apontamentos de termodinamica

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    Estas Notas das Aulas, elaboradas pelo regente da disciplina, baseiam-se directamentenos seguintes trabalhos de que é co-autor:

    1– Apontamentos de Termodinˆamica, C. Fiolhais e M. Fiolhais (1988), n ão publicado.

    2– Fundamentos de Termodinˆamica do Equilı́brio, J. G¨uémez, C. Fiolhais e M. Fiolhais,Serviço de Educa ção da Funda ção Calouste Gulbenkian (1998), Lisboa.

    Algumas guras nestas Notas foram executadas a partir de imagens que ilustram asobras “Calor e Termodinˆamica”(5 a Ed.), M.W. Zemansky e R.H. Dittman, GuanabaraDois, Rio de Janeiro (1978) e “Termodinˆamica, Teoria cinética e Termodinˆ amica Es-tat́ıstica”, F.W. Sears e G. L. Salinger, Guanabara Dois, Rio de Janeiro (1978). A abor-

    dagem que fazemos da termodin âmica nesta disciplina semestral, baseada na evolu¸ cãohist órica e na intui ção f́ısica, est á mais pr óxima da destes autores do que das abordagensmais formais e axiomátias (como a seguida, por exemplo, por Callen). Os exerćıcios daslistas apresentadas nas aulas te´ orico-práticas da disciplina provêm (embora quase semprecom modicações) do livro de Sears e Salinger. Recomenda-se a consulta da bibliograaapresentada no livro 2 acima referido que é exaustiva e contempla livros de base, livrosespecializados e artigos em revistas.

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    CAP ÍTULO 1

    INTRODUÇ ÃO

    1.1 Conceito e âmbito da termodinâmica

    A Termodinˆ amica é o ramo da F́ısica que trata dos sistemas macrosc´ opicos, ou seja,sistemas com número sucientemente elevado de constituintes. Est´ a baseada num pe-queno conjunto de prinćıpios ou leis, resultantes da observa¸ cão experimental, e de ondese extraem consequências l´ogicas. Muitas vezes é posśıvel explicar o comportamento dosreferidos sistemas a partir desse pequeno n´umero de prinćıpios e tal possibilidade constituium dos principais atractivos da Termodinˆ amica. São de citar, a este respeito, as palavrasde Albert Einstein, em 1949:

    Uma teoria tem tanto mais impacte quanto maior for a simplicidade das suas premis-

    sas, quanto mais diversas forem as coisas relacionadas e quanto maior for a sua ´ area de aplicabilidade. Dáı a impress˜ ao profunda que a Termodinˆ amica cl´ assica me causou. ´ E a ´ unica teoria f́ısica de conte´ udo universal a respeito da qual estou convencido que, noquadro da aplicabilidade dos seus conceitos b´ asicos, nunca ser´ a ultrapassada. Somente por estas raz˜ oes é uma parte muito importante da forma¸ c˜ ao de um f́ısico.

    A mecânica estat́ıstica, por vezes designada por termodinˆ amica microscópica poroposição à termodin âmica macroscópica, fornece a justicação microscópica da ter-modinâmica. Um dos objectivos da mec ânica estat́ıstica é extrair do comportamentoindividual das part́ıculas (por exemplo moléculas) as leis da termodinâmica e as suas

    consequências. Atendendo `a multid ão de part́ıculas presentes numa por¸ cão macroscópicade matéria, o racioćınio da mecˆanica estat́ıstica tem de ser necessariamente de natureza

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    estat́ıstica, procurando resumir num reduzido n´ umero de par âmetros relativos à glob-alidade um conjunto vasto de dados individuais. A atitude da mecˆ anica estat́ıstica é,portanto, a de averiguar as caracteŕısticas individuais para ent˜ ao retirar conclus ões; a da

    termodin âmica é n ão fazer essa observação detalhada.Em Termodin âmica n ão se faz, em geral, refer̂encia à constitui ção pormenorizada

    dos sistemas, o que real ça o facto de se poder formular independentemente de qualquerinterpreta¸cão microscópica.

    1.2 Prinćıpios da termodinˆ amica

    A Termodin âmica veio alargar o Prinćıpio de Conserva¸ c˜ ao da Energia Mecˆ anica , es-tabelecido originalmente na mecˆanica, introduzindo uma nova grandeza, chamada ener-gia interna , cuja conserva ção nos chamados sistemas isolados é armada pelo PrimeiroPrincı́pio (ou Lei ) da Termodinˆ amica . Esta é uma lei experimental pois foi sempre con-rmada pelos dados da observa¸cão. Contudo, h á fenómenos que não podem ser cabal-mente explicados recorrendo apenas `a Lei de Conservação da Energia. Há, por outrolado, uma série de comportamentos que, n˜ ao estando proibidos pelo Prinćıpio de Con-servaç˜ ao da Energia , nunca foram observados. Também para explicar essa ausência foinecessário introduzir um prinćıpio adicional, denominado Segundo Prinćıpio (ou Lei ) da Termodinˆ amica . Este prinćıpio viria a constituir-se como a principal inova¸ cão que aTermodinˆamica trouxe ao conhecimento humano.

    É conveniente, logo de ińıcio, referir as leis da termodin âmica, das quais as maisimportantes s˜ao a primeira e a segunda.

    0 - A lei zero é assim chamada porque é b ásica no formular de toda a teoria. Esta leigarante a existência de uma propriedade dos sistemas chamada temperatura . Doiscorpos estão à mesma temperatura se, quando colocados em contacto, n˜ ao ocorrerum uxo de calor (o conceito de uxo de calor é, para j á, suciente; mais tardedeniremos calor com toda a exactid ão). Diz-se então que se está em presen ça deuma situa ção de equiĺıbrio térmico. A consistência desta no¸ cão de igualdade detemperatura é assegurada pelo seguinte enunciado da lei zero, cuja validade, como,de resto, a de todas as leis da termodin âmica, é experimental:

    Lei Zero – Dois corpos em equiĺıbrio térmico com um terceiro est˜ao em equiĺıbriotérmico entre si e, por deni ção de temperatura, os três corpos est˜ ao à mesmatemperatura.

    1 - A primeira lei da termodin âmica garante a existência de uma propriedade dos sis-temas chamada energia interna. A energia interna conserva-se em sistemas isolados,pelo que a primeira lei é denominada lei de conservaç˜ ao de energia .

    Primeira Lei – Existe uma propriedade dos sistemas, chamada energia interna, quese conserva em sistemas isolados.

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    é verdadeira quando aplicada ` a energia interna. Na verdade, a energia no zero absolutonão é zero. Em mecânica qu ântica existe uma energia do estado fundamental — que éo estado de mais baixa energia — pelo que n ão se pode dizer que as part́ıculas de um

    sistema est ão imóveis à temperatura absoluta zero. O que acontece a T → 0 é que osmovimentos est ão limitados o mais posśıvel e consequentemente a entropia é mı́nima (aentropia é uma fun¸cão positiva).

    As duas principais leis da Termodinˆamica — a primeira e a segunda — referem-sea essas duas caracteŕısticas fundamentais do mundo f́ısico que s˜ ao a conservaç˜ ao e amudan ça , o ser e o tornar-se . Se a conservação descreve o aspecto que permanece nossistemas macrosc ópicos isolados, a mudança tem a ver com as transforma¸cões dessessistemas. A palavra “energia”signica etimologicamente “capacidade de ac¸ cão”(daquiuma primeira e restrita deni¸cão de energia como “capacidade de realizar trabalho”).

    Por outro lado, a palavra “entropia”signica etimologicamente “capacidade de mudan¸ ca”.Por raz ões que já foram sugeridas (a Primeira Lei refere-se à energia), a Termodinˆ amica pode ser considerada a ciência da energia . É a parte da Fı́sica que identica o calor comoforma de energia. Sempre que um sistema esteja sujeito a trocas de energia sob a formade calor, est á sob a alçada da Termodinˆamica. Mas a Termodin âmica deve, sobretudo,ser considerada a ciência da entropia , grandeza cujos ingredientes de deniç ão são o calore a temperatura. A Termodinˆ amica é, ent˜ao, a ciência da energia e da entropia .

    1.3 Estrutura conceptual

    Os objectivos da Termodinˆamica são ambiciosos pois, em prinćıpio, pretende trataruma enorme variedade de sistemas fı́sicos, desde que estes sejam sucientemente grandes.Os sistemas macrosc ópicos têm tipicamente um n´umero de part́ıculas da ordem das queexistem em 1 mol (6, 022 ×1023), embora estejamos aqui a introduzir considera¸ cões detipo microsc ópico que não são necessárias no contexto da Termodinˆ amica. Pode, noentanto, aplicar-se a sistemas muito mais pequenos, como n´ ucleos atómicos e agregadosde átomos com apenas dezenas ou centenas de part́ıculas. Apesar de insatisfat´ oria de umponto de vista puramente l´ogico, a denição mais segura de sistema termodinˆamico é ade um sistema (regi ão do mundo) que satisfaz os prinćıpios (e, portanto, as conclus˜ oes)da Termodinˆamica.

    A Termodin âmica é aplic ável a todos os sistemas macrosc ópicos. Por exemplo, sejaqual for o sistema, a rela ção entre as compressibilidades isotérmica e adiab´ atica é sempreigual à relação entre as capacidades térmicas m´ assicas a pressão e a volume constante 1.Mas a Termodin âmica não diz quanto valem essas compressibilidades nem essas capaci-dades térmicas m´assicas. Fornece apenas relaç˜oes gerais entre varia ções de propriedades,mas não é capaz de atribuir valores a essas propriedades em cada caso particular.

    1 Deniremos mais à frente essas compressibilidades e capacidades térmicas e demonstraremos a rela¸ cãoindicada.

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    Embora em Termodinˆamica o formalismo seja essencial, para que ele tenha conte údof́ısico e possa ser aplicado a sistemas concretos, s ão necessários alguns, n ão muitos, conhec-imentos adicionais. Estes, proporcionados pela experiência ou pela Mecânica Estat́ıstica,

    são fundamentalmente de dois tipos:

    i) A equaç˜ ao de estado do sistema, relacionando vari áveis termodin âmicas b ásicas,como o volume, a pressão e a temperatura, ou, alternativamente, os chamadoscoecientes de dilata ção e de compressibilidade. Esta equa¸cão de estado também sechama equaç˜ ao de estado térmica . Acrescente-se, desde já, que a existência de umaequação de estado é garantida pelo Princı́pio Zero.

    ii) A equaç˜ ao da energia interna do sistema, relacionando a energia interna com atemperatura e outra vari´ avel (volume, press ão), ou, em alternativa, as chamadascapacidades térmicas ou capacidades térmicas mássicas. A equa¸ cão da energia in-terna também se chama equaç˜ ao de estado energética .

