anuário acerca do teatro de grupo de sp - 2012 · formação de espectadores e espectadoras...
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LABORATÓRIO – PORTAL TEATRO SEM CORTINAS
TEATRO DE GRUPO
Anuários acerca dos grupos de teatro paulistanos
Trabalhos apresentados para a disciplina Teatro Brasileiro IV, sob orientação do
professor Alexandre Mate. 2º semestre de 2012.
Autores e autoras:
Alice Fonseca Nunes
Ariane Cuminale
Bárbara Esmenia Pacheco da Silva
Danilo Lopes
Eraldo Eudes Maia
Felipe Fachim
Francisco Vinícius de Freitas Pereira
Helena Cardoso
João Paulo Rafaelli
Natália Guimarães
Priscila Ortelã André Novo
Roberto de Mello Júnior
Sarah Reimann Oliveira
Revisão: Diego Cardoso
Arquivo: 03.TDG.0001
Loucas de Pedra Lilás, Capulanas Cia. De Arte Negra e Companhia Estável de Teatro 1
Introdução São vários os motivos que determinam a importância do fazer teatral em grupo,
destes destacamos o desenvolvimento técnico, a ampliação de possibilidades estéticas
e o desenho de posturas político-ideológicas contribuindo para o posicionamento crítico
e construção de princípios éticos fundados no debate permanente com a sociedade.
É o compromisso do trabalho coletivo, a partir da elaboração colaborativa, que
garante o enriquecimento das habilidades dos integrantes de um grupo artístico bem
como o seu resultado final, traduzido em espetáculo ou outras ações de intervenção
artística, as várias experiências subjetivas voltadas para um único propósito revelam
uma estética elaborada, consequente e de forte capacidade de prazerosa fruição para
seu público e este como resposta ao contato sugerido pela arte, na troca, potencializa
os argumentos para o debate social e participam de uma re-elaboração dos caminhos
políticos da sociedade.
Motivadores da Escolha
Com a determinação dos propósitos expostos (técnico, estético e ético)
escolhemos para este estudo os coletivos supra citados, com histórias semelhantes na
conquista de valores éticos no tocante a uma política e ideologia de denuncia nas ações
e firme compromisso com a luta por uma sociedade justa, igualitária e em constante
debate. A Loucas de Pedra Lilás atende ao propósito de discussão contra a hegemonia
machista/patriarcal que ainda impera na sociedade em várias regiões do país manifesta
por violência doméstica, diferenças salariais etc., motivos concernentes às ações da
Cia. Capulanas, com um viés de discussão também concentrado nas ações de
denúncia de posturas preconceituosas quanto às diferenças étnicas e de classe. A
escolha da Cia. Estável sintoniza essas demandas e traduz suas ações em
interferências artísticas e aproximação de movimentos sociais.
Por todas essas questões, e tantas outras que não cabe aqui listar, optamos por
uma breve descrição das características desses 3 coletivos, que sabemos não são os
únicos, nem tão poucos, mas que podem apontar a importância dos trabalhos coletivos,
1 Pesquisa realizada por Alice Fonseca Nunes e Roberto Mello Júnior
principalmente nos últimos 20 anos com as leis de incentivos públicos e atuações mais
assertivas de movimentos populares de confronto com o modelo hegemônico de divisão
de classes, valorização do valor (valor de troca ou mercado) e o processo de forte
individualização inerente à manutenção política dessa sociedade.
Grupo ou Coletivo
Capulanas Cia de Arte Negra
Capulanas é composta por jovens negras de movimentos artístico políticos de
São Paulo: Flávia Rosa, Priscila Preta, Carol Euaci Rocha, Débora Marçal e Adriana
Paixão. O primeiro espetáculo realizado pela companhia – Solano Trindade e Suas
Negras Poesias contou com um processo de criação coletiva fundamentado em uma
concepção cênica que tornasse híbrido teatro, dança e música dando vida as poesias e
explorando as próprias vivências cotidianas de cada componente. No ano de 2009 foi
contemplada pelo PROAC – Edital Inédito de Teatro da Secretaria de Estado da Cultura
e pelo Edital de Intercâmbio Cultural do MINC, onde o espetáculo ficou em cartaz em
Salvador – BA no Teatro Gamboa Nova.
Em 2010 a companhia é contemplada na 16° Edição da Lei de Fomento ao
Teatro da Cidade de São Paulo, com o Projeto Pé no Quintal, que previa a
apresentação em espaços não convencionais. No Projeto Pé no Quintal foram
realizadas 30 apresentações em quintais das periferias de São Paulo e atividades de
formação denominadas ONNIM – “Quem não sabe pode saber aprendendo”, referência
ao símbolo Adinkra (ideograma do povo Akan) do conhecimento, da aprendizagem e da
busca contínua do saber. Como ação final do projeto, lançaram a publicação [Em]Goma
dos pés à Cabeça, os quintais que sou.
Loucas de Pedra Lilás
As “Loucas”, como são carinhosamente chamadas, se definem como uma
organização não governamental formada por mulheres e fundada em 1996, no Recife,
Pernambuco. O grupo, na verdade, foi criado como tal em 1989, a partir do desejo de
mulheres feministas de se expressarem, por meio do teatro e da comicidade as
opressões vividas pelas mulheres. As “Loucas” possuem um núcleo central de
participantes, formado por: Ana Bosch (artista gráfica), Gigi Blander (educadora),
Cristina Nascimento (arte-educadora) e Cristina Maia (técnica de departamento
pessoal), com idades que variam entre vinte e cinquenta anos.
Neste ano de 2012 as “Loucas” foram convidadas a integrar a Mostra
Internacional de Teatro de Grupo, organizada pela Cooperativa Paulistana de Teatro e
cujo tema foi “Mulher – como assunto ou direção ou feitura / investimos”. Também
participaram da Cúpula dos Povos, com incorporação de outras participantes
(chamadas de “loucas cariocas”) onde inventaram uma nova performance para
apresentar nos corredores do Congresso Nacional, e nas ruas de Recife, onde também
incorporam cada vez mais feministas ativistas para executá-la.
Companhia Estável de Teatro
A Cia Estável de Teatro tem origem no encontro de experiências teatrais em
certa medida semelhantes exercidas em várias regiões do Estado de São Paulo: São
Caetano do Sul, Ribeirão Pires, Santo André e a cidade de São Paulo, Essas ações, na
década de 1990 do século passado, foram desenvolvidas em grupos amadores e
oficinas culturais que mantinham procedimentos e objetivos diferentes dos que
conhecemos hoje, eram em grande parte pautados por uma hierarquização dos
componentes, marcadamente na figura do diretor, e miravam principalmente a
utilização, em pequenas temporadas, dos espaços públicos e festivais. A formação de
todos os integrantes na Fundação das Artes de São Caetano do Sul em turmas
diferentes e a participação de parte deste grupo em um núcleo de teatro mantido pela
Escola, nos moldes dos corpos de baile municipais, chamado Núcleo Estável de
Repertório, influenciou o nome do coletivo e a continuidade de sua atuação.
Em 2001 A Companhia Estável participou da Ocupação de Teatros Distritais,
uma iniciativa da prefeitura de São Paulo para a gestão artística de grupos sobre os
espaços de Teatro, seis na época, com risco de sub utilização. O grupo geriu o Teatro
Flávio Império com todas as precariedades do local, enfrentou dificuldades com a
administração do Teatro e o Departamento de Teatros da SMC. Valeria o esforço pois o
grupo avaliava o potencial de articulação da região através dos moradores e com a
remontagem da peça Os Menestréis, criado originalmente na Fundação, explorando o
artifício de máscaras da Commedia dell´arte e o contato com outro grupos, Folias
d´Arte, Cia. do Latão, Teatro da Vertigem entre outros , a Cia Estável de Teatro iniciava
suas atividades.
Particularidades estéticas
Capulanas Cia de Arte Negra
O nome da companhia é inspirado nos tecidos utilizados pelas mulheres
moçambicanas, que possui grande valor cultural e simbólico. Para o grupo o uso das
capulanas possibilita o exercício da independência e mobilidade da mulher. O grupo se
dedica à pesquisa da cultura da oralidade para a diáspora africana, a partir da
valorização da memória e da ancestralidade.
A proposta de atuação do grupo também se baseia na vivência africana que não
separa a arte do cotidiano e também não fragmenta em linguagens artísticas como
teatro música, literatura e dança. Pelo contrário, em seu espetáculo tudo está unido e
equilibrado, como uma grande mostra de artes em relação.
Em dezembro de 2011 a companhia é contemplada pelo Edital de passagens do
MinC e a convite da atriz Lucrécia Paco foram para Moçambique durante o mês de
fevereiro de 2012, onde ministraram uma série de workshops, palestras e trocas
artísticas sobre a experiência do Projeto Pé no Quintal e sobre as temáticas do novo
espetáculo da companhia, intitulado Sangoma.
Loucas de Pedra Lilás
Durante vinte e três anos esse grupou atuou em diversas cidades na luta pelos
direitos das mulheres, questionando dialeticamente sua atual condição, criticando o
patriarcado e o capitalismo. Tem como proposta estética-política promover por meio do
teatro e do humor a reflexão sobre as relações entre homens e mulheres e as questões
urgentes e atuais como educação sexual e reprodutiva, prevenção e combate à
violência, a prevenção do câncer, maternidade segura, dentre outros temas que tangem
o feminismo.
As atrizes pintam seus rostos com maquiagem de palhaço, usam roupas e
acessórios coloridos, propondo cenas e intervenções cômicas e em constante diálogo
com o público. As peças apresentadas tiveram como temática: o direito de decidir, os
problemas enfrentados pelos(as) portadores(as) de HIV, as mulheres na História, a
saúde mental, a diversidade sexual, racismo e identidade, a exploração sexual infanto-
juvenil.
Companhia Estável de Teatro
A Cia Estável de Teatro teve um início difícil na ocupação do Espaço Flavio
Império, região de Cangaíba e Engenheiro Goulart (zona leste de São Paulo), porém o
projeto com previsão de seis meses foi prorrogado por mais seis e executado com muita
intensidade, apresentações gratuitas, oficinas e apresentações de grupos convidados
com cobrança simbólica de ingressos, R$ 4,00, aumentando consideravelmente as
produções locais. O valor acima citado é simbólico, uma vez que no atual contexto do
mercado de arte e entretenimento no Brasil é um preço considerado viável de ser pago
por grande parte da população, em contraponto aos exorbitantes valores das casas de
teatro e shows.
