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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. O ensino de História no século XIX: a contribuição de historiadores/professores para uma pedagogia da história Arlette Medeiros Gasparello * Resumo: O trabalho tem como objetivo discutir a contribuição dos historiadores e professores franceses Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos na conformação da história como disciplina escolar no ensino secundário brasileiro do final do século XIX e início do século XX. As fontes consistem nos textos sobre o ensino de história no secundário, em apêndice ao manual de metodologia da história Introduction aux études historiques, publicado em 1898; a coleção didática Histoire de la Civilization, de Seignobos, publicada na década de 1880. A análise explora contribuições da história cultural e da nova história intelectual, que estimulam abordagens relacionais entre autores, suas obras e seu contexto. O estudo permite novas interrogações sobre a constituição histórica de uma disciplina escolar e de sua pedagogia. Palavras-chave: ensino de história – livro didático – disciplina escolar L’enseignement de l’Histoire au XIXe siècle: La contribution des historiens/professeurs pour une pédagogie de l’histoire Résumé: L’objectif du texte est débattre de la contribution de Charles-Victor Langlois et Charles Seignobos, historiens et professeurs français, à la structuration de l’histoire comme une discipline scolaire dans l’enseignement secondaire Brésilien à la fin du XIXe. siècle et le début du XXe. siècle. Les sources sont les documents sur l’enseignement de l’histoire au secondaire, un supplément au manuel de méthodologie de l’histoire, Introduction aux études historiques, publié en 1898; la collection didactique Histoire de la Civilization, de Seignobos, publiée pendant la décennie de 1880. L’analyse examine les contributions de l’histoire culturelle et de la récente histoire intellectuelle qui stimulent les abordages qui établissent des rapports entre auteurs, leurs oeuvres et leur contexte. L’étude permet de concevoir des nouvelles interrogations sur la constitution historique d’une discipline scolaire et de sa pédagogie. Mots-clés: l’enseignement de l’histoire – livre didactique – discipline scolaire Neste trabalho discutimos a contribuição dos historiadores e professores franceses Charles-Victor Langlois (1863-1929) e Charles Seignobos (1854-1942) na configuração da história como disciplina escolar no ensino secundário brasileiro do final do século XIX e início do século XX. 1 * Universidade Federal Fluminense. Doutora em História da Educação pela PUC-SP. Apoio UFF/CNPq e FAPERJ. 1 Pesquisa desenvolvida no Grupo de Pesquisa Historia da Educação e ensino de História: saberes e práticas (GRUPHESP), da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) com apoio do CNPq, PROPP/UFF e da FAPERJ em Bolsas de Iniciação Científica e apoio financeiro do programa APQ1. Para este trabalho, foi significativa a participação das alunas Nathalia Caride de Oliveira e Keila Natacha Silva de Lima. 1

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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.

O ensino de História no século XIX: a contribuição de historiadores/professores para uma pedagogia da história

Arlette Medeiros Gasparello*

Resumo: O trabalho tem como objetivo discutir a contribuição dos historiadores e professores franceses Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos na conformação da história como disciplina escolar no ensino secundário brasileiro do final do século XIX e início do século XX. As fontes consistem nos textos sobre o ensino de história no secundário, em apêndice ao manual de metodologia da história Introduction aux études historiques, publicado em 1898; a coleção didática Histoire de la Civilization, de Seignobos, publicada na década de 1880. A análise explora contribuições da história cultural e da nova história intelectual, que estimulam abordagens relacionais entre autores, suas obras e seu contexto. O estudo permite novas interrogações sobre a constituição histórica de uma disciplina escolar e de sua pedagogia. Palavras-chave: ensino de história – livro didático – disciplina escolar

L’enseignement de l’Histoire au XIXe siècle: La contribution des historiens/professeurs

pour une pédagogie de l’histoire

Résumé: L’objectif du texte est débattre de la contribution de Charles-Victor Langlois et Charles Seignobos, historiens et professeurs français, à la structuration de l’histoire comme une discipline scolaire dans l’enseignement secondaire Brésilien à la fin du XIXe. siècle et le début du XXe. siècle. Les sources sont les documents sur l’enseignement de l’histoire au secondaire, un supplément au manuel de méthodologie de l’histoire, Introduction aux études historiques, publié en 1898; la collection didactique Histoire de la Civilization, de Seignobos, publiée pendant la décennie de 1880. L’analyse examine les contributions de l’histoire culturelle et de la récente histoire intellectuelle qui stimulent les abordages qui établissent des rapports entre auteurs, leurs oeuvres et leur contexte. L’étude permet de concevoir des nouvelles interrogations sur la constitution historique d’une discipline scolaire et de sa pédagogie. Mots-clés: l’enseignement de l’histoire – livre didactique – discipline scolaire

