anonimos

100
ANÔNIMOS QUE SOBREVIVEM AO EFEITO DO ÁLCOOL Robson Joaquim

Upload: studio-fortim

Post on 30-Mar-2016

215 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

bombeiro aeso

TRANSCRIPT

Page 1: anonimos

Anônimos que sobrevivem Ao efeito do ÁlcoolRobson Joaquim

Page 2: anonimos
Page 3: anonimos

Anônimos que sobrevivem Ao efeito do Álcool

Robson Joaquim

2012

Page 4: anonimos

fichA técnicA

Page 5: anonimos
Page 6: anonimos
Page 7: anonimos

Dedico este trabalho aos anônimos que dia-riamente se abstêm da ingestão de bebida alcoólica e que, com seus exemplos, conse-guem ajudar pessoas a largar o álcool.E ao meu pai.

Page 8: anonimos
Page 9: anonimos

Agradeço a Deus, aos meus pais Moisés Jo-aquim da Silva e Claudinete Maria da Silva, a minha esposa Erika Loaysa, aos alcoóli-cos anônimos e aos profissionais que me ajudaram: Thiago Lucas(chargista), Mário Venâncio(designer), Dr Luiz Pereira Lins Filho(médico), Risolene Nunes(psicóloga) e minha orientadora professora doutora Mô-nica Fontana, por terem acreditado no meu potencial para a realização deste trabalho.

Page 10: anonimos
Page 11: anonimos

PRefácio...............................................................................................12intRodução...................................................................................14Anônimo 1........................................................................................23Anônimo 2......................................................................................29Anônimo 3.......................................................................................35Anônimo 4......................................................................................41A oPinião do doutoR..........................................................47um Anônimo em estAdo cRítico............................55Anônimos Reunidos...........................................................59com A PAlAvRA ..........................................................................67A PsicólogA....................................................................................67Anônimos do outRo lAdo do mundo............73Anônimos APAdRinhAdos............................................79Anônimos ......................................................................................85Auto-sustentáveis................................................................85ePílogo................................................................................................95

sumÁrio

Page 12: anonimos

A abordagem ao poder destruidor de uma droga cuja venda é permi-tida por lei e que vem sendo consumida de modo crescente, inclusi-ve por crianças e adolescentes, até no interior de seus lares e com a expressa autorização de pais desavisados, já tornaria esta obra uma leitura interessante e imprescindível.

enquanto as drogas ilícitas são consumidas às escondidas, nos escuros e na marginalidade, sempre oculto das pessoas mais próxi-mas e de modo reprimido pelo estado por serem de anunciado e in-discutível potencial lesivo à saúde física e mental do usuário, o álcool é - não se sabe o porquê - considerado uma droga socialmente aceita, bem vista e bem recebida, elogiada pela conexão que faz entre as pessoas e apregoada por médicos vários. no entanto, a experiência mostra que a realidade é bem outra: pessoas física e psicologicamen-te dependentes, saúdes irreversivelmente debilitadas, sanidades mentais seriamente comprometidas, famílias destroçadas, crimes dos mais bárbaros, sofrimentos, divórcios, destruições e mortes são encontrados, com facilidade, nos currículos das inúmeras bebidas al-coólicas vendidas “inocentemente” em cada esquina.

não tão rapidamente viciante quanto o “crack”, não tão depres-sora quanto a maconha e nem tão excitante quanto a cocaína em pó, o álcool agrega todas estas características no organismo humano, aprisionando o indivíduo com a mesma força nociva e devastadora das suas primas, drogas ilegais, mas sem a mesma ótica preocupada dos estudiosos. o material que agora chega a suas mãos vem chamar a atenção para isto. o autor, sério pesquisador sobre o assunto, con-ta histórias, ouvidas na confidencialidade, de pessoas reais que se viram presas nas garras do vício alcoólico, que assistiram, impoten-tes, muitos dos seus sonhos virarem pó e que, hoje, travam uma luta diária entre o querer viver e a atração do vício; entre a felicidade e a sarjeta; entre a paz em meio à turbulência da vida e a turbulência da droga em meio à paz do amor familiar.

mergulhou o escritor em um estudo aprofundado dos métodos

PrefÁcio

Page 13: anonimos

utilizados pelos Alcoólicos Anônimos que, há quase um século, ajuda pessoas de todas as partes do mundo a conviver com o alcoolismo sem sucumbir aos seus encantos e estragos. conversou com médico, psicólogo, religioso. Atravessou o mundo em busca de informações sobre a atuação da instituição em um país cuja cultura é totalmente diferente da nossa. dissecou a filosofia adotada pela entidade, sua forma de abordagem e de apoio aos novos membros, sua maneira de acompanhar os participantes antigos, de angariação de fundos, passando pela sua referência ao criador de todas as coisas. esmiu-çou a longa, dramática e eterna guerra que os Alcoólicos Anônimos travam, lado a lado com o dependente que pretende se ver afastado da bebida alcoólica, numa bela demonstração de que a solidarieda-de, o amor e a empatia são ótimas armas contra a cadeia infernal e catastrófica do vício.

como amiga próxima de pessoas que vivenciaram o problema, emocionei-me profundamente com os vários relatos, senti de perto e até revivi a desgraça que o álcool pode trazer ao caráter de um in-divíduo e, consequentemente, à sua família. Restei indelevelmente marcada pelas mensagens e experiências narradas no livro.

e, como contumaz estudiosa, há quase duas décadas, da crimina-lidade que nos cerca e que é, infelizmente, crescente a cada dia, re-comendo a obra a todos, jovens e adultos, como sendo, sem medo de pecar pelo exagero, de utilidade pública. sigo, para manifestar tal en-tendimento, o raciocínio de que, se a família é a célula-mãe da socie-dade e o indivíduo é o núcleo desta célula, a informação e a formação de cada brasileiro, individualmente considerado, é de interesse social urgente, para que possamos nos aproximar, no futuro, da sociedade ideal, com a qual sonho, como cidadã apaixonada pelo meu País.

Erika Loaysa Esposa

Page 14: anonimos

os Alcoólicos Anônimos surgiram em 1935, em ohio, es-tados unidos, através da troca de experiências de um corretor da bolsa de valores de nova York, e de um cirur-gião de ohio, posto que ambos passavam por um grave

problema, o alcoolismo. esses dois homens chamavam-se Bill e Bob, os fundadores do A.A. hoje a entidade está presente em 150 países espalhados pelos cinco continentes e, a cada dia, vem crescendo em ritmo bem acelerado, causado pelo elevado número de pessoas que atualmente conhecem o álcool e seus efeitos devastadores.

Atualmente, veículos de comunicação, principalmente rádio e televisão, através de propagandas bem sugestivas, atraem mais e mais consumidores a se tornarem dependentes do álcool. essa de-pendência vai aos poucos causando problemas nos âmbitos social, profissional e familiar.

nessas propagandas, várias situações são apresentadas de forma que a bebida alcoólica esteja presente: depois do trabalho, em finais de semana, no futebol, nas baladas, etc. um ponto interessante é que, quase sempre, a “figura da mulher bonita” associada a mais uma cer-vejinha está presente na comunicação de massa.

segundo a organização mundial de saúde (oms), em recente es-tudo, o álcool mata mais do que doenças como Aids e tuberculose, sendo responsável por um percentual considerável das mortes no mundo. como diz o dado abaixo:

rELaTÓrio Da oMsBrasiLEiros BEBEM 50% a Mais quE o rEsTo Do MunDoPuBLicaDo EM 12.02.2011

organização mundial da saúde mostra que homens consomem até 24,4 litros de álcool por ano e mulheres, 10. média no mundo é de 6,1 litros

geneBRA – o consumo de álcool no Brasil é quase 50% superior

introdução

Page 15: anonimos

à média mundial e o comportamento de risco no País já supera o padrão da Rússia. levantamento feito pela organização mundial da saúde (oms) mostra que homens brasileiros bebem até 24,4 litros de álcool por ano – a média no mundo é de 6,1 litros. entre as mulheres, são cerca de 10 litros. A taxa brasileira está também bem acima da registrada em países latino-americanos, de 8 litros ao ano por pes-soa. no anúncio dos dados, a entidade se mostrou preocupada com o avanço do álcool no Brasil.

segundo o primeiro levantamento feito em cinco anos sobre o consumo de bebidas, o álcool já mata mais que epidemias como a Aids, tuberculose, violência ou guerras, sendo responsável por 4% de todas as mortes no mundo. no total, o número de vítimas chega a 2,5 milhões de pessoas por ano.

A entidade afirma que o aumento da renda da população em pa-íses emergentes levou a um crescimento do consumo exagerado de bebidas, portanto, a um comportamento de risco. isto tem sido reali-dade em países da ásia e América latina.

o álcool é responsável por 7,2% de todas as mortes no Brasil – qua-se duas vezes superior à media mundial. cerca de 30% da população que admite beber frequentemente, afirmam que se embriagam pelo menos uma vez por semana.

nos estados unidos, essa taxa é de 13%, contra 12% na itália. mes-mo na Rússia, a taxa daqueles que exageram na bebida é inferior à do Brasil: 21%. vários outros países do leste europeu tem taxas infe-riores às do Brasil.

A cerveja é responsável por 54% do consumo no País. mas os des-tilados representam 40%, uma taxa considerada alta. o vinho repre-senta cerca de 5%.

A oms recomenda que os governos regulem o mercado de venda de bebidas, em particular para pessoas mais jovens. também sugere

Page 16: anonimos

16

regulações e restrições à disponibilidade do álcool, políticas apro-priadas para se evitar que motoristas dirijam bêbados e a redução da demanda, com impostos mais altos. Afirma ainda que é preciso que os governos forneçam tratamento para pessoas com problemas com o álcool e implementem programas e intervenções breves diante do uso perigoso e prejudicial da bebida. A íntegra do relatório está dis-ponível no site da oms, em inglês (http://www.who.int).

organizações não governamentais defendem uma restrição à propaganda de bebidas alcoólicas no País. o tema chegou a ser de-batido no congresso, sem avanços. o ministro da saúde, Alexandre Padilha, descartou qualquer iniciativa de legislar sobre o tema, afir-mando defender uma conversa com a indústria.

FONTE: Jornal do Commercio Publicado em 12-02-11

LEi GEraL Da coPa é aProvaDa no sEnaDo coM LiBEração DE BEBiDasPor Maria Carolina Marcello | Reuters

BRAsíliA, 9 mai (Reuters) - A lei geral da copa foi finalmente aprovada pelo senado nesta quarta-feira, após adiamentos e polêmi-cas que estremeceram a relação do governo com a fifa, e segue agora para sanção da presidente dilma Rousseff.

o projeto, conjunto de regras para a realização do mundial de 2014 e da copa das confederações de 2013, permite de forma genérica a ven-da de bebidas alcoólicas nos estádios durante os eventos esportivos.

os senadores rejeitaram, por 40 votos a 19, emendas à lei da copa que tentavam proibir a venda de bebidas nas arenas. eles mantive-ram o texto principal aprovado pela câmara dos deputados no fim de março, o que deixa o ponto mais polêmico da lei, o comércio de bebidas, a cargo dos estados.

Aqueles que forem sede dos jogos e tiverem legislação contra o álcool terão de assumir a tarefa de suspender essas leis, o que não deverá ser um problema. A maioria das cidades já sinalizou que isso será feito, já que foram assinados acordos prévios com a fifa acatan-do a necessidade de se vender cerveja nas arenas para serem esco-lhidas como sedes. A entidade que controla o futebol mundial tem

Page 17: anonimos

17

especial interesse no tema, uma vez que há uma cervejaria entre seus patrocinadores.

