados com o fato de os governos do G20 estarem primordialmente buscando investidores focados no lucro para fornecer a maior parte do financiamento. Tememos que os termos propostos para os investimentos, especialmente as parcerias público-privadas (PPPs), possam prejudicar significativamente a capacidade dos governos de proteger o interesse público.

Solicitamos uma deliberação responsável e transparente sobre o compartilhamento de risco adequado antes de adotar disposições contratuais convencionais de PPP padronizadas. Muitos dos ganhos de saúde globais recentes estarão em risco se as maiores economias do mundo não fortalecerem e financiarem melhor as organizações multilaterais de saúde e os sistemas de saúde.

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As consequências de uma preparação inadequada para combater os surtos e a resistência antimicrobiana não respei-tarão as fronteiras e colocarão a saúde global em risco. Da mesma forma, reconhecemos a importância da educação para erradicar a pobreza, exigindo que o G20 ofereça maior apoio político e financeiro para uma educação de qualidade inclusiva e equitativa. Em suma, precisamos de uma transformação radical do atual sistema econômico neoliberal:

• Não mais tratando o meio ambiente, oceanos e a atmos-fera como se fossem sumidouros ilimitados para poluição e Gases de Efeito Estufa (GEE).

• Regulamentando mercados financeiros para que eles não sejam mais um cassino de especulações, mas atendam as necessidades da economia real.

• Fortalecendo o investimento público e o bem-estar social ao não tolerar um sistema de evasão e escape de impostos por corporações multinacionais e indivíduos super-ricos, incentivando políticas fiscais progressivas.

• Implementando o Acordo de Paris por ambiciosas estra-tégias climáticas de longo prazo, eliminando os subsídios aos combustíveis fósseis, estabelecendo sinais efetivos e justos de precificação do carbono, deslocando os fluxos financeiros para promover a transformação e a resiliência, além de cumprir as promessas de acelerar o financiamento climático.

• Reformando os acordos comerciais para que facilitem o comércio justo de bens e serviços, beneficiando os muitos em vez dos poucos, garantir os direitos de propriedade intelectual.

• Finalizando a imposição de políticas de austeridade e encorajando os orçamentos públicos que promovam o desen-volvimento, a erradicação da pobreza e a justiça social.

• Regulamentando os mercados de trabalho de forma a garantir o direito do trabalhador ao trabalho decente e ao salário digno.

Exortamos, portanto, os líderes do G20 a tomar medi-das ousadas para reestruturar fundamentalmente o sistema financeiro e econômico global atual para que ele respeite os direitos humanos e sirva as pessoas e o Planeta.

Hamburgo, 19 de Junho de 2017

O que é a Civil 20

O G20 civil é uma reunião para o diálogo político entre os líderes políticos dos países do G20 e representantes de organizações da sociedade civil que trabalham nas questões relacionadas à agenda da Cúpula do G20. O objetivo da reunião civil do G20 é facilitar o intercâmbio de ideias e opiniões sobre a agenda da Cúpula do G20 e discutir questões pertinentes que sejam relevantes para a sociedade civil com vistas a contribuir de forma substancial para a formulação de políticas com base na avaliação da sociedade civil da Agenda principal da Cúpula do G20.

As deliberações da sociedade civil do G20 remontam à Cúpula de Toronto, Canadá, em Junho de 2010. No entanto, como processo estruturado o grupo Civil 20 foi estabelecido pela primeira vez durante a presidência russa do G20 em São Petersburgo, em 2013.

Ao longo dos últimos meses, representantes de mais de 150 organizações de mais de 50 países trabalharam no Civil 20 em seis grupos de trabalho. A Cúpula do C20 de 18 a 19 de Junho de 2017 foi o destaque do C20 deste ano. Durante o primeiro dia, 300 participantes discutiram o tipo de glo-balização que a sociedade civil quer em uma série de painéis e workshops. No segundo dia, representantes da política, organizações internacionais e sociedade em geral discutiram as recomendações políticas da C20. entre eles a chanceler alemã, Angela Merkel.

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As energias renováveis empregavam mais de 9,8 milhões de pessoas em 2016, segundo o mais recente Relatório “Energia Renovável e Emprego - Revisão Anual 2017” da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) que acaba de ser divulgado na 13ª reunião do Conselho da IRENA e traz os dados mais recentes sobre empregos e análises sobre os fatores que afetam o mercado de trabalho em energias renováveis.

“A queda dos custos e políticas facilitadoras têm impul-sionado o investimento e, por consequência, os empregos em energias renováveis em todo o mundo desde a primeira avaliação anual da IRENA em 2012, quando pouco mais de cinco milhões de pessoas trabalhavam no setor. Nos últimos quatro anos, por exemplo, o número de empregos nos setores solar e eólico mais do que dobrou. As energias renováveis estão apoiando diretamente objetivos socioeconômicos mais amplos, com a geração de empregos cada vez mais reconhecida como um componente central da transição energética global. À medida que a balança continua a pender em favor das energias renováveis, esperamos que o número de pessoas trabalhando no setor de energias renováveis possa chegar a 24 milhões até 2030, mais do que compensando as perdas de postos de trabalho com combustíveis fósseis e se tornando um grande motor de desenvolvimento econômico em todo o mundo”, destaca Adnan Amin, Diretor Geral da IRENA.

O Relatório mostra que as energias renováveis empregavam 8,3 milhões de trabalhadores em todo o mundo em 2016, excluindo-se as grandes hidrelétricas. Se contabilizarmos os empregos diretos gerados por estas, o número total de empregos em energias renováveis no mundo sobe para 9,8 milhões. A maior parte dos empregos se concentra na China, no Brasil, nos EUA, na Índia, no Japão e na Alemanha.

Renováveis empregam 9,8 milhões de pessoas no mundo

Timothy Hurst | Jornalista da Agência Internacional de Energia Renovável - IRENA

Na China, por exemplo, 3,64 milhões de pessoas trabalharam em energias renováveis em 2016, um aumento de 3,4% em relação ao ano anterior.

O Relatório da IRENA mostra ainda que, nesse setor, a energia solar fotovoltaica (PV) foi a maior empre-gadora em 2016, com 3,1 milhões de empregos - 12% a mais em relação a 2015 - principalmente na China, Estados Unidos e Índia. Nos Estados Unidos, os empregos na indústria solar aumentaram 17 vezes mais rápido do que a economia como um todo, crescendo 24,5% em relação ao ano anterior para mais de 260 mil. As novas instalações eólicas contribuíram para

um aumento de 7% no emprego eólico global, que alcançou a marca de 1,2 milhão de postos de trabalho. O Brasil, a China, os Estados Unidos e a Índia também se revelaram mercados-chave de bioenergia, com os biocombustíveis res-pondendo por 1,7 milhão de empregos, a biomassa por 700 mil e o biogás 300 mil.

“Ao incluir dados de grandes hidrelétricas, este ano a IRENA traçou um quadro mais completo sobre os empregos no setor das energias renováveis. É importante reconhecer esses 1,5 milhão de trabalhadores, pois eles representam a maior tecnologia de energia renovável por capacidade instalada”, disse Rabia Ferroukhi, Chefe da Unidade de Política da IRENA e Diretora Adjunta de Conhecimento, Política e Finanças.

O Relatório também informa que, globalmente, 62% dos postos de trabalho em renováveis estão localizados na Ásia. Empregos em instalação e manufatura continuam a migrar para aquela região, especialmente para Malásia e Tailândia, que se tornaram centro mundial de fabricação de energia solar fotovoltaica. Na África, os avanços no uso das energias renováveis em concessionárias de serviços públicos foram gran-des, gerando 62.000 empregos em renováveis no continente. “Em alguns países africanos, com recursos e infraestrutura adequados, estamos vendo postos de trabalho surgirem em fabricação e instalação para projetos com escala de serviços públicos. Para grande parte do continente, entretanto, as energias renováveis distribuídas, como a energia solar fora da rede, estão trazendo acesso à energia e desenvolvimento econômico. Estas soluções de mini-grid e off-grid estão dando às comunidades a chance de superar a falta de infraestrutura de energia elétrica tradicional e criar novos postos de trabalho no processo “, disse Ferroukhi.

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Vicente Andreu, Presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), diz que a ANA está empenhada em envolver a sociedade nas discussões do Fórum que acontece no Brasil em 2018. Em entrevista exclusiva ao Informativo REBOB ele diz que o objetivo é aumentar a conscientização sobre os desafios atuais e futuros e para isso a ANA deposita enorme expectativa nos efeitos do “Fórum Cidadão”.

Formado em Estatística em 1980, pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas, Vicente Andreu Guillo lastreou seu currículo com uma atividade permanentemente ligada ao tema que hoje comanda no País: a Água. Em Campinas, São Paulo, onde deu seus primeiros passos, foi presidente da Sociedade Abastecimento de água (SANASA), e depois ocupou as Secretarias Municipais de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente.

Foi Diretor da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), Presidente da Usina Termelétrica Nova Piratininga LTDA, em Piratininga/SP, e membro do Conselho de Administração da Usina Termelétrica Termobahia, em Salvador/BA. Ocupou, por fim, a Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (MMA), antes de ser indicado para a presidência da Agência Nacional de Águas.

Sindicalista de origem, ele tem marcado sua atuação à frente da ANA por uma articulação supra-partidária que forma uma grande frente no País – e, em especial, no Parlamento – a favor da melhoria da gestão dos recursos hídricos no País. Ele pegou a Agência Nacional de Águas em um momento de consolidação internacional, e deu a ela uma dimensão de importância que resultou no reconhecimento mundial de se tratar de uma das melhores agências reguladoras existentes, tendo contribuído decisivamente também para a implantação de uma legislação das águas muito avançada em todo País.

A Agência Nacional de Águas hoje é referência na gestão das águas para toda a Comunidade de Países de Língua Por-tuguesa (CPLP), e deve muito disso ao trabalho de Vicente Andreu. Um dos principais responsáveis pela organização do 8º Fórum Mundial das Águas, Vicente vai virar a ironia de ajudar a organizar um evento e não poder participar dele mais como Presidente da ANA. Seu mandato vence em Dezembro deste ano. Nessa entrevista, ele aborda aspectos técnicos e históricos e mostra, com clareza, porque a água entrou na sua vida como tema central e vai permanecer por muito tempo.

ANA quer sociedade envolvida no 8º Fórum Mundial da Água

Juliana Amorim Arantes | Jornalista

A Agência Nacional de Águas - ANA - conseguiu criar um modelo de gestão e implementar uma legislação de recursos hídricos das mais modernas no mundo. Nesse aspecto, o senhor acha que o Brasil terá uma boa vitrine para apresentar no 8º Fórum Mundial da Água? Quais serão os destaques principais disso?

De fato, a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), estabelecida pela Lei 9.433/97, ficou conhecida por seu caráter descentralizador, por criar um sistema nacional que integra União e Estados; e participativo, ao inovar com a instalação de Comitês de Bacias Hidrográficas que unem poderes públicos nas três instâncias, usuários e sociedade civil na gestão de recursos hídricos. A PNRH é considerada uma Lei moderna que criou condições para identificar conflitos pelo uso das águas, por meio dos planos de recursos hídri-cos das bacias hidrográficas, e arbitrar conflitos no âmbito administrativo.

O acompanhamento da evolução da gestão dos recursos hídricos em escala nacional é fundamental para avaliar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e da sua articulação com as políticas estaduais de recursos hídricos. Esse acompanhamento é feito por meio da publi-cação, pela ANA, do Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos, que a cada quatro anos faz um balanço completo da implementação dos instrumentos de gestão, com atuali-zações anuais, e dos avanços institucionais do Sistema e da conjuntura dos recursos hídricos no País.

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Entrevista com Vicente AndreuPresidente da Agência Nacional de Águas

Vicente Andreu

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Este ano vamos publicar, no segundo semestre, uma nova edição do Relatório de Conjuntura e esta será uma edição importante, já que em 2017 a PNRH está completando 20 anos. Nesses 20 anos foram produzidos muitos relatórios, diagnósticos e propostas sobre a governança das águas no Brasil. No entanto, há hoje um reconhecimento de que é necessário revisitar todo o arcabouço legal e institucional com vistas ao seu aprimoramento. Por exemplo, a Lei determina a adoção da totalidade da bacia hidrográfica como unidade básica de gestão, mas isso tem desestimulado ou mesmo inviabilizado a implementação de Comitês de Bacia em muitas partes do País, como na região Amazônica, onde as distâncias são enormes e os problemas são mais localizados. Uma possível alternativa seria que os Comitês pudessem ter recortes geográficos diferentes.