Em 2002, a partir da contemplação da Lei de Fomento - conquista dos coletivos
da cidade de São Paulo de um movimento contra a mercantilização da produção teatral
chamado Arte Contra a Barbárie -, o grupo conseguiu intensificar suas atividades com o
projeto “Amigos da Multidão” pautado pela construção de uma estética teatral como
reflexo da participação da comunidade inerente aos trabalhos. O projeto fomentado
durou até 2004 e a nova gestão da prefeitura não permitiu a ocupação do teatro, além
de pôr em dúvida a continuidade a proposta da Lei de Fomento. Em 2005, enfrentando
dificuldades de espaço, o grupo se aproximou do Arsenal da Esperança, instituição de
acolhida para homens da região do Brás. Contemplado pela Lei de Fomento em 2006
com o projeto “Vagar Não é Preciso” foi possível uma aproximação da realidade das
pessoas do espaço. Depois do projeto Homem Cavalo & Sociedade Anônima, o grupo
intensifica sua aproximação de movimentos populares e organizações políticas e
militância para além do teatro.
Conclusão
A pesquisa dos três grupos teatrais, acima citados, e os encontros que tivemos
com os grupos Engenho Teatral, Cia. Hiato e Cia. Antropofágica contribuiu com a nossa
formação enquanto pesquisadores, educadores e artistas, uma vez que nos inspiraram
a repensar e recriar a relação que temos com o teatro coletivo. Nos possibilitou refletir
como a relação libertária no momento de criar e educar é fundamental para a produção
de experimentos estéticos e pedagógicos, proporcionando um trabalho prazeroso e com
aprofundamento teórico, sempre com o objetivo de colocar o tema e o grupo em
questão, em perspectiva e histórica e provocá-lo a transformar suas relações com a
sociedade. Esse processo torna-se visível na relação que esses coletivos têm com o
publico, durante os espetáculos e debates, assim como a generosidade e
disponibilidade durante as entrevistas realizadas para essa pesquisa.
O Teatro de Grupo mostra-se fundamental, portanto, por enfrentar o sistema
político hegemônico – o qual defende a hierarquia e o lucro – e contribuir para a
formação de espectadores e espectadoras capazes de relacionar as obras com suas
vidas na tentativa de fazer os seus desejos – e os do coletivo – se transformarem em
realidade.
Bibliografia
CAPULANAS, Cia. de Arte Negra. EmGoma – Dos pés À cabeça, os quintais que sou.
Capulanas: São Paulo, 2012.
ESTÁVEL, Cia. de Teatro. Das margens e bordas: relatos de interlocução
teatral.Cooperativa Paulista de Teatro: São Paulo, 2011.
Quem são elas. Acedido em: 23/05/2012 em: http://www.loucas.org.br/
Companhia dos Atores, Companhia de Teatro Documentá rio e Teatro
Ventoforte 2
Introdução
O chamado teatro de grupo surge como uma resposta ao teatro essencialmente
comercial, largamente praticado a partir da década de 1970 (decorrente da ditadura
civil-militar), que consiste na montagem de espetáculos normalmente encomendados
por uma produção. Atores, diretores, artistas se uniram em torno da vontade e
necessidade de se aprofundarem na pesquisa de formas e conteúdos das artes
cênicas.
O movimento de teatro de grupo ganhou corpo na cidade de São Paulo. A
importância desse movimento tem como um dos principais resultados a criação da Lei
de Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo, a partir do Movimento Arte Contra a
Barbárie. Com a nova Lei, passou a existir o investimento de dinheiro público para a
pesquisa teatral, levando em consideração a importância do processo de criação e não
o resultado final.
Motivadores das escolhas
A empatia pelas singularidades estéticas de cada um desses três grupos,
somada ao desejo de aprofundarmos nosso conhecimento sobre o trabalho deles,
foram as motivações para a escolha. A heterogeneidade dos estilos e das formas de
produção teatral desses grupos nos interessava como um recorte investigativo da
riqueza do nosso teatro.
Consideramos ainda a relevância desses grupos na história do teatro brasileiro,
pelos seguintes aspectos: A Cia. dos Atores pela sua criação coletiva e por sua cena
híbrida; a Cia. de Teatro Documentário que recém-nascida vem nos provocando, a
medida que olhamos e nos relacionamos com o material social da cidade, à perceber a
poesia que nele existe; e o Teatro Ventoforte, sediado no Parque do Povo, na cidade de
São Paulo, por sua militância e comprometimento em fazer um teatro infantil aliado a
um pensamento pedagógico.
2 Pesquisa realizada por Ariane Cuminale e Juliana Leme
Os grupos
Cia. dos Atores
Em 1988, no Rio de Janeiro, Enrique Diaz se une a amigos artistas para
experimentar novas possibilidades da cena teatral. Bel Garcia, César Augusto, Drica
Moraes, Gustavo Gasparini, Marcelo Olinto, Marcelo Valle e Susana Ribeiro formam a
equipe que leva o nome de Cia. dos Atores, importante nome da cena brasileira de
teatro de grupo. No ano de 1994, o grupo encena sua primeira peça infantil. Em 2004, a
companhia se sedia no bairro da Lapa, inaugurando-a oficialmente em 2006, juntamente
com o livro que percorre os 18 anos da companhia, intitulado Na Companhia dos
Atores. Em 2010, sem recursos para arcar com os gastos da sede, a companhia
anuncia a falência, convocando os trabalhadores de teatro cariocas para reivindicar
projetos de fomento às produções teatrais da cidade.
O grupo se manteve unido até novembro de 2012, quando Enrique Diaz
anunciou sua saída e o restante da companhia noticiou seu último projeto para 2013,
quando completará 25 anos de existência.
Cia. Teatro Documentário
A Cia. formada em 2006 - integrada pelos atores Elaine Grava, Gustavo
Idelbrando, Márcio Rossi, Natalia Lemos e o diretor Marcelo Soler -, desenvolve uma
pesquisa teórico-prática da estética do teatro documentário. O principal material para
seus trabalhos é a memória social. A Cia. teve o seu primeiro espetáculo apresentado
em 2007, Desde quando eu era travesti e ou Lamentos do Palácio das Princesas.
Contemplada pela 16ª edição da Lei de Fomento ao Teatro da Cidade de São
Paulo, com o projeto Como se pode brotar poesia na casa da gente?, em 2010,
documentam pessoas em suas próprias casas e a relação delas com a cidade, dando
início à pesquisa sobre o centro urbano como lugar de encontro e troca, que se estende
ao novo projeto Mapear histórias ou como disse Guimarães, o real não está na saída e
nem na chegada: ele se dispõe para gente é no meio da travessia, contemplado
novamente pela Lei de Fomento em 2012. Desta vez o objeto documental é a rua Maria
José, no Bixiga, onde a companhia está sediada.
Teatro Ventoforte
O grupo Teatro Ventoforte se formou no Rio de Janeiro, em 1974, pelo diretor
argentino radicado no Brasil, Ilo Krugli. O primeiro espetáculo do grupo, História de
Lenços e Ventos, confere grande prestígio diante da critica de teatro infantil e de
animação, por haver conteúdo suficientemente elaborado para crianças e adultos. Em
1980, devido a maior perspectiva de trabalho, o grupo se muda para a cidade de São
Paulo e, após um período com uma sede alugada, em 1984 ocupa um terreno
abandonado, próximo à ponte Cidade Jardim, criando sua sede permanente,
recentemente tombada.
O coletivo, que é constantemente renovado com novos parceiros de trabalho,
tem como premissa a não separação de arte e educação. Em sua sede, o grupo
promoveu inúmeras oficinas de criação artesanal de cenários, bonecos etc., núcleos de
formação de atores, arte-educadores e, até os dias de hoje, acontece anualmente a
Feira de Teatro, que consiste em encontros com manifestações da cultura popular
brasileira, ensaios abertos e apresentações do grupo.
Particularidades estéticas
Cia dos Atores
Tendo o trabalho coletivo como premissa, a Cia. dos Atores dá voz a todos os
integrantes que, de várias maneiras, investigam as potencialidades múltiplas da cena
teatral, se utilizando de diversos tratamentos estilísticos no mesmo espetáculo. A
fisicalização, musicalidade, utilização de multimídias, metateatralidade e a dramaturgia
própria de cada ator são alguns dos principais traços da companhia, que tem a
preocupação de promover diversas oficinas para outros artistas, tornando alguns deles
parceiros de trabalho.
Pina Bausch, Tadeusz Kantor, Meyerhold, Beckett, e o surrealismo são algumas
das referencias citadas pelos artistas da companhia. A opção pelo gênero
melodramático e a utilização de autores como Oswald de Andrade em algumas
montagens, vem com o intuito de conceber um teatro nacional, que reflita as pulsações
dos brasileiros, comunicando de fato com o espectador. Rua Cordelier – tempo e morte
de Jean Paul Marat (1988), A bao a qu (1990), A Morta (1992), Melodrama (1995), O rei
da Vela (2000) e ensaio.hamlet (2004), são algumas das principais montagens da
companhia.
Teatro Documentário
O trabalho documentário que a companhia desenvolve não tem a
intencionalidade de registrar a realidade como ela é, mas de construir um ponto de vista
sobre a mesma, buscando ter o olhar atento às metáforas presentes e, a partir de
materiais simbólicos, potencializar a poesia da vida. As dramaturgias dos
espetáculos/intervenções são construídas a partir de entrevistas e da observação do
objeto documental.
As apresentações dos trabalhos são em lugares não convencionais, para poucos
espectadores e, quando resignificados pela encenação, tornam-se lugares de interação
e troca entre as pessoas. Entre os elementos que compõem as encenações estão
materiais áudio-visuais de registros feitos pela companhia durante a pesquisa.
É uma prática da companhia estabelecer parcerias com outros coletivos ou
artistas. Para o projeto Como se pode brotar poesia na casa da gente as parcerias
fundamentais foram feitas nas outras quatro regiões da cidade com A Brava Companhia,
Cia. Antropofágica, Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes e uZyNonimados3.