Neste trabalho discutimos a contribuição dos historiadores e professores franceses

Charles-Victor Langlois (1863-1929) e Charles Seignobos (1854-1942) na configuração da

história como disciplina escolar no ensino secundário brasileiro do final do século XIX e

início do século XX.1

* Universidade Federal Fluminense. Doutora em História da Educação pela PUC-SP. Apoio UFF/CNPq e

FAPERJ. 1 Pesquisa desenvolvida no Grupo de Pesquisa Historia da Educação e ensino de História: saberes e práticas

(GRUPHESP), da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) com apoio do CNPq, PROPP/UFF e da FAPERJ em Bolsas de Iniciação Científica e apoio financeiro do programa APQ1. Para este trabalho, foi significativa a participação das alunas Nathalia Caride de Oliveira e Keila Natacha Silva de Lima.

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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.

Esses autores estão situados na cultura histórica do período em estudo e conhecidos

não só na França, mas no Brasil e em outros países, 2 foram referenciados nas obras didáticas

de História como a de João Ribeiro,3 História Universal – em sua sexta edição em 1929 – e

adotado nos Programas de Ensino do Colégio Pedro II , de 1892 a 1926. 4

Aspectos teórico-metodológicos

Nos anos recentes, uma renovação nos estudos históricos educacionais têm estimulado

debates e aprofundamentos conceituais sobre a cultura escolar e o currículo. 5 Nesse

movimento, desenvolve-se uma história das disciplinas escolares em diálogo com uma

história social do currículo e a uma história da escolarização, no Brasil e no exterior. 6 A

história cultural e a nova história intelectual têm fornecido contribuições teórico-

metodológicas para a história da educação e para este trabalho: Silva (2002: 12) observou que

o caráter pluridisciplinar da história intelectual possibilita compreender os “universos

intelectuais”, ao “levar em conta a dimensão sociológica, histórica e filosófica capaz de

explicar a produção intelectual com base nos espaços socioprofissionais e nos contextos

históricos”. 7

A metodologia da pesquisa fundamentou-se ainda com o apoio teórico de uma noção

mais ampla de contexto. Segundo Moscateli (2003, p. 59), “texto refere-se ao “objeto”

resultante do exercício da escrita de um autor, isto é, como o conjunto de suas palavras

configurado em um dado suporte”, ao passo que o termo discurso refere-se à “mensagem”,

isto é, ao conjunto de enunciados emitidos pelo autor e transmitidos por meio de seu(s)

texto(s). Na leitura dos textos, o autor destaca que é preciso lembrar, com Foucault (1986) que

os homens nem sempre conheceram o mundo da mesma maneira, não apenas porque o

conteúdo de seu conhecimento mudou, mas porque a forma de seu aparato epistemológico

também se transformou (Moscateli, 2003: 58). Outro aspecto metodológico é a atenção à

polissemia implícita nos conceitos e o surgimento de novos significados da mesma palavra

(KOSELLECK, 2006: 108).

2 Cf. Costa (2003); Gasparello;Villela (2006). 3 História Universal. Lições escritas em conformidade com o último programma do Collegio Pedro II. 6. ed..

Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro Santos Editor, 1929. 4 Nesse período denominado Ginásio Nacional. Fundado em 1837, na Corte, com o nome de Colégio de Pedro

II.(Cf. GASPARELLO, 2004) 5 Cf. Falcon (2006); Vidal e Faria Filho (2003); Fonseca Veiga (2003); Fonseca (2003). 6 Para a construção social do currículo, cultura escolar e as disciplinas escolares, cf. Goodson (1990; 1995;

1998); Chervel (1990; 1998); Forquin (1993); Julia (2001;2002); Bittencourt (2003); Monteiro (2007). 7 Para a história cultural, cf. Chartier (1990; 1994; 1996); Burke (2000); estudos em história intelectual, cf.

(Dosse, 2003); Lopes (2003); Silva (2002; 2003).

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As fontes selecionadas consistiram principalmente no manual de metodologia da

história Introduction aux études historiques,8 de Charles-Victor Langlois (1863-1929) e

Charles Seignobos 1854-1942), publicado em 1898; 9 o texto L’enseignement secondaire de

l’histoire en France 10 em apêndice ao referido manual. A coleção didática Histoire de la

Civilization,11 de Seignobos, publicada em 1886, foi outra fonte primária escolhida, na

hipótese de que poderia fornecer parâmetros de compreensão da visão do autor sobre a

história escolar e o seu ensino.

