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ANTONIO DE PAIVA MOURA AMÉRICA LATINA: FATORES IDEOLÓGICOS NA COLONIZAÇÃO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL - PORTO ALEGRE - RS UNI-BH – BELO HORIZONTE 2003

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ANTONIO DE PAIVA MOURA

AMÉRICA LATINA:

FATORES IDEOLÓGICOS NA COLONIZAÇÃO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL - PORTO ALEGRE - RS UNI-BH – BELO HORIZONTE

2003

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ANTONIO DE PAIVA MOURA

AMÉRICA LATINA: FATORES IDEOLÓGICOS NA COLONIZAÇÃO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado História Ibero-Americana da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial e último à obtenção do título de Mestre em História. Linha de pesquisa: História Ibero-Americana Orientadora: Prof. Dra. Maria Cristina Santos

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL - PORTO ALEGRE - RS

UNI-BH – BELO HORIZONTE 2003

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AGRADECIMENTOS

À Professora Dra. Maria Cristina Santos,

como orientadora e professora do curso.

A todos os professores da PUC-RS

que ministraram o curso em Belo Horizonte.

Professor Renato Assunção Silva – pela captura de livros.

Diretora da Biblioteca Central do UNI-BH – Maria Auxiliadora

Carneiro de Moura.

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Tão trágica foi a conquista da América feita por nossas

armas.

A tanto custo descobriram-se suas minas.

Nelas não há veio de ouro ou prata que não haja feito

verter arroios de sangue de humanas vidas. Feijóo.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS

RESUMO

1. INTRODUÇÃO........................................................................ 8

2. AS GRANDES NAVEGAÇÕES E EXPLORAÇÕES.............. 19

2.1 A Espanha e seu quinhão: no princípio era só o verbo ...... 19

2.2 O verbo se fez realidade ..................................................... 27

2.3 Portugal: o ancho eixo dos achados ................................... 41

2.3.1 Meditar para achar ........................................................ 41

2.4 O Brasil premeditado........................................................... 71

3. MUTATIS MUTANDIS – O MUNDO MUDA – TUDO GIRA... 101

3.1 O Ocidente no século XVIII ................................................. 101

3.2 A Espanha e seu império em descensão............................ 107

3.2.1 As chamas dos canhões iluminam a península............ 107

3.2.2 O Novo Mundo na revolução do Velho Continente ...... 112

3.3 O espectro da ruína ronda o reino de Luso ........................ 119

3.3.1 O ouro reluziu na história lusitana ................................ 120

3.3.2 O El Dourado: pouco mais que um sonho.................... 132

4. CONCLUSÕES....................................................................... 169

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................... 174

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LISTA DE FIGURAS 1. “A volta de Ulisses” de Claude Lorrain ................................ 23

2. “Amor sagrado e amor profano” de Ticiano......................... 101

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RESUMO .

O presente estudo aborda o processo histórico de colonização da

América Latina, desde seu descobrimento, em 1492, até o final do século XVIII,

salientando os fatores ideológicos ao longo de dois séculos de colonização.

Para tanto, foram analisadas, inicialmente, as narrativas de Colombo, desde os

preparativos de sua primeira viagem até seus relatórios finais.Um considerável

volume de textos selecionados na historiografia e na produção literária de

época, explicita os mecanismos ideológicos do processo de colonização.

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INTRODUÇÃO

“O reino de Balascam produz as caríssimas pedras preciosas

conhecidas como balas (rubis), que se extraem da montanha como

outro metal qualquer”.

(Marco Pólo)

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende abordar os fatores ideológicos na

colonização. Se por um lado o tema é abrangente ou global, intercontinental,

neste estudo visou-se a expressão de que a América Latina, por seus laços de

origem européia, em relação sincrética com os africanos e com os ameríndios,

fez surgir uma expectativa que perdura até hoje: o eurocentrismo que redunda

na ideologia de que os povos latino-americanos estão condenados ao

subdesenvolvimento.

O que antes era uma simples indagação sobre a belicosidade dos

povos do Oriente Médio e da Europa, passou a ser uma preocupação

investigadora da vocação de colonização e de dominação de uns povos sobre

os outros. Com este estudo buscar-se-á esclarecer algumas dúvidas geradas

na polissemia do termo ideologia e nas manifestações culturais que abrigam e

preservam as ideologias configuradas no tempo e no espaço. Faz-se

necessário esclarecer o sentido semântico em que a palavra ideologia será

empregada nos textos a serem elaborados em função deste trabalho. Por

tratar-se de palavra polissêmica e motivo de muita controvérsia é que decidiu-

se por este esboço conceitual. Bobbio (1993) coloca como significado fraco e

significado forte. No significado fraco ideologia é a espécie dos sistemas de

crenças políticas: um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem

pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos.

Nesse significado, ideologia é um conceito neutro e dificulta a análise crítica. O

significado fraco, portanto, não permite alcançar a essência do tema proposto,

pois tem sido empregado de forma vulgar por políticos e jornalistas. O

significado forte tem origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido como

falsa consciência das relações de domínio entre as classes. Este conceito se

diferencia do primeiro porque mantém a noção de falsidade, embora muito

criticada ao longo do tempo após sua formulação. Volta-se para a política na

busca do significado de alienação, falsidade e função social da ideologia.

Conceito negativo que denota um caráter mistificante de falsa consciência de

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uma crença política. Pareto (1982) mantém o requisito da falsidade da

ideologia, mas para ele, a sua função é a de persuadir. O que torna a ideologia

uma crença é a sua capacidade de controle dos comportamentos em

determinadas situações (Bobbio, 1993).

Mas foi com Karl Mannhein, em seu livro Ideologia e utopia, que o

conceito apareceu mais claro. Ideologia é o conjunto das concepções, idéias e

teorias que se orientam para a estabilização ou legitimação da ordem

estabelecida. São todas aquelas doutrinas que têm um caráter conservador,

consciente ou inconscientemente, voluntária ou involuntariamente, servem à

manutenção da ordem estabelecida. Utopia, ao contrário, são aquelas idéias,

representações teóricas que aspiram uma outra realidade, ainda inexistente.

Tem, portanto, uma dimensão crítica ou de negação da ordem social existente

e se orienta para uma ruptura. Deste modo, as utopias têm uma função

subversiva, crítica e às vezes até revolucionária (Mannhein, 1993: 13).

Ordem e Ideologia estão ligadas por natureza de abordagem

científica, de vez que a noção de ordem sugere a idéia de coisas bem

alinhadas, cada uma no lugar que lhe compete. Com relação às comunidades,

entende-se por ordem a tranqüilidade, a disciplina, a obediência, havendo

ordem na família, na escola ou na empresa, quando a disciplina é respeitada. A

ordem social é mais complexa, pois consiste na submissão de todos os

membros de uma sociedade ampla às normas, valores e leis sobre as quais se

funda. Mas chama-se muitas vezes ordem social a uma ordem estabelecida

que faz prevalecer uma submissão de toda a gente a estruturas, a instituições

e a valores para favorecer classes ou camadas sociais privilegiadas1.

Embora seja produzida pelos interesses socioeconômicos de uma

classe dominante, a ideologia apresenta-se como um produto generalizado de

1 No discurso ideológico invoca-se o fato de que o bem fundamental de uma sociedade é a paz, a tranqüilidade, para

assim exigir que todos os seus membros se submetam de boa vontade, ou à força, a um regime social, a uma forma de organização social que mantém as injustiças, as desigualdades e as causas da luta social. Pode designar, ainda, diretamente a harmonia, o equilíbrio, a coerência das relações sociais, que pelo jogo de engrenagens econômicas e políticas integram o conjunto dos indivíduos num querer viver e bem viver comum (Birou, 1976: 287).

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toda a sociedade, ocultando a sua origem elitista. Transforma os valores do

grupo dominante em valores de todos. Desta forma, por meios pacíficos,

tornam-se legítimos os esquemas de dominação vigentes. A idéia de alienação

e persuasão é que se sintoniza com o momento e com as circunstâncias

históricas. No dizer de Marcondes Filho (1994) na criação artística, seja na

pintura ou na poesia, o artista dá uma contribuição que não precisa ser política,

mas que pode ser estética, moral, filosófica, religiosa ou de qualquer outro tipo,

onde está o trabalho do homem e a sua criatividade, ai está a produção e a

reprodução da ideologia.

De forma empírica foi-se observando como os historiadores

modernos tendiam a utilizar, na narrativa histórica, os textos literários, a

exemplo dos sermões de Padre Antônio Vieira; a poesia de Bandarra em

Portugal, "Fausto" de Goethe e, finalmente, os poemas e textos críticos de

Baudelaire sobre a modernidade. Em seguida passou-se a perceber que até

nas intitulações dos textos históricos os estudiosos passaram a empregar

metáforas para atrair a curiosidade e o interesse do leitor, aproximando

intenção historiográfica de postura literária. Mas a partir de um texto de

Krammer percebeu-se que poderia sair do empirismo e encontrar uma solução

metodológica satisfatória para o presente plano de pesquisa.

O segundo estágio da pesquisa aponta quais os móveis ou qual foi

a ambição dos grandes descobridores e, posteriormente, dos colonizadores.

Por que tanto risco de vida; tanto sacrifício e tantos infortúnios. Desde a leitura

das epopéias Ilíadas e Odisséia de Homero; as conquistas de Roma Antiga; as

canções de Roland; as guerras de cuzadas; os cantares de miu cid. Em todas

essas narrativas encontrou-se a plausibilidade de que havia uma enorme

ambição por acumulação de tesouros; uma constante busca de riquezas

materiais. Lucro, que em seu radical é o mesmo que logro, já aparece com

ênfase na linguagem corrente tanto dos povos antigos quanto medievais.

Cumpre, portanto, realizar um estudo sobre as cruzadas, buscando explicitar

os interesses materiais e psicológicos que as envolveram. As primeiras

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grandes viagens marítimas tiveram um sentido cruzadista (Franco Júnior,

1981). Mas as cruzadas deixam lugar a uma outra forma de expansão européia

e procuram desenvolver as técnicas náuticas, astronomia e cartografia.

Depois das viagens marítimas de Américo Vespúcio e de Vasco da

Gama, sem contar a polêmica do pioneirismo de Vicente Pinzon e Pedro

Álvares Cabral, procurou-se interpretar os interesses da descoberta do Brasil

embutidos nos interesse de difusão da fé cristã. Os textos históricos baseados

em documentos e testemunhos de narradores ficcionistas comprovam tais

interesses. Desde o início, entre Portugal e Espanha, foi estabelecida uma

diferença na forma de relacionamento com as colônias, resultando ou

redundando na formação de dois arquipélagos culturais: a América espanhola

e o Brasil. Por isso precisam ser estudados separadamente sendo o resultado

do estudo. Continuar-se-á investigando os efeitos da colonização para o

suceder histórico no que vem a constituir no chamado capitalismo. Será

oportuno discutir os efeitos dos Tratado de Methuen e de Santo Ildefonso que

teriam beneficiado a Inglaterra, em prejuízo de Portugal e Espanha. Ao colocar

outros fatores em evidência, entre os quais o cultural e o ideológico, tentar-se-á

minimizar o valor histórico atribuído a tais tratados.

Então, chega o momento de concluir com a expressão do significado

das diferenças entre países colonizadores e países colonizados. Nenhum povo

ou grupo, por mais bem armado e poderoso que o seja, consegue dominar

outro povo de modo a sugar-lhe todas as riquezas, sem atrofiar ou mutilar sua

cultura. É pela interferência na cultura do dominado que o dominador consegue

impor suas ideologias, e assim, efetuar a espoliação.

Serão utilizadas obras literárias como ilustração na narrativa

histórica. A palavra ilustração entra como esclarecimento; sair da obscuridade

do entendimento. O momento histórico que mais valorizou a razão, o

iluminismo, usou esta metáfora do racional como luz e da ignorância como

escuridão, obscuridade. O debate entre Hayden White e Dominick La Capra,

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sobre História, literatura, linguagem e crítica literária, na clareza da exposição

de Lloyd S. Kramer, trouxe novo alento ao presente propósito. O positivismo,

com sua ampla influência engessou a narrativa histórica. Pretendia uma

terminologia específica a pretexto de uma maior cientificidade. Com isso a

História perdeu de vista suas origens na imaginação literária. Para os

historiadores modernos o valor da literatura reside em sua predisposição a

explorar o movimento da linguagem e do significado em todos os aspectos da

experiência social, política e pessoal (Kramer, 1995: 131-172). Outro fator que

o referido debate proporcionou foi a flexibilidade no uso dos tropos. Contudo,

compreendeu-se que o emprego de metáforas no texto histórico deve ser

meticuloso para não dificultar, mas facilitar a sua compreensão. Então pode-se

indagar: o que existe sobre a terra e não é documento? o que não diz alguma

coisa sobre algo ou alguém que existe nas realidades passadas ou presentes?

O documento histórico não é terminado e acabado. Elaborado, ele preenche a

realidade viva de chaves e códigos de leitura que podem ser tomados como

realidade em si mesma. Se os documentos são elaborados e são matéria prima

da História, esta pode ser criação, identificando-se com a literatura. Hayden

White conclui que seria o caso de dizer que os textos dos historiadores são

maleáveis e sujeitos à criação tanto quanto o produto literário, constituído por

testemunhos, relatos e depoimentos de vida de onde o escritor retira a seiva de

sua escritura. Em conclusão: a literatura também é trabalho sobre documento.

Portanto, a obra de arte corre em sintonia com os momentos históricos.

Fischer (1987: 162) observa que é necessário acompanhar a evolução dos

temas na literatura e na arte, pois estes refletem as condições sociais e a

consciência social prevalecente. Cita os seguintes exemplos:

"A passagem dos temas míticos aos profanos, a penetração do povo comum no mundo dos reis e dos nobres, a secularização dos assuntos sagrados, a descrição da vida cotidiana na cidade no campo, a descoberta da humanidade da individualidade dos trabalhadores, a substituição do drama aristocrático pela tragédia burguesa, todas essas mudanças temáticas indicavam novos conteúdos e requeriam novas formas. tais como a forma do romance".

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Esclarece a ligação entre e história e arte dizendo que o escritor

revela o mundo em que ele vive. O que é histórico e o que é social não podem

estar ausentes da obra de arte.

Falar de um passado distante, de seus acontecimentos e dos quais

esteve-se ausente e não foi participante, é necessário ter em mente a que fim

servirá a escrita, o historiar. A finalidade primordial dos textos que se pretende

produzir é a de esclarecer muitas questões obscurecidas ou tamponadas pelas

ideologias que orientaram a colonização da América Latina possibilitando

colocar em evidências as forças visíveis e invisíveis que atuaram no passado, a

exemplo de privilégios oferecidos aos reinóis e exclusão dos crioulos;

concepção de que os nativos eram inferiores aos europeus justificando, assim,

a escravização e espoliação dos mesmos.

Com o que já foi exposto neste texto introdutório, cabe agora

demonstrar a que fim se destina o estudo, tanto a um amplo público

profissional da História quanto aos demais estudiosos das ciências sociais, ou

propriamente ditas humanas.

No particular, ou no que se refere aos objetivos específicos, o

presente estudo visa expressar a singularidade do Brasil e os aspectos

diversificados de sua formação histórica; motivos das dimensões de seus

territórios e porque se manteve tão distante dos demais países da América

Latina.

Muita coisa já foi escrita até o momento. Atesta isso, a longa

bibliografia que se levantou durante o curso, especialmente da disciplina

História Ibero-americana, além de outras obras indicadas que se encontravam

esgotadas, fora do mercado e raras nas estantes das bibliotecas a exemplo de:

“Relação de uma missão no São Francisco”, do Padre Martinho de Nantes;

“Padre Antônio Vieira na defesa perante o Tribunal do Santo Ofício”, de

Hernani Cidade; “América Latina: males de origem”, de Manoel Bonfim. A

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busca nessa massa de publicações foi da plausibilidade da hipótese que os

interesses dos colonizadores, em parte, eram movidos por alguma ideologia

enraizada em sua cultura. Então, com o material em mãos partiu-se para o

estudo, certos de que o historiador de hoje deve ter a consciência do mnemon,

como uma pessoa que guarda a lembrança do presente e do passado em vista

do que ela pode produzir no futuro. Mas não mais como o escrivão de um

cartório, apenas testamenteiro de fatos e sim como juiz, que à luz de provas

destes, aponta uma diretriz ou proposta de solução.

O colonialismo, do século XVI ao século XVIII passou por

modificações estratégicas, pois associando as relações de produção com a

colonização, verificou-se que o extrativismo vegetal do primeiro século não foi

atrativo para as imigrações. No segundo século, a produção açucareira e a

criação de gado atraíram para o litoral, considerável massa populacional. No

terceiro século, a extração mineral foi um atrativo para ocupação do centro.

Ressalvando as diferenças históricas, as colônias espanholas, ao longo dos

séculos, foram sofrendo alterações substanciais. Em face de tais modificações

os beneficiados foram sempre os países europeus, mas nem sempre os

detentores de colônias. As regiões colonizadas sofreram enormes desgastes

tanto nos quadros naturais quanto humanos. Assim, a passagem do

mercantilismo para a procura de matéria-prima para a indústria européia em

nada contribui para melhorias das condições das regiões colonizadas.

Uma segunda questão é no sentido de explicitar a forma como o

capitalismo foi herdeiro do antigo ideal de colonizar e ao mesmo tempo gerador

do colonialismo moderno, isto é, associado ao mercantilismo à chamada

Revolução Industrial. Explicitar o papel que a ideologia exerceu beneficiando o

colonizador; facilitando a tarefa de explorar as colônias; os estigmas que a

ideologia da colonização deixou nos países latino-americanos.

Conforme Iglesias (1971), a idéia de colonizar ou de colonização

começa com o sentido de apropriação de granjas; pessoas destinadas a

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ocupar lugares conquistados pelos romanos. Tem também o sentido de

cultivar, produzir explorar terras conquistadas. Mas o conceito de colonialismo

e colonização que serve ao presente estudo é o de que Espanha e Portugal

ocuparam e organizaram os territórios da América Central e do Sul, habitados

por populações tidas como de culturas inferiores, exercendo sobre elas um

poder despótico e excludente. Por isso, a colonização está ligada à questão

ideológica. Munido do ideal de superioridade; de sacralidade e de predileção da

divindade, os colonizadores imunizaram-se do sentimento de culpa por todos

os tipos de delitos: homicídio, latrocínio, saque, açoite, estupro, sodomia,

pedofilia, corrupção generalizada, excluindo-se apenas os missionários, parte

do clero secular e alguns homens de boa formação humanista, de forma que o

colonizador nunca era considerado criminoso e nunca tinha defeitos. O nativo

era considerado preguiço e depredador da natureza. O colonizador era sempre

o herói e nunca o vilão.

Para explicitar o esboço metodológico, de início, procurou-se uma

aproximação com a Semiologia na busca de um domínio da simbologia

enquanto condicionadora de significados empregados na linguagem corrente

das sociedades, absorvida e utilizada pela historiografia contemporânea. Sabe-

se que os vocábulos mudam de significado no decorrer do suceder histórico.

Cabe ao historiador acompanhar esta trajetória de modo a facilitar o estudo dos

textos históricos. Compreende-se que, como historiador moderno, deve-se

desvencilhar da postura positivista na narrativa histórica, passando também a

utilizar vocábulos até então desconhecidos na linguagem científica. A

semiologia começa a orientar a interpretação da linguagem científica a partir

dos títulos dos trabalhos produzidos no Brasil desde a década de 30. Conta-se

que uma bibliotecária, não acostumada com a liberdade de expressão dos

historiadores, tinha a incumbência de registrar o livro de Sérgio Buarque de

Holanda, "Raízes do Brasil". Não teve dúvida: classificou-o em botânica. Como

é curioso o título que a historiadora Jaqueline Hermann deu a seu livro sobre o

sebastianismo em Portugal nos séculos XVI e XVII: "No reino do desejado". O

capítulo 2 do mesmo livro Hermann o intitula de "O grande castelo de D.

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Sebastião", referindo-se ao ideal de D. Sebastião em reconstruir Portugal,

considerado decadente em sua época. No "lid" do mesmo capítulo coloca uma

estrofe do poema de Diogo de Treve que confere com o que se esperava de tal

reino. Embora, na referida estrofe, o poeta não mencione o nome de D.

Sebastião, o primeiro verso se refere a ele, pois diz: "Que ele por Deus foi dado

a este reino" (Hermann, 1998; 73). Durkheim (1982: 331) chama a atenção

para a importância dos símbolos na interpretação da vida social de vez que os

acontecimentos são descritos através de símbolos. Quando se fala em pátria a

complexidade do conceito aparece representada por um símbolo. Assim,

programas políticos aparecem em forma de siglas partidárias e nomenclaturas

simbólicas.

As colonizações e os sistemas coloniais nunca redundaram em um

fim, mas quase sempre, em um meio. Desde a Antigüidade grega as colônias

eram feitorias comerciais, instaladas em pontos estratégicos. Nos tempos

romanos as colônias eram bases de pequenos povoamentos que visavam à

manutenção das conquistas dos reinos e províncias distantes. As modernas

colônias da América Latina serviram aos países ibéricos como conquista de

novas terras para instalação de estabelecimentos agrícolas e extrações

minerais, tendo contribuído para o desenvolvimento do sistema capitalista na

Europa. A partir da chamada revolução industrial o capitalismo já definido como

tal é que exercerá o controle das colônias ibero-americanas não só como

fornecedoras de matéria-prima, mas também como consumidoras de bens

industriais.

Na concepção de Birou (1976) o capitalismo, usando da sua força de

negociação e de coação, promove o aumento da riqueza de pequenos grupos

aumentando a desigualdade, primeiro em escala nacional e depois em escala

mundial, redundando em um antiprogresso social e humano. Em escala

mundial, o capitalismo utilizou-se do colonialismo e das ideologias que o

fundamentavam.

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A teoria deste trabalho tem fundamento no conceito de ideologia

como argumento convincente do dominador sobre o dominado no processo de

colonização e exploração da América Latina.

O problema da dissertação é a colocação dos acontecimentos no

tempo e no espaço em busca de esclarecimentos.

A hipótese pretende dar conta de que os textos literários como

ilustração da narrativa histórica explicitam os ideais e os conhecimentos dos

colonizadores e dos colonos.

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As grandes navegações e explorações “Fundarei um novo céu e uma nova terra, e não mais se pensará no

que era antes”.

(Isaías)

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2 . AS GRANDES NAVEGAÇÕES E EXPLORAÇÕES

As grandes navegações buscam o enriquecimento comercial dos

ibéricos além da difusão da cultura cristã ocidental.

2.1 A Espanha e seu quinhão: no princípio era só o verbo

O casamento de Isabel e Fernando em 1469 lança a primeira pedra

da convergência dos reinos hispânicos, depois de vários séculos de atritos e

rupturas. A princesa Isabel não teve um acesso cômodo ao trono castelhano.

Os nobres, habituados a manipular Enrique IV, começam por lançar rumores

sobre a ilegitimidade da herdeira Joana e por apoiar a candidatura de Isabel.

Graças à lealdade das cidades, de algumas famílias nobres e de certos

territórios, assim como dos exércitos do seu sogro, Isabel consegue dominar os

seus opositores. O conflito termina através dos tratados de paz de Alcáçovas

(1479) e Toledo (1480), comprometendo-se Portugal a abandonar os inimigos

de Isabel à sua sorte em troca de liberdade de movimento na África. Com a

relativa paz reinante, a união dinástica tenta adaptar a sua política

internacional, tanto quanto possível, aos interesses de todos os reinos. Como

herança do mundo medieval aragonês, o Mediterrâneo suscita os desvelos da

monarquia, mesmo à custa de novas guerras contra a França. A posição de

Navarra adquire novo valor na estratégia exterior, como porta para o coração

da Península, na época em que a concorrência castelhano-portuguesa pelo

domínio das rotas africanas do ouro, dos escravos e das especiarias acentuava

a rivalidade entre ambas as coroas. Castela lançava-se na aventura atlântica

proposta por Colombo, juntando os conhecimentos técnicos necessários, os

homens adequados e o desejo de maiores glórias, como bem ilustra uma

estrofe de Sêneca.

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Com a passagem lenta dos anos, Virão uns séculos em que o Oceano Abrirá as barreiras do mundo Descobrindo uma terra imensa, Tetis Revelará novos mundos, e Tule Deixará de ser a última das terras (Cortázar & Vesga, 1997).

Quando Colombo (1487) propôs aos reis católicos da Espanha uma

viagem em busca de um “novo mundo”, levava no seu ideário uma formação

mental européia edificada desde as cruzadas. Depois de longa experiência de

viagens; de leitura de importantes documentos e entrevistas com estudiosos e

navegadores; leitura de muitas narrativas de viagens em bibliotecas da Europa;

visitou os mares gelados do Norte. Lendo a Bíblia entusiasmou-se com uma

profecia de Isaías: "Eu fundarei um novo céu e uma nova terra e não mais se

pensará no que era antes". Como a linguagem do profeta é simbólica e

metafórica cabia ao navegador uma interpretação do texto. Cabe hoje uma

interpretação da interpretação do navegador. A interpretação bíblica de

Colombo convida a uma viagem no tempo medieval. Franco Júnior (1981) diz

que a reconquista cristã da Península Ibérica tomada pelos muçulmanos,

desde o século VIII, não tinha motivação religiosa. Era um movimento

camponês e pastoril. No século XI a reconquista cristã ganhou caráter religioso.

Predomina, então, um duplo interesse: material e religioso. Conforme Franco

Júnior, o próprio discurso do papa Urbano II no Concílio de Clermont, em 1095

diz:

Após ter prometido a Deus manter a paz em suas terras e ajudar fielmente a Igreja a conservar seus direitos, vocês poderão ser recompensados empregando sua coragem noutro empreendimento. Trata-se um negócio de Deus. [...] Que tenha uma dupla recompensa os que se esgotavam em detrimento do corpo e da alma. A terra que habitam é estreita e miserável, mas no território sagrado do Oriente há extensões de onde jorram leite e mel. ...” (Franco Júnior, 1981: 27).

Mas Colombo estava diante de uma nova situação. Enfim, apagar a

história dos povos colonizados, “não mais se pensará no que era antes”.

Quando os reis católicos da Espanha apostaram na viagem de Colombo é

porque ele representava uma nova cruzada contra povos ainda não

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explorados. Assim começa, portanto, a narrativa da primeira viagem de

Colombo (1492/93).

Com a ascensão de Carlos I ao trono espanhol (1516/1556) houve

uma grande ofensiva expansionista que envolve a Espanha em guerras

prolongada. A ambição imperialista de Carlos I converte em conquista de Túnis

e Argel no Norte da África; Milão e outras cidades repúblicas italianas tornam-

se satélites espanhóis. Cortázar & Vesga (1997: 189) dizem que a

incapacidade de alimentar a população explica a importância estratégica de

alguns dos horizontes políticos da monarquia: o Norte da África, Sul da Itália e

o Báltico. A voracidade de Carlos I refletiu na determinação dos exploradores

da América. Aos castelhanos entregou o comércio das Índias obrigando a

passar por Sevilha que em meio século aumentou sua população em quatro

vezes. O ouro e a prata da América jorrava em Sevilha. Os metais preciosos

provenientes da América eram, para a Espanha, garantia de um alto poder de

compra de produtos manufaturados beneficiando a indústria de Flandres. A

nobreza espanhola, ao tempo de Carlos I, não esteve tão interessada na

atividade comercial. Contentava-se com a ostentação de cargos militares e

com a atividade agrícola.

O reinado de Filipe II (1527/1598) foi pleno de acontecimentos

históricos, sendo sua preocupação principal a transformação da Espanha em

um centro universal de cultura, isto é, em verdadeiro centro do mundo. Sua

firme atuação na contra-reforma; a atuação de Loyola na Companhia de Jesus;

as vitórias dos cristãos sobre os mouros em Leponto reforçaram o prestígio do

imperador junto ao Papa como defensor da cristandade. Foi em seu reinado

que Portugal começou a sua submissão à Espanha (1580). O crescimento da

marinha inglesa redundou em obstáculo aos avanços da Espanha. Corsários

ingleses perseguiam os galeões espanhóis no Atlântico e no Pacífico. Ficou

célebre a pilhagem de Drake, que em 1580 regressou à Inglaterra carregado de

tesouros. A rainha Isabel da Inglaterra aceitou os protestos da Espanha com a

condição da partilha do produto do saque dos “aventureiros mercadores” como

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chamavam na Inglaterra aos corsários, que tinham o apoio da coroa. As

questões religiosas agravaram a rivalidade entre a Inglaterra e a Espanha. A

execução de Maria Stuart serviu de motivo para a guerra entre os dois países.

Felipe II mandou preparar uma enorme força naval que foi quase toda

destruída no Canal da Mancha. A nobreza e os comerciantes foram os mais

beneficiados com as riquezas extraídas na América. Camponeses e outros

segmentos sociais continuaram cada vez mais arruinados. Nos de Cortázar &

Vesga (1997), ao findar o século XVI, verifica-se uma sociedade

profundamente injusta e desigual, onde as arremetidas de crise econômica e

da guerra reduziram os estratos privilegiados, enquanto os marginalizados se

amontoaram junto às instituições de caridade e às dependências religiosas

para sobreviver. Apesar da pobreza, assiste-se ao desenvolvimento do mundo

barroco, o culto da ostentação e da imagem exterior que contribuía para

aumentar as tensões sociais já existentes.

Aqui se inscreve o fenômeno Góngora e o Gongorismo. Luiz de

Góngora Argote (1561/1627) nasceu em Córdoba e estudou em Salamanca.

Quase obrigado por seu tio Francisco seguiu carreira religiosa. Ainda como

estudante, revelou-se voltado e dedicado à poesia profana, contrariando

determinações superiores, o que respondia com linguagem indireta. Transferiu-

se para Madri em 1612. Logo após sua ordenação foi nomeado capelão da

Corte de Felipe III, onde é cercado de personalidades. A tendência cultista de

Góngora já se manifestava desde tempos de estudante (1611/1612), na Fábula

de Polifemo e Galatea, em que recorre à mitologia grega. Clássico na forma, de

vez que o poema obedece a uma simetria nos 504 versos em decassílabos;

dividido em 63 estrofes oitilhas. Clássico no conteúdo, buscando a mitologia

grega, em que Ulisses (herói) náufrago entra em combate com Polifemo que o

prende em uma Caverna. Depois de furar o único olho do monstro, Ulisses

conseguiu fugir (FIG. 1). Para Góngora a criação da beleza consistia um fim

por si mesma, não precisando a arte preocupar-se com valores éticos e

espirituais. Deliberadamente escrevia em estilo requintado, muito próprio do

maneirismo. O que é espantoso em Góngora é que sendo religioso trata o

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aspecto profano e o interesse material de forma desinibida. Trata Ulisses,

Galatea e Polifemo como símbolos trazidos para a vida social e histórica da

Espanha (Alonso, 1960). Talvez aí resida o fato de Vieira ter reagido ao

Cultismo, como no § V do Sermão da Sexagésima: “Já que falo contra os

estilos modernos [...] o estilo culto não é escuro, é negro e negro boçal e muito

cerrado. É possível que somos portugueses e havemos de ouvir um pregador

em português e não de entender o que diz” Vieira poderia não entender ou

fingir não entender, mas Góngora sabia o que queria com seus símbolos

exagerados e fictícios: exaltar a figura do rei espanhol para que ele enfrentando

infinitos obstáculos, de que meio fosse, estendesse os domínios da Espanha,

como nesta estrofe de Polifemo e Galatea:

"...Sicília, en cuanto oculto, em cuanto ofrece, copa es de Baco, huirrto de Promona: tanto de frutas ésta la enriquece. Quanto aquél de racimos la corona. En carro que estival trilho parece, A sus campanha Ceres no perdona, de cuyas siempre fértiles espigas, las províncias de Europa son hormigas".

FIGURA 1 – “A Volta de Ulisses” de Claude Lorrain

[1682] Fonte: Ragghianti, 1967

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Na oposição a Luiz de Góngora encontra-se Lope de Vega

(1562/1635). Oposição estilística, pois, no fim ambos estavam engajados na

mesma causa. Lopes de Veja mais lírico, mas não deixa dúvida quanto ao

regozijo pela expansão espanhola, especialmente na peça teatral O novo

mundo descoberto por Cristóvão Colombo. De certa forma o Conceptismo se

opõe ao Cultismo, especialmente na sua sofisticação e refinamento. Lins

(1935), diz que em Lope de Vega há dois homens: o grande poeta espanhol

educado, como todos os contemporâneos, com a tradição latina e italiana.

Estas duas metades de seu ser se harmonizam sempre que possível, mas, em

geral, andam separadas e segundo as ocasiões, ora triunfa uma ora outra.

Com sua alma de poeta nacional, Lope de Veja tem consciência da grandeza

de sua obra. Tem consciência de que o poeta deve ser culto, erudito, como ele

próprio expôs em “La Arcadia”. “No sólo há de saber el poeta todas las

ciências, ó a lo menos, princípios de todas, pero há de tener grandíssima

experiência de las cosas que em tierra y mar sucedem ...” Portanto, a tradição

do saber e a valorização de quem sabe estão arraigadas na cultura ocidental

mas Lope de Vega chama a atenção para o que deve ser uma obra

considerada espanhola, depois de já ter ensinado a arte de fazer comédias aos

comediógrafos modernos, (1609). “É escrita a tragédia no estilo espanhol, não

pela Antigüidade grega e severidade latina, fugindo das sombras, núncios e

coros, porque o gosto pode mudar os preceitos, como o uso dos trajes e

costumes” (Lins, 1935; 87). Portanto, da mesma forma que Vieira deixava

transparecer seu eruditismo ocidental, ambicionava a glória lusitana, Lope de

Vega tinha a Espanha no centro de seu universo.

O século XVII começa com o reinado de Felipe III (1598/1621).

Embora apático, tomou algumas medidas no sentido de agradar a Portugal. A

situação econômica da Espanha declinava: esgotaram-se as jazidas de prata

da América; as guerras prolongadas consumiam todos os recursos do Estado.

Em 1605, a expulsão dos descendentes de Mouros que permaneceram na

Espanha depois da conquista de Granada (mouriscos) privou o país da mão-

de-obra artesanal e de agricultores. Os outros estados europeus patrocinavam

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as reformas aplicando uma política mercantilista que fomentava a exportação

de gêneros e travava a importação recorrendo a tarifas alfandegárias. Como

observam Cortázar & Vesga (1997), a Espanha deixou-se atrasar nessas

inovações, perdendo a corrida da modernização. “Os grêmios e a política de

liberdade de trocas praticada pela coroa tornaram a concorrência muito difícil, o

que viria a provocar a perda inexorável de mercado e capitais.”

Da leitura de “O Dom Quixote de la Mancha”, observa-se que a

Espanha de Cervantes participou na Grécia, em 1571, da batalha de Lepanto,

contra os turcos o que rendeu prestígio a Felipe II e a ele próprio. Em 1575, o

navio que viajava de volta da Grécia para a Espanha foi atacado pelos turcos e

naufragou, tendo ficado prisioneiro cinco anos na Argélia. Mediante pagamento

de resgate, foi posto em liberdade. Na Espanha abandonou a vida militar e

começou a escrever. Cervantes era a essência do espírito espanhol. Colocava

a vida em jogo para a defesa da causa do cristianismo ou de qualquer causa a

que se julgasse justa; os mouros ou qualquer outro segmento que ousasse

zombar da galhardia cristã e ibérica. A Espanha conserva o ideal de um sacro

império romano-ibérico, em contraste e harmonia com o absolutismo dos reis,

isto é, um misto de tomismo onde prevalecia a “vontade de Deus” no

provimento do poder do rei, tendo por fim o bem comum e por outro lado, o

estado moderno convivendo e usufruindo a sacralidade do rei mas tendo na

sua finalidade principal o enriquecimento de seus detentores.

A Espanha de Cervantes tem de tudo em contrastes: governantes

ambíguos; a opulência de Sevilha e a pobreza da Mancha que vê seus

habitantes emigrarem-se em massa; a regência das normas consuetudinárias

paralelamente ao direito positivo. Começa que Dom Quixote, em tudo que

contrata, empenha a sua palavra com base na tradição, começando assim os

atritos com seus contemporâneos. Encarnando a figura de um cavaleiro

medieval recusa a posse do dinheiro. – Tendes dinheiro, nobre senhor? –

perguntou o dono da venda, já preocupado com as possíveis despesas do

hóspede. Dom Quixote respondeu-lhe que não e nunca havia lido em livro

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algum, que os cavaleiros andantes carregassem as mundanas e desprezíveis

moedas. – É claro que todos os cavaleiros devem portar dinheiro – disse o

outro. – Isso é tão normal que não havia necessidade de ser dito. Dom Quixote

começa a procurar seu escudeiro. Encontrou um seu vizinho de nome Sancho

Pança. Tanto prometeu, que afinal persuadiu o pobre lavrador a seguí-lo. Dizia

que, se ele se dispusesse a ser seu escudeiro, poderia conquistar riquezas e

poder. Talvez chegasse a ser governador de uma ilha, talvez até coisas

superiores. Certo dia Sancho cobrou de seu senhor a promessa e este

prontamente respondeu:- Fica sabendo, amigo Sancho, que foi um costume

muito usado pelos cavaleiros antigos fazer de seus escudeiros governadores

das ilhas ou reinos que conquistavam. Estou determinado a fazer o mesmo.

Mais adiante Sancho mostrou-se preocupado em distribuir os cargos entre os

filhos e a mulher. Dom Quixote responde – Deixe isso aos cuidados de Deus.

Ele saberá o que será conveniente. Certo dia Dom Quixote e Sancho Pança

encontraram-se com dois frades da ordem de São Bento montados em mulas.

Em seguida uma mulher a caminho de Sevilha, em uma carruagem escoltada

por cavaleiros e pajem. Dom Quixote, depois de prevenir Sancho a não entrar

na luta, desafiou os frades a libertar a mulher. Em seguida arremeteu a lança

contra um dos frades que caiu da besta. O segundo frade correu em fuga.

Sancho Pança, vendo caído o primeiro frade, correu até ele e começou a

arrancar-lhe todos os pertences, inclusive o hábito. – Que faz? Perguntou o

religioso. – É a presa de guerra! Respondeu Sancho Pança. – Por direito me

pertence, já que Dom Quixote, meu senhor, venceu a briga (Cervantes, 1997).

A Ibéria de Cervantes cultivava um dos mais abomináveis

preconceitos que é o social, isto é, a discriminação dos pobres; a degradação

do trabalhador manual; a exclusão dos portadores da cultura popular mantida

pela tradição; o preconceito de ordem estética que fazia renascer os padrões

de beleza da antigüidade clássica greco-romana, tentando ridicularizar tudo

que não tivesse essa afeição. Assim, o cavaleiro andante e seu escudeiro são

recebidos no luxuoso castelo de um potentado duque. Em tom de ironia, de

mofa e sujeitos a humilhações vexatórias os dois cavaleiros foram execrados

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pelos habitantes do castelo. Havia um malvado ritual na hierarquia das

humilhações: Sancho Pança, por ser presumidamente inferior a Dom Quixote,

deveria ser mais castigado. Assim começa: Entre os caçadores estava uma

mulher de fulgurante beleza. Montava um magnífico garanhão e o conjunto não

poderia ser mais belo. Pela riqueza das vestes e altivez do porte, Dom Quixote

logo percebeu tratar-se de uma mulher pertencente à nobreza. Esse padrão de

beleza tem uma conotação com a obra do maneirista italiano, Tiziano Vecellio

(1480/1576) pintor oficial de Carlos I e de Filipe II. No quadro “O rapto da

Europa”, mostra uma mulher com vestes transparentes, ludibriada por Zeus

disfarçado em touro que a conduz para a ilha de Creta. Do outro lado, tudo era

fealdade: o cavalo de Dom Quixote, o jumento de Sancho Pança; o cavaleiro

era magro, esquisito; o escudeiro era gordo e trejeitado. No interior do castelo

organizou-se um encontro entre Dom Quixote, o padre, os nobres e seus

vassalos. O diálogo que se trava deixa transparecer a posição de cada

segmento presente colocando os viajantes em ridículo: Dom Quixote tinha

cérebro de macaco; Sancho Pança não sabia se expressar senão através dos

tradicionais provérbios populares. Chegava o momento de ridicularizá-los pelas

superstições, pela crença de que Dulcineia de Tobosa estava encantada em

uma mulher feia e indesejável. Para quebrar aquele encanto Dom Quixote

deveria ser surrado diante da platéia no castelo. Diante de sua recusa em

submeter-se ao castigo, sobrou para Sancho Pança (Cervantes, 1997).

Finalmente, como na flagelação de Cristo, Sancho Pança foi nomeado

governador de um arraial pertencente ao duque, em cumprimento à promessa

de seu amo. Cumpre uma verdadeira “via crucies” e paga por sua real

humildade, o preço dos preconceitos, o mais contundente instrumento do

excludentismo.

2.2 O verbo se fez realidade

"In nomine D. N. Jesu Christi. Porque, cristianíssimos e mui augustos, excelentes e poderosos soberanos, Rei e Rainha das Espanhas e das ilhas do mar, nossos monarcas, neste presente ano de 1492, depois que vossas majestades deram fim à guerra contra os mouros que dominavam a Europa e por

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terminados os combates na mui grande cidade de granada, onde neste mesmo ano, aos dois dias do mês de janeiro, por força das armas, assisti ao hasteamento das bandeiras reais de Vossas Majestade na Torre de Alfambra2 Vi o rei mouro sair pelas portas da cidade e beijar as mãos reais de Vossas Majestades (Colombo [1898], 1991; 31).

Em seguida Colombo quer mostrar aos soberanos a conveniência de

sua viagem por mar. O ideal das cruzadas ainda está presente mas o

conquistador moderno ambiciona seu próprio enriquecimento e de seus

comandados. O ideal de missão de Colombo é inspirado em Marco Polo e não

na conduta dos templários que visava o enriquecimento da Igreja e da própria

ordem3.

Ao invés dos votos de pobreza Colombo diz aos reis da Espanha

que vai ao encontro das terras da Índia, do chamado “Grande Cã” citado por

Marco Polo, contos maravilhosos de fausto, riqueza e luxo que deixaram

Colombo extasiado. Sente-se orgulhoso de ser o comandante daquela cruzada.

Dirigindo-se aos reis católicos da Espanha diz textualmente:

“Vossas majestade, como católicos cristãos e soberanos devotos da Santa fé cristã, seus incrementadores e inimigos da seita de Maomé e de todas as idolatrias e heresias, pensaram em enviar-me às mencionadas regiões da Índia para ir ver os ditos príncipes, os povos, as terras e a disposição delas e de tudo e a maneira que se pudesse ater-se para a sua conversão à nossa fé; e ordenaram que eu não fosse por terra ao Oriente, por onde se costuma ir, mas pelo caminho do Ocidente, por onde até hoje não sabemos com segurança se alguém teria passado (Colombo [1898], 1991: 32).

Assim, a 3 de agosto de 1492 partiram da barra Saltes, as três

caravelas que compunham a expedição, comandadas por homens experientes:

Santa Maria, Pinta e Niña. As incertezas e as dificuldades técnicas encontradas 2 Trata-se de imenso castelo mourisco construído sobre uma elevação que domina a cidade de Granada e que hoje

tem o nome de Alhambra. 3 Conforme Pirenne [1933] (1995) o ideal econômico da Igreja adaptou-se admiravelmente às condições econômicas

da época, em que o único fundamento da ordem social era a terra. A terra foi dada aos homens para que pudessem, somente, viver neste mondo pensando na salvação eterna e nada mais. A finalidade do trabalho não é enriquecer, mas conservar-se na condição em que cada um nasceu, até que, desta vida mortal, passe à vida eterna. A renúncia do monge é o ideal a que toda a sociedade deve aspirar. Procurar riqueza é cair no pecado de avareza. A pobreza é de origem divina e de ordem providencial. As sobras das colheitas devem ser dividida com os pobres como se faziam nas abadias.

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durante a viagem fazem da narração de Colombo um importante documento

histórico. No dia 10 de outubro, com 67 dias de navegação, os marinheiros já

não se agüentavam mais; queixavam-se da longa viagem. Colombo, porém

incentivou-os o quanto pôde, dando-lhes boa esperança das vantagens que

poderiam obter: muitas terras e muitas riquezas, afim de que conservassem a

esperança e perdessem o medo que eles tinham de tão longo caminho

(Faerman, 1991). As promessas de Colombo a seus marinheiros tinham

fundamento na crença em que o navegador alimentava nas descobertas dos

fabulosos tesouros mencionados por Marco Polo4. Depois da terceira viagem

de Colombo à América (1498-1500), em carta aos reis católicos, Colombo tenta

justificar as vantagens de ter descoberto a o novo continente e o fato de ter-se

guiado por sábios incontestáveis quando buscava a Índia.