Teatro Ventoforte
No Teatro Ventoforte, todos os artistas participantes do processo são criadores,
entretanto, a assinatura final do espetáculo é feita pelo criador do grupo Ilo Krugli. As
músicas, danças e histórias da cultura popular brasileira e da América Latina são
elementos constantes nas montagens do grupo, assim como os textos do espanhol
Federico Garcia Lorca. Os quatro elementos da natureza associados aos contos de
fada são bases importantes para a criação da história.
O grupo lança mão de diversos recursos que juntos combinam uma série de
referências que estabelecerão contato direto com o espectador, tornando-o ativo
participante do espetáculo. A narrativa é constantemente presente nos espetáculos da
companhia, inclusive por se tratar de atores-contadores de história, que escancaram os
mecanismos presentes nas cenas, em um dos expedientes épicos influenciados por
Bertolt Brecht. O trabalho com bonecos entra como um complemento à expressividade
do ator em cena.
Conclusão
A diversa cena teatral contemporânea, que abarca grupos de maior tradição e
grupos novos, nos mostra a importância da verticalização em linhas de pesquisa. 3 Grupo de teatro formado em 2008, com sede na zona norte de São Paulo.
Notamos a preocupação dos grupos pesquisados em se apropriar da cultura brasileira,
cada um à sua maneira. A Cia. dos Atores encena autores brasileiros e transita com a
linguagem das massas, como o melodrama; a Cia. de Teatro Documentário traz à cena
as histórias do cotidiano da sociedade paulistana e o Teatro Ventoforte utiliza-se de
elementos da cultura popular tradicional.
O estabelecimento dos grupos promove o fortalecimento da linguagem e
produção teatral. Sua atuação cultural na cidade torna-se mais intensa, à medida que
esses grupos compartilham sua pesquisa com a comunidade e outros coletivos
culturais.
Conhecer o Teatro Brasileiro nos torna autônomos e possibilita nossas próprias
descobertas artísticas, e nos impulsiona a fazer parte desse cenário.
Bibliografia
DIAZ, Enrique; CORDEIRO, Fabio; OLINTO, Marcelo (Org.). Na Companhia dos Atores
– Ensaios sobre os 18 anos da Cia dos Atores. Rio de Janeiro: Senac RJ, 2006.
Página da internet da Cia. dos Atores. Disponível em:
<http://www.ciadosatores.com.br>. Acesso em 7 de outubro de 2012.
Página da internet do Grupo Teatro Documentário. Disponível em: <http://teatro-
documentario.blogspot.com.br/>. Acesso em 10 de outubro de 2012.
REZENDE, Wilton Carlos Amorim. Teatro Ventoforte de 1985 a 1995 a formação de um
artista e arte-educador. 2009. 291 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Instituto de
Artes, Universidade Estadual Paulista, São Paulo. 2009.
SOLER, Marcelo. Teatro Documentário: a pedagogia da não ficção. São Paulo:
HUCITEC, 2010.
SOUZA, Alex de. Só, mas bem acompanhado: atuação solo e animação de bonecos à
vista do público. 2011. 174 f. Dissertação (Mestrado em Teatro) – Universidade do
Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.
Pombas Urbanas, Grupo Galpão e Cia. São Jorge de Va riedades 4
Introdução
Atualmente percebemos, espalhada por todo o território brasileiro, a presença
marcante dos grupos teatrais que, contrários a uma tendência de um teatro por vezes
denominado comercial e administrado como uma empresa com giro de funcionárias/os,
organizam-se como coletivos de fazedoras(es) artísticas(os).
É perceptível como prática artística desses sujeitos atuantes em seus grupos,
uma pesquisa estética baseada em conversas e discussões entre as(os) integrantes,
em que, na maioria dos coletivos, está aliada a um posicionamento político de militância
do grupo.
Identificar tais coletivos e reconhecer a importância de historicizar este importante
momento do teatro brasileiro contemporâneo torna-se o objetivo principal do
desenvolvimento deste trabalho.
Motivadores das escolhas
Pombas Urbanas
Escolha pessoal por conta de ser o início de um contato teatral, participando da
oficina ministrada no período de ocupação do teatro Martins Pena, em 2001, no bairro
da Penha.
Ali, com Lino Rojas e a trupe, foi possível potencializar olhares tanto de si quanto
do mundo – longo caminho. Reconhecimento da importância do grupo como
desenvolvimento de um trabalho de resistência e transformação em lugares onde os
aparelhos culturais são escassos, quando não inexistentes. Como exemplo, São Miguel
Paulista, no início do grupo na década de 1980, e Cidade Tiradentes, atual trabalho do
coletivo com a ocupação de um galpão localizado a 35 quilômetros da Praça da Sé e o
projeto de nome Arte em Construção.
Grupo Galpão
É incomensurável a importância do Galpão para a história do teatro brasileiro e
para a solidificação de uma identidade teatral nacional. Numa compilação de grupos 4 Pesquisa realizada por Bárbara Esmenia e Helena Cardoso
teatrais brasileiros em atividade em 2012, o Galpão merece destaque por diversos
motivos: além de completar exatos 30 anos de vida, possui um vasto repertório
composto basicamente por clássicos da literatura mundial, sempre aclimatados para a
realidade brasileira, utilizando-se dos expedientes do teatro de rua, do circo e de outras
formas populares, alcançando um resultado palatável ao público em geral, mesclando o
erudito e o popular, o universal e o regional, a tradição e a contemporaneidade. Sua
pesquisa é notória não apenas em seu repertório, mas também em seus projetos no
Galpão Cine Horto, importante centro de pesquisa teatral.
Cia. São Jorge de Variedades
Em 2013 o coletivo completa 15 anos muito bem sucedidos. Sua produção de
opções estéticas ecléticas, que se debruça especialmente nas manifestações
ritualísticas de canto e dança, e de dramaturgia de forte cunho político, aborda os
paradoxos da cultura brasileira, faz da São Jorge uma das companhias significativas no
panorama de teatro contemporâneo brasileiro. Sua relação com a vida da cidade de
São Paulo se reflete não apenas em seus espetáculos mas também em seu fanzine
(Fanzine São Jorges), canal paralelo de interlocução com o público que visa estimular
novas maneiras de relação com a cidade. Nos últimos dois anos, circulou pelo país
colhendo material em festas populares, pesquisa que culminou no espetáculo itinerante
Barafonda, pensado nas possibilidades de intervenção artística na forma bakhtiana da
polissemia e a interlocução entre diferentes formas de coro.
Grupos ou coletivos
Pombas Urbanas
É por meio de um projeto de oficinas teatrais, proposto pelo diretor peruano
radicado no Brasil, Lino Rojas, e realizado com jovens de São Miguel Paulista, zona
leste de São Paulo, que se inicia a trajetória do grupo Pombas Urbanas.
Em 1989, o/as jovens participantes não imaginavam que aquela iniciação
artística se consolidaria em um grupo que celebra seu 23º aniversário e cujo projeto foi
denominado Semear Asas.
De lá em diante, o grupo concebeu um repertório de criações que atualmente
conta com treze espetáculos, participou de diversas mostras no Brasil e em outros
países.
Em 2001 ocupou o Teatro Martins Pena, localizado na Penha, zona leste, por meio do
1º Edital de ocupação dos teatros distritais realizado pela Secretaria Municipal de
Cultura; em 2003 o grupo é contemplado com a 3ª edição do Programa de Fomento ao
Teatro para a Cidade de São Paulo. Em 2004 o grupo ocupa e consegue a cessão de
um galpão na Cidade Tiradentes, zona leste, em regime de comodato por vinte anos –
local onde atualmente são realizadas as atividades do coletivo em processo
colaborativo com moradora/es da região.
Cia. São Jorge de Variedades
A Companhia São Jorge de Variedades surge em 1998, a partir da união de
jovens recém-formado/as na Escola de Arte Dramática-EAD e ECA/USP a fim de
criarem um coletivo de pesquisa e de criação teatral.
Em sua primeira montagem, a companhia leva à cena o espetáculo Pedro, o cru,
no mesmo ano de 1998. Desde então, a montagem de espetáculos e experimentações
distintos se somam à trajetória do grupo, marcada pela constante inovação e arriscar-se
em cena.
Após a primeira encenação, o grupo prossegue com os seguintes espetáculos:
Um credor da fazenda nacional (1999), Biedermann e os incendiários (2001), As
Bastianas (2002), O santo guerreiro e o herói desajustado (2007), Quem não sabe mais
quem é, o que é e onde está, precisa se mexer (2009) e Barafonda (2012).
Em 2001, a companhia participa do projeto Harmonia na diversidade, em
conjunto com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e a Companhia Bonecos Urbanos,
ocupando por dois anos o Teatro de Arena. Entre 2002 e 2004, participa de ocupações
artísticas em projetos sociais como os albergues Boracea e o Canindé, resultando da
montagem As Bastianas.
Atualmente o grupo ocupa um espaço localizado na rua Lopes de Oliveira, 342,
na Barra Funda, zona oeste de São Paulo.
Grupo Galpão
Em 1982, Teuda Bara, Eduardo Moreira, Wanda Fernandes e Antônio Edson se
encontraram em uma oficina de teatro em Belo Horizonte, onde trabalharam acrobacias,
técnicas corporais e jogos com objetos. Saem de lá decididos a criar um grupo de
pesquisa. Durante a criação de seu 1º espetáculo, E a noiva não quer casar, aproveitam
uma razão social constituída anos antes e adotam o nome Galpão. Estreiam numa
praça central da cidade após cinco semanas de ensaio num antigo hospital ocupado por
estudantes.
Ao longo dos 30 anos de existência, o Galpão tem suas raízes no teatro popular
e de rua. Os encontros com Gabriel Villela, Cacá Carvalho, Paulo José, Ulysses Cruz,
entre outros, ajudaram na formação de uma sólida linguagem teatral. Seus 20
espetáculos já foram apresentados em todas as regiões do Brasil e em diversos países.
Além de seu repertório, o grupo mantém desde 1998 o Galpão Cine Horto, um
centro cultural voltado para pesquisa e o estímulo à criação teatral, onde oferecem
cursos, uma sala de cinema e uma biblioteca teatral abertas à comunidade e vários
projetos de criação, fomento e difusão cultural que beneficiam artistas de Minas Gerais
e de todo o Brasil.