A lei geral da copa teve votação adiada por diversas vezes na câma-ra e no senado, e a demora na sua aprovação provocou críticas da fifa.

o secretário-geral da federação, Jérôme valcke, chegou a dizer que o Brasil precisava de um “chute no traseiro” para acelerar os preparati-vos do evento, o que provocou uma crise entre o governo e a fifa.

o incidente gerou pedido de desculpas das autoridades da en-tidade internacional e foi considerado resolvido pelas duas partes após negociações.

na terça-feira, após encontro do ministro do esporte, Aldo Rebelo, com autoridades da fifa em Zurique, valcke foi questionado sobre a lei da copa. ele disse que não via necessidade da presença dele ou do presidente Joseph Blatter no congresso, como foi cogitado por parla-mentares, para discutir o tema.

valcke afirmou que o assunto já foi debatido o bastante e “agora precisa ser aprovado e não mais discutido”.

inGrEssos Mais BaraTosPara que o projeto fosse votado nesta quarta-feira, os senadores

conferiram o status de urgência à matéria na terça-feira, abreviando a tramitação da proposta. dessa forma, pôde ser levada diretamente ao plenário da casa, sem necessidade de passar por comissões.

segundo o relator da proposta na comissão de constituição e Jus-tiça (ccJ) do senado, vital do Rêgo (PmdB-PB), foram feitas apenas mudanças na redação do texto enviado pela câmara, sem alterar a essência do projeto.

A senadora Ana Amélia (PP-Rs), que relatava o projeto na comis-são de educação, cultura e esporte, afirmou que o tempo foi um dos fatores que impediu modificações mais profundas no projeto. se fos-sem inseridas alterações no mérito da matéria, ela teria de voltar à câmara dos deputados.

“eu queria proibir a bebida”, disse a senadora, contrapondo que isso iria “quebrar acordos internacionais” e poderia gerar “insegu-rança jurídica” sobre as garantias fornecidas pelo Brasil para a reali-zação das competições.

Além da questão das bebidas, a lei geral da copa regulamenta

Page 18: anonimos

a realização dos eventos esportivos no país e define desde as regras para comercialização de produtos dos patrocinadores da fifa até as responsabilidades civis do governo e do setor privado.

o texto estabelece uma categoria de ingressos com preços mais acessíveis, destinada a idosos, estudantes e participantes dos progra-mas de distribuição de renda do governo federal, sendo que idosos pagam meia-entrada em todas as categorias de ingressos.

A proposta também prevê que a união responderá por danos causados à fifa por ação ou omissão e assumirá a responsabilida-de civil por acidentes ou incidentes de segurança relacionados aos eventos esportivos, a não ser que a fifa ou a possível vítima tenha contribuído para a ocorrência do fato.

FONTE: Reuters Publicado em 10-05-12http://br.noticias.yahoo.com/lei-geral-da-copa-%C3%A9-aprovada-no-senado-000335039--spt.html

Page 19: anonimos

© World Health Organization 2011

PATTERNS OF DRINKING

ABSTAINERS (15+ years), 2003

Males Females Total

Lifetime abstainers 14.5% 22.7% 18.7%

Former drinkers 27.3% 36.0% 31.8%

Abstainers* 41.8% 58.7% 50.5%

* Persons who did not drink in the past 12 months.

DRINKERS ONLY

Adult (15+ years) per capita consumption*, total 18.51

Adult (15+ years) per capita consumption*, males 24.38

Adult (15+ years) per capita consumption*, females 10.62

Heavy episodic drinkers** (15–85+ years), males, 2003 32.4%

Heavy episodic drinkers** (15–85+ years), females, 2003 10.1%

* (Recorded + unrecorded – tourist) in litres of pure alcohol, average 2003–2005.** Had at least 60 grams or more of pure alcohol on at least one occasion weekly.

PATTERNS OF DRINKING SCORE

Patterns of drinking score* least risky 1 2 3 4 5 most risky

* Given the same level of consumption, the higher the patterns of drinking score, the greater the alcohol-attributable burden of disease for the country.

ALCOHOL POLICYExcise tax on beer / wine / spirits Yes / Yes / Yes

National legal minimum age for off-premise sales of alcoholic beverages (selling) (beer / wine / spirits) 18 / 18 / 18

National legal minimum age for on-premise sales of alcoholic beverages (serving) (beer / wine / spirits) 18 / 18 / 18

Restrictions for on-/off-premise sales of alcoholic beverages:Time (hours and days) / location (places and density) No & Yes / Yes & No Specific events / intoxicated persons / petrol stations Yes / Yes / Yes

National maximum legal blood alcohol concentration (BAC) when driving a vehicle (general / young / professional), in % 0.02 / 0.02 / 0.02

Legally binding regulations on alcohol advertising / product placement Yes / Yes

Legally binding regulations on alcohol sponsorship / sales promotion No / No

HEALTH CONSEQUENCES

MORBIDITY

Prevalence estimates (12-month prevalence for 2004): Males Females

Alcohol use disorders (15+ years) 7.29% 1.41%

ALL CAUSE MORTALITY

Age-standardized deaths rates, 15+ years (per 100,000 population)

2000 2001 2002 2003 2004 2005

M F M F M F M F M F M F

Liver cirrhosis 25.4 5.1 24.9 5.0 25.3 5.0 24.9 4.9 25.0 4.8 24.4 4.7

Road traffic accidents (1)

34.6 7.3 35.9 7.1 37.4 7.5 37.2 7.8 39.6 8.1 39.9 8.3

Data source: WHO Mortality Database, data as reported by countries (1) refer to transport accidents.

54%BEER

40%SPIRITS

<1%OTHER

RECORDED ADULT (15+) ALCOHOL CONSUMPTION BY TYPE OF ALCOHOLIC BEVERAGE (IN % OF PURE ALCOHOL), 2005

Beer includes malt beers. Wine includes wine made from grapes. Spirits include all distilled beverages. Other includes one or several other alcoholic beverages, such as fermented beverages made from sorghum, maize, millet, rice, or cider, fruit wine, fortified wine, etc.

Adult (15+) per capita consumption, average 2003–2005 (in litres of pure alcohol):

Recorded 6.2

Unrecorded 3.0

Total 9.2

WHO American Region 8.7

B r a z i l

Total population: 189 323 000 ➤ Population 15+ years: 72% ➤ Population in urban areas: 85% ➤ Income group (World Bank): Upper-middle income

Data source: United Nations, data range 1990–2006.

SOCIOECONOMIC CONTEXT

Robust estimate of five-year change in recorded adult(15+) per capita consumption,2001–2005:

increase

➤ stable decrease

inconclusive

5%WINE

8

2000 2002

Litre

s of

pur

e al

coho

lENLARGEMENT OF RECORDED ADULT (15+) PER CAPITA CONSUMPTION, 2000–2005

Year

2003 20052001

ALCOHOL CONSUMPTION Population data (refer to the population 15 years and older and are in litres of pure alcohol).

1961 1966 1976Li

tres

of p

ure

alco

hol

1991

RECORDED ADULT (15+) PER CAPITA CONSUMPTION, 1961–2005

Year

1971 1981 200119961986 2006

Change in data source from 2000

Beer Wine Spirits Other Total

15

5

10

20

2004

4

2

6

0

0

Page 20: anonimos

o primeiro texto mostra dados da organização mundial de saúde que coloca o Brasil em uma desconfortante situação, o de está no ranking dos países que mais consomem bebida alcoólica no mundo. o segundo texto, mais atual, mostra que a lei geral da copa liberou a venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol, o que contraria o estatuto do torcedor, que segundo o capítulo iv, artigo 13-A, pro-íbe a venda de bebidas alcoólicas em estádios de futebol. essas são algumas evidências que mostram que a venda de uma droga lícita altamente prejudicial, está a cada dia ganhando mais espaço na so-ciedade, e que a sua não proibição está ligada a questão de interesses comerciais entre governo e empresários.

vamos conhecer a história de anônimos em recuperação, todos per-tencentes ao A.A., e que já passaram por experiências negativas com o álcool e decidiram relatar os inúmeros problemas que passaram.

um dos requisitos básicos que mantém o programa de A.A. é o depoimento de cada membro. É através da troca de experiências que cada dependente do álcool se mantém firme em se abster da bebida alcoólica. essa troca funciona como uma espécie de fortalecedor da autoestima de cada pessoa, seja para aquele membro que esteja com vontade de voltar a beber ou para aquele que já esteja há bastante tempo decidido em permanecer longe da bebedeira.

Através de várias conversas com alguns alcoólicos, fui adquirin-do a confiança deles e alguns se sentiram à vontade em relatar as experiências negativas que tiveram com o álcool, com a condição de não se identificarem.

os relatos aconteceram numa pequena sala do grupo Padre chro-mácio leão, em Jaboatão centro, intitulada de sala de abordagens, com um pequeno birô, duas cadeiras, um ventilador e um aparelho de telefone como únicas testemunhas daquelas narrativas.

Page 21: anonimos
Page 22: anonimos
Page 23: anonimos

Anônimo 1

Page 24: anonimos

24

Page 25: anonimos

25

anônimo 1

o primeiro relato foi de um senhor forte, um pouco barri-gudo, baixo, de bigode, pele clara. ele baixou a cabeça e começou a falar:

“eu comecei a beber aos dezoitos anos de idade. An-tes eu não bebia, mas depois que minha mãe faleceu no dia 20 de novembro de 1975 e, após um mês certinho, no dia 20 de dezembro daquele ano, foi a primeira farra que fiz. e daí eu me embriagava pela primeira vez, mas não parei né, continuei bebendo.

mas minha bebedeira no início era muito bacana, porque se eu chegasse num bar e tivesse duas ou três pessoas falando mais alto, naquele bar eu não bebia, procurava um bar que não tivesse zoada. com o decorrer do tempo foi mudando, minha bebedeira foi aumen-tando. eu já não bebia só sábado e domingo, comecei a beber quase todo dia. e aí arrumei umas amizades, que era daquelas amizades que se tivesse uma confusão ali, era pra se acabar e ninguém correr. Aí meu amigo, começaram a aparecer os problemas que o álcool traz, comecei a ser brigão, não queria levar recado pra casa (não aceita-va desaforos), comecei a faltar com respeito, não respeitava menino nem velho, pra mim tudo era igual e passei a andar armado. Aí foi quando veio o meu lado violento, toda vez que eu bebia tinha que ter uma briga. eu lembro uma vez, quando eu completava trinta anos de idade. eu fiz uma panelada de muçum de coco, e nessa panelada a gente começou bebendo, e tava passando o jogo santa cruz e sport, e eu sou tricolor doente. tinha um colega que torcia feito o jogador faz, quando dizia ‘chutou’ ele chutava. só que uma das vezes que dis-seram ‘chutou’, ele chutou a panela de muçum, foi muçum pra todo lado. nesse momento eu parti pra cima dele, agredi mesmo, bastan-te, e os amigos tiraram e o levaram pra casa. Aí, no outro dia, comecei a pensar: rapaz essa bebida minha tá demais, mas não tem jeito de parar. e meu filho tá aí, crescendo, convivendo com o meu desrespei-to pelas ruas que passava.

um belo dia, exatamente vinte e sete de janeiro de mil novecen-tos e oitenta e quatro eu tomei minha última cachaçada, fiz um de-sespero muito grande, muito grande mesmo através do álcool que não tenho coragem de lhe contar. no dia seguinte, quando eu me acordava em casa, meu filho tava na beira da cama chorando, na época ele tinha doze anos de idade, e eu perguntei ‘por que você tá