Foi também preciso frisar os valores temporais, quando se lhes demonstrou os manuscritos de tantos sábios dignos de fé, e que escreveram histórias em que contavam como nesses lugares existiam vastas riquezas, e mesmo assim foi necessário invocar o conceito e a opinião daqueles que descreveram e situaram o mundo (Colombo [1898], 1991; 169).

O que apresentou aos reis como resultado de suas viagens era mais

real: um continente inexplorado. Mas na corte parecia ainda a frustração de um

sonho: o sonho das narrativas de Marco Pólo.

A quarta e última viagem de Colombo à América (1502/1504) foi

melancólica. Aos 51 anos de idade sente-se cansado. O sonho de atingir o

oriente e voltar carregado de valiosas mercadorias ainda não havia acabado.

Por isso batizou a caravana de “Alta Viagem”, na esperança de encontrar uma

passagem para o Oriente. Esteve bordejando a costa do Panamá sem,

contudo, encontrar a passagem para a China. Na carta do almirante aos reis

4 É incrível como Marco Polo ouviu e memorizou tantas histórias durante a sua fantástica viagem ao Oriente. Fatos

ouvidos com atenção e narrados como conto maravilhoso. Assim, em 1275, os cristãos forçaram a conversão do califa de Bagdá depois que fizeram uma montanha mudar de lugar na presença de uma grande multidão. Ainda em Bagdá, em 1255, quando a cidade foi invadida por Alau, irmão do Grande Khan, que apoderou-se de imenso e fantástico tesouro. Para ostentar seu poder e humilhar o califa derrotado Alau mandou prendê-lo na torre em que se encontrava o tesouro, sem comida e sem bebida. É encantadora e minuciosa a forma como narra o palácio do Grande Khan. O espaço construído, cercado por um muro que mede uma milha de cada lado. No interior dessa quadratura muitos palácios são edificados, destacando a residência do imperador. As paredes das salas e dos quartos são recobertas de ouro e prata, delicadamente decoradas com histórias de mulheres, de cavaleiros e outras. Há uma sala tão ampla que é capaz de abrigar seis mil pessoas (Pólo [1296], 1999).

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católicos ele se curva humilhado e fracassado. Além disso, o falecimento de

sua protetora, a rainha Isabel, abalou mais ainda seu prestígio. O Colombo da

primeira viagem já não é mais capaz de incentivar os marinheiros. Ao contrário

narra muitos desastres, intempéries e infortúnios. "E volto aos navios, que a

tempestade me arrebatou, e me deixou sozinho. Nosso Senhor os coloca à

minha frente quando lhe imploro”. Lamenta ter perdido parte da carga e faz

referência à melhor sorte do irmão. "Durante esse tempo todo não encontrei

guarida, pois não pude, nem me deixaram as tormentas do céu, da água,

trovões, relâmpagos inacabáveis: mais parecia o fim do mundo. Cheguei ao

cabo de “Graças a Deus” e ali Nosso Senhor me concedeu vento e corrente

próximos (Colombo [1898], 1991: 196). Dá notícia de abundância de ouro mas

fracassa no momento de conquistá-lo. "Eu que, como disse, por várias vezes

me vi às portas da morte, soube ai das minas de ouro da província de Cimba5

que tanto procurava. Dois índios me levaram a Carambaru, onde a população

anda nua e usa no pescoço um espelho de ouro; mas não quiseram vender

nem fazer permuta". Daí para diante toda a sua narrativa é de infortúnios.

Não era isso que esperavam os espanhóis, com a mentalidade

mercantilista já latente. Esperavam embarcações repletas de metais, pedras

preciosas, jóias, porcelanas, peças de jade e histórias inebriantes; as riquezas

dos reis e o luxo dos palácios. Dois anos depois da última viagem, inteiramente

desacreditado, Colombo morreu na pobreza. A carta de sete de julho de 1503,

é uma frustração aos espanhóis porque Colombo desprezou o Novo Mundo por

ele descoberto. Embora sua admirável cultura clássica faltou-lhe o fulgor

narrativo, a exemplo do seguinte episódio: "Cheguei quase ao ponto em que

estive antes, e ai então o vento e a corrente me foram outra vez adversos. E

retornei novamente ao ponto e não me atrevi a esperar a oposição de Saturno

com mares tão desvairados em conta bravia".

O momento das viagens de Colombo contém os sinais que

nortearão, em breve, o mercantilismo: crescimento das cidades;

5 Esta província tem o nome que Marco Polo deu a Cochinchina.

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desenvolvimento do comércio e das técnicas náuticas; centralização do poder

nas mãos dos reis católicos e conseqüentemente acúmulo de tesouros em

bens e moedas. A beleza do discurso de Colombo no regresso da primeira

viagem não encontra eco nos palácios, castelos e catedrais da Espanha. As

ideologias reinantes exigem algo mais concreto, isto é, que tenha som, brilho

de metal e tudo que possa ser convertido em tesouros. Sete anos depois da

morte de Colombo, o navegador Nuñez de Balboa (1513) descobre o Pacífico

(Cortázar & Vesga, 1997: 202). Magalhães e Elcano dão a primeira volta ao

mundo (1519). Até então, para os espanhóis, nada diferente de Colombo. Mas

quando Cortês sai de Cuba, assalta o continente e subjuga o Império Asteca

com a ajuda dos povos submetidos à sangrenta Teenochtitlán; a satisfação é

geral. Mais ainda: Pizarro manipula as guerras civis da civilização inca a fim de

se apoderar das altiplanícies andinas, seguidas das dominações de Pedro

Valdívia, Jiménez de Quesada, Cabeça de Vaca preparam o campo para

efetivação da colonização com a implantação do catolicismo e demais traços

culturais dos espanhóis na América com o resultado imediato da fruição das

riquezas para a Espanha.

Até então o México se chamava Nova Espanha. Para a Europa, se

tratava de uma terra distante, cuja conquista inspirou a mais de um compositor

barroco, seduzidos como tantos outros pelo que diziam dos encantos e do seu

exotismo. Para a Espanha, durante três séculos (1519/1821), foi a flor de um

império que abarcava grande parte da América, desde a Califórnia até a

Patagônia. Mais que isso, diz Gruzinski (1988: 21) a Nova Espanha era a terra

de aventura dos bem nascidos da Espanha como novo para negros e mulatos

Assim começa uma história real, não mais a história apenas descritiva de

Colombo.

O que regia o mundo dos negócios, as riquezas e suas aplicações

não era a ciência econômica e nem o pensamento social, mas a busca do

poder nacional. A Europa Ocidental havia adquirido uma mentalidade contrária

àquela da pobreza e da resignação. Prevalecia a valorização do conquistador,

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do acumulador de riquezas, do experiente e sábio. O que os historiadores

chamam de humanismo, foi a concepção de uma nova forma de educação e

formação do homem, coerente com a filosofia clássica greco-latina em

oposição à Escolástica medieval. Então, para o renascentista, as letras, a

história e a filosofia desempenhavam um papel essencial na formação mental

(Reale, 1990: 21).

Cristóvão Colombo e Cortés não eram apenas simples aventureiros,

eram considerados também como agentes do progresso econômico e o

ingrediente mais importante do poder nacional que era o ouro. Fazia parte do

ideal dos grandes exércitos e das aventuras; a riqueza real e a aventura

nacional, além de que se tudo fosse permitido na busca da fortuna, uma nação

não podia deixar de se tornar próspera (Heilbroner, 1996: 41). Esse traço

ideológico vinha de longos tempos e fez da guerra um ritual sagrado. Desde

Roma antiga até o final da Idade Média, o saque o roubo e a espoliação de

outros povos eram sagrados. Era essa ideologia que temperava o legendário

“Cantar de mio Cid”, Rodrigo Diáz de Bivar, El Cid que converteu-se no árbitro

das disputas mouras, tendo governado Valência quase como um rei. Não se

constrangia em vencer os inimigos para despojá-los de espadas de metais

preciosos e tesouros valiosos. Não faltava a esse herói, o companheiro de luta,

Minaya, ávido de sangue, sempre precipitado. A qualquer coisa lançava mão

da espada, já pronto para a luta. Em 1079 o rei de Castela determina aos dois

que fossem a Sevilha e a Córdoba para receber tributos que os reis mouros

deviam à coroa. A cobrança deveria ter a função de lembrar os mouros que

eles deviam pagar aos cristãos se quisessem continuar vivendo pacificamente

naquelas terras (José, 1988: 12). O entesouramento era uma forma de

patrimônio mobiliário ou patrimônio líquido que poderia garantir riquezas

circulantes; garantir recursos para novas conquistas e segurança para os

domínios existentes6.

6 O mais importante estudioso de El Cid é o historiador Ramón Mendes Pidal. Uma edição das mais conhecidas é a de

1910 em francês L’epopée castilane à travers la littérature espagnole. A primeira edição em português é recente, realizada pela Tecnoprant em 1988, com texto de Ganymedes José, baseada em Cantar de mio cid, muito conhecido nas façanhas do herói castelhano Rodrigo Dias de Bivar. Obra carregada de dramaticidade, de traições, desconfianças e armadilhas, por sua aproximação com os mouros de onde lhe sai o cognome Sayid, que significa senhor.

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Maquiavel não criou idéias novas. Apenas organizou e registrou a

mentalidade reinante em sua época. Exatamente no momento que escrevia “O

Príncipe”, 1513, Cortés estava em franca atividade na ocupação da América.

Recomendava que o príncipe se comportasse tal qual Cortés que o antecipava.

Baseado em fatos históricos fazia espelhar o ideal de conquistador impetuoso.

Cita o exemplo do papa Júlio II (1503/1513) que restaurou o poder do papa e

absorveu de forma radical os valores clássicos da Renascença. Diz Maquiavel:

“Com sua violência e ímpeto, lançou-se pessoalmente na campanha de

Bolonha, contra a aprovação dos venezianos e espanhóis. Com sua atitude

arrastou os franceses”. A conclusão de Maquiavel é carregada de preconceitos

e tendências. Tenta ilustrar seu discurso com retórica de fundo grotesco, e por

isso mesmo, condensando as ideologias reinantes no final do Renascimento:

“Estou convencido do seguinte: É melhor ser impetuoso do que cauteloso; porque a fortuna é mulher e é necessário, para subjugá-la, espancá-la e surrá-la. E vê-se que ela se deixa vencer mais por esses do que por aqueles que, friamente, seguem em frente. Sempre, como mulher, a fortuna é amiga dos jovens, pois estes são menos cautelosos, mais fogosos e mais audazes ao dominá-las (Maquiavel [1513], 1996: 149).

Importantes documentos escritos pelo conquistador do México,

Hernán Cortés (1485/1547), mostram a determinação da Espanha na conquista

da América. Antes da morte de Colombo começa sua aventura chegando a

São Domingos em 1504. Em 1511 ocupou Cuba. Em 1518 sai de Cuba com o

objetivo de conquistar o México, cumprindo seu intento em fevereiro de 1519,

com nove barcos, 110 tripulantes, 500 soldados, 16 cavalos e 14 canhões. O

que mais impressionou os mexicanos de Tabasco foi a presença dos cavalos

que assombrados não impuseram resistência a Cortés. O consórcio com a

índia Malinche rendeu-lhe prestígio e poder. Passou a fundar e conquistar

cidades. De todas, a mais notável é a conquista de Tenochtitlán, atual cidade

do México, depois de dominar por todos os meios o imperador Monteczuma. A

partir daí as conquista de Cortés alcançam todo o México. Em 1523 Carlos V o

nomeou governador-geral de toda Nova Espanha. A determinação com a qual

Cortés se lançava na luta com o objetivo de conquistar riquezas materiais está

registrada com clareza em suas cartas enviadas ao imperador. A primeira

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extraviou-se. A segunda, datada de 16 de julho de 1519, foi impressa em

Toledo, em 1522. Nesta carta acusa a fundação da vila de Veracruz e demais

conquistas. Sempre que chegava em uma vila relatava que havia sido muito

bem recebido, intimidando pelo poderio que ostentava, como ele mesmo diz:

Yo fui, muy poderoso señor, [...] donde de todos los naturales fui muy biem

recebido y hospedado (Cortés, 1963: 26). No povoado de Caltanmi, Cortés se

diz muito bem recebido e de ter falado com os habitantes do poderio da

Espanha sobre aquela região. Perguntou a um interlocutor se os habitantes do

povoado eram vassalos de Monteczuma ou se eram de alguma outra

parcialidade. Confirmou que eram vassalos de Monteczuma. Cortés respondeu

ao interlocutor daquele povoado que o rei da Espanha era muito poderoso e

devia ser obedecido e se o contrário fosse deveria haver punições. Em seguida

solicita que lhe dessem ouro a ser enviado a sua majestade. O interlocutor

respondeu que o ouro que possuía era para dar a Monteczuma. De outros

moradores mais distantes acabou recebendo alguns colares de ouro e oito

escravos, o que o fez partir contente dali. Noutra província encontra resistência

armada de súditos de Monteczuma como diz: "E como a bandeira da cruz,

empunhada por nossa fé a serviço de vossa sacra majestade, que em sua mui

real ventura Deus nos deu muitas vitórias" (Cortés [1522], 1963: 29).

A questão do ouro estava sempre presente na relação entre os

nativos e os ibéricos. Na província de Chalco, acompanhado de quatro mil

índios de outras províncias, Cortés foi recebido pelas principais autoridades do

lugar. Levaram-lhe a proposta de três mil pesos e ouro para que o conquistador

não chegasse até a cidade, por tratar-se de lugar muito pobre. Alegaram outros

inconvenientes de ordem geográfica. Cortés compreendeu que seus

interlocutores pretendiam impedir seu contato com Monteczuma e comportou-

se como diplomata. Sabia que estava próximo da cidade da qual o rei já tinha

notícia. Seguiu resoluto o conquistador sendo sempre bem recebido pelas

autoridades de Monteczuma. Na província de Cuzula os índios mostraram a

Cortés os rios de onde se extraiam o ouro de aluvião, além de oferecer jóias do

mesmo metal (Cortés [1522], 1963: 45).

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Chega o momento de Cortés triunfar sobre Temixtitlan, a capital do

império Azteca. Descreve o sítio com minúcia de detalhe. Depois a organização

social e religiosa. Nesse ponto o narrador parece seguir o estilo de Marco Polo

ao realçar o aspecto da riqueza de povos estranhos aos europeus. Fica

encantado com a qualidade das casas de moradias dos senhores Azteca. Diz

Haring que a América era pródiga em diversos metais, mas os espanhóis

consagraram toda sua atenção ao ouro e à prata, além do mercúrio, porque

era útil na extração do ouro. Os índios, que haviam empregado o ouro e a prata

apenas para ornamento, utilizavam o cobre para a fabricação de utensílios e

armas (Corrêa & Bellotto, 1979). Conquistando o Azteca o que era mais

cobiçado estava nas mãos dos espanhóis: ouro e prata em abundância.

A conquista da Nova Castela não é só o Peru, mas toda a América

do Sul espanhola. Se existem algumas semelhanças com relação à conquista

do México, de vez que o móvel é o mesmo, a procura do ouro, Francisco

Pizarro foi mais violento. O Império inca que Pizaaro se defronta, com força e

instrumental inferiores aos de Cortés, era mais bem organizado. Mas na

medida que expandia a dominação inca cresciam também as dificuldades de

manutenção dos domínios. Em 1527, a morte de Huayna Cápac provocou uma

luta sucessória entre seus filhos Huascar e Athualpa. Pizarro chega ao Peru

em 1532, no momento em que Athaualpa já estava quase vencendo a

contenda com seu irmão, quando sofreu o ataque de Pizarro, deixando o poder

para os espanhóis. Pizarro apoderou-se de um enorme tesouro: um milhão e

meio de pesos em ouro e prata. O fabuloso tesouro encheu Pizarro de prestígio

e poder na luta para dominar os povos. Mas antes de praticar a mineração

sistemática, o ouro, a prata e as pedras preciosas que os reis incas tiveram em

tanta quantidade, não era tributo que fossem os índios obrigados a dar-lhes,

nem os reis o pediam, porque não tiveram como coisa necessária para a

guerra nem para a paz e tudo isso não avaliaram como fazenda nem tesouro,

porque como sabe, não vendiam nem compravam coisa alguma por prata nem

por ouro, nem com ele gastavam em socorro de alguma necessidade que se

lhes oferecesse; e por isso, o tinham como coisa supérflua: não era de comer e

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nem para comprar de comer; somente o estimavam pela sua formosura e

resplendor (Vega, 1979: 17).

Era a prática de uma política de colonização encabeçada pela

Península Ibérica. No jogo da conquista e da colonização contavam os ibéricos

com uma superioridade que era a herança da cultura latina, formada há dois

mil e quinhentos anos do tempo de Colombo. Essa cultura proporcionou aos

espanhóis, munição ideológica; poderoso instrumental bélico; domínio de todas

as áreas do conhecimento humano. Para conseguir as recompensas materiais

os conquistadores espanhóis não mediam esforços e sacrifícios. Tinham

consciência da superioridade com relação aos inimigos. Acreditavam que, pelo

fato de serem cristãos, podiam gozar do favor divino. Quanto mais venciam,

maior era o reforço dessa crença. A perspectiva do ouro tornava toleráveis

todas as agruras e o risco de perderem a vida em busca da recompensa final.

BethelL (1998: 167) cita uma frase de Cortês que é muito significativa: “Eu e

meus companheiros sofremos de uma doença do coração que somente pode

ser curada com ouro”. Nada mais que isso poderia agradar aos reis espanhóis:

arcas repletas de esplendorosos metais.

Só se compreende uma colonização com a aculturação dos povos

conquistados. A substituição dos cultos ameríndios como Guacas, Curacas e

Incas pelo Cristianismo, foi muito rápida. A substituição da língua e da

organização social e política também foram imediatas. No miolo da aculturação

vinham as ideologias da colonização, como atesta o documento intitulado “Los

dioses de Santa Cruz”, crônica de Juan de Santa Cruz Pachacuti Yanqui

Salcamaygua. Narrando fatos de conversões e buscando os ancestrais dos

incas, o cronista deixa transparecer seu interesse em integrar a América

Indígena no contexto da história universal. Como recurso retórico cita a criação

do homem, do “Gênesis”, à imagem e semelhança de Deus, progenitor do

gênero humano, cuja descendência são os nativos de Tohmantinsuyu, bem

como as demais nações do mundo, os brancos e os negros. Para convencer as

conquistas, conversões e integração dos incas na civilização cristã, tece

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interessante analogia: descreve a entrada de Francisco Pizarro em Cusco

dizendo que com suas barbas longas representava o imperador Carlos V; O

padre Fray Vicente, com sua mitra e capa, representava São Pedro e o Papa; o

inca com suas belas plumas, com suas vestes mais ricas, acompanhados dos

espanhóis representavam o povo (Millones, 1979: 127). O cronista deixa

transparecer o caráter ideológico vigente no relacionamento entre as duas

etnias: agente adaptador da cultura do dominador à cultura do dominado. Os

ameríndios adversários dos incas eram como pedras grosseiras não lapidadas,

sendo conveniente aos espanhóis o apoio e a aproximação aos incas. Mas o

que ocorreu, na realidade, foi uma constante anulação da cultura inca e sua

conseqüente reação bélica.

A ideologia sobre a qual se baseava o sistema inca estava em

extinção. Na nova sociedade dominada pelos espanhóis toda idéia de

reciprocidade e redistribuição de riquezas havia perdido seu sentido. O domínio

espanhol resultou numa transferência unilateral sem reciprocidade de garantir a

riqueza em benefício de todos.

A escravidão de indígenas, embora controvertida, em face da

doutrina cristã, passa pela cultura ocidental e permanece no mundo novo

conquistado. Conforme Direito Romano os bárbaros podiam ser escravizados.

Na Idade Média os bárbaros eram interpretados como infiéis ao cristianismo,

podendo ser escravizados. A questão da escravização do indígena é polêmica

de vez que ele não é bárbaro, mas apenas pagão, na perspectiva de tornar-se

súdito. Os sermões do padre Antônio Montesinos, em São Domingos (1511), a

favor dos indígenas revoltou os colonos espanhóis escravizadores de

indígenas. Defendia a idéia de que os índios também possuíam uma alma

racional e que ninguém tinha o direito de os reduzir à escravatura. Os

escravizadores deveriam ser denunciados ao rei. Em 1513 sobressai o bispo

Bartolomé de las Casas, autor de Brevíssima Relação da Destruição das

Índias, sob cujo impulso se promulgaram admiráveis leis protetoras que nem

sempre foram cumpridas nas colônias. A partir de 1537, com base nos

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documentos de Las Casas, cria-se uma doutrina oficial da Igreja, na qual os

índios deveriam ser considerados seres racionais livres, membros de pleno

direito da humanidade e vassalos do rei de Castela (Cortázar & Vesga, 1997:

242).

Apesar das leis e doutrinas firmadas os colonizadores espanhóis

encontraram uma forma de continuar submetendo os indígenas à escravidão.

Apelam para o aspecto medieval que permite escravizar infiéis para submeter

ameríndios aprisionados numa “guerra justa”, estendendo a índios rebeldes e

canibais. Em parte os brancos não desistiam da escravização de indígenas

porque o trabalho assalariado não conseguia convencê-los ao duro esforço

braçal da mineração e da lavoura. Mas diante das dificuldades de escravizar os

ameríndios, os espanhóis optaram pelos escravos negros. Há muito, os

portugueses comercializavam escravos negros africanos e até mouros. O

primeiro carregamento de negros ladinos que falavam espanhol chegou à

América em 1505. Houve uma pequena interrupção, mas em 1518 Carlos V

concedeu a um membro de sua família borgonhesa uma licença para que

enviasse quatro mil escravos para as índias no curso de oito anos. Essa

licença foi transferida a um grupo de navegantes genoveses. Esta concessão

passa a significar a internacionalização do rendoso negócio que era o tráfego

de escravos. Prevalece, portanto, o traço ideológico da sociedade escravista

na Península Ibérica (Bruit, 1991).

Segundo Bruit (1991) não há um escrito de Las Casas que não diga

algo relativo à destruição da América e à violência dos conquistadores. “A

brevíssima relação de destruição das índias", seu livro mais famoso, é um

tratado sobre a brutalidade humana e em todas as suas páginas o sofrimento e

o sangue escorrem a borbotões. Para o frade, a violência dos conquistadores

tinha a finalidade de fazer com que os índios perdessem a noção de que eram

seres humanos para exercer sobre eles a dominação total”. Se por um lado Las

Casas mostrou a extrema maldade e poderio dos conquistadores, sua escrita

serviu, também, para mostrar uma extrema fraqueza dos índios, predispostos a

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serem dominados, aceitando sem resistência a dominação. Las Casas

transmite a imagem servil do índio, conformado com a derrota humilhante,

renunciando voluntariamente à sua existência cultural, assumindo devotamente

o sacrifício do bom cristão. O símbolo dessa entrega dos índios aos

conquistadores é Marina, a Malinche, amante e intérprete de Cortés, que

estigmatiza o permanente, o constante derrotismo dos latino-americanos e

assimilado pela historiografia. Mas o certo é que houve resistência por parte

dos índios, conforme registra Las Casas: suicídios coletivos; abortos praticados

pelas mulheres índias; guerra e outras formas veladas de resistência, não

vistas por Las Casas, como: silêncio, indolência, furtos, mentira,

desobediência, fuga e passividade para evitar fúria do colonizador. Das formas

abertas e frontais de resistência os espanhóis difundiram a idéia da fraqueza

dos indígenas. Das formas veladas difundiram os conceitos de defeitos

incorrigíveis dos nativos.

“O surpreendente na história da conquista e apesar da destruição do

genocídio, é que os índios sobreviveram física e culturalmente e a presença

deles, de algum modo marcante em quase todas as sociedades do continente,

é um fato em face do qual não se pode fechar os olhos” (Bruit, 1991). Basta,

portanto, uma volta do olhar para o Centro e para o Sul da América para

identificar todos os traços culturais herdados, dos astecas, dos maias, dos

incas e dos guaranis.

Elliott (1998) analisa o fato de a partir do momento em que a

ocupação e exploração da América se consolidavam e com a abdicação de

Carlos I, em 1556, Filipe II conservou a condição de “rei da Espanha e das

Índias”. Mas consegue conservar o título de imperador, rei da Espanha, em

face das possessões na América A partir daí a coroa começa a criar as

condições de administração e institucionais com vista ao Novo Mundo. Os

conselhos passaram a ser representantes da pessoa do rei. A partir de 1561

têm sede em Madri, que passa a ser a sede da Monarquia. Todos esses

conselhos eram compostos de homens letrados, educados e versados em leis

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nas universidades. Jamais foram homens nativos das colônias; todos atuavam

como guardiões do rei; jamais defenderam os interesses dos colonos.

Formava-se assim um enorme corpo burocrático. A administração na América

contava com aparelhos de juntas administrativa, militar, jurídica, financeira e

religiosa. No século XVI a governadoria era uma instituição ideal na busca da

expansão territorial, já que conferia a seus detentores amplos poderes. No

século XVII declinam-se as governadorias e começam a aparecer os vice-

reinos, que acumulavam funções judiciais, administrativas e militares, mas na

verdade, álter ego do rei, mantendo sua corte no palácio vice-real e trazendo

consigo as figuras da nobreza. Mas apesar do poder e dos privilégios que

gozavam os vice-reis e os ouvidores, estes eram mantidos sob controle por

uma coroa naturalmente suspeitosa dos funcionários que ela própria nomeava.

Para que as riquezas da América não se desviassem de seu curso para o reino

da Espanha, a legislação tratava de resguardar seus privilégios destituindo os

burocratas de qualquer vantagem além dos parcos salários previstos. Os

funcionários eram proibidos de casar com mulheres da área de jurisdição; não

podiam adquirir propriedades fundiárias e nem praticar atividades comerciais.

O ideal da coroa era que os funcionários da administração colonial fossem

servidores platônicos que amassem a metrópole sem nenhuma recompensa

material. A Igreja na América era de natureza missionária, responsável pelo

doutrinamento. Cumprida essa obrigação os missionários entravam em choque

com o clero secular pelo espaço de jurisdição e poder. Nos primeiros

momentos os bispos tiveram muita força de controle sobre os colonos brancos

e sobre os índios, principalmente como tribunos inquisidores. Todas essas

formas de controle estavam inseridas na esfera de uma conformidade

ideológica que sustentava o império e as colônias.

“Os castelhanos, imbuídos de um profundo senso de necessidade de vincular seus empreendimentos a um fim moral mais alto, tiveram de articular por si mesmos uma justificativa para seu governo do Novo Mundo que inserisse suas ações firmemente no contexto de um propósito divinamente prescrito. A prata das Índias, que a Coroa explorava com o fim de aumentar suas rendas, era considerada como uma dádiva de Deus, que daria aos reis de Castela a oportunidade de cumprir

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suas obrigações em toda a terra bem como manter e propagar a fé” (Elliott, 1998: 300).

Estava aí, portanto, a legitimação da ordem estabelecida. O Império

era considerado um empreendimento sagrado como justifica Solorzano Pereira

na obra “Política Indiana” (1648) na qual estabelece que os indígenas, pelo fato

de serem tão bárbaros, precisam de alguém que, assumindo os deveres de

governá-los e educá-los, os reduzisse a uma vida humana civil, social e

política, de modo a poderem adquirir a capacidade de receber a fé e a religião

cristã. Afinal todos de alguma forma, usufruíam da riqueza destilada da

América: a coroa que mantinha o estafe imperial; a burocracia com salários e

privilégios; os que se enriqueciam nas colônias e voltavam para viver na

metrópole.

2.3 Portugal: o ancho eixo dos achados

2.3.1 Meditar para achar

Para chegar às grandes viagens marítimas e aos descobrimentos,

Portugal passou por um longo caminho histórico. Teve que contribuir para o

rompimento com obstáculos de ordem ideológica arraigados na cultura

européia antes de sua independência, no limiar do século XIII. Sem a

acumulação de fortunas e desenvolvimento do comércio, eliminando o sistema

feudal e seus assemelhados, o país não poderia ter-se aventurado pelos mares

nunca antes navegados. O primeiro obstáculo vinha do horror ao comércio, ao

mercador e ao comércio financeiro. Haviam proibições severas por parte da

Igreja. O empréstimo a juros teve significado pejorativo, sendo a usura uma

abominação. O comércio em geral, também era reprovado7. É perigoso para a

alma. Segundo Pirenne (1965), a reprovação da usura, do comércio, do lucro

sem outro objetivo senão o de lucrar era coerente com a situação medieval

pois o latifúndio se bastava a si mesmo e consistia em um mundo fechado. Não

7 O comércio é perigoso à alma, pois afasta-a de seus fins últimos. “Homo mercator, vix aut nunquem potest Deo

placere”. O homem mercador nunca pode agradar a Deus (Pirenne, 1965: 20). Frase atribuída a um bispo de Aquitânia, em resposta a um comerciante que se sentia preocupado com a sua salvação.

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fosse a proibição da Igreja, esses latifúndios teriam sido os primeiros a explorar

os pobres nas épocas de fome. Os próprios mosteiros, amiúde, infringiam os

preceitos da Igreja. Na verdade tais preceitos impregnaram tão profundamente

o mundo com seu espírito que somente no final da Idade Média foi aceita sem

reservas mentais a legitimidade dos lucros comerciais, da valorização do

capital e dos empréstimos com juros.

A partir das “questão das investiduras”o papa começa a disputar o

papel de imperador; o imperador queria exercer o papel de papa; acumular

fortunas passou a ser fundamental (Miradouro, 1989:8529). A “Canção de

Roland” ilustra este ideal. A campanha movida pelo rei francês, Felipe o Belo,

contra a Ordem dos Templários no século XIV, visava arrebatar-lhes os

imensos tesouros. A materialidade passa a predominar sobre a espiritualidade,

tanto nos indivíduos quanto nas instituições. A Igreja, os reis e os proprietários

exaltam e até sacralizam as posses materiais8.

Já com relação às fortunas adquiridas nas chamadas guerras santas

ou guerras justas, tomadas de inimigos do cristianismo, não havia maiores

restrições. Redundavam em incentivo para as conquistas. A expansão

européia, a questão das investiduras, o poder temporal e o enriquecimento

material da Igreja provoca distúrbios bélicos, degenerescência do

humanitarismo e dos valores morais; predominância da corrupção e dos

interesses materiais. A milenar palavra de Paulo, pronunciada no alvorecer do

cristianismo, sobre o amor e a caridade, havia caído em completo

esquecimento, ou melhor, não era a tônica do suceder histórico. Naquele

momento (séculos XII, XIII e XIV) o que interessava, tanto aos imperadores

quanto aos papas era acumular riquezas, poder, notoriedade. São Francisco de

Assis (1182 / 1226) puxa o cordão da tentativa de recuperação dos valores

cristãos. Seus poemas reprovam o materialismo conquistador e colonialista.

8 Os templários haviam conseguido acumular imensas riquezas. As casas da Ordem contavam-se por milhares nos

países europeus; fortalezas que recebiam depósitos de valores; reis, príncipes, bispos, grandes senhores, recorriam à Ordem quando se viam em embaraços de dinheiro. Os Templários tornaram-se, por encargo dos papas, os administradores dos fundos destinados às cruzadas. Eram os banqueiros dos reis, príncipes e prelados. Foi esse poderio que motivou a ruína dos Templários, no começo do século XIV (Grande Enciclopédia... 1971).

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Obedecer a autoridades e prelados corruptos era tremendamente doloroso

para o cidadão. O poeta então diz:

"Se acaso o súdito vê algo melhor e mais útil à sua alma do que aquilo que o prelado lhe ordena, sacrifique a Deus o seu conhecimento e se aplique com firmeza a cumprir as ordens do prelado, pois nisto é que consiste a verdadeira obediência feita com amor, que agrada a Deus e reveste a bem do próximo" (Esser, 1979: 140).

Mas ao mesmo tempo adverte que acumular riqueza em uso do

cargo de prelado é perigoso para a salvação da alma. "Os que estão

constituídos sobre os outros não se vangloriem dessa superioridade mais do

que se estivessem encarregados de lavar os pés aos irmãos" (Esser,

1979:141). Francisco de Assis percebe que o materialismo dos tempos

romanos estava de volta, avançando sobre a natureza com uma enorme

voracidade de destruição e posse. O poeta coloca tudo na natureza como

criação de Deus e, portanto, tudo como seu irmão: o sol, a lua, o pássaro, a

água, o pato, o jumento e boi. Daí sua recomendação no sentido de não criar

animais e nem utilizá-los ou explorá-los economicamente.

Francisco de Assis via o maometano de forma diferente de seus

contemporâneos. Como estava escrito no Evangelho que era preciso amar

todos os homens, inclusive os nossos inimigos, era-lhe impossível traduzir isso

por atacá-los e matá-los. Achava que também o maometano, inimigo ou não,

era um irmão e não se matam irmãos para alcançar um fim sagrado. Mas o

Papa Inocêncio III, ao invés do Evangelho, busca a profecia e escreve em

1213: "Parece que o dia da libertação está realmente próximo: o poder do islão,

cuja duração está indicada no Apocalipse, está agora no fim" (Doornik, 1977:

116).

A nobreza portuguesa, ambiciosa, truculenta e cruel na disputa com

seus próprios pares, impiedosa no relacionamento com as classes subalternas,

estava em aguda contradição com a doutrina do Cristianismo. Qualquer ação

praticada em nome do cristianismo e sob a sombra da cruz era sacralizada,

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mesmo que com todo requinte de perversão. O rei pregava justiça entre os

súditos mas, no interior do castelo, abusava sexualmente de suas criadas. As

fortunas eram adquiridas de forma indecorosa. Um documento de 1227 revela

que “os juizes em Lisboa não ousavam resolver as queixas apresentadas pelos

pobres, porque os poderosos disso os impediam” (Saraiva, 1998: 62). Dom

Afonso Henrique (1111 / 1185) já era rei de Portugal quando, certo dia, foi

visitar o Conde D. Gonçalo de Souza na sua Quinta da União. O conde foi

preparar a comida para o rei que aproveitou-se de sua ausência para fazer

amor com a condessa. Quando voltava com a comida, viu a cena e não gostou.

Limitou-se a dizer: “Levantai-vos que a comida já está pronta”. O rei pôs-se a

comer. Mas enquanto isso o conde mandou tosquiar a condessa e devolvê-la à

casa dos pais, montada em uma besta mas virada para o rabo do animal.

Fernão Mendes, o Bravo, filho do Alferes-mor de D. Affonso Henriques, matou

sua mãe porque esta fizera uma intriga entre ele e sua amante que mantinha.

Fernão Mendes mandou cozê-la viva dentro de uma pele de urso e deu-a a

comer a seus cães de caça. Contam ainda, que o espanhol Gonçalo

Rodrigues, depois de tomar parte em uma expedição contra os mouros,

quando chegou o momento de repartir o saque entre os cavaleiros achou que

lhe davam menos que o devido. Insultou o fidalgo que fazia a partilha. Um

cavaleiro entrou em luta contra ele e foi abatido com um golpe de espada.

Gonçalo Rodrigues fugiu para Portugal e foi acolhido por Dom Sancho II

(1202/1248), tornando-se um poderoso senhor. Certo dia chegou-lhe a notícia

de que a mulher, que estava no Castelo Lanhoso, o atraiçoava com um frade

do Bouro. Correu lá, fechou as portas do Castelo e queimou as pessoas,

animais e coisas do castelo. Perguntaram-lhe porque não queimara apenas a

mulher e o frade. Respondeu simplesmente que havia sido traído por todos

(Saraiva, 1998; 66).

Inês de Castro, dama da mais alta estirpe castelhana descrita como

muito bela, acompanhou a infanta dona Constança, quando esta ia se casar

com o príncipe português, Dom Pedro, filho de Afonso IV, rei de Portugal. O

príncipe apaixonou-se por Inês de Castro, com a qual teve quatro filhos. Os

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irmãos de dona Inês, que também eram castelhanos gozaram de favores do

príncipe. Os protegidos do rei Afonso IV exigiram do mesmo o assassinato de

Inês de Castro para afastar o perigo da preponderância de Castela sobre

Portugal, o que ocorreu no dia 7 de abril de 1355. O príncipe apoiado por

nobres espanhóis, reagiu com força armada contra o pai, convulsionando a

nação. Os artistas aproveitaram muito do tema: músicos, dramaturgos, poetas

e prosadores, entre os quais o poeta Antonio Ferreira (1558). O mais

importante poema sobre Inês de Castro foi de Fernão Lopes (1380/1460). Trata

em poesia a vingança de D. Pedro I (1320/1367) contra os assassinos de sua

amante. Para ter os executores de Inês de Castro em mãos, o rei de Portugal

fez um acordo com o rei de Castela comprometendo-se lhe mandar os

refugiados políticos castelhanos homiziados em Portugal. A esse acordo de

troca o poeta chama de escambo e parece querer dizer do mau caráter

vingativo e negocista de Dom Pedro.

"... A maneira de sua morte, sendo dita pelo miúdo, seria mui estranha e crua de contar, ca mandou tirar o coração pelos peitos e Pêro Coelho, e a Álvaro Gonçalves pelas espáduas; e quais palavras ouve, e aquele que lho tirava que tal ofício havia pouco em costume, seria bem dorida cousa d’ouvir; enfim mandou-os queimar; e tudo feito ante os paços onde ele pousava, de guisa que comendo olhava quanto mandava fazer. Muito perdeu el-Rei de sua boa fama por tal escambo como este, o qual foi havido em Portugal e em Castela por mui grande mal, dizendo todos bons que o ouviam, que os reis erravam muito indo contra suas verdades, pois que estes cavaleiros estavam sobre segurança acoutados em seus reino” (Goulart & Silva, 1975: 31).

Da mesma forma que devotar fidelidade ao rei significava a garantia

de privilégios, podendo os nobres praticar qualquer tipo de delito contra os

demais, traí-lo, certamente, redundava em desgraça total. Ficou célebre a

desapropriação que o rei Dom Sancho II fez a Dom Lourenço Fernandes, uma

fortuna enorme, na região de Guimarães. O que não foi possível aproveitar foi

destruído e incendiado. Para não cair em desgraça os senhores guerreiros e

potentados faziam canalizar para as mãos dos reis, fortunas incalculáveis,

passadas a herdeiros e a instituições militares. Na ordem da repartição desses

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tesouros a preocupação maior era com a defesa. Seguiam depois as

instituições religiosas (Saraiva, 1998: 74).

Finalmente, nos séculos XIII e XIV são legitimadas as fortunas

adquiridas através do comércio marítimo, contrárias às fortunas adquiridas pela

nobreza, quase sempre conseguidas através de força bélica. Conta-se que D.

Pedro Novais tornou-se prisioneiro dos mouros, pagando alto valor em resgate.

Ao libertar-se correu os reinos de Castela, Leão, Galiza e Portugal colhendo

donativos para pagar as dívidas do resgate. O que arrecadou foi muito superior

ao que devia. Com o saldo comprou muita mercadoria e esperou um momento

de carestia para vendê-la por altos preços, acumulando enorme fortuna.

Portanto, a fortuna de Pedro Novais tem uma dupla origem: a guerra e o

comércio. O século XIV que foi o momento de preparação para as grandes

viagens marítimas, foi de considerável aumento das atividades comerciais,

intensas desde o século XVIII9. É em face desse comércio que Lisboa se

transforma numa grande cidade mercantil, superando os demais centros de

Portugal e assumindo a condição de capital. Intensifica não somente a

importação para as inúmeras feiras de Portugal, mas também a produção para

exportação de azeite e vinho. Esta situação gera uma crise interna que é a

escassez de trigo que perde o lugar para os produtos de exportação. Os

interesses em poder da nobreza começam a se esvaziar em função da fuga de

trabalhadores dos morgadios para as chamadas vilas. Com isso a nobreza

entra em choque com os comerciantes judeus e portugueses (Saraiva, 1998:

98).

A Revolução de 1383/85 colocou em recesso a nobreza e em

evidência a burguesia. Foram os burgueses, aliados a alguns nobres, que

decidiram a morte do conde de Andeiro, um aventureiro galego que dispunha

de grande poder político e que se constituía num entrave às mudanças

propostas. Assume o poder D. João I, (1357/1433), mestre da ordem militar de

9 A palavra caravela aparece escrita pela primeira vez no foral de Vila Nova de Gaia, de 1255. Indica a intensificação

do comércio por mar. Duas décadas antes mais de cem marinheiros mercantes portugueses obtiveram do rei da Inglaterra salvo-conduto contra os ataques dos corsários. Já havia até uma espécie de seguro chamado bolsa, para cobrir os prejuízos provindos de sinistros marinhos (Saraiva, 1998: 96).

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Avis, filho bastardo de D. Pedro I. Sublevada contra a regente e contra os

nobres, a população de Lisboa assumiu a direção dos acontecimentos. Os

mosteiros e o chamado “povo miúdo” proclamaram o mestre de Avis “regedor e

defensor do reino”. Segundo narração de Fernão Lopes, os burgueses

hesitavam em participar do movimento, porque receavam arriscar as fortunas.

Um tanoeiro, (operário consertador de tonéis) falando em nome da multidão,

reunida em volta da Câmara, intimou os burgueses dizendo que “ele tanoeiro,

não tinha mais que arriscar que a garganta; os ricos cidadãos tinham mais a

perder; mas se não dessem o acordo à decisão do povo, não salvariam seus

pescoços” (Saraiva, 1998: 119). A Revolução proporcionou reformas e relativas

transformações. Curioso como Fernão Lopes, muito antes de Giovanni Battiste

Vico (1668/1744), a história do mundo dividia-se em seis idades e a sexta seria

a última em progresso10. Fernão Lopes entendia que, com aquela revolução

portuguesa, começara a sétima idade. Tudo era tão novo que parecia não ser

realidade. Homens humildes e pobres feitos cavaleiros. Outros se apegaram às

antigas fidalguias, de que já não era memória. Mas o que havia de novo era a

centralização do poder nas mãos do rei. O caso de Nuno Alvares Pereira ilustra

a força do rei sobre qualquer outra instituição.

Consolidada a posse de Ceuta em 1418, o infante Dom Henrique

(1394 / 1460), filho de D. João e de D. Felipa de Lancastre, mesmo que não

tenha fundado uma escola de navegação, foi de enorme importância para o

desenvolvimento das técnicas náuticas. Chamou do estrangeiro cosmógrafos e

matemáticos e com eles alguns cavaleiros de sua casa e se entregou ao

estudo das cartas marítimas. Ao morrer deixou reconhecida a costa africana

até Serra Leoa. Trinta e sete anos depois Vasco da Gama realiza o sonho de

D. Henrique.

É claro que todo o móvel da história inventariada acima, da tomada

de Ceuta até o descobrimento do Brasil, é o interesse material que se colocou

10 A concepção de Vico, em “história ideal” é a de três idades históricas, ou três fases que sempre se repetem. A

primeira é a história dos deuses, em que os homens foram pouco mais que animais. A segunda, a história dos heróis, em que os homens eram bárbaros mas poetas, governados pelos aristocratas. A terceiras é a fase humana, que começa com lutas internas contra os governantes, espécie de lutas de classes, com a conquista de um direito seguro e escrito, superior ao direto natural, culminando com o estabelecimento de repúblicas (Sciacca, 1966: 123).

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acima do espiritual. Mesmo que o Infante D. Henrique tenha sido uma fortaleza

moral que os santos portugueses tenham contribuído para o triunfo do

cristianismo, tudo redundou em contabilização de tesouros: as ideologias

asseguraram as condições de funcionamento dos sistemas de carrear riquezas

para as classes privilegiadas. A necessidade de ouro, prata e trigo

determinaram o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, do apetite de lucro

e do desejo de guerra. O povo, representado pelos pescadores, mareantes e

todas as categorias de trabalhadores, dependia do que vinha da conquista

ultramarina. O regresso dos marinheiros representava a possibilidade de

ocupação e de lucro. O livro de Marco Polo incentivava a saída de Portugal à

procura de riquezas e deixava o povo esperançoso à volta do aventureiro.

Mesmo que a burguesia endinheirada estivesse próxima do rei, a nobreza não

perdia poder. Como diz Fernão Lopes: “Homens de tão baixa condição que não

cumpre de dizer, protestam em 1455 contra o fato de o rei privilegiar alfaiates,

sapateiros, barbeiros, lavradores, pessoas que fazem vergonha aos vassalos

que os são por linhagem”. Na verdade a nação portuguesa conservou as

ideologias que privilegiavam a vida marítima, a aventura, a guerra. O homem

continental português foi sempre discriminado. A vida econômica concentrava-

se no litoral, e ao mesmo tempo a atividade governativa do Estado

especializava-se na economia militar ultramarina. Era um estado de olhos

voltados ao mar, mas por isso mesmo de costas voltadas para a nação interior.