    Com estes conhecimentos adicionais, toda a informa¸cão termodin âmica sobre um sis-tema pode ser obtida aplicando os prinćıpios e os métodos da Termodinˆ amica: por e-xemplo, pode prever-se o que sucede em processos adiabáticos (processos em que não hátrocas de calor), numa expansão livre (expans˜ ao contra o vácuo), etc. Embora à cabeçade todo o desenvolvimento da Termodinˆamica estejam observa ções experimentais, o puroempirismo absoluto seria absolutamente infértil. S´ o a existência de uma teoria préviapermite fazer observa ções com sentido, porque só uma teoria permite efectuar previsõesque a experiência pode conrmar ou refutar.

    O desenvolvimento do formalismo termodinˆamico utiliza conceitos e ferramentas sobre-tudo da An álise Matemática, e recorre também a métodos e técnicas que lhe s˜ ao exteriores,como, por exemplo, os da Termometria . A Termodin âmica pode até formular-se sem ne-cessidade de descrever os métodos de medida das temperaturas pr´ oprios da Termometria.Mas é evidente que, nas aplica¸cões práticas, é mesmo necess´ario medir temperaturas.

    Um outro conceito imprescind́ıvel mas externo `a Termodinˆamica é o de trabalho. Anoção de trabalho mec ânico é generalizada no quadro da Termodinˆ amica denindo-seent ão o chamado trabalho termodinˆamico. Mas só o conhecimento do sistema em causapermite encontrar uma expressão para o trabalho termodinˆ amico. Uma vez obtida essaexpressão, a Termodinˆ amica permite ent˜ao chegar a todo um conjunto de rela ções úteis.No contexto da Primeira Lei, aparecer´a o conceito de paredes adiabáticas (paredes queimpedem trocas de calor). Alguns autores consideram mesmo que a existência de paredesadiab áticas deve ser elevada à categoria de prinćıpio mas tal posi¸cão não é consensual.Na discussão da Segunda Lei, tem ainda de se admitir, como hip´otese adicional, a exis-t̂encia de processos reversı́veis . As armaç ões de existência de paredes adiab´aticas e de

    processos reverśıveis (tomados como condi ções limite dos processos reais), não sendo defacto consideradas princı́pios, s˜ao suposiç ões a priori .

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    Uma distin ção importante é a que se efectua entre sistemas fechados (sistemas em quenão pode entrar nem sair matéria) e abertos (sistemas em que pode entrar e sair matéria).O chamado Postulado de Gibbs permite o tratamento de sistemas abertos. O Princı́pio

    do Potencial Quı́mico conduz à generalizaç ão para esses sistemas de alguns resultadosobtidos para sistemas fechados.

    Os métodos da Termodinˆamica, acrescidos das contribui¸cões externas referidas, per-mitem obter a chamada Equaç˜ ao Fundamental , que contém toda a informaç˜ ao termodi-nâmica sobre um sistema. E, a partir desta equa¸ cão, chega-se aos potenciais termodi-nâmicos e às condiç ões de equiĺıbrio e de estabilidade.

    Figura 1: Esquema geral dos fundamentos da Termodinˆ amica do Equilı́brio. Os princı́piosencontram-se em caixas de linha dupla e com tra¸ cos. Em caixas a tra¸co grosso indicam-se osresultados tipicamente termodinˆ amicos, que são consequência dos prinćıpios.

    A Fig. 1 mostra um esquema geral dos fundamentos da Termodinˆ amica do Equiĺıbrio,de acordo com a estrutura conceptual antes referida.

    A existência de equa ções de estado obtém-se do Prinćıpio Zero (embora a sua es-

    pecicação seja, como foi dito, exterior à Termodinˆamica), a no ção de calor do PrimeiroPrinćıpio e o conceito de temperatura absoluta do Segundo Prinćıpio. A existência da

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    Equa ção Fundamental e dos potenciais termodinˆ amicos, e as condições de equilı́brio e deestabilidade s ão também resultados puramente termodinˆ amicos que se seguem do SegundoPrinćıpio.

    1.4 Hist́ oria da Termodinâmica

    A termodin âmica é uma ciência do século XIX. Antes de tudo ela é o resultado denecessidades pr áticas. A motiva ção dos percursores das primeira e segunda leis da ter-modinâmica (Conde Rumford e Carnot, respectivamente) foi a fabrica¸ cão de instrumentose a rentabiliza ção de máquinas. Depois seguiram-se-lhes f́ısicos, matem´aticos, qúımicos,que escreveram as equa ções, desenvolveram o formalismo e estudaram as aplica¸cões. Atermodin âmica é portanto o resultado de um esforço interdisciplinar de tentativa de com-preens ão do comportamento de por ções macroscópicas de matéria.

    Listam-se a seguir um conjunto de nomes de cientistas que contribuiram decisivamentepara a formula ção da termodin âmica.

    1 - B. Thompson, Conde Rumford (1753-1814), aventureiro e engenheiro norte-americano.

    2 - J. Mayer (1814-1878), medico alemão.

    3 - H. von Helmholtz (1821-1894), f́ısico e médico alemão.

    4 - J. Joule (1818-1889), engenheiro e industrial escocês.

    5 - N.L. Sadi Carnot (1796-1832), engenheiro francês.

    6 - R. Clausius (1822-1888), f́ısico alemão.

    7 - W. Thomson, Lord Kelvin (1824-1907), f́ısico escocês.

    8 - W. Nernst (1864-1941), qúımico alem ão.9 - C. Carathéodory (1873-1950), matem´atico grego.

    10 - L. Boltzmann (1844-1906), f́ısico austrı́aco.

    11 - J.W. Gibbs (1839-1903), f́ısico norte-americano.

    Em seguida tecem-se alguns coment ários sobre a obra realizada pelos cientistas enu-merados.

    1 - Foi o Conde Rumford quem sugeriu pela primeira vez a hip ótese de que o calorera uma forma de transmitir energia equivalente ` a realização de trabalho mec ânico. An-teriormente supunha-se que o calor era um uido — o cal órico — que impregnava as

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    subst âncias, e julgava-se que, quando se punham dois corpos a temperaturas diferentesem contacto, aquele que continha mais cal´orico (o mais quente) cedia-o ao outro até seatingir uma situa¸cão de equiĺıbrio.

    2 a 4 - Apesar das importantes contribui̧ cões, contempor âneas mas independentesumas das outras, de Mayer e Helmholtz foi Joule quem formulou pela primeira vez comrigor quantitativo a primeira lei. Estava-se a meio do século XIX quando Joule calculoucom grande exactid ão o equivalente mecânico do calor, servindo-se para o efeito de umaexperiência em que se aquecia um ĺıquido por meio de um conjunto de pás que rodavamgraças a um sistema de pesos. A partir de Joule, calor e trabalho s˜ao ambos duas formasde energia. A energia interna de um sistema pode ser aumentada indistintamente querfornecendo calor quer realizando trabalho.

    5 - Carnot, apesar de ter falecido muito novo (aos 36 anos devido a uma epidemiade cólera) forneceu um contributo muito importante para o progresso da termodinˆ amica.Foi o inventor do ciclo termodin âmico que tem o seu nome e, com base nele, chegou aum enunciado da segunda lei que, embora n˜ao fale em entropia, é, para todos os efeitos,equivalente ao da n ão diminuiç ão da entropia. O enunciado de Carnot refere que o rendi-mento de máquinas térmicas é independente da substância operante, e é portanto maiscompreenśıvel de um ponto de vista técnico do que o enunciado relativo ` a entropia. Umaconsequência do enunciado de Carnot é que nenhuma m´ aquina operando entre duas tem-peraturas pode ter um rendimento superior a uma m´ aquina que funcione segundo o ciclode Carnot entre as mesmas temperaturas. Mais adiante ser´ a explicitado com mais por-menor o signicado da formulação de Carnot da segunda lei.

    Como o livro em que Carnot deixou as suas reex ões (que se intitula mesmo Réexions sur la puissance motrice du feu ) foi publicado em 1824, bastante antes dos trabalhosde Clausius e Kelvin, h á quem considere que a segunda lei é cronologicamente ante-rior à primeira e, de acordo com esse facto, procure uma desmitica ção da segunda lei,libertando-a de um certo esoterismo em que por vezes aparece rodeada.

    6 - Foi no entanto Clausius quem consagrou lapidarmente as duas principais leis datermodin âmica, escrevendo: “Die Energie der Welt ist konstant. Die Entropie der Welt

    strebt einem Maximum zu”.7 - A Lord Kelvin coube a autoria da escala de temperatura absoluta, cuja existência

    é uma consequência directa do segundo princı́pio.8 - Nernst, com base em estudos experimentais minuciosos de reac ções quı́micas,

    chegou à seguinte formula ção da terceira lei: pr óximo do zero absoluto as reacções dão-se sem modicação de entropia. O enunciado da terceira lei transcrito na p´ agina 2 foiproposto por Planck (f́ısico alem˜ao, 1858-1947) e é apenas uma arma ção mais forte da leide Nernst. Estava-se no ińıcio do século XX e o programa da termodinˆ amica, enquantoconjunto de prinćıpios gerais, estava praticamente completado.

    9 - Carathéodory efectuou a axiomatiza¸ cão da termodin âmica. O seu contributoconsistiu fundamentalmente numa reformula¸ cão da segunda lei em termos mais abstractos,

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    cuja vantagem é inegável para sistemas com um n´ umero elevado de graus de liberdadetermodin âmicos. O seu trabalho demorou a ser compreendido e s´o recentemente come çoua ser tratado de uma forma pedag´ogica e a aparecer nos livros de texto.