Page 26: anonimos

Primeiro capítulo

26

chorando?’. ele me respeitava muito, e disse: ‘Bem, meu pai, o senhor pode até me matar, mas eu não vou mais estudar. Porque no meu co-légio, quando eu chego, meus colegas dizem que o senhor é um ‘bebo’ sem vergonha, que anda caindo pela estrada. olha o senhor aí, com a cara quebrada’. Aí foi quando eu vim sentir que tava com o supercílio aberto, isso tinha sido por conta da bebedeira do dia anterior, briga, confusão. Aí olhei para a minha camisa e tava toda melada de san-gue. Baixei a cabeça naquele momento e lembrei que tinha um cida-dão chamado seu dema, ele me chamava demais para os alcoólicos anônimos. Aí eu pensei, se eu não parasse de beber, o meu filho, mais tarde, poderia ser um marginal. dirigi-me ao meu filho e disse: ‘vá para o colégio e diga aos seus colegas que, a partir de hoje, jamais eles verão seu pai tombando na estrada. ele disse pra mim: ‘É verdade ?’ Respondi: É verdade. ele foi à escola, mas ficou meio desconfiado. e aí eu ia pras reuniões do A.A., passava na casa dum companheiro chamado nascimento, já falecido, e aí vinha com ele, à noite, para o grupo. chegava lá, era bem recebido pelos meus companheiros. e, naquele momento, eu dava um sim, que queria fazer parte da enti-dade. mas eu dei aquele sim com dois pensamentos: ‘eu passo três meses na irmandade, com três meses meu filho se esquece, e volto a beber’. e continuei com essa ilusão. tava bem pertinho d’eu beber, aí um dos companheiros nossos, através dos seus depoimentos, fa-lou umas frases que eu gravei na minha mente. Quando a reunião acabou, eu saí e, ao passar pela porta, olhei para o infinito e pedir ao Poder superior, que é deus na forma de conceito, Que ele estivesse comigo ali dentro e não me deixasse beber, porque ali era o meu lar. hoje eu sou feliz, agradeço demais ao A.A. e principalmente ao meu filho. na época, ele terminou o segundo grau, foi para o estado de são Paulo e, pra minha alegria, é um pastor evangélico. e agora, no dia um de julho, meu filho faz quarenta anos. e, em janeiro, eu faço vinte e oito anos de A.A. sou feliz e, às vezes, fico lembrando das coi-sas ruins que o álcool fez nas nossas vidas. ele, quando me telefona, a primeira coisa que pergunta é se estou indo ao grupo? eu digo que sim, e que jamais eu posso me afastar das reuniões, porque a reunião é o nosso remédio, e o nosso tratamento depende muito de assistir reunião. essa é a minha história com o álcool. sou muito feliz em trabalhar nos Alcoólicos Anônimos e gosto de ajudar as pessoas que

Page 27: anonimos

27

anônimo 1

também estão sofrendo com alcoolismo. Agradeço ao A.A. e ao meu filho por naquele momento ter me enfrentado.

Page 28: anonimos
Page 29: anonimos

Anônimo 2

Page 30: anonimos

segundo capítulo

30

Page 31: anonimos

31

anônimo 2

o segundo depoimento foi de um dos líderes do grupo A.A. Padre chromácio leão. logo no início, falou que não ha-veria problema algum em revelar o seu nome. disse que esta forma não era uma quebra de anonimato e sim uma

divulgação do trabalho que é feito para quem queira parar de beber.“sou soares, um alcoólico em recuperação e só pela graça de deus

não bebi hoje, tenho sessenta e cinco anos de idade, ingressei na irman-dade de Alcoólicos Anônimos aos vinte seis, e completo, agora em se-tembro, quarenta anos sem beber. e pra mim é realmente um processo de transformação constante, o que a irmandade de Alcoólicos Anôni-mos nos orienta, não apenas a evitar o primeiro gole, mas também a um método de vida que, se praticado, alguém dificilmente irá fracassar.

não estamos ligados a nenhuma seita ou religião. o nosso preâm-bulo diz que a nossa entidade não tem esta ligação, o que faz com que cada um de nós fiquemos livres para seguir qualquer tipo de religião. A religião com certeza nos ajuda a entender a prática dos doze Passos.

fui orientado pelo meu médico que eu tinha uma predisposição para o alcoolismo, ou seja, já havia nascido com uma tendência. to-dos nós, que desencadeamos o processo, só sabemos que um dia co-meçamos a beber e esse processo aumenta e depois queremos parar e não podemos mais. isso significa dizer que somos portadores de uma doença chamada alcoolismo, segundo a organização mundial de saúde, porque Alcoólicos Anônimos não tem autoridade para afir-mar isso, somos leigos.

mas como isso se desencadeou? Ainda muito jovem, aqui na cida-de de Jaboatão, há quarenta anos, essa cidade era pacata, as pessoas ainda podiam ficar nas calçadas, conversando, namorando, e eu pre-cisava ter coragem pra me projetar na sociedade. Achava que para ser um homem, o sujeito precisava estar com um copo de bebida na mão e um cigarro na boca. e, aos poucos, fui desenvolvendo esse processo do alcoolismo, tinha catorze, quinze anos e não percebia que, cada dia, eu bebia um pouco mais. Aos dezoitos anos, ingressei no exército brasileiro, e lá foi onde eu aprendi muitas coisas, inclusive aumentei muito o meu grau de alcoolismo. naquela época, na época da revo-lução, o exército mandava em tudo, e eu bebia por todo canto, fazia o queria, atropelava as leis naturais, desrespeitava as pessoas. mui-tas vezes, andei pelas ruas, fardado e embriagado. dentro do quartel

Page 32: anonimos

segundo capítulo

32

cometi vários desatinos. uma vez, a unidade daqui de socorro-Jabo-atão (décimo Quarto Batalhão de infantaria motorizado -14º Bimz) foi transferida para campina grande-PB, Quinta cia de fuzileiros, e fui escolhido para dirigir a viatura que transportava munição, pois era o chefe da manutenção do quartel. era a função mais importante daquele comboio, porque levava simplesmente um caminhão carre-gado de munição. só que o subtenente chefe da viatura responsável pela munição também era alcoólatra. o dia estava chuvoso e aquele subtenente transportava em sua mochila simplesmente três garra-fas de cachaça. e, logo ao sair da cidade, passávamos pela estrada dos Remédios, ele abriu a primeira garrafa de cachaça, tomou um trago e me ofereceu. eu acho engraçado a maneira como ele falava: ‘toma uma pra esquentar, rapaz (com um sotaque gaúcho)’. e eu tomei uma, tomei duas, tomei três. o resultado disso foi que, quando chegamos na Paraíba, em direção a campina grande, fizemos uma parada e eu estava tão embriagado que não pude ficar de pé. como conduzi aque-la viatura até campina grande, não sei explicar. A única coisa que tenho certeza é que, se eu batesse com aquele caminhão, todos os meus irmãos iam ser ‘queimados’. você imagine o perigo que causei. Quando chegamos, o comandante veio fazer a revisão. o subtenente deu uma satisfação, dizendo que eu não podia descer da viatura e ele não percebeu que eu estava dirigindo completamente embriagado. mas isso pra mim era uma coisa natural, normal. Ainda muito jovem, continuava a fazer desatinos e mais desatinos, até que um dia acon-teceu uma das coisas mais fortes na minha vida. eu observava que só tinham dois destinos: parar de beber pra continuar vivendo, ou con-tinuar bebendo pra ter uma morte prematura, ou parar nas peniten-ciárias. certo dia, saí pra beber. saí do quartel e comecei a beber com meu amigo, meu comparsa martiniano, e depois dessa cachaçada toda, fui embora pra casa. chegando em casa, me lembrei que, uma semana antes, o filho do meu vizinho havia brigado com meu filho, e meu filho chegou em casa chorando. naquela hora, eu estava normal (sóbrio), achei que aquilo era uma coisa natural e que no dia seguin-te eles estariam brincando. o pai dele era um bom sujeito. só que, quando eu chegava dessa bebedeira, eu me lembrava que o meu filho havia chegado em casa chorando porque tinha apanhado do vizinho, e aí veio aquele orgulho do alcoólatra, pensando em resolver uma

Page 33: anonimos

33

anônimo 2

situação que já havia sido resolvida. foi a última vez que eu bebi. Primeiro eu achei que devia tomar satisfações com o pai do meni-no., procurei o cidadão, um homem de bem, desacatei, chamei-o pra brigar, ele com toda paciência do mundo tentava me controlar. man-daram chamar a tia da minha esposa, uma senhora idosa que tinha por mim o maior carinho e respeito. e nem tia Zefinha conseguiu me controlar, desconheci tia Zefinha, botei tia Zefinha pra fora de casa. minha esposa ‘tava com nove meses de gravidez e eu forcei a minha esposa a tirar os meus coturnos (botas do quartel). não fiz com ins-tinto de fazer o mal, mas era um orgulho de fazer com que ela tirasse os meus coturnos. sentei ela num batente e joguei os pés no colo dela com bastante força, por um milagre de deus e também pelo instinto materno, ela livrou a barriga dos meus pés, o que fatalmente mataria o meu filho. no dia seguinte, eu acordei desconfiado, algumas coisas quebradas e a minha esposa me contara tudo o que eu havia feito. verdadeiramente, eu não me lembrei de nada. fiquei com tanta ver-gonha que saía para ir ao quartel bem cedinho e só voltava pra casa à noite. e ouvi falar que existia um tal de Alcoólicos Anônimos, que ajuda as pessoas a pararem de beber. no dia quatro de setembro de mil novecentos e setenta e um, realmente eu me decidi a procurar o A.A. meu filho nasceu no dia oito de setembro daquele ano, ele é o responsável direto por essa busca que fiz. estou prestes a completar quarenta anos de sobriedade, sou sargento aposentado do exército e ele é major do exército. todo ano, ele pode estar em qualquer lugar, me liga e diz: ‘painho, mais um ano de sobriedade’. sou muito feliz, continuo trabalhando no A.A. sou portador de uma doença progres-siva, psíquica e incurável. e pra aquele recém-chegado na irmanda-de, eu digo que tenho quarenta anos de sobriedade e você também pode ter, é só seguir os princípios do A.A.”

Page 34: anonimos
Page 35: anonimos

Anônimo 3

Page 36: anonimos

Terceiro capítulo

36

Page 37: anonimos

37

anônimo 3

o terceiro entrevistado aparentava ter uns 52 anos, more-no, de baixa estatura, acho que mais ou menos 1m e 60 cm de altura, camisa de botão com um maço de cigarros no bolso da frente, bermuda e sandália havaiana.

Apertou minha mão com força e, ao sentar na mesma sala, já dis-parou uma quantidade de perguntas que fiquei surpreso: “o que é que você quer que eu fale?”, “falo normalmente?”, “Posso começar?”

dei uma pequena risada e disse: “fique à vontade e fale bonito, feio o que você achar melhor, apenas conte como foi a sua experiência com o álcool”. Aí foi quando ele deu um sorriso e disse: “deixe comigo”.