Desde Abril, estamos implementando o Projeto Legado para a Gestão das Águas que vai estabelecer uma agenda propositiva para o aperfeiçoamento da política e do sistema institucional, a partir de uma sistematização dos diversos estudos e diagnósticos existentes, de reflexões internas da ANA e de consultas dirigidas aos atores do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH).

As contribuições podem ser feitas em reuniões setoriais, que já estão acontecendo, ou pelo site da ANA. Em Novembro, haverá um grande seminário de encerramento do trabalho, que servirá como uma plataforma adicional para qualificação da participação brasileira no 8º Fórum Mundial da Água, entre 18 e 23 de Março de 2018, em Brasília.

A crise política está colocando os preparativos para o 8º Fórum Mundial da Água em um segundo plano? Essa situ-ação vivida pelo Brasil pode de alguma forma, comprometer o êxito do evento?

Claro que sempre há um risco de a conturbada agenda política atual dominar os espaços de discussão na sociedade, mas eu acredito que exatamente porque o País vive um momento delicado, com clara necessidade de mudanças, é que se torna ainda mais necessário chamar a atenção para uma melhor qualificação do tema água nas agendas dos governos e políticos no Brasil.

Nas últimas eleições, em 2014, por exemplo, mesmo quando o Sudeste estava atravessando a pior crise hídrica da história, afetando as duas principais metrópoles do País, São Paulo e Rio, o tema água não foi incluído nos debates políticos dos candidatos. A sociedade tem que conhecer mais sobre o tema, até para poder se aparelhar para cobrar os governantes. Neste aspecto, nós, instituições que trabalhamos com recur-sos hídricos, temos um papel importante e a realização do 8° Fórum Mundial na Água no Brasil é uma oportunidade para graduar esse debate.

Além disso, vivemos sob a pressão das mudanças climáticas que atingem diretamente os recursos hídricos. Há tendência, já observada, de enfrentarmos eventos extremos, como secas e cheias, com maior recorrência, portanto, independentemente do clima político, não podemos adiar esses debates e a busca por soluções para os novos desafios do futuro.

O 8º Fórum Mundial na Água é uma parceria entre o Conselho Mundial da Água, entidade com sede em Marselha, na França, que realiza o Fórum; com o Governo Federal por meio do Ministério do Meio Ambiente e apoio da Agência Nacional de Águas; e do Governo Distrito Federal com apoio da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (ADASA). Na ANA, foi criado o Comitê Executivo do Fórum Mundial da Água.

O Diretor-Executivo do 8º do Fórum Mundial na Água, Ricardo Medeiros, que é também governador do Conselho Mundial da Água, está mobilizando o setor privado que terá uma participação importante na Feira, que é realizada paralelamente às sessões temáticas do Fórum. Eu não acredito que o cenário político prejudique o Fórum, mas os impactos políticos na economia podem reduzir o número de empresas privadas que poderiam participar do Fórum se as condições fossem outras.

O Brasil é uma das maiores potências do agronegócio no mundo e ao mesmo tempo uma das maiores - se não a maior - reserva de águas do mundo. O senhor diria que o País está conseguindo colocar em prática uma agropecuária que respeite a natureza e que possa ser uma referência em sustentabilidade a ser mostrada ao mundo, especialmente no momento do 8º Fórum Mundial da Água?

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Sem dúvida a agropecuária brasileira é muito eficiente, mas isso não quer dizer que não haja espaço para incorporar, cada vez mais, tecnologias sustentáveis no agronegócio e nas práticas agrícolas, sobretudo no que diz respeito à economia de água, já que a irrigação é responsável por cerca de 70% do consumo de água no mundo todo. Mas isso não faz do setor um vilão entre os usuários de recursos hídricos. Há muito mais desperdício, por exemplo, nos serviços de distribuição de águas nas cidades. O importante é buscar o uso racional em todos os setores.

O Brasil está entre os dez países com a maior área irrigada do planeta, embora utilize apenas 20% da área potencial para a atividade. Considerando a importância da irrigação no uso da água e a carência de informações atualizadas, no ano passado a ANA, em parceria com a Embrapa Milho e Sorgo, concluiu o levantamento Agricultura Irrigada por Pivôs Centrais no Brasil. O estudo identificou 20 mil equipamentos ocupando 1.275 milhão de hectares em 2014, um aumento de 43% em relação à área levantada no Censo Agropecuário de 2006.

A partir do mapeamento, foram identificados 16 polos principais de irrigação por pivôs centrais no Brasil, sendo que os maiores estão localizados nas Regiões Hidrográficas Paraná e São Francisco. Essas informações são importantes para, entre outras coisas, quantificar a demanda de água na irrigação já que o Brasil é um forte exportador de produtos agrícolas com grande potencial para aumentar sua área irrigada.

Este ano, também estamos próximos de concluir um estudo sobre irrigação de cana-de-açúcar. Esses estudos são etapas para a construção do Atlas do Uso da Água na Agricultura Irrigada, que vai mapear outros importantes grupos de áreas irrigadas, como café e arroz inundado. O Atlas também determinará, de forma mais precisa, qual a necessidade hídrica dessas culturas. Esse tipo de estudo é de extrema importância para o desenvolvimento de políticas públicas, por parte dos governos, e para iniciativas dos próprios setores, que podem ajustar seus processos, incorporando um uso mais racional, ao mesmo tempo em que têm a oportunidade de reduzir custos, sobretudo naquelas bacias que já cobram pelo uso da água bruta, conforme prevê um dos instrumentos da PNRH.

Acredito que, durante o 8º Fórum Mundial da Água, haverá várias sessões temáticas dedicadas a discutir a eficiência do uso dos recursos hídricos na agricultura e no agronegócio, não só de especialistas brasileiros, mas também de estrangeiros. A grade temática ainda está sendo montada.

Internacionalmente, de onde o senhor acredita que possam vir as melhores experiências do mundo para o 8º Fórum Mundial na Água?

De várias partes. O 8º Fórum Mundial da Água é divi-

dido em vários processos temáticos. Um deles é o processo regional, onde são apresentados os casos de diversas regiões do mundo. Eu arriscaria dizer que um dos assuntos que vai despertar maior interesse é sobre como a Europa, que está mais adiantada, está lidando com ações de adaptação para as mudanças climáticas com relação à gestão dos recursos hídricos. A Inglaterra e a Suécia já fizeram suas avaliações de risco e seria muito interessante conhecer.

Com relação à gestão de rios fronteiriços, a troca de infor-mações e o monitoramento conjunto feito entre os Estados Unidos e o México no Rio Colorado é um bom caso a ser compartilhado. A China tem muito que contar sobre os desafios para lidar com a degradação do Rio Amarelo. Na Austrália, o Rio Murray é um caso interessantíssimo de gestão que adota instrumentos econômicos modernos. Lá, existe o título de propriedade para o uso da água que pode ser vendido, ou seja, há um mercado de licenças para o uso da água.

Aqui no Brasil, nós adotamos um instrumento econô-mico na renovação da outorga do Sistema Cantareira. É um instrumento diferente do australiano. De acordo com a nova outorga concedida pelo DAEE, por delegação da ANA, os volumes não utilizados pelas Bacias PCJ (rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí) ao final do período seco poderão ser utilizados pela SABESP, mediante pagamento, conforme regra a ser definida entre os interessados. Cito isso como exemplo de como o compartilhamento de experiências é muito importante, pois as experiências de outros países podem ser referências valiosas.

Na África, o Rio Nilo é um exemplo de conflitos pelo uso da água com experiências interessantes a serem com-partilhadas, pois os países que dividem a Bacia do Nilo são muito secos, alguns com territórios desérticos. Há disputas entre a Etiópia e a Tanzânia, localizados nas cabeceiras do rio, com o Egito, por exemplo, que está na foz e é totalmente dependente do Rio Nilo.

Como principal e mais importante país da CPLP, acha que o Brasil está cumprindo bem a responsabilidade que lhe cabe no exemplo da boa gestão da água?

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Acredito que sim. Dentre as modalidades da Cooperação Sul-Sul, que é a ênfase da Agência Brasileira de Cooperação do Itamaraty, com quem a ANA tem parcerias dede 2001, a ANA exerce ações com países em desenvolvimento e com organismos internacionais. Um dos projetos é a implementação com a UNESCO para o fortalecimento da gestão integrada e do uso sustentável dos recursos hídricos no contexto dos países da América Latina e Caribe e da CPLP. A iniciativa está em implementação desde 2014 e tem vigência até 2019. Os objetivos são fortalecer as capacidades para a gestão e desenvolver ações de cooperação para a melhoria dos sistemas nacionais, além de estimular o desenvolvimento institucional e legal da gestão dos recursos hídricos nesses países.

O tema do 8º Fórum Mundial da Água é “Compartilhando Água”. O Brasil compartilha pelo menos uma grande bacia – a do Prata – com países vizinhos. Como é a política adotada hoje pela ANA para a gestão das águas daquela e de outras bacias compartilhadas? Há algo a ser mostrado ao mundo?

A maior parte das fronteiras do Brasil é definida por rios e isso justifica a ênfase nas ações de cooperação técnica com países da América do Sul, em consonância com as prioridades da política externa brasileira. A Bacia Amazônica abrange uma área de aproximadamente 6 milhões de km² e se estende por 7 países: Brasil, Colômbia, Bolívia, Equador, Guiana, Peru e Venezuela. Ocupa áreas desde os Andes peruanos, onde estão as cabeceiras do Rio Solimões, até a foz do Rio Amazonas, no Oceano Atlântico. O monitoramento da Bacia é um dos principais desafios devido a sua extensão e áreas isoladas e de difícil acesso. Por isso, desde 2012, o Projeto Amazonas, que acaba de ser renovado até 2020, desenvolve ações de fortale-cimento da gestão de recursos hídricos na região.

É uma iniciativa da ANA implementada em parceria com a ABC e executada pela Organização do Tratado dos Países da Amazônia (OTCA) com os órgãos gestores de recursos hídricos dos países signatários. O Projeto já capacitou mais de 280 especialistas e desenvolve ações para fortalecer as instituições responsáveis pela gestão dos recursos hídricos, para aumentar a articulação e a troca de informações entre as instituições dos países da OTCA e tem o objetivo de instituir uma rede hidro meteorológica e de qualidade da água para a Bacia.

Na Bacia do Prata, temos várias ações de gestão em seus afluentes brasileiros que são rios federais. Por exemplo, no Rio Paraná há diversas ações no Paranaíba, no Paranapa-nema e no Grande; no Rio Paraguai estamos coordenando o Plano de Bacia do Pantanal e no Rio Uruguai estamos avaliando modelos institucionais de gestão transfronteiriça que inclui a possibilidade de criação de Comitês de Bacias Internacionais.

Qual a orientação da ANA para a organização do Fórum?

Nosso principal objetivo é aproveitar a oportunidade para envolver a sociedade nas discussões, contribuindo para aumentar a conscientização das pessoas sobre os desafios atuais e futuros. Para isso, estamos com muita expectativa nos efeitos do Fórum Cidadão, um dos processos do Fórum que se dedica ao engajamento e participação efetiva da sociedade civil, organizada ou não, como ONGs, comunidades locais, produtores rurais, empresários e movimentos indígenas, de gênero e da juventude. Além disso, queremos mudar o pata-mar das discussões sobre água nas políticas públicas, ou seja, que o tema entre com mais força nas agendas dos governos e, como dito antes, nas discussões, nos processos.

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Itaipu, com nova gestão, inaugura planta de biometano

Elisa Homem de Mello | Jornalista

Responsável pelo abaste-cimento de 17 por cento da energia elétrica consumida no Brasil e 76 por cento da demanda paraguaia, a Usina Hidrelétrica de Itaipu que, recentemente, estabeleceu novo recorde mun-dial de produção energética, com a marca de 103 milhões de megawatts-hora (MW/h), inaugurou, no último dia 2 deste mês (Junho), a primeira planta de produção de biogás do Brasil.