A vida campesina entrou então numa estagnação profunda, conservando até o

final do século XIX, numerosas sobrevivências medievais (Saraiva, 1998: 147).

Os portugueses buscavam as riquezas pela forma das guerras de

cavalarias, extensão cruzadista e através do comércio exterior. Em pleno

século XV os portugueses preparam-se para uma enorme guerra de cruzada. A

tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, foi ponto de partida para

invasões em direção à Europa Central, chegando a Belgrado em 1556. O papa

mandou pregar a cruzada contra os infiéis. A Europa não atendeu ao apelo do

papa. Mas D. Afonso V (1432 / 1481), encarnando a vocação de seus pais e

avós, havia se tornado fanático guerreiro e acolhe com garbo o pedido do papa

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Calisto III. Entre as escrituras de seu pai, D. Duarte (1391 / 1438), duas por

certo, o influenciou: a primeira “O leal conselheiro”, segundo o próprio autor é o

abc da lealdade, um elucidativo escrito moral. Há nele muitas lições de coisas

variadas. A segunda é o “Livro da ensinança de bem cavalgar a toda sela”.

Tem caráter didático e filosófico com ensinamentos e conselhos sobre a arte da

cavalaria. A equitação era muito mais que um exercício físico ou uma

preparação militar; acompanhava a formação moral do homem e a sua

emancipação; estava ligada aos mais altos ideais de vida: a honra, a justiça, o

heroísmo a lealdade ao rei e o respeito pela mulher11. (Figueiredo, 1960: 103).

Na opinião de Gama, há um certo projeto ou ideal de Portugal e do povo

português que “O leal conselheiro” reflete as preocupações profundas de um

rei que ausculta os sinais de decadência e de ressurgimento da nação. A obra

propõe um modelo de comportamento conservador, manifestado na própria

conceituação de lealdade, isto é, lealdade a Deus e por extensão ao rei,

encarnação da divindade. “... e todos estes por lealdade recebem grande

ajuda para serem bem governados; ou de todos eles a lealdade é grande e

principal fundamento” (Gama, 1995: 79).

D. Afonso V informou o papa de que iria com doze mil combatentes

lutar contra os turcos, com recursos próprios para aquisição de navios;

cunhagem de moeda de ouro, tomando a denominação de “cruzado” em face

de sua finalidade. Essa moeda tinha circulação garantida no ocidente cristão.

Como o papa faleceu em 1458, a idéia de guerrear os turcos foi abandonada.

D. Afonso V aproveitou os preparativos e atacou Alcácer Seguer, praça forte

dos mouros, entre Ceuta e Tânger. Depois de fracassar na guerra de Tânger,

mais tarde, conquista Arzila. Os mouros abandonaram Tânger e o rei cavaleiro

a ocupou em 1471. Toda a riqueza com o direito de saque do vencedor foi a

crédito da nobreza ávida de poder hegemônico.

Portanto, a diversos segmentos sociais interessavam os

descobrimentos e as explorações. Para clérigos e nobres a conquista

11 É daí que vem o termo cavalheiro e cavalheirismo.

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redundava em cristianização, forma de servir a Deus; servir o rei e de merecer

por isso as recompensas concomitantes: comendas, tenças, capitanias, ofícios.

Para os mercadores era a perspectiva do bom negócio, das matérias-primas

colhidas na origem e revendas com bom lucro. Para o rei era um motivo de

prestígio, uma boa forma de ocupar os nobres e, sobretudo a criação de novas

fontes de receita, numa época em que os rendimentos da coroa tinham caído

muito. Desta convergência de interesses só ficavam fora os lavradores

proprietários agrícolas que perdiam (Saraiva, 1998:128)

O clima cultural da segunda metade do século XV, detectado a partir

da produção literária, sintonizado com a ordem social vigente, confere com o

conteúdo de “O cancioneiro geral”, de Garcia de Resende (1470 / 1536), do

último quartel do século. Inspira-se no sentimento de ufania das glórias de

Portugal, então no auge do seu ascendente no mundo. A par de feitos ilustres

na navegação e na conquista, de que Resende traça um quadro eloqüente, ao

mesmo tempo em que continuava valorizando o cultivo da elegância e da

gentileza (Figueiredo, 1960: 107). O tema preferido da poesia passa a ser o

amor, associado ao heroísmo cavalheiresco. A nação estava em festa. D.

Manoel I determinava que em todo o país se festejasse triunfalmente o

regresso de Vasco da Gama e de Cabral. Os chefes das expedições já não

eram os homens práticos das lides do mar, mas altas figuras da nobreza

cortesã, que disputavam nomeações e as correspondentes fortunas.

O século XVI foi o período da expansão portuguesa para o extremo

Oriente. Quando se diziam “Índia” referiam-se não somente à Península

Indiana mas todo o mundo oriental, desde o Cabo da Boa Esperança ao Japão

e aos arquipélagos do Pacífico. Observa Saraiva (1998) que uma parte dessas

ocupações estava a serviço do rei, feitorias comerciais, cidades e fortalezas

que serviam de base ao comércio oriental. A outra parte era da exploração

particular ou iniciativa privada que muito contribuiu para a expansão

portuguesa. A sede da organização colonial portuguesa no Oriente era Goa.

Foi também Goa o ponto de partida para um amplo movimento de expansão do

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catolicismo, que visava a conversão de toda Ásia. Aí os portugueses edificaram

uma cidade européia com grandes prédios renascentistas, dos quais restam

poucas lembranças. Foi a partir do período administrativo de Afonso de

Albuquerque, de 1509 a 1515, que se colocou em prática um plano de

integração racial, por meio de casamento entre portugueses e mulheres de

Goa12. A miscigenação resultou em uma população que falava português, mas

se dividia entre o hinduismo e o catolicismo.

Mas o comércio dos portugueses, da Ásia para a Europa era

basicamente o das especiarias. Era atividade puramente comercial de vez que

não produziam e nem eram donos de terras na Ásia. A vantagem que tinham

sobre os italianos era a de ir diretamente do produtor ao consumidor. Essa

atividade não era pacífica de vez que os portugueses tinham que lutar contra

os mercadores árabes. Ajuntava-se às atividades legais exercidas através de

contratos, os contrabandos e os corsários que saqueavam outros marinheiros.

O personagem de Fernão Mendes Pinto, (Pinto, 1998) corsário Antônio Faria,

em “Peregrinação”, reflete o ideal de homem do mar para os portugueses: em

nome de Cristo, mata e saqueia sem a menor piedade. Diogo do Couto em

suas “Décadas da Ásia”, conta que D. João III que reinou de 1521 a 1557,

estava pobre pelas muitas despesas que se tinham feito nas grandes armadas

à Índia e tendo sido informado da existência de um pagode no reino de Bisnagá

onde havia um infinito tesouro de casas cheias de ouro e com pouca guarda,

mandou que o governador da Índia, Martin Afonso de Souza, fundador da vila

de São Vicente no Brasil, “lá fosse em pessoa com uma armada, com o que

ficaria o Estado tão rico e próspero, que poderia prosseguir nas conquistas e

enriquecer a Índia bem como todo o Reino de Portugal”. Comenta Araújo

12 A população de Goa era formada pelos imigrantes dos estados vizinhos da Índia redundando em uma minoria

significativa. Alguns eram artífices, ourives, carpinteiros, caldeireiros e barbeiros. Além disso, muitos eram mercadores que negociavam especiarias, tecidos e produtos alimentares. Árabes, persas, armênios e judeus estavam representados na comunidade goesa. As fontes dos séculos XVI e XVII são mais informativas acerca da população de Goa, de origem européia e euro-asiática. À parte, um número relativamente pequeno de fidalgos, homens de leis e burocratas, que monopolizavam as posições políticas e militares mais lucrativas do Estado da Índia. Eram tantos os portugueses morando em Goa que criaram as categorias de casados, soldados e religiosos. Os casados eram pessoas que iam prestar serviços em Goa e que se casavam com asiáticos. Os soldados também se casavam em Goa. Muitos não voltavam para Portugal. A presença do Clero em Goa do tempo dos Habsburgos foi notável. Algumas igrejas paroquiais eram construções esplêndidas, mas poucas igualavam em tamanho e magnificência os numerosos conventos, mosteiros e outras edificações religiosas espalhadas pela cidade. Entre os mais importantes, contava-se o Colégio de São Paulo, a maior escola jesuíta da Ásia, com setenta religiosos e dois mil estudantes (Disney, 1981: 36).

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(1992) que a singularidade desse fato está em que, enquanto os assaltos e

morticínios anteriores eram de iniciativa dos capitães das armadas, esse fora

ordenado pelo próprio rei, que envergonhado por tal procedimento, mandou a

ordem em caráter secreto.

Bonfim (1993) mostra como a colonização na Índia e na China foi

movida à corrupção e jogo de interesses. Conta que D. Duarte de Meneses

substituiu um governador amigo dos portugueses, por um outro querido dos

mouros, porque este lhe deu cem mil párduas em xerafins novos e em conta,

ricas pérolas, jóias e alfofares. Os capitães seguiam o exemplo dos

governadores. Em Hormuz, Diogo de Melo queria matar o sultão porque este

não queria dar-lhe dinheiro. Os soldados roubavam, os capitães roubavam com

eles. As fortalezas eram compradas por dinheiro aos vice-reis: um rapaz

imberbe pagou uma dessas por um saleiro de prata em serviço de mão, isto é

artesanal. Compravam capitanias por duzentos párduas. Provido no lugar de

capitão faziam-se mercadores e contrabandistas, conluiando-se com os

empregados, fiscais, mouros e judeus. Como negociantes, à imagem do rei,

exigiam também em favor próprio um monopólio. Na função de fiscais

roubavam os navios e as cargas. Os lucros do comércio não lhe bastavam e o

roubo vinha engrossar o rendimento das capitanias.

“Isso não escandalizava a ninguém. D. Manuel e seus conselheiros têm um plano só: explorá-las e arrastar para Lisboa por quaisquer meio as riquezas do Oriente. Sistema e programa de governo foram coisas desconhecidas. D. Manuel perdoava tudo, os crimes, os roubos, as carnificinas e as brutalidades, os incêndios e piratarias, que lhe mandassem o que ele, sobretudo ambicionava: curiosidades, primores e riquezas. Manda pimenta e deita a dormir, dizia Tristão da Cunha a seu filho governador. O saque da Índia ia ordenado de Lisboa” (Bonfim, 1993: 96).

Os portugueses não se interessavam pelo interior. O declínio do

poder naval a partir de 1588 desativou o projeto expansionista. Os holandeses

assumem a supremacia marítima e passam a destruir as fundações

portuguesas. Ocupam Malaca e se estabelecem em Ceilão.

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Agora as atenções se voltam para o Brasil. Ao se tratar o início de

exploração das terras conquistadas pelos portugueses na América tem-se um

referencial diverso do espanhol. São conhecidos os livros de pessoas que

conheceram a América. Havia um certo interesse, mas de forma exótica.

Idealizam o novo ou imaginavam o mundo de forma distorcida e radical: inferno

ou paraíso. Foi a força das lendas sobre riquezas e maravilhas que aumentou o

interesse pela colonização e exploração. Segundo Holanda (1959), a Espanha

foi mais sensível ao lendário do México, do Peru e da Amazônia, bem como às

fantasias que Portugal, com relação ao Brasil. Além da riqueza dos mitos e das

fábulas dos espanhóis, a colonização destes foi mais monumental. Entrou em

contato com grupos humanos de nível bem mais elaborado; a aventura foi mais

espetacular que no Brasil. No Brasil, só mais tarde, o que se contou foi a idéia

de maravilha com o ouro e a pedra preciosa. As mesmas manifestações

sobrenaturais que em toda parte e em quase todos os tempos formaram como

que o cortejo mágico e o resplendor das minas preciosas. O que o historiador

quer mostrar é o enorme interesse do reino português pelas riquezas minerais

e produtos de alto interesse comercial na Europa. O mais não passa do

exotismo ou da curiosidade com relação à fauna; o interesse pela ampliação do

território. O Brasil não despertou interesse humano logo que descoberto. Os

habitantes da terra, enquanto homens, só eram considerados por alguns

abnegados religiosos.

Barboza Filho (2000), através da produção literária, confirma que as

transformações sociais, econômicas e políticas são gravadas na mentalidade

artística ao longo do século XVI, em Portugal e nas demais regiões da Europa.

Portugal é o intermediário entre o produtor asiático e o consumidor europeu. A

internacionalização das relações comerciais corresponde à internacionalização

do fato cultural. Mendes Pinto e Camões são viajantes e escritores. João de

Barros que dirigiu a Casa da Índia, escreveu as “Décadas da Ásia”. Da mesma

forma que os bens de consumo vêm de fora, os textos literários estão repletos

de elementos externos: paisagens, personagens, protagonistas, mitos,

mistérios e tudo que o Oriente oferece para a curiosidade européia. Eram

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novas histórias de sentido contrário ao medieval: homens aventureiros,

ambiciosos, heróis, inteligentes e ardilosos fazem o ideal dos vencedores do

mundo. No plano político, Maquiavel trata a sabedoria dos príncipes em suas

relações exteriores; desobriga o príncipe de submissão a preceitos morais que

prejudiquem sua dominação. Embora a escritura de Maquiavel não tenha sido

conhecida em seu tempo (1513), era o que por extensão se praticava no reino

português do século XVI. Em Roma não é diferente a partir do pontificado de

Alexandre VI, de 1492 a 1503. Foi o mais inescrupuloso dos papas:

mulherengo e ávido por dinheiro. O espírito da época continua com o papa

Júlio II, Giuliano della Rovere, pontífice de 1503 a 1513. É um imperador

guerreiro que faz emitir moeda com sua própria efígie (Miradouro, 1989: 1485).

Segundo Reale (1990) o Renascimento significa a restauração dos

valores do mundo clássico antigo, desprezando toda a cultura medieval. Se os

navegadores procuraram novos conhecimentos ou novas tecnologias náuticas,

adotaram também procedimentos bélicos diferentes dos cruzados, explorando

o mar como os gregos e os romanos antigos. Os modelos de heróis são os

ambiciosos guerreiros de Homero: Ulisses, Menelau, Aquiles e Ajax13. Os

textos de “Ilíada” e de “Odisséia”, de Homero, registram o apego dos gregos a

objetos de valor, acúmulo de riquezas, associado a poder, prestígio e triunfo.

Sem falar de causa e conseqüência da filosofia e da religiosidade naturalistas

na Grécia Antiga, é certo que os textos de "Ilíada" e "Odisséia" de Homero,

registraram o apego dos gregos a objetos de valor, acúmulo de riquezas,

associado a poder, prestígio e triunfos. Em "Odisséia", Ulisses, de volta a Ítaca,

confessa a Alcino na Esquéria, que seria mal recebido em casa, se voltasse de

mãos vazias: "Mais estimado hei de ser e acolhido com mais reverência; Por

13 A maior divindade grega era Zeus, considerado o justiceiro, protetor dos fracos e oprimidos. Responsável pelos

acontecimentos naturais que faziam abater sobre a terra terríveis castigos; autor das dádivas celestiais. Pertencia à segunda geração divina, chegando ao poder e atacando seu próprio pai, o titã Cromo, em luta que durou dez anos. O Olimpo foi dividido com os titãs que o ajudaram. A partir de então torna-se um conquistador de poderosas, belas e ricas mulheres com as quais teve muitos filhos. Em troca de carícias, Zeus prestava favores às suas amantes mortais e às divindades femininas com as quais se unia. Comportava-se como um político ambicioso, temido e bajulado por heróis, guerreiros e reis, a exemplo de Ulisses. Segundo Homero e Hesíoso, pode-se dizer que tudo é divino, porque tudo o que ocorre é explicado em função da intervenção dos deuses: os raios e os relâmpagos são arremessados por Zeus, do alto do Olimpo; as ondas do mar são provocadas pelo tridente de Posseidon; o sol é levado pelo áureo calor de Apolo e assim por diante. Mas também a vida social dos homens, a sorte das cidades, das guerras e da paz são imaginadas como vinculadas aos deuses de modo não acidental e, por vezes, até mesmo de modo essencial (Reale, 1990: 17).

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quantos homens em Ítaca à minha chegada assistirem" (Odisséia - XI - 360-

361 - In: Nunes, 1996).

Menelau oferece a Ulisses riquíssimos presentes trabalhados em

ouro e prata, cavalo, taça de ouro maciço e também parelhas de mulas

robustas.

"Que es de bom sangue, meu caro, se vê pelo modo que falas. Outros presentes vou dar-te em lugar dos primeiros, que o posso. De quantas coisas precisas em casa se encontram guardadas. Quereo oferecer-te a mais bela e de mais estremada valia. Dou-te uma taça de fino trabalho e de linha artística..." Obra de Hefeto, presente de Fédimo, ousado guerreiro .... (Odisséia IV - 610-618 - In: Nunes, 1996).

Antes de partir para Ítaca, Arete, esposa de Alcino recomenda a

Ulisses que prestasse atenção na maneira de fechar o baú em que ela acabara

de depositar os ricos presentes que lhe tinham sido reservados, querendo

prevenir o herói contra assaltos em navios.

“Nota tu próprio o feito da tampa e lhe passa um bom laço”, de forma tal que ninguém no caminho te lese, ainda mesmo que durma sono agradável de novo, no escuro navio" (Odisséia, VIII, 433-5, In: Nunes, 1996).

Na viagem, Ulisses passa por diversas aventuras: permanece vários

anos detido na ilha de Calípso em função da deusa que o ama; é socorrido,

semimorto de frio e fome por Nausica, filha do rei. Conta aos cortesãos o que

lhe sucedera anteriormente: visitara a ilha de Circe e o país dos mortos;

atravessara o mar entre Caribe e Cila; conhecera as sereias a cujo canto

resistira. Ao chegar a Ítaca disfarçado em mendigo, encontra-se com Penélope,

que há vinte anos o esperava e finge dar a ela notícias do marido.

O que se continua a presenciar na Ilíada é a trama formada com os

desígnios de Zeus, que por súplica de outras divindades femininas, em favor de

uma ou de outra parte, determina vitórias ou derrotas. O poeta privilegia os

personagens dotados de ambição de poder, de luxo, de riqueza, narrando os

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objetos de metais nobres como ouro e prata. A discórdia entre Aquiles e

Agamemnone por causa de uma jovem e bela escrava possuída como despojo

de guerra acaba por provocar a guerra de aquivos contra troianos. Tétis leva a

Zeus um pedido de interferência contra os troianos. Aquiles havia tomado de

Agamemnone uma escrava. Zeus se irrita com Aquiles e dá a vitória aos

troianos como castigo ao grande guerreiro. O mais interessante é a premiação

aos vitoriosos que nos duelos ou nas batalhas oferecia como incentivo aos

conquistadores coloniais.

“Alevantando, aos Aqueus valorosos, então, se dirige: Ora convido dois fortes guerreiros, dos mais destemidos, devidamente amesados e armados de bronze cortante, a experimentarem as forças à vista de todos os Dâneos. O que em primeiro lugar conseguir volnerar a epiderme do opositor, através da couraça até o sangue anegrado, receberá como prêmio esta eespada de cravos de prata De Asteropeu, conquistado por mim; é trabalho da Trácia. Os dois campeões ficarão com as armas do claro Sarpédpme e em minha tenda hão de Ter, hoje mesmo, um banquete magnífico ... Que se apresentem, agora os que a prova tentar desejarem. Para cinco anos terá provisão suficiente de ferro Quem conquistar este globo; e se longe seus campos ficarem, nunca há de ferro faltar-lhe, sem ver-se obrigado a incumbência, dar a um dos homens, colono ou pastor, de à cidade ir comprá-lo” (Ilíada: canto XXIII, versos de 800 a 835. In: Nunes, 1996).

A partir da liga de Delos, que reuniu as cidades marítimas da Grécia

sob a direção de Atenas, pela ascensão dessa cidade à condição de potência

marítima e comercial, provocou despeito e inquietação de Esparta, Atenas

constituía-se em um centro mercantilista, isto é, uma intensa troca de

mercadorias por moedas. O mercantilismo não se faz pelo mercado livre, mas

pela coerção de uma potência e o resultado lucrativo redunda em favor dessa

potência. Como em Atenas eram muitos os beneficiados com a supremacia

colonial, foi implantado um regime “democrático”, que visava ratear os

benefícios obtidos pelas classes dominantes.

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Os poemas de Homero coincidem com o momento grego de maior

expansão colonial, séculos VIII e VII a.C. A colônia grega “apokia” possuía leis

próprias e certa independência política, embora qualquer rebeldia ou

desacordo, fossem respondidos com a guerra. Com isso os gregos garantiam o

controle dos pontos estratégicos que lhes asseguravam escalas nos grandes

caminhos marítimos e detenção dos locais de passagens obrigatórias dos

navios a exemplo de Tróia. Levando a religião e o temor de seus deuses e

mitos e sua cultura os gregos estabeleciam as feitorias comerciais por todo o

Mediterrâneo, na Gália e na Espanha, sem maiores resistências por estas.

Lisboa é a cidade ulíssipa, consagrada a Ulisses que a teria fundado.

O século XVI em Portugal foi de enorme efervescência intelectual. O

fluxo de novas idéias transportado por navegantes através da narração verbal e

de publicações gráficas gerou a proibição da posse e leitura de livros

constantes dos “índices expurgatórios” ou catálogos de obras nacionais e

estrangeiras consideradas subversivas pela inquisição. Todos os exemplares

existentes deviam ser entregues pelos possuidores e eram apreendidos onde

quer que fossem achados. A queima de livros era uma das solenidades do

chamado “auto-de-fé”. A produção literária interna era submetida à censura do

Santo Ofício “A Peregrinação”, de Fernão Mendes Pinto só foi publicada 34

anos depois de concluída. As obras de Gil Vicente e de Camões sofreram

cortes e remendos deformadores, levados a conhecimento somente pelos

historiadores do século XIX.

Mas apesar de tanta vigilância os escritores do século XVI

ofereceram preciosos sinais sobre as diretrizes, as ordens vigentes, as

ideologias que favoreciam os colonizadores.

Diversos interesses e valores sociais dirigiam a atuação dos

indivíduos ligados à exploração dos indígenas, pertencentes a diversos

estamentos da sociedade colonial: primeiro era o colono, para o qual submeter

os indígenas eqüivalia tomar-lhes as terras; convertê-los à escravidão; usar

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sexualmente suas mulheres; tratá-los como objetos e negociá-los. O segundo

estamento era o administrador ou agente da coroa que compartilhava dos

interesses mencionados, mas que era obrigado a amenizá-los, por causa da

pressão das circunstâncias, como por exemplo, a coleta do pau-brasil e outras

utilidades, coexistia com a exploração agrícola através do apresamento de

índios. Para a coroa havia a possibilidade de utilizar as tribos “aliadas” como

instrumento de conquista e de controle dos territórios ocupados. Além de

oferecer às tribos “aliadas” algumas garantias, a coroa ameaçava os rebeldes

com a chamada “guerra justa” e o direito de escravizá-los. O terceiro, os

jesuítas, cujas atividades contrariavam, com freqüência, os interesses dos

colonos e as conveniências da coroa, mas concorriam igualmente para atingir o

fim essencial, que consistia em destruir as bases de autonomia das sociedades

tribais e reduzir as povoações nativas à dominação do branco (Fernandes,

1963: 83).

A obra dramática de Gil Vicente (1465/1537 ±) voltou-se criticamente

para seu tempo, numa sociedade ociosa e carente de bens materiais. Nos

autos religiosos e nas farsas populares ninguém escapou de seu penetrante

olhar satírico: nem o clero, nem a nobreza, nem o povo. Numa sociedade em

ebulição pela chegada de riquezas nunca vistas que colocava Lisboa como a

Corte mais rica da Europa, poucos continuavam a se preocupar com a

produção. Importava-se de tudo. Era mais fácil adquirir bens como ouro e as

especiarias provenientes das navegações, ficando o trabalho mais pesado com

os escravos capturados na África e na Ásia. Nessa situação, a população rural

deixava o campo e corria para Lisboa; os artífices afastavam-se das

manufaturas, os fidalgos acotovelavam-se em torno do palácio real,

desorganizando-se assim a produção. Todos, inclusive o clero, procuravam

usufruir desse vertiginoso afluxo de riquezas. O tipo mais intensamente

observado e satirizado por Gil Vicente é sem dúvida o clérigo, especialmente o

frade, presente em todos os setores da sociedade portuguesa, na corte e no

povo, na cidade na aldeia. Gil Vicente censura nele a desconformidade entre

os atos e os ideais, pois, em lugar de praticar a austeridade, a pobreza e

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renúncia ao mundo, busca a riqueza e os prazeres: é espadachim, blasfema,

tem mulher e prole, ambiciona honras e cargos; procede-se como se a tonsura

sacerdotal o imunizasse contra os castigos que Deus tem reservado para os

pecadores. A principal ambição dos clérigos para Gil Vicente, é bispar, ou seja,

tornar-se bispos ou prelados. Critica o espírito das cruzadas e da falsa

consciência religiosa que inspira a exportação da guerra; o episódio dos

cavaleiros na Barca do Inferno; parece desmedido no Atuto da Índia, onde um

soldado do Oriente confessa, na intimidade, não Ter tido outro propósito senão

o de enriquecer-se com a pilhagem guerreira. O espírito de cruzada servia os

interesses do rei (Saraiva & Lopes, 1985: 209).

Fernão Mendes Pinto (Pinto, 1998) viajante e escritor português, foi

cativo muitas vezes. Viajou por todo o Oriente acompanhando São Francisco

Xavier. No seu livro “Peregrinação”, publicado por iniciativa das filhas, em

1614, registrou as extraordinárias aventuras que viveu durante suas viagens.

Por isso inventaram para ele o seguinte trocadilho: “Fernão Mentes? minto! Foi

o Marco Polo da época moderna. Além de conferir todo o testamento de Marco

Polo, participou da história como ator e como autor, estando no meio dos

acontecimentos de corpo e alma. O narrador se mistura no ambiente e nas

tramas, na confirmação das reportagens de seu antecessor Marco Polo,

vivendo uma ambigüidade doutrinária angustiante de sua época. O inimigo

principal do cristianismo e de Portugal é o Islão. Contra ele trava-se sem trégua

a Guerra Santa (Saraiva & Lopes, 1985).

Lima (1998), em recente e minucioso estudo sobre a obra

“Peregrinação”, salienta a constante da violência como marca básica do

encontro entre os defensores das duas divindades rivais. A violência está

incrustada nas ideologias reinantes que sustentam a determinação de exclusão

dos rivais. Na guerra entre as duas divindades não deve haver mais que um

sobrevivente, porque para ambos, há apenas um Deus: o Deus de cada lado.

O Deus do adversário é sempre a encarnação do diabo que deve ser

esmagado. Aniquilar o mouro não é somente fazer desaparecer um homem,

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mas destruir um pedaço do Deus inimigo, que só será completamente

exterminado quando for dizimado seu último defensor. Não há alternativa; é

Cristo ou Mafamede.

Mendes Pinto narra a figura do aventureiro e corsário Antônio de

Faria que navegava por todo o Oriente, assaltando navios mouros. A figura de

um mau cristão que mata para roubar ou para vingar, é contemplada como

herói na causa contra o Islão:

“Antônio de Faria então bradando também aos seus lhes disse: à cristãos e senhores meus, se estes se esforçam na maldita seita do Diabo, esforcemo-nos em Cristo Nosso Senhor posto na cruz por nós que não há de desamparar por mais pecadores que sejamos, porque enfim somos seus o que estes perros não são” (Lima, 1998: 130).

Com a mesma radicalidade na qual trata o Islão, Mendes Pinto

mostra-se intolerante com a ignorância do gentio, embora com uma diferença.

O gentio não é um inimigo violento e cruel como Islão. Mas nesse caso a luta é

no sentido de atacar a “cegueira” com a luz de Cristo, para que fique provada a

superioridade da sua verdade. Por isso há que ser implacável com a

“bestialidade“ para que não persista nem prospere a ignorância, justificando a

doutrina jesuítica da catequese do gentio. Recorre à capacidade de luta do

jesuíta Francisco Xavier (1506/1552) salientando a velocidade com que elimina

os contendores asiáticos desqualificando seus argumentos. O argumento dos

bonzos é tão “bestial” que não oferece a menor dificuldade em destruí-lo.

Finalmente Mendes Pinto focaliza a guerra santa contra os maus cristãos.

Para ele, muitos portugueses, do capitão de fortaleza ao mais simples soldado,

são violentos, cruéis, cobiçosos e arrogantes, corruptos, egoístas e

mesquinhos. Na guerra santa há uma mistura de interesses. Novamente o

corsário Antônio Faria entra em ação. Certa vez, parada no Porto de Madel na

Cochinchina, ouviu vozes de portugueses pedindo socorro. Ao tentar socorrê-

los Antônio de Faria foi recebido a balas, terminando em uma tremenda batalha

naval. Os portugueses que pediam socorro foram retalhados a golpes de

espadas pelo corsário mouro Himinilau. Capturado por Faria, Himinilau

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confessou ter sido cristão, mas que em face de maus tratos pelos portugueses

havia tomado ódio do cristianismo. A forma cruel com a qual Himinilau decepou

as cabeças dos portugueses, inclusive a de uma formosa mulher e seu filhinho

no braço, justifica a vingança de Faria matando o rival. A guerra e a execução

do mouro são atos sagrados porque suas vítimas eram cristãs. O corsário

Antônio de Faria podia cometer qualquer tipo de crime que estaria salvo. Mas

Himinilau deveria morrer porque havia se perdido no relacionamento com maus

cristãos (Lima, 1998: 145).

O mais eloqüente proclamador da consciência épica portuguesa foi

Luis Vaz de Camões (1524/1580). Filho de pequenos nobres empobrecidos

freqüentou a Universidade de Coimbra onde entrou em contato com os autores

clássicos gregos e latinos, modelos do humanismo renascentista. A

surpreendente inovação do poema português está em que o tema é revelado

pela história de Portugal, embora seus heróis estejam simbolizados por figuras

da mitologia grega e romana: Baco na forma de Mouro; Mercúrio avisa aos

portugueses a cilada; Cupido arranja mulheres para os portugueses viajantes;

Lisboa é cidade de Ulisses; Ulisses navegador simboliza Vasco da Gama;

Heitor da Silveira, tratado como Heitor troiano; Hera, simbolizando Nossa

Senhora; Inês de Castro, Helena de Tróia; Duarte Pacheco Pereira é Aquiles;

compara a tempestade antes de chegar a Calicute, como a passagem entre

Cila e Caríbdis de Ulisses. “Os Lusíadas” (1572) é uma obra de ficção realista

com base no passado histórico, tentando a revivescência do caráter heróico

português. Transportando-se ao passado da viagem de Vasco da Gama

(1497), há três quartos de século da época em que escreve “Os Lusíadas”. A

data eixo da obra é 1497. O que se refere antes desta data é passado e tudo

que estiver depois de 1497 é futuro. A mentalidade registrada pela obra é da

época de D. Sebastião (1554/1578), o desejo que os portugueses tinham de

retomar as conquistas na Ásia e na África. Camões faz também ficção

antecipada. Júpiter revela a Vênus as futuras conquistas na Ásia, dizendo a ela

que não temesse os lusitanos e que a história iria se esquecer dos gregos e os

romanos, pois os lusitanos mostrariam novos mundos ao mundo. Veriam

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fortalezas, cidades e altos muros serem por eles edificados. Veriam os reis da

Índia subjugados pelo poderoso rei de Portugal e, como senhores de tudo, eles

dariam leis melhores às terras conquistadas, da Índia até a China. Previa a

tomada de Queluz, a conquista de Diu e de Goa que se tornaria a capital do

Oriente.

“Vereis a inexpugnável Dioforte Que dous cercos terá, dos vossos sendo. Ali se mostrará seu preço e sorte, Feitos de armas grandíssimos fazendo. Invejoso vereis o grão Mavorte Do peito lusitano, fero e horrendo. Do mouro ali verão que a voz extrema Do falso Mafamede ao céu blasfema” (Os Lusíadas, canto II, v. 393 / 400).

O poeta estabelece uma relação sincrética entre as figuras da

mitologia greco-romana e o cristianismo. Júpiter determina a Mercúrio que

acalmasse o mar para que os portugueses seguissem viagem para Melinde,

depois das dificuldades em Mombaça. Revelou aos portugueses o perigo que

corria e que deveriam afastar-se o mais rápido possível:

“Dizendo: fuge, fuge, lusitano, Da cilada que o rei malvado tece Por te trazer ao fim e extremo dano. Fuge, que o vento e o céu te favorece; Sereno o tempo tens e o oceano, E outro rei mais amigo, noutra parte, Onde podes seguro agasalhar-te” (Os Lusíadas, Canto II, versos 489 / 496).

Os lusitanos evocam o Cristianismo e determinam a partida.

“Daí velas, disse, daí ao largo vento, Que o céu nos favorece, e Deus o manda; Que um mensageiro vi do claro assento, Que só em favor de nossos passos anda” (Os Lusíadas, canto II, versos de 513 / 516).

Em Melinde os portugueses se apresentaram como conquistadores

e não como piratas.

“Não somos roubadores, que passando Pelas fracas cidades descuidadas,

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A ferro e fogo as gentes vão matando, Imos buscando as terras apartadas” (Os Lusíadas, canto II, v. 633 / 638).

Depois das incursões pelo futuro, Camões dá uma guinada para o

passado mais remoto da história portuguesa com narração do personagem

tripulante da expedição, Paulo da Gama, irmão de Vasco.

“Este é o primeiro Afonso, disse o Gama, Que todo Portugal aos mouros toma: Por quem no Estígio logo jura a Fama. De mais não celebrar nenhum de Roma. Este e aquele zeloso, a quem Deus ama. Com cujo braço o mouro inimigo doma. Pera quem de seu reino abaixa os muros, Nada deixando já para os futuros “ (Canto VIII, v. 81 / 89). [...] Vê-lo cá, donde Sancho desbarata Os mouros de Vandália em fera guerra; Os imigos rompendo o alferes mata. E hispálico pendão derriba em terra (Canto XIII, v. 153 / 156).

O reinado de D. Sebastião é uma época de sonhos de

revivescências dos tempos de D. Manoel. Camões viajante experiente,

conhecedor da história e das glórias do passado. D. Sebastião tentando

reeditar as glórias de D. João I, há 163 anos, se lança na aventura de

reconquista da África. Ulisses é o modelo ideal de guerreiro que sofre

perseguições de inimigos e das intempéries da natureza. Refere a estada de

Ulisses na ilha de Eca, reduto da feiticeira Circe; o encontro com o gigante

Polifemo; o canto sedutor das sereias; o desembarque na terra dos ciclones,

povo da Trácia e comedores de loto; a armadilha em que caíram os

companheiros de Ulisses, que provaram desse fruto e não queriam regressar

(Camões [1572], 1990; 216).

“Contem, louvem e escrevem sempre extremos Deuses seus semideuses e encarecem, Fingindo magas circes, Polifermos, Sirenas que co canto os adormeçam; Dêem-lhe mais navegar à vela e remos, Dêem-lhes perder nas águas o piloto” (Canto V, v. 697 / 704).

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No discurso atribuído ao Velho do Restelo, Camões expõe o

pensamento do povo português com relação às expedições marítimas. Arma

uma discussão na qual a voz dos opositores às grandes expedições se fazia

presente. A voz do velho era uma antítese no discurso da visão otimista das

gigantescas expedições. Era uma pausa para meditação sobre o sacrifício da

nação em prol de uma causa duvidosa e incerta. Para o Velho do Restelo,

fama e glória são nomes com os quais o povo ignorante é enganado.

“A que novos desastres determinas De levar estes reinos e esta gente? De perigos, que mortes lhes destinas, De baixo dalgum nome preeminente? Que promessas de reinos e de minas D’ouro, qaue lhe farás tão facilmente? Que famas lhes prometerás ? que histórias? Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?” (Canto IV, v. 769 / 776).

Ao finalizar Camões coloca sua experiência de viajante, o ideal

português afinado com a mundividência renascentista. Ao invés de confirmar

as queixas do Velho do Restelo, Camões aponta para o paraíso, para o jardim

das delícias que Ulisses (Vasco) podia desfrutar: Vênus indica ao vencedor

uma ilha repleta de belas mulheres. Os homens, movidos pelo desejo, correm

ansiosamente para as ninfas. Elas fugiam por entre os ramos, mas sem muita

pressa. E pouco a pouco, sorrindo e gritando, deixaram-se alcançar pelos

caçadores. Houve um rapaz que se atirou no lago vestido e calçado, com

pressa de matar na água o fogo que nele ardia. Como um cão de caça, arfante,

ele lançou-se sobre a sua presa (Camões [1572], 1990: 346).

“Oh! Que famintos beijos na floresta, E que mimoso choro que soava! Que afagos tão suaves, que ira honesta, Que em risinhos alegres se tornava? O que mais passa na manhã e na tarde Que Vênus com prazeres inflamava; Milhor é experimentá-lo que julgá-lo; Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo" (Canto IX v. 657 / 604).

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A sociedade portuguesa vinha passando por uma longa crise que se

agravava com o falecimento de D. João III em 1557, deixando como herdeiro

do trono seu neto, D. Sebastião, com apenas três anos de idade. A viúva

Catarina de Áustria renunciou à regência que ficou para D. Henrique. A

manutenção da Índia tornava-se extremamente difícil. A chegada de grandes

quantidades de especiarias, com grandes margens de lucro, durante a primeira

metade do século XVI forçou as constantes migrações do interior para a capital

e contribuiu para a formação de uma sociedade cortesã parasitária, em

prejuízo de uma sociedade produtora e empreendedora. A corte de Lisboa

passou a ser faustosa e numerosa. O consumo de produtos importados

aumentou gerando desequilíbrio na balança comercial. Piratas e corsários

infestavam o Atlântico e as naus carregadas de especiarias tinham de ser

comboiadas por navios de guerra na travessia dos Açores para Lisboa, fazendo

onerar os produtos asiáticos (Saraiva, 1998: 168).

Em 1568, D. Sebastião fez quatorze anos e começou a governar.

Combater os hereges era para ele uma obsessão. A armada que organizou em

1572 foi destruída por uma tempestade antes de sair do Tejo. Em 1578, com

vinte e quatro anos, embarcou para a África com dezessete mil combatentes,

dirigindo-se ao encontro do exército do rei de Marrocos. O confronto dos dois

exércitos foi nas proximidades de Alcácer Quibir. A metade do contingente de

D. Sebastião foi morta e a outra metade aprisionada. O rei morreu mas o povo

português nunca acreditou que ele tivesse morrido e que um dia voltaria para

vencer o inimigo e salvar Portugal de sua decadência e de sua dependência da

Espanha. Assim nasceu a lenda do Príncipe Encoberto, a crença do

sebastianismo. A derrota da última cruzada cristã deixou os portugueses

inconformados motivo pelo qual desejavam a ressurreição do jovem rei.

Transformado em mito Dom Sebastião passa a ser objeto da sobrevivência da

ideologia do heroísmo português.

Em trabalho recente Hermann (1998) aborda a questão da

sacralidade do rei em Portugal através das chamadas profecias de Gonçalo

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Anes Bandarra, escrita entre 1530 a 1540, produzidas em meio a uma

comunidade de cristãos-novos, com a qual Bandarra se relacionava

estreitamente. Meio século depois a releitura dos textos de Bandarra permitem

acreditar na Volta do Encoberto entre lendas e letras, em que:

“a esperança na volta de um rei salvador do reino português, gestada após aquele fatídico agosto de 1578, se transformou ora em seita (fruto da cultura letrada), ora em crendice (produto irracional da cultura popular), dependendo do enfoque que se dê ao problema” (p.187).

A idéia de tempo cíclico embutido no conceito de mito, conta uma

história sagrada. Relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial,

no tempo fabuloso dos começos adaptada à esfera de um rei que iria retornar

os destinos gloriosos da nação na forma do milagre. Baseada na dramaticidade

da trajetória de vida, processo histórico e crenças sobre D. Sebastião,

Hermann (1998) o classifica como um autêntico rei barroco: dilacerado e

inquieto, medieval e moderno, cavaleiro e rei absoluto; herói e mártir, profeta e

messias. O interesse pelas trovas de Bandarra, pouco erudito, encaixa com

exatidão mundividência barroca. Tempo de contrastes e conflitos; tempo de

adaptação às mudanças políticas e culturais impostas pela perda da

independência. A estética e ética barrocas voltavam-se para o populismo,

contra o racionalismo renascentista teriam levado Vieira a adotá-lo e a usá-lo

como instrumento da ideologia do heroísmo cristão a renascer. Vale dizer,

contra a modernidade renascentista; uso da criatividade; a persuasão; a luz

como metáfora da inspiração de Deus e não como símbolo da inteligência,

clareza e simplicidade no lugar da erudição.

Respondendo junto ao Tribunal do Santo Ofício, uma inquirição

quanto à sua adoção das trovas de Bandarra quanto à implantação do V

Império de Cristo na Terra com a ressurreição de um rei português, Vieira foi

claro na idéia de que os profetas endinheirados e poderosos, nunca tinham

existido. “Sendo Bandarra um homem leigo, casado, idiota (iletrado), a que fim

lhe havia Deus de comunicar uma tão rara e grande coisa como é o espírito

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profético, e mais em Portugal quase em nossos tempos...?” Responde Vieira

que:

"... o espírito de profecia não anda vinculado à correia nem ao escapulário e não tem outro voto de obediência mais que a vontade divina que o dá ou deposita onde é servida. [...] Só por falta de coerência é que se recusavam à crença no Bandarra, por ser quase contemporâneo, àqueles mesmos que prontamente a ofereciam a todo o sobrenatural que invadia as crônicas conventuais, na época do narcisismo nacionalista, se julgaria não ser Portugal digno de espírito profético” (Cidade, 1957: 11).

Na verdade Vieira lamenta as perdas portuguesas e as crises que se

sucedem a partir da morte de Dom Manoel, que no “Sermão pelo bom sucesso

das armas de Portugal contra as da Holanda:”, pregado na Igreja de N. S. da

Ajuda, Bahia, em1640, conforme recorte no seu parágrafo I:

“Ouvimos a nossos pais, lemos nossas histórias e ainda os mais velhos viram, em parte com seus olhos, as obras maravilhosas, as proezas, as vitórias, as conquistas, que por meio dos portugueses obrou em tempos passados vossa onipotência. Senhor, vossa mão foi a que venceu e sujeitou tantas nações bárbaras, belicosas e indômitas, e as despejou do domínio de suas próprias terras para nelas os plantas como plantou com tão bem fundadas raízes; e para nelas os dilatar, como dilatou e estendeu em todas as partes do Mundo, na África, na Ásia, na América. [...] Porém agora, Senhor, vemos tudo isso tão trocado, que já parece que nos deixastes de todo e nos lanças de vós, porque já não ides diante de nossas bandeiras; nem capitaneais como dantes os nossos exércitos. [...] Não fora tanto para sentir, se, perdidas fazendas e vidas, se, salvara aumentos a honra; mas também esta a passos contados se vai perdendo; e aquele nome português, tão celebrado nos anais da fama, já o herege insolente com as vitórias o afronta, e o gentio de que estamos cercados e que tanto o venerava e temia, já o despreza. [...] Não havia de ser assim se vivera um Dom Manoel, um Dom João, o terceiro, ou a fatalidade de um sebastião” (Vieira, 1998: 182).

Estar sob o jugo filipino significava o abono das concepções

renascentistas e maneiristas tão em voga na Espanha, apesar da radicalidade

contra-reformista assumida por Felipe II e Felipe III. Mas o jogo das

semelhanças e dos contrários próprio da estética barroca estava presente em

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todo o sermão de Vieira. Comparando Dom Sebastião a São Sebastião, ferido

açoitado e atormentado por seus verdugos, morto de uma forma tão cruel,

representa o ideal de quem morre por Deus.

“As outras mortes são o que parecem. Encobrindo o grande cristão que era por dentro, foi grande político por fora; parecia um cortesão de palácio da Terra e era uma peregrina da Corte do Céu; parecia um capitão que militava abaixo das águias romanas, e era um soldado que serviu debaixo da bandeira da cruz. Dom Sebastião usou todos os artifícios para enganar: sua fortuna, seu hábito e traje, seu nome, tudo era suposto” (Hermann, 1998: 229).

Na verdade Dom Sebastião estava a serviço de dois reinos: da terra

e do céu. Por mais contraditório que tudo isso possa parecer, Dom Sebastião

era um político santo. Pela causa que defendia, valia mentir, valia falsear, valia

representar, matar e morrer. Ele próprio Vieira, no “Sermão dos bons anos”,

proferido em 1641, se contradiz e nega seu sebastianismo dizendo que o

Esperado D. Sebastião não ressuscitou e Dom João IV, que não era esperado,

foi o libertador (Vieira, 1998: 209-210).