Particularidades estéticas
Pombas Urbanas
Ao longo de sua trajetória, o grupo esteve sempre às voltas com questões
pertinentes ao momento de vida de suas/seus integrantes. Desde a primeira montagem,
Os tronconenses, em que apresentavam o universo de jovens da periferia, a
dramaturgia característica do grupo apresenta um olhar ao popular em mescla com
personagens tipicamente urbanas. Com seu segundo espetáculo, Funâmbulo, o grupo,
em rara ocasião, inspira-se no texto de Jean Genet a fim de se dedicar "[...] com maior
disciplina ao fazer teatral, momento de consolidação do texto e da dramaturgia; além do
aprofundamento da pesquisa do ator e da profissionalização do grupo" (SILVESTRE,
2009, p. 61.). É com a peça Mingau de concreto, (1996), que o grupo vai, pela primeira
vez, às ruas, revelando personagens típicas das vias de transição da cidade. Neste
momento o popular se redimensiona em contato com o público distinto que, até então,
ia assistir ao grupo em salas fechadas. A partir daí, o grupo encena novos espetáculos
em salas fechadas, contudo, alternando espetáculos de rua, como é o caso de Bichos
pela paz (2003), Largo da matriz (2004) e Histórias para serem contadas (2007), e,
inclusive, um espetáculo encenado em piscinas públicas, Quadrúpedes aquáticos
(2002).
Grupo Galpão
“Hoje podemos afirmar que o Galpão já tem uma linguagem
própria, onde se misturam Brecht e Stanislavski, as técnicas circenses com o teatro balinês, a música folclórica com os experimentos musicais mais contemporâneos, a dramaturgia clássica com o melodrama, Eugenio Barba com Gabriel Villela, Eduardo Garrido com Shakespeare, marujadas com Molière, teatro épico com drama psicológico, o provinciano com o universal, a tradição com a transgressão. Tudo se mistura nesse caldeirão que os alquimistas do Galpão transformam, com visão crítica e generosidade, em teatro da mais pura cepa, arte maior, celebração da vida”. (Citação de Paulo José presente no endereço eletrônico do grupo)
Magistrais na apropriação de clássicos, ambientando-os em cenários e sotaques
brasileiros, o Galpão tem como principais trabalhos: Romeu e Julieta (1992), A rua da
amargura (1994), Um Moliére imaginário (1997), Um trem chamado desejo (2000), O
inspetor geral (2003), entre outros. O grupo acumula mais de 100 prêmios brasileiros,
incluindo a Ordem do Mérito Cultural, condecoração do Ministério da Cultura a grupos
que contribuem para a cultura brasileira.
Cia São Jorge de Variedades
Apesar de cada espetáculo requerer escolhas estéticas diferentes, a companhia
tem como investigação constante as manifestações ritualísticas de canto e dança,
sempre se referindo às influências das religiões afro-brasileiras na expressão artística
brasileira. A dramaturgia, em todos os seus espetáculos, discute invariavelmente
posicionamentos éticos em relação à diversidade e aos paradoxos da cultura brasileira
ao longo de sua formação. Sua pesquisa mais recente, que culminou com a montagem
de Barafonda, tem por lema e mote “Do Coro vieste, ao Coro retornarás!”: em tempos
de extrema individualidade, a companhia toma as ruas de seu bairro-sede para levantar
questões pertinentes à complexa sociedade paulistana, movendo-se como um grande
corpo composto por 30 atores-músicos, anunciando-se à sociedade “[...] de maneira
lúcida, crítica, sem produzir discursos nem estagnar o pensamento e as energias”,
(Fanzine São Jorge, 2012, p. 1) numa demonstração de verdadeira criação e ação
coletiva.
Conclusão
Os três grupos aqui descritos têm em comum, além da criação coletiva, a
preocupação com o ponto de vista do espectador. São grupos preocupados com a
comunicação direta com o público: ao montar obras clássicas, trazem referências da
realidade do espectador; ao criarem novas obras, procuram dar voz ao espectador,
trazendo questões que incomodam e movem a sociedade. Para isso, cada um, à sua
maneira, mergulha em manifestações artísticas populares e vai às ruas, mesclando seu
resultado artístico ao ritmo da cidade. Seu trabalho com/para a comunidade se estende
para além da obra artística, mantendo suas sedes, publicações e projetos populares em
permanente atividade de conscientização.
Teatro da Vertigem, Grupo XPTO e Grupo Teatral Moit ará 5
Introdução
O fenômeno dos agrupamentos em teatro brasileiro tem relevância, entre outros
aspectos, como forma de resistência ao teatro dito comercial e de fácil acesso, que se
utilizam do formato das telenovelas e das comédias, sustentadas por um humor de fácil
digestão, cuja única função aparente é o desserviço para com a sociedade, ao reafirmar
os antigos preconceitos, historicamente instaurados, contra as minorias.
É possível notar, em uma cidade como São Paulo, por exemplo, graças à
mobilização e à luta da classe artística, a existência de incentivo proveniente de
iniciativas públicas e privadas, com a finalidade de instaurar um fluxo de grupos e, após
certo período de experiência subsidiada, constata-se grupos que já possuem linguagem
artística própria, proveniente de pesquisa experimental.
Motivadores das escolhas
A escolha dos três grupos - Teatro da Vertigem, Grupo XPTO e Grupo Teatral
Moitará – se deu, principalmente, pelo interesse que tínhamos acerca dos
procedimentos e dos expedientes estéticos, dos quais os grupos utilizam. A respeito do
Teatro da Vertigem, o que nos interessou foi, primeiro, o fato deste ser referência para a
história do teatro no Brasil, com a proposta de apropriação de espaços não-
convencionais para a cena teatral e, também, da metodologia de trabalho inovadora
para o período nos grupos não popular: o processo colaborativo.
Já, no que concerne aos grupos XPTO e Moitará, o que constituiu nosso
interesse foi o trabalho que ambos desenvolvem, cada um de uma maneira específica,
com a linguagem do teatro de animação, principalmente, na pesquisa com bonecos,
5 Pesquisa feita por Danilo Lopes e Felipe Fachim
objetos e máscaras.
Grupos ou Coletivos
Teatro da Vertigem
Surge com um grupo de estudos da ECA – USP6, composto por estudantes e
professores do curso de Artes Cênicas, dentre os quais podemos citar Antônio Araújo,
Gabriel Vilela, Maria Thaís, Sérgio de Carvalho, Lúcia Romano, entre outros, em 1991.
A principal preocupação do grupo era o ator, daí a proposta inicial de pesquisar a
mecânica da física clássica aplicada ao movimento do corpo deste, que gerará
repertório de treinamento para o primeiro espetáculo, estreado em 1992.
Responsável por um procedimento de trabalho posteriormente denominado
processo colaborativo, o Teatro da Vertigem apresenta, enquanto característica
fundamental a busca por espaços não convencionais para a apresentação de suas
obras. Trata-se de uma apropriação do espaço, que, por sua vez, está relacionado à
temática da montagem, para ressignificá-lo esteticamente. O grupo completa vinte anos
em 2012 com formação diferenciada, porém com os mesmos procedimentos e força
vital agressiva, vertiginosa e causadora de espanto.
Grupo XPTO
A atuação do grupo XPTO inicia-se no ano de 1984, sob a coordenação do
artista plástico argentino Oswaldo Gabrielli e pelo músico e compositor brasileiro
Roberto Firmino. O desenvolvimento das atividades do grupo iniciaram em forma de
performance nas casas noturnas underground paulistana no inicio do ano 1980. Devido
a essa característica performática, o processo criativo de Gabrielli permite que todos os
atores contribuam para a encenação como criadores, não apenas de suas
personagens, mas também do roteiro em que se inserem. Os espetáculos normalmente
fundem música, dança, circo, manipulação de bonecos e objetos e, claro, linguagens
teatrais mais convencionais. Isso, com absoluto rigor técnico e precisão de acabamento.
Grupo Teatral Moitará
O Grupo Teatral Moitará, sediado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), desde 1988,
6 Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
desenvolve uma pesquisa continuada sobre o trabalho do ator, buscando compreender
os princípios que fundamentam sua arte, tendo nos estudos dos aspectos e funções da
Máscara Teatral a base para a elaboração de uma metodologia própria. A Máscara é o
mais representativo elemento de toda história do teatro e em todas as culturas são
encontradas Máscaras como elementos de comunicação capazes de transmitir a
essência da vida de seu povo. Por esta razão, o trabalho do grupo consiste numa
pesquisa teórica e prática do significado artístico e sociocultural da Máscara,
elaborando a sua função cênica através da confecção e do jogo que ela propõe. Os
principais nomes que compõe o grupo são: Venício Fonseca – fundador do grupo, Erika
Retti – fundadora, também, André Marcos – ator-pesquisador e mascareiro e Fabiano
Manhães – ator-pesquisador e mascareiro, além dos colaboradores.
Particularidades estéticas
Teatro da Vertigem
A grande particularidade do Teatro da Vertigem é, justamente, a relevância
histórica que este tem com a apropriação dos espaços. A Trilogia Bíblica – três
primeiras montagens que o grupo concebeu. São elas: O Paraíso Perdido (1992),
apresentada na igreja da Santa Efigênia (SP); O Livro de Jó (1995), apresentada no
hospital Humberto Primo (SP) e Apocalipse 1,11 (2000), apresentada no Presídio do
Hipódromo (SP) – foi bem recebida pelo público e pela crítica, viajou o Brasil e outros
países e ganhou os principais prêmios da época.
Após conquistar o seu espaço na cena teatral, ele segue com a montagem de
BR-3 (2006), apresentada no Rio Tietê. BR-3 traz a história dos “Brasis” que cabem no
Brasil, ao propor uma viagem por três BRs distintos: Brasilândia (SP), Brasília e
Brasiléia (AC).
Atualmente (2012) o grupo está em cartaz com a peça Bom Retiro 958m. Com
esta, que aborda a história do bairro Bom Retiro em São Paulo e as transformações que
esta região sofreu, comemora os 20 anos de existência.
Grupo XPTO
O Grupo XPTO tem um histórico expressivo dentro do panorama teatral
brasileiro. Caracterizado pela realização de espetáculos com grande apelo visual e
musical, vem, nas últimas duas décadas, contribuindo para a formação de um teatro
brasileiro contemporâneo. Apresentou-se em diversas capitais brasileiras e também no
exterior (Argentina, Uruguai, Venezuela, Colômbia, Espanha, França, Portugal,
Iugoslávia e Hong Kong), obtendo sempre grande sucesso de público e de crítica.