O modelo, que passará por mais 20 meses de testes e poderá ser replicado em todo o país com grandes vantagens ambientais e econômicas, utiliza como matéria prima mais de 300 litros de esgoto produzidos diariamente, restos orgânicos de restaurantes (600 kg/dia) e poda de grama (mais de uma tonelada/dia).

Diante do cenário contemporâneo de uma nova relação capital-trabalho que vem se impondo, por um lado associada às pressões por maior responsabilidade social corporativa, e por outro, relacionada às questões ambientais, que envolvem além de eventos socioeconômicos e socioambientais, transfor-mações decorrentes de fenômenos como mudanças climáticas, faz-se necessário repensar processos de gestão empresarial que levem em consideração princípios do desenvolvimento sustentável.

Uma das soluções que visa a reestruturação do modelo produtivo é a Economia Circular, já que propõe, em linhas gerais, a reinserção dos materiais no ciclo produtivo, visando minimizar a deposição de resíduos no ambiente e conse-quentemente evitando a geração de impactos ambientais negativos.

Estudos apontam a biomassa como sendo o 4º material mais frequente em fechamento de ciclo e, em suas diversas formas, são as principais fontes para se obter biogás, produ-zido pela quebra biológica da matéria orgânica na ausência de oxigênio.

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Elisa Homem de Mello

O Gerente-Geral brasileiro de Itaipu Binacional, Luiz Fernando Vianna (à direita), inaugurando a planta de biometano

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“Esta planta foi construída justamente considerando o contexto da Economia Circular”, afirma Marcelo Alves de Sousa, Gerente de Relações Institucionais do Centro Inter-nacional de Energias Renováveis-Biogás (CIBiogás). “Os resíduos de podas, por exemplo, eram depositados no meio ambiente, o que também gerava emissão de GEE, resultante do transporte para estes aterros sanitários”. O CIBiogás, localizado no Parque Tecnológico Itaipu (PTI), em Foz do Iguaçu, além de ser uma instituição autônoma, conta com mais de 15 instituições parceiras, dentre elas a Universidade de Viena, referência europeia no tema de energias renováveis. Após vários estudos realizados em parcerias com a Áustria e a Alemanha, o conhecimento foi adaptado e trazido ao Brasil, “pois seria inviável propormos um sistema de biodigestão de 300 mil euros, cujo biodigestor fosse feito em concreto e muito ferro, nada disso caberia no bolso e na eficiência de nosso país”, explica Rodrigo Regis, presidente do CIBiogás, o por que da adaptação tropical. O biodigestor da nova planta da Itaipu é foi feito com fibra de vidro e possui a mesma eficiência do biodigestor alemão, segundo os técnicos, além de se alimentar da energia fotovoltaica.

Estima-se que a planta de biometano, localizada no Mirante do Vertedouro da Central Hidrelétrica, deverá produzir 4 mil m3 de biometano por mês, suficiente para atender, por exemplo, 60 carros da frota total de 250 veículos da Itaipu. O custo do biometano deverá ser de R$ 3,31/km, caso a planta atinja seu potencial máximo de 9 mil m3 de produção. Em comparação, este combustível deverá custar até R$ 0,26/km, isto é, R$ 0,10 mais barato que o custo do etanol. O investimento realizado foi de R$ 2,1 milhões. Outro subproduto é o biofertilizante e sua produção será suficiente para adubar mais de 200 hectares de áreas verdes da empresa. “Com isso conseguimos fazer com que todo este esquema da Itaipu se mantenha circular. Nossa proposta é chegar a 100% de fechamento deste “looping”, falta muito pouco”, segundo Marcelo, que complementa explicando que este tipo de iniciativa não pode ser vista apenas do âmbito econômico, “é preciso que haja uma visão ecossistêmica, sobretudo do ponto de vista ambiental”.

Replicando

O desenvolvimento desta planta faz parte da estratégia de gestão em dois âmbitos: energético e de saneamento, já que o biogás é a única fonte de energia renovável que transforma passivo ambiental em ativo energético. Ao tratar a biomassa resultante, o meio ambiente é saneado. “Queremos levar isso para a agroindústria, grande produtora de resíduos, princi-palmente quando há animais confinado e onde o tratamento da biomassa torna-se necessário para a licença de aumento no número do rebanho, ou seja, saneamos o meio ambiente e o agricultar consegue sua licença”, explica Marcelo. Na teoria, o processo conhecido como “ganha-ganha” (win to win) trata-se de um dos conceitos base da economia circular.

Por trás do planejamento estratégico da Itaipu está ainda a ampliação, em menor ou maior escala, da nova gestão ambiental encontrada pela Itaipu, seja em escolas, municípios lindeiros e outras regiões onde a quantidade de resíduos é imensa. Segundo o Banco de Informações de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em todo o Brasil existem 15 plantas produzindo biogás para geração de eletricidade com uma potência instalada de quase 118 MW.

Só em São Paulo, onde o Programa Paulista de Biogás prevê a obrigatoriedade de injeção de percentual mínimo de biometano no gás natural comercializado, a capacidade de produção energética chega a 70 MW, ou seja, 60% da potência total do país atualmente.

“Os órgãos reguladores estão atentos e, certamente, com a expansão econômica, o biogás será cada vez mais uma opção. O Estado de São Paulo é extremamente importante para estas alternativas”, afirma Paulo Schmidt, Superintendente de Energias Renováveis da Itaipu.

Entrevista com Luiz Fernando Vianna

Carismático e sorridente, o engenheiro e ex-Presidente da Companhia Paranaense de Energia (COPEL) tornou-se, no último dia 23 de Março, o 10º Diretor Geral brasileiro a comandar a hidrelétrica binacional. Do alto de seus quase 2 m de altura, em entrevista especial, Vianna contou sobre os desafios que deverá ter à frente da hidrelétrica, como a renovação do Anexo C do Tratado da Itaipu, que estabelece as regras para a comercialização da energia, e os programas socioambientais desenvolvidos na região.

É possível dizer que sua relação com o setor energético é estável e duradoura?

Mais que muitos casamentos. Entrei na COPEL em Julho 1978, como estagiário. Esta é minha terceira usina. Em 2004, fui para Brasília como Presidente da Associação dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (APINE), que congrega 62% das geradoras de energia do país, dentre elas a COPEL e conta ainda com sócios no exterior. Saí em 2014, quando o Beto (Governador do Paraná, Beto Richa / PSDB), me convidou para assumir a Presidência da COPEL Holding, onde fique até Março de 2017. No passado dia 23 (de Março), comecei na Itaipu. O bom é que não fiquei nenhum dia sem emprego (risos). Aqui (na Itaipu) sou o primeiro engenheiro eletricista.

Como anda a relação entre a hidrelétrica e a gestão sus-tentável?

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Luiz Fernando Vianna

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A Itaipu está engajada em atingir os Objetivos do Desen-volvimento Sustentável, estabelecidos durante a COP-21 e dos quais o Brasil é signatário, especialmente os ODS 6 e 7, relativos à água e energia.

Em Abril, firmamos um acordo com o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UNDESA) para tratar destas duas metas. Passaremos a contar com um escritório da UNDESA em Nova York e, aos moldes do que deverá ocorrer com a margem direita do Rio Paraná, ou seja, o lado paraguaio, o Brasil espera que a UNESCO também reconheça a margem brasileira como Reserva Mundial de Biodiversidade.

Queremos continuar avançando na característica forte que a Itaipu tem hoje, a geração sustentável de energia e, para isso, trabalharemos ao máximo para que os impactos ambientais sejam mitigados. Durante o encontro, a UNDESA apresentou o esboço da iniciativa global denominada “Sustainable Water and Energy Solutions”, que irá atuar com uma abordagem integrada sobre os ODS 6 e 7, que tratam de “Água limpa e saneamento” e “Energia limpa e acessível”, respectivamente, e compõem a Agenda 2030 da ONU.

De que forma a Medida Provisória 735/2016, que altera regras no setor elétrico, afeta a Itaipu?

Na fase atual, a MP do setor elétrico não atrapalha o setor energético. Num processo destes existem associações que defendem diferentes interesses, inclusive comerciais (quem compra e quem vende). Um exemplo é a MP 144, de 2003, e que virou Lei em 2008... foi um processo participativo. Agora será igual. A MP 735 não afeta a Itaipu, que é regida pelo Tratado da Itaipu, mas, qualquer mudança deve ser discutida com o sócio paraguaio. A parte Eletrobrás pode mudar. A tarifa da Itaipu hoje é de R$ 175,00/MWh, a tarifa de mercado é de R$ 187,00/MWh.

O que irá mudar com o Anexo C do Tratado da Itaipu, em 2023?

A revisão do Anexo C, prevista para 2023, não vai acabar com os royalties da Itaipu. Os royalties estão previstos no Tratado da Itaipu, assinado em 1973 e aprovado pelos Con-gressos de ambos os países. Com isso, mesmo após 2023, a Itaipu seguirá compensando financeiramente os 2 países pela utilização do potencial hidráulico do Rio Paraná. Os royalties da Itaipu começaram a ser pagos com o início da comerciali-zação de energia gerada pela usina, em Março de 1985.

O pagamento é calculado em função da energia gerada no mês e repartido igualitariamente entre Brasil e Paraguai. Cada país tem sua própria legislação que regulamenta a distribuição e utilização interna deste recurso. O que pode mudar, dependendo dos governos brasileiro e paraguaio, é a forma de calcular o valor do repasse. Os prefeitos dos municípios lindeiros não precisam se preocupar. Desde 1985, os 16 municípios afetados pela formação do reservatório já receberam US$ 1,83 bilhão.

Os Governos do Paraná e do Mato Grosso do Sul receberam outro 1,82 bilhão de dólares e os órgãos da União ficaram com pouco mais de 479 milhões de dólares. Esta questão dos royalties continua depois de 2023, quando ocorrerá o término do pagamento da dívida e a revisão do Tratado... os royalties continuam. A tarifa pode ser com base no custo, no caso da Itaipu é igual aos custos da usina. Daí segue leilão, e quem oferecer melhor preço, vem. Mas até 2023 nada muda. Se não houver revisão do Tratado, nada muda.

Com a mudança de gestão, como anda o Programa Cultivando Água Boa (CAB)?

Pretendemos nos manter firmes no CAB, a boa noticia é que o programa vai entrar na Associação dos Municípios do Oeste do Paraná (AMOP). Atualmente são 54 municípios. O Presidente da AMOP reconhece que a Itaipu se tornou uma grande parceira dos municípios, principalmente por causa do Cultivando Água Boa, que já alcançou resultados extraordinários e só foram possíveis graças ao compromisso dos municípios parceiros.

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Economia Circular

O modelo de produção predominante desde o fenômeno da industrialização é linear e pressupõe a depleção contínua de recursos naturais, além de se caracterizar pelo descarte acele-rado e precoce dos bens consumidos. Assim, com o aumento da produção e do consumo, ocorre o aumento da extração de recursos naturais e da deposição de resíduos, provenientes do processo produtivo e também do pós- consumo.

Estima-se que a quantidade de área necessária para suprir todos os bens e serviços ecológicos usados pela população mundial ultrapassa em 50% a biocapacidade do Planeta, ou seja, embora haja marcantes discrepâncias regionais, atu-almente a população mundial necessita de 1,5 Planeta para atender às suas necessidades. E as prospecções feitas no relatório “What a Waste: A Global Review of Solid Waste Management” (publi-cado pelo Banco Mundial em 2012) preveem que até 2025, a geração de resíduos possa chegar a 2,2 bilhões de toneladas por ano. Tendo em vista que as destinações atuais não são capazes de solucionar satisfatoriamente os proble-mas ambientais relacionados aos resíduos sólidos, existe a necessidade de encontrar não apenas alternativas de dispo-sição final, mas opções que considerem o problema dos resíduos de forma sistêmica e que englobem o modelo produtivo como um todo.