Problema de pesquisa: escola metódica e positivismo – uma relação controversa

A Introdução de Seignobos, e Langlois (1898), um manual metodológico para a

pesquisa histórica, teve ampla repercussão na Europa e foi considerado um marco na

consolidação dos princípios da história metódica, conhecida como “positivista”. Por isto

mesmo, a leitura que fizemos do livro didático HC, de Seignobos, publicado em 1886,

provocou um estranhamento e uma série de questões sobre a narrativa histórica do autor. Seu

manual não privilegiava a história política. Onde os nomes, as datas, os “acontecimentos”?

Sua HC nos impressionou: os aspectos culturais são ressaltados; os títulos não se prendiam

aos acontecimentos políticos; conclui o terceiro volume com os “caracteres da civilização

contemporânea”. Consideramos que a análise dessa coleção didática forneceria elementos não

só de compreensão sobre as relações entre a “história dos historiadores” e a história escolar

dos livros didáticos, mas também indícios da relação conflituosa e contraditória entre a escrita

de uma história acadêmica por um historiador e a escrita com finalidades didáticas desse

mesmo historiador. Surgiram então as interrogações: quem seria o “verdadeiro” sujeito/autor

do manual de ensino? O historiador “positivista” e metódico ou o professor interessado em

escrever sua síntese histórica para o ensino de forma que desse conta do movimento das

sociedades, os aspectos de civilização? São questões que dizem respeito às dicotomias e ou

interdependência entre ser professor e ser historiador; entre as finalidades e características do

pesquisador/historiador/professor: em resumo, entre pesquisa e ensino; entre história e ensino

de história.

8 Daqui em diante referenciado como Introdução. 9 No Brasil foi publicado pela Editora Renascença em São Paulo, com tradução feita por Laerte de Almeida

Moraes em 1946, mas não tivemos acesso à mesma. Nem no site da editora Renascença há referência à obra. Utilizamos a publicação em edição eletrônica do texto de Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos, Introduction aux études historiques. Paris: Les Éditions Kimé, 1992, 284 pages. 1e édition: Librairie Hachette, Paris, 1898, do site da Universidade de Quebec (UQA) (http://dx.doi.org/doi:10.1522/cla.lac.int).

10 Publicado anteriormente na Revue universitaire, 1896, t. I. 11 Daqui em diante, utilizaremos a sigla HC.

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Seignobos e a história ‘positivista”: uma leitura polêmica

Os autores faziam parte da nova geração de historiadores 12 da Terceira República

francesa que decidiram fundar, com seus colegas alemães, um método científico. - um método

rigoroso de crítica das fontes. 13 O historiador que exerceu influência marcante foi Leopold

von Ranke (1795-1886), que, interessado em chegar o mais próximo possível da verdade dos

fatos, tornou célebre a frase: “a História é o que de fato aconteceu”. Langlois e Seignobos

evocaram a fórmula na Introdução: “a História não é senão a utilização efetiva de

documentos” e fundaram o primado dos arquivos no trabalho historiográfico. 14

Em sua época, construía-se, na França, a profissão universitária do historiador, que

passou a ser reconhecida também em outros países e implementada uma organização

institucional dos arquivos. Como historiadores e docentes, suas produções abrangem não só

textos históricos, de metodologia da pesquisa histórica como também em metodologia do

ensino desta disciplina e livros didáticos. 15 Suas obras foram lidas e referenciadas pelos

professores e autores didáticos no Brasil, o que lhes conferiu pertinência para este estudo.

No final do século XX, trabalhos historiográficos têm realizado uma releitura das

críticas à história metódica. Para Bourdé e Martin (1990:112-13) “foi erradamente que se

classificou a escola histórica, que se impõe em França entre 1880 e 1930, de corrente

“positivista”. Diferente dos princípios de Auguste Comte, os metódicos “recusam qualquer

referência à ‘filosofia positiva’ e defendem um empirismo rigoroso”. Antoine Prost (1994:

102) em Charles Seignobos revisité, faz uma releitura do autor: “Suas posições metodológicas

são muito mais sutis e interessantes do que se imagina [...]. Sua principal obra, La méthode

historique appliqué aux sciences sociales (Seignobos, 1901) continua atual”. O autor destaca

ainda que para os que se deram ao trabalho da leitura, pelo menos atenuaram esse veredicto. 16

12 Com Ernest Lavisse, Gabriel Monod, Gaston Paris, A. Rambaud (CAIRE-JABINET, 2003: 104). 13 Sobre a escola metódica e a renovação da história no século XX, cf. Bourdé; Martin (1990); Carbonell

(1981); Burke (1991); Caire-Cabinet (2003); Bosi (2005). 14 Bourdé e Martin (1990:97) destacam que a escola metódica dominou o ensino e a pesquisa em história nas

universidades até os anos de 1940; e inscreveu “uma evolução mítica da coletividade francesa[...] na memória de gerações de estudantes até os anos 1960.