    10 e 11 - Finalmente, Boltzmann e Gibbs foram os grandes obreiros da mec ânicaestat́ıstica. O primeiro foi o autor da interpreta¸ cão da entropia em termos de probabili-dades. O segundo deixou-nos em legado a mecânica estat́ıstica como um corpo coerentede doutrina. A prop´osito da import ância da mecânica estatı́stica, escreveu R.C. Tolman:A explicaç˜ ao de toda a ciência termodinˆ amica, em termos da ciência mais abstracta da mecˆ anica estatı́stica, é uma das maiores conquistas dos f́ısicos. Além disso, o car´ acter mais fundamental das considera¸ c˜ oes da mecˆ anica estat́ıstica torna possı́vel suplementar grandemente os princı́pios comuns da termodinˆ amica .

    Não se pense no entanto que, pelo facto de a termodinâmica ter cado basicamenteestabelecida nos princı́pios do nosso século, ela constitui actualmente um domı́nio desin-teressante para os criadores da ciência. Hoje, a termodinˆ amica e a mecânica estatı́stica,mais a segunda que a primeira do ponto de vista te´orico, oferecem ainda assuntos deinvestiga ção corrente. Reram-se como t ópicos de grande actualidade: a termodinˆamicados processos irreverśıveis, a teoria das mudan¸cas de fase, a termodin âmica cosmológica,etc.

    Deve ainda aqui acrescentar-se que a termodinˆ amica se encontra alicer çada, para alémdos sucessivos trabalhos de investiga ção experimental e te órica, na impossibilidade comque muitos inventores esbarraram de construirem m´ aquinas que violassem os prinćıpiosda termodin âmica, em especial as primeira e segunda leis. M áquinas cujo funcionamentonegasse esses princı́pios são designadas de m´aquinas de movimento perpétuo (“perpetuummobile”).

    A termodin âmica é pois um ramo do saber emṕırico que nos fornece os limites doposśıvel, que nos indica impossibilidades. Criar energia do nada, diminuir a entropia semmais, são processos que não ocorrem na natureza.

    1.5 A utilidade da termodinâmica

    A termodin âmica é extremamente ´util. Tem-se revelado frutuosa nos seguintesdomı́nios:

    - f́ısica e engenharia f́ısica: f́ısica da matéria condensada, f́ısica das baixas temperat-uras (criogenia) e das altas temperaturas (f́ısica dos plasmas), f́ısica do v´ acuo e dasaltas pressões, astrofı́sica, mecˆ anica dos meios cont́ınuos, etc.

    - qúımica e engenharia qúımica: a chamada termodinˆ amica qúımica (termodinˆ amicade aplicação quı́mica) é um dos caṕıtulos fundamentais da quı́mica-fı́sica.

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    - engenharia mecânica: motores de combust ão interna, sistemas de refrigera¸cão e decondicionamento de ar, sistemas de propuls˜ao de foguetes, aviões, navios e véıculosterrestres, etc.

    - engenharia civil: propriedades térmicas dos materiais, aquecimento de edif́ıcios eproblemas de transmiss˜ao de calor, etc.

    - engenharia electrotécnica: centrais de energia convencional e nuclear, energiasrenováveis (energia solar, energia e ólica), dissipa ção da energia em sistemaseléctricos, etc.

    - biologia: a bioenergética (termodinˆamica aplicada à biologia) é uma parte essen-cial da biofı́sica e bioqúımica, e a aplica¸cão da termodinˆamica do não-equilı́brio a

    processos biológicos é cada vez mais actual.

    - geologia, geof́ısica e meteorologia: a meteorologia, por exemplo, não é, em princı́pio,mais do que a aplica ção da termodin âmica a sistemas extremamente grandes ecomplexos como são aqueles que se encontram na atmosfera terrestre.

    - matem ática e inform ática — a termodin âmica estuda-se na f́ısica-matem´ atica; asteorias da informa ção e da comunicação usam a linguagem e os prinćıpios da ter-modinâmica (existe uma entropia da comunica¸ cão de C. Shannon.

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    CAP ÍTULO 2

    A LINGUAGEM DA TERMODIN ÂMICA

    Antes de entrarmos na doutrina da termodinˆ amica e nas suas aplica ções, convémconcretizar o vocabul ário que vai ser utilizado. Como em qualquer ciência, tamb́em atermodin âmica possui uma linguagem pr ópria, que deve car clara desde o ińıcio. Osconceitos mais importantes s˜ao: sistemas termodinˆ amicos, propriedades termodinˆ amicas,equaç˜ oes e funç˜ oes de estado, equiĺıbrio, processos termodinˆ amicos, etc. . Introduzem-seneste caṕıtulo estes conceitos, muitas vezes numa perspectiva fenomenol´ ogica e intuitivaque pode revelar-se demasiado restritiva. Será o pr´ oprio desenvolvimento do formalismotermodin âmico nos caṕıtulos seguintes que vir´a a dar generalidade e rigor a estes conceitos.

    2.1 Sistema

    O sistema é a parte do universo em que estamos interessados. A superf́ıcie, real ouabstracta, que delimita o sistema chama-se fronteira . A parte do universo que rodeia osistema e que pode interagir com ele chama-se vizinhança .

    O conjunto do sistema e vizinhan¸ca é o universo (que se não deve confundir com“Universo”no sentido astrof́ısico de cosmo). Quando a fronteira que limita o sistema éreal designa-se por parede . Um sistema pode ser, por sua vez, subsistema de um outromaior, ou estar ele pr óprio dividido em subsistemas (Fig. 2).

    Um sistema termodinˆamico pode interagir, em princı́pio, com a vizinhan¸ ca e os subsis-temas podem também, em prinćıpio, interagir uns com os outros. Observa-se experimen-talmente que varia¸cões das propriedades f́ısicas de um sistema podem induzir varia¸cões

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    Figura 2: Sistema termodinˆ amico (S) e subsistemas (S 1, S2, S3).

    nas propriedades f́ısicas de outros. As interac¸ cões entre diferentes sistemas dependemtanto da natureza dos sistemas como do tipo de superf́ıcies separadoras.

    Os sistemas classicam-se em isolados ou n˜ ao isolados conforme a fronteira não per-mita ou permita trocas de energia. Classicam-se ainda em abertos ou fechados consoantea fronteira permita ou n˜ao permita trocas de matéria com a vizinhan¸ ca. O universo é,por denição, um sistema isolado.

    Se a composição qúımica e as propriedades f́ısicas locais de um sistema (propriedadesmacroscópicas, entenda-se sempre, porque a nossa aten¸cão não desce ao ńıvel daspartı́culas constituintes) s˜ ao iguais em todos os pontos do mesmo, este diz-se homogéneo(tem uma s ó fase ). Um exemplo é a água ĺıquida. Quando o sistema é composto de

    vários subsistemas homogéneos ou fases, diz-se heterogéneo . Um exemplo é a água ĺıquidaem contacto com o seu vapor e gelo. Aĺem disso, um sistema pode ser formado poruma só substância (sistema mono-componente) ou por v´ arias subst âncias (sistema multi-componente). Um exemplo de um sistema mono-componente é a ´ agua. Um exemplo deum sistema multi-componente é oxigénio e hidrogénio num recipiente.

    A Fig. 3 ilustra um exemplo pr ático de um sistema: um recipiente ciĺındrico comum êmbolo m óvel, no interior do qual se encontra um g ás. Este é um sistema t́ıpico quereencontraremos frequentemente.

    Figura 3: Gás contido num recipiente: exemplo de um sistema termodinˆ amico.

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    2.2 Propriedades

    Consideremos que o cilindro da Fig. 3 contém 32 g de oxigénio. Quantas moléculasáı se encontram? A resposta obt́em-se a partir da constante de Avogadro, N A =6, 022× 1023 mol− 1: como em 32 g de oxigénio há uma mole de moĺeculas, o n úmeroprocurado é

    N = 6, 022× 1023 . (1)

    Para conhecer o estado microsc ópico deste sistema haveria, pois, que especicar ascoordenadas de posi ção e as velocidades de cada uma das moléculas. O comportamentodo sistema é descrito pelas equa¸cões da mecânica clássica (segunda lei de Newton) com-plementadas pelas condi¸cões iniciais. Ter-se-ia, pois, de resolver o seguinte sistema de

    equações diferenciais de segunda ordem:

    F i = m id2 ridt2

    , i = 1, . . . , N , (2)

    com ri (t = 0) e vi (t = 0) conhecidos. Em (2) F i é a força sobre cada molécula i, mi éa massa dessa molécula e ri é a sua posição num referencial de inércia.

    Ora, por um lado, as for ças intermoleculares, que entram nas equa¸ cões do movimento(2), nem são simples nem exactamente conhecidas; por outro lado, as condi¸cões iniciais sãoem número t ão exorbitante (6 N , isto é, 3 N para ri e 3N para vi) que é completamente

    impossı́vel especic á-las na totalidade. E mesmo que se admitisse um modelo simplespara as for ças e que as condições iniciais pudessem ser indicadas, a evolu ção do sistemanão seria calculável porque o número elevado de equações a resolver exclui, na prática,qualquer possibilidade de resolu ção. Os métodos da chamada dinˆamica molecular usadosem F́ısica Molecular e F́ısica da Matéria Condensada est˜ ao ainda restritos a milhares depart́ıculas.

    Acontece, felizmente, que o estudo pormenorizado das N part́ıculas seria absoluta-mente in útil, pois n ão haveria qualquer interesse pr´atico no conhecimento de uma mul-tid ão de dados sobre as moĺeculas. A grande vantagem da Termodinˆ amica consiste em

    substituir as 6 N variáveis microscópicas por um número muito reduzido de vari´aveis, cujosignicado f́ısico é claro e cuja medi ção é vi ável. Press ão, volume e temperatura s˜ao ex-emplos de propriedades ou vari áveis termodin âmicas que descrevem estados de equiĺıbriode um sistema termodinˆamico.

    Pode dar-se uma primeira noç˜ao dessas variáveis:

    - A press˜ ao (P ) é a foŗca por unidade de superf́ıcie, devida, em última an álise, à trans-ferência de momento linear das part́ıculas quando colidem nas paredes. Mede-se comum bar´ ometro ou com um man´ ometro .

    - O volume (V ) é a medida do espa ço ocupado pelo sistema. Calcula-se a partir dedados obtidos, por exemplo, com uma régua.

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    - A temperatura (T ) é uma vari ável de estado essencial em Termodin âmica. Tem umsignicado macroscópico, que vem da denição de equiĺıbrio térmico (ver adiante).Muitas vezes é dado um signicado microsc ópico, relacionado com a energia cinética

    de transla ção das moléculas do g ás perfeito (a deni ção de gás perfeito será dadatambém adiante) mas a rela¸ cão simples entre temperatura e energia cinética s´ o seaplica ao gás perfeito, devendo por isso revestir-se das maiores cautelas a utiliza¸ cãodo referido signicado microscópico. Mede-se com um term´ ometro .