O fim da sociedade do descarte, seria a renúncia do padrão atual e a transição para a abordagem “outputs tornando-se seus inputs”. O fechamento das cadeias produtivas ganha crescente importância na medida em que, mesmo com o aumento de ecoeficiência, a disponibilidade de muitos recursos não-renováveis, como metais e combustíveis fósseis, não é suficiente para atender à atual demanda humana e, além disso, a capacidade regenerativa de recursos renováveis, como flo-restas e água, é inferior às taxas de extração desses recursos.

A Economia Circular permeia todas as atividades produ-tivas. Assim, produtos, serviços e processos industriais são projetados e concebidos de forma que permitam um ciclo de

vida mais longo com a possi-bilidade de serem reparados, atualizados ou restaurados.

(Fonte: Anais Encontro Internacional sobre Gestão Empresarial e Meio Ambiente. Dezembro 2016)

Biogás e Biometano

O biogás é uma mistura de gases composta prin-cipalmente por metano e dióxido de carbono, obtida normalmente através do trata-mento de resíduos domésticos, agropecuários e industriais, por meio de processo de bio-degradação anaeróbia, ou seja, na ausência de oxigênio.

Já o biometano é resultado do processo de purificação do biogás e possui características muito similares ao do gás natural.

(Fonte: CIBiogás)

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Em 2025, ou seja, em menos de oito anos, 1,8 bilhão de pessoas padecerão da mais absoluta escassez de água, e dois terços da humanidade sofrerá de estresse hídrico – a não ser que a comunidade internacional reaja e tome providências.

Cresce atualmente o medo de que o avanço da seca e dos desertos, assim como a progressiva escassez de água e a insegurança alimentar gerem um “tsunami” de refugiados e imigrantes climáticos. Diante disso, não é de estranhar que a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas (UNCCD) considere a seca como “um dos quatro cavaleiros do Apocalipse”.

A demanda por água poderá aumentar 50% em 2050. Com o crescimento demográfico, particularmente nas terras secas, cada vez mais pessoas dependem do abastecimento de água potável em terras que se degradam, alerta Monique Barbut, Secretária Executiva da UNCCD, que tem sede em Bonn, Alemanha.

A escassez hídrica é um dos grandes desafios do Século 21. A seca e a falta d’água são consideradas os desastres naturais com maiores consequências, pois geram perdas ecológicas e econômicas a curto e longo prazo, além de causar impactos secundários e terciários.

Baher Kamal | Jornalista da IPS / Envolverde, foi editor contribuinte da edição em árabe da revista CERES, da FAO

O implacável avanço da seca é um cavaleiro do Apocalipse

Para mitigar as consequências, é preciso haver uma pre-paração para a seca, que seja sensível às necessidades huma-nas e ao mesmo tempo preserve a qualidade ambiental e os ecossistemas. É necessário contar com a participação de todos os atores, inclusive dos usuários e provedores do serviço, na busca de soluções – afirma a UNCCD. “Atribui-se à seca – um perigo natural complexo, que avança lentamente e tem consequências ambientais e socioeconômicas generalizadas – mais mortes e deslocamentos de pessoas do que qualquer outro desastre natural”.

Monique Barbut lembrou que as regiões propensas à seca e à escassez hídrica são, em geral, locais de origem de muitos refugiados. Nem a desertificação nem a seca são causas de conflitos ou migrações forçadas, mas podem elevar o risco de sua ocorrência e intensificar os já existentes, explicou ela.

“Fatores convergentes como tensões políticas, institui-ções frágeis, marginalização econômica, ausência de redes de segurança social ou rivalidade entre grupos criam as condições que levam as pessoas a não conseguir fazer frente às dificuldades. Alguns dos últimos exemplos conhecidos são a seca e a escassez de água contínuas na Síria, de 2006 a 2010”, lembrou Barbut.

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Em 2045 haverá 135 milhões de desabrigados

A UNCCD ressalta que os desafios geopolíticos e de segurança que ameaçam o mundo são complexos, mas com a implantação de melhores práticas de gestão territorial pode-se ajudar as populações a se adaptarem às mudanças climáticas, assim como a construir capacidade de resistência à seca. É possível reduzir o risco de migrações forçadas e conflitos pela escassez de recursos naturais e assegurar a produção de uma agricultura sustentável e de energia. “A terra é a verdadeira aglutinadora de nossas sociedades. Reverter os efeitos de sua degradação e desertificação por meio de uma gestão sustentável não só é possível como é o próximo passo lógico para as agendas de desenvolvimento nacionais e internacionais”, observou a UNCCD. A Convenção alerta que 12 milhões de ha de terras produtivas tornam-se estéreis a cada ano, devido à seca e à desertificação, o que representa a redução da oportunidade de produzir 20 milhões de toneladas de grãos. “Não podemos seguir permitindo que as terras se degradem, quando devería-mos elevar a produção de alimentos em 70% para alimentar, em 2050, toda a população mundial”, ressalta.

“A intensificação sustentável da produção de alimentos com menos insumos, que evitam maior desmatamento e a expansão de cultivos em áreas vulneráveis, deve ser uma prioridade para os políticos responsáveis”, sugere. Além disso, a Secretaria da UNCCD ressalta que o aumento das secas e das inundações repentinas, cada vez mais fortes, mais fre-quentes e mais generalizadas, destrói a terra, e as principais reservas de água doce da Terra. “A seca mata mais pessoas do que qualquer outra catástrofe ligada ao clima, e avançam os conflitos entre comunidades por causa da escassez de água. Mais de um bilhão de pessoas não têm acesso à água, e a demanda aumentará 30% até 2030”, acrescentou.

Mais de 40% dos conflitos dos últimos 60 anos estão relacionados ao controle e à divisão de recursos naturais, o que expõe um número cada vez maior de pessoas pobres à escassez hídrica e à fome, e cria as condições para a falência de Estados e conflitos regionais, alerta a UNCCD.

“Grupos não estatais aproveitam-se dos grandes fluxos migratórios e das terras abandonadas”, observa. “Quando bens naturais, como a terra, são mal administrados, a violência pode converter-se no principal meio para o controle dos recur-sos naturais, e isso os tira das mãos de governos legítimos”, alerta. O número de migrantes vem crescendo rapidamente, em escala mundial, há 15 anos, chegando a 244 milhões em 2015, mais que os 222 milhões de 2010 e os 173 milhões de 2000. A UNCCD recorda a relação entre esse número de migrantes e as dificuldades em matéria de desenvolvimento, em particular as consequências da degradação ambiental, a instabilidade política, a insegurança alimentar e a pobreza, assim como a importância de atender os fatores e as causas de raiz da migração irregular.

A perda de terras produtivas faz com que as pessoas elejam opções arriscadas. Nas áreas rurais, onde elas dependem de terras pouco produtivas, a degradação dos solos é responsável pela migração forçada, explica a secretária. “A África é par-ticularmente suscetível, pois mais de 90% de sua economia depende de recursos sensíveis ao clima, como a agricultura de subsistência, que precisa das chuvas.”

“A não ser que mudemos nossa forma de administrar a terra, nos próximos 30 anos poderemos deixar um bilhão de pessoas, ou mais, vulneráveis e sem opções, a não ser fugir ou lutar”, disse ela. Melhorar o rendimento e a produtividade da terra permitirá aumentar a segurança alimentar e o rendimento dos usuários de terras e agricultores mais pobres, recomenda a UNCCD. “Por sua vez, estabiliza a renda da população rural e evita o deslocamento desnecessário de pessoas e suas consequências.”

Por outro lado, a UNCCD trabalha com parceiros como a Organização Internacional para as Migrações para fazer frente aos desafios colocados pela degradação de terras, os movimentos massivos de pessoas e suas consequências. Também procura demonstrar como a comunidade internacional pode aproveitar as capacidades e habilidades dos migrantes e refugiados, além de ressaltar o valor das remessas que eles enviam a seus países para construir a capacidade de resistência.

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Num momento em que grupos tentam enfraquecer o licenciamento ambiental no Brasil, um estudo internacional acende uma luz amarela sobre as hidrelétricas da Amazônia. Seus autores apontam que as mais de 500 barragens construídas ou planejadas para a região poderão causar, se implementadas, nada menos do que o colapso ecológico de bacias inteiras da maior floresta tropical do mundo.

Entre as principais vítimas potenciais estão a região do Rio Marañon, no Peru, do Madeira, na Bolívia e no Brasil, e do Tapajós, onde um polêmico complexo de sete grandes hidrelétricas pode voltar à mesa. Nessas bacias, o pulso natural dos rios, que entre outras coisas mantém a alta biodiversidade da região, seria alterado. Sem ele, até mesmo a evolução das espécies amazônicas poderá ser afetada.

Os impactos agregados poderão prejudicar até mesmo o transporte de sedimentos do rio Amazonas, que todos os anos lança 500 milhões de toneladas de nutrientes trazi-dos desde sua nascente nos Andes e os despeja no Oceano Atlântico, ajudando a equilibrar o clima local e a fertilizar ecossistemas tão distantes quanto os manguezais do Pará e a costa da Guiana.

Hidrelétricas em série levam Amazônia ao colapso

Claudio Angelo | Jornalista do Observatório do Clima - OC

Para evitar uma potencial catástrofe, o grupo de 16 pes-quisadores propõe aos países da bacia amazônica colocar um freio de arrumação à expansão das hidrelétricas e discutir uns com os outros um protocolo conjunto de manejo de rios.

“Até hoje as hidrelétricas têm sido aprovadas projeto por projeto, mas nunca se pensou no impacto acumulado em larga escala”, disse o geólogo Edgardo Latrubesse, que divide seu tempo entre a Universidade do Texas em Austin e a Univer-sidade Tecnológica Nanyang, em Cingapura, com paradas eventuais para orientar alunos na UNESP de Rio Claro. Ele é autor do estudo, publicado no dia 14 deste mês na Nature. O grupo liderado por Latrubesse é formado por biólogos, ecólogos, geólogos e hidrólogos do Brasil, da Alemanha, dos EUA e do Reino Unido. Alguns deles participaram dos estudos de impacto ambiental de hidrelétricas como Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, e Belo Monte, no rio Xingu. Eles analisaram 19 sub-bacias da Bacia Amazônica e compuseram um índice de vulnerabilidade de cada uma, levando em conta fatores como a integridade ambiental, a propensão à erosão, a influência dos sedimentos na dinâmica natural dos rios e o impacto potencial de hidrelétricas em cada sub-bacia.

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Em toda a Amazônia, as sub-bacias menos vulneráveis são as do Negro, do Javari e do Jutaí, no Amazonas – em grande parte protegidas por terras indígenas e longe do olho gordo da Eletronorte. As mais vulneráveis são as do Madeira – o quarto maior rio do mundo, responsável por 50% dos sedimentos transportados pelo Amazonas para o oceano –, do Tapajós e do Marañon.

Lama primordial

No caso do Madeira e do Marañon, um dos efeitos deletérios do grande número de usinas é algo que à primeira vista pareceria uma boa coisa: elas tendem a deixar a água barrenta dos rios amazônicos mais clarinha.

Na realidade, isso é um desastre para a floresta. Num sentido nada figurado, a lama transportada do Marañon e do Madeira para o Solimões e o Amazonas é grande parte da receita do que torna a Amazônia o que ela é.

“A lama tem um papel fundamental”, diz Latrubesse. No período das cheias, ela deposita nutrientes nas planícies aluviais, o que mantém a biodiversidade. Os sedimentos também têm um papel na constante mudança de curso dos rios, criando meandros abandonados, lagos e ilhas ao longo dos anos. É nesses ambientes de populações de animais e plantas isoladas pelo rio que surgem novas espécies.

“As pessoas tendem a pensar no rio como um mero canal de água, mas na verdade ele é uma coisa viva”, diz o cientista argentino. “Se você corta os sedimentos, corta a diversidade dos ecossistemas.” Foi exatamente isso o que aconteceu no rio Paraná, no oeste paulista, que se transformou numa cascata de hidrelétricas, e no rio Yangtzé, na China, que abriga a maior hidrelétrica do mundo, a de Três Gargantas. O rio perdeu 70% de seu transporte de sedimentos, numa tragédia ambiental que os chineses agora buscam reverter.

Licenciamento

O artigo propõe que os nove países da América do Sul que dividem a bacia amazônica desenvolvam um sistema multinacional de avaliação de projetos de hidrelétricas, que leve em conta impactos que vão além da área de influência de cada empreendimento.