“comecei a beber aos doze anos de idade, foi a primeira vez que bebi e o resultado não era pra ser outro, fiquei bêbado e passei da hora do meu banho de 5h da tarde, cheguei às 6. fui bastante reclamado pela minha mãe adotiva (eu era adotado), mas isso não me corrigiu. fiz o concurso para o senAi, antiga escola profissional, para me tornar um profissional. e recebia dela, naquela época, 500 réis de manhã e tarde. Aí eu juntava esse dinheiro pra quando chegasse a sexta feira eu, já com catorze anos pra quinze, me juntar com alguns companhei-ros da mesma idade e irmos para o bar de seu Rufino aqui em Jaboa-tão. e lá, começávamos a ingerir bebidas alcoólicas, principalmente a conhecida pernambucana PitÚ. Aí, voltava pra casa, ficava tapeando para não entrar em casa: ‘deixa a porta aberta, daqui a pouco eu entro’. isso para não perceberem que eu estava embriagado. certa vez eu usei um petisco conhecido por sarapatel, aí me deitei na cama e o vômito veio, não tive como esconder dessa senhora. e ela, de manhã cedo, me disse: ‘vou dizer a dona nega, que era minha mãe biológica, pra dar uma pisa em você, e você deixa de beber. mas como os ‘bebos’ são inte-ligentes, carinhosamente, através de abraços e beijinhos, pedi pra que ela não contasse, e ela desistiu de contar a minha mãe. com isso ela, sem querer, abriu espaço para eu entrar no alcoolismo.

Ao chegar no exército, pra mostrar que era homem, aí é que a bebida progrediu mesmo, isso no ano de 1957. no segundo ano, me tornei efetivo no trabalho e conquistei a estabilidade aos 10 anos. fui preso duas vezes. A primeira, durou apenas 40 minutos, aqui mes-mo em Jaboatão centro. como era conhecido por todos, rapidamen-te fui liberado. Já a segunda aconteceu em caruaru. estava com um grupo de colegas e começamos a fazer arruaças na festa da cidade,

Page 38: anonimos

Terceiro capítulo

38

foi quando chutei uma mesinha daquelas que colocam uísque. fui preso às 22 horas e só fui liberado no outro dia, às 10 da manhã. isso faz exatamente 42 anos. um soldado me agrediu bastante, mas as palavras do delegado foram mais fortes que as agressões do soldado. nessa altura eu já tinha 22 anos, não tinha controle na bebida, e foi aí que atingiu a parte moral. ganhei apelidos como: meota, tonico cachacinha e vários outros apelidos. Aos 26 anos, eu me casei e ju-rava para minha noiva ‘quando me casar eu deixo de beber’. casei e não deixei. ‘Quando vier o nosso primeiro filho eu deixo de beber’. veio meu filho e não deixei. no segundo, as mesmas promessas... e não correspondia. mas com a minha malandragem do alcoolismo falei: ‘se nascer uma menina, eu deixo de beber’. Aí o Poder superior me concedeu uma menina, mas por felicidade, essa filha minha, de nome maria conceição, nasceu na mesma data que um dos funda-dores do A.A. faleceu: 24 de janeiro de 1971. eu faço isso um vínculo da minha permanência e chegada ao A.A. Quando foi no mês de ju-nho, dia 26, eu ingressava na entidade. Antes, eu tinha recebido vá-rios convites e, quando chegava, eu vi aqueles senhores, que hoje são meus irmãos de A.A., bem vestidos, aí eu botava na mente uma dis-criminação: ‘isso é uma instituição igual às outras: Quem tem valor é que tem dinheiro’. Aí deixava de frequentar as reuniões e continuava bebendo nos cabarés. lembro que uma vez eu cheguei na reunião al-coolizado e comecei a perturbar. isso foi num sábado. Quando foi no domingo de manhã, por incrível que pareça, eu amanheci sem res-saca, porque qualquer dosezinha que a pessoa tenha bebido, ela vai ter uma pequena ou uma grande ressaca, e eu não tive. foi daí que fiquei no A.A.. Já estou com os meus 40 anos de abstinência alcoólica.

infelizmente eu não tenho um bom encaminhamento, mas o pouco que tenho, eu procuro ajudar aos outros e, principalmente, agradecer a deus por tudo. A bebida me trouxe muitos problemas: não perdi o meu emprego naquela época porque era estabilizado; a minha esposa, com quinze dias depois de ter parido minha filha, eu forcei a ter relações sexuais. só não fui considerado um estuprador porque naquela época não existia essas coisas. A minha presença na entidade modificou demais minha vida, melhorou casamento, em-prego, meu papel de pai”.

Page 39: anonimos

39

anônimo 3

Page 40: anonimos
Page 41: anonimos

Anônimo 4

Page 42: anonimos

quinto capítulo

42

Page 43: anonimos

43

anônimo 4

o quarto anônimo a relatar sua experiência com o álcool era um homem baixo, 1m 57cm, moreno e todos o chama-vam de “Paraíba”.

desinibido, começou logo o seu relato: “meu nome é J. e., membro de A.A.. estou no programa há 24 anos e a questão do alcoolismo foi muito triste pra mim. sou filho de pai alcoólatra, meu avô também morreu como alcoólatra e eu nunca imaginava que o al-coolismo cometesse tanto desastre na vida gente, praticamente meu pai me conduziu para que eu conhecesse o álcool. A casa de meu pai era uma escola de samba, fui passista de escola de samba aos 6 anos, e, através da escola de samba, eu tive a infelicidade de conhecer o alcoolismo. Aos 9 anos de idade eu começava a beber. lembro que falava inúmeras juras a minha família, que iria estudar para ser um advogado. minha família simples, meu pai sapateiro e minha mãe doméstica gostavam de ouvir aquilo. sempre tive esse sonho em me formar em direito. e, pra alimentar mais ainda esse sonho, morava em frente a minha casa um advogado. ele chegava em um opala pre-to, quatro portas, todo brilhoso, ia pro fórum. e eu dizia pra mim: “eu vou estudar para ser igual a esse senhor aí”, mas foi ilusão. Aos cator-ze anos, eu parei de estudar. era feliz porque estudei até a sexta série e nunca fui reprovado.

A bebida é cheia de ilusão. É um mundo de fantasia. ela dá e de-pois cobra, todos os meus projetos foram por água a baixo. comecei a passar por momentos muito difíceis, frequentava sindicatos, onde pedia moedas para juntar e comprar um litro de cachaça, e eu sabia dentro de mim que a minha vida não era aquela. tive muitos traumas na vida por conta do alcoolismo. um dos traumas que mais marca a minha vida é o apagamento, o que a medicina chama de amnésia al-coólica. foi através dela que tive muitos dissabores. um certo dia, eu me acordei e, sentado na cozinha de minha mãe para tomar café da manhã, quando eu vi foi aquela porta abrindo com vários policiais, me algemaram de frente a minha mãe e, naquele exato momento, eu não sabia o que tava acontecendo. entrei na viatura e, ao chegar na delegacia, por ser a minha quarta prisão, eu me deparei com uns ca-maradas que estavam bebendo comigo. Aí foi que eu me lembrei que um rapaz passou a noite todinha pagando bebida pra gente e, de-pois, nós tomamos o relógio dele, junto com os pertences. isso, ele no

Page 44: anonimos

quinto capítulo

44

chão, dizendo: ‘rapaz, o que foi que eu fiz com vocês? eu passei a noite pagando bebida pra vocês e vocês ainda fazem isso comigo?’ naque-le momento foi que eu lembrei, porque estavam os dois colegas e o relógio em cima da mesa. outra situação complicada que passei foi quando trabalhava na construção do metrô. morava em coqueiral, era final de mês e a minha esposa falou: ‘edinaldo não tem leite, café, açúcar, não tem nada. Quando você receber seu dinheiro, faça umas compras e depois pode ir beber, eu sei que é difícil controlar sua be-bida’. e, realmente, eu saí consciente, para você ver como é o drama do alcoolismo. É uma mancha diabólica que age na mente. Passei em frente ao supermercado, deu vontade de fazer a feira mas, naquele momento, eu percebi que meu corpo tava precisando de álcool. Aí, tive que entrar no bar e começar a beber e, pra encurtar a história, eu acordei na minha casa, todo rasgado, todo quebrado. olhei pro canto e não vi mulher e nem menino e, naquele momento, fiquei numa situação de loucura, sem saber o que fiz. Aí foi quando os vizinhos chegaram e disseram: ‘seu edinaldo, se eu fosse o senhor nunca mais bebia: o senhor chegou em casa quebrando tudo, bateu em mulher e filho, foi aquela confusão toda. A gente arrombou a porta, separamos a briga e sua esposa foi embora e disse que não ia voltar mais não’. na hora deu um arrependimento, um remorso. mais tarde, quando cheguei no A.A., descobri que era o ‘apagamento’. Acredito eu, que eu não posso mais beber. A minha vida realmente mudou. hoje sou um daqueles que trabalham intensamente para trazer aqueles que sofrem por conta do alcoolismo. É uma maldição. Alguns compa-nheiros dizem que o alcoolismo é o maior flagelo da humanidade. hoje você vê crianças, jovens, moças bebendo, e achando aquilo um esporte, uma diversão. o que com certeza não é!”

Page 45: anonimos

45

anônimo 4

Page 46: anonimos
Page 47: anonimos

A oPinião do doutor

Page 48: anonimos

quinto capítulo

48

Page 49: anonimos

49

a opinião do doutor

o encontro com o doutor aconteceu no dia 27 de agosto de 2011, às 16h, no hospital otávio de freitas, bairro de teji-pió, Recife. Após alguns telefonemas e com muita insis-tência, consegui um médico para falar sobre o assunto

alcoolismo. logo ao chegar ao hospital e querer falar com o entre-vistado, fui recepcionado pelo próprio dr. luis Pereira, que apertou a minha mão e me disse: “vamos logo com o bate papo porque sou o único médico presente e neste local tem 600 pacientes, inclusive uma ala só de pacientes com problemas com a bebida alcoólica, para eu tomar conta, portanto, tempo pra mim é ouro”. fiquei impressio-nado pela quantidade de pacientes e apenas um médico para tomar conta, mas a saúde pública do nosso país tem dessas coisas.

o doutor iniciou a entrevista com uma afirmação bem forte: “o alcoolismo é uma doença. começa com o alcoolismo social, que a gente chama de final de semana e daí, devido a fatores culturais, principalmente da juventude, coisas do exibicionismo e tal. Aí o ál-cool tem aquelas três fases: a do pavão, a do leão e a do macaco. o álcool é um depressor do sistema nervoso central, mas antes do efei-to depressivo, ele tem a fase do pavão: eu sou o mais bonito, tem a fase do macaco: sou o mais engraçado, e a fase do leão: sou o mais bravo. vencida essas três fases você entra em depressão, e daí vai de etilista social a alcoolista de difícil recuperação, e pela facilidade das drogas associadas, geralmente vão vindo outras drogas. Adquirem o delirium tremens, uma psicose que causa tremedeira nas mãos por conta do alcoolismo, todos que aqui estão, nessa ala, usam diazepam, mais à frente têm alucinações auditiva e visual, veem vulto, leão, rato, trem, ouvem som, nessa fase tem que ser tratado como esquizo-frênico, não pode ser tratado como alcoolista comum.”