    - A quantidade de matéria (n) presente no sistema é indicada pelo n´umero de moles.Para um sistema fechado esta vari ável tem um valor xo. Pode medir-se com aajuda de uma balan¸ca.

    Adiante-se desde j á que as propriedades ou vari áveis de estado n ão são todas indepen-dentes. Por exemplo, os comportamentos de gases a baixas press˜oes são bem descritospela equação P V = n R T , com R uma constante. Esta é a chamada equaç˜ ao de estadodos gases perfeitos ou ideais .

    Há mais propriedades de um sistema, algumas das quais, como a energia interna ( U ) ea entropia ( S ), já foram referidas. De outras, como a entalpia ( H ), a função de Helmholtz(F ) e a função de Gibbs (G) falaremos mais adiante.

    Em termodin âmica estudam-se tamb́em sistemas mais complexos do que o g´ as con-tido no cilindro (que é dito um sistema P V T , uma vez que estes são os śımbolos das pro-

    priedades mais elementares necess árias para descrever o sistema). S ão exemplos de outraspropriedades a magnetiza¸cão de um corpo magnético, a polarizaç˜ao de um dieléctrico, aárea da superfı́cie de um ĺıquido, etc.

    A termodin âmica ocupa-se tamb́em de grandezas que n˜ ao são propriedades de umsistema. Exemplos s ão as várias formas de energia transferida (calor ou trabalho) atravésda fronteira de um sistema.

    2.3 Varí aveis extensivas, intensivas e conjugadas

    É habitual classicar as vari´aveis termodin âmicas em intensivas e extensivas . Asprimeiras s ão independentes da quantidade de matéria presente (massa ou n´ umero demoles). Exemplos t́ıpicos s ão a pressão e a temperatura. Estas propriedades intensivasassumem os mesmos valores em qualquer ponto do sistema, independentemente do n´ umerode fases.

    As propriedades extensivas, por seu lado, s ão caracterizadas pela sua aditividade nosentido de que o seu valor no sistema é a soma dos seus valores em qualquer conjunto de

    subsistemas nos quais o sistema se decomponha. O volume e a quantidade de matériasão exemplos de variáveis extensivas. Com efeito, o volume total e o número total de

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    moles obtêm-se somando os volumes e os números de moles de cada subsistema. Outrosexemplos são U , S , H , F e G.

    É também frequente exprimir as vari´ aveis extensivas dividindo-as pelo n úmero de

    moles (o que só é posśıvel se houver uma única subst ância). Denominam-se ent˜ao variáveismolares . Se se dividirem as variáveis extensivas pela massa, obtêm-se as chamadasvariáveis m´ assicas ou especı́cas .

    Uma propriedade extensiva pode, pois, ser transformada em molar ou m´ assicadividindo-a pelo n úmero de moles ou pela massa. Por exemplo, o volume molar v = V n ,com n o número de moles, é uma propriedade molar e o volume m ássico v = V m =

    1ρ , com

    m a massa do sistema e ρ a massa volúmica ou densidade, é uma propriedade m´ assica.Usaremos letras min úsculas para designar os valores molares e m ássicos das variáveis ex-tensivas 2, e.g. v, u, s, h, f . Ao contrário das vari áveis intensivas que caracterizam oestado de equilı́brio, como T , P , etc., as vari áveis molares não têm, em geral, os mesmosvalores em diferentes fases do sistema.

    A t́ıtulo de concretiza¸cão numérica vejamos quais s˜ao os volumes mássicos e molaresda água e do ar:

    1) Água

    ρ = 1 g cm− 3 = 10 3 kg m− 3,

    v = V m

    = 10− 3 m3 kg− 1 (volume mássico) (3)

    v = V

    n =

    mn

    = 10 − 3 ×18103

    = 1 , 8 × 10− 5 m3 mol− 1. (volume molar) (4)

    2) Ar (a massa de 1 kmol de ar é, aproximadamente, 29 kg)

    ρ = 0, 00129 g cm− 3

    = 1 , 29 kg m− 3

    ,v = 0, 775 m3 kg− 1 (volume mássico) (5)

    v = 11, 29

    ×29103

    = 22, 4 × 10− 3 m3 mol− 1. (volume molar) (6)

    A Tab. 1 reúne algumas propriedades dos sistemas termodinˆ amicos. Junt´amos àspropriedades antes referidas, outras necess´ arias à descrição de sistemas n ão P V T como,por exemplo, um elástico sob tens ão, a superf́ıcie de um ĺıquido, sistemas eléctricos emagnéticos e ainda sistemas P V T abertos.

    2 Usa-se a mesma letra para vari´ aveis molares ou m ássicas, depreendendo-se do contexto o tipo devari ável em quest ão.

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    Propriedade Unidade SI

    P Press ão PaV Volume m3

    T Temperatura KS Entropia J K − 1

    µ Potencial qúımico J mol − 1

    n Quantidade de mat́eria mol

    Γ Tens ão NL Comprimento m

    σ Tens ão supercial N m − 1

    Σ Área m2

    E Campo eléctrico V m − 1

    Π Momento dipolar eĺectrico C m

    H Campo magnético A m − 1

    M Momento magnético A m 2

    U Energia interna JH Entalpia JF Fun ção de Helmholtz JG Fun ção de Gibbs J

    Tabela 1: Propriedades de sistemas termodinˆ amicos e respectiva unidade SI. As vari´ aveis con- jugadas aparecem agrupadas duas a duas. As quatro ´ ultimas vari´aveis são os potenciais ter-modinâmicos.

    Um outro conceito muito importante em Termodinˆ amica é o de vari´ aveis conjugadas.Diz-se que duas vari áveis, uma extensiva, Y , e outra intensiva, X , são conjugadas se oproduto X dY for uma energia innitesimal. Entre estes produtos, reram-se as energiasinnitesimais −P dV , Γ dL, E dΠ, etc. Na Tab. 1 as propriedades agrupadas aos paressão conjugadas, sendo a primeira intensiva e a segunda extensiva (veja-se, por exemplo,que o produto das suas dimens ões tem a dimensão de energia).

    2.4 Estado de um sistema e equa¸ cões de estado

    Dene-se estado do sistema indicando o conjunto de propriedades ou vari´ aveis f́ısico-qúımicas que o caracterizam. Experimentalmente, verica-se que todos os sistemas ter-modinâmicos têm estados privilegiados, designados por estados de equilı́brio , cuja carac-

    terı́stica essencial é a sua estabilidade se o sistema estiver isolado.Em geral não é necessário indicar todas as propriedades uma vez que elas n˜ ao são todas

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    independentes. As equaç˜ oes de estado relacionam as diferentes vari áveis de um sistema.Vejamos um exemplo concreto. A baixas press˜oes o oxigénio pode ser considerado um g´ as perfeito ou ideal , isto é, obedece à lei experimental

    P V = n R T , (7)

    onde R = 8, 314510 J K− 1 mol− 1 é a chamada constante (molar) dos gases ideais . Atemperatura é conhecida imediatamente se a press˜ ao e o volume o forem:

    T = P V n R

    . (8)

    Neste contexto, P e V podem ser vistos como parâmetros de estado e T = T (P,V,n )como a função de estado. Se explicit ássemos P na equação anterior, ent˜ao os parâmetros

    de estado passariam a ser T e V .Uma equa ção, como a dos gases perfeitos, da forma geral

    f (P,V,T,n ) = 0 (9)

    é designada por equa¸cão de estado térmica (ou, simplesmente, equa¸ cão de estado). A eq.(7) é a equa ção de estado térmica de um g´as perfeito.

    A energia também pode ser obtida a partir de V e T , sendo este facto expresso pelaequação de estado energética. Para um g´ as perfeito é um facto experimental que a energiainterna apenas depende da temperatura, U = U (T ):

    U = U 0 + C V (T −T 0), (10)com C V uma constante caracteŕıstica de cada g´ as chamada capacidade térmica a volumeconstante e U 0 = U (T 0) outra constante (energia a uma dada temperatura de referência,T 0). Quando, mais à frente, estudarmos a Primeira Lei e dela retirarmos as suas con-sequências, voltaremos `a abordagem das equa ções de estado energéticas.

    Regressando à equação de estado térmica, para um sistema P V T fechado (n xo) bas-tam ent ão duas vari áveis quaisquer para especicar completamente o estado do sistema.

    Este facto permite-nos representar geometricamente o estado do sistema por um pontonum diagrama plano. Num gr´aco em que no eixo das abcissas se indica o volume e emque no eixo das ordenadas se indica a press ão (diagrama P V ou de Clapeyron) o estadodo sistema (por exemplo, V = V 1, P = P 1) representa-se por um ponto como mostra aFig. 4. Mas essa representa ção só é posśıvel para estados de equilı́brio .

    2.5 Equiĺıbrio

    Convém precisar melhor, ent˜ ao, o que se entende por estado de equiĺıbrio de umsistema.

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    Figura 4: (a) Diagrama P V ou de Clapeyron onde se representa o estado 1 do sistema.

    Suponhamos que temos um sistema cuja fronteira é um isolador térmico (a fronteiraimpede uxos de calor de e para o exterior) e que é inicialmente contitúıdo por doissubsistemas às temperaturas T 1 e T 2 (T 1 > T 2), sendo a fronteira entre os subsistemasum condutor térmico perfeito (precisamente o oposto de parede adiab´ atica, referida nocaṕıtulo anterior). Ficando os dois sistemas em contacto térmico directo v˜ ao ocorrerespontaneamente altera¸ cões e acaba por se alcançar um certo estado nal com uma mesmatemperatura em todos os pontos do sistema (Fig. 5). Se os subsistemas s˜ ao idênticos (em

    massa e em natureza) a temperatura nal ser´ a a média aritmética das temperaturas dosdois subsistemas iniciais, T = T 1 + T 22 . Dizemos que se atingiu o equiĺıbrio t́ermico .

    Figura 5: Evolução para o equilı́brio térmico. Inicialmente os dois subsistemas idênticos, sepa-rados por um condutor térmico perfeito, est˜ ao a temperaturas diferentes; passado algum tempoatinge-se o equilı́brio térmico, sendo a temperatura nal a média aritmética das temperaturasiniciais de cada subsistema.