15 Langlois especializou-se no período medieval, redigiu obras sobre a Inquisição e sobre o ducado da Bretanha e participou da primeira série da História da França, dirigida por Ernest Lavisse. Seu companheiro, Charles-Seignobos, destacou-se como historiador modernista e foi autor de uma coleção de manuais destinados ao ensino secundário (da 6ª. classe à classe terminal), e de uma História da Europa no século XIX. Para os dados biográficos de Langlois e Seignobos, ver Prost (1994); Carbonell (1981).

16 Michel de Certeau, por exemplo, surpreendeu-se por ter lido o manual com interesse; G.-Palmade, na reedição de História sincera de França de Seignobos, em 1960, a justificou como uma espécie de reabilitação. e a reedição da Introdução em 1992, representou uma espécie de “fazer justiça aos velhos mestres” (PROST, 1994: 101).

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Esse movimento de “reabilitação” foi seguido por outros trabalhos. Bosi, em 2005,

discute as críticas, consideradas um tanto exageradas e ligadas à afirmação de que “onde não

há documentos, não há história”. Associa o rótulo de “positivista” a Marc Bloch, 17 quando

relativizou o valor dos testemunhos para a escrita da História. Mas analisa que Bloch “queria

fazer, àquela época, a balança pender mais para as perguntas e questões levantadas pelos

historiadores do que para os próprios documentos e fontes”. (Bosi, 2005: 11). Portanto, o

sentido da crítica aos metódicos estaria no embate contra uma “história oficial” praticada à

época. Freitas (2006: 284) segue esta linha e observa os objetivos comuns dessa leitura:

“construir um “outro” – antigo – para ressaltar um ‘eu’ – moderno”. Compreendemos,

portanto, que os detratores do “positivismo” na história metódica representavam o “novo” –

uma nova história que, em discursos inflamados, abriu seu espaço em combates por uma

outra história. Foi então construída uma tradição e um esquema de apagamento do seu papel

como sistematizadores dos novos métodos de sua época e que contribuíram na

instituc

no Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II. 19 Esses

livros

ionalização do ofício do historiador. 18

Uma pedagogia para o ensino de História: uma História da civilização

A coleção didática Histoire de la Civilisation foi publicada entre 1884 e 1886. O autor,

especialista em período moderno, com muitos trabalhos publicados sobre a história da França

e da Europa, foi professor da Universidade de Paris e, dentre seus trabalhos dedicados ao

ensino, consta a participação no projeto editorial de livros didáticos de Ernest Lavisse (1842-

1922) e Alfred Rambaud (1842-1905), de grande repercussão na França. Os exemplares da

coleção encontram-se

foram adotados para uso dos alunos do Colégio Pedro II, à época com o nome de

Ginásio Nacional. 20

Nessa obra, é possível perceber as dificuldades da operação da escrita didática que a

tornam complexa e trabalhosa, ao lamentar a ausência de suficientes sobre o período

17 Marc Bloch. Introdução à História . 2. ed., Lisboa: Publicações Europa-América, 1997. 18 Assim como os Annales os combateram, Seignobos e os historiadores de sua geração haviam recusado, “em

nome de uma outra epistemologia, ‘os professores’ e ‘vulgarizadores’ [...] como Cousin, Vuillemand, Guizot, A. Thierry ou Barante” (PROST, 1994:106).

19 Agradecemos a atenção e o acolhimento amigo e profissional das professoras que atuam neste setor de pesquisa, Beatriz Boclin Marques dos Santos e Regina Célia Lopes Campelo. O NUDOM foi fundado em 1995 sob a coordenação da profª. Drª. Vera Lúcia Cabana Andrade, na época do Diretor Geral Prof. Wilson Choeri.

20 É bem provável que tenham sido adotados em outros estabelecimentos de ensino secundário nessa época, já que foi usual tais instituições seguirem os programas e livros adotados no Colégio Pedro II (GASPARE LLO, 2004).