AfetAndo os orgãos

“os órgãos principais que a bebida atinge são: primeiro, o estô-mago, levando à gastrite alcoólica, depois à diarreia crônica, depois o fígado e o pâncreas. o fígado, com a cirrose, e o pâncreas, com a pan-creatite. estas são as duas doenças principais e são doenças crônicas degenerativas. Quando você bebeu até provocar a cirrose, mesmo que você pare de beber, a doença evolui sozinha, aí dá barriga d’água e por

Page 50: anonimos

quinto capítulo

50

aí vai. essa é a questão bioquímica e física, de pegar fígado e baço, e a questão psicológica de levar à convulsão e ao delírio tremens.”

curiosidAdes nA vidA de um dePendente

“vamos a um ponto interessante na bebida: pessoas que bebem todo dia e não ficam embriagadas e pessoas que bebem uma vez por ano e ficam descontroladas. A pessoa que bebe todo dia e não fica descontrolada, ela não fica descontrolada ainda, é só questão de tempo, e as que bebem uma vez por ano e ficam descontroladas são surtos psicóticos pós-alcoólicos, são casos raros, até porque não exis-te hábito ocasional, aí não é só o hábito é a dependência química mesmo, tanto é que não dá pra tirar a bebida de uma vez, tem que ir tirando aos poucos. Por exemplo, o nosso protocolo de emergência é só fazer a hidratação e a sedação. geralmente eles chegam aqui em convulsão, daqui o paciente vai para o hospital psiquiátrico, que é um deus nos acuda, que é o da mirueira. este é um paciente de difícil recuperação.”

no Auxílio à medicinA eles tAmbém estão Presentes

“Quem ajuda bastante na recuperação dessas pessoas é o pesso-al dos alcoólicos anônimos, mas é aquela história de responder ao ‘bem com tudo ou nada’. se você beber um pouquinho você termina bebendo tudo, só que a ciência não gosta muito do ‘bem do tudo ou nada’, ela prefere fazer o desmando. mas se a gente trabalhar a me-dicina baseada em evidência, é evidente que os alcoólicos anônimos têm um resultado melhor. outra coisa é a redução de danos, você usa uma droga que nem cocaína, crack, trazendo ele pra maconha, já é considerado uma redução de dano, alguns psiquiatras trabalham nesse conselho. mas quando chega ao álcool, você perde a redução de dano, porque o álcool é extremamente danoso.”

Álcool e mídiA

“A bebida alcoólica, chamada droga lícita, é a que mais nos atra-palha, porque no fumo a gente conseguiu driblar bem, mas no al-

Page 51: anonimos

51

a opinião do doutor

coolismo ainda não, você vê técnico de seleção brasileira de futebol divulgando bebida, divulgando cerveja”.

Após o bate papo sobre alcoolismo ficamos ali jogando conversa fora, ele me perguntou em que período da faculdade estava e se es-tava gostando do curso, me falou como tinha sido seu curso de medi-cina etc. Aí lembrei que no começo da entrevista ele falou que ali no hospital existia uma ala só de alcoólicos, então perguntei se ele po-deria me levar até esse lugar. Respondeu que sim, aí aproveitando a oportunidade perguntei se era possível entrevistar algum paciente, também respondeu que sim, com a condição de ser rápido.

um não Anônimo

Ao entrar na ala dos enfermos oriundos da bebida alcoólica fi-quei impressionado pela quantidade de pessoas ali existentes. uma sala com aproximadamente 20 pessoas, alguns acompanhados por parentes, tornava-se pequena para aquela quantidade. A maioria homens de aproximadamente 40 anos, todos, sem exceção, tinham uma tonalidade de cor amarelada com olhos também amarelados, o que depois constatei com dr. luís Pereira ser uma condição provoca-da pela ineficiência do fígado ou do pâncreas – hepatite, cirrose, bar-riga d’água, pancreatite eram as doenças que predominavam naque-le local. meu entrevistado, um homem de 41 anos, moreno escuro, olhos e pele amarelados, estava ali internado havia uns dois meses.

“comecei a beber com meus dezesseis anos quando me amiguei. você sabe né, pobre não se casa, ele se amiga. gostava de uma cerve-jinha e fui logo pra cachaça, ela gostava de uma cerveja. Aí bebia com uma fruta como tira-gosto, isso junto com o pessoal do sindicato, não sei se você sabe, mas em todo bairro existe o chamado sindicato dos papudinhos. esse sindicato são aqueles ‘bebos’ que se juntam, entre três e quatro, e ficam o dia inteiro bebendo em barracas. eram quin-ze acerolas pra tomarmos um litro de Pitú. Às vezes brigávamos por causa da acerola, era uma fruta para três doses. depois me separei aos dezessete e comecei com esse troço dessa doença agora, a cirrose. fiquei internado dois meses tomando remédios, depois saí. um co-lega meu endoidou por causa da cachaça, o apelido dele era boca de álcool. mas eu nunca tive problemas em relação ao álcool, mas meus

Page 52: anonimos

quinto capítulo

52

colegas sim, tiveram problemas. me separei da minha mulher e dos meus filhos por causa da bebida. nunca perdi o meu emprego, eu sou pasteleiro. Já vi muitos colegas meus morrerem, estrebuchando no chão, uma coisa feia danada, outros ficaram com a barriga bem grande. foram essas coisas que eu vi por aí.”

esse depoimento “bem sem nexo” causado pelos efeitos degra-dantes da bebida alcoólica em seu raciocínio, é de Jair francisco go-mes da silva, um homem que segundo o doutor está com a saúde ruim, por conta da bebida alcoólica, que causou uma cirrose hepática gravíssima, e que mais cedo ou mais tarde pode morrer.

Page 53: anonimos

53

a opinião do doutor

Page 54: anonimos
Page 55: anonimos

um Anônimo em estAdo crítico

Page 56: anonimos

sexto capítulo

56

Partimos agora para um assunto que o alcoolista se depa-ra nos momentos em que está se embriagando: o apaga-mento. uma das difíceis situações, entre as várias, que ele passa, nos momentos em que está totalmente dependente

da bebida alcoólica, é o estado conhecido como apagamento. na me-dicina é tido como amnésia alcoólica. É a fase em que o dependente alcoólico está a um passo da loucura. trata-se de um ponto bastante delicado na vida de um alcoolista. Ao chegar ao período conhecido como ressaca, que é acrescido de dores de cabeça e um cansaço inex-plicável, segundo alguns membros do A.A. que já passaram por essa experiência várias vezes, o indivíduo não se lembra de absolutamen-te nada do que se passou nas horas anteriores, em que ingeriu álcool.

“normalmente, ele só lembra dos momentos antes de beber. Por exemplo: numa festa ou num casamento, as lembranças serão ape-nas da primeira parte. no casamento, será a cerimônia porque, quan-do chegar na recepção, quando o indivíduo começar a colocar goles de bebida alcoólica para dentro do bucho... Pode perguntar, no dia seguinte, se ele lembra de alguma coisa e ele responderá que só lem-bra do comecinho e mais nada. se tiver feito alguma palhaçada, ou coisas absurdas, como envergonhar a si mesmo ou a própria família, como beber até cair e ser carregado, se perguntar, ele irá negar tudo.

no ano de 1983 eu trabalhava como metalúrgico e nos finais de semana sempre saía com amigos para encher a cara. era largar do trabalho e ir direto para os bares e gafieiras que existiam. não pas-sávamos nem em casa para dar algum tipo de satisfação ou trocar de roupa. geralmente saíamos na sexta-feira e só voltávamos na segunda, direto para a empresa. nesse ano, saí com um amigo na sexta-feira e bebemos o final de semana todo. depois nos desencon-tramos e, quando retornei na segunda para o trabalho, ele não vol-tou. todos me perguntaram por ele e eu disse que tínhamos saído, mas que não sabia naquele momento onde ele estava. Passaram-se vários dias, e chegou a notícia de que esse amigo estava preso por ter cometido um assassinato. tinha chegado bêbado em casa e a única pessoa que estava era sua filha de 9 anos. começou a discutir com a

Page 57: anonimos

57

um anônimo em estado crítico

filha, perguntando pela mãe da menina, sua esposa, e por não saber explicar o paradeiro da mãe, a menina foi assassinada pelo próprio pai, com golpes de faca. Após o crime, de tão bêbado que se encon-trava, adormeceu com a arma do crime ao lado do corpo da filha. A mãe, ao chegar, desesperou-se e pediu por socorro. os vizinhos ten-taram socorrê-la, mas já era tarde, e o homem foi parar na delegacia. Quando acordou, preso numa cela, não sabia o que tinha acontecido. Perguntou a um dos policiais e este disse que logo o delegado iria explicar-lhe o que aconteceu. A primeira coisa que ele falou foi: ‘Por favor, não conte a minha filha que estou preso’. era justamente o apagamento. ele não lembrava de absolutamente nada. Aquilo, pra todos, foi de partir o coração, ele quase enlouqueceu. foi condenado a 25 anos de prisão. no ano de 1988, criei coragem e fui visitá-lo no Presídio Aníbal Bruno, Bairro de tejipió, Recife. dava pena ver aquela situação, o cabra só fazia chorar e se lamentar pelo que tinha aconte-cido, afirmando que não lembrava de nada do que havia acontecido. saiu no ano de 2007. hoje não temos mais contato”.

Page 58: anonimos
Page 59: anonimos

Anônimos reunidos

Page 60: anonimos

sétimo capítulo

60

Page 61: anonimos

61

anônimos reunidos

no A.A. existem as reuniões abertas. elas são realizadas para que o público, a maior parte familiares, possa pre-senciar ou conhecer a forma como os Alcoólicos Anôni-mos trabalham o seu programa. num resumo geral, é

uma reunião para que a população possa conhecer superficialmente os dogmas e diretrizes da entidade: as diversas situações vexatórias com as quais o alcoólico lida, como profissionais de saúde e de enti-dades religiosas veem o problema que a bebida causa, tanto na saú-de como na vida social, etc.

em fevereiro deste ano, mais exatamente no dia 26, estive pre-sente em uma dessas reuniões. o encontro foi na Avenida Barão de lucena, Jaboatão dos guararapes-centro, no grupo A.A Padre chro-mácio leão. o evento estava marcado para às 20 horas e, pontual-mente, começou. estavam presentes aproximadamente 30 pessoas, entre membros, profissionais convidados e familiares.

o local era uma sala de aula de 20x10 metros, alugada, com deco-ração simples, numa escola particular, onde os encontros acontecem terças, quintas e sábados das 19h30 às 21h30. segundo os dogmas dos Alcoólicos Anônimos, não é permitida a compra de imóveis, para evi-tar possíveis problemas de herança que possam acontecer entre eles, por isso as reuniões são realizadas em órgãos públicos como escolas, salas comerciais alugadas pelos próprios membros ou cedidas por particulares, em alguns casos.

o coordenador, que junto com um secretário e um tesoureiro, for-mam a mesa, iniciou a reunião aberta daquela noite. um leve toque em uma campainha marca o início:

“Boa noite a todos! nesse momento convido a todos a orarem a prece da serenidade. os que não souberem, apenas respeitem esse momento.

concedei-nos, senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos, e sabedoria para distinguir umas das outras.”depois da oração, algumas pessoas são convidadas a trazerem

suas mensagens de como foi e está sendo a experiência com o álcool. Por uma questão de ética, não serão colocados os nomes dos mem-bros que contaram suas experiências, já que são anônimos, como diz o próprio nome da entidade. o primeiro convidado a dar o seu de-

Page 62: anonimos

sétimo capítulo

62

poimento, ou, como dizem entre eles, a troca de experiências, foi um rapaz bem jovem, aparentando 22 anos, dirigiu-se à tribuna, saudou a todos com um “boa noite” tímido e começou a relatar os problemas que o álcool causou em sua vida.