    Pode também acontecer que num dado sistema a press˜ ao não seja uniforme e hajamovimentos, expans ões e contracções, de partes do sistema. Quando estes deslocamentosterminarem, dizemos que o equilı́brio mecˆ anico foi atingido. Lembre-se que, ao contr árioda temperatura, num estado de equiĺıbrio mecˆ anico a pressão não tem que ser a mesmaem todos os pontos do sistema. Sê-lo- á para um g ás mas para um ĺıquido no campograv́ıtico os vários ńıveis hidroest´ aticos est ão a pressões diferentes.

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    Finalmente pode acontecer que um sistema contenha substˆ ancias que podem reagirquimicamente. Uma vez que as reac ções qúımicas posśıveis se tenham efectuado, diz-seque se atingiu o equiĺıbrio quı́mico .

    Por equiĺıbrio termodinâmico entende-se o equiĺıbrio simultaneamente térmico, mecâ-nico e quı́mico.

    Note-se que só numa situa ção de equilı́brio termodinˆamico é que tem sentido falar depropriedades do sistema, pois s ó então é posśıvel indicar valores globais para a temper-atura, press˜ao, etc. Portanto é ´obvio que a palavra estado usada atrás deve ser entendidacomo estado de equiĺıbrio termodinˆ amico, em particular na sec ção anterior. Reforçamosagora o que ent ão dissemos no nal daquela secção: só um estado de equilı́brio pode serrepresentado por um ponto num diagrama de Clapeyron. Se o estado n˜ ao for de equiĺıbriohá alguma propriedade de estado que n˜ao tem valor bem denido (a press ão, por exemplo,

    se não existir equilı́brio mecˆanico).

    2.6 Processos

    Designa-se por processo termodinˆ amico a transforma ção que leva de um estado deequilı́brio a outro por varia¸cão das propriedades do sistema. Pode acontecer que o estadonal de um processo coincida com o estado inicial, dizendo-se ent ão que o processo éćıclico . Os processos dividem-se em quase estáticos e não quase est áticos conforme osestados intermédios s˜ao praticamente ou n˜ao estados de equiĺıbrio (seja ou n ão innites-imal a diferença para um estado de equilı́brio), e em reversı́veis e irreverśıveis conformefor posśıvel ou não inverter o sentido do processo, alterando innitesimalmente uma pro-priedade do sistema. Toma lugar de destaque nesta discuss˜ ao o conceito de diferença in-nitesimal entre propriedades de um sistema. Se um estado de equiĺıbrio for caracterizadopor (V 1, P 1), um estado de equiĺıbrio innitesimalmente pr´ oximo deste terá propriedades(V 1 + d V, P 1 + d P ).

    Todos os processos reversı́veis são quase-estáticos mas nem todos os processos quaseest áticos são reverśıveis. Analisemos as diferentes situa¸cões:

    a) Processos reverśıveis e quase-est´aticos

    É uma sucessão de processos innitesimais que pode inverter-se em cada passo medi-ante uma mudan¸ca innitesimal na vizinhan¸ca. Um exemplo é a compress ão muito lentade um gás num cilindro. O processo é quase-est´atico porque os estados intermédios s˜aode equiĺıbrio (o sistema tem tempo para se reajustar ` as novas condições) e é reversı́velporque a opera ção inversa é posśıvel. Todos os processos reversı́veis s˜ao quase-est áticos.Um cilindro com um êmbolo m óvel contém um g ás – por exemplo, um gás ideal. Puxandolentamente o êmbolo realiza-se um processo uma vez que h´a altera ção do volume do sis-tema. Se considerarmos que a temperatura é mantida constante durante o processo,

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    usando um banho térmico, ter-se-´ a a representa ção do processo no diagrama P V comose mostra na Fig. 6. A curva é uma hipérbole como se vê da equa¸ cão dos gases perfeitos,Eq. (7). A representa ção da Fig. 6 só é possı́vel porque os estados intermédios s˜ ao de

    equiĺıbrio.

    Figura 6: Expans ão isotérmica de um gás perfeito.

    O processo é quase est ático porque os estados intermédios s˜ao de equiĺıbrio (o sistematem tempo para se reajustar ` as novas condições) e é reversı́vel porque se pode realizar aoperação inversa, empurrando o cilindro lentamente.

    b) Processos quase-est áticos e irreversı́veis

    Consideremos um sistema semelhante ao descrito anteriormente na Fig. 5, consistindode dois corpos em contacto dentro de um isolador térmico, mas em que agora a superf́ıciede separaç ão entre os dois subsistemas em vez de ser perfeitamente perme´avel a uxosde calor, é quase-adiab´atica, quer dizer apenas permite um uxo de calor muito pequeno(innitesimal). Ent˜ao o processo será quase-est ático, porque se realiza lentamente, masé irreverśıvel, uma vez que, aumentando ligeiramente a temperatura do subsistema atemperatura mais baixa n˜ ao se consegue inverter o uxo de calor.

    c) Processos irreversı́veis e n˜ ao quase-est áticos

    Um exemplo obtém-se quando se puxa rapidamente o êmbolo do cilindro da Fig. 6.Outro exemplo é o processo descrito na Fig. 5, no qual se atinge nalmente o equiĺıbriot́ermico. É impossı́vel a situa¸cão inversa: um corpo, inicialmente a temperatura uniforme,não se separa espontaneamente em duas partes a temperaturas diferentes.

    Os processos não quase-est áticos, como estes, n ão podem evidentemente ser represen-tados em diagramas porque o sistema ou seus subsistemas n˜ ao tem bem denidas todasas suas propriedades termodinâmicas.

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    Finalmente deve dizer-se que a distin¸cão de processos em reversı́veis e irreverśıveis éde import ância capital no quadro da segunda lei. É para os processos reverśıveis que a en-tropia se mantém constante, enquanto cresce necessariamente nos processos irreverśıveis,

    admitindo em ambos os casos que o sistema se encontra isolado. Assim, o sistema noestado nal da Fig. 5 tem mais entropia do que na situaç˜ ao inicial.

    Os processos podem ainda classicar-se de acordo com uma propriedade que porven-tura seja mantida constante. Para processos reverśıveis num g´ as ideal podemos considerar,entre outros, os seguintes processos, que se representam na Fig. 7:

    – Processos isocóricos (V = Cte)– Processos isobáricos (P = Cte)– Processos isotérmicos ( T = Cte)– Processos adiab áticos ou isoentr ópicos (S = Cte).Os processos adiab áticos são aqueles que ocorrem em sistemas protegidos por fron-

    teiras adiab áticas, ou seja, fronteiras que impe¸cam qualquer uxo de calor de ou para avizinhan ça.

    Poder-se-iam ainda acrescentar outros processos.

    Figura 7: Exemplos de processos em que uma propriedade se mantém constante. Os processosa temperatura constante e a entropia constante referem-se a um g´ as ideal.

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    CAP ÍTULO 3

    TEMPERATURA, LEI ZERO E EQUAÇ ÕES DE ESTADO

    3.1 Temperatura e Prinćıpio Zero

    O conceito de temperatura teve uma origem antr´ opica. As sensaç ões de quente e frioforam desde sempre experimentadas pelo corpo humano. Com o advento das cîenciasnaturais procurou dar-se a essa distin¸ cão subjectiva entre quente e frio um carácter quan-titativo. Armou Lord Kelvin numa conferência proferida, em 1883, no Instituto Britˆ anicodos Engenheiros Civis:

    Quando se pode medir aquilo de que se est´ a a falar e express´ a-lo em n´ umeros, ent˜ aosabe-se alguma coisa sobre isso; mas quando n˜ ao se pode medir, quando n˜ ao se pode expressar em n´ umeros, o nosso conhecimento é escasso e insatisfat´ orio.

    A temperatura é a propriedade dos sistemas termodinˆ amicos que permite quanticaras noções tácteis de quente e frio. Permite que esses dados sensoriais sejam expressos emnúmeros.

    Em Termodinˆamica a temperatura é introduzida por meio do conceito de equiĺıbriotérmico e a consistência da sua deniç˜ ao pressupõe o chamado Prinćıpio Zero : todos ossistemas em equilı́brio térmico com um sistema de referência têm em comum o valor deuma propriedade — a temperatura . Um term ómetro em equiĺıbrio térmico com um sistemaregista a temperatura deste. Sem o Prinćıpio Zero a Termometria, ciência e técnica dasmedidas de temperatura que discutiremos na pr´ oxima secção.

    Tal como foi descrito no Cap. 2, se colocarmos dois corpos em contacto, um quente e um frio, o “corpo frio aquece”e o “corpo quente arrefece”at́e se atingir o estado de

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    equiĺıbrio térmico, caracterizado por uma temperatura uniforme para o sistema total. Oque acontece durante o processo de estabelecimento do equilı́brio térmico é a ocorrênciade um uxo de calor do corpo a temperatura mais elevada (“o quente”) para o corpo a

    temperatura mais baixa (“o frio”). Note-se que o conceito de calor, que s´ o mais adiantedeniremos formalmente (para j´a a ideia intuitiva é suciente), diz respeito a um processoe não a um estado. O calor não é uma propriedade de um sistema, mas sim uma grandezaf́ısica que se associa a uma mudan ça de estado. Fica desde j á bem ńıtida a diferen¸ca entrecalor e temperatura: dois corpos em equiĺıbrio térmico est˜ ao à mesma temperatura; senão estiverem à mesma temperatura ocorrer´ a um uxo de calor de um para outro.

    A denição de temperatura que foi apresentada é compat́ıvel com as observa¸ cões ex-perimentais e esse facto encontra-se expresso na Lei Zero da termodinâmica que, numaformulação mais moderna da que a que foi apresentada no Caṕıtulo 1, se pode enunciar:

    Existe uma grandeza escalar, denominada temperatura, que é uma propriedade (in-tensiva) dos sistemas termodinˆ amicos em equiĺıbrio, tal que a igualdade da temper-atura é a condi¸c˜ ao necess´ aria e suciente de equilı́brio térmico.