O saber ou o conhecimento racional, mais que nunca, redundava em

instrumento de poder. Como tal não é desprezado pelo universo barroco, que

dele se mune na luta contra o iluminismo, extensão do renascimento. Dai o

cultismo no barroco, onde o conhecimento toma caráter mais lúdico que

objetivo. Joel Neves citando aula do professor Moacyr Laterza observa a

sutileza do drama barroco enquanto seu próprio modo de transgredir.

Desejando escapar à renascença, ainda se encontra dentro de uma tradição

canônica dessa mesma época e também da Idade Média. “O Barroco, neste

jogo, quer ser moderno, sem ser renascentista; quer ser medieval sem ser

antigo” (Neves, 1986; 69). Estava explicito o interesse de Vieira: Portugal como

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potência católica ocidental. Persuadir o seu povo a ser fiel a seu novo rei e ao

cristianismo católico de forma radical14.

Vieira não estava de acordo com a força da nobreza que impunha a

permanência de velhos privilégios e uma injusta política tributária, isto é, rigor

excessivo com o estamento povo e isenção tributária para a nobreza. O lucro

obtido com a atividade mercantil era investido em atividades não produtivas: no

luxo e na suntuosidade dos templos e palácios. Discorda da destinação das

riquezas no âmbito da nação; critica a linha voraz mercantilista que explora a

colônia de forma predatória: suga as classes subalternas; depreda a natureza

de forma inconseqüente; leva as riquezas à custa de sacrifícios dos homens

pobres, à custa da escravização de indígenas e de maus tratos aos negros. É o

que expõe não “Sermão da Quinta Dominga da Quaresma”, pregado na Capela

Real, em Lisboa, no ano de 1655, conforme recorte do parágrafo VII,

imaginando estar no interior de um palácio maravilhoso que passa a descrever:

“Entremos e vamos examinando o que vimos parte por parte. Primeiro que tudo vejo cavalos, liteiras e coches: vejo criados de diversos calibres, uns com librés, outros sem elas: vejo galas, vejo jóias, vejo baixelas: as paredes vejo-as cobertas de ricos tapizes: das janelas vejo ao perto jardins, e ao longe vejo quintas; enfim vejo todo o palácio e também o oratório; mas não vejo a fé. E porque não aparece a fé nesta cas? Eu o direi ao dono dela. Se os vossos cavalos comem à custa do lavrador, e os freios que mastigam, as ferraduras que pisam, e as rodas e o coche que arrastam são dos pobres oficiais, que andam arrastados sem cobrar um real; como se há de ver a fé na vossa cavalariça? Se o que vestem os lacaios e os pajens, e os socorros de outro exército doméstico masculino e feminino dependem das mesadas do mercador que vos assiste, e no princípio do ano lhe pagais com esperança e no fim com desesperações a risco de quebrar; como se há de ver a fé na vossa família? Se as galas, as jóias e as baixelas, ou no Reino,

14 Embora precursor do iluminismo, Descartes (1596/1650) forneceu a este a base metodológica do racionalismo.

Postulava que somente através de métodos lógicos e racionais o homem poderia atingir o conhecimento científico. O cartesianismo e o Iluminismo colocam-se em oposição à estética barroca em face da severidade de tal método racionalista. Mas Descartes e os iluministas viveram na Europa exatamente no momento em que vigorava a estética barroca, marcada pela tensão entre opostos irreconciliáveis. Ainda prevalecia a visão renascentista de otimismo e exaltação da vida coexistindo com o outro lado pautado pela reclusão religiosa e negação do mundo. Descartes, como os artistas barrocos, busca a novidade e desconfia do saber do passado. Segundo ele, para se chegar à verdade o indivíduo tem que se desfazer de todas as opiniões que recebeu e reconstruir o novo desde os fundamentos. Diz Brandão (1991: 116) que “tal como o espaço existencial da época propunha o engajamento e participação do cidadão em um sistema dominante, a filosofia cartesiana procurou criar um sistema persuasivo, centralizado, integrado e extenso”.

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ou fora dele, foram adquiridas com tanta injustiça e crueldade, que o ouro e a prata derretidos, e as sedas se se espremeram, haviam de verter sangue, como se há de ver a fé nessa falsa riqueza? Se as vossas paredes estão vestidas de preciosas tapeçarias, e os miseráveis a quem despistes para as vestir a elas, estão nus e morrendo de frio, como se há de ver a fé, nem pintada nas vossas paredes? Se a Primavera está rindo nos jardins e nas quintas, e as fontes estão nos olhos da triste viúva e órfãos, a quem nem por obrigação, nem por esmolas satisfazeis, ou agradeceis o que seus pais vos serviram: como se há de ver a fé nessas flores e alamedas? Se as pedras da mesma casa em que viveis, desde os telhados atéos alicerces estão chovendo os suores dos jornaleiros, a quem não fazíeis féria, e, se queiram busca a vida a outra parte, os prendíeis e obrigáveis por força; como se há de ver a fé, nem sombra dela na vossa casa?” (Vieira, 1998: 245-246).

Vieira discordava da destinação das riquezas que alimentavam o

ócio, o luxo e a frivolidade da nobreza, porque queria aplicá-las no seu neo-

cruzadismo. Sonhava com o dinheiro dos judeus que poderia ser empregado

na difícil catequese e na construção do novo império luso-romano, a que

chamava de V Império. Na defesa perante o Tribunal do Santo Ofício fez o

seguinte depoimento

“Não houve no mundo, dinheiro mais sacrílego do que aqueles trinta dinheiros por que Judas vendeu Cristo. E que se fez desse dinheiro? Duas coisas notáveis: a primeira foi que daquele dinheiro se comprou um campo para sepultura de peregrinos. Houve no mundo maior impiedade que vender Cristo? Não a pode haver. Há no mundo maior piedade que sepultar peregrinos? Não a há maior. Pois eis aqui o que faz Deus, quando obra maravilhas: que o dinheiro que foi instrumento de maior impiedade passa a servir a obra de maior piedade” (Cidade, 1957: 12).

Mais que a nobreza e mais que a corte, Vieira tinha um projeto

político para Portugal, revelado na sua vibrante retórica. Muitas vezes esse

projeto revelava-se utópico e por isso mesmo, no contraponto da ideologia da

colonização portuguesa.

Portugal dominaria as quatro partes do mundo, mas a predileção dos

pregadores de profecias não era pelo Brasil, mas pela Índia, Japão, China e

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África. Segundo Mello (2001) é palpável o ressentimento com que é encarado o

tratamento dado à Colônia pela Metrópole, com exceção de Dom João III

(1502/1503), que distribuiu as terras do Brasil em capitanias hereditárias e

esforçou-se em colonizá-lo; a quem se atribuiu o propósito de fundar novo reino

na América.

“Os monarcas lusitanos, sejam Aviz ou Habsburgo, fizeram pouco caso de nós, a ponto de, podendo se intitular reis do Brasil, preferiram se chamar reis da Guiné. [...] Tampouco premiaram os serviços prestados pelos povoadores, motivo do fracasso da colonização do Brasil nos séculos XVI e XVII”

O Mercantilismo português conservava uma velha orientação no

sentido de só manter uma colônia se ela produzisse especiaria ou riqueza

metálica. A ausência de tais produtos tornou o interesse português pelo Brasil

quase nulo.

2.4 O Brasil premeditado

Ao pisarem as terras do Brasil, de imediato, 21 de abril de 1500, os

portugueses ficaram espantados em face do desconhecido, que no dizer de

Todorov suscita um sentimento de estranheza radical. O primeiro documento

testemunhal do “achamento” do Brasil, a carta de Pero Vaz de Caminha, revela

essa surpresa da terra habitada por gente exótica que andava nua: “Eram

pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas” [...]

gente bestial, de pouco saber e por isso tão esquiva “. Nesse apontamento de

Caminha já se manifestava a intenção de tratar o indígena como coisa para

permitir a sua extrema exploração. Nessa estranha terra não havia os

cobiçados metais preciosos tão procurados pelos navegadores que se

destinavam ao Oriente: “Nela, até agora, não podemos saber que haja ouro,

nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro, nem lho vimos” (Cortesão,

1943: 202-238). O episódio Descobrimento do Brasil causou um impacto forte

porque começou a ser fator de equilíbrio na luta de Portugal com a Espanha

pelos espaços na América. Dom Manuel imediatamente participou o achado

aos parentes castelhanos, Fernando e Isabel, enfatizando seu valor estratégico

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para Portugal como etapa intermediária para as frotas em rota para a Índia. No

ano seguinte organizou uma nova expedição com o fim de dar continuidade à

exploração da “Ilha de Vera Cruz”, assim chamada por Pero Vaz de Caminha.

A segunda frota deixou Lisboa, em 1501, sob o comando de Gonçalo Coelho,

trazendo como cronista o experiente Américo Vespúcio. Nessa expedição

batizou diversos locais, um dos quais, o Rio São Francisco (4/10/1501), nos

800 quilômetros da costa brasileira. A impressão de Vespúcio não animava

uma colonização imediata: “... não entramos nada de que possa tirar-se

proveito, salvo infinidade de árvores de tinturaria e de cássia [...] e outras

maravilhas da natureza que não se pode descrever...” (Johnson, 1998: 247).

Passado mais de um século da visita de Vespúcio, Ambrósio

Fernandes Brandão apresenta a peça Diálogos das Grandezas do Brasil

(1618), em que os dois personagens (Alviano e Brandônio) encontram-se em

animada conversa, colocando com clareza o interesse do autor pela Colônia do

Brasil. Lamenta o fato de a corte reservar o território americano para uma

emergência em caso de fuga da Europa, enquanto a farta natureza continua

esperando colonos para explorá-la convenientemente. Como cristão-novo

Fernandes Brandão critica o preconceito ou aversão dos fidalgos portugueses

pelos trabalhos manuais, substituídos pela mão-de-obra escrava.

"Alviano: E os próprios moradores são por ventura os que lavram e serram essas madeiras?” Brandônio: Não, porque a gente do Brasil é mais afidalgada do que imaginais; antes a fazem serrar por seus escravos, e há homem que faz serrar em cada ano mil e dois mil caixões de açúcar, que vendem aos senhores de engenho. Alviano: E o que é que vos disse esse fidalgo? Brandônio. [...] Que do tempo e hora que teve El-Rei aviso de seu descobrimento, que achara que a terra novamente descoberta havia de ser uma opulenta província, refúgio e abrigo da gente portuguesa, posto que a isto não devemos dar crédito, são sinais da grandeza em que cada dia se vai pondo. Alviano: Não permita Deus que padeça a nação portuguesa tantos danos que venha o Brasil a ser o seu refúgio e amparo" (Candido & Castelo, 1968: 39).

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O grau de eficiência e amplitude da relação colonial resulta

primordialmente da possibilidade da metrópole de multiplicar os laços de

dependência na sociedade colonizada. Esses laços não são apenas

econômicos de vez que a colônia depende dos produtos da metrópole. A

dependência da colônia começa pelo cultural. A colônia importa a cultura e os

comportamentos sociais da metrópole, o que a faz aceitar uma situação de

inferioridade e a conseqüente dominação. Aceitando a ideologia incorporada a

essa cultura importada, a colônia tende a se comportar como um apêndice, um

prolongamento da metrópole. Os fatores da expansão territorial do Brasil são

as bandeiras, as missões religiosas e a criação de gado (Prado Júnior, 1979:

120).

As bandeiras dirigiram-se às regiões desabitadas do Brasil com uma

mentalidade de iniciativa privada. Os primeiros bandeirantes são portugueses

acostumados com a guerra. O leque de interesses das bandeiras é grande:

caça, coleta, pesca, roça de milho, apresamento de índios para a escravização.

Tiveram também iniciação em pesquisa mineralógica por técnicos espanhóis

contratados pelo governo português. Ellis Júnior (1967) faz uma análise com

muita propriedade sobre o caráter social dos fidalgos que vieram habitar o

Planalto e constituir o núcleo dos bandeirantes:

“gente que enferrujara os esmaltes dos seus brasões, ou esmaecera as cores de seus lambrequins, ou se prenomeava com títulos ribombantes desde o de simples dons, até ao de marquês, passando pelo de cavaleiro fidalgo ou de moço de câmara. Com esses homens que se haviam despregado dos degraus do trono e que constituem as origens de quase todos os títulos de Pedro Taques, vieram os plebeus, os burgueses e dizem que até degredados pelas violações das normas absurdas do famoso livro 5º das Ordenações” (Ellis Júnior, 1967: 48).

Com as circunstâncias que envolveram os moradores do planalto,

criou-se uma psicologia do altaneiro, ousado, bravio, amante da

independência, arrogante, própria de seu modo de vida aventuroso, guerreiro,

semi-nômade. Por isso, continua Ellis Júnior (1967:49),

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“O Planalto era uma região rudíssima. [...] Quem tivesse feitio para se destacar nesse meio e estivesse armado para se sobressair nessa vida que roçava com a barbaria deveria fatalmente galgar as altas culminância do prestígio. [...] O Planalto albergando uma sociedade econômico-militar criou a ideologia de só outorgar prestígio e valimento aos homens de proceder másculo e truculento”.

Antônio Raposo Tavares (1598 / 1658), nascido em Beja, Portugal,

encarna exatamente a figura do bandeirante, na descrição de Ellis Júnior. Em

1622 fixou-se em São Paulo, dedicando-se à captura de indígenas e ao

combate às reduções jesuítas. No início de 1629 a bandeira organizada por

Manoel Preto, Raposo Tavares e Salvador Pires de Mendonça atacou a região

do Guairá, destruindo muitas reduções, aprisionando os índios, expulsando os

jesuítas e destruindo burgos castelhanos. De 1632 a 1635 continuam os

bandeirantes investindo contra Guairá anexando ao Brasil o que corresponde o

Mato Grosso. De 1636 a 1637, novamente sob o comando de Raposo Tavares,

na bandeira de Aracambi, atingiu o Rio Grande do Sul em caráter de

observação e apresamento de índio. Em 1638 Fernão Dias Pais também

comandou expedição para o Sul. Em 1641 foram conquistadas as regiões do

Tape e do Uruguai.

Em face dos ataques às reduções de Guairá, os jesuítas

apresentaram protestos junto ao governo-geral na Bahia. Diante da resistência

dos vicentinos e cariocas interessados na manutenção dos apresamentos, as

autoridades civis não deram grande atenção a esses protestos. Diante da má

vontade do governador-geral os jesuítas apelaram para o rei da Espanha,

Felipe IV e ao Papa Urbano VIII. O rei e o papa mandaram representantes à

América para negociar com as autoridades, mas a ideologia da submissão e da

exploração do indígena era uma persuasão muito forte para que se resistisse a

ela. As hostilidades dos agricultores e bandeirantes continuaram com a

expulsão dos jesuítas de São Vicente. Em 1641 os inacianos voltam para São

Paulo tendo então permissão para se defenderem com armas contra os

bandeirantes. Relata Ellis Júnior (1967) que na época da restauração do trono

português, em 1640, quase toda a população masculina de São Paulo estava

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no sertão, em luta ferocíssima e encarniçada contra os jesuítas, no território

mesopotâmico de entre os rios Uruguai e Paraná. Em carta ao Padre Provincial

do Brasil, em 1654, o Padre Antônio Vieira faz sérias denúncias à bandeira de

Raposo Tavares.

“No ano de 1649 partiram os moradores de São Paulo ao sertão, em demanda de uma nação de índios chamados serranos. [...] Contava o arraial de duzentos portugueses e mais de mil índios de armas, divididos em duas tropas. A primeira governada pelo Mestre de Campo Antônio Raposo Tavares, que também por cabo de tudo, a Segunda o \Mestre de Campo Antônio Parreira. Andados meses de viagem encontraram essa Segunda tropa com uma aldeia de índios da doutrina dos padres da Companhia de Jesus, pertencente à Província do Paraguai, e estando todos na igreja, e o padre dizendo-lhes a missa solene, por ser dia de Todos os Santos, segundo a relação dos que menos querem encobrir a fealdade do feito, entraram os soldados de mão armada na aldeia, e dentro da mesma igreja prenderam e meteram a ferro a todos os índios e índias que não puderam escapar, e nem os altares, vestiduras e vasos sagrados perdoava a cegueira e a cobiça, porque de tudo despojaram a igreja” (Vieira, 1960: 137).

Raposo Tavares foi excomungado pelos jesuítas e deposto do cargo

de ouvidor da capitania de São Vicente, mas dirigiu-se ao Rio de Janeiro onde

conseguiu ser absolvido e reposto ao cargo. O historiador português Jaime

Cortesão o exalta como herói por sua determinação no propósito de fixar no

território do Brasil o caráter lusitano; figura importante na expansão territorial do

Brasil.

A epopéia de Raposo Tavares continua, chegando a Quito no

Equador, daí pelo Rio Amazonas saiu no Maranhão. Volta a São Paulo sem

tropas e sem riquezas, fraco e desconhecido pela própria família. Mas continua

Vieira em sua carta de 1654 dizendo:

“O matador, ao tempo que isso escrevo, está no Pará, e se aponta o dedo, os que governam o eclesiástico e o secular, posto que o conheçam, o deixam andar tão solto e tão absoluto como os demais, mas permite Deus muitas vezes que semelhantes delitos os dissimulem os homens, porque quer que se paguem com maiores castigos do que são os que se podem dar na terra. O certo é não faltou o do céu a esta

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grande impiedade, porque dentro em um mês se viram os executores dela castigados com peste, fome e guerra: a peste foi tal que nenhum ficou não adoecer-se mortalmente: a fome era quase extrema porque as raízes e frutos agrestes das árvores eram o maior regalo dos enfermos e esses não havia ainda quem tivesse forças para ir buscar e colher; sobretudo, no meio desta fraqueza e desamparo, eram continuamente assaltados de bárbaros, de pé de cavalo, que os atravessavam com flechas” (Vieira, 1960: 138).

Além de sentir-se vingado pela derrocada da bandeira de Raposo

Tavares, Vieira reage contra a brutalidade dos colonizadores portugueses que

entravam nas aldeias abatendo índios sem antes tentar uma forma pacífica de

convivência. Diz textualmente:

“Todos estes homicídios e latrocínios se toleram em um reino tão católico como Portugal, há mais de sessenta anos, posto que, no tempo em que estivemos sujeitos a Castela, se acudiu com provisões reais e breves dos Sumos Pontífices, que se não guardaram. Com a restituição ao legítimo rei se nos acabou a desculpa destas maldades que ainda se continuam como dantes, sem haver para elas nem devassa nem castigo [...] senão pública e total imunidade” (Vieira, 1960: 143).

As bandeiras que visavam a descoberta de minerais foram

estimuladas por cartas régias enviadas aos paulistas, como a de Afonso VI, a

Fernão Dias: “Bem sei que não é necessário persuadir-vos a que concordais de

vossa parte com o que for necessário para o descobrimento das minas [...]

encomendando-vos façais toda assistência, para que consiga como bom fim

que lá tanto se deseja e que eu quisesse vê-lo conseguido” (Faoro, 1958: 83).

Prometiam recompensas aos sertanistas que descobrissem minerais preciosos.

Na segunda metade do século XVII, após a restauração do trono, Portugal

passa por prolongada crise econômica e financeira, agravada pela decadência

da indústria açucareira do Nordeste. Era premente a substituição do açúcar,

em declínio nos mercados europeu, se possível, por metais e pedras preciosas.

Esse declínio contribuiu para diminuir o interesse pelo apresamento de

indígenas que não foi de todo descartado. Muitos sertanistas de São Paulo

percorreram o sertão mineiro, goiano e mato-grossense, a exemplo de

Lourenço Coutinho Taques, em 1668, abrindo caminho na região de

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Cataguases; Luiz Castanho de Almeida, em 1671, Manuel de Campos Bicudo,

em 1675, ao Norte de Mato Grosso e Bartolomeu Bueno da Silva, (O

Anhanguera), em 1676, em Goiás. Entre tantos se destaca a de Fernão Dias

que partindo de São Paulo no dia 21 de julho de 1674, durante sete anos,

explorou das nascentes do Rio das Velhas até as cabeceiras do Rio

Jequitinhonha, tendo passado por riachos ricos em jazidas de ouro e diamante,

sem, contudo, descobri-los. Mas o sacrifício de Fernão Dias não foi em vão.

Sua expedição contava com experientes sertanistas como Matias Cardoso de

Almeida; com seu genro Manuel Borba Gato; com seus filhos Garcia Rodrigues

Pais e José Dias. (Este mameluco e filho natural). Esses homens, mesmo

depois da morte de Fernão Dias, em 1681, persistiram na procura das riquezas

minerais. Tiveram que fundar núcleos de povoamento, plantar roças para

subsistência. Matias Cardoso abriu estrada que ligou a futura região das minas

aos currais de gado do São Francisco, fundou a vila de Morrinhos que hoje tem

seu nome. Borba Gato devassou o sertão do Rio das Velhas e fundou Sabará.

Garcia Rodrigues Pais, por empreitada, abriu o Caminho Novo que ligava o Rio

de Janeiro às minas. Mas coube à expedição de Antônio Rodrigues Arzão,

saindo de Taubaté em 1693, a descoberta ou a oficialização da descoberta do

ouro (Ellis Júnior, 1963: 295).

As bandeiras constituíram-se em importante fator de configuração do

território brasileiro. Contribuíram para a fixação da ideologia da iniciativa

privada e ação empreendedora. Enquanto a ambição de lucro e de

enriquecimento máximo, a qualquer custo e à custa do sacrifício de outras

etnias e estratos sociais, vinha embutida na cultura portuguesa, eternizada nos

versos lusíadas de Camões e sermões de Vieira.

Depois dos bandeirantes, o segundo núcleo de povoamento foi o de

Pernambuco. Forma-se na carta de doação de Duarte Coelho, assinada em

Évola aos 10 de março de 1534, quando o Rei D. João III fixou em 60 léguas a

extensão do litoral da Capitania e entrará na dita terra e demarcará dela todo o

Rio São Francisco. A cobiça do ouro era certamente o objetivo dos navegantes

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que vinham para a Colônia do Brasil. Duarte, depois de tomar posse da

Capitania voltou ao reino para conseguir meios de explorar o interior e

principalmente o Rio São Francisco, misterioso e imenso, cuja corrente

impetuosa parecia brotar de um país de lendas e de promessas. Muito cedo as

margens do são Francisco atraíram os criadores de gado. Assim foi que o

Pernambuco logo se avantajou às capitanias vizinhas no desenvolvimento da

pecuária. O nome de André da Rocha Dantas aparece entre os mais antigos

povoadores do São Francisco. Até o começo do século XVII, o Rio São

Francisco vinha sendo quase inacessível às entradas regulares e à exploração

pacífica em face da presença do índio nos arredores e as cachoeiras que

impediam a navegação. Somente as proximidades da foz estavam

conquistadas. É na segunda metade do século XVII que os pernambucanos

conquistam a margem esquerda do Médio São Francisco (Lima Sobrinho,

1929: 76).

A monocultura da cana-de-açúcar para exportação não permitiu que

se desenvolvesse nos férteis e favoráveis terrenos da beira-mar nem a lavoura

de subsistência, nem a pecuária. Relegou para o interior tais atividades

produtivas que requeriam condições climáticas mais adequadas, com

pluviosidade mais alta que a canaveeira. Relata Prado Júnior (1962) que a

produtividade de gado da região era baixa15. A necessidade de subir o São

Francisco em direção às nascentes e barras de seus grandes afluentes era

obstaculada pela política de privilégios e monopólios dos portugueses,

especialmente o do sal. A venda do sal foi reservada aos lusitanos e sua

produção foi proibida em 1665. A partir de 1647 há uma série de proibições de

fabricação de aguardente, alegando concorrência com os vinhos portugueses.

Além disso, todo tipo de produção para consumo local que não interessava ao

comércio português era proibido. Para Prado Júnior essa política monopolista

visava canalizar para o reino o resultado de todas as suas atividades.

15 Basta dizer que neste milhão de quilômetro quadrado, praticamente todo ocupado, o número de cabeças de gado

não alcançara talvez nunca dois milhões, umas duas cabeças em média por quilômetro. Quanto à qualidade, ela também é ínfima: as reses, em média, não fornecerão mais de 120 kg de carne por animal; e carne de pouco valor (Prado Júnior, 1962: 44).

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Procurava compensar o que perdera no Oriente, onde os holandeses, ingleses

e franceses desbancaram os portugueses.

Nas primeiras décadas do século XVI não havia homens brancos na

região do São Francisco. As embarcações marítimas não eram apropriadas

para a navegação fluvial, em águas correntes. Foi necessário um longo

processo de adaptação, inclusive assimilação de técnicas indígenas na

confecção das canoas de tronco de árvore. Com o aperfeiçoamento das

embarcações, missionários e portugueses espalharam-se pelos afluentes do

São Francisco. Os missionários chegaram antes que os portugueses como

Padre Martinho de Nantes que documentou a ação portuguesa partindo da

Bahia e de Pernambuco. No início do século XVII “já havia um número

significativo de portugueses na região com seus escravos nativos preados em

guerra e escravos negros; [...] e nesse contexto, a pecuária assume

predominância: os currais ao longo das duas margens do rio” (Neves, 1998:

32). Ao contrário do século anterior, em que predominava o interesse pela

produção do açúcar para exportação, no século XVII, os portugueses

incentivavam a ocupação das duas margens do Rio São Francisco espalhando

seus afluentes tanto da margem esquerda (Pernambuco), quanto direita

(Bahia). Já no final do século Antonil registra as demarcações baianas partindo

do Rio das Velhas até a barra do São Francisco. Registra um maior número de

currais sob o domínio de Pernambuco ficando vago, porém, o ponto que atingiu

rio acima. Antes da descoberta das minas de ouro o interesse da coroa era o

abastecimento das povoações e engenhos da Bahia e Pernambuco, como

observa Neves. “Aqui o que se deve reter de fundamental é a articulação entre

o São Francisco e as cidades da Bahia e de Pernambuco, verdadeira cabeças

de ponte do processo colonizador” (Neves, 1998: 32).

A orientação da coroa com relação à colonização do Médio São

Francisco é a mesma adotada a partir da capitania de São Vicente, isto é, nos

primeiros momentos, século XVI, não havia interesse em ocupar o interior,

senão a certificação da existência de riquezas minerais. No século XVII a

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penetração no interior é intensa: procura dos metais e pedras preciosas;

escravização de índios e estabelecimento de currais. A inter-relação do São

Francisco com os núcleos baianos e pernambucanos era coerente com o

interesse da coroa. Em diversos momentos do relato do Padre Martinho,

constata-se a presença do Estado seja municiando os portugueses para a

guerra contra os índios Cariris, seja nomeando capitães-mores na região ou

arbitrando os conflitos entre a Igreja e os donos da terra e do gado (Neves,

1998: 32). Na verdade, a ocupação e povoamento do São Francisco, da foz

para as nascentes foi lenta mas muito conflituosa como todas as outras

regiões da colônia. A procura de novos espaços implica em escamotear,

escravizar ou eliminar o indígena, com protesto do missionário. Uma das

formas mais evidentes que o processo de dominação concretamente assumiu,

foi a escravização, conforme se pode inferir dos relatos do Padre Martinho

numa localidade próxima a Juazeiro na Bahia: mulheres cativas passavam à

condição de concubinas dos colonizadores:

“Os índios estavam quase sem armas e mortos de fome. Renderam-se todos, sob condição de que lhes poupassem a vida. Mas os portugueses, obrigando-os a entregar as armas, os amarraram, a sangue frio, todos os homens de arma, em número de quase quinhentos; fizeram escravos seus filhos e mulheres” (Nantes, 1979: 53).

Neves vai adiante registrando o fato de os missionários utilizarem

os recursos náuticos dos indígenas.

“Nesse particular, a apropriação cultural que então se processa, inclui a utilização das canoas indígenas pelos missionários, para a catequese de aldeias localizadas ao longo do rio. Os padres utilizavam-se dos serviços que os índios podiam prestar, ampliando o trabalho de catequese na região com o auxílio de grupos anteriormente contratados” (Neves, 1998: 36).

Os missionários associam-se aos índios; o branco traz o escravo

africano e esses quatro elementos se interagem na formação da população

nordestina ancoradas nos limites da região mineradora, que em breve surgirá.

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A terceira forma de ocupação e povoamento do território foi

constituída pelas missões religiosas. Instalado o Governo Geral da Colônia na

Bahia (1548), Tomé de Souza empreendeu visita às capitanias do sul, já que a

coroa havia concedido à capitania de Pernambuco uma certa autonomia, isto é,

não autorizava Tomé de Souza a visitá-la. Chega em São Vicente em 1552,

levando o Padre Manuel da Nóbrega, pressionado pelo bispo de Salvador e

seus pregadores. Resolve partir para a Capitania de São Vicente, parecendo-

lhe digna de nela se fazer mais fundamento do que de nenhuma outra, sendo,

conforme suas palavras, “a mais sã de todas e ainda de melhor acesso sertão;

por isso achava que S. A. devia lançar mãos dela tal como o fizera com a da

Bahia.” Mas Tomé de Souza se opõe ao projeto de Manuel da Nóbrega, de

meter-se pela terra dentro, entre gentios, com irmãos, capela e cantores, a

fazer ali uma “grande cidade”, segundo seu intento confessado. Compreendia

Tomé de Souza que o intuito de Nóbrega não fosse conveniente ao serviço da

Coroa. Por isso era com pesar que contrariava os padres. Conforme

depoimento do próprio Manoel de Nóbrega a proibição do governo era por

temer que as casas religiosas no sertão podiam servir de abrigo aos

malfeitores e devedores dando ensejo a que se despovoasse a capitania com

prejuízo para a sua defesa. O governador temia também pela perda de

riquezas minerais “já que topava aos outros o caminho do sertão, onde havia

novas de muita prata, não parecia bem a Tomé de Souza que lá fossem os

jesuítas, ainda que se estabelecessem em lugar apartado das minas” (Holanda,

1963: 127).

Com a substituição de Tomé de Souza por Duarte da Costa,

Nóbrega não encontra a mesma resistência. A 29 de agosto de 1553 funda, no

campo de Piratininga a aldeia para a qual se muda no ano seguinte, com o

nome de São Paulo, a missão e o colégio. Os jesuítas forçam a penetração no

continente e contrariam os padrões de colonização impostos pelos portugueses

que deveria sempre margear o litoral. Trata-se de orientação fundada na velha

vocação mercantil de Portugal que sempre esteve nos mares da África e da

Ásia em exploração comercial sem penetrar nos continentes. O governo

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português, ao longo do tempo, não permitia que os governadores das

capitanias construíssem vilas no interior, mas somente ao longo da costa e dos

rios navegáveis. O regimento das capitanias determinava que ninguém fosse

por terra de uma capitania a outra sem licença especial, ainda que entre estas

reinasse paz e tranqüilidade. Alegavam que a agricultura do litoral era mais

conveniente, ou mais lucrativa, porque era de custo inferior e de menor risco de

deterioração. Embora essa política possa parecer aleatória ou espontânea, ela

encontra fundamento no pensamento de Maquiavel que recomenda às cortes

européias a manutenção de uma ou duas colônias de exploração, que sejam

apêndice do Estado em lugar de manutenção de tropas armadas. “Em colônias

não se gasta muito e com pouca despesa ou nenhuma, o príncipe pode instituí-

las e controlá-las e só prejudicar aqueles de quem tira terras para dá-las aos

novos habitantes. A minoria dividida e dispersa não causará dano. Concluo que

estas colônias que não custam, são mais fiéis e causam menos preocupações.

Os ofendidos não podem causar danos, sendo pobres e dispersos, como já

disse” (Maquiavel, 1998: 20).

Pelo menos nos séculos XVI e XVII Portugal pretendia manter o

Brasil somente no tipo de colônia de exploração, ao contrário dos espanhóis

que logo adotaram o sistema de colônia de povoamento no interior do

continente18. Uma ordem real espanhola do século XVI manda que não se

escolham sítios para povoamento beira-mar pelo perigo de corsários e por não

ser tão sadio, além de não ser bom para a lavoura e para os bons costumes

(Holanda, 1963: 130). Ainda segundo Holanda, o que denunciam interditos

dessa natureza é a vontade da coroa de ter mão em quem entendesse de ir a

descobrir segredos e riquezas da terra visando apenas ao seu interesse

pessoal, sem que deles resultassem proveito maior para a Real Fazenda. Na

raiz dessa vontade estava incluído o cunho largamente mercantil da política

colonial dos reis portugueses. Essas diretrizes que procuram reduzir a

colonização ao litoral coadunam-se com as exigências de uma crescente

centralização do poder.

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Nessa linha de preferência pelo litoral e não permitindo maiores

poderes aos jesuítas é que estes se instalaram em Piratininga, em 1554. A

casa abrigava filhos de índios, servia de escola, dormitório, refeitório,

enfermaria, cozinha e despensa. Começaram a introduzir o indígena na vida

cristã e na cultura européia. Com missas, conversões, batismos e casamentos

inauguraram o marco de conquista interior na Colônia. Não foi sem obstáculos

e resistência que os jesuítas iniciaram sua ação social e catequética no Brasil.

Em 1553, Diogo Mirrão transmitia aos jesuítas a decisão de Inácio de Loiola de

que os irmãos não deveriam mais aceitar o encargo das instituições de órfãos.

Em 1556 a Constituição da Companhia impunha a seus membros voto de

pobreza, segundo o qual ninguém poderia ter renda alguma para o seu

sustento ou por outra coisa. E mais do que isso: nenhuma igreja ou casa da

Companhia, a não ser os colégios e os estabelecimentos de noviciado poderia

ter renda própria (Carvalho, 1963: 142). Em 1564 D. Sebastião abriu

concessão de um benefício com o nome de redízima ao Colégio da Bahia que

em 1568 se estende ao Colégio do Rio de Janeiro e Olinda, em 1576. Com o

incentivo de D. Sebastião, a companhia ampliou a ação de catequese. No

século XVII, continua a expansão com a fundação do Colégio de São Luiz do

Maranhão, em Ilhéus na Bahia, Belém do Pará e Recife. Os jesuítas como os

bandeirantes estiveram em todos os extremos do Brasil. Do Pará ao Rio

Grande do Sul. No Oeste paraense e no Sudeste mato-grossense e no interior

do Rio Grande do Sul houve estabelecimentos de missões jesuíticas

espanholas, antes da passagem ao domínio português. De 1631 a 1636 os

inacianos fundaram reduções na região do Tape. Ai foram atacados e expulsos

pelos bandeirantes preadores de índios.

O sistema educacional dos jesuítas visava a colonização. O ensino

era gratuito e público, disponível não só para o indígena, mas, para os colonos,

a exemplo do filho de lavrador, Basílio da Gama que chegou a fazer parte da

elite intelectual. Nas proximidades dos colégios, surgiam os aldeamentos e os

povoados. Para os jesuítas povoar não era fazer concentrar em um

determinado sítio, mas, criar condição de cidadania preparando os indivíduos

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para a vida em sociedade. Leite, 1945 estabelece um paralelo entre o ideal

colonizador do português e do jesuíta.

”Se os colonos e os administradores portugueses governassem a terra e a cultivassem como fonte de riqueza e elemento de soberania, os jesuítas da Assistência de Portugal amavam a terra e os seres humanos que essa terra alimentara no decorrer dos séculos. Os primeiros apoderaram-se do corpo; os segundos, da alma. Do curso de uns outros, completando-se nasceu o Brasil. Enquanto os governadores, capitães e funcionários iam estabelecendo as bases do Estado, o elemento religioso alicerçava o novo edifício com formas tão elevadas e nobres, que dariam ao conjunto a solidez da Eternidade” (p.18).

Do início da colonização até o final da guerra holandesa, os jesuítas

foram os mais interessados na defesa do território. Foram os únicos capazes

de controlar o indígena e fazê-lo útil na defesa do território. Pelo controle que

mantinham da situação colonial, mesmo que os jesuítas contrariassem aos

interesses da Metrópole em alguns pontos, não havia a mínima possibilidade

de afastá-los, imediatamente, do processo. As contradições entre os jesuítas e

a administração existiam. Mas os jesuítas entravam em choque, mais com as

forças locais que com as da metrópole. Com estas, de início, mantinham

permanentes trocas: ofereciam a catequese, diplomacia, serviços técnicos

especiais em troca de concessões e subsídios da metrópole, como é o caso do

Maranhão, aonde o sistema jesuítico, cuja produtividade aparentemente

chegou a ser elevada, mas, sobre a qual não se dispõe de muitas informações,

a ordem não pagava impostos nem publicava estatísticas, isto é, a Companhia

gozava de privilégios não concedidos a outras instituições. É transigência da

administração para evitar choques violentos e continuar recebendo os

benefícios que a Companhia de Jesus podia dar. Vieira dizia que “no Brasil

quem possuísse o índio se tornaria logo senhor do Estado” (Mesquita Filho,

1956: 273). Desta frase pode-se verificar três conflitos na disputa pelo índio:

com o colono, pela posse do índio; com o clero secular, por área de influência e

com a coroa, pela idéia de posse do Estado.

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Assim, o primeiro conflito reside na ideologia da finalidade do

indígena. Para o bandeirante, o índio era objeto de mercado e útil na

substituição do escravo negro; para o jesuíta, o índio era objeto de catequese

religiosa e caminharia para a condição de súdito. Esse choque não ocorreu na

região açucareira onde o trabalho cabia aos escravos africanos com que

estavam de acordo missionários e fazendeiros, mas sim nas áreas onde o índio

teve que trabalhar, como afirma Sodré:

“É notória a pertinaz defesa do índio efetivada pelo jesuíta, especialista da catequese. Causou espécie, sempre, por outro lado, o contraste entre a proteção conferida ao índio e o absoluto desinteresse pela sorte do negro escravizado e transplantado, por parte dos missionários. Quanto ao africano, não há problema: o colonizador é livre de escravizá-lo” (Sodré, 1964: 113).

Em carta ao Provincial da Ordem, de 22 de maio de 1653, Vieira

reclama contra a resistência dos senhores em não cumprir a lei e continuarem

na escravização do indígena com aquiescência do clero secular.

“Tinha nesta ocasião S.M. uma lei, na qual declara por livres como nesse Brasil, a todos os índios desse Estado, de qualquer condição que sejam. Publicou-se o bando com caixas e fixou-se a ordem de S.M. nas portas da cidade. O efeito foi reclamarem todos a mesma lei com motim público, na Câmara, na praça e por toda parte, sendo as vozes as armas, a confusão e perturbação o que costuma haver nos maiores casos, resolutos todos a perder antes a vida (e alguns houve que antes deram a alma) do que consentir que se lhes houvessem tirar de casa os que tinham comprado por seu dinheiro. [...] Mas esta a desgraça: que os da mesma profissão de ordinário (padres de outras ordens) os mais apaixonados contra nós; porque só eles querem valer na terra e ofende-lhes os olhos tanta luz na companhia e posto que houvesse pessoas, das mais graves e autorizadas, que se puseram em campo por nós, contra um povo furioso ninguém prevalece” (Vieira, 1960: 101/102).

Na mesma carta expõe um ardil político do capitão-mor governador

da capitania do Maranhão que lhe propõe pregar no domingo seguinte sobre o

espinhoso assunto, na condição de que, se o povo aceitasse libertar seus

escravos indígenas ele passaria para o lado dos jesuítas. Aceitando a aposta

Vieira pregou:

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“Mostrei primeiramente, com maior eficácia que pude, como uma alma vale mais que todos os reinos do mundo; depois passei a desenganar com a maior clareza os homens do Maranhão, mostrando-lhes que todos estavam em estado de condenação, pelos cativeiros injustos dos índios: enquanto este habitual pecado se não remediasse, todas as almas dos portugueses deste Estado haviam de ir para o inferno [...] acabei prometendo grandes bênçãos de Deus e felicidades, ainda temporais, aos que, por serviço do mesmo Senhor e por salvar a alma aos que sacrificassem esses interesses” (Vieira, 1960: 107).

A ideologia da escravização do indígena, da escravização do outro,

da escravização das outras etnias não européias era muito forte para que,

dialeticamente, se interpusessem a ela. No final do século XVII, com a

precariedade da ação de Vieira e com seu falecimento, (1697) nem a

Companhia de Jesus constituía-se mais obstáculo à escravização do índio.

Conta com o apoio de Andreoni, que se coloca a favor do trabalho indígena,

quer em condições de escravatura, quer em regime de assalariado servil.

Designado provincial em 1698, Andreoni propõe a revogação das

determinações anti-exploratórias de indígenas do Pe. Vieira alegando que, se

os demais senhores de engenho se valiam do índio, porque só os religiosos

não podiam fazê-lo (Bosi, 1992: 134).

A segunda esfera de conflito, entre o jesuíta e o clero, por área de

influência foi significativa na demonstração de interesse pela dominação do

índio. Chegando ao Maranhão o bispo D. Gregório dos Anjos, em 1679,

preparou-se para visitar o Bispado, incluindo as aldeias indígenas,

administradas pelos jesuítas que não concordavam em estar sujeitos não só

aos ordinários, mas ainda a seus delegados. Pe. Antonio Vieira foi consultado

sobre a situação que respondeu com prudência:

“Vas. Sas. não devem resistir a que o bispo visite as ditas igrejas e os índios fregueses deles, mas não as pessoas dos párocos, quando Sua Senhoria nos não queira fazer a cortesia que sempre nos fizeram todos os bispos do Brasil, não havendo um que até hoje visitasse, nem intentasse visitar aldeia alguma nossa, havendo por bem descarregados suas consciências pelas visitas que nelas fazem os nossos superiores” (Lacombe, 1968: 67).

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Mas o Clero Secular é uma parte do Governo. A administração não

tinha outra opção senão transigir a favor dos jesuítas, pois ainda era impotente

diante do poderio dos jesuítas. Afirma Prado Júnior (1979) que a Igreja no

Brasil se tornava em simples departamento da administração portuguesa e o

clero secular e regular seu funcionalismo.

O terceiro ponto de conflito é entre a Companhia de Jesus e a

administração que se efetivará no momento da verificação do interesse que os

jesuítas alimentavam pela posse do Estado. Segundo Vellinho,1964 a

Companhia chegou a alimentar o propósito de construir, no âmago do Novo

Mundo, àquele temporário e como que em disponibilidade, um império próprio.

Encravado entre os domínios nominais das duas coroas ibéricas, esse Estado

singular cresceria sob a égide dos reis católicos, mas evoluiria fatalmente para

a emancipação. Se Vellinho exagera na conjectura, é certo que o Pe. Antônio

Vieira respondeu processo inquisitório em Portugal, em face de tais

proposições. A idéia do V Império de Cristo na Terra e sua atribuição de

conceder a graça da conversão universal aos judeus, gentios, hereges e

incorporação das doze tribos hebraicas desaparecidas, foi enviada ao Santo

Ofício em Roma para qualificação, tendo sido reprovada com a seguinte

observação: “Sacrílega e injuriosa para a Igreja” (Cidade, 1957: 28). Júlio de

Mesquita Filho (1956) mostra que os jesuítas eram também apresadores de

índios, mas com a suavidade retórica do termo “resgate”, isto é, limitado aos

índios derrotados por outras tribos e mantidos prisioneiros que podiam ser

resgatados para trabalho em suas reduções. Por causa das prerrogativas dos

jesuítas sobre os índios e a luta para impedir a sua escravização pelos colonos,

Mesquita Filho chamou tais conflitos de “luta entre dois imperialismos”:

“Em seu formal radicalismo, ia esta última disposição ao ponto de subordinar o próprio governo da colônia à Ordem, em tudo quanto dissesse respeito à população autóctone. Era a total subversão da ordem jurídico-econômica da colônia. A sua repercussão seria profunda, determinando a demissão do governador geral Diogo Botelho” (p.265).

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Depois da inquisição de Vieira pelo Tribunal do Santo Ofício, aquela

identidade que existiu entre a obra missionária da Companhia de Jesus e a

política colonizadora da coroa começa sofrer abalos. Só não se desfaz

imediatamente, por falta de meios e condições para exigência da coroa. A

Companhia de Jesus estava de forma envolvida no processo de colonização

que se agiganta diante das necessidades imediata das coroa.

Outras ordens religiosas atuaram nos séculos XVI e XVII na

catequese colonizadora, como sempre, nas proximidades do litoral e nas

margens dos grandes rios. Os franciscanos foram os primeiros a chegar,

erigindo a primeira custódia no Pernambuco, em 1585, mais tarde elevada à

condição de província. Não tardaram os atritos com a coroa portuguesa que

não permitiam a presença de nativos da colônia nos conselhos da irmandade.