A própria necessidade de novas usinas deve ser repensada, segundo os autores: eles não falam em Lava Jato, mas lembram que o custo dessas obras é na maioria dos casos pelo menos duas vezes maior do que a previsão inicial. E afirmam que, devido à crise econômica que reduziu a demanda por energia no Brasil, há espaço para essa reavaliação – e, eventualmente, para preencher a demanda com fontes renováveis, que se expandem rapidamente no mundo e despencam de preço.

O sistema político brasileiro, porém, caminha neste momento no sentido oposto: vários projetos em discussão no Congresso buscam flexibilizar, enfraquecer ou simplesmente extinguir o licenciamento ambiental, facilitando a instalação de hidrelétricas na Amazônia.

Um único projeto de lei de licenciamento, que o Minis-tério do Meio Ambiente vem há um ano tentando emplacar no Congresso, busca estabelecer algo que dialoga com as recomendações dos cientistas: ele cria a figura da avaliação ambiental estratégica, na qual o impacto de políticas públi-cas sobre uma região é analisado antes que se decida fazer empreendimentos ali.

Megausina

“O foco passa a ser de desenvolvimento regional, cami-nhando para empreendimentos que, no conjunto, são mais viáveis do ponto de vista socioambiental”, disse a Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Suely Araújo. Uma das prin-cipais defensoras da avaliação ambiental estratégica, Araújo arquivou, em 2016, o licenciamento da megausina de São Luiz do Tapajós. O Ministério de Minas e Energia, porém, resiste a dar a obra como morta.

O projeto do MMA concorre com outro, da bancada ruralista e da indústria, que visa tirar qualquer critério de rigor no licenciamento baseado na geografia (ou seja, empreendi-mentos na Amazônia teriam, a priori, maior rigor na análise) e deixar que Estados e municípios definam tudo.

Mas há outras propostas circulando no Parlamento. Uma delas, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), quer criar um licenciamento “a jato” para grandes obras. Outra, do senador cassado Delcídio do Amaral (PT-MS), recém-aprovada numa comissão do Senado, busca criar um licenciamento especial e mais expedito só para hidrelétricas. Uma terceira, do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), vai além: quer emendar a Constituição para extinguir o licenciamento ambiental. Ponto.

“No planejamento das hidrelétricas na Amazônia, usamos a mesma localização das obras proposta pelo regime militar”, disse Latrubesse. “Não se trata de ser contra ou a favor de hidrelétricas. O problema é que a maneira como foi feito foi grotesca.” O OC procurou a Empresa de Planejamento Energético, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, para comentar o estudo e até então não obteve resposta.

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“Saímos daqui com a ideia de que vale a pena desenvolver conceitual-mente essa Terceira Via, que é uma via de desenvolvimento sustentável que se assenta, total e integralmente, no conhecimento científico e tecno-lógico”, diz Carlos Nobre.

Sondar uma futura parceria e ouvir os pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA/MCTIC) sobre a viabilidade de aplicação dos conceitos da cha-mada Terceira Via de desenvolvi-mento sustentável para a Amazônia. Este foi o objetivo da visita ao Insti-tuto, nesta manhã, do pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Carlos Nobre, um estudioso dedicado à ciência amazônica.

Para ele, a reunião com os pesquisadores e o diretor do INPA, Luiz Renato de França, foi instrutiva e animadora para se colocar em prática a ideia do projeto da Terceira Via. “Saímos daqui bastante animados e fortalecidos com a ideia de que vale a pena desenvolver conceitualmente essa Terceira Via, que é uma via de desenvolvimento sustentável que se assenta, total e integralmente, no conhecimento científico e tecnológico”, destaca. “É uma Via que não existirá se não houver um forte engajamento das instituições de pesquisa da região amazônica, em especial, do INPA”.

Na opinião do diretor do INPA, a proposta do pesquisador Carlos Nobre ainda está em construção, mas tem elementos interessantes para ser construída. “A vinda dele a Manaus foi positiva porque é uma iniciativa que vem de uma pessoa que tem larga experiência e ampla visão, e o INPA tem muito a dialogar”, diz França.

O pesquisador Nobre conta que durante a reunião com os cientistas do INPA aprendeu sobre uma série de barreiras que existem para um melhor aproveitamento econômico da biodiversidade amazônica. “Aprendemos como o Inpa poderia desenvolver pesquisas de caráter mais aplicado, espe-cialmente, em biotecnologia e que pudesse ter aplicabilidade na Amazônia como um todo para gerar o que chamamos de Terceira Via”, diz.

Ele explica que a Terceira Via é uma via de desenvolvi-mento sustentável, que difere de uma política puramente de conservação ou de intocabilidade dos ecossistemas amazô-nicos, versus uma política de intensificação do uso da área Amazônia para a produção de proteína animal, de grãos, de carnes e de pecuária.

Luciete Pedrosa | Jornalista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa

Carlos Nobre propõe a 3ª Via para desenvolver a Amazônia

“O que queremos propor com a Terceira Via é fugir desses para-digmas que estão em conf litos permanentemente e encontrar uma outra maneira de desenvolvimento econômico da Amazônia”, explica.

Carlos Nobre pretende voltar ao INPA e ter uma nova reunião com as lideranças de pesquisas do Instituto, no segundo semestre desse ano, quando espera poder apresentar um artigo, onde serão colocados os conceitos da Terceira Via de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, e submeter essas ideias às criticas dos pesquisadores para aperfeiçoar a proposta que está em fase de construção.

O pesquisador também revela que com esse modelo conceitual que está sendo construído da Terceira Via de desenvolvimento sustentável para a Amazônia espera alavan-car o interesse, tanto de instituições de fomento à pesquisa, como também de instituições internacionais como o Banco Mundial para que possam financiar a próxima fase do projeto, em 2018, quando será a fase de desenvolvimento efetivo e prático do marco conceitual.

“A Terceira Via é um projeto pan-amazônico centrado e focado no Brasil, mas que envolverá, numa segunda fase, todas as outras Amazônias”, diz Nobre ao destacar que o Inpa precisa ser um protagonista neste processo da Terceira Via, que se assenta nas ferramentas da chamada Quarta Revolução Industrial, numa convergência das tecnologias revolucionárias digitais, biológicas e de nanomateriais.

“Esta revolução é como as outras revoluções, que se assentaram no conhecimento, gerando uma mudança de paradigma; mas ainda mais do que as anteriores, esta se assenta no conhecimento científico e na aplicação desse conhecimento em desenvolvimento inovador e de tecnologias”, ressalta.

Na opinião do climatologista Carlos Nobre, essa via só pode prosperar se houver uma integração das aplicações eco-nômicas e tecnológicas com o desenvolvimento contínuo da base de conhecimento. “E o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia é o líder em conhecimento sobre a biologia da Amazônia”, destaca. “A grande riqueza da Amazônia não é proteína animal de gado, e não é proteína vegetal de soja. É a riqueza biológica contida na biodiversidade, por isso é importante que o INPA tenha o papel central em colimarmos interesses do desenvolvimento dessa Terceira Via liderando a geração de conhecimento”.

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Estima-se que a Floresta Amazônica bombeie 20 bilhões de toneladas de vapor d’água para a atmosfera todos os dias, o que alimenta boa parte das chuvas na região central e no Sudeste do Brasil. Se tivéssemos que aquecer água para promover a mesma evaporação, precisaríamos de 6 meses de toda a capacidade de geração elétrica do Planeta para cada dia. Sobre este único aspecto, o valor dos serviços da

floresta soma alguns milhares de dólares por hectare por dia. Quem cuida e protege o patrimônio florestal do Brasil presta um enorme serviço.

Dona Maria de Jesus recebe desde 2014 cerca R$ 100 por mês por conservar as florestas em seu lote da Reserva Extrativista do Alto Juruá, na fronteira do Acre com o Peru. É muito pouco, mas essencial para a manutenção da família grande, que vive da extração sustentável de produtos como castanha, borracha e da agrofloresta. Na Reserva, onde 804 famílias recebem o mesmo benefício, 97% da área permanecem cobertos por florestas. A família da Dona Maria Antônia é uma das 53 mil beneficiárias do Bolsa Verde, um programa implementado em 2011 com o objetivo de incentivar as famí-lias de baixa renda vivendo em assentamentos e unidades de conservação a se desenvolverem ao mesmo tempo que protegem as florestas. Na prática, é o primeiro programa em larga escala de pagamento por serviços ambientais no Brasil.

São 28 milhões de ha (6 vezes o Estado do Rio) que mantêm mais de 95% de cobertura florestal e com consistente queda do desmatamento desde a implantação do programa. Mesmo em 2015 e 2016, quando as taxas de desmatamento de toda a Amazônia subiram, nas áreas do Bolsa Verde baixaram.

Quanto vale o Bolsa Verde?

São milhões que protegem bilhões para nós e as futuras gerações. Pois o programa está seriamente ameaçado pelo corte de orçamento promovido pelo governo federal. Faltam R$ 35 milhões para arcar com os benefícios até o fim do ano e, para 2018, a proposta orçamentária em discussão corta os recursos a praticamente zero. Na prática, significaria o fim do programa. Isso no momento em que o Brasil precisa de ações efetivas – além do monitoramento e controle – para conter o avanço do desmatamento.

A corrupção, os desvios de finalidade e a falta de priori-dades têm drenado os recursos públicos de áreas estratégicas e fundamentais para manutenção da vitalidade do país. Os ajustes da economia para lidar com o buraco nas contas públicas fazem vítimas entre os mais vulneráveis.

É preciso reagir. O Bolsa Verde não pode acabar!

Tasso Azevedo | Engenheiro florestal, consultor e empreendedor social em sustentabilidade, floresta e clima. Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG)

Quanto vale?

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Tasso Azevedo

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| opinião |

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O nível do mar na costa brasileira tende a aumentar nas próximas décadas. No Brasil, contudo, onde mais de 60% da população vive em cidades costeiras, não há um estudo integrado da vulnerabilidade dos municípios litorâneos a este e a outros impactos decorrentes das mudanças climáticas, como o aumento da frequência e da intensidade de chuvas. Um estudo desse gênero possibilitaria estimar os danos sociais, econômicos e ambientais e elaborar um plano de ação com o intuito de implementar medidas adaptativas.

As conclusões são do Relatório especial do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) sobre “Impacto, vulnerabili-dade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas”, lançado no dia 5 deste mês (Junho) durante um evento no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

A publicação tem apoio da FAPESP e parte dos estudos nos quais se baseia são resultado do Projeto Metrópole e de outros projetos apoiados pela Fundação no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas, financiado pela Fundação e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“A ideia do relatório foi mostrar o estado da arte sobre mudanças de clima e cidades costeiras, baseado em uma exaustiva revisão de publicações internacionais e nacionais sobre o tema, e também identificar lacunas no conhecimento para que os formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão no Brasil possam propor e implementar medidas de adaptação”, disse José Marengo, Coordenador-Geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Moni-toramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e um dos autores e editores do relatório.

Na costa brasileira o níveldo mar tende a aumentar

Elton Alisson | Jornalista da Agência FAPESP

De acordo com dados do documento, entre 1901 e 2010 o nível médio do mar globalmente aumentou 19 centímetros – com variação entre 17 e 21 centímetros. Entre 1993 e 2010, a taxa de elevação correspondeu a mais de 3,2 milímetros (mm) por ano – com variação entre 2,8 e 3,6 mm por ano.

No Brasil também há uma tendência de aumento do nível do mar nas regiões costeiras com algum grau de incerteza porque não há registros históricos contínuos e confiáveis, ponderam os autores.

“Ainda não conseguimos detectar o aumento do nível do mar no Brasil por conta das poucas observações existentes e de estudos de modelagem para avaliar os impactos. Mas já identificamos por meio de estudos regionais diversas cidades de médio e grande porte que apresentam alta exposição à elevação do nível relativo do mar e já têm sofrido os impac-tos desse fenômeno, particularmente na forma de ressacas e inundações”, disse Marengo.

Entre essas cidades, onde 60% da população residem na faixa de 60 km da costa, estão Rio Grande (RS), Laguna e Florianópolis (SC), Paranaguá (PR), Santos (SP), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES), Salvador (BA), Maceió (AL), Recife (PE), São Luís (MA), Fortaleza (CE) e Belém (PA).

Nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, têm sido registradas taxas de aumento do nível médio do mar de 1,8 a 4,2 mm por ano desde a década de 1950.

Na cidade de Santos, no litoral sul paulista, onde está situado o maior porto da América Latina, o nível do mar tem aumentado 1,2 milímetros por ano, em média, desde a década de 1940. Além disso, ocorreu um aumento significa-tivo na altura das ondas – que alcançava 1 metro em 1957 e passou a atingir 1,3 metro, em 2002 – e na frequência de ressacas no município.

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José Antônio MarengoVer-o-rio, na cidade de Belém

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Já no Rio de Janeiro, a análise dos dados da estação maregráfica da Ilha Fiscal – que tem a série histórica mais antiga do Brasil e fica no meio da Baía da Guanabara – indica uma tendência média de aumento do nível do mar de mais ou menos 1,3 mm por ano, com base nos dados mensais do nível do mar do período de 1963 a 2011 e com um índice de confiança de 95%.

Por sua vez, em Recife o nível do mar aumentou 5,6 mm entre 1946 e 1988 – o que corresponde a uma elevação de 24 cm em 42 anos. A erosão costeira e a ocupação do pós-praia provocaram uma redução da linha de praia em mais de 20 metros na Praia de Boa Viagem – área da orla mais valorizada da cidade –, apontam os autores do relatório.

“Existem poucas observações como essas em outras regi-ões do país. Quando tentamos levantar dados dos últimos 40 ou 100 anos sobre o aumento do nível do mar em outras cidades do Nordeste, como Fortaleza, por exemplo, é difícil encontrar”, disse Marengo.

Impactos socioeconômicos

De acordo com os autores do Relatório, as mudanças climáticas e um acelerado ritmo de elevação do nível do mar podem causar sérios impactos nas áreas costeiras do Brasil. Os impactos socioeconômicos seriam mais restritos às vizinhanças das 15 maiores cidades litorâneas, que ocupam uma extensão de 1,3 mil km da linha costeira – correspondente a 17% da linha costeira do Brasil.

Entre as principais consequências da elevação do nível do mar, entre diversas outras, estão o aumento da erosão costeira, da frequência, intensidade e magnitude das inun-dações, da vulnerabilidade de pessoas e bens e a redução dos espaços habitáveis. “Os impactos mais evidentes da elevação do nível do mar são o aumento da frequência das inundações costeiras e a redução da linha de praia. Mas há outros não tão perceptíveis, como a intrusão marinha, em que a água salgada do mar começa a penetrar aquíferos e ecossistemas de água doce”, ressaltou Marengo.

As projeções do Quinto Relatório (AR5) do Painel Inter-governamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) são que a elevação do nível do mar globalmente varie entre 0,26 e 0,98 metro até 2100 – em um cenário mais pessimista. O Relatório apresenta estimativas similares para a costa brasileira.

Considerando que a probabilidade de inundações aumenta com a elevação do nível do mar pode ser esperada uma maior probabilidade de inundações em áreas que apresentam mais de 40% de mudanças no nível do mar observadas nos últi-mos 60 anos – como é o caso de várias metrópoles costeiras brasileiras, ressaltam os autores.

As inundações costeiras serão mais preocupantes no litoral do Nordeste, Sul e Sudeste, e também podem afetar o litoral sul e sudoeste da cidade do Rio de Janeiro. Os seis municípios fluminenses mais vulneráveis à elevação do nível do mar, de acordo com estudos apresentados no relatório, são Parati, Angra dos Reis, Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Magé e Campos dos Goytacazes. “A combinação do aumento do nível do mar com tempestades e ventos mais fortes pode provocar danos bastante altos na infraestrutura dessas cida-des”, estimou Marengo.

O documento destaca o Plano Municipal de Adaptação à Mudança de Clima (PMAMC) da cidade de Santos como exemplo de plano de ação para adaptação às mudanças de clima e os seus impactos nas cidades. A elaboração do plano foi baseada nos resultados do Projeto Metrópole, coordenado por Marengo.

O estudo internacional estimou que a inundação de áreas costeiras das zonas sudeste e noroeste de Santos, causada pela combinação da elevação do nível do mar com ressacas, marés meteorológicas e astronômicas e eventos climáticos extremos, pode causar prejuízos acumulados de quase R$ 2 bilhões até 2100 se não forem implementadas medidas de adaptação.

Estudo do CEMADEN

O estudo é realizado por pesquisadores do Centro Nacio-nal de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, dos Institutos Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e Geológico (IG), das Universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com colegas da University of South Florida, dos Estados Unidos, do King’s College London, da Inglaterra, além de técnicos da Prefeitura Muni-cipal de Santos. “Nossa intenção é aplicar essa metodologia utilizada em Santos em outras cidades litorâneas brasileiras para termos pelo menos uma estimativa inicial do custo de adaptação à elevação do nível do mar”, disse José Antônio Marengo, Coordenador-Geral de Pesquisa e Desenvolvimento do CEMADEN.

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Ilha Fiscal, no Rio de Janeiro

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As cidades brasileiras situadas em zonas costeiras são mais vulneráveis às mudanças climáticas, em especial ao aumento do nível do mar, mas também a eventos como fortes chuvas, tempestades, inundações e erosão costeira, que causa destruição e impactos à infraestrutura desses municípios.

O dado consta do Relatório Especial “Impacto, vulne-rabilidade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas”, que o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) divulgou no dia 5 deste mês (Junho) no Rio de Janeiro. Este é o segundo documento sobre mudan-ças climáticas e cidades, elaborado pelo PBMC criado em 2009 pelo Ministério do Meio Ambiente e o da Ciência, Tecnologia e Inovação. O primeiro foi divulgado durante a COP-21 da Convenção sobre Mudanças Climáticas, no Marrocos, em 2016.

No Relatório Especial, foram avaliados os cenários de mudanças climáticas para o Brasil e como as cidades pode-rão ser impactadas pelo aquecimento global. De acordo com o estudo, 18 das 42 regiões metropolitanas brasileiras se encontram na zona costeira ou sofrem influência dela. O documento abordou municípios costeiros das regiões Nor-deste, Sudeste e Sul.

Cidades costeiras são mais frágeis à mudança do clima

Alana Gandra | Jornalista da Agência Brasil

Os cenários mais pessimistas citados no Relatório apontam que o nível do mar pode chegar a subir 40 centímetros até 2050, provocando perdas econômicas de até US$ 1,2 bilhão para as 22 maiores cidades costeiras latino-americanas. Não há ainda, entretanto, mensuração no Brasil dos custos eco-nômicos provocados pelas mudanças climáticas.

De acordo com a presidente do comitê científico do PBMC, Suzana Kahn, professora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), a elevação do nível do mar e das temperaturas têm impacto muito maior no Brasil, porque grande parte das regiões está localizada nas áreas litorâneas. “Não há como evitar os danos, mas sim implantar soluções, no sentido de que possamos nos adaptar a uma nova realidade”, externou. Além do nível do mar, também são citados os eventos extremos de chuvas como causas dos problemas ambientais nas regiões costeiras, acarretando riscos de deslizamento de terras, enxurradas e enchentes. Também foi constatada nas cidades litorâneas a forte emissão de gases poluentes. De acordo com o Relatório do PBMC, o Rio de Janeiro se destaca com a maior emissão de CO2 por habitante, na ordem de 3,47 toneladas.

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Entre as cidades mais vulnerá-veis estão o Rio de Janeiro, Santos, Fortaleza, Recife, Salvador e, no Sul do Brasil, o Vale do Itajaí. A costa de Santa Catarina apresenta risco não só o aumento do nível do mar, mas também a possibilidade de se tornar rota de furacões.

As fortes tempestades na região, com ventos superiores a 80 km por hora, já são indicativo da tendência, disse Andrea Santos, Secretária Executiva do Comitê Científico do Painel.

O Relatório recomenda que sejam realizadas novas avaliações de risco de desastres associados, de aumento na frequência de extremos de clima e aumento do nível do mar nas cidades cos-teiras, sobretudo no Norte e Nordeste do país. Segundo o Comitê Científico do Painel, esses estudos podem permitir a reavaliação dos riscos para os quais municípios e populações estão preparados.

O Rio de Janeiro e Santos são os únicos municípios que já estão investindo em relação às mudanças do clima, aponta o estudo. “São duas cidades que estão atuando em política pública no sentido de promover ações de adaptação”, disse Andrea Santos. O Relatório atesta que a maioria das cidades que fizeram políticas de clima não conseguem monitorar as metas anunciadas. “A gente não tem visto o acompanhamento dessas políticas, tanto de mitigação, para redução das emis-sões de gases de efeito estufa, quanto das políticas e ações integradas no âmbito de medidas de adaptação”, afirmou a Secretária Executiva do Comitê.

Andrea Santos indicou que a infraestrutura de todas essas cidades costeiras está suscetível a impactos físicos, em razão das mudanças climáticas e seus efeitos. O documento faz recomendações de políticas públicas que sejam construídas pela União, Estados e Municípios para atenuar esses impactos. Ela citou como exem-plos novamente as cidades do Rio de Janeiro e Santos, que “estão pensando no planejamento de médio e longo prazo, mas também têm ações que podem ser feitas no curto prazo”.

Entre elas, destacou a cons-trução de um piscinão na Praça da Bandeira, centro do Rio de Janeiro, que durante anos passou

por inundações e alagamentos. Andrea Santos considerou que o reservatório subterrâneo construído naquela área pode ser considerado uma medida de adaptação, já que, na prática, evitou novas enchentes. Além de barreiras de proteção contra a elevação do nível do mar, a Secretária do Comitê Científico do PBMC recomendou que as cidades costeiras preservem seus ecossistemas. O mangue tem um papel fundamental ao conter o avanço da água salina.

Medidas de curto prazo como a integração do transporte público também são recomendadas. O transporte rodoviário é o mais afetado em inundações e sistemas integrados podem diminuir o impacto das chuvas no dia a dia de usuários. Outra medida simples, em que a população tem um papel a cumprir, diz respeito à destinação de resíduos. “Se a população não joga lixo na rua, isso facilita”, observou.

Orla da cidade de Santos

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“Estamos decididos a libertar a raça humana da tirania da pobreza e da privação e a sanar e proteger o nosso planeta”. A frase faz parte do preâmbulo do documento ‘Transformando nosso Mundo: Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sus-tentável’, adotado na RIO+20, e sintetiza parte dos objetivos do evento que aconteceu em Setembro de 2015, e reuniu 193 líderes mundiais, que se comprometeram voluntariamente a adotar formalmente uma agenda ambiciosa de desenvolvimento sustentável com objetivo de erradicar a pobreza, combater a desigualdade e a injustiça e travar a mudança do clima.

A agenda adotada na Cúpula, chamada Agenda 2030, é um plano de ação para as pessoas, para o Planeta e para a prosperidade, que busca também fortalecer a paz universal com mais liberdade. Servindo como uma plataforma de lan-çamento, para a ação conjunta da comunidade internacional e dos governos nacionais ao longo dos 15 anos seguintes à Cúpula (isso é, até 2030), a Agenda é o resultado de um processo de negociação de mais de dois anos de consulta pública intensiva. De um jeito sem precedentes, contou com a participação da sociedade civil, do setor privado e de outras partes interessadas, envolvendo os 193 Estados-membros da ONU, incluindo o Brasil que participou ativamente das negociações.

Dentro desse processo de negociação, uma proposta ini-cial foi apresentada à Assembleia Geral da ONU, em Agosto de 2014, pelo Grupo de Trabalho Aberto dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (GTA-ODS). Composto por 70 países, com objetivo de unir diferentes vozes e experiências, o grupo contou com contribuições de importantes atores da sociedade civil especializada, da comunidade científica e do Sistema das Nações Unidas.

Esther Cutillas | Especialista em ODS da ONU Meio Ambiente

Flora Pereira | Jornalista da ONU Meio Ambiente

Agenda 2030 e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Em Dezembro do mesmo ano, o então Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, lançou um segundo rela-tório, adicionando as propostas intergovernamentais para a agenda. Para a elaboração final do texto, a ONU também levou em consideração a pesquisa mundial “Meu Mundo”, que, aberta a todas as pessoas, perguntava quais eram as seis prioridades da população na construção de um mundo melhor. Com mais de 50 mil votos, o Brasil teve um papel significativo na pesquisa, cujos resultados foram entregues aos líderes mundiais.