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moderno, informa que ele mesmo teve necessidade de suas interromper pesquisas pessoais:

“tive que percorrer um grande número de obras para recolher os fatos que tinha mais

necessi er a meus estudos pessoais ou mesmo me desligar

de pesq

dimensão cronológica e

interpre

rspectiva e de sentido históricos: “com a historiografia, o pensamento

históric endida como resposta a uma pergunta”

(RÜSEN, 2001, p. 34).

criticamente a história do ensino de história em França e

os livro

e que constituem um

método: “antes de admitir um fato deve-se perguntar qual ação educativa ele pode ter, depois se se

dispõe de meios suficientes para que o aluno compreenda” (1898: 180-181).

dade. Algumas vezes precisei recorr

uisas especiais” (1889: II).

- Uma história não acontecimental

No plano geral da obra didática em três volumes, o primeiro tem o título de O regime

feudal, o segundo Os Tempos Modernos e o terceiro Período Contemporâneo. Embora pareça

anunciar uma narrativa cronológica pela ordem dos assuntos, os títulos também sugerem

grandes núcleos históricos que expressam uma tentativa de unidade em aspectos mais

abrangentes que não apenas o acontecimento político em sua

tativa. Ou seja, Seignobos seguiu uma perspectiva orientadora afastada do que se

tornou comum chamar “história tradicional” nos livros escolares.

Segundo Rüsen (2001: 32), as perspectivas gerais nas quais o passado aparece como

história formam modelos de interpretação das experiências do passado, o qual “adquire, como

tempo experimentado, a qualidade do histórico” Esse apoio na reflexão de Rüsen (2001) nos

ajuda a pensar: Seignobos, como pesquisador dedicado às questões metodológicas da prática

historiadora, necessitou, como todo historiador, sistematizar seu pensamento histórico. Seu

interesse cognitivo envolveu uma reflexão sobre a experiência concreta do tempo no passado,

que “constitui propriamente o processo do conhecimento histórico” (RÜSEN, 2001: 33),

Como homem de método, Seignobos levou em conta nesse processo a pesquisa empírica

necessária à opção de pe

o usa uma linguagem que deve ser ent

E qual teria sido a pergunta de Seignobos?

Uma operação pedagógica no ensino de História para uma educação social

No texto L’enseignement secondaire de l’histoire en France, publicado em apêndice

ao Introdução, os autores analisam

s didáticos e formulam diversas questões para orientar os professores em um quadro

metodológico.

O princípio pedagógico que emerge desse texto é necessidade de uma reflexão

permanente, de todos os aspectos que envolvem o ensino de História

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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.

O roteiro metodológico configura uma operação pedagógica que os autores

apresentam a partir das seguintes categorias: 1°) Organização geral; 2°) Escolha das matérias;

3°) Ordem; 4°) Procedimentos de ensino.

Os autores fazem uma defesa vigorosa de uma renovação dos métodos de ensino e nos

livros escolares. Para eles, não seria suficiente a constituição de uma teoria da pedagogia

histórica. Para a mudança no ensino seria preciso renovar o material e os procedimentos.

Criticam os métodos tradicionais, baseados na oralidade do professor: “O professor de história

reduzido à palavra e ao quadro de giz, os livros escolares com apenas quadros cronológicos, se

encontra na condição de um professor de latim sem textos nem dicionário.” Sobre o ensino

secundário, consideram que ao fim do século, nascia uma pedagogia da história no ensino

secundário francês, antes submetido à censura do Segundo Império. Uma pedagogia que

recebeu consagração oficial nas Instruções do programa de 1890.

Portanto, a preocupação com a prática historiográfica foi acompanhada pelo interesse

em orientar uma renovação da prática pedagógica no ensino de História.

Conclusões Este estudou visou a contribuir para o (re)conhecimento de um intelectual, professor e

historiador, que, na pluralidade de sua inserção acadêmica e socioprofissional, distinguiu-se

pelo interesse no seu campo específico: a história e seu ensino. Sua contribuição

metodológica não se restringiu à oficina do historiador, portanto. Seus trabalhos expressam

preocupação com os aspectos didáticos no ensino de História, a partir de uma conexão entre a

metodologia do ensino e da pesquisa em História. De sua experiência social no magistério e

na pesquisa, institui saberes e participa da construção de uma história escolar.

Nesse tempo de revisões e releituras, este trabalho sugere um novo olhar, não só para a

história metódica que simbolizou, mas por suas intervenções na especificidade da história como

matéria de ensino. Uma reflexão que indica a necessidade de uma permanente interrogação sobre

os passados que, sempre revisitados, nos fornecem novos elementos para pensar a complexidade

dos processos sociohistóricos, o ensino e as ações dos seus diferentes agentes.

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