Os capuchinhos que haviam estado no Brasil voltaram em 1654 e se

estabeleceram no Recife e eram, na maioria, francesa. Destaca-se o trabalho

de catequese realizado no Vale do São Francisco. Conforme registro de Lima

Sobrinho (1929), os capuchinhos franceses contavam na ocasião seis missões

no Brasil, sendo uma na Paraíba, outra no Rio de Janeiro e as demais no São

Francisco. A aldeia mais antiga e numerosa era a da ilha de Aracapá, a

escolhida de Frei Martinho de Nantes. A prosperidade dessas missões foi

grande, merecendo os seus pregadores elogios reiterados das autoridades

reais. Os capuchinhos deixaram seus postos em conseqüência do desacordo

entre Roma e Lisboa. Esta exigia juramento de fidelidade dos frades por serem

franceses, com o que não concordavam. Mas antes de se retirarem os

capuchinhos abriram enormes caminhos e fixaram colonos até as cabeceiras

do São Francisco, já no território hoje compreendido pelo Norte de Minas, às

vésperas da descoberta do ouro (Lima Sobrinho, 1929: 85). O conflito dos

portugueses com os capuchinhos advém da proteção que estes davam aos

indígenas e os registros testemunhais de crueldade com os mesmos.

Faoro (1977) afirma que a questão da natureza do antagonismo

entre as confrarias religiosas e a administração colonial reside no fato de que

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esta dava ao Estado uma finalidade única de alimentar e enriquecer o reino, a

metrópole e sua elite do comando político. O indígena, o negro e os pobres não

eram consumidores de bens e serviços. O Estado não se dedicava à busca do

bem comum no amplo sentido, isto é, o bem do total da sociedade. O Estado

colonial não se preocupava com a vida humana em coletividade, ignorando as

necessidades de serviços públicos. As organizações não governamentais, a

exemplo das confrarias religiosas é que se preocupavam com os segmentos

desamparados da sociedade. O reino português, de forma veemente,

proclamava-se cristão e católico, mas em grave contradição no comportamento

governamental. Desconhecia, ignorava ou rechaçava a doutrina de Santo

Tomás de Aquino (1225/1274) para quem a lei tanto natural quanto humana

deveria estar acima da autoridade. A tirania, que é a menos adequada forma

de governo, é fonte de todos os males e contra ela é lícito rebelar-se inclusive

com as armas. A autoridade para ser boa e legítima deve garantir os direitos da

pessoa e o bem-estar da comunidade. O estado deve reconhecer os seus

limites, mesmo com relação à Igreja. Mas tanto a Igreja quanto o Estado devem

colaborar para a obtenção do único fim, o bem comum. O direito positivo não

pode contrariar o direito natural que é dado ao homem para que ele busque a

conservação da vida19 (Sciacca, 1967).

Mello (2001) ressaltando a discriminação dos portugueses sobre os

colonos após a guerra contra os holandeses, disse que os pernambucanos

“nem sequer viriam a desfrutar das regalias de cidadão do porto, de que gozariam maranhenses, baianos e até cariocas, as quais privilegiavam quem houvesse exercido cargos de gestão municipal com certos direitos associados à condição de fidalgo, como o do porte de armas, de prisão domiciliar ou nas fortalezas d’el-rei, isenção da tortura etc” (p. 46).

É o cúmulo do absurdo os súditos de um reino reivindicar o

privilégio de isenção da tortura. O Estado nesse caso, colocava-se como

agente da violência. A tortura, a mais torpe das corrupções, é feita norma e se

19 Santo Tomás distingue três espécies de leis que dirigem a comunidade ao bem comum: a lei natural, comum a

todos os homens, bem como a conservação da vida, geração e educação dos filhos e desejo da verdade; a lei humana, ou positiva, estabelecida pelos homens sobre a base da lei natural e dirigida à utilidade comum; a lei divina, que guia cada homem para a consecução do seu sobrenatural (Schiacca, 1967: 228)

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incorpora à ordem vigente como ideologia da colonização. O absolutismo

papal, a partir de Alexandre VI, havia contaminado os monarcas portugueses

da segunda metade do XVII, juntamente com seu despótico estamento clerical

que o sustentava. Por ignorância ou por resistência os príncipes portugueses

negavam a sabedoria de Maquiavel que recomendava que o príncipe deveria

se fazer temer quando não conseguisse conquistar pelo amor, mas de qualquer

jeito evitar o ódio. Isso é conseguido quando se respeitam os bens de seus

cidadãos e de seus súditos (Maquiavel, 1998: 101). O Estado português

negava aos cidadãos o que Hobbis (1588/1679) reputava o bem comum

prioritário que é a segurança; negava sua atuação no sentido de impedir ou

evitar a violência; mantinha privilégios que jogavam umas classes contra as

outras em choques cruentos. O colonizador, pragmático por excelência,

encarava a assistência social e tudo que se fizesse no sentido do bem comum,

como ônus para o Estado e para o empreendimento colonial.

Ao falar do caráter da escravidão exercida pelos portugueses, com

os olhos críticos dos dias atuais, deve-se ressalvar que o fenômeno é muito

amplo e antecede à existência do Estado português. A conquista sem piedade,

a ocupação brutal, a destruição dos chamados povos inferiores foi um

fenômeno geral. Todos os europeus foram escravocratas e o cristianismo

reinante em Roma, França e Inglaterra não amenizaram a questão, porque

teve o mesmo comportamento cruel e escravocrata de Portugal. A Inglaterra

muito se enriqueceu com o tráfego de escravos africanos. O estabelecimento

da escravidão teve base de sustentação em um sistema doutrinário que

justificava o racismo, isto é, estabelecia a discriminação racial, sem a qual não

havia lugar ou apoio moral para a escravização do negro. Na Grécia e em

Roma, os filósofos contribuíram para a sustentação da escravidão, a exemplo

de Aristóteles que via no escravo apenas instrumento vivo que não tinha

direitos perante quem o usava. No direito bizantino a discriminação aparece

clara na codificação ordenada por Justiniano: “Os escravos vivem sob o poder

dos senhores: este poder emana do direito das gentes” (José, 1988: 28).

Observa Pirenne (1965) que na Idade Média ocidental, com exceção dos

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proprietários todos os homens que viviam no território de uma corte ou de uma

vila eram servos. Se a escravidão antiga desaparecera, havia ainda vestígios

dela na condição dos servi-quotidiani, dos mancípia, dos quais, até a pessoa

pertencia ao senhor. Dedicavam-se ao seu serviço e eram mantidos por ele. O

servo era um pouco diferente do escravo porque não podia ser vendido. Devia

permanecer na propriedade senhorial. A Igreja condenava a escravização de

cristãos por outros não cristãos, mas, admitia que indivíduos de outras raças e

culturas podiam ser importados nos mercados levantinos. Santo Agostinho e

Santo Tomás de Aquino consideravam a escravidão como uma forma de

punição imposta aos pecados. Portanto, os tempos modernos e o Novo Mundo

americano encontraram um corpo doutrinário que endossava o sistema

escravista, como observa Mesquita Filho (1956:226):

“O tipo de civilização que se inicia foi, assim, fator de primacial importância para a implantação do regime escravocrata em todo o benefício ocidental. Não foi entretanto o único. Outra causa decisiva para que todos os povos vissem na escravatura um direito natural era a distinção nítida que a filosofia cristã estabelecia entre os adeptos da Igreja católica e os que a ela não pertenciam. Anos após a descoberta de Colombo discutiam os doutores da Igreja se devia ou não conceder uma alma aos habitantes nativos das Américas. [...] Quase ninguém considerava o tráfego um mal. O sentimento geral dos cristãos era que os cristãos ou não-cristãos eram dois mundos absolutamente opostos.”

Mas não é este o único fator de discriminação básico que justifica a

escravização do negro, pois uma vez batizado, catequizado e incorporado ao

catolicismo não mais justificaria tal distinção. A contradição fundamental estaria

nos fatores cor da pele e resíduos culturais africanos, dos quais lançavam mão

a escravocracia, embora de modo velado. Continua Mesquita:

“Era pois absolutamente geral esse estado de espírito. Países, instituições e indivíduos se irmanavam na convicção de que usavam um direito perfeitamente compatível com a essência do espírito religioso ao reduzir à condição de máquina de produzir utilidades os habitantes da África, da Ásia e da América. E tão profundamente se havia essa estranha concepção das coisas, que nem mesmo os jesuítas delas se eximiam. [...] Angola é por um tempo colônia jesuíta. Os padres governam, os governadores são pupilos seus; o clero secular e os bispos em vão protestam e reagem contra os intrusos. Não havia, porém,

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em Angola, nem meios, nem utilidade em aldear negros e plantar cana; havia porém um rendoso negócio, a escravatura, para a qual eram desnecessário catequese e proteção dos indígenas. Por isso a Companhia deitou-se ao negócio dos escravos (batizados, convertidos, escusado é dizê-lo) obtendo o privilégio de exportação de umas centenas, em três navios ao ano, isentos de direitos.” (p.226-227).

Padre Vieira (1998), no XIV sermão, pregado à Irmandade do

Rosário, em um engenho na Bahia, em 1633, firma a doutrina da escravidão,

em contradição com a universalidade do homem e a igualdade entre os povos,

sustentados pelo próprio cristianismo. No § VI esclarece que os portugueses

descobriram a Etiópia ocidental de onde foram os etíopes trazidos para a

América em enormes quantidades; crêem, confessam e adoram o Rosário da

Senhora:

“Se a gente preta, tirada das brenhas da sua Etiópia e passada ao Brasil, conhecera bem quanto deve a Deus e sua santíssima mãe por este que pode parecer desterro, cativeiro e desgraça e não é senão milagre? Dizei-me vossos pais, que nasceram nas trevas da gentilidade e acabam a vida sem lume da fé nem conhecimento de Deus, onde vão depois da morte ? Todos como credes e confessais, vão ao inferno e lá estão ardendo e arderão por toda eternidade [...] Vós que sois seus filhos, vos salveis e vades ao céu, como os filhos de Coré”

No § VII Vieira continua sua tentativa de persuadir os escravos pela

resignação de ser escravo apesar do enorme sacrifício:

“Não se pudera nem melhor nem mais altamente descrever que coisa é ser escravo em um engenho do Brasil. Não há trabalho nem gênero de vida no mundo mais parecido à cruz e paixão de Cristo que vosso em um destes engenhos. Bem-aventurados vós, se soubéreis conhecer a fortuna do vosso estado e com a conformidade e imitação de tão alta e divina semelhança, aproveitar e santificar o trabalho. Em um engenho sois imitadores de Cristo porque padeceis em um mundo semelhante o que o mesmo senhor padeceu na cruz e em toda a sua paixão” (p.143).

Traçando um paralelo entre o sofrimento de Cristo e o sofrimento do

escravo, Vieira estabelece uma cadeia de metáforas, a partir da base da cruz

ter sido composta de dois madeiros e a presença de duas canas na

crucificação:

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“uma servindo de cetro de escárnio e a outra levando a esponja com o fel; a paixão de Cristo parte foi a noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar e tais são as vossas noites e vossos dias; Cristo despido e vós despidos; Cristo sem comer e vós famintos; Cristo em tudo maltratado e vós maltratado em tudo” (p.144).

No § VIII, estabelece um jogo de contrários pontuando o sofrimento

do escravo de acordo com os mistérios dolorosos e gozosos do Rosário:

“Os dolorosos são os que vos pertencem a vós, como os gozosos aos que, devendo-vos tratar como irmãos, se chamam vossos senhores. Eles mandam e vós servis; eles dormem e vós velais; eles descansam e vós trabalhais; eles gozam o fruto de vossos trabalhos e o que vós colheis deles é um trabalho sobre o outro. Não há trabalhos mais doces que os das vossas oficinas; mas toda essa doçura para quem é? Sois como as abelhas, de quem disse o poeta: o mesmo passa nas vossas colméias. As abelhas fabricam o mel sim, mas não para si. E posto que os que o logram é como tão diferente fortuna da vossa, se vós porém vos souberdes aproveitar dela e conformá-la com o exemplo e paciência de Cristo e vos prometo primeiramente que esses mesmos trabalhos vos sejam muito doces, como foram ao mesmo senhor e depois sois companheiros de Cristo nos mistérios dolorosos de sua cruz, assim o sereis nos gloriosos de sua ressurreição em ascensão.” (p.151/152).

A ordem escravista estava mantida e mais que isso, sacralizada.

Somente no século XIX sofrerá seus primeiros abalos dialéticos das forças

contrárias a ela.

Cabe, finalmente, uma palavra sobre o mercantilismo, sistema

econômico considerado o protótipo do capitalismo. O mercantilismo se pautava

pelo desejo de lucro e acumulação, agora sem os obstáculos morais que

prevaleceram na Idade Média. É oportuno esclarecer que o desejo de lucro

remonta a muitos séculos antes do capitalismo. Isoladamente sempre houve

grandes fortunas sem que significasse uma ordem estabelecida. Mas é a partir

do mercantilismo que a atividade de troca se estabelece como norma e da qual

dependem os demais segmentos sociais. Antes do mercantilismo os reis

faziam guerra para adquirir tesouros; os nobres lutavam pelo domínio das

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terras e o lucro comercial era raro. Mas a mentalidade da fortuna dos heróis e

dos reis começa a ceder lugar à fortuna do lucro comercial no final da Idade

Média, aliada à idéia de poder nacional, tendo o ouro como o principal objeto: a

formação dos grandes exércitos e das aventuras, a riqueza real e a aventura

nacional, além de uma crença de que se tudo fosse permitido na busca da

fortuna, uma nação não podia deixar de ser próspera. Com outras palavras

expõe Ianni (2000:44):

“O novo Mundo nasce e se desenvolve como produto e condição da acumulação originária, processo por meio do qual se inicia e se desenvolve a metamorfose do dinheiro em capital; metamorfose que influencia decisivamente as condições sob as quais se dá a Revolução Industrial inglesa. (...) Está em curso a gênese do capitalismo, que envolve a busca de metais preciosos, especiarias, produtos tropicais, matérias-primas, formas compulsórias de organização do trabalho e da produção, pirataria, intensa e generalizada reprodução mercantil e metamorfose do dinheiro em capital.”

Nesse sentido, completa Iglésias (1971) que se deve ligar à

colonização, na era do mercantilismo, sobretudo ao afã de lucro, de riqueza. A

colonização vem a ser o instrumento do imperialismo, a partir do

descobrimento do Novo Mundo.

“Assiste-se ai ao processo de europeização da terra, quando os padrões europeus se impõem ou tentam ser impostos a todos. Prega-se o cristianismo nos vários continentes, como religião por excelência; as línguas, a literatura e a arte dos europeus sãos vistas como superiores, enquanto os outros homens são rudes, bárbaros, pois não são brancos, não se vestem como os europeus, não têm suas crenças nem suas idéias. É preciso impor esses produtos, ainda que necessário a força” (p.69).

As ideologias da colonização chegam envoltas na cultura espiritual e

material, especialmente no mercantilismo que marca com sua política a história

dos tempos modernos; a política dos Estados Nacionais, fundada no ideal

intervencionista, com excesso de regulamentação, com monopólios. Agora o

que vale é a riqueza do Estado, jamais o bem-estar social do povo. É nesse

sentido que Iglesias (1971:68) questiona:

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“Se essa política pensa na riqueza e não nas conveniências dos súditos, pode-se imaginar o que a colonização vem a ser; se os próprios nacionais são peças de uma engrenagem que visa à riqueza do Estado, os homens das colônias são ainda menos e nada contam.”

Se nos primórdios da colonização do Brasil ela não se constituiu no

tipo classificado como de povoamento, no século XVII, toma um caráter

peculiar formando um tipo de sociedade muito original, como analisa Prado

Júnior (1962). Não sendo uma simples feitoria, mas conservando um

acentuado caráter mercantil, a empresa do colono branco conta com a

prodigalidade da natureza e o trabalho escravo tanto do indígena quanto do

africano para a produção de gêneros de grande valor comercial. Pode-se dizer

que esse sistema de colonização tornou-se híbrido ao conservar o caráter das

feitorias exploradoras mas ao mesmo tempo admitiu o enraizamento de uma

pequena massa populacional empregada na exploração dos recursos naturais,

em proveito do comércio europeu. Foi com o objetivo de fornecer açúcar,

tabaco e algodão para o comércio europeu que se constituiu a sociedade

brasileira; não voltada para si mesma. Veio o português para especular,

realizar um negócio; tendo o indígena e o negro apenas como força de

trabalho. Assim começa a formar a colônia brasileira.

O elemento central da atividade produtora é o engenho. No início

significava apenas as instalações necessárias à fabricação do açúcar. Mas

tarde passou a designar o conjunto da propriedade, como uma grande fazenda.

Além do açúcar os engenhos produziam também a aguardente, que servia para

o consumo na colônia e como elemento de troca para aquisição de escravos na

África. O tabaco tinha também as mesmas finalidades. Essas fazendas são

dotadas de grandes propriedades territoriais cedidas pelo sistema de doação

de carta de sesmarias. Todo o esforço da coroa era no sentido de carrear para

o reino todas as vantagens nas relações de produção, por isso, impunham

privilégios aos reinóis em prejuízo dos colonos. Abreu (2000) mostra esse

caráter do português de ganhar fortuna o mais depressa possível para ir

desfrutá-la no além-mar. Os diversos componentes da população nutriam

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desafeição pela colônia. O português vindo da terra, o reinol, julgava-se muito

superior ao português nascido nestas paragens alongadas e bárbaras; o

português nascido no Brasil, o mazombo, sentia e reconhecia sua inferioridade.

O próprio nome inicialmente dado à capitania de Pernambuco por Duarte

Coelho, de Nova Lusitânia, indica a disposição dos portugueses para

considerar a região como uma extensão de Portugal. Quando a lei não era

suficiente para manter os privilégios sobre os índios, negros, mulatos e nativos,

estabeleciam normas arbitrárias ou usavam a força. Os navios que levavam o

açúcar, a aguardente e o fumo para o mercado de além-mar, voltavam

carregados de tecidos de vários tipos, agulha, papel, tinta para escrever; anzóis

e linhas para pescar; pratos e jarras de estanho de uso dos escravos; enxadas

e foices para os trabalhos da lavoura; pregos, tijolos, cobres para as tachas e

ferros para os tambores da moenda; tabuadas para as caixas de açúcar; breu,

enxárcia, estopa, cordas e amarras para barcos; copos de vidro e louça para as

refeições dos mais graduados; azeite, vinho, vinagre, sardinha, bacalhau, carne

de baleia, presunto, chouriço, queijo, farinha de trigo, pão e biscoito; objetos de

luxo. O fabricante de açúcar quase não recebia em dinheiro a mercadoria

exportada mas sim em produtos europeus importados. Os mercadores

percorriam os engenhos levando mercadorias supervalorizadas. Os impostos

arrecadados com exportação e com a importação iam brutos para a Metrópole,

sem que parte alguma fosse aplicada em benefício dos colonos, como relata

Abreu (2000: 296): “Não havia fontes nem pontes; nem estradas; se por

alguma circunstância favorável construía-se alguma, à falta de conservação

estragava-se ou ficava de todo arruinada”. Na verdade, como a moeda quase

não circulava, até os tributos eram pagos em espécie. O português, óbvio, não

ambicionava somente a riqueza mas o “status” que proporcionava. Quem

possuía a terra possuía ao mesmo tempo prestígio e poder. Por isso, toda

atividade lucrativa era reservada aos portugueses natos e a legislação garantia

exclusividade e monopólio aos reinóis. Proibia a circulação e a fabricação de

todo e qualquer produto da colônia que fizesse concorrência aos produtos do

reino. Chegou a proibir a fabricação de aguardente na colônia por concorrer

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com o vinho do Porto. Os reinóis faziam obstáculo até à agricultura de

subsistência que somente nos domingos podia ser praticada.

A monocultura do açúcar é uma outra extensão do Mercantilismo.

Como os preços do açúcar no mercado externo eram vantajosos todos os

esforços se canalizavam para a sua produção. Daí a importância e o

significado do senhor de engenho real, conforme coloca Antonil (1996:75), no

acadêmico título:

Do cabedal que há de ser o senhor de um engenho real. “O senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser, homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionalmente se estimam os títulos entre os fidalgos do Reino.[...] Dos senhores dependem os lavradores que têm partidos arrendados em terras do mesmo engenho, como os cidadãos dos fidalgos; e quanto os senhores sãos mais possantes e bem aparelhados de todo o necessário, afáveis e verdadeiros, tanto mais são procurados, ainda dos que não têm a casa cativa, ou por antiga obrigação, ou por preço que para isso receberam. Servem ao senhor do engenho, em vários ofícios, além dos escravos de enxada e foice que têm nas fazendas e na moenda, e fora os mulatos e mulatas, negros e negras de casas, os ocupados em outras partes, barqueiros, canoeiros, calafates, carapinas, carreiros, oleiros, vaqueiros, pastores e pescadores. Têm mais cada senhor destes, necessariamente, um mestre de açúcar, um banqueiro e um contrabanqueiro, um purgador, um caixeiro no engenho e outro na cidade, feitores nos partidos e roças, um feitor-mor do engenho, e para o espiritual, um sacerdote seu capelão, e cada qual destes oficiais tem soldada.”.

Desta forma Antonil se coloca na conformidade da ordem

mercantilista vigente, oferecendo orientação e garantias aos investidores,

contrapondo-se aos pequenos senhores de engenho, possuidores de poucos

escravos.

O lucro da monocultura açucareira criou o mercado dos produtos do

gado bovino como a carne e o couro. Se na agroindústria açucareira já existiam

enormes latifúndios, a sua conseqüente criação de gado iria contribuir para o

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alongamento das propriedades territoriais. Novamente aqui prevalecem os

privilégios nas concessões das propriedades, a exemplo do morgadio que é a

mais intricados forma de direito territorial. O proprietário não podia alienar o

imóvel e somente seu primogênito poderia herdá-lo. A coroa, contudo, podia

obstar a herança em caso de mau comportamento do herdeiro. Desta forma, os

herdeiros de um morgadio deveriam estar sempre afinados com a ordem da

corte. Ficou célebre o morgado da Casa da Ponte, descrito por Antonil

(1976:200):

“Sendo o sertão da Bahia tão dilatado, quase todo pertence a duas principais famílias da mesma cidade, que são da Torre, e a do defunto mestre de campo Antonio Guedes de Brito. Porque a casa da Torre tem duzentos e sessenta léguas pelo Rio de São Francisco, acima á mão direita, indo para o Sul e indo do dito rio para o norte chega a oitenta léguas. E os herdeiros do mestre de campo Antônio Guedes de Brito possuem desde o Morro dos Chapéus até nascente do Rio das Velhas, cento e sessenta léguas. [...] E assim como há currais no território da Bahia, de Pernambuco e de outras capitanias, de duzentas, trezentas, quatrocentas, oitocentas e mil cabeças assim há fazendas a quem pertencem tantos currais que chegam a ter seis mil, oito mil, dez mil e até vinte mil cabeças de gado”.

Na margem esquerda do São Francisco, território de Pernambuco

dominava a família D’Avila, herdeiros de Francisco Dias D’Avila que no dizer de

Lima Sobrinho (1929: 91-92), aparece como capitão de entradas, na condição

de explorador dos índios, conforme depoimento de Frei Marinho de Nantes:

“Quantas vezes os índios pacíficos não teriam sido provocados para que os capitães os escravizassem e se apropriassem de suas terras. [...] Raros eram os litígios que triunfavam em juízo contra a família potentada dos Ávila, tal a importância de que gozava, o prestígio de que dispunha, os imensos serviços prestados nas conquistas das bandeiras e nos vários ramos de administração.”

O despotismo e o sentido materialista chega ao cúmulo de Francisco

Dias D’Ávila ocupar com cavalos os espaços habitados por índios, conforme

denuncia Frei Martinho:

“O coronel Dias de Ávila, sob pretexto de que o rei de Portugal lhe havia doado todas as terras devolutas do Rio São

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Francisco, a fim de as povoar com rebanhos, para o serviço das cidades da Bahia e de Pernambuco, desejava apoderar-se, e na realidade se apoderou do que o rei executava formalmente nas provisões que o contemplavam. De sorte que ele espalhava rebanhos não somente de um como do outro lado do rio, em terra firme, mas também punha cavalos nas ilhas em que os índios se haviam refugiado, cedendo-lhe tudo o mais para poderem viver em pás. (...) e como sobreviesse uma grande seca, esses cavalos, já muito incômodos para os índios, obrigando-os a cercar suas lavouras, e estando premidos pela fome, forçavam as melhores cercas e tudo devoravam. Avisei a Francisco Dias D’Ávila, pedindo-lhe, por todos os meios capazes de o enternecer, para retirar seus cavalos, pois que reduziam os índios a morrer de fome. Ele apareceu, certo domingo, na região, para ouvir missa e, depois do que eu lhe expus de viva voz, respondeu-me que o que eu lhe pedia não o incomodava e que por isso não fazia nada” (Nantes, 1979: 60).

Ávila foi para a Bahia e lá denunciou com calúnias o Padre Martinho.

Procurando defender-se o missionário escreveu ao Governador da Bahia,

mostrando a penúria dos índios e seu trabalho na região. O governador nunca

lhe deu respostas.

Portanto, as grandes navegações e explorações desde os estudos

náuticos realizados na Itália e na Península Ibérica tiveram como objetivo a

expansão da Europa. A Espanha teve sua recompensa, isto é, colheu os frutos

de seu esforço. Portugal amplia seus domínios e se enriquece com as

descobertas de caminhos intercontinentais.

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MUTATIS MUTANDIS – O MUNDO MUDA – TUDO

GIRA

“O primeiro passo para a filosofia é a incredulidade”. (Diderot)

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3. MUTATIS MUTANDIS – O MUNDO MUDA – TUDO GIRA

Os acontecimentos históricos, notadamente o desenvolvimento tecnológico, colocaram a Europa em acentuada situação de domínio sobre as demais regiões do mundo. 3.1. O Ocidente no século XVIII

FIGURA 2 – “Amor sagrado e amor profano”, de Ticiano [1515] Fonte: História Del Arte (16), 1985

O iluminismo do século XVIII foi o auge das correntes que

marchavam de forma acelerada para as concepções materialistas. A marcha

lenta, contudo, havia começado no final da Idade Média, quando o homem

europeu deixava de organizar-se exclusivamente em torno da idéia de Deus e

voltava suas atenções para o mundo material. O materialismo sistematizou-se

nas obras de Julien Offroy de la Metrie (1709/1751) que publicou em 1742 Uma

história natural da alma e em 1748, O homem e a máquina. O Barão de

Holbach publicou em 1770, “Sistema da natureza”. O materialismo do séc.

XVIII serve à causa da burguesia e ao individualismo. De forma idealista tenta

resgatar os antigos atomistas gregos e o modelo artístico dos clássicos. Com

isso, o homem burguês, senhor do saber, se espelha no mundo clássico antigo

porque aquela mentalidade significava a garantia da manutenção da ordem

conquistada desde o final da Idade Média. Resgatar os mitos gregos e

romanos era um apelo à perpetuação dos valores configurados na ideologia

burguesa. Funari (1988:262) diz que “as permanências ligadas à herança

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clássica, explicitam-se como constructos ideológicos que visam preservar

certos valores e costumes, de origem supostamente antiga, impostos pela

cultura dominante”. A natureza passa a ser contemplada como algo de vida

própria e o homem como parte da natureza age independente da vontade de

Deus. Os homens de pensamento e de ciência do século XVIII contemplam as

divindades ou os mitos gregos por causa da sua naturalidade. Reale (1990:17)

diz que as divindades gregas não pedem ao homem que ele mude sua

natureza, ou seja, nada acima de si mesmo, mas ao contrário, que ele siga a

sua própria natureza. “Fazer em honra dos deuses aquilo que está na

conformidade com sua própria natureza é tudo o que os deuses pedem do

homem”.

O século XVIII, desde seu começo aponta para uma série de

“revoluções”, isto é, mudanças radicais em todos os setores da vida: na

História, como modo de ver o passado da humanidade; na filosofia preparando

e anunciando o mundo contemporâneo. É o chamado “século das luzes”. O

avanço dos conhecimentos desenvolve a fé no contínuo progresso da

humanidade. O catolicismo marca um período de recuo, em todo o mundo

fazendo surgir novas concepções de mundo. As técnicas aperfeiçoaram-se a

ponto de serem consideradas revoluções: náutica e industrial. Em face da

detenção dos conhecimentos racionais da ciência e da técnica, os europeus

adquiriram a primazia sobre o restante do mundo: impõem seus domínios, a

religião, a estética. A Europa prossegue a conquista, a ocupação e a

transformação do mundo repartido entre seus Estados. A filosofia do

iluminismo contrapõe aos princípios morais e filosóficos da Idade Média e do

Renascimento, começando por entender que “os nossos sentidos revelam-nos

que nos encontramos na terra para gozarmos a felicidade, isto é, para o prazer.

Devemos começar por repetir a nós próprios que nada mais temos a fazer

neste mundo além de procurar sensações e sentimentos agradáveis” (Mousnier

& Labrousse, 1961: 86). Com relação ao pacto social estabelecem que as

sociedades devem ser organizadas para a felicidade dos homens. Para garanti-

la os homens assinaram entre si, um contrato no sentido de unir força contra os

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flagelos naturais. Os homens escolhem seus governantes para que estes lhes

assegurem tais direitos. Se os governantes não respeitam o contrato e violam

seus direitos, a insurreição passa a ser um direito do povo. Por outro lado o

governo deve ser despótico e monárquico.

“O príncipe deve garantir os direitos do homem; em primeiro lugar a liberdade da pessoa humana: para isso precisa suprimir a escravatura e a servidão. Concederá também a liberdade de movimentos, do comércio, da indústria, da navegação, a liberdade civil, mas não a liberdade política, ou então uma liberdade política limitada. [...] O príncipe deve também garantir a igualdade perante a lei, suprimindo os privilégios de nascimento. Eclesiásticos e nobres devem pagar o imposto proporcional, sendo todos julgados pelos mesmos tribunais e punidos igualmente pelas mesmas faltas [...] A natureza deu aos homens uma vontade, uma inteligência e aptidões desiguais. Desta desigualdade de talento resulta a desigualdade de fortunas que, portanto, é natural” (Mousnier & Labrousse, 1961: 87).

Estava, portanto, configurada a mentalidade burguesa: o estado e a

sociedade moldados a partir de seu caráter, isto é, numa visível contradição:

condenava os privilégios da nobreza e do clero, mas postulava o privilégio da

desigualdade gerada pela disparidade de aptidões e de talentos. Para os

enciclopedistas a propriedade é natural e sagrada, o príncipe deve manter a

inviolabilidade da propriedade e conceder aos mais ricos e aos proprietários

fundiários um poder legislativo. Para os enciclopedistas os benefícios do

conhecimento científicos e técnicos, savoir-faire, não deveriam atingir o povo

que é muito estúpido, como dizia Voltaire: ”A quantidade da canalha é, mais ou

menos, sempre a mesma [...] a multidão é ignorante e embrutecida; [...] o povo

tolo e bárbaro precisa de uma canga, de um agulhão e de feno”. (Mousnier &

Labrousse, 1961: 87).

Para Ianni (2000) esse corpo de idéias, essas posições

alimentadoras de privilégios, essas noções de excludentismos, essas

consagrações de direitos em nome da natureza, a razão submetida aos

interesses da classe dominante, a fé religiosa colocada a serviço da

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acumulação de capitais e da busca de lucro, assim, tudo contribui para uma

nova forma de relacionamento da Europa com as colônias. O saber tecnológico

instrumentaliza as explorações na América com tudo que há de mais sagrado

até então: a demagogia. Mas além da demagogia que possibilita à burguesia

um discurso que lhe garanta poder e prestígio, mas continua considerando que

o povo precisa de canga, que a escravidão é absurda mas não abre mão dela.

As novas idéias burguesas repelidas pela Igreja Católica buscam refúgio e

proteção na Maçonaria. A velha instituição medieval que protegia o trabalhador

é transformada e passa a dar guarida a fidalgos, burgueses, abastados,

membros de profissões liberais, filósofos como Montesquieu, Hivetius, Voltaire.

A nobreza aderiu em massa e dela saíram inúmeros grão-mestres. A

Maçonaria passa a ser uma potência que espalha as idéias dos pensadores

europeus. No interior dessa instituição iniciática e secreta, os “iluministas”

protegiam-se contra os governos despóticos e a igreja inquisidora.

Dialeticamente, da mesma forma que as idéias iluministas lançam luz interior

do nicho das novas formas de colonização, elas oferecem armas às colônias

para uma reação independentista (Mousnier & Labrousse, 1961).

A partir das idéias iluministas de que era necessário dar liberdade ao

indivíduo porque este conhece seus próprios interesses melhor que qualquer

outra pessoa: laisses faire, laisser passer, Adam Smith (1723/1790) no livro

intitulado “A riqueza das nações” (1776) mostra a existência de uma ordem

natural, que se realiza quando se deixa a natureza funcionar livremente.

“O homem tem tendência a melhorar sua sorte e é soberanamente apto a descobrir onde se encontra seu interesse pessoal: o melhor, portanto, é deixá-lo livre. O Estado só deve intervir quando os indivíduos se mostram incapazes de criar as instituições úteis à sociedade. A fixação dos salários é o resultado de uma discussão entre o capitalista e o operário, discussão que se transforma numa luta de classes rivais. Os senhores constituem uma espécie de liga para impedir o aumento dos salários”

Heibroner (1996) considera Smith um revolucionário que jamais

teria apoiado um levante que desorganizasse as classes cavalheirescas e

entronizasse os pobres comuns; é um admirador do trabalho do burguês, mas

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desconfiado de seus motivos e consciente das necessidades das grandes

massas trabalhadoras. Estava preocupado em promover a riqueza pela nação

inteira. Foi-se a noção de ouro, tesouro, mercadorias reais; foram-se as

prerrogativas de mercadores, fazendeiros ou guildas de trabalhadores. Para

Smith o consumo de bens e serviços não deveria estar restrito somente às

classes privilegiadas, mas por todos os segmentos sociais.

A expansão econômica dos países europeus se realiza dentro de

esferas administrativas racionalizadas visando o aproveitamento máximo das

colônias em favor das nações colonizadoras. Os ingleses empreenderam

política agressiva de expansão de negócios na rota para o Oriente, África e

América, tendo a escravatura como elemento que supre a escassez de mão-

de-obra além de constituir-se em valiosa mercadoria que proporciona altos

lucros. O Tratado de Utrecht (1713) concede à Inglaterra poderes marítimos e

comerciais. A burguesia rica composta de financistas, negociantes e

armadores, aumentam. Depois da Guerra dos Sete Anos (1756/1763), com a

vitória da Inglaterra, esta aumenta sua hegemonia ou poder de competição e

provoca uma enorme modificação do sistema internacional do livre comércio;

supera os termos escritos do mercantilismo. O surto comercial e a revolução

industrial transformam os grandes domínios ingleses.

“É preciso mais lã para a indústria, mais trigo e mais carne para as cidades que crescem. Os burgueses, que compram domínios senhoriais pretendem, como é seu hábito, tirar deles o máximo proveito. [...] O comércio subverte a sociedade contribuindo com um surto de depravação moral. [...] a frieza da Igreja Anglicana contribui com o evangelismo e filantropismo prestando à burguesia um serviço evidente: contribuiu para que o proletariado agüentasse com paciência” (Mousnier & Labrousse, 1962: 191).

Na França a burguesia pretende e reivindica a liberdade para seus

negócios; a supressão dos privilégios de nascimento; uma participação na

elaboração das leis, o controle do orçamento e da política real, além da

manutenção de muitos direitos senhoriais pois alguns burgueses compraram

feudos. Algumas medidas favoráveis à burguesia foram efetuadas. Após 1750

a administração real atenua os regulamentos de fabrico; permite fazer tecidos

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pintados e tingidos; suprime artigos dos regulamentos e só aplica outros com

certa prudência. Em 1788 a nação francesa estava dividida: de um lado Clero,

Nobreza e Terceiro Estado, do outro os burgueses que criam um partido

nacional. As hostilidades são cada vez mais violentas e culmina com a

Revolução Francesa de 14 de julho de 1789 (Mousnier & Labrousse, 1962:

200).

Muito bem situada nesse tempo a novela de Diderot intitulada “O

sobrinho de Rameu”. O nome da obra é o mesmo do personagem principal e

decorre do fato de ser sobrinho do músico clássico francês Jean-Phillippe

Rameu (1683/1764). Trava um enorme diálogo, após encontro num café de

Paris onde gente desocupada jogava dama e xadrez. Como o sobrinho de

Rameu ainda não era independente, deveria permanecer calado; como não

tinha dotes não podia se casar com a filha de um homem de posses (Diderot,

1973: 340-455). A novela “O sobrinho Rameu” é importante pela simbologia

que estampa, ou seja, a representação da burguesia em sua totalidade:

poderosa pela detenção do saber e os privilégios que usufrui em face desse

saber; o individualismo levado ao extremo, pois, o resto do mundo não lhe

interessa; a detenção de resíduos da cultura ao tentar viver sem trabalhar; a

preocupação com a aparência física para impressionar o interior do indivíduo;

viver intensa e folgadamente os prazeres da vida sem jamais pensar no outro;

a idéia da necessidade de pessoas medíocres para eleger os gênios. Enfim, a

literatura burguesa se encarrega de levar aos quadrantes do mundo a ideologia

de sua superioridade e do merecimento de ingentes recompensas.

Depois de Diderot surge, na segunda metade do século um

pensador que usa o texto literário como veículo de suas idéias, que é Jean-

Jacques Rousseau (1712/1778) que se coloca na contramão do

enciclopedismo, buscando um sentido mais humano para a vida em sociedade,

como no discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade dos

homens, no qual traça o retrato do bom selvagem em estado natural, no estado

de graça: robusto e ágil, solitário, instintivo, perfeitamente feliz. O homem que

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pensa é um animal depravado. Da propriedade nascem as desigualdades, a

concorrência, a rivalidade, o orgulho, a avareza, a inveja, a maldade, as lutas

de classe, as guerras. Numa espécie de autocontradição, Rousseau coloca na

obra Do contrato social, ficção que idealiza uma forma de estado resultante de

um acordo comum entre seus membros. Os indivíduos devem ceder parte de

suas prerrogativas para se tornarem cidadãos. A contradição de Rousseau com

relação ao discurso sobre as origens das desigualdades é que o estado social

não é natural, apóia-se em convenções. Mas o objetivo do contrato social é

encontrar uma forma de associação que conserve aos indivíduos a igualdade e

a liberdade que a natureza lhe deu. O Emile (Emílio) é a utopia pedagógica, de

certa forma completa a teoria política de Rousseau. O preceptor de Emílio

isola-o da sociedade, que é considerada má e corrompida, a fim de melhor

educá-lo para fazê-lo viver de acordo com a natureza, utilizando a sua

disposição para procurar o que é agradável ao homem e para repelir o resto. O

método pedagógico em “Emílio” consiste no ensino através da experiência

mais que na racionalização: educação como um processo espontâneo em

contato com a natureza. O aprendizado ocorre de acordo com a superação das

dificuldades da vida. A educação deve ser oferecida numa atmosfera de

sinceridade e de liberdade, bem diferente da educação praticada até então. A

educação religiosa era somente após os vinte anos. Rousseau conseguiu

influenciar a sua época e a época subsequente, sobretudo pelo espírito

humanista que rechaça a frieza e a dureza dos enciclopedistas. As idéias

socialistas românticas e o valor da democracia no século XIX inspiram-se em

Rousseau (Rosseau, 1978:22).

3.2 A Espanha e seu império em descensão

3.2.1 As chamas dos canhões iluminam a península

O reinado de Filipe V (1700/1746) inaugura o século XVIII e se

caracteriza por uma enorme turbulência. Embora a situação econômica fosse

desesperadora, foi o enfraquecimento da coroa que ameaçou e abalou a

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sobrevivência do país. Segundo Branding (1998), o papel relativamente

passivo que a Espanha desempenhou na guerra que decidiu seu destino,

tornou-se totalmente manifesto no tratado de paz assinado em 1713 em

Utrecht. Na renúncia ao trono espanhol, o imperador da Áustria recebeu os

Países Baixos, Milão, Sardenha e Nápoles. O rei da Sabóia foi agraciado com

a Sicília. Além disso, a Grã-Bretanha conservou o domínio de Gibraltar e

Minorca; o monopólio do tráfico de escravos africanos para todo o império

espanhol; direito de enviar anualmente um navio com quinhentas toneladas de

mercadoria para o comércio das colônias da América; cessão de Sacramento,

à margem do Rio da Prata a Portugal, local ideal para contrabando. Em 1733 e

1743 mais guerra e mais pacto redundando em ruínas para a Espanha. Em

1737 o embaixador inglês, sir Benjamim Keene escreveu que o país estava

“destituído de alianças e de amigos estrangeiros, desequilibrado em suas

finanças, com o exército em má condição e a marinha em situação pior, se é

que é possível, e sem ministro forte”. Somente o reinado de Fernando VI

(1746/1759) resolveu abandonar as disputas dinásticas em favor da tentativa

de paz, na busca da austeridade interna. Firma com seu sogro, D. João V, o

importante Tratado de Madri, de 1750, que fixou as fronteiras dos vice-reinos

do Peru e do Brasil; afastou fontes potenciais de atrito internacional. Somente

no final do século, Carlos III (1759/1788), no que pese as perdas com a Guerra

dos Sete Anos, consegue recuperação econômica para a Espanha, graças aos

serviços de ministros, especialmente Floridablanca (Branding, 1998: 394).

Do ponto de vista institucional a Espanha, no século XVIII,

continuava sendo o que os reis contribuíram para arruinar o poder político dos

senhores, não conseguiam tirar o país da Idade Média. Leis, regulamentos e

costumes contribuíam para o emperramento da administração e do

desempenho institucional. Fornece para a Inglaterra, França e outros países

europeus, na forma de matéria-prima a lã de seus carneiros, os metais

preciosos, o ouro e a prata das colônias, recebendo, em troca, os produtos

industrializados de que necessitava. Os reis esforçaram-se por desenvolver o

comércio e a indústria, incentivando as manufaturas reais; importação de

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técnicas estrangeiras; apoio a manufaturas particulares com subvenções e

proteção alfandegária; criação de companhias de comércio; fundação de

sociedades econômicas e patrióticas para dar ao trabalho lugar de honra;

construção de estradas e canais; proteção dos rendeiros; em 1775, suprime as

alfândegas internas. O certo é que a partir de 1779, não se importam mais

tecidos sedas e chapéus da França. Conforme Mousnier & Labrousse,

1962:201, os corpos instituídos que poderiam opor-se à vontade real foram

dominados. O que foi conservado teve de obedecer ao governo. Em 1753 o rei

assumiu temporariamente a nomeação dos bispos de forma permanente. Os

jesuítas foram suprimidos em 1767 sob a acusação de traição ou “intenções

regicidas”, mas na verdade, em face de pregações contrárias ao direito

monárquico.

No terreno das idéias sobressaem as defesas dos direitos políticos;

renovação da educação e a luta pela liberdade de pensamento. O lastro da

cultura barroca que reforçava o princípio da autoridade constitui-se em forma

de resistência à liberdade de expressão individual. O poder disciplinador da

Igreja obrigava os iluministas a aceitar os modelos que lhes eram impostos. A

inquisição renova o index de livros proibidos. Acompanhando a censura

eclesiástica Fernando VI colocou em evidência a censura do estado,

obrigatória para qualquer escrito publicado na Espanha. Relata Cortazar &

Vesga que censores ignorantes não foram capazes de formalizar sentenças

razoáveis, especializando-se em ser contrários a edições apenas suspeitas.

Carlos III ameniza a situação, mas os motins de 1766 reavivam o medo da

imprensa, provocando o envio de censores para as alfândegas e redução da

autorização de novas edições.

“O enciclopedismo francês infiltra-se através das cidades comerciais como Barcelona, Valência, Bilibau e Cádis. Mais de vinte livrarias, algumas de origem francesa, demonstravam a procura cultural da burguesia e o caráter relativamente público da transação de publicações proibidas” (p.302).

Moreira (1998:59) reforça essa tendência vigente na Espanha,

chamando como testemunho os textos de Frei Rafael Vélez:

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“Toda a literatura destinada à valorização de uma atitude crítica universal, apregoadora do triunfo da razão e da negação da verdade revelada, incentivadora da busca da felicidade terrenal, otimista e satírica, saída das penas de Montesquieu, Voltaire, Diderot, Helvécio e outros, mas, sobretudo de Rousseau com o Contrato social e o Emílio, entrou em território espanhol para desespero dos censores. Frei Rafael Vélez refere-se ao pus e aos estragos causados por ela: uma rebelião dos povos contra a religião [...], uma imoralidade, uma corrupção, uma peste que contraímos de o comércio com a França, da leitura de seus livros”.