“sou um alcoólico em tratamento... comecei a beber ainda na in-fância, com uns 8, 9 anos. Aquilo, pra mim, era algo bastante satisfató-rio. meus pais achavam aquilo engraçado e, com o decorrer do tempo, já na adolescência, aquilo se tornou algo incontrolável. comecei com a cerveja e, depois, aquele tipo de bebida foi ficando fraco e logo comecei a querer bebidas mais fortes, como uísque e cachaça. Bebia de manhã, de tarde e de noite. mas, hoje, agradeço, primeiramente, a deus e se-gundo ao A.A. por estarem me ajudando a tratar dessa doença. nossa irmandade não só nos ensina a parar de beber, mas conviver sem o álcool”. finalizou com a frase: “vinte quatro horas de sobriedade”.

A partir desse depoimento, os dogmas e ensinamentos dos Alco-ólicos Anônimos ficaram mais claros para as pessoas que estavam presentes e não conheciam aquele trabalho. Que, através da simples troca de experiências, como a contada por esse jovem, tentam resga-tar pessoas que querem se livrar do vício.

o segundo depoimento foi de um homem aparentando 45 anos. iniciou sua experiência negativa com a bebida:

“comecei a beber aos 8 anos de idade. Aquele início era tudo uma diversão. geralmente era com os amigos e depois prolongou-se por uma boa parte da minha vida. casei, tinha um bom trabalho e nos finais de semana bebia com os amigos, fazia questão de pagar a con-ta. Acho que todos aqui, alguma vez na vida, já percebeu que todo bêbado é rico, bonito, falante, essas coisas. depois foi piorando e, ao invés de beber só nos finais de semana, comecei a beber todo dia. Aí foi quando o dinheiro começou a faltar dentro de casa e, posterior-mente, dificuldades financeiras vieram. lembro bem que, uma vez, tinha recebido o meu salário e fui direto pro bar, aí comecei a me embriagar. depois de tomar várias doses de bebidas, incluindo cer-veja, cachaça, uísque e o que aparecia, e já em estado de embriaguez, deixei todo o meu dinheiro pra pagar a conta que havia adquirido naquela noite. fui pra casa e, ao chegar, minha esposa disse que nos-so filho estava doente e que precisava de dinheiro para comprar re-médio. eu não tinha nada no bolso, a solução que encontrei foi voltar

Page 63: anonimos

63

anônimos reunidos

ao bar que tinha pago a conta e pedir ao dono o dinheiro de volta. isso, a cada dia, foi ficando pior. minha esposa separou-se de mim e fiquei na solidão. depois, pra piorar, perdi o emprego. A luz e a água foram cortadas, pois não haviam sido pagas há um tempão. naquele momento eu só pensava em suicídio, começava a esfaquear os mó-veis e cheguei a fazer uma coisa que, pra mim, foi o fim de tudo. uma vez fui me olhar no espelho e não me reconheci, estava totalmente desfigurado: magro, barba, cabelo e unhas enormes, parecendo um lobisomem. fiquei horrorizado e peguei um porrete de madeira e quebrei o espelho. hoje, eu agradeço a deus e ao A.A. por tudo que sou hoje. vinte quatro horas, para todos”.

A terceira experiência com o álcool a ser relatada foi de uma mu-lher. Aparentava uns 55 anos, elegante e bastante sorridente. “todos, aqui presentes, podem ver uma mulher com saúde e com vergonha de fazer coisas que sejam erradas. eu vendia bens que, com tanto sa-crifício, adquiria, para comprar bebida alcoólica. eu aprontava por aí, cheguei a ficar internada na uti e quando saí, estava com 43 kg e vomitando sangue. hoje agradeço muito a essa irmandade por me apoiar em um momento que ninguém sabia o que era passar algu-mas horas sem ingerir uma gota de álcool. só quem já passou essa terrível experiência sabe, direitinho, o que estou falando. Atualmen-te, me livrei deste vício e curei-me desta doença chamada alcoolis-mo, mas é triste dizer que hoje eu tenho um filho com problemas com o álcool. A bebida humilha, pisa, joga você na sarjeta e mata. obrigada. vinte quatro horas”.

o quarto convite foi um pouco diferente. Ao invés de ouvirmos mais um depoimento de alguém que teve uma experiência negati-va com álcool, foi a vez de um líder religioso. um homem baixinho, de terno e gravata e Bíblia, tomou a palavra. “Boa noite a todos! eu sou pastor da igreja congregacional em moreno-Pe e estou aqui para parabenizar o trabalho que esses homens e mulheres realizam dia-riamente. o papel que essas pessoas desenvolvem são de extrema importância para a sociedade. se pegarmos a Bíblia como referência, ou fazendo uma rápida comparação, lembra o trabalho que os pa-triarcas realizavam naquela época: Abraão, isaque e Jacó. esse grupo de A.A. trata as pessoas com problemas com álcool como se fossem verdadeiros pais. uma boa noite a todos e obrigado pelo convite”.

Page 64: anonimos

sétimo capítulo

64

o quinto depoimento também foi um pouco diferente. foi dado por uma profissional da educação, uma mulher aparentando seus 35 anos. (também pode ser usado o comentário w18, para ficar diferente do parágrafo anterior).

“Boa noite! eu leciono para jovens adultos e crianças. hoje estou com turmas apenas do ensino médio. graças a deus, nunca tive pro-blemas com o álcool, mas já tive alguns alunos que já tiveram e não sei se hoje ainda têm. É muito triste ver que, atualmente, os jovens começam a beber cada vez mais cedo. Já presenciei situações em que alunos chegaram bêbados na sala de aula e aquilo, pra mim, era de partir o coração. o que eu tenho pra falar aqui, nesta noite, é sobre uma coisa chamada resiliência. eu vou explicar do que se trata: sabe quando uma pessoa persiste, persiste, luta e não cai? ou se depara com situações difíceis, e não desiste de lutar? Pronto, isso é ser uma pessoa resiliente. o que, na minha opinião, são essas pessoas que fa-zem esse trabalho maravilhoso na luta contra o álcool, são os Alcoó-licos Anônimos”. obrigada pela oportunidade.

Para terminar a reunião, foi convidada mais uma pessoa, desta vez um membro de AA. Abordou, além da sua experiência com a be-bida alcoólica, As doze perguntas e as doze tradições do A.A., que se-rão explorados nos capítulos posteriores.

“sou um alcoólico em tratamento. durante vários anos, tive mui-tos problemas com a bebida alcoólica. Quando morava na casa da minha mãe, ainda jovem, eu não queria saber de trabalhar e depen-dia financeiramente de uma mesada que ela me dava. Bebia todo dia e lembro quando minha mãe me pediu, não para parar de beber, e sim reduzir um pouco a bebida, eu respondi com imensa ignorância e desaforo: ‘eu bebo com o meu dinheiro!’

É triste quando penso nessas coisas. o quanto fui imbecil com uma pessoa que sempre me quis o bem. lembro quando ia a alguma festa, sempre procurava garçons conhecidos, sentava em lugares estratégi-cos e falava pra eles: ‘eu tô por aqui, não deixe faltar nada’. olhe, o tal do bêbado é uma raridade”. neste momento, balançou a cabeça repu-diando os atos, e finalizou: “vinte e quatro horas de sobriedade”.

Page 65: anonimos

65

anônimos reunidos

Page 66: anonimos
Page 67: anonimos

com A PAlAvrA A PsicólogA

Page 68: anonimos

oitavo capítulo

68

Page 69: anonimos

69

com a palavra a Psicóloga

Profissionais da área de saúde como médicos, psicólogos e terapeutas estão sempre engajados neste trabalho de ajuda aos dependentes da bebida alcoólica. indicada por vários membros do A.A. para ajudar no desenvolvimento

deste trabalho, trazendo opiniões segundo a Psicologia, a psicóloga e professora universitária dra.Risolene nunes foi bastante receptiva para falar sobre o assunto alcoolismo. Após vários telefonemas e al-gumas combinações sobre o local da entrevista, na casa dela, conse-guimos conversar e abordar o assunto alcoolismo.

de início, um “boa tarde!” e, depois, um “pode sentar-se, fique à vonta-de, volto logo. você aceita uma água ou um refrigerante?” “não obrigado”.

“Pronto, cheguei! vamos ao que interessa”. com um leve balan-ço negativo na cabeça, iniciou: “Alcoolismo, um assunto muito sério e que, nos dias de hoje, aumenta numa considerável proporção. o principal caminho, que eu considero como uma porta muito ampla, é a licitude da droga. com essa questão em aberto, o acesso à bebi-da, ainda na adolescência, é inevitável, principalmente quando há comemorações em família, festas, eventos, etc. Aí basta o primeiro gole. o que que acontece, na hora em que você toma um copo de be-bida: ele vai atuar no sistema nervoso autônomo e aí você vai ficar com o teu sistema periférico adormecido, você vai sentir um certo alívio, eu digo que é um pseudo-alívio, e esse alívio vai fazer com que você se cobre menos. É assim que a bebida alcoólica percorre, ou melhor, atua no nosso corpo, o que fará com que a pessoa tenha uma dependência cada vez maior desse alívio falso.

irão começar a surgir alguns problemas característicos, como tornar-se uma pessoa insociável, perda de emprego, agressividade com qualquer pessoa, inclusive com parentes próximos, como os pais, dificuldade na coordenação motora, geralmente braços e mãos trêmulos, rejeição dos amigos, etc. são inúmeros problemas que, se ficarmos tentando enumerar, passaremos um bom tempo. A partir disso tudo que eu falei é que eu ressalto um ponto bastante impor-tante: quando o indivíduo já está em um avançado estado de depen-dência da droga, tornando-se um alcoólico, o engajamento da famí-lia junto com um profissional da área de saúde, mais entidades como os Alcoólicos Anônimos são essenciais no trabalho de recuperação ao paciente, ajudando no processo de abstinência alcoólica. outro

Page 70: anonimos

oitavo capítulo

70

ponto que também posso destacar é que as pessoas, quando procu-ram profissionais como médicos, psicólogos ou instituições de apoio como o A.A., não procuram por livre iniciativa ou em estágio inicial do problema. eles, geralmente, não aceitam esse tipo de ajuda e, quando procuram, já estão em um avançado estado de dependência química. Alguns chegam a óbito. ok! espero ter ajudado”.

Page 71: anonimos

71

com a palavra a Psicóloga

Page 72: anonimos
Page 73: anonimos

Anônimos do outro lAdo do mundo

Page 74: anonimos

nono capítulo

74

Page 75: anonimos

75

anônimos do outro lado do mundo

“unidAde”, “serviço” e “recuPerAção” são três PAlAvrAs que estão inseridAs, cAdA umA, nAs três ArestAs do lo-gotiPo dos Alcoólicos Anônimos, o triângulo equilÁte-ro, que trAduz o objetivo do A.A.

ficha, ou moedinha como dizem alguns, é o termo usado para no-mear uma espécie de medalha, de metal ou de nylon, que eles recebem do padrinho, quando estão completando mais um ano de sobriedade.

no começo de janeiro de 2011, entrei em contato com alguns mem-bros do grupo de A.A. Padre chromácio leão e falei deste trabalho de conclusão de curso e que, a partir de fevereiro, iria pesquisar mais so-bre o assunto alcoolismo, como o A.A. lida com essa doença, frequentar algumas reuniões, entrevistar alguns membros, se possível, etc.

sendo bem recebido por vários membros deste grupo, pergunta-ram-me porque não começaria a desenvolver o trabalho naquele mo-mento, não deixando para depois. falei que era um pouco cedo e que, naquele momento, estava pensando na viagem internacional que estava por fazer, com destino ao estado de israel. Pronto! naquele momento um membro ficou bastante animado e perguntou quanto tempo passaria na terra santa, e se era possível procurar um grupo de A.A. em israel, para tentar comprar ou trocar uma ficha. falei que sim, mas não iria garantir, pois haveria várias dificuldades. Para co-meçar, não sabia se existia grupo de A.A. naquele país. de imediato disseram-me que os Alcoólicos Anônimos estão presentes em 182 países, e que israel está incluso neste contexto. sendo assim, aceitei o desafio de tentar entrar em contato com um grupo de A.A. no lon-gínquo país. Recebi de um membro, que me propôs fazer a troca, três fichas, um exemplar da Revista vivência, algumas anotações com endereços, telefones e nomes de pessoas que eram responsáveis pe-los grupos de A.A. em Jerusalém e tel Aviv. falei que faria o possível para tentar realizar o contato.

viajei com minha namorada no dia sete de janeiro de 2011, com destino a israel, onde passaríamos dez dias. era uma excursão de alu-nos de Krav magá, uma técnica de defesa pessoal israelense. A turma fora dividida em dois grupos de cinquenta pessoas, o primeiro grupo viajou dia vinte seis de dezembro e voltou dia seis de janeiro. o nosso grupo viajou dia sete e voltou dia dezoito de janeiro.