De alcance e significado sem precedentes, a Agenda 2030 é aceita por todos os países e é aplicável a todos, levando em conta diferentes realidades nacionais, capacidades e níveis de desenvolvimento e respeitando ao mesmo tempo as políticas e prioridades locais.

A agenda é assim aplicável igualmente para os países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Com essa visão, a nova agenda representa uma nova visão partilhada sobre a Humanidade, tal como defendeu Ban Ki-moon: “Esta é uma agenda universal, transformativa e integrada que marca um ponto de virada histórico para a Humanidade. É uma Agenda dos Povos, um plano de ação para acabar com a pobreza em todas as suas formas, irreversivelmente, por todos os lados, sem deixar ninguém para trás”.

A Agenda 2030 representa também a oportunidade de equilibrar as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental, e assim aplicar uma abordagem integrada, que promova o crescimento econômico sustentável e inclusivo, o desenvolvimento social e a proteção ao meio ambiente.

“PROTEGER O PLANETA”

“NÃO DEIXAR NINGUÉM

PARA TRÁS”“PROSPERIDADE

PARA TODOS”

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Desta forma, baseada em cinco áreas de importância crucial para a humani-dade e para o Planeta, Pessoas, Prosperidade, Paz, Parcerias e Planeta (as chamados 5 P, em referência à letra inicial), a Agenda tem o conceito de desenvolvimento sustentá-vel no centro das ações, como mostra a figura ao lado.

Composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Susten-tável (ODS) e 169 metas, que refletem os cinco elementos interligados de desenvolvimento sustentável e o caráter integrado e indivisível da abordagem, a Agenda está baseada nos direitos humanos de todos e no alcance da igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas.

Tendo entrado em vigor no dia 1º de Janeiro de 2016, os ODS são de âmbito amplo, abordando temáticas diversifi-cadas, como erradicação da pobreza, segurança alimentar e agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de produção e de consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclu-sivo, infraestrutura e industrialização, governança, e meios de implementação, como mostrado abaixo.

A origem do conceito proposto na Agenda 2030 está na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Susten-tável, conhecida como RIO+20, realizada em Junho de 2012. O documento final acordado na Conferência definiu que um conjunto de metas seria desenvolvido com vistas à promoção do desenvolvimento sustentável, com base nos avanços dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) emergiram de uma série de cúpulas multilaterais realizadas durante os anos 1990 sobre o desenvolvimento humano. O processo de construção dos ODM contou com especialistas renomados e esteve focado, principalmente, na redução da extrema pobreza. A Declaração do Milênio e os ODM foram adotados pelos Estados-membros da ONU em 2000 e impulsionaram os países a enfrentarem os principais desafios sociais no início do Século 21.

Os oito ODMs foram o primeiro quadro global de polí-ticas para o desenvolvimento e contribuíram para orientar a ação dos governos nos níveis internacional, nacional e local. Os ODM reconheceram a urgência de combater a pobreza e demais privações generalizadas, tornando o tema uma prioridade na agenda internacional de desenvolvimento. Focando-se principalmente na agenda social, especialmente o combate à pobreza, tinham como destinatários os países em desenvolvimento, especialmente os mais pobres.

Em 2010, cinco anos antes do prazo limite para alcance dos ODM, a Cúpula da ONU sobre os Objetivos do Milê-nio solicitou aceleração na implementação dos Objetivos. Além disso, solicitou ao então Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, reportar os avanços dos ODM anualmente e elaborar recomendações sobre os próximos passos após 2015. Com o suporte do Grupo de Desenvolvimento da ONU, o Secretário-Geral lançou um processo de consultas com várias partes interessadas e/ou impactadas.

Os resultados das consultas foram sintetizados e apre-sentados em 2013, no primeiro relatório dedicado à futura agenda, “Uma Vida Digna para Todos”. O relatório conclui: “Uma nova era pós-2015 exige uma nova visão e uma estrutura responsiva. O desenvolvimento sustentável - impulsionado pela integração do crescimento econômico, justiça social e sustentabilidade ambiental - deve se tornar o nosso princípio orientador e procedimento operacional padrão.”

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Guiada pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas, fundamentada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, sobretudo, reconhecendo que os ODM fizeram uma verdadeira e significativa diferença na vida das pessoas (redução da pobreza global, maior número de crianças frequentando a escola primária, queda drástica de mortes infantis, aumento significativo do acesso à água potável e milhões de pessoas salvas de malária, AIDS e tuberculose, entre outras questões), a Agenda pretende completar o que os ODM não alcançaram, particularmente entre os mais vulneráveis, e expandir o avanço para a maioria dos países com forte liderança e responsabilidade.

O meio ambiente no coração da Agenda

Outro aspecto central da Agenda é a sustentabilidade ambiental. Conforme descrito pelo relatório “Nosso Futuro Comum”, de 1987, a definição de desenvolvimento sustentável é “o desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”. Assim, reconhecendo a necessidade de uma prosperidade maior e mais inclusiva e ao mesmo tempo respeitando o meio ambiente, 86 dos 169 ODS incluem referências específicas à sustentabilidade ambiental ligadas a outras prioridades de desenvolvimento, conforme mostrado no gráfico a seguir:

Para explicar a relação de como o desenvolvimento sus-tentável implica universalmente em atender as necessidades básicas da população, estendendo a todos a oportunidade de alcançar suas aspirações para viver com dignidade: na Agenda 2030, a conquista dessas metas está ligada diretamente ao acesso a recursos naturais.

Por exemplo, no Objetivo 2, o acesso aos alimentos está ligado ao acesso à terra, que por sua vez está ligada à redução da pobreza (Objetivo 1) e à igualdade de gênero (Objetivo 5). O objetivo 6 trabalha com o recurso natural ‘água em termos de meio ambiente (qualidade da água, recuperação de ecossistemas), em termos sociais (acesso à água potável) e em termos econômicos (eficiência do uso da água em todos os setores). Essa ênfase sobre as relações entre as três dimensões existe nos 17 objetivos, fazendo da agenda um documento de abordagem realmente integrada.

O papel da ONU Meio Ambiente na Agenda 2030

A ONU Meio Ambiente, principal autoridade global em meio ambiente, é a agência do Sistema das Nações Unidas (ONU) responsável por promover a conservação do meio ambiente e o uso eficiente de recursos no contexto do desen-volvimento sustentável. Estabelecido em 1972, a ONU Meio Ambiente tem entre seus principais objetivos manter o estado do meio ambiente global sob contínuo monitoramento; alertar povos e nações sobre problemas e ameaças ao meio ambiente e recomendar medidas para melhorar a qualidade de vida da população sem comprometer os recursos e serviços ambientais das gerações futuras.

Com sede em Nairóbi, no Quênia, a ONU Meio Ambiente dispõe de uma rede de escritórios regionais e nacionais, incluindo o escritório no Brasil, estabelecido em Brasília em 2004, para apoiar instituições e processos de governança ambiental e, por intermédio dessa rede, engajar uma ampla gama de parceiros dos setores governamental, não governa-mental, acadêmico e privado em torno de acordos ambientais multilaterais e de programas e projetos de sustentabilidade.

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A ONU Meio Ambiente desempenhou um papel funda-mental na criação da Agenda 2030, sendo responsável por estabelecer as bases conceituais necessárias para garantir que sustentabilidade ambiental fosse incorporada ao documento, e refletida em seus objetivos, metas e indicadores como uma questão transversal e uma prioridade de desenvolvimento. Também promoveu a criação de uma agenda que reconhece as ligações entre os objetivos com uma abordagem integrada, dado que apenas essa integração irá promover a mudança necessária para garantir a longo prazo o bem-estar humano e ambiental e a erradicação da pobreza.

A agência também foi responsável por defender o princípio da universalidade na agenda. Universalidade exige o reconhe-cimento de princípios universais, normas e valores aplicáveis a todos os países e a todos os povos, não apenas às nações em desenvolvimento, como focava antes os ODMs.

Países considerados desenvolvidos, com IDH alto, assumem, com a Agenda 2030, os mesmos compromissos, reconhecendo que desenvolvimento nacional e global estão conectados, e que as questões de desenvolvimento sustentável estão presentes em todos os lugares. O compromisso de não deixar ninguém para trás é universal e significa alcançar todos, incluindo as populações mais vulneráveis, excluídas e marginalizadas.

A ONU Meio Ambiente (principal programa das Nações Unidas encarregado de apoiar o monitoramento do meio ambiente), trabalhou e continua trabalhando com o Grupo Interagencial de Especialistas em Indicadores de ODS, o IEAG-SDG, e com a Comissão de Estatística da ONU (CSNU), para garantir que a Agenda de Desenvolvimento 2030 seja equilibrada e sirva como mecanismo para que a dimensão ambiental faça sempre parte do quadro de indicadores.

Em relação ao papel da agência no Acompanhamento dos Progressos, essa está desempenhando um papel de liderança e de contribuição para a implementação dos 80 indicadores dos ODS relacionados ao meio ambiente, em coordenação com outros atores, formando um todo coeso. Esses indicadores – em especial os com foco ambiental – estão disponíveis no site UNEP Live, que reúne informações de múltiplas fontes, servindo com base de dados central do acompanhamento do progresso e monitoramento da contribuição do meio ambiente para a conquista dos Objetivos.

Como parte do esforço e contribuição para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a ONU Meio Ambiente buscará difundir e ampliar os conhecimentos da sociedade sobre a Agenda 2030, procurando trazer propostas e soluções sobre o quê cada um de nós pode fazer na constru-ção de uma sociedade mais justa, com igualdade de gênero, respeito ao meio ambiente e tolerância à diversidade.

A complexidade dos desafios de desenvolvimento enfren-tados por nossas sociedades, como desigualdade crescente, aumento do desemprego, desastres relacionados com o clima, migração e degradação dos recursos naturais, exige ação cole-tiva, liderança estratégica e políticas de abordagem holística para a promoção da transição para um futuro sustentável para todos. Com a implantação dos ODS já iniciada, a ONU Meio Ambiente seguirá apoiando a comunidade global de desenvolvimento na avaliação já colocada em prática, no acompanhamento dos resultados e na difusão das melhores práticas e estratégias para alcance dessa ambiciosa agenda, sem deixar ninguém para trás.

ONU Meio Ambiente no Brasil : facebook.com/ONUMeioAmbiente Twitter : @ONUMeioAmbiente. Agenda 2030 : www.agenda2030.org.br

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Foram destruídos 29.075 hectares – 291 Km2 – de florestas de Mata Atlântica entre 2015 e 2016, um crescimento de 57,7% em relação ao período anterior. Há 10 anos o Atlas da Mata Atlântica, estudo da SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), não registrava desmatamentos nessas proporções. O total da área devastada equivale quase ao território de Belo Horizonte. Municípios históricos do Sul da Bahia, conhecidos como ponto de chegada dos portugueses e início da colonização do Brasil, concentram cerca de 30% do total desmatado. É a história se repetindo ou seriamos nós que estamos voltando ao passado?

Em Santa Cruz de Cabrália, munícipio onde foi realizada a primeira missa no país, o levantamento identificou o des-matamento de 3.058 ha de florestas, ou seja, mais de 10% do total do que foi desmatado no bioma entre 2015 e 2016. Se somados aos 68 ha da vegetação de mangue que também foram destruídos no período, a área sobe para 3.126 hectares. Para investigar os motivos que levaram a essa situação, foi feito um trabalho de campo por terra e sobrevoo na região. O que vimos foi desolador. Florestas queimadas, destruídas, sem vida, em processo de retirada de madeira e limpeza de áreas onde o entorno apresenta forte atividade de silvicultura e pecuária. O mesmo padrão, no município vizinho, Belmonte, que perdeu 2.122 hectares de floresta no período.