Recebeu, ao longo de 23 anos de carreira, 40 dos mais importantes prêmios do teatro
brasileiro (APCA, Mambembe, Shell, APETESP, Governador do Estado, Fundacen,
Coca Cola e Panamco, entre outros). O processo de pesquisa do grupo tem como foco
a construção de uma poética contemporânea, que seja reflexo de nosso momento
histórico, que revele nossas motivações como integrantes de um grupo urbano inserido
num contexto repleto de contrastes culturais, éticos, estéticos e sociais.
Grupo Teatral Moitará
Da sua fundação até hoje o Moitará notabiliza-se pela diversidade em seus
projetos sócio-culturais. Em 1990, o grupo aproximou-se do Centro Maschere e
Strutture Gestuali e, em 1992 e 1995, participou das VI e VIII Edizione del Seminário
Laboratorio Internazionale Arte della Maschera (Itália). Em parceria com o Grupo Fora
do Sério e Donato Sartori, Moitará realizou a pesquisa teatral e texto do documentário
Breve História da Máscara e Método Sartori e Viagem ao mundo da Máscara em 1997.
Em 1999, o Grupo estreou Rifinfim no Medelim, no Teatro do Museu da República (RJ).
Em 2002, junto a Alessandra Vannucci, o Moitará produziu a oficina Quel Buffone di
Arlecchino, ministrada por Enrico Bonavera na UniRIO7. Em 2003, estreou Imagens da
Quimera. Em 2006, Quiprocó. Em 2007, é agraciado com o prêmio Myriam Muniz de
fomento ao Teatro. Sua sede é um Ponto de Cultura e abriga o projeto PALAVRAS
VISÍVEIS: Capacitação técnica para atores surdos com a linguagem da Máscara Teatral,
que é um projeto inédito na cena teatral brasileira e se configura como uma nova frente
de iniciativa sócio-cultural, na busca pela alteração do quadro de exclusão do deficiente
auditivo, ao visar integração e afirmação identitária.
Conclusão
Promover pesquisa enciclopédica acerca de grupos, a princípio distantes tanto
na ideologia quanto nos procedimentos artísticos, possibilita, primeiro, quebrar com
paradigmas ou preconceitos pré-estabelecidos além de, durante e após a feitura do
texto, (re)descobrir a importância social e política que estes grupos apresentam para a
história. História tal, que o Brasil insiste em encobrir. Histórias de uma arte
7 Universidade Federal do Rio de Janeiro.
fundamentalmente brasileira que está no patamar de vanguarda, de linguagem
processual experimental de qualidade igual e até superior à de grupos europeus
considerados paradigmas e referência na história mundial do teatro. Estabelecer o
panorama proposto nos remete, portanto, à necessidade que o Brasil tem de revisitar
suas terras e delas se lhes sujarem corpo e alma.
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Teatro de Narradores, Grupo Proposta de Teatro e En genho Teatral 8
Introdução
É no começo de 1990 que surge, e para outros ressurgem, o Teatro de Grupo,
termo que identificava a maior parte do teatro que se fazia neste período, e, ainda hoje.
O teatro de grupo tem como características fortes o território alternativo, a coletividade
como essência, a quebra das hierarquias e a articulação em grupo para adquirir a
sobrevivência, contudo, há diversidade nas formas e nos modelos de como tratar estas
questões, nas quais entram subjetividades e estéticas que cada grupo desenvolve.
Uma grande contribuição deste movimento para atualidade foram “(...) os
investimentos dos grupos em compreender os seus próprios processos coletivos”9, que
nos trouxe desdobramentos de novos campos poéticos e de trabalhos politicamente
radicais. Outra contribuição, especificamente em São Paulo, foi o movimento Arte
contra a Barbárie criada pela união dos grupos da cidade, em 1999, para lutar contra a
“Colonização mental da indústria cultural” e “(...) as situações criadas pelas leis de
renúncia fiscal”10 tendo como resultado desta luta a implementação da Lei de Fomento
ao Teatro para a cidade de São Paulo que potencializou os investimentos em projetos
pedagógicos e políticos dos grupos teatrais paulistanos.
UM TEATRO DE NARRADORES
Breve histórico
Nascido na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, no ano de
1997, O Teatro de Narradores é mais um belo feto fecundado no útero do movimento
Arte Contra a Barbárie. José Fernando de Azevedo (atual diretor do grupo), Sandro
Willig, Marcelo Daher, Silvana Ramos, Teth Maiello e Bárbara Araújo trouxeram à luz
para a cena teatral paulistana o Teatro de Narradores. Estreando em 1997 com A lata
de lixo da história, o grupo manteve-se ligado ao ambiente universitário até o ano 2000.
Daí para cá, apresentou doze espetáculos, numa produção média de um espetáculo por
ano, culminando com Cidade Desmanche (2009), com o qual ganhou o prêmio
8 Pesquisa realizada por Eraldo Eudes Maia e Francisco Vinícius de Freitas Pereira
9 Carreira, André: Teatro de grupo: um Território Multifacético. Próximo ato: Teatro de grupo/ organização: Antônio Araújo, José Fernando Azevedo e Maria Tendlau – São Paulo: Itaú Cultural, 2011. 10 Mate, Alexandre: Teatro Vivo em São Paulo:
Cooperativa Paulista de Teatro, como melhor espetáculo, e com Cidade fim, cidade
coro, cidade reverso (2011) seu meu mais recente trabalho.
Particularidades estéticas
Situado na rua treze de maio, o grupo coloca o Bixiga como personagem no
centro de uma reflexão sobre as formas de convívio na atualidade. É aí que se insere o
espetáculo Cidade Desmanche (2009) a encabeçar um processo de pesquisa acerca da
ocupação artística e da relação de convívio com o entorno. O espetáculo seguinte
Cidade Coro, Cidade Fim, Cidade Reverso (2011) aprofunda o processo de diálogo com
a comunidade e de ocupação artística das ruas do Bixiga
Apoiado em cena de matriz épica e numa crescente aproximação com o teatro
brechtiano, como retomada de confronto e apropriação da experiência social de Bertolt
Brecht, o Teatro de Narradores procura produzir experiências que possam potencializar
encontros, nos quais abram-se flancos para serem investigados temas e formas.
Segundo José Fernando de Azevedo há, hoje, no Teatro de Narradores uma
preocupação com o cruzamento entre teoria e forma, como também busca-se investigar
a cena tanto no interior da sala de espetáculos quanto na rua.
Mais um filho da luta
Como teatro de grupo, o Teatro de Narradores é mais um exemplo positivo dos
frutos que renderam o movimento Arte contra a barbárie. Apoiado, hoje, por Lei de
Fomento à Cultura, o Teatro de Narradores se sente confortável para dedicar-se a um
processo acurado de pesquisa sobre suas relações com o entorno. O foco reside na
cidade, não como cenário, mas como opção efetiva em que possa descobrir
possibilidades de configurar a cena num processo de negociação com os habitantes à
sua volta. Para José Fernando, essa preocupação com a ocupação urbana, começou,
ainda, no início dos anos dois mil, quando experimentaram o contato com grupos que
lutam por moradia no centro da cidade de São Paulo. É com a cidade e principalmente
com a comunidade que o cerca que o Teatro de Narradores dialoga, sem perder de vista
pesquisas no âmbito estético e formal em salas de ensaio. Para 2013, num projeto que
abrangerá mais uma vez a ocupação das ruas do Bixiga, novamente, Brecht será
chamado à cena e Arturo Ui será seu grande mote. Evoé!
GRUPO PROPOSTA DE TEATRO
TIMON-MA
Breve histórico
Fundado em outubro de 1990 com o nome de Grupo Teatral Família de Astros.
Do elenco de fundadores somente o diretor Roger Ribeiro ainda participa do grupo,
que tem produzido, em média, uma peça a cada dois anos. Dentre elas merecem
destaque: O chip nosso de cada dia (1995), Circo desmontado (1998), O diário da
bruxa (2007), Uma história pelo avesso e outras histórias (2003) Um brasileiro no céu
(2008). O grupo tem forte atuação junto à cidade timonense, em ações culturais
contínuas pelas ruas e praças do município por meio de oficinas, montagens de
espetáculo e realização de Mostras de Teatro.
Com o objetivo de formar plateia e desenvolver a arte teatral na cidade, o grupo
traz em sua experiência profissional a realização de projetos, como: Literatura em Cena,
inicialmente em parceria com o SESC local, cujo foco é provocar nos estudantes o
gosto pela literatura, preferencialmente piauiense ou maranhense.
Particularidades estéticas
O Grupo prima por pesquisar e levar à cena, através do cômico, o linguajar
popular do Meio Norte do Brasil. Sob a orientação do ator Vitorino Rodrigues,
especialista em literatura brasileira, desenvolvem-se pesquisas sobre as histórias
populares, o modo de falar, as lendas e causos esquecidos do povo piauiense e
maranhense, priorizando os dramaturgos e contadores de histórias do lugar. Ruas,
praças, pontos de ônibus, feiras livres são espaços utilizados não somente para
apresentações de espetáculos, mas também para discussões e experiências de troca
com a comunidade. Os atores do Proposta trabalham de dia em outras atividades e à
noite dedicam-se à arte do teatro, no melhor estilo amador. A criação coletiva e a posse
de seus meios de produção são buscados com afinco.
Ousadia e disposição
Sem apoios financeiros ou leis de incentivo, algo ausente, naquela comunidade,
o Proposta arregaça as mangas e vai à luta, buscando contato com o povo,
incentivando-o a ver-se e rever-se na cena que conta sua própria história. Projetos
ousados como Enquanto o Teatro Não Vem, apresentado em locais como rodoviárias,
Centrais de Abastecimento, feiras, hospitais, buscam sensibilizar as autoridades e a
população sobre a importância de se ter uma casa de espetáculos, que se transforme
em ponto de apoio ao teatro local. O projeto Sexta Só Riso, que traz à cena montagens
de comédias já realizadas pelo Grupo, além de participações de outras companhias da
cidade, objetiva visibilidade à arte teatral, insistindo numa regularidade de
apresentações artísticas como meio de formação de público. Complementam o quadro
fóruns de discussões e mostras de teatro, sempre com o foco na divulgação da arte do
palco e na busca pela inserção do homem como dirigente de sua própria história.