Ao chegar em israel, fomos recebidos pelo organizador do evento,

Page 76: anonimos

nono capítulo

76

mestre Kobi lichenstein, e fomos diretamente para o hotel em Je-rusalém, onde recebemos algumas recomendações e a programação dos dias que passaríamos ali. Agenda lotada nos períodos da manhã, tarde e noite. estava previsto sairmos todos os dias, às 08 horas da manhã e só retornar na parte da noite, o que com certeza seria cansa-tivo. no primeiro dia, conhecemos o nosso guia, um israelense que se chamava Zvi harpaz, falando um “portunhol” fácil de entender. logo que pude, perguntei se ele conhecia ou já tinha ouvido falar do A.A.. Respondeu que sim. mostrei-lhe o endereço que estava comigo e, para minha decepção, ele não sabia onde ficava. esclareceu também que o índice de alcoólicos naquele país era baixo e que, por isso, seria difícil localizar este grupo em Jerusalém, embora se trate de uma ci-dade muito grande e bem diversificada. A grande questão para mim, era arrumar um tempo livre para tentar encontrar um taxista que falasse espanhol e, assim, arriscar-me numa busca por um grupo de A.A., para fazer contato. Passaram-se alguns dias e, pra minha alegria, na quinta- feira à noite. um compromisso fora desmarcado por conta da chuva. Pronto, era o que exatamente queríamos! saí com minha namorada, endereço nas mãos, pelas ruas de Jerusalém. Ao sairmos do hotel, fomos abordados imediatamente por um taxista árabe que perguntou, em inglês, se queríamos ir ao “downtown”, prometendo que faria um bom preço. Perguntamos se falava espanhol, pois seria mais fácil de entendê-lo. não. Além do árabe, só o inglês. em israel, tanto judeus quanto árabes, além dos seus idiomas, hebraico e árabe, respectivamente, falam inglês fluentemente. mostramos o endereço que procurávamos e o número de telefone de um homem chamado david, que era o líder do grupo de A.A. em Jerusalém. Após acessar o gPs e fazer uma ligação para david, falou que o local ficava próxi-mo dali, e que a corrida custava 100 shekels, o equivalente a 50 reais, para nos levar e trazer de volta ao hotel.

enquanto nos levava até o local, o taxista estava curioso e nos perguntou se tínhamos ido até israel só para fazer este contato com o A.A. explicamos que estávamos em um evento de Krav magá e que uma pessoa no Brasil, que tem problemas com álcool, pediu-nos para fazer este contato.

Ao chegarmos ao local, esperamos o término da reunião, que es-tava previsto para 21 horas. Perguntamos por david e algumas pes-

Page 77: anonimos

77

anônimos do outro lado do mundo

soas falaram que ele estava vindo e que falaria conosco. um homem branco, usando óculos, com 1,78m de altura, deu um “boa noite” e perguntou se éramos as pessoas que estavam no táxi. falamos que sim e aí começou o grande problema, tentar explicar o porquê de estarmos ali. Após várias tentativas de comunicação, david e mais duas pessoas que estavam presentes entenderam o que queríamos e, para nossa felicidade, aceitaram as três fichas que levamos e o exem-plar da revista. Perguntou quanto anos de sobriedade o membro do A.A. daqui do Brasil tinha, ou iria completar. Respondi: “vinte cinco”. e ele nos deu duas fichas, lamentando apenas o fato de que não tinha fichas escritas em hebraico, mas apenas em inglês. falamos que não havia problema algum, agradecemos muito por ter nos recebido e efetuado a troca de fichas. Pegamos outro táxi, dessa vez um judeu, que nos cobrou a metade do preço, e fomos para o hotel.

cheguei ao Brasil em dezenove de janeiro de 2011. no dia seguin-te, entrei em contato com aquele membro que tinha me pedido para fazer o contato e anunciei que tinha conseguido trocar suas moedi-nhas. o membro ficou muito feliz e, até hoje, comemora que fiz.

Page 78: anonimos
Page 79: anonimos

Anônimos APAdrinhAdos

Page 80: anonimos

Décimo capítulo

80

Page 81: anonimos

81

anônimos apadrinhados

nos Alcoólicos Anônimos, o apadrinhamento é de extre-ma importância. logo que um novo membro ingressa na entidade, é preciso de alguém para lhe tirar as dúvi-das e começar a explicar como funcionam as doutrinas

daquele novo ambiente que ele está frequentando. É aí que surge um período delicado de adaptação àquele novo modo de viver. esse perí-odo abrange os primeiros três meses, tempo este que é considerado o período principal, em que os padrinhos precisam tomar mais cui-dados. Justamente por ser o tempo de migração de uma vida cheia de problemas com a bebida alcoólica para uma vida, que todos ali presentes conhecem. todos, sem exceção, já passaram por situações complicadas e estão a cada dia tentando superar esse desafio, já que eles não se consideram curados, e sim em tratamento.

mas, o papel do padrinho não está norteado apenas pelos primei-ros meses e sim a cada momento que o afilhado precise de ajuda, seja nas esferas social, profissional ou sentimental, já que todas es-tão ligadas diretamente à pessoa que está em tratamento e quais-quer delas podem provocar uma recaída e o indivíduo em tratamen-to desejar voltar a beber. não há uma regra para ser um padrinho mas, geralmente, é preciso, no mínimo, ter um ano de sobriedade, pois será uma forma de exemplificar a quem ele está apadrinhando a superação diante do problema semelhante. não existe critério hie-rárquico ou de antiguidade para que um membro torne-se padrinho. na maioria das vezes, é o próprio afilhado que faz agraciamento, al-guns por agradecimento de ter recebido o convite por ele, outros por afinidade. o padrinho tem algumas funções básicas que, caso não execute, tem que procurar desenvolver. Por exemplo: estimular o afi-lhado a frequentar várias reuniões, tanto no grupo de A.A. que ele ingressou, que é de praxe, e em outros lugares; aconselhar o afilhado na participação das atividades do grupo que ele faz parte, o que seria uma forma de incentivá-lo a se integrar no trabalho e mostrar que ele também tem importância para o todo, etc. há, também, um lado delicado na hora de apadrinhar um recém-chegado. É preciso tomar cuidado para não superprotegê-lo, o que pode causar uma reação de incômodo, posto que, nos casos de recaída, é necessário não ser mui-to bondoso e sim tentar aconselhá-lo de uma maneira transparente, apontando o que pode e o que não pode acontecer, caso aquela situ-

Page 82: anonimos

Décimo capítulo

82

ação se repita. sempre dando palavras de conforto, apoio nas horas difíceis, principalmente nas horas de abstinência, onde a falta de álcool causa tremedeiras, podendo chegar até a desmaios. Além do mais, o bom padrinho deve ter conhecimento de outros grupos de A.A., em outras cidades e saber dar incentivos num contexto geral. Quando o afilhado, o alcoólico em tratamento, completa períodos de sobriedade a cada ano, o padrinho, geralmente, presenteia-o com uma literatura (livro) ou uma ficha, que é uma espécie de medalha, podendo ser de plástico ou metálica, com os dizeres: “unidade, servi-ço, Recuperação”, constando, atrás, o nome do presenteado e o tempo de sobriedade que ele está comemorando, incentivando e parabeni-zando-o por mais um período de sobriedade. existem situações pe-culiares em que um dependente pode conhecer a pessoa que será o seu padrinho. Para citar um exemplo de como pode acontecer um apadrinhamento, um membro contou a seguinte experiência: “ti-nha vários problemas com a bebida. certa vez conheci um homem que fazia parte dos alcoólicos anônimos e que queria ajudar-me a livrar da doença, abordava-me várias vezes e perguntava se queria ou sentia o desejo de parar de beber, a minha reposta era sempre não. Porém, certa vez, após uma intensa bebedeira, fiz algo de errado que prefiro não entrar em detalhes e precisava de ajuda. logo, lembrei daqueles convites que o membro de A.A. me fazia. A grande questão é que não sabia mais onde encontrá-lo e lembrei onde era o local que a pessoa que seria o meu futuro padrinho frequentava. Ao chegar, fui recebido e logo perguntei pelo meu conhecido, e se ali ajudava pessoas que queriam parar de beber. A reposta foi sim. mandaram-me ficar à vontade e, em seguida, a reunião foi iniciada. depois de vários depoimentos de membros daquele grupo, fizeram-me doze perguntas, para eu apenas refletir e responder pra dentro de mim, que são feitas pela primeira vez que uma pessoa visita, na décima terceira, recebi o convite: se queria fazer parte daquele grupo de Al-coólico Anônimos”.

Page 83: anonimos
Page 84: anonimos
Page 85: anonimos

Anônimos Auto-sustentÁveis

Page 86: anonimos

Décimo primeiro capítulo

86

Page 87: anonimos

87

anônimos auto-sustentáveis

outro assunto que os Alcoólicos Anônimos dominam com bastante maestria é o lado financeiro da instituição. gas-tos normais como organização de confraternizações, se-minários, pagamento de aluguel, energia, água, contas

telefônicas, café, copos descartáveis, materiais de limpeza, são algu-mas das despesas que cada grupo normalmente tem para garantir o seu funcionamento básico. como, então, é mantido o A.A.? essa pergunta é frequentemente feita aos seus membros. na liderança de cada grupo, existem três pessoas que tomam a frente: o coordenador, o secretário e o tesoureiro. este último é a pessoa responsável por todo capital existente em cada unidade. Para se tornar tesoureiro é preciso ter interesse, ser membro e ter maioria de votos nas eleições, que acontecem a cada seis meses. um dos princípios é de que não é permitida a contribuição de pessoas que não sejam membros da or-ganização. isso para garantir que pessoas dos meios político, religio-so e, principalmente, ligadas a qualquer esfera governamental, não tentem, de alguma maneira, inserir interesses próprios , angariar algum tipo de barganha ou votos pró-eleições. tal princípio apenas vem confirmar um dos princípios da organização que diz que o A.A. não está ligado a nenhuma seita religiosa, partido político ou orga-nização governamental. outra curiosidade é que não é fixada nenhu-ma taxa mensal ou anual, dando liberdade para que as próprias pes-soas que usam e dependem dos serviços prestados pela organização sintam-se a vontade para ajudar, da forma que lhe for viável.