    Vamos de seguida descrever o conte údo da lei zero, uma vez que ela é preliminarna formula ção rigorosa da termodinâmica macrosc´ opica. Consideremos um corpo A àtemperatura T A . O corpo A é colocado em contacto com um corpo C e verica-se que háequiĺıbrio térmico. Ent˜ ao, por denição de temperatura, os dois corpos est˜ao à mesma

    temperatura:T A = T C . (11)

    Tomemos agora um outro corpo B, que se p˜oe em contacto com o corpo C. Constata-seexperimentalmente a existência de equilı́brio térmico e pode ent˜ ao também dizer-se queos corpos B e C estão à mesma temperatura:

    T B = T C . (12)

    Uma consequência matem´atica necess ária é que os dois corpos A e B, que estiveram

    em contacto com o corpo C, est ão à mesma temperatura:

    T A = T B . (13)

    Para se averiguar se a deni ção de temperatura em termos do equilı́brio térmico éconsistente, s ó tem de se vericar experimentalmente a ocorrência ou n˜ao de equiĺıbriotérmico, quando os corpos A e B s ão postos em contacto dentro de uma fronteiraadiab ática. A experiência conrma que h´a efectivamente equilı́brio térmico, o que sig-nica que o equiĺıbrio térmico goza da propriedade transitiva: dois corpos em equiĺıbriotérmico com um terceiro est˜ao também em equiĺıbrio térmico entre si.

    Este é um dos posśıveis enunciados da lei zero sem a qual a termometria, de quefalaremos a seguir, seria um absurdo completo.

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    Importa ainda referir, a propósito do Prinćıpio Zero que é ele que assegura que existeuma equa ção de estado térmica para cada sistema em equiĺıbrio, embora n˜ ao especiquea respectiva forma. Esta equa¸cão de estado permite relacionar varia¸ cões de grandezas

    termodin âmicas. Embora n ão façamos aqui a demonstra ção rigorosa desta arma ção,tomemos um exemplo que a ajuda a ilustrar. Consideremos de novo um sistema gasosocontido num cilindro munido de um pist˜ao e suponhamos que o sistema, no estado deequiĺıbrio ( V, P ), est á em equiĺıbrio térmico com um outro sistema, que vamos denomi-nar sistema de referência ou term´ometro. Este estado de equiĺıbrio pode representar-senum diagrama de Clapeyron. Movendo-se o pistão, o sistema atinge um outro estadode equiĺıbrio, com coordenadas ( V , P ), que admitimos estar em equilı́brio térmico como sistema de referência, que permaneceu inalterado. De acordo com o Prinćıpio Zero,os estados (V, P ) e (V , P ) têm ent˜ao a mesma temperatura. Se se procurarem outrosestados ( V , P ), etc., todos em equiĺıbrio térmico com o sistema de referência, o lugargeométrico de todos esses estados, por exemplo num diagrama de Clapeyron, designa-sepor isotérmica como vimos no capı́tulo anterior (ver Fig. 6 para o caso de um g´as ideal).A temperatura é dada por T = T (V, P ) = T (V , P ) = t(V , P ) = ... e é, portanto, umafunção do volume e da pressão. Para o g ás há uma rela ção funcional entre V , P e T ,

    f (P,V,T ) = 0 , (14)

    que é a equa ção de estado térmica. A existência de uma equa¸ cão deste tipo, que d á uma

    propriedade de equiĺıbrio em fun¸cão de outras, é geral, n ão se limitando aos sistemasP V T . A existência da equa¸cão de estado é consequência do Princı́pio Zero.

    3.2 Temperaturas emṕıricas e termometria

    A medição de temperaturas faz-se com a ajuda de term´ ometros, cujos prinćıpios etécnicas de funcionamento s˜ao estudados na termometria.

    Há vários tipos de term ómetros, mas o fundamental em todos eles é que existe umapropriedade facilmente mensur´avel, que varia com a temperatura, chamada propriedade termométrica . A Tab 2 resume os principais tipos de term´ometro e as propriedades ter-mométricas respectivas. O valor da temperatura medida com um destes term´ ometroschama-se temperatura empı́rica , que se deve distinguir da chamada temperatura ter-modinâmica ou absoluta que s ó pode ser formalmente introduzida no quadro da SegundaLei.

    A relaç ão entre duas temperaturas emṕıricas medidas com um destes tipos determ ómetro dene-se como a razão dos valores respectivos da propriedade termométricaem causa, X . Normalmente, para se poder ter um valor numérico para uma destas temper-aturas emṕırica — que passaremos aqui a designar por t para a distinguir da temperatura

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    Term´ ometro Propriedade termométrica X

    de ĺıquido volume V de resistência resistência eĺectrica Rtermopar for¸ca electromotriz E de gás (a volume constante press˜ ao P

    Tabela 2: Tipos de term´ometros e respectivas propriedades termométricas, X .

    absoluta que se designa por T —, atribui-se um valor arbitr´ario à outra, que se escolhepara ponto de referência. Para ponto de referência é norma escolher-se o ponto triploda água. Designando essa temperatura de refer̂encia por t3, a equação da termometriaescreve-se

    tt3

    = X X 3

    . (15)

    O ponto de referência pode ser outro qualquer mas, de facto, é o ponto triplo da ´ aguao mais utilizado. No ponto triplo coexistem em equiĺıbrio termodinˆ amico (num vaso de

    onde se extraiu o ar) água ĺıquida, gelo e vapor de água, o que só ocorre à pressão de 610,5Pa, equivalente a 0,006 atm. A temperatura do ponto triplo é t3 = 273, 16 K (=0,01 ◦ Ce a Fig. 8 mostra o vaso, de onde inicialmente se extraiu o ar, e em cujo interior coexisteágua ĺıquida em equilı́brio com gelo e vapor.

    Figura 8: Vaso para obter o ponto triplo da ´ agua. Ao vaso, contendo ´agua pura, é inicialmenteextráıdo o ar. Colocando uma mistura refrigerante na parte interior do vaso, forma-se umacamada de gelo. Retirando a mistura refrigerante e colocando um term´ ometro, ocorre a fus˜ao deuma na camada de gelo junto da parede. Quando as três fases da ´ agua, s ólida, ĺıquida e gasosa,coexistem no interior do vaso, o sistema est´ a no ponto triplo e a sua temperatura é 0,01 ◦ C.

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    A habitual escala Celsius foi estabelecida com base em dois pontos de referência: oponto do gelo (tg = 0 ◦ C) e o ponto do vapor (tv = 100 ◦ C). Estes valores foram atribúıdosarbitrariamente para que a escala fosse centesimal. Com dois pontos xos, a Eq. (15) n˜ ao

    é v álida (aplica-se apenas quando h´a um só ponto xo) e a temperatura é ent˜ ao dada por

    t = 100 X −X gX v −X g

    ◦ C , (16)

    onde X g e X v são os valores que a propriedade termométrica do term´ ometro utilizadotoma nos pontos xos e X o seu valor à temperatura que se deseja medir.

    Vejamos mais em pormenor como funcionam os v ários tipos de term ómetros:

    a) Term´ometro de ĺıquido

    É talvez o mais conhecido, devido à sua utiliza ção quotidiana em meteorologia, nodiagnóstico médico, etc.

    A propriedade termométrica é o volume de ĺıquido encerrado no vidro, por exemplo,mercúrio. A água, como foi dito, não é uma boa subst ância termométrica. Além decongelar a 0 ◦ C, sendo por isso inútil um term ómetro de água abaixo dessa temperatura,a razão principal da inutilidade desse term´ ometro é a varia¸cão não monótona do volumeda água com a temperatura. O volume m´ assico da água à pressão atmosférica (101,3 kPa)é dado por

    v = ρ− 1

    = 1 −0, 00006105t + 0 , 000007733t2

    (m3/kg) (17)

    em função da temperatura Celsius t .Tal como a Fig. 9 ilustra, a massa vol´umica da água tem o máximo à temperatura de

    3,98 ◦ C, pelo que o volume de uma certa massa de água é ent ão mı́nimo. Se se marcasseo zero do termómetro de água quando est á em contacto com uma mistura de ´agua e geloem equiĺıbrio à pressão atmosférica, ent˜ ao a temperatura de 4 ◦ C seria negativa lida noterm ómetro...

    Figura 9: Massa volúmica da água em fun ção da temperatura Celsius.

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    b) Term´ometro de resistência

    Baseia-se no facto de a resistência de um condutor ou semicondutor variar com a tem-peratura. A baixas temperaturas, utiliza-se um o de platina ao passo que, a temperaturasaltas, se utiliza um semicondutor (germˆanio dopado, por exemplo).

    c) Termopar

    O termopar baseia-se no chamado efeito Seebeck, que consiste no aparecimento de umaforça electromotriz quando se juntam dois metais ou ligas met´ alicas de natureza diferente,se as junções estiverem a temperaturas diferentes. Normalmente utilizam-se termoparesplatina – liga de platina e r´odio, cobre – constantan (liga de cobre e ńıquel) e cromel(liga de ńıquel e cr ómio) – alúmel (liga de ńıquel, alumı́nio e manganésio). A diferen¸ cade potencial que se estabelece, apesar de pequena, pode ser facilmente medida. Umavez que é viável efectuar medidas de resistências e de diferen¸cas de potencial com grandeprecisão, os termómetros de resistência e os termopares s˜ao muito usados nos laboratóriose na indústria.

    Na utiliza ção de todos estes tipos de term ómetros surge um grande problema: naprática verica-se que term ómetros diferentes indicam temperaturas emṕıricas diferentespara o mesmo corpo! Por exemplo, consideremos dois term ómetros de ĺıquido, um comálcool e outro com mercúrio, e marquemos o 0 e o 100 das respectivas escalas, colo-cando-os em contacto com água e gelo em fusão à pressão de 1 atm (ponto do gelo ouponto de fusão normal) e água em ebuli ção à pressão de 1 atm ( ponto do vapor ou pontode ebulição normal). O intervalo entre as duas marcas é dividido em 100 partes iguais.Agora coloquemos o termómetro de mercúrio em contacto com água quente e suponhamosque ele marca 50. O term ómetro de álcool, colocado simultaneamente no mesmo banho,apenas marca 48 , 5!

    Numa outra experiência verica-se que um term´ ometro de resistência de platina indicao valor Rv /R 3 = 1, 39 para a raz ão das resistências correspondentes ao ponto de vapor eao ponto triplo da água que é, portanto, de acordo com (15), a raz˜ao das temperaturasemṕıricas daqueles pontos. Mas, num termopar, a correspondente raz˜ ao das propriedadestermométricas é E v /E 3 = 1, 51.