Evoé! rapaziada.
ENGENHO TEATRAL
Breve histórico
Em plena ditadura militar (1979) surge para cena teatral brasileira o Apoena,
estreando com o espetáculo Mãos sujas de terra. Segundo seu fundador Luiz Carlos
Moreira, durante catorze anos o grupo viveu o que chama de circuito Bixiga: atores que
trabalhavam de dia se reuniam à noite em torno de um texto predeterminado para
fazerem espetáculos. As dificuldades, segundo Moreira, eram de toda ordem:
temporada curta, com poucos espetáculos, apresentados de terça a domingo para um
público minguado.
Em 1986, o Apoena se une ao Engenho de Arte, outro grupo pertencente à
Cooperativa Paulista de Teatro, e em 1993, já com o nome de Engenho Teatral, dá o
grande salto. Diz Moreira: “A partir daí a gente pegou o boné e se exilou”. O teatro
reduzido à mercadoria não nos interessava mais, aliás, nunca nos interessou. Seus
últimos trabalhos Outro$ 500 (2008); Pequenas histórias que à História não contam
(2002) e Opereta de Botequim (2012), considerado como único musical épico dialético
do teatro paulistano, consolidam o pensamento do grupo em direção à recusa definitiva
a um teatro produzido nos moldes capitalistas de produção.
Escolhas estéticas
A recusa aos meios capitalistas de produção implica, em circunstâncias atuais,
sobreviver à margem, e é assim que o Engenho Teatral sobrevive: à margem. Um teatro
que se propõe encontrar seu público na periferia, que compreende sua produção
artística como não-mercadoria, que considera a cena como um conjunto de relações
que se estabelecem principalmente fora do palco, que busca alterar as relações para a
partir daí verificar como isso implica na cena, cuja relação com o público se dá de modo
dialético e não por formatação ou instrução pedagógica, que compreende a formação
de público como formação de gente, é um teatro construído em moldes que,
necessariamente, colidem com os meios de produção do mercado, procurando mostrar
que há outras alternativas.
Aquele que diz não
Participante ativo na fundação da Cooperativa Paulista de Arte, bravo lutador no
movimento Arte contra a barbárie, incansável na luta contra os desmandos do capital,
Luiz Carlos Moreira, fundador do Engenho Teatral é um daqueles homens que lutam
para que os meios de produção pertençam aos trabalhadores. Seu teatro, gratuito e
popular, busca o estreitamento das relações com movimentos da periferia e procura se
afirmar, no âmbito interno, ancorado em relações horizontais. “Ninguém é dono de
nada, aqui” afirma Moreira.
Determinado e confiante, assim se expressa Luis Carlos Moreira: O Opereta de
Botequim (2012) foi a maior produção coletiva que fizemos; parece que estamos na
direção desejada.
Conclusão
O engajamento político de parte da classe artística paulistana no final dos anos
noventa e início dos anos 2000, com o movimento Arte Contra a Barbárie, combinado
com a vigilante e permanente atuação junto aos órgãos legislativo e executivo da cidade
de São Paulo têm garantido, por meio das atuais Leis de Fomento à cultura, que artistas
e grupos teatrais locais possam desenvolver um teatro de pesquisa. É claro que ainda
estamos distantes do necessário, onde o que se reivindica é uma real política de cultura
nacional em que ações concretas de nossos parlamentares possam reservar para o
Ministério da Cultura fatias significativas do orçamento da união para a cultura
brasileira. Porém, o exemplo de luta dos artistas e intelectuais paulistanos, com
organizados movimentos de pressão junto aos legisladores da cidade, para garantir no
orçamento local valores que possam atender minimamente projetos de cultura, pode
servir de exemplo a uma ação conjunta dos artistas nacionais num movimento que
abranja do Oiapoque ao Chuí. Tudo dependerá de nossos modos de organização e do
entendimento de que fazemos parte de uma única nação. De nosso engajamento e
atuação política dependem novos fomentos ao teatro nacional. Vamos à luta!
Clowns de Shakespeare, Cia. da Revista e Cia. do Ti jolo 11
Introdução
A importância do teatro de grupo no Brasil
O “fenômeno” Teatro de Grupo, que em São Paulo despontou, de modo mais
sistemático, na década de 1940, tem apresentado notório desenvolvimento no país ao
longo dos anos, revelando coletivos com diferentes estéticas, efeitos de teatralidade,
relação com o público, diversidade temática, mas com uma característica em comum: o
processo de criação coletiva.
Nesse sentido, nós, estudantes do quarto ano de Licenciatura em Arte-Teatro
propusemo-nos a estudar o fato, realidade contemporânea brasileira. Dividindo-nos em
duplas escolhemos dois coletivos do Estado de São Paulo e um de outro estado para
registrarmos historicamente sua forma de produção cênica.
Neste capítulo do anuário será possível conhecer, brevemente, os grupos:
Clowns de Shakespeare, Cia da Revista e Cia do Tijolo.
Motivadores das escolhas
Partindo da tarefa concedida ao quarto ano de Licenciatura em Arte-Teatro do
Instituto de Artes da Unesp em pesquisar coletivos que trabalhem com o fenômeno
discutido, o Teatro de Grupo, nós João Paulo Rafaelli e Priscila Ortelã, selecionamos: os
Clowns de Shakespeare (RN), a Cia da Revista (SP) e a Cia do Tijolo (SP).
A vontade em pesquisar os Clowns de Shakespeare despontou pela curiosidade
que nós pesquisadores possuímos sobre o coletivo. Em relação à Cia da Revista, o
desejo surgiu pelo fato desta ter pouco registro histórico, principalmente na Academia. E
por fim, a vontade em investigar a Cia do Tijolo veio pela experiência que ambos
tivemos ao assistir Concerto de Ispinho e Fulô, espetáculo da companhia apresentado
no Sesc Pompeia, em 2011.
Os Grupos
11 Pesquisa realizada por João Paulo Rafaelli e Priscila Ortelã
Clowns de Shakespeare
O grupo Clowns de Shakespeare é um coletivo da cidade de Natal, Rio Grande
do Norte. Sua fundação oficial foi em 1993, mas o início se deu em 1992 no Colégio
Objetivo quando ainda eram vestibulandos coordenados pelo professor de Literatura
Brasileira.
Em 1996 iniciaram a construção da sede – Espaço Cultural Casa da Ribeira,
pronta em março de 2001. Em 2003 para comemorar uma década de vida, convidaram
o diretor do Grupo Galpão, Eduardo Moreira para construir junto do então diretor do
grupo, Fernando Yamamoto, o espetáculo Muito Barulho Por Quase Nada, obra que
revelou os Clowns de Shakespeare no país.
O ano de 2008 foi marcado por forte atividade política: Fernando Yamamoto foi
eleito conselheiro nacional do movimento Redemoinho12; fundaram o movimento A
Lapada13. Atualmente, são fortes atuantes em movimentos de articulação política com
vários grupos teatrais do Brasil.
O coletivo possui séria preocupação com a pesquisa cênica atoral, a
musicalidade da cena e do corpo e com o teatro popular e por isso desenvolvem estes
aspectos, principais objetivos de investigação. As obras shakesperianas servem como
inspiração aos seus questionamentos: não procuram um caráter “museológico”, mas se
propõem ao desafio de, sem retirar a genialidade do dramaturgo, encontrar o que faz
sentido as suas criações.
Cia. da Revista
Criada em 1997, a Cia. da Revista se formou com o propósito de investigar e
recuperar o teatro popular brasileiro por meio do gênero Teatro de Revista14,
observando o diálogo existente entre esta linguagem e a contemporaneidade.
Neste ano a companhia completou quinze anos de existência tendo onze obras
12 Criado em 2002, o Redemoinho Movimento Brasileiro de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa tem por objetivo lutar por uma sociedade em que arte e cultura sejam um direito do cidadão. 13 A Lapada tem por objetivo realizar trocas artísticas e fomentar o teatro de grupo no Nordeste. É formado pelos grupos: Bagaceira (CE), Máquina (CE), Clowns de Shakespeare (RN), Alfenin (PB), Piollin (PB) E Ser Tão (PB). 14 O Teatro de Revista é um gênero teatral que surgiu no século XVIII junto aos Vaudevilles franceses. Tinham por principal característica revisitar o passado, colocando “em revista” e de maneira cômica os acontecimentos da vida citadina cotidiana. Os espetáculos tinham por característica a reunião de números musicais entrecortados por cenas cômicas, quadros de fantasias e cenas apoteóticas que eram grandiosas e reuniam todo o elenco, finalizando a obra. No Brasil, as Revistas despontaram na década de 1910.
registradas em seu repertório artístico. Por terem sido contemplados pelo Fomento ao
Teatro, o coletivo conseguiu inaugurar sua sede, o MINITEATRO na Praça Roosevelt,
no centro da cidade de São Paulo em 13 de abril de 1999.
Atualmente composta por sete mulheres e cinco homens, a companhia conta
com a fiel direção de Kleber Montanheiro, fundador do coletivo.
Cia. do Tijolo
A Cia. do Tijolo se formou a partir do show musical Cante lá, que eu canto cá
(2008) baseado em músicas e poesias do poeta cearense Patativa do Assaré. A ideia foi
trazida por Dinho Lima Flor, integrante do grupo, quando durante sua passagem por
Assaré (CE), reuniu um rico material sobre Patativa. Isto fez com que tivesse o desejo
de transformar este material em um sarau, monólogo ou um show.
Nesta iniciativa embarcaram Rodrigo Mercadante e Fabiana Barbosa.
Percebendo que o show não era suficiente para contar a história pela qual se
admiraram - um poeta cantador, que estudou apenas seis meses e todos os
conhecimentos que possuía acerca do mundo eram de suas vivências - resolveram
montar o espetáculo Concerto de Ispinho e Fulô (2009).
A criação do nome do grupo, Cia. do Tijolo, surgiu a partir das proposições
didáticas de Paulo Freire. Autor do material que acompanhou a criação do espetáculo,
Freire utilizou em seus processos de alfabetização o que denominou de “palavras
geradoras”, expressões que auxiliavam os estudantes a compreender e intervir no
mundo ao seu redor. TIJOLO é uma destas. A companhia entende que o processo pelo
qual Patativa passou é muito próximo das vivências propostas por Freire e assim
utilizou de uma das palavras geradoras para nomearem o grupo. A Cia. do Tijolo faz
muitas temporadas tanto com o show Cante lá que eu canto Cá quanto com a obra
Concerto de Ispinho e Fulô e não realizou nenhum novo trabalho.