A auto-sustentabilidade é um dos princípios presentes na sétima tradição da organização, que diz:

“7ª tradição de A.A.: todos os grupos de A.A deverão ser absoluta-mente auto-suficientes, rejeitando qualquer doação de fora”.

Por isso é que as contribuições só acontecem nas reuniões fe-chadas, normalmente após uma pausa que acontece na primeira hora de cada reunião. um membro da organização vai ao encontro de cada pessoa e estende uma sacola confeccionada em tecido e as pessoas que pretendem contribuir estendem suas mãos e colocam a quantia que sentem vontade.

“você pode chegar aqui com toda boa intenção do mundo, falar que algum parente seu, ou algum político, ou determinada religião quer ajudar com uma grande contribuição, e mesmo assim, seja a

Page 88: anonimos

Décimo primeiro capítulo

88

quantia que for, nós não aceitaremos. essa é uma tradição nossa e não vamos querer mudar. Já deu certo até agora, então pra que mu-dar. sobre os valores, irão depender de grupo para grupo. Alguns são melhores estruturados, com membros que tem um melhor poder aquisitivo, etc. mas, normalmente, os valores arrecadados suprem as necessidades de cada unidade. É claro que existem exceções”. con-cluiu um membro.

os doze PAssos, As doze trAdições e os doze conceitos

“Em nossas Doze Tradições, temos nos colocado contra quase todas as tendências do mundo “lá fora”. Temos negado a nós mesmos o gover-no pessoal, o profissionalismo e o direito de dizer quais deverão ser nossos membros. Abandonamos a beatice, a reforma e o paternalis-mo. Recusamos o generoso dinheiro de fora e decidimos viver à nossa custa. Queremos cooperar com praticamente todos, mas não permi-timos que nossa sociedade seja unida a nenhuma. Não entramos em controvérsia pública e não discutimos, entre nós, coisas que dividem a sociedade: religião, política e reforma. Temos um único propósito, que é o de levar a mensagem de A.A. para o doente alcoólico que a deseja. Tomamos essas atitudes, não porque pretendemos virtudes especiais ou sabedoria; fazemos essas coisas porque a dura experiência nos tem ensinado que A.A. tem que sobreviver num mundo conturbado como é o de hoje. Nós também abandonamos nossos direitos e nos sacrifi-camos, porque precisamos e, melhor ainda, por que quisemos. A.A. é uma força maior do que qualquer um de nós; ele precisa continuar existindo ou milhares de alcoólicos como nós certamente morrerão”.

Bill W.

os doze PAssos de A.A.

1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.

2. viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos po-deria devolver-nos à sanidade.

3. decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados

Page 89: anonimos

89

anônimos auto-sustentáveis

de deus, na forma em que o concebíamos.4. fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós

mesmos.5. Admitimos perante deus, perante nós mesmos e perante ou-

tro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que deus removesse

todos esses defeitos de caráter.7. humildemente rogamos a ele que nos livrasse de nossas im-

perfeições.8. fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos pre-

judicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.9. fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pes-

soas, sempre que possível, salvo quando fazê-lo significasse prejudicá-las ou a outrem.

10. continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estáva-mos errados, nós o admitíamos prontamente.

11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nos-so contato consciente com deus, na forma em que o conce-bíamos, rogando apenas o conhecimento de sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade.

12. tendo experimentado um despertar espiritual, graças a esses Passos, procuramos transmitir essa mensagem aos alcoólicos e praticar esses princípios em todas as nossas atividades.

As doze trAdições de A.A.

1. nosso bem-estar comum deve estar em primeiro lugar; a rea-bilitação individual depende da unidade de A.A.

2. somente uma autoridade preside, em última análise, o nosso propósito comum - um deus amantíssimo que se manifesta em nossa consciência coletiva. nossos líderes são apenas ser-vidores de confiança; não têm poderes para governar.

3. Para ser membro de A.A., o único requisito é o desejo de parar de beber.

4. cada grupo deve ser autônomo, salvo em assuntos que digam respeito a outros grupos ou a A.A. em seu conjunto.

5. cada grupo é animado de um único propósito primordial - o

Page 90: anonimos

Décimo primeiro capítulo

90

de transmitir sua mensagem ao alcoólico que ainda sofre.6. nenhum grupo de A.A. deverá jamais sancionar, financiar ou

emprestar o nome de A.A. a qualquer sociedade parecida ou empreendimento alheio à irmandade, a fim de que problemas de dinheiro, propriedade e prestígio não nos afastem de nosso propósito primordial.

7. todos os grupos de A.A. deverão ser absolutamente auto-sufi-cientes, rejeitando quaisquer doações de fora.

8. Alcoólicos Anônimos deverá manter-se sempre não-profissio-nal, embora nossos centros de serviços possam contratar fun-cionários especializados.

9. A.A. jamais deverá organizar-se como tal; podemos, porém, criar juntas ou comitês de serviço diretamente responsáveis perante aqueles a quem prestam serviços.

10. Alcoólicos Anônimos não opina sobre questões alheias à ir-mandade; portanto, o nome de A.A. jamais deverá aparecer em controvérsias públicas.

11. nossas relações com o público baseiam-se na atração em vez da promoção; cabe-nos sempre preservar o anonimato pesso-al na imprensa, no rádio e em filmes.

12. o anonimato é o alicerce espiritual das nossas tradições, lem-brando-nos sempre da necessidade de colocar os princípios acima das personalidades.

os doze conceitos de A.A.

1. A responsabilidade final e a autoridade suprema pelos servi-ços mundiais de AA deveriam sempre residir na consciência coletiva de toda a nossa irmandade.

2. Quando, em 1955, os grupos de AA confirmaram a permanente ata de constituição da sua conferência de serviços gerais, eles automaticamente delegaram à conferência completa autori-dade para a manutenção ativa dos nossos serviços mundiais e assim tornaram a conferência - com exceção de qualquer mu-dança nas doze tradições ou no Artigo 12 da Ata da constitui-ção da conferência - a verdadeira voz e a consciência efetiva de toda a nossa sociedade.

Page 91: anonimos

91

anônimos auto-sustentáveis

3. como um meio tradicional de criar e manter uma relação de trabalho claramente definida entre os grupos, a conferência, a Junta de serviços gerais de AA e as suas diversas corpora-ções de serviço, quadros de funcionários, comitês e executivos, assim assegurando as suas lideranças efetivas, é aqui sugeri-do que dotemos cada um desses elementos dos serviços mun-diais com um tradicional “direito de decisão”.

4. Através da estrutura de nossa conferência, deveríamos man-ter em todos os níveis de responsabilidade um tradicional “di-reito de Participação”, tomando cuidado para que a cada setor ou grupo de nossos servidores mundiais seja concedido um voto representativo em proporção correspondente à respon-sabilidade que cada um deve ter.

5. Através de nossa estrutura de serviços mundiais, deveria pre-valecer um tradicional “direito de Apelação”, assim nos asse-gurando de que a opinião da minoria seja ouvida e de que as petições para a reparação de queixas pessoais sejam cuidado-samente consideradas.

6. em benefício de AA como um todo, a nossa conferência de serviços gerais tem a principal responsabilidade de manter os nossos serviços mundiais e, tradicionalmente, tem a decisão final nos grandes assuntos de finanças e de normas de proce-dimento em geral. mas a conferência também reconhece que a principal iniciativa e a responsabilidade ativa, na maioria desses assuntos, deveria ser exercida principalmente pelos custódios, membros da conferência, quando eles atuam entre si como Junta de serviços gerais de Alcoólicos Anônimos.

7. A conferência reconhece que a Ata de constituição e os esta-tutos da Junta de serviços gerais são instrumentos legais; que os custódios têm plenos poderes para administrar e conduzir todos os assuntos dos serviços mundiais de Alcoólicos Anô-nimos. Além do mais é entendido que a Ata de constituição da conferência não é por si só um documento legal, mas pelo contrário, ela depende da força da tradição e do poder da bolsa de AA para efetivar sua finalidade.

8. os custódios da Junta de serviços gerais atuam em duas ativi-dades principais: (a) com relação aos amplos assuntos de nor-

Page 92: anonimos

Décimo primeiro capítulo

92

mas de procedimentos e finanças em geral, eles são os princi-pais planejadores e administradores. eles e os seus principais comitês dirigem diretamente esses assuntos; (b) mas com re-lação aos nossos serviços, constantemente ativos e incorpora-dos separadamente, a relação dos custódios é, principalmente, aquela de direito de propriedade total e de supervisão de cus-tódia que exercem através da sua capacidade de eleger todos os diretores dessas entidades.

9. Bons líderes de serviço, bem como métodos sólidos e adequa-dos para a sua escolha são, em todos os níveis, indispensáveis para o nosso funcionamento e segurança no futuro. A lide-rança principal dos serviços mundiais, antes exercida pelos fundadores de AA, deve, necessariamente, ser assumida pelos custódios da Junta de serviços gerais de Alcoólicos Anônimos.

10. toda a responsabilidade final de serviço deveria corresponder a uma autoridade de serviço equivalente - a extensão de tal autoridade deve ser sempre bem definida, seja por tradição, por resolução, por descrição específica de função, ou por atas de constituição e estatutos adequados.

11. enquanto os custódios tiverem a responsabilidade final pela administração dos serviços mundiais de AA; eles deverão ter sempre a melhor assistência possível dos comitês permanen-tes, diretores de serviços incorporados, executivos, quadros de funcionários e consultores. Portanto, a composição desses comitês subordinados e juntas de serviço, as qualificações pessoais dos seus membros, o modo como foram introduzidos dentro do serviço, os seus sistemas de revezamento, a manei-ra como eles são relacionados uns com os outros, os direitos e deveres especiais dos nossos executivos, quadros de funcioná-rios e consultores, bem como uma base própria para a remu-neração desses trabalhadores especiais, serão sempre assun-tos para muita atenção e cuidado.

12. As garantias gerais da conferência: em todos os seus proce-dimentos, a conferência de serviços gerais observará o espí-rito das tradições de AA, tomando muito cuidado para que a conferência nunca se torne sede de riqueza ou poder perigo-sos; que suficientes fundos para as operações mais uma am-

Page 93: anonimos

93

anônimos auto-sustentáveis

pla reserva sejam o seu prudente princípio financeiro; que nenhum dos membros da conferência nunca seja colocado em posição de autoridade absoluta sobre qualquer um dos outros; que todas as decisões sejam tomadas através de dis-cussão, votação e, sempre que possível, por substancial una-minidade; que nenhuma ação da conferência seja jamais pessoalmente punitiva ou uma incitação à controvérsia pú-blica; que, embora a conferência preste serviço a Alcoólicos Anônimos, ela nunca desempenhe qualquer ato de governo e que, da mesma forma que a sociedade de Alcoólicos Anôni-mos a que serve, a conferência permaneça sempre democrá-tica em pensamento e ação.

Fonte: http://www.alcoolicosanonimos.org.br/36-principios/os-doze-conceitos.html

Page 94: anonimos
Page 95: anonimos

ePílogo

diante de tudo o que foi exposto nesta obra, considero preocupante o uso indiscriminado e crescente de bebi-das alcoólicas, uma vez que não é só porque o estado, por suas leis, “não as considera uma droga”, não significa que

biologicamente não prejudique o indivíduo e socialmente não preju-dique o grupo, o conjunto de pessoas da sua convivência.

Page 96: anonimos
Page 97: anonimos
Page 98: anonimos
Page 99: anonimos
Page 100: anonimos