Em toda essa opacidade e inflexibilidade há uma situação que

contrabalança: na linha de defesa do liberalismo político e econômico Valentin

de Foronda insiste na urgência de preservar a propriedade e a segurança face

às limitações excessivas e as tendências tutelares do poder. Juvelinos e

Cabarrús lamentam que o impulso reformista tinha chegado ao fim. As

reformas eram fruto do despertar da visão liberal típica do século, anunciando

um desenvolvimento capitalista harmônico num mercado transparente onde o

Estado desempenha o papel de simples espectador; uma sociedade baseada

no interesse individual e a total liberdade de idéias (Cortázar & Vesga, 1997:

297).

A situação social é delicada em face do empobrecimento

generalizado na península. A burguesia comercial tentava se organizar em

todas as grandes cidades. A tendência da nobreza era a de reduzir-se

quantitativamente e em nível de ostentação. Somente os nobres mais ricos

conseguiam uma sobrevivência estável. O declínio da média nobreza foi

compensado pelo crescimento da burguesia comercial. Moreira (1998) nos

oferece um quadro surpreendente sobre a pobreza espanhola, na qual acabava

boa parte da população espanhola, na maioria camponesa que assustava os

viajantes de outros países. Faz ampla incursão pelo estudo do Pe. Feijóo que

considera a miséria do lavrador e o abandono da agricultura como uma das

principais causas da decadência espanhola. Registra, ainda, estudo de Antônio

José Cavanilles, de 1784, dizendo que em Villares e Ortells a miséria estava de

sentinela; em Salsadella tudo respirava antigüidade e negligência.

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“O conde Francisco de Cabarrús (1752/1810), político com bom domínio da teoria da administração pública, que no breve de José Bonaparte chegou a ocupar o Ministério da Fazenda, recorda com que violência a combinação de fatores adversos – estabilidade das colheitas e epidemia da maleita – assolava, em 1786, a população rural da mancha. [...] Gaspar Melchor de Jovellanos (1746) observa que o desfile da pobreza é impressionante: em tal lugar, terras boas, mas tudo despovoado; mais adiante, terra fria, desolada, sem que se apresente um só vivente, nem mais cultivo que algum canteiro” (p.26).

A acumulação da propriedade territorial e as rendas pagas no

momento da colheita, que eram humilhantes para o trabalhador braçal,

contribuíram pra expulsar os homens do campo. Sob a influência do

humanitarismo de Rousseau, Juan Meléndez Valdés (1754/1817),

representante do arcadismo espanhol, influenciado por Jevellanos, registra a

indignação perante a injustiça social que presencia, conforme registra algumas

estrofes da Epístola VII dirigida a Carlos IV:

Vede e chorai. Em miseráveis palhas Sumida jaz a virtude: falece O pai de família que ao Estado Enriqueceu com um enxame de filhos: [...] O pai sede do lavrador, os passos Dos bons segui. Mas ah!, não basta Que o instruais, que a socorrê-lo venham De vossa voz mil úteis doutrinas. Para onde quer que se volte entre cadeias graves, Sem ação vê seus membros vigorosos Parece que a sorte um muro há levantado De Bronze entre ele e o bem: trabalha a sua; E em vão anela despedir o jogo. O grave jogo que seu pescoço oprime Busca a terra onde a famosa possa Seus braços empregar, e anseia chorando A doce propriedade, que uma omiosa Vinculação para sempre lhe arrebata Não tem um palmo onde lavrar, em torno Léguas vê de inúteis baldios. (Juan Melendez Valdéz citado por Moreira, 1998: 28-30).

A queda nas rendas provenientes da América causou uma

derrocada em todas as classes, inclusive a nobreza que, em 20 anos, sofre

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uma queda quantitativa de 66%, isto é, 722.794 em 1768, cai para 480.589 em

1787. O clero que representava 5% da população continua caindo em 1787. O

sistema de mãos mortas, conforme Moreira, abarcava e imobilizava a quase

totalidade do solo, em conjunção com os morgados.

“Cerca de 140.000 mendigos vagavam pelos campos e cidades, deixando no seu rastro de misérias, furtos e assaltos a mão armada. [...] Os resultados alcançados na identificação das causas da pobreza são dignas de nota, embora o mesmo não se possa dizer das ações corretivas, na maioria dos casos postas a perder por seu radicalismo extemporâneo, pela resistência de estruturas multicentenárias e pela conjuntura desfavorável. [...] O primeiro dos obstáculos que, na maior parte das vezes, não foi possível eliminar e, em contadas ocasiões, mal puderam contornar, diz respeito a uma questão de mentalidade. Na medida em que se enfrentam com tabus sociais – ojeriza pelos ofícios mecânicos, considerados baixos e vis; mania de grandeza; deificação da pobreza” (Moreira, 1998: 78).

Essa ideologia da discriminação pela ocupação afeta a vida da

colônia onde o espanhol quer ser somente o privilegiado na totalidade das

relações. Se com o recrudescimento da crise interna sofrem todas as classes

subalternas espanholas, muito mais sofreram os povos americanos sobre os

quais recaíram os ônus, começando aí o sonho da independência.

3.2.2 O novo mundo na revolução do velho continente

Após o Tratado de Utrecht o Império das Índias Ocidentais, como

era chamada a América Espanhola, era administrado em nome do rei da

Espanha, pelo Conselho das Índias. As decisões deste conselho eram

executadas pelos vice-reis: o de Nova Espanha na cidade do México e do

Peru, na cidade de Lima. Nomeados pelos reis dispunham de todos os

poderes. Subordinados aos vice-reis estavam os capitães-gerais da

Guatemala, e de São Domingos. Subordinados aos reis, também estavam os

governadores de Cuba, Porto Rico e Flórida. A administração das comunidades

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estava a cargo das municipalidades. A justiça era exercida em primeira

instância pelos alcaides, a de segunda e de terceira instâncias pelos auditores.

Em tese os povos indígenas podiam conservar seus costumes, desde que não

infringissem os preceitos da Igreja Católica. As comunidades indígenas

estavam sob a responsabilidade dos corregedores que além de poder jurídico e

administrativo podiam obrigar os indígenas a trabalhar mediante remuneração.

Os corregedores serviam de intermediários entre os indígenas e os brancos. O

regime de monopólio em favor da metrópole gerava resistências e desvios que

exigiam constantes ações do “staff” político, administrativo, jurídico e militar

instalado. As colônias não podiam produzir nada que fosse produzido na

península (Cortázar & Vesga, 1997:189).

O Peru obteve autorização para cultivar oliveira com a condição de

não exportar azeite e vinho para as outras partes do império abastecidas pela

metrópole. As províncias não podiam fabricar nada que a Espanha fabricava.

Somente a Espanha comprava na América os seus produtos; só ela vendia os

objetos de consumo nas colônias. A Câmara de Comércio de Cádiz, único

porto que podia negociar com as colônias, fixava a tonelagem das mercadorias,

o preço e o número de navios a serem destinados ao mercado da América.

Assim, periodicamente, seguiam enormes caravanas carregadas de

mercadorias destinadas aos portos de Cartagena, Vera Cruz e Porto Belo, de

onde retornam à Espanha levando produtos das colônias16. O único tráfego

direto com a África e a América era o de escravos, feito pelos ingleses

(Mousnier & Labrousse, 1961: 322). Com essa política de produção e

monopólio na América a Espanha sofreu com a redução de capitais e mão-de-

obra. A administração oficial e os contrabandos retiravam da América os metais

preciosos sem proveito algum, tanto para a metrópole quanto para as colônias.

O alto custo dos transportes, corpo burocrático e técnico redundaram em

fatores que oneravam em muito o custo dos produtos. Para compensar tais

16 Na América do Sul, Cartagena, de onde as mercadorias atingiam Quito e Lima, pelos vales da Madalena e do

Cauca, as cidades de Medehlim, Santa Fé de Bogotá, Papaia; de Porto Belo, de onde eram transportadas através do istmo até o Panamá e onde se fazia o transbordo com do ístimo a Lima. Daí seguiam em lombo de mulas até a Bolívia, o Chile, Salta, onde se realizava novo transbordo e, depois em carros até Tucumã, Córdoba e Buenos Aires (Mousnier & Labrousse, 1961: 324).

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danos e prejuízos a pressão metropolitana recaia sobre os povos da América.

Durante toda a primeira metade do século XVIII, a Espanha envolveu-se numa

batalha desesperada para retomar o controle do comércio colonial. O

contrabando havia tomado um caráter geral. As grandes casas do México e de

Lima procuraram restringir o fluxo de mercadorias provenientes da Península a

fim de salvaguardar seus ganhos com o monopólio. O lucro com as

possessões americanas aumentou o poder de compra das manufaturas

estrangeiras, fazendo aumentar o poder do contrabando que se tornou uma

potência invencível. Era praticado em primeiro lugar, pelos ingleses: os

asianistas, os capitães dos barcos ingleses autorizados a comerciar com a

América, cuja carga ultrapassava sempre as 500 toneladas previstas nos

tratados. Além dos asianistas, os comerciantes livres, ainda ingleses, que se

utilizavam os portos americanos, a exemplo de Honduras, para passar

mercadoria contrabandeada no continente. De tal forma os ingleses protegiam

este tipo de tráfego que acabou gerando as guerras anglo-espanholas, de

1739-1748, de 1762-1763 e as franco-inglesas de 1742-147. (Mousnier &

Labrousse, 1961: 325). Se o mundo oficial espanhol lutava para eliminar o

contrabando, o crioulo tendia mais a apoiá-lo, pois a atividade clandestina

gerava mais lucro que a oficial. Foi através dessa clandestinidade que as

colônias receberam notícias da Europa e livros franceses proibidos pelo index.

Com a melhoria no sistema de transporte, impulsionada pela força

do comércio, houve um incentivo para o cultivo do milho, cevada, trigo, oliveira

e vinha. Os colonos e os crioulos utilizaram os escravos negros para o

desbravamento e implantação da lavoura de cana, tabaco, baunilha, cacau e

café nas baixadas do Peru, na Colômbia, Venezuela, Guiana, México e

Antilhas. Além disso, em face do comércio, mestiços, mulatos e índios

embrenham-se nas matas na extração da madeira para tinturaria e para

mobiliário bem como a cultura do mate. Em face da nova demanda por animais

para transporte, para o consumo de carne e para o couro, a pecuária começa a

se expandir. Só o Peru importava de Tucumã e do Chile, mais de 100.000

mulas por ano. O aumento da população e a preocupação com a infiltração

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estrangeira nas colônias geraram medidas burocráticas de repressão

provocando revoltas:

“Movimento comunal dos crioulos (brancos nascidos na América) do Paraguai, em 1721; revolta de crioulos e de espanhóis do Peru, em 1741; levantamento dos mestiços e dos índios contra os proprietários territoriais na Venezuela, em 1749; os jesuítas do Paraguai se insurgem contra o governo espanhol que os obriga a sair da região” (Mousnier & Labrousse, 1961: 326).

Na segunda metade do século XVIII os espanhóis tiveram muita

dificuldade para deter os ingleses na América. Sucedem as ocupações inglesas

de Havana e Manila em 1762; em 1763 teve que ceder Porto Rico e Flórida.

Recuperou Havana e Cuba, mas perdeu a Flórida. Em 1777 recupera a Colônia

do Sacramento e o direito exclusivo de navegar no Rio da Prata e no Uruguai”

(Mousnier & Labrousse, 1961: 328). Embora mantivesse a exclusividade do

comércio com as províncias o governo espanhol depois da independência dos

EUA, melhorou as condições de fornecimento e tornou-se melhor cliente dos

produtos da América, concedendo maior liberdade de comércio aos crioulos,

aumentando as relações com a metrópole.

Aparentemente as relações da metrópole espanhola com a colônia

americana eram melhores e mais avançadas que as de Portugal com relação

ao Brasil, pelo fato de Portugal não permitir imprensa e nem universidade no

Brasil durante a dominação colonial. Nas províncias espanholas da América,

onde foi permitida a circulação do jornal “Mercúrio Volante”, em 1822, na

cidade do México, em menos de um ano foi fechado. Na primeira metade do

século XVIII as universidades do México, Lima, Santa Fé de Bogotá, Córdoba,

Chácaras, Guatemala, Cusco, São Domingos, ministravam ensino de Teologia,

Filosofia, Direito, Medicina, Belas-Letras e Matemática. Em Lima e México

ensinam as línguas locais ou nativas. Embora existissem tipografias no México

e no Peru, os livros eram raros e caros. O governo fiscalizava a impressão, só

deixando entrar nas províncias os livros considerados inócuos; proscreve as

obras de tendências racionalistas e mecanicistas. É auxiliado pela inquisição

que organizou uma lista de 5.420 autores proscritos. Os latino-americanos

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encontravam-se, pois, numa situação de tutela. Na segunda metade do século

criaram-se novas universidades em Santiago do Chile, Havana e Quito. Nas

antigas introduziram-se cursos com ciências modernas. A tipografia foi

autorizada em Nova Granada, Buenos Aires e México, a exemplo de a “Gazeta

Literária” do México, em 1788. “Entretanto, a Inquisição e o Ministro das Índias,

continuavam, teimosamente, fechando as províncias americanas aos livros

estrangeiros” (Mousnier & Labrousse, 1961: 329).

Analisando as peculiaridades da estratégia de exploração da

América pelos ibéricos, a partir do século XVIII, Barboza Filho (2000) relata que

houve um distanciamento das práticas passadas que basicamente lançava

mão do saque e da pilhagem de cidades e reinos distantes, como princípio

básico de ação. Nesse século prevalecem os planos de reformas, com a

intenção de sistematizar o esforço do homem para arrancar da natureza a

riqueza que ela acumulou. O saque do novo tempo é sobre a natureza, sobre o

espaço conquistado. E, diz mais: “sistematização que não se desdobra

conduzida por uma forma racional de economia, mas sustentada na decisão

política” (p.397). Essa fartura da natureza que oferece terra e riqueza com

abundância exigia mão-de-obra disponível para explorá-la, fatalmente optou

pela escravidão negra. A natureza é o novo alvo da exploração. O escravo é o

instrumento do novo corsário continental; o novo salteador que age por ordem

da classe proprietária. Se o escravo trabalha sob coação e sem remuneração,

ele é o primeiro a sofrer a ação do saque legal e institucionalizado. Aparece

então a ideologia de que a exploração da natureza é necessária e, portanto,

legítima. Qualquer meio utilizado para explorá-la “será legítimo”. Os fins

justificam os meios, isto é, a partir da proclamação da necessidade de

exploração, a depredação da natureza, a espoliação e a escravidão tornam-se

legítimas.

O absolutismo na Península Ibérica, tendo na Espanha o Imperador

Carlos III e em Portugal o Marques de Pombal, fechou o cerco sobre os

jesuítas culminando com a expulsão da confraria da América, em 1767.

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Branding (1998) diz que era uma medida que advertia a Igreja sobre a

necessidade de obediência absoluta, de vez que os jesuítas eram conhecidos

por sua independência da autoridade episcopal; por sua intransigência com

relação ao pagamento dos dízimos eclesiásticos; por sua devoção ao papado;

por sua riqueza extraordinária e por sua habilidade em litígios com a burocracia

real. No Paraguai, havia estabelecido um virtual Estado dentro do Estado,

governando 96.000 índios guaranis protegidos por sua própria milícia armada.

Em outros lugares, como Sonora e as províncias amazônicas de Quito, a

Ordem dirigia uma série de unidades missionárias. Em todas as províncias os

colégios jesuítas educavam a elite crioula, exercendo uma enorme influência

sobre a sociedade colonial. Pode-se dizer que após a expulsão dos jesuítas

houve uma reação silenciosa e que refletiu nos movimentos de independência.

A nata da elite crioula compreendida por mais de mil jesuítas, teve que ir para a

Itália, deixando na América uma grande parentela descontente.

Os crioulos, filhos de colonos espanhóis, julgam-se sacrificados pela

Espanha porque todas as altas funções públicas se achavam providas por

espanhóis nascidos na Espanha e os assuntos locais lhes escapavam.

Contudo, são os crioulos os porta-vozes da ideologia do poder metropolitano:

por serem brancos desprezam os mestiços e os mantem afastados. Os que

vivem nas terras concedidas pelo rei a espanhóis são obrigados a prestar

trabalho forçado mediante salário nas minas e nos campos. Quanto aos índios,

embora a legislação os protegesse, o governo era incapaz de impor a sua

execução. Condenados, muitas vezes, a um trabalho excessivo, mal pagos,

mal alimentados, vítimas de exações, os índios odiavam seus senhores. Em

um plano inferior aos índios, encontravam-se os negros escravos que não

tinham perspectivas de libertação nem na legislação vigente, nem no corpo

doutrinário iluminista que apenas começava a discutir a questão. No último

estágio de degradação encontravam-se “os zambos, mestiços de negros e

índios, desprezados por todos, na maioria dos casos, aos trabalhos mais duros

e piores remuneração” (Mousnier & Labrousse, 1961: 323).

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No final do século XVIII o imperialismo europeu, do tipo colonial,

estendeu-se por todo o mundo, com exceção da própria Europa: no plano da

cultura, a expansão do imperialismo desdobrou-se em aspectos econômicos,

ideológicos, patrióticos e sociais. Impuseram às colônias um processo de

ocidentalização e de criação de elites políticas, intelectuais e artísticas voltadas

para os padrões ocidentais. Hobsbawn (1998) relata que das conseqüências

desse fenômeno advém o fato de que no contexto imperialista,

“Os que não eram europeus nem norte-americanos passaram a ser concebidos, visto e tratados como inferiores, indesejáveis, fracos e atrasados, ou mesmo infantis e eram representados como objetos perfeitos de conquista, pois destinados a se converterem à única e verdadeira civilização” (p.118).

Mesmo as populações indígenas da América, tão idealizadas e

valorizadas por filósofos e humanistas entre os séculos XVI e XVIII, a partir do

final do século XVIII passaram a ser considerados “povos primitivos”, não

brancos.

A literatura na América refletiu de forma acentuada a passagem da

estética e demais caracteres da época barroca ao enciclopedismo e seu clima

de revolução. Bandeira (1960), citando Picón-Salas, diz que no conjunto do

século XVIII participaram fatores externos e internos. A Colônia foi influenciada

por idéias da França e da Inglaterra; da Espanha de Carlos III em

contraposição à política inglesa de descrédito do império espanhol em suas

possessões americanas; indigenismo pré-romântico da época; numerosa

literatura de viajantes. Os fatores internos originaram-se da crescente

maturidade histórica da sociedade crioula; o espírito de insubmissão contra a

metrópole a partir da revolta de Antequera no Paraguai (1721) até as

manifestações das burguesias regionais que lutavam contra o regime

centralizador e monopolista espanhol que encontraram aliança na rica literatura

dos jesuítas expulsos em 1767. Os idealizadores da independência da América

foram homens que escreveram para jornais; redigiram documentos oficiais;

fizeram romances, poesia e dramas. O primeiro foi Francisco de Miranda

(1750/1816). Nascido em Caracas emigrou-se ainda jovem para a Espanha,

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onde começou a carreira militar. Era conhecido das personalidades mais

eminentes do tempo: Napoleão, Washington, Catarina da Rússia e outros do

mundo intelectual. Miranda não chegou a escrever romance ou fazer poesia,

mas deixou uma grande coleção de documentos e um volumoso diário, onde

fazia registros autobiográficos e impressões das terras que visitava. “Entre os

seus planos políticos se destacava o projeto de um Estado americano que iria

das cabeceiras do Mississipi à extremidade austral do continente, com

exclusão do Brasil e das Guianas” (Bandeira, 1960: 75). Da mesma forma,

Simon Bolívar (1783/1830) que não foi poeta, mas na prosa de ficção deixou o

romance “Mi delírio sobre el Chimborazo”. Deixou obras de valor em cartas e

discursos, cerca de 300, especialmente na histórica carta de Jamaica, com

certeira profecia sobre a sorte futura da América. José Joaquim Olmedo (1780-

1847), nascido em Guaiaquil, freqüentou a Espanha desde sua juventude. Foi

professor de Direito na Universidade de São Marcos. De volta para a América

viveu em Guaiaquil e Peru, onde participou do movimento de Independência.

Entre os três poemas de Olmedo o que mais se destaca é “La vitória de Junín”,

que é um canto a Bolívar. Como uma reminiscência barroca, há muito de

hiperbólico no louvor da vitória e na consagração do herói, mas era clássico no

esmero da forma.

3.3 O espectro da ruína ronda o reino de Luso

Portugal é conhecido como a terra de Luso, derivado de Lusitânia,

antiga província romana na Península Ibérica. Camões em “Os Lusíadas”,

canto VII, versos de 9 a 14 nomeia Luso como o fundador de Portugal: A vós, ó geração de Luso, digo Que tão pequena parte sois no mundo Nada digo ainda no mundo, mas no amigo Curral de quem governa o céu rotundo Vós, a quem não somente algum perigo Estorva conquistar o imundo.

Os descentes de Luso são os portugueses que têm um pequeno

território, como também a Igreja Católica que governa o céu redondo; estorva

conquistar os muçulmanos. Lisboa era conhecida na Antiguidade por Olisppo,

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Olysipp ou Ulyspo, nome que os humanistas atribuíram a hipotética fundação

por Ulisses. Não se sabe de que língua e em que época se formou o vocábulo

assim transcrito pelos romanos. Não há na Ilíada ou na Odisséia, de Homero,

nenhuma referência ao fato. Somente no século X o topônimo Lusitânia foi

substituído por Portugal. No canto I, versos 305/312 de “Os Lusíadas”, Baco

era amigo de Luso, mas por causa da disputa pelo Oriente, tornaram-se

inimigos (Camões [1572], 1990: 42).

3.3.1 O ouro reluziu na história lusitana

No final do século XVII, antes da descoberta do ouro, Portugal, da

mesma forma que a Espanha, passava por uma aguda crise. No comércio com

as Índias Orientais e com o Norte da África tinha que lutar contra a

concorrência em luta bélica, contra a Espanha, Inglaterra e Holanda. O Brasil

sofria constantes invasões em sua costa. O alvorecer do século XVIII não traz

melhoras nesta questão. A proteção aos navios mercantes encarecia

demasiadamente os produtos portugueses, faltavam capitais e empresários.

As exportações muito fracas, constituindo-se basicamente de vinho

e pau-brasil, efetuavam-se apenas para a Inglaterra. O país não aproveitou o

comércio que manteve no passado para criar uma indústria e renovar a

agricultura. Somente a partir da época de D. Sebastião José de Melo, o

Marquês de Pombal (1750/1777) é que esboçam algumas reformas, sem,

contudo, colher resultados que colocassem Portugal em um nível satisfatório

de desenvolvimento. Conforme análise de Saraiva (1998), o apreço pela moda

estrangeira tinha-se difundido em Portugal o que aumentava a importação.

“Tudo quanto exigisse uma técnica mais evoluída tinha de se importar, porque não se fabricava em Portugal. Os economistas da época viam nesse progressivo desequilíbrio da balança comercial portuguesa uma causa da pobreza nacional: para pagar a importação saía ouro o que deixava o país mais pobre. Nos primeiros anos do século XVIII, chegou-se a importar roupa velha (casaca, lençóis, camisas, cabeleiras) com indignação da Câmara de Lisboa, que dizia que era roupa que podia ter pertencido a tísicos e leprosos, representando um

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perigo para a saúde. A cidade estava inundada de espelhos de moldura dourada, bufetes, escritórios, mesas, armações, lâminas douradas, paramentos e ornatos de casa, caixas de prata e ouro com pedraria e sem ela, açoite encastoados em prata que se vendem em lojas e em casas particulares. [...] Não era somente a gente rica da cidade que comprava os produtos franceses: o gosto comunicava-se às camadas populares e alastrava a todo o País. Em 1723 observa a Câmara: andam”. pelas ruas tantos estrangeiros com canastras de vidros cristalinos, louças de Macau, Gênova e Inglaterra, óleos de jasmins e outros ungüentos, águas da rainha da Hungria e outras bagatelas, tantas moças com pós para cabeleiras e graxas para sapatos, se fazem muitas despesas supérfluas” (p.234).

No mesmo documento a Câmara continua opinando que essas

mercadorias eram oferecidas ao público livremente por ambulantes além da

grande quantidade de lojas. A facilidade de se adquirir produtos estrangeiros

levou o povo a rejeitar qualquer produto nacional. Saraiva conclui que os

portugueses procuravam vestir-se à européia, viver exteriormente à européia.

Mas à europeização do gosto não correspondia uma mudança nas técnicas de

produção. O fabrico de artigos portugueses mantinha os seus processos e

modelos arcaicos e a produção dirigia-se ao abastecimento dos mercados

rurais no interior do País. Isso fazia acentuar as diferenças entre os homens do

campo e da cidade. O atraso econômico de Portugal era visível sobretudo aos

olhos dos portugueses que conheciam os países estrangeiros e podiam,

portanto, estabelecer comparações.

O fluxo de ouro e diamante do Brasil alimentava o mercantilismo de

Portugal enquanto em outras nações européias o liberalismo priorizava a

produção industrial para o mercado internacional. O mercantilismo priorizava o

equilíbrio da balança de pagamento com a produção de ouro. Quanto mais

ouro, maior era o poder de compra de Portugal. Quanto maior a produção

industrial interna, menor a necessidade de importação e maior o saldo em ouro.

Os portugueses não ignoravam a necessidade de incrementar a indústria para

substituir as importações, mas as medidas advindas dessa consciência não

eram suficientemente abrangentes para tirar o país do atraso em que se

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encontrava. O Tratado de Methuen (1703), se por um lado provocou um

aumento da produção de vinho, por outro estagnou a indústria têxtil. Todo o

aumento da produção das vinhas se destinava à exportação. Mas os ingleses

chamaram para eles o comércio internacional do vinho português. Os mesmos

navios que levavam a Portugal as fazendas inglesas regressavam carregados

com vinho. Beneficiava-se tanto do lucro da exportação quanto da importação.

Em 1754, os produtores queixavam-se de que a pipa de vinho paga pelos

ingleses no Porto a dez mil réis era vendida na Inglaterra a setenta e sete mil

réis (Saraiva, 1998: 237).

Em 1703 Portugal e Inglaterra firmaram o tratado de “Comércio e

amizade”, de Methuen, nome do diplomata inglês que o obteve. Por ele, a

Inglaterra se encarregou, virtualmente, da sustentação militar e diplomática da

frágil nação lusa, numa Europa conflagrada pela guerra de sucessão da

Espanha, em troca de uma virtual abertura dos portos lusitanos aos artigos

manufaturados britânicos. Para a Inglaterra, senhora dos mares e que logo

inicaria a sua fase de expansão capitalista industrial e liberal burguesa, essa

ruptura no protecionismo monopolista do mercantilismo vinha ao encontro da

necessidade de ampliar mercados. Quanto a Portugal, a única vantagem que

obteve no Tratado de Methuen, no plano econômico, consistiu em privilégios

alfandegários na colocação de seus vinhos no mercado inglês, em detrimento

da França (Tôrres, 1980: 457).

Foi enorme a produção de ouro do Brasil. Oficialmente, de 1700 a

1800, entraram em Portugal 975 toneladas de ouro, não contando o

contrabando e o que circulava no Brasil. O período auge da produção foi de

1724 a 1735 quando foram despachados para a metrópole 762.345 quilos de

ouro. Toda essa fortuna era convertida em moeda que corria para os cofres da

corte e para os empreendimentos privados. Apesar da grande arrecadação de

tributos a casa real estava sempre devendo e a balança comercial sempre em

déficit. Além do ouro, o tabaco, o açúcar e o tráfego de escravos geravam

tributos para Portugal. A utilização de todos esses recursos refletia a

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mentalidade e a formação da sociedade portuguesa. O longo reinado de D.

João V, (1706/1750) caracterizou-se pela inexistência quase completa de

quadros empresariais; pela falta de gente preparada para melhor utilização da

riqueza como instrumento criador de novas riquezas. Mesmo no período

pombalino como observa Vieira (1968:363), “quando ia no auge da produção

de ouro, já se verificara que tamanha riqueza passava por Portugal sem mediar

suas péssimas finanças, na conformidade do simples e arguto sistema

imaginado pelos propositores do Tratado de Methuen”. Na pertinência da

abordagem do Tratado de Methuen Torres (1980) têm uma versão raramente

focalizada por outros historiadores brasileiros e que reforça a linha

historiográfica deste trabalho. Para ele, com o tratado Portugal comprou à

Inglaterra a sua independência, sem saber como iria pagar. D. João IV lutava

contra a Europa inteira. Nesse desespero, a ajuda inglesa era um achado. Na

data de sua assinatura nada mais conveniente aos portugueses. A coerção

inglesa sobre Portugal vai além do Tratado e é aí que reside o lamento dos

portugueses, especialmente na exposição de Alexandre de Gusmão: “As

causas principais deste dano têm muitos e diversos princípios: mas obram

todos de conformidade para a extração da Moeda do Reino: e como a pouca

que nela entra não supre a muita que dela sai, já vemos por experiência o

como se vai empobrecendo” (p.458). As parcas vantagens de Portugal

auferidas em face ao tratado, não eram bem vistas pelos ingleses que

acabaram por anulá-las em 1786. Não combinavam com a doutrina do

liberalismo econômico. Os ingleses evitavam ao máximo as importações que

concorriam com seus produtos internos. Smith (1996) condenava a importação

de gado vivo ou de carne conservada pela Inglaterra para não prejudicar a

pecuária nacional. Sua crítica ao Tratado de Methuen era no sentido de

condenar a proteção ao vinho português em prejuízo da indústria vinícola

inglesa. As riquezas de um país não consistem apenas no ouro e na prata, mas

em suas terras, casas e nos bens de consumo de todos os tipos. Ao contrário

levava a supor que a riqueza consiste totalmente em ouro e prata e que o

grande objetivo da manufatura e do comércio da nação consiste em multiplicar

esses metais. “Cabe, portanto, desestimular as importações e estimular as

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exportações, pois se a balança comercial for favorável certamente os metais

preciosos aí fluirão” (p.433).

No tempo de Dom João V o ouro e o diamante proporcionaram

recursos para grandes edificações a exemplo do palácio-convento de Mafra

(Palácio das Necessidades). Como o país não dispunha de recursos técnicos e

humanos, contratou o arquiteto alemão Ludwig (Ludovice). O conjunto

compreende um grande palácio, um convento para trezentos religiosos e uma

basílica, atingindo 4000 metros quadrados, com mil e trezentas dependências.

O estilo é inspirado no clássico romano. A maior parte das estátuas foram

esculpidas em Roma, Veneza, Milão, França, Holanda e Gênova. A pintura é

de italianos e franceses. Outra obra que era um velho sonho dos portugueses

foi a capitação das nascentes das Águas Livres para Lisboa. Desta forma

foram concluídas obras do monumental Aqueduto das Águas Livre, em 1748.

No reinado de D. José, (1750/1777) foi construído o suntuoso Palácio Nacional

de Queluz, em Lisboa, sob a direção do arquiteto português Mateus Vicente e

do francês Robillon. Tinha a intenção de rivalizar-se com Versalhes de Paris.

Estilo neoclássico e rococó. No interior predomina a pintura rococó, verde claro

e tons rosa, onde os pintores portugueses atuaram com inspiração francesa. É

certo que houve esbanjamento de tesouro. Mais de cem milhões de moedas de

ouro (cruzado); 2308 quilates de diamante e nada menos de 6.417 arrobas de

ouro, “o generoso e beato rei D. João V entregou para comprar do papa o título

de patriarcal para a Sé de Lisboa e, para si mesmo o título de fidelíssimo”

(Araújo, 1992).

Antes das reformas pombalinas, diversos intelectuais portugueses

partiram para o estrangeiro à procura de aperfeiçoamento científico, técnico e

artístico, alguns em missões diplomáticas, como Cunha Brochado, Cavaleiro de

Oliveira, D. Luis da Cunha, Alexandre de Gusmão e Pombal; outros fugindo da

inquisição como Jacob de Castro Sarmento e Ribeiro Sanches. De volta a

Portugal trazendo novas idéias receberam a alcunha de “estrangeirados”,

opositores aos jesuítas que mantinham o monopólio do ensino das

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humanidades, de caráter pré-universitário. O movimento de renovação

pedagógico teve como principal representante o padre Luiz Antônio Verney,

cujo pai era francês e a mãe portuguesa. Estudou em colégio jesuíta em Évora.

Na Itália refez seus estudos distanciando-se da linha inaciana. Verney

respondia pela alcunha de Barbudinho. Na carta relativa à física afirma a

superioridade dos modernos sobre os filósofos da Antiguidade:

“Qualquer pobre mulher católica é infinitamente mais alumiada do que não era Platão, e sabe mais verdades importantes do que ele não sabia Metafísica [...] Eu acho nos antigos filósofos espalhados alguns pensamentos, que nós hoje recebemos como certos; mas sem método, sem razão, sem demonstração; e pela maior parte, por via de conjectura” (Cidade, 1975: 104).

A polêmica obra O verdadeiro método de estudar foi publicado em

1746 e contém as bases orientadoras de uma profunda reforma dos estudos

em todos os campos da ciência, com métodos e instrumentais modernos.

“Antigamente, os filósofos não viam nos animais senão aquilo que os

carniceiros podem observar; das árvores, nada mais que os carpinteiros

sabem; dos metais não sabiam outras coisas senão o que sabe um fundidor”

(Cidade, 1975: 105). A sua paixão pela verdade científica e da falsa idéia da

neutralidade da ciência leva Verney a um certo repúdio à poesia barroca, de

vez que pretendia afastar da poesia os recursos sensibilizadores. Pretendia o

estabelecimento de um cânone onde o belo fosse a conclusão lógica. Na sua

crítica a Pe. Antônio Vieira e outros, diz: “Porque o estilo dos poetas deste

Reino é totalmente contrário ao que fizeram os melhores modelos da

Antiguidade; sobretudo porque é contrário ao que ensina a boa razão” (Cidade,

1975: 119). A fealdade pode, mais do que a formosura, captar o pensamento

para a contemplação.

Houve muita reação ao cristianismo impregnado de cientificismo e

materialismo de Verney. As ordens religiosas, principalmente os jesuítas,

atacados nos seus processos de ensino; os poetas e os pregadores, colocados

em ridículo; os universitários profanados pela crítica reagiram com panfletos

anônimos condenando e criticando o método do padre Verney (Cidade, 1975:

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129). Ainda no tempo de D. João V, os que mais usufruiriam a riqueza mineral

do Brasil, foram os protegidos frades da Congregação do Oratório, que

representavam a pedagogia moderna, a partir do Convento das Necessidades

onde funcionava um laboratório de física. Apesar de ter contratado o médico

judeu Jacob de Castro Sarmento para a tradução do Novum organon, de

Bacon, o trabalho não foi concluído em face das resistências de conservadores

a ele interpostas. Criou a Real Academia da História, com renovação do

método de investigação histórica com pesquisa em documentos históricos

inéditos.

Com a morte de D. João V sobe ao trono D. José I (1750/1777), que

escolheu para seu superministro, o diplomata Sebastião José Carvalho e Melo

(1699/1782) que havia regressado da Áustria onde esteve em atividade

diplomática. Com a mesma finalidade havia estado na Inglaterra. Era formado

em Direito por Coimbra e ex-membro da Academia Portuguesa de História. A

indolência de D. José que passava o tempo em caçadas, jogos, concertos e

diversões, deu notoriedade a Sebastião. De Conde de Oeiras foi promovido a

Marquês de Pombal em 1770. Desde o começo de seu governo travou

incansável luta contra todos os seguimentos que ofereceram resistência ou

obstáculos a seus planos e metas. O primeiro foi a nobreza. Em 1756 falhou

uma conspiração que visava a formação de um governo com representação da

nobreza. Os implicados foram deportados para Angola. Em 1758 houve um

atentado contra a vida de D. José, a Inconfidência de Lisboa. Aproveitando-se

do episódio, Pombal ampliou a repreensão. Além das execuções, foram feitas

mais de mil prisões. As confissões foram obtidas através de tortura, não

escapando as testemunhas de acusação. Como a pena de morte prevista em

lei era a forca, os juízes foram autorizados a aplicar outro tipo de pena que

causasse mais terror como, por exemplo, esmagamento dos ossos dos réus

com martelo e depois queimá-los vivos. Nada menos de dois mil e

quatrocentos nobres morreram na cadeia. A Companhia de Jesus foi acusada

de implicação no atentado. Começou aí uma longa batalha entre Pombal e os

jesuítas que culminou com a expulsão deles do país. Com apoio da França e

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da Espanha chegou a propor uma ação militar contra o papa e a invasão dos

estados pontificados, caso a Companhia não fosse extinta. Antes de Pombal os

jesuítas eram os inquiridores, mas a luta terminou com a vitória de Pombal. A

Igreja portuguesa tornou-se desde então um instrumento dócil nas mãos do

ministro e não faltaram os defensores de uma Igreja lusitana (Saraiva, 1998:

251). Em 1757, no Porto, eclodiu a revolta contra os monopólios e privilégios

da Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos. Pombal tomou o ato como

ofensa e insubordinação às ordens reais. Desclassificou o movimento para

“reação da plebe”, e, portanto, intolerável. A cidade foi ocupada por tropas e

uma comissão de juízes foi incumbida de justiçar os amotinados por processos

sumaríssimos: prisão e execução imediatas. Resultado: os trinta amotinados,

inclusive um juiz foram enforcados imediatamente. Faltava ainda, reformar a

corte, isto é, varrer os resíduos da monarquia “gótica” e instaurar a monarquia

“moderna”, tal qual havia visto na sua vida diplomática na Inglaterra e na

Áustria. Para isso desferiu golpes cruéis sobre todos os benefícios e privilégios

em que a monarquia até então se sustentava. Para esses nobres, Pombal não

passava de um tirano sanguinário, uma mancha na história portuguesa

(Saraiva, 1998).

Com todo esse poder lançou-se Pombal às reformas. A primeira foi

da Universidade de Coimbra. Faculdades, estabelecimentos de trabalhos

práticos, programas e métodos de estudo, disciplinas e sanções das atividades

acadêmicas, edifícios, livros de ensino, tudo foi profundamente remodelado e

renovado. Até os professores eram selecionados e nomeados por Pombal.

Para a execução da reforma foi constituída uma junta, cuja primeira providência

foi a de destruir os valores da educação dos jesuítas, acusando-os de

malfeitores, julgados até então como beneméritos. Como solução a junta

recorreu ao “Verdadeiro Método de Estudar”, do padre Verney. E vai uma série

de críticas à Escolástica com seus infindáveis e repetitivos silogismos, com as

conclusões nulas de conteúdos e distantes da realidade, como diz no texto:

“vender fumo por substância”. Mas contundente ainda noutro texto: “adelgaçar

o espírito, delir sua atividade em vapores; gasta-la em escritos sem objeto que

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importe e valha; trabalhar a razão em agudezas que só a si mesmas significam,

tudo isto é como aguçar o faminto cansadamente a faca, sem jamais tocar no

alimento”. As idéias reformistas em Portugal, mesmo depois de Pombal

continuam híbridas, isto é, ao mesmo tempo em que queriam estar atualizadas

com racionalismo francês, não dispensavam a credulidade e a prática cristã

enraizadas na alma portuguesa. As reformas esbarravam em uma noção de

cristianismo amalgamada à história lusitana. Sociedade que resultava do

heroísmo, das conquistas e ações das quais “não se podiam dispor” mas que

Pombal queria também resgatar. A cultura literária da época pombalina

percorreu os mesmos meandros da cultura científica. O cientista e o poeta

eram desejados, porém, vigiados e reprimidos. A própria idéia de escola,

arcádia ou academia implicava em severos filtros de ingressos que acabavam

nivelando a estética vigente à ideologia do poder.

A reconstrução de Lisboa é planejada em oposição à cidade

aleatória do passado. Arquitetos e urbanistas portugueses concebem uma

cidade nova, de acordo com estilo sóbrio, geométrico, rigidamente uniforme, da

mesma forma que uma sociedade literária tentaria remodelar a eloqüência, a

língua e a poesia. Era a Arcádia Ulissiponense. As composições dos árcades

passavam por diversas peneiras censoras com direito a um dadivoso direito de

defesa do autor. A Arcádia era um ideal utópico de reconstituição da vida

intelectual dos gregos, revivendo a simbologia da simplicidade da vida de

pastores, numa alusão crítica aos excessos do gongorismo (Cidade, 1975:

256).

Na verdade essa crítica de Garção leva a quase nada, pois o

gongorismo era tão clássico como o arcadismo. Mas os árcades queriam

aparar os excessos das metáforas de Góngora e seus influenciados. Para tal

Garção remendava a imitação dos antigos, sem, contudo plagiá-los. Mas é

possível imitar e criar ao mesmo tempo? Garção recorre a Horácio para instruir

a poesia neoclássica:

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“Quem imita deve fazer seu o que imita; e se imito a fábula, devo conservar a sua ação e a sua alma, mas devo variar de forma os episódios, que pareça outra nova minha [...] Se imito o estilo, não devo servir-me das palavras dos Antigos, mas achar na linguagem portuguesa temas equivalentes, enérgicos e majestosos, sem torcer frase, nem adaptar barbarismos” (Cidade, 1975: 257).

A concepção neoclássica de que a imitação não impede a criação

deixa a literatura presa a cânones resistentes e que dificilmente são quebrados.

Revela o conservantismo da burguesia que vê necessidade de renovar mas de

tal forma que seus ideais de vida sejam preservados. A sobrevivência das

culturas antiga e renascentista é a garantia de continuidade desse ideal de

vida. Da mesma forma que na Espanha de Carlos III, Portugal do Marquês de

Pombal não admitia oposição. Os poetas que não se engajavam no poder e na

moda da bajulação ao ministro caíram por certo em desgraça completa ou no

ostracismo perpétuo, como na história de Pedro Antônio Joaquim Correia

Garção (1724/1772), um dos fundadores da Arcádia Ulissiponense; autor de

duas comédias; foi escrivão da receita da Mesa do Consulado Geral da

Entrada e Saída da Casa da Índia; foi redator da Gazeta de Lisboa de 1760 a

1762 quando foi fechada. A partir daí perdeu os cargos e passou a viver

modestamente nos arredores de Lisboa. Por motivos não revelados o Marquês

de Pombal mandou prende-lo. Morreu no cárcere, no dia em que lá chegou a

ordem para ser colocado em liberdade. Ao invés da bajulação aos potentados

Garção reverencia a memória dos portugueses, que como os personagens de

Homero e Horácio enfrentaram a natureza hostil para levar o ouro para a sua

Pátria (Cidade, 1975: 275).

Sorte diferente teve Antônio Diniz da Cruz e Silva (1731-1799); ao

pretender ingressar-se na ordem de São Bento de Avis, teve sua vida

inteiramente devassada. A investigação tinha o propósito de descobrir se o

candidato tinha “mancha de mecânico ou de judeu”, isto é, se era de família

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plebéia, dedicada a trabalhos manuais ou se descendia de cristãos novos

judeus17.

As investigações só tiveram fim quando souberam que seu pai viera

para o Brasil como aventureiro, mas havia sido promovido a sargento-mor e

ajudava o filho financeiramente em Portugal. Depois de fazer os preparatórios

nos Oratorianos, formou-se na Faculdade de Leis. A partir daí sempre ocupou

altos cargos de confiança no governo de Pombal e depois, por continuidade, no

reino de D. Maria I, tendo sido o inquiridor dos inconfidentes mineiros. Quanto à

qualidade poética de Cruz e Silva, pode-se dizer que ele tende ao poema de

fundo épico, tendo como personagens figuras de proa do poder, com

demonstração de refinada erudição, a exemplo da Ode a Pombal na qual

exalta a reforma da Universidade de Coimbra.

A sã filosofia, que até agora Entre espinhos esquálida jazia, Vê roxear a aurora De seu império, cheia de alegria. Do famoso Carvalho A um só aceno, a fronte ergue vaidosa (Cidade, 1975: 290).

Se no barroco a poesia valorizava a monarquia absoluta por aceita-

la como de origem divina, no arcadismo devota apoio ao despotismo

esclarecido, pela competência do mandatário. Os árcades são mais laicos e

mais políticos que os poetas barrocos: podem satirizar ou bajular as

autoridades. É certo que a bajulação garante ao poeta prestígio e poder,

enquanto a sátira o leva à degradação. O caso de Basílio da Gama é bem

ilustrativo. Acusado de jesuitismo, depois de viver em Lisboa e Roma voltou ao

Brasil e passou a morar no Rio de Janeiro, onde novamente foi acusado de

envolvimento com os jesuítas. Foi preso e recambiado ao Tribunal da

Inquisição, em Lisboa, de onde deveria ser deportado para Angola. Recorreu

17 A substituição ordenada por Pombal das censuras do ordinário e da Inquisição pela Real Mesa Censória, parece à

primeira vista ter acrescentado, ao lado da defesa da fé, o zelo da defesa do Estado. A Real Mesa Censória é, em 1787, já sob D. Maria I, substituída pela Comissão Geral para o Exame e a Censura dos Livros (Cidade, 1975: 362/363).