Particularidades estéticas
Clowns de Shakespeare
O primeiro espetáculo da companhia foi Arte Pura-Literatura sem Censura,
construído em 1992. Em 1993, oficialmente fundados, montaram a primeira obra de
Shakespeare, Sonho de Uma Noite de Verão. Após passagem do diretor Fernando
Yamamoto pela Inglaterra, o coletivo investiu em sua formação trazendo para a
capacitação dos atores os profissionais: Sávio Araújo, Edson Claro e Marcelo Neves.
Em 1996 tiveram o primeiro contato com a linguagem do palhaço por meio de
Adelvane Néia.
Anos mais tarde, estrearam dois espetáculos, o infantil Fábulas e O Casamento
do Pequeno Burguês, de Bertolt Brecht. Em 2009 montaram O Capitão e a Sereia, livre
criação a partir do livro homônimo de André Neves. 2010 foi marcado pela criação da
obra Farsa da Boa Preguiça, em parceria com o grupo paraibano Ser Tão Teatro. Em
seguida criaram Sua Incelença, Ricardo III, com direção de Gabriel Villela. Esta obra
proporcionou ao grupo a participação em importantes festivais brasileiros, além de
cumprirem, em 2012, pequena temporada no Sesc Belenzinho em São Paulo.
Cia. da Revista
A Cia. da Revista tem por estética base as proposições do teatro de revista,
buscando o diálogo desta linguagem com o momento histórico vivenciado e com o país.
Também utilizam como inspiração os cabarés alemães, uma vez que para o diretor
Kleber Montanheiro, este é um gênero extremamente teatral e provocativo. Neste
sentido, a companhia resgata em suas pesquisas, principalmente, a forma musical e os
artistas da época, o que alimenta as construções cênicas.
A primeira obra do coletivo foi A Cor de Rosa (1995-1999), musical baseado em
Noel Rosa. Em 1999, estrearam um dos espetáculos mais importantes do repertório,
Kabarett (1999-2000) que procurou a construção e posterior desconstrução da fábula,
além do constante diálogo com o público.
De 2001 a 2003 fizeram parceria com o grupo As Graças e construíram Tem
Francesa no Morro, narrando, a partir de quatro vedetes, a história de demolição do
espaço Teatro Recreio no Rio de Janeiro.
2007 e 2008 foram marcados pela construção do espetáculo infantil O Doente
Imaginário uma adaptação da peça de Molière. Posteriormente, Cada Qual no Seu
Barril (2011), também infantil, caracterizou-se por forte imersão nos acontecimentos do
mundo. Foi livremente inspirado no livro de Ruth Rocha – Dois idiotas sentados cada
qual no seu barril e teve por característica a construção física improvisacional.
Carnavalha criado em 2011 baseou-se na peça brechtiana Ascensão e Queda
da Cidade de Mahagonny. Foi o resultado de uma pesquisa de três anos a partir da
conquista da Lei de Fomento ao Teatro.
Em 2012 Cabeça de Papelão, livremente inspirado em O Homem da Cabeça de
Papelão de João do Rio, marcou a companhia pela excelente mescla entre a revista e o
gênero épico.
Cia. do Tijolo
A companhia possui um trabalho em seu repertório, Concerto de Ispinho e Fulô,
uma obra que conta a história de um grupo de atores que vão a Assaré (CE) para
entrevistar Patativa. Neste processo, comentam sobre o sítio Santa Cruz do Deserto,
um local que abrigava várias pessoas que ali subsistiam e viviam em comunidade, mas
que foram atacados brutalmente, todos mortos, por uma luta territorial.
A companhia trabalhou com o gênero épico para contar a história, repleta de
músicas em que o sertão pode ser ouvido e visto a partir de objetos e figurinos que
passeiam pelo espetáculo, mas também pode ser observado em qualquer comunidade
atacada injustamente como a do Pinheirinho em 2011. Possuem no elenco integrantes
de vários outros coletivos como Ventoforte, Casa Laboratório e Cia. São Jorge. São
eles: Karen Menatti, Aloísio Oliver, Rogério Tarifa, Thais Pimpão, Jonathan Silva e
Mauricio Damasceno.
Conclusão
Durante um semestre pudemos estudar, observar e vivenciar este fenômeno que
vem tomando grandes proporções no país, principalmente na cidade de São Paulo.
Tivemos a oportunidade de conhecer e visitar três coletivos paulistanos:
Engenho Teatral, Cia Hiato e Cia Antropofágica, além de um encontro no Instituto de
Artes da Unesp com cinco mulheres, profissionais do teatro: Patrícia Guifford (Cia. São
Jorge), Verônica Fabirini (Boa Companhia, de Campinas), Andreia Nhur (Grupo
Katharsis, de Sorocaba), Renata Melo e Fernanda Azevedo (Cia. Kiwi). Os encontros
não só proporcionaram conhecimento, como também o início de uma amizade com
estas pessoas, militantes que constroem nossa história teatral diariamente.
No que concerne a esta pesquisa, destacamos a importância em recuperar a
historiografia destes grupos, que possuem forte papel no universo de nosso teatro,
auxiliando na manutenção da história do Brasil. Ter a oportunidade de redigir sobre eles
nos dá a certeza de termos auxiliado fortemente para o registro histórico do Teatro
Brasileiro.
Bibliografia
Revista Clowns de Shakespeare , 15 encontros (15 anos).
Revista Balaio , ano 1, nº 1, set-09.
Sites Pesquisados:
http://www.youtube.com/watch?v=Rf6WziISFL8. Acesso em 10/10/2012.
http://concertodeispinhoefulo.blogspot.com.br/. Acesso em 10/10/2012.
www.clowns.com.br. Acesso em 17/10/2012.
http://www.ciadarevista.art.br/. Acesso em 24/10/2012.
http://www.nossadica.com/kabarett.php. Acesso em 07/11/2012.
Portfólio Cia da Revista - reunião de matérias de jornais acerca de todos os espetáculos
do grupo: http://www.ciadarevista.art.br/paginas/index.asp?link=btHistorico. Acesso em
14/11/2012.
Cia. Club Noir, Cia. Livre e Ói Nóis Aqui Traveiz 15
Introdução
O teatro de grupo é uma condição teatral na qual os artistas se unem por meio
de um processo de afinidades estéticas e ideológicas. Essa categoria desenvolve a
produção e organização teatral a partir da busca do grupo por uma mesma finalidade,
criando um processo de continuidade e pesquisa do feito teatral, que caracteriza o
desenvolvimento de uma linguagem própria.
A prática coletiva assume um lugar de dissonância em relação ao modo de
produção comercial do teatro, em que a maior preocupação é o espetáculo final em vez
da formação dos artistas e da pesquisa cênica.
O movimento de teatro de grupo tem se mostrado cada vez mais forte, revelando
uma constelação de elementos estéticos e processos criativos diversos. Assim, o teatro
de grupo tem dado novos rumos a prática desta arte no Brasil, por conta de sua
multiplicidade artística e política.
Motivadores das escolhas
Este trabalho pretende analisar três grupos de teatro da atualidade, sendo que
dois deles tem sede na cidade de São Paulo (Cia. Club Noir e Cia. Livre) e o outro em
Porto Alegre (Ói Nóis Aqui Traveiz).
Escolhemos a Cia. Club Noir por sua linguagem peculiar pautada no pós-
dramático; a Cia. Livre foi escolhida por ser um campo desconhecido que ansiamos
pesquisar, devido a sua importância na cena teatral paulistana contemporânea e o Ói
Nóis Aqui Traveiz nos interessa pela preocupação social e por sua estética popular, uma
vez o coletivo transita, também, com a linguagem do teatro de rua.
Depois de quatro anos estudando teatro no Instituto de Artes da Unesp,
trocamos experiências, tanto práticas quanto teóricas, que moldaram nosso feitio
teatral. Durante esse período, estudamos e discutimos muitos tipos de manifestações
teatrais, dentro e fora do Brasil.
Nossas escolhas estéticas são, em parte, fruto do desenvolvimento originado
15 Pesquisa realizada por Sarah Reimann Oliveira e Natália guimarães
desse processo e estarão sublinhadas aqui.
Os grupos
Cia. Club Noir O Club Noir, sediado no centro de São Paulo, foi fundado em 2006 pelo diretor e
dramaturgo Roberto Alvim e pela atriz Juliana Galdino. O objetivo da companhia era
encenar prioritariamente autores contemporâneos (brasileiros e internacionais), embora
tenha adaptado clássicos do teatro e da literatura à sua estética. Segundo Alvim:
Nosso trabalho em arte é norteado pela criação de espetáculos que traduzem cenicamente as obras de autores contundentes, provocativos, desestabilizadores; criadores de Poéticas que nos levam a construir o modo como percebemos, pensamos e sentimos o mundo [...] (ALVIM, s.n.).16
Por conta do estudo da obra dos novos autores, os integrantes da companhia
sentiram a necessidade de aprofundamento em técnicas específicas no que concerne à
atuação/encenação destes textos. Surgiu assim, a pesquisa do Club Noir: a
investigação da palavra e a exploração inusual da fala humana. Ao longo de seus seis
anos de existência, a companhia assimilou uma série de novos componentes em sua
formação. Atualmente, o Club Noir se configura como um grupo de aproximadamente
15 artistas, que trabalham diariamente em sua sede.
16 Esta referência foi retirada do sítio oficial da Cia. Club Noir e pode ser encontrada no seguinte endereço eletrônico: www.ciaclubnoir.com.br.
Fotos (da esquerda pra direita): Orestéia II, adaptação de Roberto Alvim à tragédia de Ésquilo, e
Happycinio, de Angélica R. Kauffmann. Ambas ficaram em cartaz no Club Noir em 2012. Fotos: Julieta
Bacchin e Gabriel Chiarastelli.
Cia. Livre
Foto da peça Vemvai – O Caminho dos Mortos, de Newton Moreno, que estreou em 2007. Foto:
Roberto Setton. A Cia. Livre foi fundada em 1999, em São Paulo, por Alessandra Domingues,
Cibele Forjaz, Edgar Castro, Isabel Teixeira e Simone Mina. Ao longo dos anos, muitos
outros artistas foram agregados ao coletivo. O maior objetivo da companhia era criar um
grupo de artistas criadores que se revezassem em diversas funções no fazer teatral.