    Fica-se perplexo perante esta disparidade de resultados... A F́ısica baseia-se na uni-versalidade das medi ções. Para salvar a ciência termométrica é necess´ ario um term ómetropadr ão que deve ser independente da substˆancia termométrica. O term´ ometro de gás, quevamos estudar na pr´oxima secção, é universal.

    3.3 Term´ ometro de gás (a volume constante)

    O term ómetro de gás a volume constante est´a representado esquematicamente naFig. 10. O gás está contido num recipiente e a press ão que ele exerce pode ser medidacom um man ómetro de mercúrio.

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    Figura 10: Term´ometro de g ás a volume constante.

    Se inicialmente o gás ocupar um certo volume, indicado por uma marca no tubo, ogás expande-se com o aumento de temperatura, obrigando o merc´ urio a descer. Elevandoo reservat ório de mercúrio na outra extremidade, pode obrigar-se o g´as a car no volumeinicial. A pressão exercida pelo gás é ent̃ ao medida pela altura de merc´urio acima desseńıvel. Pela importˆancia que o term ómetro de gás assume em Termodinˆamica, vamosdiscuti-lo em pormenor.

    O estudo dos gases permitiu concluir que eles podiam ser usados como substˆanciastermométricas. Para tal procede-se do modo que passamos a descrever. Introduz-se umadeterminada quantidade de g´ as, por exemplo ar, num bal ão. O gás ca fechado devidoao mercúrio que é colocado no tubo em U que faz de manómetro e permite calcular apressão exercida pelo gás (Fig. 10). P õe-se o balão em contacto com um sistema no pontodo vapor . Adicionando merc úrio no manómetro, ou subindo ou baixando o reservat´oriode mercúrio garante-se que o volume de g ás no balão permane çe constante (merc úrio

    no ramo esquerdo do tubo em U sempre na marca 0). Regista-se ent˜ao a pressão queo manómetro indica, P v . Manómetros deste tipo n˜ao medem directamente a press˜ao,mas, sim, as diferenças de pressão 3 entre o gás contido no bal ão e a pressão atmosférica,através da diferen¸ca de altura, h, dos dois ńıveis superiores do merc úrio no tubo em U;essa diferença de pressão é ∆ P = ρHg g h. De seguida, coloca-se o balão em contactocom um sistema no ponto triplo até se atingir o equilı́brio. Anota-se a press˜ ao indicada,P 3. Tem-se assim um primeiro par de valores ( P v , P 3). Podemos extrair um pouco de g ásdo balão e repetir a operaç ão. Medem-se agora novas pressões (P v ,P 3). Naturalmente,havendo menos gás, as pressões são menores do que as pressões correspondentes anteriores.

    3 A press ão atmosférica mede-se com um bar´ ometro, e, por meio de um cálculo simples, calcula-se apress ão do gás.

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    A operação pode repetir-se com quantidades de g´as cada vez menores, obtendo-se paresde pressões ( P v , P 3 ),..., (P nv , P n3 ) com P v > P v > ... > P nv e P 3 > P 3 > ... > P n3 .

    Curiosamente, term´ometros de gás contendo diferentes gases (ar, hidrogénio, azoto,

    oxigénio) fornecem também v´arios valores para essa razão P v /P 3 conforme a subst ânciaconsiderada e conforme a quantidade de g ás contida no term ómetro (que pode ser avaliadamedindo a press ão do gás no ponto de referência). A Fig. 11 é elucidativa.

    Figura 11: Para v ários gases, mostram-se os valores lidos num term´ ometro de g ás a volumeconstante para a temperatura do vapor em condensa¸ cão em fun ção da press ão P 3 no pontotriplo.

    Mas, da Fig. 11 conclui-se também que o term´ometro de gás fornece resultados in-dependentes da substˆancia considerada se a press ão no ponto de referência for muito re-duzida, quer dizer, se a quantidade de g´as contida no recipiente for pequena. Para baixaspressões, todos os gases se comportam da mesma maneira, pelo menos aproximadamente.Pode-se extrapolar o gr áco para a press ão nula, a qual é imposśıvel de obter experimen-

    talmente pois corresponde à ausência de g ás. O valor obtido para a temperatura empı́ricado gás para o ponto de vapor é dado por

    t vt3

    = limP 3 → 0

    P vP 3 V

    = 1 , 3660, (18)

    indicando o ı́ndice V que as medidas são tomadas mantendo o volume constante. Para sesaber tv é necessário dar um valor a t3. Como dissemos antes, à temperatura de referênciafoi, um tanto arbitrariamente, atribúıdo o valor

    t3 = 273, 16 (19)pelo que tv = 373, 15.

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    Porque se xou o ponto triplo da água em 273,16? A razão é de ordem histórica.Como antes se disse, Celsius, astr ónomo sueco do século XVIII, propôs uma escala detemperaturas em que o 0 coincidia com o ponto de gelo e o 100 com o ponto de vapor

    para a água. A convenção internacional de se usar um único ponto xo (ponto triplo daágua) data de 1954. Anteriormente usavam-se temperaturas emṕıricas do termómetro degás baseadas em dois pontos xos, precisamente os pontos escolhidos por Celsius. Ora,para que o “tamanho”do grau da escala de temperaturas emṕıricas de g´ as coincidisse como tamanho do grau da escala de Celsius (note-se que o tamanho do grau é perfeitamentearbitr´ario), é que o valor de t3 tem de ser 273,16. Este número pode encontrar-se, daresolução de um sistemas de equa ções constitúıdo pela eq. (18) e por

    t v −t3 = 99, 99 (20)(note-se que ponto de fus ão do gelo e o ponto triplo da água não têm a mesma temperatura:t3 −t g = 0, 01 graus (Celsius ou da escala emṕırica dos gases).

    Para a temperatura emṕırica dos gases, a Eq. (15) passa a ser escrita na forma

    tgás = 273, 16 × limP 3 → 0P P 3 V

    , (21)

    sendo independente do g ás em causa. Desta equa ção conclui-se que existe um zero absolutode temperaturas emṕıricas dadas pelo termómetro de g´ as (tgás ≥0) uma vez que não hápressões negativas.

    Por outro lado, veremos mais tarde, como corol´ario da segunda lei da termodinˆamica,que é posśıvel denir uma escala de temperaturas que é universal e que se representa porT . Essa escala, chamada de temperaturas absolutas ou termodinˆ amicas, deve-se a Kelvin.Provaremos nessa altura que a escala emṕırica do term´ ometro de gás e a escala te órica deKelvin são coincidem:

    T = tgás . (22)

    A unidade SI é o kelvin, cujo śımbolo é K. O kelvin dene-se como sendo 1/273,16da temperatura termodinˆ amica do ponto triplo da ´agua. A rela ção entre a escala de

    temperaturas termodinˆ amicas, e a escala de temperaturas Celsius é dada pela seguintefórmula:

    t = T −273, 15 (23)uma vez que 273,15 é a temperatura do ponto de gelo. Uma diferen¸ca de temperaturas éindistintamente expressa em kelvin ou em graus Celsius.

    O term ómetro de gás serviu para mostrar que existe algo de fundamental e universalna propriedade temperatura . No entanto h á diculdades no emprego de tal género determ ómetros. O seu uso é moroso e não é posśıvel para todos os valores da temperatura.Como a temperatura termodinˆ amica só pode ser introduzida formalmente no quadro daSegunda Lei, antecipando desde j á que ela vai coincidir com a temperatura empı́rica dosterm ómetros de gás, vamos passar a designar esta última também por T .

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    3.4 Equa¸ cões de estado

    Vamos estudar equa¸cões de estado de sistemas P V T , tais como os uidos (gases eĺıquidos a press ão uniforme) e os sólidos. Em sistemas deste tipo, a equa¸cão de estado fazcorresponder a valores de press ão e volume um só valor da temperatura.

    Vimos na secção anterior que h á caracteŕısticas comuns a todos os gases quando sub-metidos a press ões muito baixas. De facto, o seu comportamento pode ser bem descritopela equação dos gases perfeitos. Esta equa ção constitui uma aproxima¸cão mais ou menosgrosseira ao comportamento dos gases reais. Outras equaç˜ oes de estado, como a de vander Waals, permite um melhor ajuste ` as observações experimentais relativas a um g´as epossui ainda o mérito de dar conta, pelo menos qualitativamente, de transi¸ cões de fase

    gás-ĺıquido.Contudo, as equa ções de estado mais adequadas na descri¸cão das subst âncias que

    ocorrem na natureza s ão bem mais complexas que as correspondentes aos dois modelosmencionados (g ás perfeito e de van der Waals).

    Vamos de seguida estudar equa¸cões de estado relativas a:1) Gases, no quadro da equa ção dos gases perfeitos.2) Fluidos, no quadro da equa¸cão de van der Waals.3) Ĺıquidos e sólidos.

    3.4.1 - Gases e a equaç˜ ao dos gases perfeitos

    Comecemos por notar que na equa ção dos gases perfeitos ou ideais

    P v = RT, (24)

    em que v = V/n é o volume molar, est ão reunidas três leis f́ısicas que s˜ao anteriores aoestabelecimento da termodinˆamica como ciência:

    a) Lei de Boyle (ou de Boyle-Mariotte)Aplica-se a processos isotérmicos. Se T =C te ,

    P v = C te , (25)

    sendo a pressão inversamente proporcional ao volume (a curva isotérmica num diagramaP V é uma hipérbole).

    b) Lei de Charles e Gay-LussacAplica-se a processos isobáricos. Se P =C te ,

    vT

    = C te (26)

    e o volume é directamente proporcional `a temperatura absoluta (a curva isob´ arica numdiagrama V T é uma recta que passa pela origem).

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    c) Lei de AvogadroEm condições PTN (press ão e temperatura normais, i.e. P = 1 atm e T = 273, 15 K),

    o volume ocupado por uma mole de um gás ideal é v = 22, 4 ×10− 3 m3 mol− 1, como é

    facilmente vericável.A equação dos gases perfeitos pode ser representada gracamente por uma superf́ıcie

    num espaço a três dimens˜oes cujos eixos coordenados são P , V e T . A Fig. 12 mostra asuperf́ıcie de estado de um g ás perfeito. Sobre essa superf́ıcie est ão indicadas curvas quedescrevem processos (reverśıveis, evidentemente) isotérmicos, isob´ aricos e isocóricos.

    Figura 12: Superfı́cie P V T para um g ás ideal.