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ao estratagema de escrever um canto nupcial à filha de Pombal. Emocionado o

superministro desejou conhecer o poeta. Deferiu seu pedido de perdão e o

nomeou oficial da secretaria de estado dos negócios do reino (Menezes, 1978:

297).

No reinado de D. Maria I (1777/1816), a relativa estabilidade política

que se verificou até ao final do século e ocorrências de saldo na balança

comerciais, em face da exportação de vinho, tornaram possíveis muitas

iniciativas culturais do estado e de particulares. Em 1779, foi aprovado o

Estatuto da Real Academia das Ciências, tentando colocar as ciências ao

serviço do desenvolvimento econômico de Portugal. Porém, quanto à

mineração no Brasil, apesar do aumento do arrocho fiscal e da severa

repressão, a produção continua em queda. Reluta em aplicar a ciência e a

tecnologia modernas na produção de ouro e de diamante. Outras instalações

culturais são a Aula Pública de Debuxo e Desenho, Aula Régia de Desenho em

Lisboa, Biblioteca Pública da Corte. Seguem edificações de diversas casas de

caridade e santuários. O luxuoso palácio de Queluz foi concluído, passando a

ser a residência dos reis desalojados desde o terremoto (Saraiva, 1998: 262).

No século XVIII, principalmente na Península Ibérica a arte ainda era

muito cortesã, mas a burguesia vai se apropriando dela e do artista que não

deixa de ser um escravo de cabeleiras postiças. Vásquez (1968: 181) faz uma

interessante observação sobre a arte como instrumento de afirmação de novos

valores morais e expressão da vitalidade cívica naquele momento:

“A arte retorna ao classicismo, mas impregnando-o de um novo conteúdo ideológico. O artista se solidariza com os ideais e valores da burguesia e, no marco de um novo classicismo, acentua o predomínio do puritanismo; imposição da força de expressão dos poderosos; o sacrifício da criação artística em face dos cânones acadêmicos”.

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3.3.2 O eldorado: pouco mais que um sonho

No final do século XVII e no começo do século XVIII, o açúcar

atravessou uma grave crise devido à concorrência de Barbados, de maneira

que a descoberta das minas encontrou uma ressonância favorável entre os

elementos quase arruinados, que viram nelas o meio de recuperar a

prosperidade que o açúcar não mais lhes proporcionava. Pitta (1976:241)

informa que as primeiras levas de povoadores provinham justamente da zona

açucareira.

“O ouro das minas do sul foi a pedra imã da gente do Brasil e com tão veemente atração, que muita parte dos moradores das suas capitanias, principalmente da Bahia correram a buscá-la levando escravos que ocupavam em lavouras, posto que menos ricos para ostentação mas necessários para a vida, se a ambição dos homens não trocara quase sempre o mais útil pelo mais vão. Da sua ausência se foi experimentando a falta na carestia dos víveres e mantimentos, por haverem ficado desertas as fazendas que produziam”

A notícia do descobrimento do ouro correu com velocidade atraindo

grande contingente populacional para o território compreendido pelas comarcas

de Ouro Preto, Rio das Velhas, Serro Frio e Demarcação Diamantina no centro

do atual Estado de Minas Gerais, onde foram surgindo, nas margens dos

córregos e rios, os caminhos, as capelas, vendas, roças, arraiais, termos e

vilas. Associada à atividade mineradora surge a população dos criadores de

gado nas margens do Rio São Francisco. Os primeiros foram os paulistas que

desde o final do século XVII e nas duas primeiras décadas do século XVIII, se

espalharam por todas as partes à procura de novas jazidas superficiais de

ouro. Os baianos foram os primeiros competidores dos portugueses, mas

acabam perdendo a batalha que culmina com a mudança da capital para o Rio

de Janeiro. Os paulistas eram os filhos de portugueses nascidos no Brasil que

seguiam os ideais europeus do usufruto da natureza. Antes da descoberta do

ouro já haviam explorado a escravização de índios e eliminado o Quilombo dos

Palmares. Os forasteiros já eram cada vez mais numerosos, vindos

especialmente de Portugal, procedentes, na maior parte, da região de Braga.

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Não eram bons mineradores. Dedicavam-se mais ao comércio. Conforme

relatório da época,

“... neste estado se achavam as minas, correspondendo o rendimento ao custoso trabalho dos mineiros com rendosas conveniências, aumentando de cada vez mais o concurso dos negócios e do povo de várias partes e, maiormente de Portugal, entre os quais vieram muitos que, sendo mais ardilosos para o negócio, quiseram inventar contratos de vários gêneros para, mais depressa e com menos trabalho, encherem as medidas a que aspiravam da incansável ambição, como foi um religiosos trino, Frei Francisco de Meneses” (Matoso, 1999: 192).

Os primeiros aglomerados não chegavam a formar arraiais em face

do nomadismo dos exploradores. As primeiras capelas também são

provisórias, sem vigários, em situação anárquica, como registra o códice Costa

Matoso:

“Não se duvida que entre tantos bons havia alguns maus, principalmente mulatos, bastardos e carijós, que alguns insultos faziam, como os mais fazem ainda nas corte entre a Majestade e as Justiças, quanto mais em um sertão onde, sem controvérsia, campeava a liberdade sem sujeição a nenhuma lei nem justiça a natural observada dos bons” (1999:193).

Os portugueses chegam determinados a expulsar os paulistas e a

ocupar o espaço; impor o monopólio comercial a todos os produtos consumidos

na região mineradora. Com eles vieram muitos cristãos-novos. O choque maior

foi contra os paulistas e em seguida com as próprias autoridades do rei

(Carrato, 1968: 4). Nessa situação caótica a administração portuguesa tentou

sustar o fluxo de forasteiro que de todas as partes do Brasil, da Península

Ibérica e de outros países, se encaminhavam para Minas Gerais em busca de

riquezas, responsáveis pelo extravio do ouro na forma de contrabando. Proibiu

aos estrangeiros de irem às conquistas de Portugal ou morarem nelas. Em

1707 reforça essa proibição determinando que todos os estrangeiros deveriam,

sem remissão, ser despejados da terra. “A presença desses estrangeiros

parecia nefasta porque viriam eles a fazer o seu próprio comércio, que era dos

naturais do Reino” (Holanda, 1968: 277). Se a coroa quis privilegiar os reinóis

reservando a eles o privilégio do comércio, foram eles os principais

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responsáveis pelo descaminho do ouro e do diamante; os reinóis queriam por

vocação permanecer nas orlas do mar, mas ao mesmo tempo dominar os

negócios e as riquezas do interior.

O sítio preferido pelos portugueses era o Rio de Janeiro. O primeiro

governador-geral, Tomé de Souza, em visita às capitanias do Sul, mostrou-se

encantado com as belezas do Rio de Janeiro, prevendo para o local “uma

honrada e boa tanto mais quanto, ao longo da Costa, já não há rio em que

entrem os franceses senão neste, e tiram dele muita pimenta” (Holanda, 1963:

126). Pimenta é símbolo de bons negócios, de negócios rendosos e fáceis.

Tomé de Souza, de volta do Sul permaneceu longo tempo no Rio de Janeiro,

chegando a Salvador somente no final de seu mandato. Progressivamente o

Rio de Janeiro vai tomando de Salvador os poderes de capital. Essa ideologia

de privilégios comerciais centralizados em uma cidade talhada para o mesmo

fim, não se dissolveu com a atividade mineradora. Concentrada na Capitania

do Rio de Janeiro, grande quantidade de portugueses e seus descendentes

fluminenses migram-se para a região das minas. Relatório de um viajante

francês anônimo, de 1703, observa que a descoberta das minas provocou um

grande desequilíbrio econômico na capitania do Rio de Janeiro, com milhares

de habitantes deixando as plantações desertas e tudo reduzindo à penúria em

que se debatia então o resto do Brasil.

“Se esses dez mil homens que antes se dedicavam, quase todos, a cultivar a terra, não desamparassem suas habitações, permaneceria ali a abundância que fazia a sua verdadeira riqueza. Em conseqüência do afluxo para as terras mineiras, a farinha de mandioca se já era cara na Bahia, desaparecera do Rio ou era vendida a preços fabulosos” (Holanda, 1968: 280).

Os paulistas são mais numerosos que os fluminenses. Com sua

escravaria atuam na lavoura, na mineração e na criação de animais de carga.

Não eram mais bravos que os portugueses como Raposo Tavares, mas tinham

o sangue ameríndio. Nas bandeiras aprenderam com os indígenas a se

defender das intempéries e as ações bélicas. Sabiam combinar as armas dos

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europeus com as dos índios. A corrida para as minas chegou despovoar parte

de São Paulo. Os nordestinos, antes da descoberta do ouro, já vinham

circulando no território das minas. Relatório anônimo de 1705 informa que pelo

Rio São Francisco “entram os gados de que sustenta o grande povo que está

nas minas de tal sorte que de nenhuma outra parte lhe vão nem lhe podem ir

os ditos gados, porque não os há nos sertões de São Paulo nem nos do Rio de

Janeiro” (Abreu, 2000: 159). Reinóis, fluminenses, baianos e pernambucanos

misturavam-se no léxico Emboabas, e se identificavam pela reivindicação de

privilégios comerciais. Holanda (1968) relata que a sedução dos negócios

altamente rendosos, incluídos neles os de contrabando, serviu, provavelmente,

para povoar Minas Gerais. No início a lavoura não despertou atenção, além do

desinteresse governamental por ela.

A posse das minas havia sido garantida aos paulistas pela carta

régia de 18 de março de 1694, exigindo dos proprietários o pagamento do

quinto devido à Fazenda Real. Em 1700 a Câmara de São Paulo solicitou da

coroa portuguesa não doar datas de terras na região das minas a não ser para

os moradores da vila que tanto sacrifício tinha sido para os descobridores. O

rei remeteu o documento ao governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá

Meneses, para que ele opinasse, mas recomendava ao mesmo que não

concedesse data alguma de terras de sesmarias, limitando-se a fazê-lo em

relação às terras aurífera, na forma do regimento do governador. Este

regimento irritava os paulistas porque privilegiava os forasteiros portugueses.

Numerosos ricos e importantes mercadores do Rio de Janeiro conseguiram

grandes doações, com protesto de Garcia Rodrigues Pais, filho de Fernão Dias

Paes. Na opinião de Golgher (1982), as reivindicações dos paulistas eram

descabidas uma vez que eles não dispunham de capitais para investimentos

em tecnologia e não dominavam o mercado externo, nem condições de

abastecimento. Nas minas só venciam aquele que conseguia arrancar mais

ouro dos ribeiros, nada valendo ser um fidalgo, comerciante ou agricultor. Ali

todos se transformavam em mineradores, simplesmente. A mineração era

niveladora social no sentido democrático. O bandeirante, embora insubstituível

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na penetração, não foi o tipo ideal para a atividade mineradora, completamente

falha para a exploração pacífica.

Por outro lado, também os portugueses não estavam preparados.

Agiram às cegas, sem obedecer a qualquer traçado prévio. Observa Golgher

(1982) que, desde os primeiros anos do século XVIII até a Independência do

Brasil, nunca houve plano administrativo. Somente no início do governo de

Pombal houve uma tentativa de racionalização administrativa sem ter chegado

a termos práticos. Os problemas que vieram à tona estavam acima da

capacidade dos quadros governamentais geridos por Lisboa. A carestia e a

falta de braços eram supridas pelo êxodo das populações do campo. Surgiram

grandes e próximos núcleos urbanos que, em face do alto poder aquisitivo,

proporcionaram o aparecimento de um enorme mercado consumidor, sobre o

qual os portugueses queriam ter monopólios, gerando descontentamentos

generalizados. Proibiram tudo: abertura de caminhos; migrações internas;

comércio de escravos de outras regiões que não a do Rio de Janeiro.

“Para resolver um problema puramente econômico, o Estado feudal português pôs em funcionamento seu aparelho governamental de repressão, convocando os delatores a dividirem com a Fazenda Real, os bens daqueles que iam pôr em pleno funcionamento as minas que deveriam quintos para a coroa. Essas medidas absurdas não eram de caráter provisório que visassem apenas atender a uma emergência; tiveram elas papel estorvante por muito tempo e sua influência negativa no desenvolvimento da Colônia” (Golgher, 1982: 54).

Como reinava a desconfiança com relação aos governos de

capitanias, a coroa resolveu criar uma Superintendência das Minas, em 1703,

gerida diretamente pelo rei, concedendo ao superintendente poderes

extremamente amplos. O primeiro superintendente foi o desembargador José

Vaz Pinto que teve mais poderes que qualquer outra autoridade governamental

existente na colônia: acumulava os poderes de efetuar negócios; exercer

administração, justiça, polícia e fisco. Estava acima dos governadores de

capitanias. Os poderes do superintendente Vaz Pinto anularam os paulistas,

colocando em prática o Regimento das Minas vindo de Lisboa. Próprio de uma

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época de despotismo esclarecido, o legislador tentou diminuir os conflitos

latentes na região, mas não preveniu quanto ao facciosismo dos

superintendentes. No dizer de Golgher, entregaram ao gato a proteção do rato.

“Com efeito, o pobre, esbulhado, nada podia esperar da proteção do superintendente ou guarda-mor. Isto, na realidade era um engodo, mormente quando consideramos a estrutura social-econômica da mineração sob o domínio dos paulistas, que se alicerçava em castas privilegiadas. Não podia, conseqüentemente, o homem do povo, contar com a justiça que o Estado lhe oferecia” (Golgher, 1982: 63).

O homem vindo da Península Ibérica, mesmo que lá pobre,

desvalido e discriminado, na região das minas foi protegido tornando-se

homem de brio e lutador pelos seus direitos e por isso, muitas vezes pegou em

arma. Ocorre que as autoridades régias faziam e desfaziam suas próprias

resoluções para desfrutar de vantagens na mineração. Outro fator que

contribuiu para a discórdia e para a exaltação dos ânimos entre paulistas e

forasteiros foi a luta do português Frei Francisco de Menezes, aliado de Nunes

Viana, para obter o monopólio da carne de gado, sob protesto dos paulistas. O

governador do Rio de Janeiro, ao negar o monopólio levou em consideração o

excessivo preço da carne bovina, o que constituiria na extorsão das gentes

famintas da região.

Em 1705, o superintendente Vaz Pinto, inesperadamente, deixou o

cargo e fugiu para o Rio de Janeiro. Aproveitando-se da situação caótica, o

guarda-mor tenente general Manoel de Borba Gato usurpou o cargo assumindo

a Superintendência das Minas. Começa a dar atenções aos paulistas sob

protestos dos emboabas, a exemplo de uma carta do rei de Portugal dirigida ao

governador do Rio de Janeiro, de 17-06-1705:

“Fui informado que nas Minas do Sul há grandes desordens não só a respeito dos quintos pertencem à Fazenda Real mas ainda na justa distribuição das datas e repartição das mesmas minas, procedendo daqui tantos escândalos e excessos que merecem se lhe aplique o maior cuidado para se quietarem [...] chamado à nossa presença os moradores nobrres e principais

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daquele distrito obedeçais da minha parte fazendo-lhe ver a minha carta ...” (Golgher, 1982: 73/74) .

No último ano que precedeu a guerra aberta entre as duas facções

(1708) a situação ficou muito tensa, com muitas mortes. Nos relatos de Pitta

(1976:142) os paulistas reagem com violência à expansão do poderio

português.

“Tiveram princípio as dissensões no arraial do Rio das Mortes, por uma que fez um paulista tirania e injustamente a um forasteiro humilde: que vivia de uma agência. Desta sem razão, alterados os outros forasteiros e desculpavelmente enfurecidos solicitaram a vingança da vida de um e da ofensa de todos”.

Ao mesmo tempo ocorreram novos distúrbios em Caeté onde os

filhos bastardos do paulista José Pardo mataram um português, refugiando-se

na casa do patrão, sendo perseguidos pela multidão. Diante da resistência de

José Pardo à entrega dos homicidas, a multidão invadiu a sua casa e o matou.

O incidente entre Jerônimo Pedrosa de Barros que respondia pela alcunha de

Jerônimo Poderoso18, aliado a Júlio César tentou tomar de um forasteiro a sua

espingarda. A resistência dos forasteiros em não entregar a arma mereceu a

intervenção de Manoel Nunes Viana (Matoso, 1999: 197). Derrotados, os

paulistas recorreram a Borba Gato, superintendente das Minas e tio de

Jerônimo Poderoso, para tentar a expulsão de Nunes Viana da região das

minas. Em bando19 de 1708 Borba Gato intimou Nunes Viana a deixar as minas

em 24 horas, alegando que ele havia praticado comércio ilegal de gado. Nunes

Viana não se intimidou com as ameaças de confisco de bens contidas no

bando e passou a mobilizar forças. Conseguiu organizar um contingente de

dois mil homens. Os paulistas de Caeté se refugiaram em Sabará, enquanto

Nunes Viana era aclamado chefe do levante e general das Minas. Foi

constituído um governo com sede em Caeté, tendo como chefe o português

Manoel Nunes Viana e os demais cargos distribuídos aos baianos. As primeiras

18 A variação do apelido Poderoso é um trocadilho de Pedroso com a conotação de respeitado/malvado, pois ao

personagem são atribuídas diversas apropriações pessoais e coletivas (Matoso, 1999: 197). 19 Chamava-se bando uma determinação, ou um decreto do governador da capitania. A leitura do bando, pelas ruas da

vila ou arraial, era precedida do rufar de caixas e tambores.

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medidas dos emboabas foram no sentido de anular a ação dos paulistas,

enquanto estes buscavam forças no governo da capitania do Rio de Janeiro.

As lutas por interesses e privilégios nas minas desagradavam à

coroa de vez que prejudicavam tanto a produção mineral quanto à arrecadação

de tributos. A população ficava prejudicada com a escassez e com a carestia,

principalmente de alimentos. O governo da capitania do Rio de Janeiro, São

Paulo e Minas, Dom Fernando de Lancastre, continuava se desgastando, pois

todas as medidas tomadas provocaram descontentamentos de ambos os

lados. Neste ambiente, os paulistas dos arraiais de Sabará, Raposos, Rio das

Velhas e Roça Grande resolveram isolar o reduto Emboaba em Caeté. Nunes

Viana atacou de surpresa os paulistas fazendo incendiar as suas casas. Muitos

paulistas foram feitos prisioneiros e outros fugiram a nado pelo Rio das Velhas.

Os Emboabas vitoriosos promoveram a eleição de Manoel Nunes Viana como

governador de Minas até que o rei viesse a nomear outro (Pitta, 1976; 242).

Apesar de Nunes Viana ser português e fidalgo, contrariava os interesses de

Lisboa que não queria que as riquezas das minas se escoassem via Bahia. O

Rio de Janeiro era o escoadouro preferido, onde os novos ricos, com toda

segurança, deveriam embarcar para a Ibéria. Por isso Dom Fernando de

Lancastre tentou afastar os emboabas e retornar os paulistas não ao mando,

ao poder, mas ao papel de gestor de produção. Retiraram-se os paulistas para

o Rio das Mortes, onde se prepararam para a defesa. Nunes Viana mandou

forças para destruir-lhes sob o comando de Bento do Amaral Coutinho

enquanto os paulistas tinham como chefe Valentim Pedroso de Barros. A

primeira investida sobre São José Del Rei (hoje Tiradentes) foi favorável aos

paulistas. Mas ao se dispersarem em pequenos grupos pelas matas,

possibilitaram a tropa de Bento do Amaral Coutinho efetuar emboscadas nas

matas. Um desses capões de mata foi cercado por Coutinho que garantiu aos

paulistas poupar-lhes as vidas mediante entrega das armas. Acreditando nas

promessas de Coutinho os paulistas depuseram as armas e em seguida foram

eliminados pelos emboabas.

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A historiografia tem oferecido amplas e controvertidas informações

sobre esse episódio chamado “capão da traição”. Se os testemunhos da época

torceram a veracidade dos fatos em favor das facções envolvidas, não se tem

hoje o interesse de um julgamento no qual aponte os menos ou mais malvados

na contenda. Ambos os belicosos estavam dispostos a matar os adversários na

defesa de seus interesses. A literatura, que narra o fato com toda a paixão, tem

funda razão: a mais sólida é a que os portugueses muniam-se da tradição do

enriquecimento por meio de chumbo e pólvora, como fizera Raposo Tavares no

século anterior. O luso-baiano Rocha Pitta, contemporâneo do fato, defende

Manoel Nunes Viana e condena com veemência o comandante Bento do

Amaral Coutinho.

“Estranharam este horrendo procedimento as pessoas dignas que iam naquele exército, e não quiseram mover as armas contra os rendidos, afeando aquela maldade, imprópria de ânimos generosos e católicos, e ainda das mesmas feras, que muitas vezes se compadecem dos que se lhes humilham. Porém as de ânimo vil e os escravos, disparando e esgrimindo as armas, fizeram nos miseráveis paulistas tantas mortes e feridas que deixaram aquele infeliz campo coberto de corpos, uns já cadáveres, outros meio mortos, ficando abatido e fúnebre o sítio pela memória da traição e pelo horror do estrago; e com estas bizarrias cruéis voltou o Amaral vilmente ufano com o seu destacamento para o lugar donde saíra” (Pitta, 1976: 243-244).

O governador do Rio de Janeiro, Dom Fernando de Lancastre,

resolveu ir a Minas, em 1709, passando pelo Rio das Mortes e tomando o

caminho para Congonhas, onde se encontrava Nunes Viana. Correu a notícia

de que o governador castigaria Nunes Viana o que o fez receber Lancastre

com hostilidade. Sem forças o governador voltou humilhado para o Rio de

Janeiro. A metrópole nomeou um outro governador para o Rio de Janeiro, Dom

Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, com instruções especiais para a

pacificação do território mineiro. Intimado a comparecer à presença do novo

governador, Nunes Viana prestou-lhe submissão, retirando-se para as suas

fazendas do São Francisco. O novo governador visitou outras localidades e

tomou diversas medidas administrativas. Providenciou a criação da Capitania

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de São Paulo e Minas, pela carta régia de 11 de julho de 1711,

desmembrando-se do Rio de Janeiro. A nova capitania teve como primeiro

governador o próprio Antonio de Albuquerque, que logo após a sua posse

partiu para Minas, onde criou os primeiros municípios: Mariana, Ouro Preto e

Sabará. O governador encontrava-se em São Paulo para impedir que os

paulistas marchassem para Minas de arma em punho. Como parte do

entendimento devolveu aos paulistas as suas jazidas auríferas e pôs fim à

Guerra dos Emboabas (Mattos, 1963; 306). A partir daí os paulistas vão

perdendo as posições e os papéis em Minas. Como queriam os portugueses,

os paulistas são pesquisadores de novas jazidas, ajudam ampliar o território de

Minas Gerais e descobrem as minas de Goiás e Mato Grosso. Mas a metrópole

reserva aos portugueses o poder e os serviços burocráticos; as atividades

rendosas como a agricultura de subsistência nas proximidades das minas, o

comércio e o abastecimento, o transporte e a pecuária.

Ao mesmo tempo em que os portugueses se conflitavam com os

paulistas em Minas, ocorria em Pernambuco o conflito entre proprietários de

terras de Olinda e a elite comercial de Recife, formada por reinóis. Depois da

expulsão dos holandeses, em 1654, os produtores perderam o mercado de

açúcar para os antilhanos. Os comerciantes portugueses radicados em Recife

eram chamados de mascates. Por sua superioridade econômica os mascates

passaram a elevar as taxas e executar hipotecas, embora não contassem com

autonomia política. Mas, em 1710, Recife consegue a emancipação política

para descontentamento de Olinda. No mesmo ano os olindenses invadiram

Recife e derrubaram o pelourinho. A coroa decidiu interferir no confronto

nomeando um novo governador que confirmou a autonomia de Recife. A

discriminação, os preconceitos mantidos pelos portugueses visavam excluir os

nativos. Os revoltosos de Olinda eram chamados de pés-rapados, isto é,

desclassificados. Mello (2001) mostra as particularidades das contradições

entre os interesses coloniais e metropolitanos e entre a açucarocracia e o

comércio. “Como homens de negócios, os mascates eram suspeitos de só

desejarem os cargos públicos com a mira no lucro, especialmente na

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arrematação dos contratos de impostos e na fixação de altos preços para os

víveres” (p.59). O interesse dos portugueses ao deixarem a Europa para

exercer cargos públicos na Colônia como governador de capitania, ouvidor,

juiz-de-fora era o de enriquecimento ilícito, levando vida tranqüila na volta ao

Reino. As oportunidades de ganhos ilícitos davam lugar aos maiores abusos.

Era essa a ambição dos portugueses na luta contra os olindenses. Queriam

participar da vida pública não como ideal cívico, mas à busca de vantagens

pessoais.

Passada a turbulência emboaba começa a fixação do homem nas

terras mineradoras e seus arredores. No momento em que o aventureiro

encontra uma jazida de ouro ou algo que lhe ofereça renda em função da nova

mina, ele se estabelece na terra. A sua condição de minerador, de comerciante

estabelecido, ou ambulante, que encontrou a fortuna, o diferencia do outro

aventureiro que ainda é nômade à procura da fortuna. Enquanto espera a

riqueza mineral, o aventureiro vive mal no meio da carestia, na quase

marginalidade causada pelos preconceitos conta os não possuidores de bens.

Além dos mineradores, há outra gente que vai se fixando na sociedade mineira

em formação: o dono de terra, o agricultor que é o elemento mais numeroso da

capitania. São estes os “homens bons” que estão no topo da hierarquia social.

Em face das riquezas que fazem canalizar ao Reino, tornam-se absolutos,

dificultando a administração da capitania. O governador Gomes Freire de

Andrade, o conde de Bobadela, no momento em que ia colonizar o Rio Grande

do Sul, em instrução a seu irmão que o substituía no governo da capitania, diz

que a hierarquia da gente mineira estava na razão direta da riqueza que

possuía e na condição no Senado da Câmara de sua vila.

“Essa gente torna-se tão arrogante, que pode por em xeque o próprio governador: cada um que nas Minas tem dinheiro, si o quer prodigalizar, acha na Corte (d’onde vindes) mil protetores, e, por porem em mais obrigação e dependência aos seus protegidos, não duvidam manchar com impostura a honra do governado” (Revista do Arquivo Público Mineiro, 1899: 730).

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O conde de Bobadela denuncia ainda a disposição desses

potentados em usar a corrupção para aumento de poder e posses, cada vez

mais se distanciando dos segmentos mais humildes: os pés-rapados, os sem-

terra da época20. Cria-se, portanto, uma elite poderosa pela posse do dinheiro,

que no dizer de Carrato é “uma nobreza dos nouveau-riches que vai

estabelecendo nas vilas, especialmente na Capital em que habitam os homens

de maior comércio, cujo tráfego e importância excede em comparação ao maior

dos maiores homens de Portugal” (Carrato, 1968: 14). O que dá notoriedade

aos senhores tanto do campo quanto da cidade é a propriedade que representa

a estabilidade, selando o ideal e a ordem burguesa. A constituição da família é

o primeiro fator dessa ordem. Para a metrópole o homem solteiro, livre, é mais

perigoso e ameaçador à ordem pública. Em 1721 o rei D. João V, em carta ao

conde de Assumar, governador da Capitania, recomenda:

“que empenhe com toda a diligência para que as pessoas principais, e ainda quaisquer outras tomem o estado de casado e se estabeleçam com suas famílias reguladas para a sua povoação, porque desse modo ficarão tendo mais amor à terra e maior conveniência do sossego dela e mais obedientes às reais ordens, e os filhos que tiverem do matrimônio os farão ainda mais obedientes” (Lopes, 1955; 125).

Quanto ao indígena observa Daniel de Carvalho que em Minas

Gerais não houve, como na região missionária, a mesma interfusão de sangue

aborígine, ocorrida até recentemente. Lá os mestiços puderam expandir

livremente seus instintos e tendências, ao passo que em Minas o indígena foi

banido da convivência com o colono. A pouca contribuição do indígena na

formação da gente mineira foi dada pelos paulistas que se fixaram na região.

Quase todos os bandeirantes tinham filhos mamelucos. Longe da proteção dos

missionários, na mineração, os portugueses os trataram com crueldade como

denunciam os autores de “Cartas Chilenas”:

“Talvez prezado amigo, que nós, hoje, / sintamos os castigos dos insultos / que nossos pais fizeram; esses campos / estão

20 A inimizade dos ouvidores ainda é mais voraz. Os escrivães lhes passam certidões de documentos de quanto

imaginam ser-lhes conveniente e posto a majestade tem declarado não tenham fé alguma enquanto os ministros estiverem nos lugares [...] fazem valer não só as certidões falsas, mas as cartas que as acompanham” (Revista do Arquivo Público Mineiro, 1999).

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cobertos de insepultos ossos / de imemoráveis homens que mataram. / Aqui os europeus se divertiam / em andarem à caça dos gentios, / como à caça de feras, pelos matos. / Havia tal que dava aos seus cachorros, / por diário sustento, humana carne, / querendo desculpar tão grave culpa / com dizer que os gentios, bem que tinham / a nossa semelhança enquanto aos corpos / não eram como nós enquanto às almas./ Que muito, pois, que Deus levante o braço / e puna os descendentes de uns tiranos / que, sem razão alguma e por capricho, espalharam na terra tanto sangue” (Ávila, 1967: 66).

O negro, apesar da degradação provocada pela escravidão; apesar

dos preconceitos alimentados de longa data, foi importante elemento na

formação da população de Minas. A literatura historiográfica e fictícia é rica em

narração de concubinas de homens brancos, cujos filhos bastardos chegaram

a ser cidadãos de posições na sociedade, a exemplo de: Antônio Francisco de

Lisboa, o Aleijadinho, escultor e arquiteto; Joaquim José Emérico Lobo de

Mesquita, músico, maestro e compositor profissional; Manuel da Costa

Athayde, mestre e pintor; Plácido Pires Pardinho, filho de Chica da Silva,

músico instrumentista, discípulo de Lobo de Mesquita; Silvério Gomes Pimenta,

bispo de Mariana; Simão Pires Sardinha, filho de Chica da Silva, paleontólogo,

formado na Alemanha.

Os cristãos-novos eram os que vieram de Portugal, após o

descobrimento das minas e os que já se encontravam na terra mesclados aos

bandeirantes, como os Fernandes, Vaz de Barros, Dias Pais, Taques, Raposo

Tavares, Gomes da Costa, Quadros e Pires. O caso mais curioso foi o de

Manuel Nunes Viana que teve que ir a Lisboa acusado de judaísmo

(1725/1728), mas voltou de lá mais enaltecido ainda, visto comprovar serviços

desde 1703. “Apesar de cristão-novo recebeu o hábito da Ordem de Cristo, o

ofício de escrivão da ouvidoria do Rio das Velhas e outros benefícios”

(Salvador, 1992; 11). Conta ainda que Garcia Rodrigues Pais Leme, filho de

Fernão Dias e Maria Garcia Betim (Beting) de origem hebráica; considerado

edificador da história lusitana, mas que só não recebeu o hábito da Ordem de

Cristo por causa de sua linhagem materna. O traço característico do cristão-

novo que se fixou em Minas é a disposição para o trabalho manual, a cultura

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da indústria caseira, do artesanato e das artes plásticas. Além disso, o cristão-

novo soube aproveitar-se da condição mercadológica da região mineira e

lançou-se por inteiro na produção de alimentos. Homens, mulheres e filhos

lançaram-se todos na lida da fazenda: aravam a terra, plantavam,

administravam, ordenhavam as vacas, faziam queijo, moíam cana, faziam

açúcar, tendo o escravo apenas como subsídio.

Durante o século XVIII, em que predominou a mineração, todas a

regiões do Brasil cresceram, tanto do ponto de vista populacional quanto

econômico. Mas a região mineradora que era sertão desabitado passou a ser o

centro de condensação de uma população de caráter urbano, conforme estudo

de Prado Júnior (1979). Estava localizada numa faixa que se estende de sul a

norte, da bacia do Rio Grande às proximidades das nascentes do

Jequitinhonha; mais ou menos entre os pontos em que se formaram a vila de

Lavras e o arraial do Tejuco (Diamantina). Ela corresponde à serra do

Espinhaço, onde se verificaram os principais afloramentos de ouro no Brasil.

Este fato explica suficientemente a concentração ai do povoamento,

multiplicando-se as aglomerações, às vezes bem próximas umas das outras e

cujas principais são: as vilas de São João e São José Del Rey (Tiradentes),

Vila Rica (Ouro Preto), cidade de Mariana, Caeté, Sabará, Vila do Príncipe

(Serro) Pitangui e arraial do Tejuco (Diamantina). Em torno deste núcleo

central, que constitui as minas gerais, nome que mais tarde se estendeu a toda

a capitania, foram surgindo outros secundários: Minas Novas, a nordeste,

ocupadas desde 1726; Minas do Rio Verde, com Campanha por centro

principal, que são de 1720; Minas do Itajubá, onde se formaria a cidade deste

nome, exploradas a partir de cerca de 1723; Minas do Paracatu, a oeste, que

são as últimas descobertas, em 1744. Outros núcleos de povoamento tiveram

origem em atividades subsidiárias da mineração, ou que a elas se substituíram,

quando começa a decadência das explorações na segunda metade do século

XVIII. Naquele tempo as regiões mineradoras não eram, em conjunto,

favoráveis nem à agricultura nem à pecuária. O relevo acidentado e a natureza

ingrata do solo se opunham a tais atividades. Além disso, a coroa tentava

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impedir a agropecuária nas proximidades da mineração. Para o abastecimento

da população que nelas se adensou, o que se fez com grande rapidez, teve de

se recorrer, a princípio, a territórios não muito próximos. A carne, elemento

essencial na alimentação da colônia, foi fornecida pelo gado que vinha das

fazendas estabelecidas ao longo do curso do médio São Francisco, na Bahia21.

Estimuladas pelo mercado próximo, as fazendas subiram mais as margens do

rio, alcançando o território que é hoje mineiro, e penetraram até o rio das

Velhas. Povoou-se, assim, uma área contígua ao norte dos centros

mineradores. Ao sul deles, na bacia do Rio Grande, que formaria a comarca do

Rio das Mortes, instala-se de permeio com os estabelecimentos mineradores

locais, de pequeno vulto e logo decadentes, um outro centro pastoril, no que

constitui hoje o Sul de Minas. Essa região passa a mandar excedentes de

produtos agropecuários ao Rio de Janeiro. Com as descobertas das minas de

Mato Grosso e de Goiás completa o povoamento da colônia que no começo do

século XVIII era de três mil habitantes. Durante o século cresceu 1.100% (mil e

cem por cento), chegando a três milhões e trezentos mil habitantes, estando

em Minas Gerais mais de meio milhão (Prado Júnior, 1979: 51).

O episódio conhecido como Revolta de Vila Rica, de 1720, resulta

da ambição dos portugueses pelo enriquecimento rápido, prevalecendo os

meios ilícitos dos aventureiros através do contrabando, da sonegação de

tributos, assaltos a mão armada, falsificação de moedas e documentos. Do

lado governamental, a corrupção e o despotismo, confiscando bens de

cidadãos, exorbitando na cobrança de tributos. Os líderes da revolta

pretendiam nomeações a cargos importantes, com o intuito de usufruir

benefícios e privilégios. Manuel da Veiga Cabral postulava o cargo de

Governador da Capitania. Manuel Mosqueira Rosa pretendia o lugar de

Ouvidor. Felipe dos Santos Freire era Almocreve. Assim, no dia 2 de julho de

1720, um grupo de habitantes de Ouro Preto, entre os quais concessionários

21 A Seca Grande de 1791-1793 foi o último e quase mortal golpe sofrido, no século XVIII, pelos sertões do Nordeste.

Esta a causa principal porque a região perdeu seus mercados nos grandes centros agrícolas do litoral norte, que passam, em proporções crescentes, a consumir o xarque do Rio Grande do Sul, onde verifica aumento de população (Prado Júnior 1979: 68).

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de mineração de minas de ouro, advogados e escravos, num total de mil

pessoas, dirigiu-se a Mariana, então capital da Capitania, apresentando-se ao

Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida, Governador e Capitão-General da

Capitania de São Paulo e Minas. Levava um documento contendo 14 cláusulas

reivindicatórias que apontam vícios no serviço público e um elevado grau de

corrupção dos funcionários. Na primeira cláusula pedem que não se instalem

as casas de fundição, pois estas significavam o fim da sonegação e do

contrabando. Reclamam que pagam imposto na passagem da Borda do

Campo (Barbacena) e quando a mercadoria chegava em seu destino cobravam

novamente os tributos. Propõem uma nova forma de cobrança dos quintos e

denunciam a existência de mineradores que não pagaram o tributo devido

sobre a produção de ouro. Denunciam que escrivões, tabeliães e oficiais de

justiça cobravam taxas maiores que as do Rio de Janeiro e reivindicam a

equiparação das mesmas. Apontam erro propositado nas balanças oficiais que

pesam ouro, em prejuízo dos mineradores e vantagem para o Governo.

Ironizando a corrupção dizem que essas balanças “fazem mais milagres que

Santa Luzia”. Querem que as penalidades aplicadas contra o povo, isto é,

pessoas humildes, sejam de acordo com a legislação vigente e não

exorbitantes e arbitrárias como vinha ocorrendo. Os calçamentos de ruas só

eram feitos se os moradores cotizassem as despesas. Reivindicam “que as

calçadas das ruas onde forem necessárias se façam à custa da Câmara e não

do povo”. Os soldados da Companhia de Dragões se hospedavam e se

alimentavam nas casas de pouso e saiam sem pagar as despesas, daí a

reivindicação nº 11: “querem que as companhias de Dragões comam à custa

de seus soldos, e não à custa dos povos”. Reclamam quanto à forma abusiva

da cobrança dos dízimos22: “também querem que os contratadores dos dízimos

não usem do seu privilégio para cobrarem suas dívidas executivamente senão

durante o tempo do contrato e quando seja necessário mais algum tempo, V.

Exa. lho concederá a seu arbítrio”. Reclamam quanto ao abuso dos oficiais de

22 A arrecadação dos dízimos, nos primeiros anos da colonização, não foi muito regular. Em Minas Gerais, no ano de

1708, a taxa foi elevada para mais de mil oitavas de ouro e, a partir de 1715, vigoraram os contratos. Ao que parece, os dízimos fugiram à finalidade para a qual foram criados: financiar a expansão da fé cristã. Acabaram sendo utilizados para pagar os salários das autoridades coloniais: o governador e os demais membros do aparato administrativo, como agentes militares, judiciais e fiscais (Botelho, & Reis, 2001: 62).

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justiça na cobrança de custas judiciais. O documento foi assinado por

Domingos da Silva, secretário do governo, por Dom Pedro de Almeida, o

governador da Capitania e mais 24 pessoas (Tôrres,1980, 172).

Não existiu na revolta a consciência de um papel histórico de

contestação do sistema, mas a mentalidade de aproximação das forças de

produção; de maior relacionamento com os funcionários e outros

trabalhadores. O concessionário de mineração aurífera, uma espécie de testa

de ferro, precisava do povo e da coroa ao mesmo tempo. Era um súdito valente

e fiel, embora rebelde. Rebelde não contra o império e seu imperador mas

contra os considerados maus agentes da coroa. Conhecendo os seus súditos,

a inteligência portuguesa soube aceitar as reivindicações diante da turba em

Mariana. Crente na vitória, o grupo reivindicador voltou em festa a Ouro Preto.

O movimento era secreto de vez que os homens saiam mascarados e

promoviam desordens de grande alcance. Assumar tentou colocar o próprio

povo contra os revoltosos, isentando de culpa e premiando em ouro a quem

matasse um mascarado. A linguagem do governador nessa ordem é grosseira

e bárbara23. Através de informações secretas Assumar conseguiu os nomes

dos líderes do movimento e mandou prender Manoel Mosqueira Rosa, Pascoal

da Silva Guimarães, Frei Vicente Botelho, Frei Francisco de Monte Alverne e

mais 12 acusados. Em seguida mandou atear fogo nas casas dos líderes do

movimento. Felipe dos Santos Freire foi preso em Cachoeira do Campo

quando tentava recrutar elementos para a sedição. Condenado à morte pela

forca, teve sua cabeça exposta em Ouro Preto; um quarto foi para Cachoeira

do Campo; outro para São Bartolomeu; outro para Itabira do Campo e a última

parte para Passagem de Mariana. Foi o fim. A ditadura colonial fortalecida

deixa as suas marcas traçadas com carvão no morro de Pascoal da Silva,

23 “Faço saber a todos os moradores de Vila Rica, que para evitar todo o gênero de desassossego que tem com os

mascarados, tornando estes insolentes a aparecer, lhes atirem e os matem, por serem perturbadores do sossego público e inquietadores do povo; e se lhes declara que não ficarão incursos em crime algum, todo o que matar os ditos mascarados, antes sim, se lhes dará um prêmio de cem oitavas a todo aquele que constar que matou algum mascarado que apareça no morro, ou na vila a qualquer hora da noite, e para que venha a notícia de todos, o mando publicar a som de caixas e se registrará nos livros da Secretaria deste Governo e nos mais que tocar. Vila do Carmo, 13 de julho de 1720. a) Conde Dom Pedro de Almeida”(Carvalho, 1930; 135/136).

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(Morro da Queimada) e com sangue de Felipe dos Santos nos arredores de

Ouro Preto.

Quando foi oficializada a descoberta dos diamantes em 1729, a

pedra já vinha sendo explorada na região e contrabandeada através da Bahia,

há mais de uma década24. Em 1733 foi criada a Intendência dos Diamantes,

feita a primeira demarcação do distrito e nomeação do primeiro Intendente, o

magistrado português Rafael Pires Pardinho. Nesse momento começa o

capítulo mais contundente da história do despotismo ibérico no Brasil. O

contrabando do diamante era, de certa forma, mais fácil que o contrabando do

ouro. Para sustar as explorações clandestinas e evitar a mobilidade social de

seus moradores, foram tomadas medidas das mais severas. O Distrito

Diamantino, cuja sede administrativa era o arraial do Tijuco, foi cercado por

todos os lados. Aí ninguém saía ou entrava sem autorização superior e

especial. Os poderes delegados aos contratadores (1733-1771) e aos

Intendentes (1772/1822), chegaram ao extremo do despotismo e das medidas

repressivas. A metrópole experimentava de momento em momento, uma forma

de repressão, mandando fechar as casas comerciais do distrito, por considera-

las o maior foco de contrabando; deposição e inquéritos contra intendentes;

prisões e execuções sumárias; fechamento das fronteiras; autoridade absoluta

ao comandante do destacamento; confisco de bens em geral; devassas e

processos; proibição do exercício de bacharel sendo mesmo proibido residir no

distrito.

“Regido com leis particulares, debaixo do mundo de autoridades especiais, como uma colônia isolada [...] faz ver os rigores e severidades das ordens transmitidas ao intendente. As vistas da Corte era haver todo o proveito do descobrimento dos diamantes: daí deviam os governadores tirar as regras de sua conduta, e assim não valiam as melhores intenções; [...] embora com o sacrifício dos povos, porque sabiam que de tanto mais confiança gozariam, quanto mais promovessem os interesses do fisco” (Santos, 1976; 61).

24 Segundo Felício dos Santos a descoberta dos diamantes é atribuída a Bernardo Fonseca Lobo que comunicou à coroa, tendo em

recompensa sido nomeado tabelião da Vila do Príncipe (Santos, 1976: 49).

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Os portugueses entram e saem do Distrito Diamantino, constituindo

a massa de funcionários civis, militares, fiscais, comerciantes, feitores e

almocreves (tropeiros). “As autoridades encarregadas da execução das ordens

superiores eram portuguesas e só as cumpriam com severidade quando se

tratava dos que não eram seus patrícios” (Santos, 1976; 51). Quando Felício

dos Santos afirma que o Distrito Diamantino era uma colônia isolada,

segregada do resto do Brasil, queria dizer do ponto de vista fiscal, pois

encontrava-se incrustada na Capitania de Minas Gerais, cujos governadores

eram os transmissores das ordens régias, conforme informa o próprio autor.

Para assistir e regular a arrematação do contrato com João Fernandes de

Oliveira (velho), em junho de 1739, veio ao Tijuco o governador Gomes Freire

de Andrade, que procedeu à nova demarcação do Distrito Diamantino. Na

oportunidade passou ordem proibindo que, daquela data em diante, não podia

residir, nas terras demarcadas, pessoa alguma que não tivesse ofício ou cargo,

“as quais pessoas se chamam ordinariamente contrabandistas; [...] e o que for encontrado dentro da demarcação, pagará da cadeia 100 oitavas de ouro pela primeira vez, e será exterminado para fora da Capitania, e sendo segunda se lhe assentará praça para a Nova colônia Rio Grande ou ilha de Santa Catarina” (Santos, 1976; 71).