Em toda a sua trajetória, a Cia. Livre priorizou a pesquisa cênica e teatral e
realizou oito grandes projetos: Tragédias Cariocas de Nelson Rodrigues - Estudos
Públicos (1999); Projeto Kroetz (2003); Arena Mostra Novos Dramaturgos (2004); Arena
Conta Arena 50 anos (2004); Diálogos Entre Teatro e Rito - Estudo Público (2008);
Teatro e Ritual: Mito de Amor e Morte - 3 Estudos Cênicos (2009); Cia. Livre 10 anos -
Estudo Público (2010); África/Brasil - Estudo Público (2011).
Em 2006 os integrantes da Cia. Livre ocuparam um galpão na Barra Funda e,
desde então, esta é a sua sede. Esse espaço, denominado “Casa Livre”, reúne o acervo
cênico do grupo e é o local onde criam, ensaiam e, por vezes, apresentam suas peças.
Ói Nóis Aqui Traveiz
A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz surge em março de 1978, em Porto
Alegre (RS), em um momento de ebulição social e de luta pelas liberdades
democráticas. Assim, a ideia dos artistas era a de fazer um teatro que estivesse ligado a
tudo o que estava acontecendo no país. O coletivo pretendia não só fazer uma reflexão
do momento político atual, mas também trazer novos elementos estéticos em sua forma
teatral.
Por que “Tribo de Atuadores”? O termo tribo, é usado para trabalhar a ideia da
não-hierarquia nas funções do grupo e a noção de “atuador” vem para ressaltar a
importância de um artista que é atuante e consciente, tanto na criação teatral quanto em
suas relações socais.
Em 1984, o Oi Nóis Aqui Traveiz inaugura sua sede, chamada “Terreira da
Tribo”. Assim como o grupo, a sede é gerida por uma forma de organização coletiva. Em
2000, por conta da experiência desenvolvida com Oficinas Populares de Teatro, o
coletivo constituiu a Escola de Teatro Popular da Terreira da Tribo.
O Ói Nóis Aqui Traveiz é referência internacional para o teatro de rua e, por esse
motivo, o grupo é frequentemente convidado a participar de conferências internacionais
de teatro para relatar suas experiências.
Foto da peça O Amargo Santo da Purificação, da Cia. Óis Nóis Aqui Traveiz, que estreou em 2008.
Foto: Cláudio Etges
Particularidades estéticas
Cia. Club Noir
Roberto Alvim afirma que o teatro feito pelo Club Noir é uma “alteridade radical”
em relação a outras formas estéticas estabelecidas no panorama teatral, inclusive no
que concerne ao teatro contemporâneo.
Nos espetáculos da companhia não há espaço para a ação – os atores ficam
grande parte do tempo paralisados no palco, não agem, apenas falam; não há espaço
para personagens – a companhia transita com o que eles chamam de “figuras”; bem
como não há espaço para a história contada por meio de diálogos – não se tratam mais
de diálogos, mas sim de “monólogos desarticulados”. O Club Noir nega em suas
encenações os seguintes preceitos: narrativa, fábula, ação, diálogos, personagens etc.
Tais características, dentre outras, aproximam o grupo do chamado “teatro pós-
dramático”.17
Ao longo de sua trajetória, o Club Noir encenou textos de dramaturgos
contemporâneos como Harold Pinter e Richard Maxwell. Além disso, a companhia, por
vezes, propõe uma adaptação a clássicos do teatro e também encena textos inéditos.
Em 2012, por exemplo, o Club Noir estreou onze peças, sendo que cinco delas foram
peças inéditas de dramaturgos brasileiros e as outras seis foram tragédias de Ésquilo,
adaptadas por Roberto Avim.
Foto da encenação de Comunicação a uma academia, de Franz Kafka, que ficou em cartaz no
Club Noir em 2009. Este trabalho rendeu à Juliana Galdino uma indicação ao prêmio Shell de melhor atriz.
Foto: Edson Kumasaka.
17 O conceito de “teatro pós-dramático” foi cunhado por Hans-Thies Lehmann (2012).
Cia. Livre
Foto da peça Raptada pelo Raio 2.0, de Pedro Cesarino, que ficou em cartaz em 2011. Foto: Cacá
Bernardes. A Cia. Livre sempre trabalhou com diversas raízes estéticas, apesar disso, elas
possuem um fio condutor em comum: a pesquisa teatral continuada. A princípio, com a
leitura encenada de sete peças de Nelson Rodrigues, a companhia pretendia ser
rotatória: a direção passava de mão em mão e todos entravam em cena. Esse estudo
inicial rendeu novas montagens, como Toda nudez será castigada e Os sete gatinhos.
Cada um com um diretor diferente, as montagens ficaram totalmente distintas. Assim,
para que mantivessem certa identidade artística, preferiram deixar sempre a direção de
arte nas mãos de Simone Mina e a iluminação à Alessandra Domingues.
Nos anos que se seguiram, a Cia. Livre passou por linguagens diversas e
destacaremos dois momentos que, a nosso ver, mostram a variedade estética que
perpassou à trajetória da companhia: o primeiro foi quando o grupo colocou em prática
o projeto Tennessee Williams 4 x 4, que tinha como objetivo estudar o realismo ; o
segundo foi quando a Cia. Livre ocupou o Teatro de Arena Eugênio Kusnet e transitou
com a linguagem épica .
Várias pesquisas foram realizadas e o projeto mais recente da companhia foi o
denominado “África/Brasil – Estudo Público”, que deu origem ao espetáculo A travessia
da Calunga Grande, que ficou em cartaz em 2012, no Sesc Pompeia.
Ói Nóis Aqui Traveiz
O Ói Nóis Aqui Traveiz tem uma organização não formal: denominam-se como
uma tribo, na qual não há hierarquia entre os artistas, e afirmam que o grupo é uma
comunidade onde todos produzem, dirigem e atuam. O grupo transita,
fundamentalmente, com a linguagem do teatro de rua. Os “atuadores” acreditam que
esse tipo de manifestação artística permite uma relação espontânea com o público, pois
o espectador participa, compartilha e, inclusive, modifica as cenas que vê. Segundo os
artistas, esse tipo de relação é o que caracteriza o que eles chamam de “Teatro de
Vivências”.
As escolhas estéticas do Ói Nóis Aqui Traveiz tem como base: a composição
indígena; preceitos artaudianos; teatro físico; ações não cotidianas, da dança e do ritual;
conceitos de Grotowski; características do teatro pânico e do teatro épico brechtiano.
O grupo teatral também valoriza a pesquisa do trabalho de ator, que deve
renunciar as suas máscaras psico-sociais, estar sempre lúcido e ambicionar mudar a
sociedade.
Ao todo, o Ói Nóis Aqui Traveiz encenou trinta e uma peças, dentre elas estão: A
divina Proporção (1978), Fim de Partida (1986), A exceção e a regra (1986) e A Missão
(2006).
Foto da peça A saga de Canudos, de César Vieira, que estreou em 2000. Foto: Rafael Nino.
Conclusão
Durante toda a nossa trajetória na universidade, descobrimos diversas facetas
da cena teatral nacional e nos surpreendemos com a multiplicidade de linguagens dos
vários grupos que fizeram e que fazem parte da nossa história. Além disso, tivemos
contato com artistas arrebatadores, passamos a valorizar os diferentes tipos de
propostas estéticas e nos desfizemos de preconceitos.
O presente trabalho veio para corroborar com tudo o que vivemos nos últimos
quatro anos. Escolhemos três grupos muito diversos, tanto em suas formas quanto em
seus ideais políticos. Cada qual com sua pesquisa, com seus ideais, com suas
propostas e vontades, os grupos escolhidos nos surpreenderam com o trabalho que
fazem e isso, para nós, foi o mais enriquecedor desta pesquisa.
Por fim, ressaltamos o desafio de escrever um texto a quatro mãos,
principalmente, se tratando de trechos tão sucintos como estes. Todas as vezes que nos
reuníamos, tínhamos que discutir, escrever, (re)escrever... Trabalhar juntas certamente
nos fez amadurecer.
Assim, finalizamos este trabalho muito satisfeitas com a pesquisa realizada e
também por compartilhar, por meio deste editorial, parte de nosso aprendizado sobre
três grupos teatrais tão diferentes.
Bibliografia
ALVIM, Roberto. Dramáticas do Transumano e outros escritos seguidos de Pinokio. Rio
de Janeiro: Editora 7 letras, 2012.
_____________. História. Disponível em www.ciaclubnoir.com.br. São Paulo, s.n.
Acessado em 21 de setembro de 2012.
CAMARGO, Robson Corrêa de. A crítica e a crítica genética: diálogos sobre o
entendimento do espetáculo teatral. Goiás, 2008. Disponível em:
http:/www.ufg.academia.edu/RobsonCamargo/Papers/78081/Teatro_e_Recepcao._A_Cr
itica_e_a_Critica_Genetica._Dialogos_sobre_o_entendimento_do_espetaculo_teatral.
Acessado em 15 de setembro de 2012.
KOUDELA, Ingrid Dormien. A encenação contemporânea como prática pedagógica.
Florianópolis, 2008. p. 45-54. Disponível em:
http://www.ceart.udesc.br/ppgt/urdimento/2008/especial/urdimento_10_especial.pdf.
Acessado em 30 de maio de 2012.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
SANTOS, Valmir. Ói Nóis Aqui Traveiz: a história através da crítica. Disponível em
http://www.teatrojornal.com.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=667:o
i-nois-aqui-traveiz-a-historia-atraves-da-critica&catid=42:prefacios&Itemid=62. Acessado
em 12 de outubro de 2012.
Vídeos do Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=mVqCbqIth6k http://www.youtube.com/watch?v=v8G-ZKQHPaE Sítios consultados: http://www.cialivredeteatro.com.br/. Acessado em 17 de outubro de 2012. http://www.oinoisaquitraveiz.com.br/. Acessado em 17 de outubro de 2012. http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=cias_biografia&cd_verbete=8942. Acessado em 19 de outubro de 2012. http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=cias_biografia&cd_verbete=5912. Acessado em 19 de outubro de 2012.