A Bahia foi o Estado que liderou o ranking do desmata-mento no Bioma, com decréscimo de 12.288 hectares – alta de 207% em relação ao ano anterior. A vice-liderança ficou com Minas Gerais (7.410 hectares desmatados), seguido por Paraná (3.453 hectares) e Piauí (3.125 hectares). Em Minas Gerais, os principais pontos de desmatamento ocorreram no Norte do Estado, reconhecido pelos processos de destruição da Mata Atlântica para produção de carvão e substituição por eucalipto.

Mario Mantovani | Diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica

Desmatar é voltar ao passadoNo Paraná, a maior concentração de desmatamento ocorreu

na região das araucárias, espécie ameaçada de extinção com apenas 3% de florestas remanescentes. No Piauí, os maiores desmatamentos foram em Manoel Emídio (1.281 ha), Canto do Buriti (641 ha) e Alvorada do Gurguéia (625 ha), municí-pios limítrofes entre si, localizados numa importante região de fronteira agrícola, que concentra a produção de grãos e é também uma área de transição entre a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga.

A situação é gravíssima e indica uma reversão na tendência de queda do desmatamento registrada nos últimos anos. E não é por acaso que os quatro Estados campeões de desma-tamento são conhecidos por sua produção agropecuária. O fato é que o setor produtivo voltou a avançar sobre nossas florestas nativas, não só na Mata Atlântica, mas em todos os biomas, após as alterações realizadas no Código Florestal e o subsequente desmonte da legislação ambiental brasileira. E a ofensiva continua com a tentativa de flexibilização do licen-ciamento ambiental e diversos ataques aos Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

Recentemente, a bancada ruralista no Congresso Nacional aprovou duas MPs (756 e 758) que colocam em risco mais de um 1,1 milhão de ha de florestas ao fragilizar o regime de proteção de várias Unidades de Conservação do Oeste do Pará. Incluíram, ainda, de maneira descabida, uma Emenda Parlamentar na MP 756 para reduzir cerca de 20% da área do Parque Nacional de São Joaquim (PNSJ), em Santa Catarina, excluindo 10 mil ha do seu território. Agora, avançam sobre o licenciamento ambiental, na tentativa de aprovar uma Lei que fragiliza esse instrumento e libera vários empreendimentos e atividades de sua obrigatoriedade.

No momento em que o caos está instalado em Brasília, numa crise política que tem no seu centro a maior empresa de carnes do mundo, a bancada do agronegócio e o núcleo central do Governo Federal avançam, de forma orquestrada e em tempo recorde, sobre o nosso sistema de proteção ambien-tal. Entretanto, a sociedade não pode ficar alheia às decisões tomadas por nossos governantes e legisladores.

A retomada do desmatamento coloca em risco todo o esforço da sociedade por um modelo de desenvolvimento sustentável e afasta o país do cumprimento de compro-missos assumidos em convenções e acordos internacionais. Nossas florestas naturais são fundamentais para a produção e abastecimento de água, a proteção do solo e a oferta de polinizadores, sem os quais o crescimento do próprio agro-negócio fica comprometido. Além disso, contribuem para a proteção de encostas e para a regulação climática, o que confere a qualidade de vida e segurança, mesmo para quem vive nas cidades.

Precisamos nos mobilizar para frear o desmonte e pro-teger a nossa legislação ambiental, que já foi uma das mais avançadas do mundo. Devemos aprender com os erros da história e não repeti-los.

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A Área de Proteção Ambien-tal Costa dos Corais se estende do município de Tamandaré, no litoral sul de Pernambuco, ao norte do município de Maceió, em Alagoas. Com mais de 400 mil hectares de área e cerca de 120 km de praia e manguezais, é a maior Unidade de Conserva-ção federal marinha no Brasil.

Rica em belezas naturais, praias e paisagens que abrigam o peixe-boi, a região é também conhecida pelo seu potencial turístico, o que atrai visitantes o ano todo e movimenta a economia local. Ao mesmo tempo, a falta de ordenamento pode causar impactos negativos ao meio ambiente, numa região que é classificada como uma área protegida e prioritária para a conservação da Mata Atlântica, sua biodiversidade e ecossistemas associados.

O que pode parecer um cenário complexo, abre também oportunidades de inovação, como mostra o exemplo do Ins-tituto Biota de Conservação, que desenvolveu um aplicativo (Aqui Tem Mata? - http://aquitemmata.org.br) que permite que turistas colaborem com o monitoramento da ocorrência de animais marinhos encalhados.

O aplicativo serve como um canal de contato direto para que a população indique para a equipe de resgate, por meio de fotos e georreferenciamento, onde estão os animais encalhados. Não que antes as pessoas já não colaborassem, estimuladas pela campanha de mobilização que o instituto realiza todo verão, mas as informações chegavam por meio de ligações, o que gerava uma grande demanda para filtrar, armazenar e verificar a veracidade dos dados.

Com o aplicativo, a equipe de resgate tem acesso em tempo real às informações, com registro fotográfico, dados de quem passou a informação e coordenadas para chegar ao local e realizar o pronto atendimento do animal, fazendo com que suas chances de vida aumentem.

O fato é que a revolução da tecnologia, em especial da indústria dos aplicativos, somada ao espírito inovador e empre-endedor de pessoas engajadas, pode ser uma aliada das causas socioambientais. E há ainda outros bons exemplos, como o projeto Praças, de São Paulo, uma plataforma colaborativa que viabiliza, com a participação da sociedade, a revitalização e gestão de praças públicas, e a Reverse, que cria soluções cola-borativas para a gestão de resíduos e educação socioambiental, auxiliando as prefeituras com o gerenciamento dos resíduos, criando uma rede com os diferentes setores envolvidos nesse processo e, por fim, informando a população sobre os locais adequados para descarte correto dos resíduos.

A própria história da Fundação SOS Mata Atlântica tem no seu DNA a inovação e uso da tecnologia para a proteção do bioma.

Marcia Hirota | Diretora-Executiva da Fundação SOS Mata Atlântica

Inovação pela Mata AtlânticaQuando a organização foi fundada, há 30 anos, sabia-se

que a Mata Atlântica era composta por diferentes ecossiste-mas que se encontravam, como até hoje, sobre forte pressão, mas não havia um detalhamento exato sobre a distribuição espacial do bioma, tão pouco informações sobre o ritmo do desmatamento. Fazia-se necessário então “descobrir” a Mata Atlântica. Assim nasceu o “Atlas da Mata Atlântica”, parceria da Fundação SOS Mata Atlântica com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que utiliza a tecnologia de sensoriamento remoto e de geoprocessamento para monitorar o bioma.

O primeiro levantamento, referente ao período de 1985-1990, determinou a área, a dimensão e a distribuição espacial da Mata Atlântica, estabelecendo uma referência inicial para o desenvolvimento de novos estudos. Inicialmente, o monitoramento era de cinco em cinco anos mas, atualmente o levantamento é anual.

Para se ter uma ideia, quando o monitoramento come-çou, a Mata Atlântica era derrubada numa velocidade de um campo de futebol a cada quatro minutos. Com o moni-toramento, associado à ampla divulgação dos dados, pressão ao poder público e envolvimento da sociedade, até o ano passado houve uma redução de 83 por cento desse ritmo de desmatamento.

Para completar, todas essas informações são disponi-bilizadas de maneira fácil, no mencionado aplicativo Aqui Tem Mata?, que permite que cada um dos 145 milhões de brasileiros que vivem no bioma conheçam a Mata Atlântica da sua cidade e, inspirados por ações inovadoras como as aqui citadas, se envolvam na sua proteção.

Vivemos numa rede de informações e precisamos nos apropriar dos avanços tecnológicos para inovar e engajar mais e mais pessoas em prol do futuro da Mata Atlântica.

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Marcia Hirota

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As cidades existem desde épocas remotas e sempre repre-sentaram pináculos de movi-mentos culturais, de exercício do poder político e da emergência da classe que as definiram na modernidade: a burguesia. Delas derivam a noção de ‘polis’ como também de cidadão, título ao qual nós citadinos não renun-ciamos ainda hoje.

Mais recentemente, desco-brimos que as cidades também reúnem com as suas virtudes todos os vícios, entre eles o de se caracterizarem como vorazes consumidoras de energia, produtoras de rejeitos, resíduos, sem falar no fato de que “reproduzem” sem nenhum glamour a desigualdade e a injustiça na repartição de bens e benefícios.

O rural há muito vem perdendo espaço na imaginação e na vida real. O êxodo contínuo de pessoas para as cidades em todo o mundo não para, e em poucas décadas teremos 75% da população mundial vivendo em centros urbanos. As razões são diversas e não são alvo desta resenha, mas é fato que afora a versão romântica do mundo rural (que circulou prodigamente no Século 19), fica cada vez mais evidente que a labuta humana ali é dura, à mercê das intempéries e ‘caprichos’ da natureza, além de competir com as máquinas e tecnologias que desempregam em massa. A tal da revolução verde desenvolvimentista nasceu para alimentar milhões, mas seus efeitos colaterais perversos se fazem sentir com intensidade em nossos dias. Hoje o desafio é alimentar bilhões e a aposta é agricultura de baixo carbono.

Reconhecer o centralismo das cidades no desenvolvimento de novos padrões de consumo, e da produção de uma qualidade de vida mais conforme às preocupações ambientais do nosso tempo, tem sido o principal mérito do programa televisivo “Cidades e Soluções”, cujo livro aqui comentado, é filhote – o que é assumido com clareza pelo jornalista André Trigueiro, que vê nele contudo uma utilidade diferente. O programa não se acha resumido no livro, e este não é uma somatória do mesmo. Segundo Trigueiro, seria quase impossível resumir 10 anos da carreira bem sucedida e premiada do programa semanal exibido no GloboNews. O livro veio à luz neste mês de Junho, no qual se celebra no mundo todo os avanços ambientais, editado pela Leya/Casa da Palavra.

Vamos ao que ambos, programa e livro têm em comum. Primeiro, o otimismo e a militância entusiástica de seu autor, presente na televisão, nas redes sociais e nas grandes audiências que recebem suas palestras em eventos Brasil afora.

Samyra Crespo | Ambientalista. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ.*

Cidades e Soluções, exemplos e otimismo por André Trigueiro

Em segundo, o mesmo estilo leve, didático, sem ser superficial de um empreendimento que deseja alcançar o grande público sem cansá-lo com tecnicismos e excesso de informação.

A seleção dos “cases” no livro também obedece ao espírito do programa: inovação, atualidade, replicabilidade. Mostrar que o desenvolvimento sustentável é possível, viável, e vem sendo praticado. Vitrine dos bons

exemplos. Enquanto livro que combina uma boa seleção de casos exemplares, informação que cativa e temas pertinentes (energia, saneamento, resíduos, biodiversidade, água, etc.) é útil ao estudante, aos gestores, secretários de meio ambiente dos estados e municípios e até para o leitor simplesmente interessado.

Escorregadelas podem ser apontadas sob um olhar mais crítico, como as entrevistas, poucas e dispensáveis apesar da importância das figuras como Vandana Shiva e Pavan Sukhdev. São insossas e não trazem o melhor da contribuição desses protagonistas ao debate. Também se pode sublinhar um certo afã opinativo que faz o autor ser porta-voz da ideia de que o desmatamento (assunto atualíssimo) aumentou 75 por cento devido ao novo Código Florestal, o que é ampla-mente discutível.

Também fico pensando se os números, alguns bons, outros nem tanto, não serão rapidamente superados, impri-mindo uma obsolescência precoce à obra, mas este é um risco previsível e quase impossível de ser evitado uma vez que a agenda ambiental é dinâmica mesmo, e que temas como o das energias renováveis vão crescendo exponencialmente de importância em todo o mundo. Ainda bem.

Ao terminar a leitura do livro, que recomendo, uma frase dançou na minha mente: eis um legado de esperança. Ler a realidade em nossos dias com lentes positivas, edificadoras, é alentador. Ainda mais quando os cenários dominantes, na literatura que tenta engajar o público nas questões ambientais são tão catastrofistas.

Cidades e Soluções, o livro, cumpre o que promete: nos deixa inspirados e com vontade de colocar a mão na massa, de ser parte desse “mundo novo” que já tem cheiro e cor, que está mais perto e tangível do que imaginávamos há apenas uma década.

*Samyra Crespo coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002.

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Samyra Crespo

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