O monopólio da exploração dos diamantes tinha como inimigos os

garimpeiros que eram mineradores clandestinos. O destino da produção do

garimpo era o contrabando. Prado Júnior (1979) registra em síntese, a forma

como era perseguido: odiado pela administração, admirado pelo povo, temido

por todos, vivia o garimpeiro à margem da lei, constantemente a um passo da

forca ou do tiro de uma espingarda, invadindo as áreas proibidas para minerar

nelas, desafiando não raro as autoridades a quem chegava a fazer frente de

armas na mão. De forma trágica conta Joaquim Felício dos Santos o episódio

de José Basílio, um garimpeiro condenado à pena de galés ou trabalho forçado

na Passagem do Jequitinhonha, (Mendanha). Dormia jungido por correntes e

gargalheira. Certa noite conseguiu atear fogo no rancho e fugir atrelado a João

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Bago. Caíram no Jequitinhonha e nadaram rio abaixo até que foram

surpreendidos pelos guardas que atiravam contra eles. João Bago foi atingido e

morreu. José Basílio continuou rio abaixo arrastando seu fardo defunto. Os

guardas deixaram os fugitivos julgando tê-los matado. Salvo, José Basílio

procurou livrar-se da gargalheira e persistir no garimpo (Santos, 1976). Como

José Basílio, o garimpeiro se aproximava das pessoas humildes e dos

oprimidos que protegiam e defendiam, levando-o a uma posição de simpatia,

com presença na literatura mineira do século XIX.

Tôrres (1980: 306) apresenta a população do Tijuco como rica e

luxuosa. “O diamante era contrabandeado para a Holanda e os cofres reais

recebiam, apenas, a migalha, os restos da produção. E com isto todos

ganhavam muito: os garimpeiros vendendo a sua produção e os servidores

pela conivência com aqueles”. O período pombalino tem alguns sinais de

melhora, mas o arrocho fiscal e o despotismo continuam. Da chegada da

Família Real ao Brasil até a Independência, os brasileiros lutaram para

reformar ou desenvolver novos procedimentos na mineração diamantífera mas

a coroa relutava em mudar. Desta forma, somente após a Independência do

Brasil os habitantes do Tijuco começaram a ter uma vida melhor e por isso é

enganosa a afirmação de Tôrres. Ninguém podia custodiar ou possuir nenhuma

forma de riqueza, dinheiro, bens, jóias, pedras preciosas, ouro ou mesmo obra

de arte que os cobradores de impostos (sobre mercadorias, dízimos, subsídio

literário e capitação) confiscavam em nome da Fazenda Real. Os portugueses

que enriqueciam voltavam para Lisboa. Num processo sobre contrabando de

diamantes o contratador Francisco Ferreira da Silva diz:

“Não se lhes faz (aos habitantes do Distrito) injustiça ou injúria em se lhes dar rigorosas buscas, todas as vezes que o comandante do destacamento e eu quisemos. [...] Mas sua Majestade quatro anos, com tanta despesa de sua fazenda, a proibição dos diamantes, e antes ele quererá ver o Distrito Diamantino desprovido de seus moradores do que tornarem estes às passadas traficâncias de diamantes” (Santos, 1976: 73).

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Felício dos Santos continua, com a mesma dramaticidade, expondo

o clima reinante no Distrito Diamantino:

“Vivíamos como se estivéssemos em um eterno bloqueio. [...] Ninguém podia julgar-se seguro em sua casa. O senhor via com desconfiança no escravo um inimigo oculto que denunciando-o obtinha a liberdade e partilhava seus bens com a Fazenda Real. A devassa geral que se conservava sempre aberta, era como teia imensa, infernal, sustentada pelas delegações misteriosas, que se urdia nas trevas, para envolver as vítimas, que muitas vezes faziam a calúnia, a vingança particular, o interesse e ambição dos agentes do fisco. [...] Era assim à noite as ruas do Tijuco que tornavam-se melancólicas e silenciosas, como lúgubres galerias de um vasto cemitério: apenas se ouviam o tinir das armas e o andar compassado e monótono dos soldados que rondavam” (Santos, 1976: 110).

A cultura era sedimentada através das ideologias da colonização, da

qual o barroco e o rococó são marcas incisivas de difícil remoção. Estava

ligada aos interesses dos colonizadores e reinóis; associada a Roma, assimilou

e difundiu as diretrizes do Concílio de Trento (1545/1563), no sentido da

colonização da América; no combate ao protestantismo e outras manifestações

religiosas. A cultura barroca valorizava o enriquecimento dos colonizadores

católicos. De um lado, continuava a existir a visão de mundo do renascimento,

otimista e de exaltação da vida; de outro, o extremo oposto desta visão

também encontrava muitos adeptos, que preferiam abraçar uma vida de

reclusão religiosa do mundo. Duas frases em latim, de sentidos opostos

ilustram a ambigüidade do comportamento barroco: carpe diem, que significa

aproveita o dia de hoje; a outra é memento mori, que significa lembre-te,

homem, que morrerás um dia. Na verdade, para os colonos subalternos só era

lícita a segunda frase. A arte barroca contempla o luxo e a riqueza como forma

de intimidação. A poesia e a prosa barrocas exaltavam as “virtudes” e feitos

heróicos das figuras reais, dos reinóis colonizadores, das autoridades civis,

militares e religiosas, especialmente no reinado de D. João V. A produção

literária era de caráter barroco e eclético, contendo de um lado a glorificação da

monarquia absoluta, respeitada e venerada como coisa sagrada ou divina e do

outro a ideologia de que o fim da espoliação é justo. É a ideologia que encobre

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o engano, que justifica o erro, que veda a passagem da luz. O Brasil está no

fundo da caverna, sem luz e sem o fio de Ariadne25 para sair. O mundo barroco

é essa caverna que tenta iludir e manter preso na escuridão o homem latino-

americano.

O trabalho historiográfico de Sebastião da Rocha Pitta (1660-1738) tem

caráter de crônica, cheio de retóricas com citações e personalidades da história

e da mitologia antigas26. Empregando o superlativo nos adjetivos exalta as

riquezas do Brasil, como dádiva de Deus à monarquia portuguesa. Assim, já na

introdução do primeiro livro de História da América Portuguesa (1824), cita: “Do Novo Mundo, tantos séculos escondido, e de tantos sábios caluniado, onde não chegaram Hanon com as suas navegações, Hércules Líbico com as colunas, nem Hércules Tebano com as suas empresas, é a melhor porção o Brasil; vastíssima região, felicíssimo terreno, em cuja superfície tudo são frutos, em cujo centro tudo são tesouros, em cujas montanhas e costas tudo são aromas; tributando os seus campos o mais útil alimento, as suas minas o mais fino ouro, os seus troncos o mais suave bálsamo, e os seus mares o âmbar mais seleto: admirável País, a todas luzes rico, onde prodigamente profusa a natureza, se desentranha nas férteis produções, que em opulência da Monarquia e benefício do mundo apura a arte, brotando as suas canas esprimido néctar, e dando as suas frutas sazonadas ambrósia, de quem foram mentida sombra o licor, e vianda, que aos seus falsos deuses atribuiu a culta gentilidade (Pitta, 1976: 19).

Ao contrário do incentivo dado a Pitta o livro do jesuíta André João

Antonil (1649-1716), Cultura e opulência do Brasil, impresso em Lisboa em

1711 teve sua edição confiscada e grande parte destruída, por ordem régia. A

coroa temia que as informações contidas no livro despertassem o interesse de

outras potências européias sobre as riquezas do Brasil. O livro rico em

conhecimento de técnicas agrícolas e mineralogia, o que para os reinóis da

época pouco interessava. A concepção econômica da época, na Europa como

25 Ariadne é filha de Minos e de Pasifae. Quando Teseu chegou a Creta com o fito de lutar contra o Minotauro, Ariadne

apaixonou-se por ele. Para que conseguisse sair do labirinto escuro da caverna, prisão de Minotauro, deu a Teseu um novelo de fio que ele foi desenrolando e lhe indicou o caminho de volta.

26 Pitta esteve em Portugal muitos anos. Pertencia à Academia Real de História Portuguesa e lá concluiu o livro História da América Portuguesa (1724). De regresso ao Brasil ocupou posições de relevo tendo sido coronel, fidalgo da Casa Real e Cavaleiro da Ordem de Cristo.

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nas colônias, era de que era necessário manter os pobres na pobreza. “Existia

quem dissesse que Deus havia determinado que os pobres fossem pobres e

que mesmo que assim não fosse, sua pobreza era essencial para a riqueza da

nação” (Heilbroner, 1996; 42). Antonil defendia o regime de escravidão do

negro e o indígena como meio de enriquecimento dos senhores de engenho,

mineradores e por extensão o Estado Português. Para um cativeiro ser bom e

produtivo deveria ministrar a técnica dos três “P”: pão, pau e pano. O senhor de

escravo deveria, contudo, ser moderado e ter como base a doutrinação

religiosa. Essa ideologia exploratória vigorou no Brasil enquanto durou a

escravidão. Antonil tinha tudo para agradar a todos os reinados do século XVIII,

mas o perigo de seu livro residia no fato de revelar e despertar nos demais

povos europeus a fábula que era o comércio da região das minas. O ouro em

pó circulava como moeda e era medido em oitava27. Uma oitava correspondia a

3,168 mg. Um grama de ouro foi cotado, aproximadamente, em 2002, a nove

dólares. Portanto, uma oitava equivaleria a 28,50 dólares. Agora vejam-se os

valores das mercadorias ao tempo de Antonil.

Um boi, cem oitavas = U$ 2.850,00 ± Um saco de farinha de mandioca, quarenta oitavas Um pastel, uma oitava Uma galinha, três oitavas Um queijo da terra, quatro oitavas Um queijo importado, dezesseis oitavas Uma boceta (caixa) de marmelada, três oitavas Um barrilote de aguardente, cem oitavas Um barrilote de vinho, duzentas oitavas

Uma vara (11 palmos) de tabaco em corda, três oitavas Uma casaca de pano fino, 20 oitavas Uma camisa de linho, quatro oitavas Um chapéu fino de castor, doze oitavas (Antonil, 1976; 170-171).

Mesmo que o livro de Antonil não tenha circulado, a notícia correu

de boca em boca e daí a dificuldade da administração para conter a onda de

forasteiros, entre os quais clérigos em grande quantidade.

27 Uma oitava de ouro equivalia a 3,168 miligramas, no seguinte desdobramento: uma oitava é igual a 72 grãos; um

grão é igual a 44mg: 44 x 72 = 3.168.

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Relata Ávila (1967) que o primeiro documento de interesse literário a

reportar às manifestações de um estilo de vida barroca na sociedade

mineradora do século XVIII é o Triunfo Eucarístico, livro publicado em Lisboa

em 1734, no qual o português morador de Ouro Preto, Simão Ferreira Machado

descreve as festividades que, em 1733, marcou a inauguração da nova matriz

de N. S. do Pilar, bairro de Ouro Preto, habitado basicamente por portugueses.

Enquanto durou a construção da matriz o Santíssimo esteve em custódia

temporária na igreja de N. S. do Rosário. Com a inauguração da matriz a

Eucaristia é transladada para o novo e luxuoso templo. Machado procura situar

o acontecimento num contexto português de religiosidade e de ação

colonizadora. A expansão colonial de Portugal é associada à predestinação de

colonizar pela fé, inerente à nação portuguesa, desde Afonso Henriques:

redenção dos povos bárbaros pela conversão ao cristianismo. O autor não

esconde que paralelo a essa ideologia corria o interesse material, a ambição

pela riqueza. A narração de Machado ocorre no momento em que a produção

de ouro atingia o auge e oficializava a produção de diamantes. Evidenciava o

estado de euforia da sociedade mineradora através de uma festa mais de

regozijo dos sentidos que propriamente espiritual. A Igreja vê também a

oportunidade de afirmar a hierarquia colonizadora nas Minas, verdadeira

demonstração de poderio temporal e domínio religioso. Machado mostra-se

muito sensível aos aspectos visuais e formais dos desfiles de diversos dias que

antecederam à transladação do Santíssimo, detendo-se nos aspectos

cenográficos, coreográficos, trajes e as alegorias; os efeitos visuais e sonoros

em todo o luxo e a riqueza que simbolizavam.

“Serviram à festividade deste dia muitas danças e máscaras,

ricamente vestidas; e continuaram aos olhos sempre vario, agradável

espetáculo, ordinariamente de dia; aos ouvidos sonora e contenciosa harmonia

de músicas, principalmente de noite, até vinte e quatro de maio, dia da

transladação” (Machado, 1967: 39-40).

Prossegue a narração dos detalhes de luxo, esplendor e brilho com o objetivo de comover, deslumbrar, emocionar, impressionar e até humilhar

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com a exibição dos metais preciosos e os efeitos especiais nos elementos alegóricos e cenográficos:

Se dilatava outra vistosa dança, composta de máscaras, em cujas figuras era o ornato to telas, e preciosas sedas de ouro e prata; pertenciam-lhe dois carros de madeira pintura; um menor, que patente aos olhos uma serpente; outro maior, de artifício elevado em abobada, que ocultava um cavalheiro: este, abrindo-se a abobada, saiu de repente, e já montado, a cabeça da serpente” (Machado, 1967: 48-49).

Essa força de persuasão através da retórica, do exagero, da

hipérbole que o barroco representa a seiva ideológica do colonizador, revela e

comunica aos povos subalternos seu alto poder aquisitivo e conseqüentemente

o poder de ostentação. O aparato alegórico foi preparado não só em Ouro

Preto, mas em diversas vilas da capitania e outras cidades da colônia. Tudo

para expressar que o povo português era feliz porque era eleito por Deus para

conquistar a natureza, os povos e riquezas. Cabia às gentes “inferiores” e

subalternas a resignação.

Com o fim do reinado de Dom João V inicia-se a administração do

primeiro ministro de D. José, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marques

de Pombal. Preocupa-se com a colônia do Brasil de uma forma geral e não só

com a região mineradora. Talvez tenha sido o primeiro a considerar o indígena

como um possível súdito e não escravo, da mesma forma que os jesuítas,

desde que estivessem fora do controle da Companhia de Jesus. Confia a seu

irmão o governo do Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Em

1757 acaba com a administração temporal dos missionários nas aldeias. As

maiores destas foram elevadas a vilas. Determinava que os indígenas

deveriam ter um diretor em cada aldeia até que se mostrassem capazes, com a

função de orientação e instrução. O desejo de Mendonça Furtado era que os

índios aprendessem a língua portuguesa, pagassem os dízimos e que não

fossem tratados como indígenas, mas como cidadãos, cristãos e ricos”.

(Cunha, 1968: 42). Determina a Gomes Freire de Andrade deixar o governo de

Minas e colonizar o Rio Grande do Sul (1752) e lutar para a anulação dos

castelhanos na região. Providencia a imigração de 180 famílias açorianas para

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o povoamento da região Sul. Conforme Maxwell (1985), Pombal foi o primeiro

funcionário português a perceber que a dependência de Portugal à Inglaterra

possibilitava a esta absorver as imensas riquezas oriundas das descobertas de

ouro e diamantes no Brasil. O grande fluxo de ouro do Brasil para a Inglaterra

proporcionara a esta meios para criar sua formidável marinha e importante

indústria. Mas Pombal compreendia que era necessário incentivar a

diversificação da produção colonial para diminuir a dependência com relação à

Inglaterra. A frota do Rio de Janeiro levava ouro e considerável carga de

couros e de prata; de Pernambuco ia a madeira e o açúcar. As frotas do Grão

Pará e Maranhão transportavam cacau. Da Bahia iam barcos carregados de

ouro, prata, diamantes, jaspe, cacau, balsama, algodão, fumo e açúcar.

Portanto, a estratégia de Pombal era a de fortalecer a colônia com a

diversificação da produção, associada à ocupação das regiões extremas;

racionalização da produção e coleta de tributos; incentivar nos colonos o

interesse pela defesa da terra. “O interesse do Estado na libertação dos índios

chocava-se com os dogmas filosóficos fundamentais da política protecionista

dos jesuítas” (Maxwell, 1985; 33). Além disso, expedia instruções mais

incorporadoras em relação à elite local, assinalando-a como elite imperial, ou

seja, atrelando o seu sucesso econômico e as posições de poder ao destino do

Império como um todo (Barboza Filho, 2000: 400). Daí a idéia de monopólio da

Companhia do Grão Pará e Maranhão que fortalecida tiraria Portugal da tutela

da Inglaterra no comércio de seus produtos americanos. Passa a confiar aos

nativos importantes cargos na administração, na justiça e na polícia.

Com o Tratado de Madri (1750) os portugueses cederam à Espanha

a Colônia de Sacramento e o norte do Rio da Prata em troca das fronteiras

fluviais ocidentais do Brasil. Incluindo o Rio Uruguai passava a Portugal o

domínio sobre Sete Missões. O acordo determinava a evacuação dos jesuítas

e seus neófitos indígenas bem como mais de um milhão de cabeças de gado.

Em carta secreta a Gomes Freire de Andrade, Comissário português,

determinou o povoamento da região. O Duque Silva Tarouca escreveu a

Pombal, de Viena, em 1752, dizendo que se Portugal aproveitasse o “mouro, o

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branco, o mulato ou mestiço, todos deveriam servir e que os reis de Portugal

poderiam chegar a ter um império como a China no Brasil” (Maxwell, 2001). As

reformas de Pombal aprofundavam as divergências entre o Estado e a

Companhia de Jesus. Como observa Azevedo (1930), “os jesuítas

transformaram a obra missionária num trabalho colonizador não indiferente aos

interesses mercantis. Foram colonizadores e a obra que haviam empreendido

tinha caráter temporal. [...] A sociedade religiosa era, pois, também mercantil”.

Portanto, uma profunda contradição de vez que Pombal via nos jesuítas os

concorrentes do estado e sua política monopolista. Primeiro os expulsa do

Grão Pará e depois, literalmente, liquida com a companhia e os expulsa do Sul.

Na verdade, desde a época de D. João V, para não concorrer com os

portugueses, os jesuítas foram impedidos de penetrar ou de se estabelecerem

em Minas. Os atritos do estado com a companhia precedem ao “século das

luzes”, mas ele por coincidência ou por efetivas influências, torna-se o ponto de

precipitação. Conforme interpreta Kern (1982), as conseqüências das

mudanças operadas no século XVIII refletiram nas colônias americanas. Nos

Trinta Povos, o desenvolvimento interno continuará sendo constante,

principalmente do ponto de vista cultural. Crescem as instalações materiais em

concorrência com o estado monopolista e territorialista.

“As pressões externas, provenientes tanto do Império Português, para o qual as missões eram um obstáculo ao expansionismo, bem como da própria sociedade hispano-americana, precipitarão a queda de todo o conjunto, a partir do Tratado de Madri até a expulsão final da ordem jesuíta em 1768” (Kern, 1982: 14).

Pombal tentou racionalizar a máquina arrecadadora de tributos,

especialmente o quinto, evitando execuções sumárias. Evitou o grave risco do

processo de derrama. A segurança da colônia deveria ser garantida por sua

população. Conforme Maxwell (1985), a política de modernização de Pombal

resultou na formação de uma classe detentora de fortunas às base de negócios

escusos, a exemplo de uma grande parte dos inconfidentes. Além disso,

valorizou a intelectualidade acadêmica visando o progresso científico. Com a

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morte do rei Dom José e a queda de seu ministro, as reformas por ele postas

em prática sofreram pesadas restrições. O sistema de exploração retrocedeu

aos tempos de Dom João V. Os teares, já em grande número, produzindo

tecidos de boa qualidade foram destruídos e confiscados; entrou em prática o

fiscalismo intransigente com ameaça de volta da derrama. A plutocracia de

Minas formada no período pombalino tentou resistir transformando-se no que

se denominou de inconfidentes. Enquanto corria o processo contra os

inconfidentes, relata Maxwell, deu-se a ressurreição da influência pombalina,

com presença de novos ministros e altos funcionários no governo. Daí

novamente a valorização de estudos técnicos e científicos na forma cogitada

pelos inconfidentes. Neste momento Manoel Ferreira da Câmara (futuro

Intendente Câmara) foi convidado pelo governo para fazer curso de

mineralogia e física, em Paris e Freiberg, mesmo sendo irmão de José de Sá

Bitencourt, implicado na Inconfidência. Interessava-se pela descoberta de

nitreiras para fabricação de pólvora e instalação de fábricas de ferramentas

para mineração e lavoura. Pretendiam liberalizar o Distrito Diamantino;

planejavam criar escolas de mineração e suspensão do arrocho fiscal e

derramas. Desta forma, a metrópole resolveu ser mais condescendente no

julgamento dos implicados. Somente o ativista Tiradentes, que não tinha a

mesma relevância social dos demais, foi executado.

É muito contraditório o fato de, no reinado de Dona Maria I, existir

um certo incentivo ao progresso tecnológico e científico na Metrópole e um

estúpido impedimento de sua prática na Colônia. Os trabalhos científicos,

voltados para o desenvolvimento dos meios de produção, não eram aceitos

porque partiam de estudiosos com formação não puramente técnica.

Desvinculavam-se do compromisso teocrático a que estava atrelada a coroa

portuguesa. De acordo com Carrato (1968), eles foram desprezados por

Lisboa, que somente entendia como remédio para salvar a produção mineral, o

arrocho fiscal e a derrama. Quando José Vieira Couto propôs iniciar suas

explorações pelas terras do Distrito Diamantino, o Intendente Amaral da

Silveira obsta os passos do cientista de todas as maneiras. O mineralogista Dr.

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José de Sá Bitencourt e Acioli, implicado na Inconfidência mineira, irmão do

Intendente Câmara, teve seus projetos rechaçados pela política de Lisboa, com

imensos prejuízos tanto para os portugueses como para o Brasil. Porque foi

capaz de fundir o ferro de modo não oficial e por sua própria conta, teve que se

refugiar na Bahia até que amenizassem as perseguições sobre a sua pessoa

(Revista do Arquivo Público Mineiro, 1909; 475). Para Barboza Filho (2000),

nem Pombal e nem os Bourbons não se empenharam na substituição da

religiosidade barroca do povo, que continuava a ver no soberano o substituto

de Deus. A religião torna-se elemento do estado e o projeto de modernização

de Pombal é através deste. Pleiteia-se o enriquecimento do Estado e das elites

que dele se servem. Daí, de forma eclética, a resistência ao iluminismo, ao

liberalismo e apoio à continuidade do mercantilismo já tardio, com seus direitos

e monopólios. Dois irmãos do cientista José Vieira Couto foram presos: um em

Diamantina e o outro em Lisboa, acusados de idéias liberais e de filiação

maçônica. Ambos acabaram sendo assassinados. Mas, continua Barboza

Filho:

“A Ibéria não tinha condições históricas ou reflexivas para perceber as potências revolucionárias inerentes ao trabalho. E ainda que desfrutasse de consciência iluminada dessas potências, não as aceitaria como eixos de um programa de reestruturação social e econômica de seus reinos. Consciente de si, e inconsciente do mundo e do futuro: o espaço, o território” (p.395).

A expansão para o Sul e para a Amazônia, acompanhada de efetiva

ocupação e de intensa exploração fazia parte dessa concepção e dessa opção.

A constante queda na produção de ouro a partir da segunda metade

do século XVIII, não fez diminuir a população de Minas e nem seu comércio.

Houve sim maior movimentação interna no sentido Norte-Sul e Leste-Oeste.

Mas com a decadência da mineração acelera-se o crescimento da produção

têxtil. Afirma Daniel de Carvalho que de tal modo se desenvolveram e

prosperaram estas atividades, chegando em alguns lugares a se fazerem

tecidos tão finos que se exportavam para fora da capitania, a ponto de provocar

no governador da Capitania, D. Antônio de Noronha o receio de ficarem os

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habitantes da capitania, dentro de pouco tempo, independentes dos do reino,

pela diversidade de gêneros que em suas fábricas se trabalham. O governador

propõe a proibição das fábricas como solução. Quando o marquês do Lavradio

deixou o vice-reinado, informou ao seu sucessor que

“...a independência que os povos de Minas se tinham posto dos gêneros da Europa, estabelecendo a maior parte dos particulares, nas suas próprias fazendas, fabricas e teares, com que se vestiam a si, e à sua família e escravatura, fazendo panos e estopas, e diferentes outras drogas de linho e algodão, e ainda de lã que uns povos compostos de tão más gentes, em um país tão extenso, fazendo-se independentes, era muito arriscado e podem algum dia dar trabalho de maior conseqüência” (Lima, 1970: 56-57).

Não era somente o setor têxtil que havia se desenvolvido, a indústria caseira fornecia ao mercado diversos outros produtos: os engenhos de açúcar, rapadura e aguardente; os laticínios, como queijo, manteiga e requeijão; banha de porco, lingüiça e chouriço; doce, sabão e azeite para iluminação; farinha de mandioca, polvilho e fubá de moinho d’água. Martinho de Melo e Castro (1716-1795), ministro dos Negócios Ultramarinos, substituto de Pombal, em resposta ao relatório do marquês do Lavradio, remeteu instrução minuciosa e severa ao visconde de Barbacena para que governasse a Capitania de Minas com punho de ferro para que, mesmo sofrendo o povo, procurasse salvar os interesses da Real Fazenda, com a proibição das culturas da amoreira, algodão e oliveira. Em 1785 Melo e Castro envia instrução ao governador da capitania no sentido de impedir a instalação de novos teares, apreender e destruir os existentes:

“... que se não cuidar eficazmente nos e modos de os coibir, a conseqüência será que todas as utilidades e riquezas destas importantíssimas colônias ficarão sendo patrimônio dos seus habitantes e das nações estrangeiras, com quem eles as repartem, e que Portugal não conseguirá mais que aparente, estéril e inútil domínio nelas. Quanto às fábricas e manufaturas é indubitavelmente certo que sendo o Estado do Brasil mais fértil e abundante em frutos e produções da terra, e tendo os seus habitantes vassalos desta coroa, por meio da lavoura e da cultura, não só tudo quanto lhe é necessário para sustento da vida, mas muitos artigos importantíssimos para fazerem, como fazem, um extenso e lucrativo comércio e navegação; e se estas incontestáveis vantagens ajuntarem às da indústria e das artes para o vestuário, o luxo e outras comodidades precisas, ou que o uso e costumes têm introduzido, ficarão os ditos habitantes totalmente independentes da sua capital dominante: é por conseqüente: indispensavelmente necessário abolir do

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Estado do Brasil as ditas fábricas e manufaturas” (Maxwell, 1985: 99).

O documento de Melo e Castro revela com clareza o ideal

mercantilista; a finalidade das colônias; a forma discriminatória com que tratava

os habitantes da colônia. A capitania de Minas Gerais, no final do século XVIII

por ser muito populosa e urbana, por sua expressiva protoindústria, pela

atualizada cultura européia que abrigava, de caráter liberal e iluminista,

expressa pelo rococó e pelo arcadismo e pelas condições sociais de sua

população, havia se distanciado do modelo de colônia portuguesa. Como

observa Maxwell (1985: 119), o desenvolvimento verificado em Minas era a

antítese daquilo que a mentalidade oficial de Lisboa acreditava constituir a

função de uma capitania colonial. “As pressões locais que levaram D. Rodrigo

José de Meneses a propor a criação de uma fundição de ferro eram

excomungadas pelos formuladores do novo e rígido neomercantilismo”. A

incongruência da Capitania de Minas determina o seu desmonte. A

inconfidência Mineira foi a gota d’água que faltava. Os centros urbanos

constituídos pelas vilas começam a se esvaziar e o território da capitania se

amplia.

A ideologia que privilegiava ou priorizava a obtenção da riqueza para

os ibéricos, com sacrifício do povo, do crioulo, do negro e do índio, começa a

sofrer uma resistência na mentalidade dos chamados árcades mineiros. A

utopia de Alvarenga Peixoto, Cláudio Manoel da Costa, Tomaz Gonzaga,

Basílio da Gama e Santa Rita Durão, se não fez quebrar a ordem vigente,

contribuiu para o surgimento de uma nova consciência que valorizava o

humanismo. As estrofes em quadras de Alvarenga Peixoto, abaixo, questionam

a validade do ferrolho governamental e patronal.

Eles mudam aos rios as correntes, rasgam as serras, tendo sempre armados da pesada alavanca e duro malho os fortes braços feitos ao trabalho Que fez a natureza em por neste país o seu tesouro das pedras na riqueza,

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nas grossas minas abundantes de ouro, se o povo é miserável? Isto, que Europa barbaria chama, do seio de delícia tão diverso, quão diferente é para quem ama os ternos laços do seu pátrio berço! (Peixoto citado por Cardoso, 1956: 33).

Tomaz Antônio Gonzaga (1744/1810), embora tenha superado as

questões estéticas do barroco, continua engajado na política de colonização.

“O Tratado do Direito Natural apóia o iluminista com inclinação ao despotismo,

Hobbes contrapõe-se ao iluminista liberal Locke. Diz Gonzaga: “A minha

opinião é que o rei não pode ser de forma alguma subordinado ao povo; e por

isso ainda que o rei governe e cometa algum delito, nem por isso o povo se

pode armar de castigos contra ele” (Cardoso, 1956: 37-38). Para John Locke

(1632/1704) o fim do estado é proteger os direitos naturais de cada um.

Quando o estado não reconhece ou nega aos cidadãos os seus direitos,

desempenha mal a sua função. Nesse caso, os cidadãos têm o direito de

oferecer-lhe resistência e inclusive de rebelar-se (Sciacca, 1966). O momento

de “Tratado de Direito Natural” é o de Pombal a quem Gonzaga quer agradar e

merecer confiança. O momento de “Cartas Chilenas” é de D. Maria I e do forte

ministro Martinho de Melo e Castro, documento que revela a indignação diante

do despotismo. O governador da Capitania, D. Luiz da Cunha Menezes (1783-

1788) é tratado como um devasso, mau caráter, a quem Gonzaga lhe dava o

codinome Fanfarrão Minésio.

“Apenas, Doroteu, o nosso chefe as rédeas manejou de seu governo, fingiu nos intentou que tinha uma alma amante da virtude. Assim foi Nero. Governou aos romanos pelas regras da formosa justiça, porém logo trocou o cetro de ouro em mão de ferro. Manda pois aos ministros lhe dêem listas de quantos presos as cadeias guardam: faz a muitos soltar e aos mais alenta de vivas bem fundadas esperanças. Estranha o subalterno, que se arroga o poder castigar ao delinqüente

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com troncos e galés; enfim, ordena que aos presos, que em três dias não tiverem assento declarado, se abram logo em nome dele, chefe, os seus assentos. Aquele, Doroteu, que não é santo mas quer fingir-se santo aos outros homens, pratica muito mais do que pratica quem segue os sãos caminhos da verdade. Mal se põe nas igrejas, de joelhos, abre os braços em cruz, a terra beija entorta o seu pescoço, fecha os olhos, faz que chora, suspira, fere o peito e executa outras muitas macaquices, estando em parte onde o mundo as veja. Assim o nosso chefe, que procura Mostrar-se compassivo, não descansa Com estas poucas obras: passa a dar-nos de sua compaixão maiores provas. [...] Já leste, Doroteu, o Dom Quixote? Pois eis aqui, amigo, o seu retrato Mas diverso nos fins que o doido Mancha” (Gonzaga, citado por Cândido & Castello, 1968: 202-203).

Gonzaga critica com severidade a religiosidade exteriorista das elites

coloniais, sem contrição espiritual. Religiosidade gestual com investimento

político para adquirir prestígio e poder. Enfim, a religiosidade da conveniência

barroca, dramatizada e bizarra.

Frei José de Santa Rita Durão (1722-1784) nasceu em Mariana

(MG), estudou no colégio Jesuíta do Rio de Janeiro e partiu para Portugal.

Doutorou-se em Teologia pela Universidade de Coimbra onde lecionou.

Escreveu “O Caramuru” em 1781, poema épico que exalta as belezas e

riquezas da terra, mas o herói é o bem comportado português Diogo Álvares

Correia, o Caramuru que se casa com a indígena Paraguaçu. Diogo dá

proteção ao herói indígena Gupeva em sua luta com uma tribo inimiga. Por

causa dos poderes e equipamentos próprios da civilização européia Caramuru

torna-se um dominador respeitado pelos indígenas. Por isso, viaja com sua

esposa Paraguaçu para a França. Lá foram mostrar aos discípulos de

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Rousseau o “feliz” casal de “o bom selvagem” e o “bom Ibérico”. Ao rei da

França descrevem o paraíso do Brasil.

Mas não come o estrangeiro, nem consente Comer-se carne humana; e só teria Outra carne qualquer por inocente, Aves, feras, tatus, paca, ou cotia; Receba pois de nós grato presente, De quanto houver nos matos da Bahia; Saia-se à caça; e como lhe compete, Prepare-se a hospedagem de um banquete (“Caramuru”, canto II, estrofe XXXVIII).

Prepara-se um banquete com grandeza, Em que a cópia compita côa elegância; E os dois consortes se dispõe a mesa No magnífico Paço em Régia estância: Nem se dedgna a Soberana Alteza, Depois de os regalar com abundância, De dar rainha e rei, de ouvir curiosos, Uma audiência privada aos dois esposos. Depois (disse o monarca) que informado De meus ministros tenho a História ouvido, Como foste das ondas agitado, Como da gente bárbara temido: Sabendo que os sertões tens visitado, E o centro do Brasil reconhecido, Quero das terras, dos viventes plantas, Que a história contes de províncias tantas (“O Caramuru”, canto VII, estrofes XX e XXI).

O romance “O Caramuru” foi composto no momento em que

especialmente a Península Ibérica tentava mostrar para a Europa a sua cultura

iluminada, associada à ideologia de afirmação dos valores burgueses, em

princípios opostos à truculência guerreira. Os heróis modernos impressionam

pelo saber ou pelo poderio tecnológico. Santa Rita Durão quer ressuscitar o

espírito jesuítico na consideração do indígena como verdadeiro súdito e com

isso anda na contramão da realidade histórica. No ideal, Caramuru e

Paraguaçu eram politicamente corretos, mas seu criador não os levou a Roma

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para entrevistar-se com o Papa e nem a Lisboa para banquetear com a rainha

Dona Maria I.

Cláudio Manoel da Costa (1729-1789), nascido em Mariana e

falecido em Ouro Preto, esteve em Coimbra onde estudou Direito, mas de volta

ao Brasil, esteve em franca atividade profissional e literária. Cláudio Manoel

revela a consciência libertária de seu tempo. No poema épico “Vila Rica”, de

edição póstuma, é historiador que, embora de forma simbólica, critica o atraso

dos colonos na primitiva técnica de minerar e nas arcaicas práticas agrícolas,

desconhecendo o arado e lançando mão das tristes queimadas.

“Entre serras est’outro vai buscando as betas de ouro; aquele vai trepando pelo escabroso monte, e as águas guia pelos canais, que lhe abre a pedra fria. Não menos mostra o gênio a agricultura tão cara do país, aonde a dura força dos bois não geme ao grave arado; só do bom lavrador o braço armado derriba os matos, e se ateia fogo sobre a seca matéria o ardente fogo” (Costa, 1983).

Os colonizadores portugueses, com todas as dificuldades,

mantiveram a mineração da forma que mais lhes convinham, com a

prevalência do arcaísmo, enquanto: a) existiam jazidas superficiais, isto é,

depósitos aluviais recentes, em que os minerais podiam ser extraídos com

instrumental e técnicas rudimentares; b) foi possível manter a repressão para

abafar revoltas, motins e resistências contra os privilégios e as injustiças; c)

puderam evitar as mudanças modernizadoras do sistema exploratório que

exigiam aplicações de capitais a longo prazo e tecnologia mais apropriada; d)

foi possível nutrir no povo a crença de que os lusitanos eram eleitos por Deus

para colonizar, isto é, obrigar o povo a aceitar a sacralidade da colonização. Os

colonizadores perceberam que não podiam ou não conseguiam mais manter a

mineração aurífera. A punição aos inconfidentes com degredos, confinamentos

e pena de morte foi aterrorizante, como revela o esquartejamento de

Tiradentes. Igualmente rigorosas foram as perseguições sobre os habitantes

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das cidades auríferas, com prisões, confiscos de bens e humilhações públicas.

A partir da Inconfidência Mineira as cidades do ciclo do ouro passaram por um

melancólico esvaziamento. Os mineradores, os clérigos e escravos se

distanciam das cidades buscando longínquas terras. Por onde chegam os ex-

mineradores, já transformados em agropecuaristas, vão empurrando as linhas

divisórias da Província de Minas. Conforme Carrato (1968), uma verdadeira

diáspora. Os migrantes partiram em massa na busca de novas aventuras,

encontrando imensas florestas e terras desabitadas. Às vezes ainda tentavam

a mineração de ouro ou de gemas, mas acabavam abrindo currais, fazendas e

pequenos negócios; começa a ereção de capelas, criação de freguesias ou

vilas. No momento da Inconfidência e logo depois do dia 21 de abril de 1792,

os espaços inexplorados nas imediações dos centros auríferos começaram a

ser ocupados, atestando a criação de novos municípios, como em 1789 -

Itapecerica; em 1790 - Conselheiro Lafaiete; em 1791 - Barbacena; em 1798 -

Campanha e Paracatu.

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CONCLUSÕES

“Vê meu fiel Sancho: diante de nós estão mais de trinta insolentes

gigantes a quem penso dar combate e matar um por um. Com seus

despojos iniciaremos nossa riqueza, além de arrancar essas

sementes ruins da face da terra. Essa é a ordem de Deus que

devemos cumprir”.

(Miguel de Cervantes)

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4. CONCLUSÃO

As hipóteses levantadas na introdução deste trabalho pretenderam

dar conta de que os textos literários como ilustração da narrativa história foram

eficientes porque explicitaram os ideais e os conhecimentos dos colonizadores

e dos colonizados.

Ao eleger essa forma de busca não se negou ou anulou preferência

pelas fontes primárias dos arquivos públicos, mas comprovou-se a eficácia da

experiência na narrativa histórica.

Durante toda a exposição sobre a história da colonização americana

fez-se referência a alguns mitos da Antiguidade Clássica presentes nos textos

literários dos conquistadores e colonizadores europeus. A transfiguração e a

transposição de tais mitos para a literatura da época moderna mudaram seus

conteúdos. O mito grego, por exemplo, em sua forma original tinha por objeto a

apresentação de um conjunto de ocorrências fabulosas com que se procurou

dar sentido ao mundo. Sua função é de mediação simbólica entre o sagrado e

o profano proporcionando o entendimento da ordem do mundo e as relações

entre os seres.

A ideologia desempenha quase a mesma função no mundo moderno

que o mito nas sociedades primitivas tradicionais, na medida que mitifica as

idéias e os ideólogos. Nada se assemelha mais ao pensamento mítico do que a

ideologia política, o que faz o historiador ao evocar a expedição de Hernán

Cortes ao México, referindo-se a uma seqüência de acontecimentos passados.

Os mitos das riquezas fabulosas quer narrados por Colombo quer citados na

mitologia Asteca estavam presentes em seus objetivos.

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Quando Gongora recorre à mitologia grega e traz o herói Ulisses

para a vida social histórica da Espanha ele estava em concordância com a

ideologia que enaltece a realeza. O rei, em primeiro lugar é que deve acumular

as riquezas. Os mitos, as fábulas de tesouros narrados por Marco Pólo, o

Grande Cã encaixa na ideologia que justificava e legitimava a posse das

riquezas para os cristãos ocidentais.

O mercantilismo praticado pelos ibéricos já não beneficiava somente

o rei e sua corte, mas aos grandes navegadores. Camões também busca no

mito Ulisses o ideal de herói navegador invencível, rico, próspero. Ulisses

representa o bem, o Ocidente. Baco representa o mal, o Oriente, deve ser

derrotado. Com o mercantilismo do século XVIII, com a descoberta dos metais

e as pedras preciosas no Brasil; com o aumento da produção e do consumo de

bens industrializados, não são somente os tesouros reais que se acumulam,

mas também as fortunas privadas. Configurava a mentalidade burguesa que

desejava levar uma vida livre. O novo mito é o homem genial, criativo, sábio

como o personagem de Diderot, Rameu, gênio da música francesa que banira

o canto gregoriano. As obras de Rousseau são de ficção, mas seus

personagens são tipos ideais de homens pensantes, os mitos modernos.

Enquanto a França e Inglaterra procuravam inovações, Espanha e

Portugal continuavam refratárias a mudanças, em constantes crises

econômicas e sociais. Luiz Antonio Verney repudiando a poesia barroca

afirmava que Vieira havia contrariado os melhores modelos de antiguidade,

sobretudo porque foi contrário ao que ensina a boa razão.

As idéias iluministas justificam a existência das desigualdades entre

os homens partindo da lógica de que a natureza deu a estes uma vontade, uma

inteligência e aptidões desiguais. Surgia, portanto, uma nova forma de

expressão da ideologia da desigualdade das fortunas. O estado e o príncipe

deveriam garantir à nova elite a posse das propriedades e o poder. O saber

tecnológico e o saber intelectual concorrem para o aumento dos benefícios da

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burguesia e altera o processo de exploração das colônias. A literatura se

encarrega de levar para as colônias a ideologia da superioridade e do

merecimento de recompensas aos homens afortunados. Como em “Jacques, o

fatalista e seu amo”, de Diderot. O saber do amo é racional. O amo é senhor de

seus atos e por isso merecedor da fortuna. O saber do criado é mecânico,

conduzido pelo destino e, portanto, dependente. No último quartel do século

XVIII a idéia de defesa da propriedade privada com Valentim de Foronda que

se contrapõe às limitações excessivas e às tendências tutelares do poder na

Espanha. O aumento do poder da burguesia coincide com o aumento do

contrabando da América com enormes prejuízos tanto para a metrópole quanto

para as colônias. O emergente mercado nas colônias atraiu o contrabando de

produtos europeus beneficiando a França e a Inglaterra. A repressão ao

contrabando e ao enriquecimento dos crioulos gerou uma resistência ao

colonialismo. O espírito de insubmissão contra a metrópole culmina com a

idealização da Independência da América Latina, como consta dos “Diários”, de

Francisco Miranda.

As reformas em Portugal tiveram um caráter híbrido: levaram em

conta uma noção de cristianismo enraizada na história lusitana, cheia de

heroísmo e conquistas, as quais Portugal queria resgatar. A produção literária

de Portugal passou por um meticuloso patrulhamento de modo a impedir o

rompimento com a ordem literária vigente na época de Pombal. A burguesia

busca os favores do estado e do príncipe. A bajulação ao Marquês de Pombal

marcou de forma acentuada a literatura em Portugal e no Brasil, na segunda

metade do século XVIII, a exemplo do poeta Antonio Diniz da Cruz e Silva que

recebia a ajuda do pai, um rico sargento-mor e minerador que vivia no Brasil. O

momento da obra “Tratado de Direito Natural”, de Tomaz Antonio Gonzaga é o

de Pombal a quem ele quer agradar e merecer confiança. Por isso afirma que

“ainda que o rei governe e cometa algum delito, nem por isso o povo se pode

armar de castigo contra ele”.

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Foi, portanto, esse homem burguês liberado que ganhou uma

expressão própria na América e esboçou uma reação anti-colonialista. A

ideologia que privilegiava ou priorizava a obtenção da riqueza para os ibéricos,

com sacrifício do povo, do crioulo, do negro e do índio começa a sofrer

resistência. Não faltaram punições aos escritores, considerados subversores

da ordem estabelecida, da vontade e da cultura dos colonizadores. Santa Rita

Durão em “O Caramuru” diz aos europeus como se deve tratar o indígena: com

dignidade e não com estupidez. Mostra a contradição dos europeus que se

afirmaram como superiores aos demais homens do mundo. Alvarenga Peixoto

sente o peso do colonialismo, do despotismo e da discriminação dos europeus

com relação à América e brada:

“Que fez a natureza em por neste país o seu tesouro das

pedras na riqueza, nas grossas minas de ouro, se o povo é

miserável? Isto, que Europa barbaria chama, do seio de delicia

tão diverso é para quem ama, os ternos laços do seu pátrio

berço!”

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

“DEVE-SE SABER QUE HÁ DOIS MODOS DE COMBATER: UM COM AS LEIS E OUTRO COM A FORÇA. O PRIMEIRO É PRÓPRIO DOS HOMENS, O

SEGUNDO DOS ANIMAIS. COMO, MUITAS VEZES, O PRIMEIRO NÃO BASTA, CONVÉM RECORRER AO SEGUNDO”.

(MAQUIAVEL)

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