    Estes processos est ão também representados na Fig. 13, em diagramas planos que s˜ aoobtidos por projec ção das linhas da Fig. 12.

    Figura 13: Projec ção da superfı́cie P V T para um g ás ideal sobre (a) o plano P V e (b) o planoP T .

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    O gás perfeito é uma primeira aproxima¸ cão à realidade complexa que é um g´as real,sendo essa aproxima ção tanto melhor quanto menor for a press˜ao. A Fig. 14 ilustra bem ofacto de o gás perfeito não ser mais do que uma idealização de comportamentos detectados

    experimentalmente. Nessa gura representa-se Pv/T em função da pressão e verica-seque esta quantidade se afasta do valor constante R mas tende para ele no limite de baixaspressões. O afastamento relativamente a R também é maior para menores temperaturas.O modelo de gás ideal é uma aproxima¸cão a um gás real tanto melhor quanto menor fora pressão e maior a temperatura.

    Figura 14: A quantidade Pv/T para um g ás real, para v´arios valores da temperatura, em

    função da press ão. Quando P → 0, Pv/T tende para um mesmo valor R, independentementeda temperatura. Para o g´ as ideal P v/T é a constante R.

    É posśıvel “deduzir”a equa¸cão dos gases perfeitos no quadro da teoria cinética dosgases que põe o foco no movimento molecular. A teoria cinética fornece uma especica çãomicroscópica do signicado de gás perfeito baseando-se no seguinte modelo:

    i) É um gás constitúıdo por um grande n´ umero de part́ıculas chamadas moléculas.ii) O movimento das moléculas obedece à lei de Newton.

    iii) As moléculas são pontuais.iv) Não existem forças intermoleculares a n ão ser no instante das colis ões, que seconsideram elásticas (i.e. processam-se sem perdas de energia cinética).

    A partir das quatro hip´oteses anteriores vamos mostrar como se pode chegar à equaçãodos gases perfeitos. Este estudo também servir´ a para alargar o conceito de temperatura,fornecendo-lhe uma interpreta¸cão microscópica.

    Consideremos uma caixa c úbica de aresta no interior da qual se encontram moléculasde massa m (Fig. 15). A pressão é devida ao embate das moléculas contra as paredes dacaixa. Designemos a velocidade de uma molécula por v = ( vx , vy, vz).

    No choque com a parede 1, que consideramos ser perfeitamente elástico, a componentesegundo o eixo dos xx da velocidade é invertida, enquanto as restantes n˜ ao são alteradas.

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    Figura 15: Recipiente c úbico contendo g´as a baixa press˜ao.

    Portanto, a varia¸ cão do momento linear da molécula devido ao choque na face 1 é

    ∆ p = pf − pi = −mvx −mvx = −2mvx (27)e, uma vez que há conservação de momento linear total, −∆ p é o momento linear trans-ferido para a parede.

    Se suposermos que a moĺecula bate na face oposta 2 e regressa a 1 sem colidir comqualquer outra part́ıcula, o tempo total entre duas passagens por 1 é ∆ t = 2vx . Logo, omomento linear transferido por unidade de tempo que, de acordo com a segunda lei deNewton, tem o signicado de uma for ça, é

    F = |∆ p|∆ t

    = mv2x . (28)

    A pressão é o quociente da força resultante, i.e. da for ça devida a todas as part́ıculas,pela área total da parede:

    P = 1

    2

    N

    i=1F i =

    m3

    N

    i=1v2x,i =

    mN 3 v

    2x = ρ v2x , (29)

    com v2x = 1N N i=1 v2x,i a média do quadrado da componente da velocidade segundo o eixo

    dos xx, e ρ a densidade do sistema ( mN é a massa total).Ora, o quadrado da velocidade é dado pela expressão v2 = v2x + v2y + v2z e, efectuando

    a média,v2 = v2x + v2y + v2z . (30)

    Como existe isotropia, quer dizer, como as propriedades do espa¸co são idênticas em todasas direcções, as componentes segundo os três eixos est ão em igualdade de circunst âncias,v2x = v2y = v2z e, portanto, v2 = 3 v2x . Da eq. (29) obtém-se

    P = 13

    ρ v2, (31)

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    A pressão é, pois, proporcional à densidade e à média do quadrado da velocidade dasmoléculas. Este resultado n˜ao depende da aproxima ção de ausência de colisões entre asmoléculas, sendo v álido se se considerarem colisões instant âneas e elásticas no interior da

    caixa.A equação (31) relaciona uma quantidade macrosc´opica, P , com uma quantidade

    microscópica, v2. A m de carmos com ideia dos valores das velocidades moleculares,tomemos o exemplo do hidrogénio em condi ções PTN. Nestas condi ções, a densidade dohidrogénio é ρ = 8, 99 ×10− 2 kg m− 3 e o valor da raiz média quadr´atica (raiz quadradada média do quadrado da velocidade) é

    vrmq = v2 = 3 P ρ = 1840 m s− 1. (32)A Tab. 3 mostra um conjunto de valores de velocidades moleculares médias corres-

    pondentes a diferentes gases. Estes valores s ão pouco superiores aos da velocidade do somnesse meio: por exemplo para o hidrogénio, a velocidade do som em condições PTN é de1286 m s− 1.

    Gás vrmq / m s − 1

    H2 1840He 1300O2 650Ar 410Vapor de benzeno 290Vapor de merc úrio 180Gás de electrões 100 000

    Tabela 3: Valores t́ıpicos de vrmq .

    Multiplicando a express ão (31) pelo volume obtém-se

    P V = 13

    ρ v2 V = 13

    Nm v 2 (33)

    que tem uma forma semelhante `a equação dos gases perfeitos. Se compararmos as duasequações (24) e (33) podemos encontrar um signicado de base microsc ópica para a tem-

    peratura de um g ás: 13

    Nm v 2 = nRT. (34)

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    Como N A = N/n , e denindo a constante de Boltzmann como a raz˜ao entre a constantedos gases perfeitos e a de Avogadro,

    kB = RN A = 1 , 381 ×10

    − 23

    J K− 1

    (35)

    obt́em-se13

    m v2 = kB T. (36)

    A energia cinética média de transla¸ cão de uma molécula é, por consequência, proporcionalà temperatura absoluta:

    12

    m v2 = 32

    kB T. (37)

    No mesmo modelo de gás ideal, em que há apenas energia cinética molecular e nenhuma

    energia potencial, verica-se que a energia total depende unicamente da temperatura.Neste caso, e só neste caso, pode identicar-se temperatura com energia cinética média,mas deve notar-se que esta não é uma denição de temperatura.

    3.4.2 - Fluidos e equaç˜ ao de van der Waals

    A equação dos gases perfeitos, no doḿınio da sua validade, pretende abranger todosos gases, pelo que a única constante que áı gura é a constante universal, R. A equaç ãode van der Waals pretende representar melhor o comportamento de gases reais, nela

    gurando dois par âmetros, aos quais s ão dados valores empı́ricos adequados para cadagás. As modicações introduzidas relativamente `a eq. (24) consistem na substitui¸cão dapressão e do volume por uma pressão e um volume efectivos denidos através de

    vef = v −b (38)P ef = P +

    av2

    , (39)

    com a e b constantes para cada gás. Ent˜ ao, de P ef vef = R T resulta

    P + a

    v2 (v

    −b) = R T. (40)

    Esta equa ção foi proposta em 1870 pelo f́ısico holandês J.D. van der Waals. Na Tab. 4listam-se os valores de a e b para algumas substˆancias em unidades tais que, em (40), P vem em N m− 2, v em m3 kmol− 1, T em K e R = 8, 31 ×103 J kmol − 1 K− 1.

    O lado esquerdo da Fig. 16 mostra uma superf́ıcie de van der Waals, com a indica¸ cãode curvas isotérmicas. A isotérmica desenhada com linha mais grossa est´ a representadano lado direito da mesma gura, onde também se mostra a isotérmica de um g´ as ideal àmesma temperatura..

    Das expressões (38) constata-se que o volume efectivo é menor do que o volume totalacesśıvel e que existe uma diferen ça entre a pressão efectiva e a press ão verdadeira, que

    37

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    a b

    Subst ância (J m 3 kmol− 2) (m3 kmol− 1)

    He 3, 44 ×103 0,0234H2 24, 8 ×103 0,0266O2 138×103 0,0318CO2 366×103 0,0429H2O 580×103 0,0319Hg 292×103 0,0055

    Tabela 4: Constantes a e b na equação de van der Waals.

    Figura 16: Superfı́cie P vT para um g ás de van der Waals, indicando-se o ponto cŕıtico, pc (veradiante). No lado direito representam-se isotérmicas de um g´ as de van der Waals e de um g´ asperfeito para uma mesma temperatura.

    é inversamente proporcional ao quadrado do volume espećıco molar. A raz˜ ao últimadestes factos pode tamb́em ser encontrada no quadro da teoria cinética dos gases. Omodelo de van der Waals difere do do gás ideal por se relaxarem as hip óteses iii) e iv)antes enunciadas para se deduzir a equaç˜ ao do gás ideal.

    Quanto ao item iii), o facto de as moĺeculas terem um certo volume faz diminuiro volume total dispońıvel para o movimento molecular. Este fen´ omeno é quanticadoatravés do parˆametro b, denominado covolume. Note-se que é devido à existência deforças fortemente repulsivas entre as moléculas que estas n˜ ao podem ocupar o espa çoumas das outras. A considera¸cão de uma molécula como uma esfera ŕıgida simula bemesse efeito.

    No que diz respeito ao item iv), a modica ção relativa à pressão é também f́ acil decompreender se se atender às forças atractivas entre as moĺeculas (ver Fig. 17 para

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    Figura 17: Energia potencial de duas moléculas em fun¸ cão da dist ância entre elas.

    claricar a distin ção entre forças atractivas e forças repulsivas). Uma molécula perto dasuperf́ıcie de um vaso tem muito mais moléculas vizinhas do lado do interior do vaso.Assim, nem todas as for ças atractivas a que est´a sujeita essa molécula se anulam, sendo oefeito total uma for ça que puxa a molécula da superfı́cie para o interior do vaso. A for¸caexercida pela molécula na parede é portanto reduzida, e a press˜ ao é concomitantementereduzida, relativamente ao modelo do g´as ideal corrigido pela introdu ção do volume nitodas moléculas. A diminui¸cão da pressão é proporcional à densidade do sistema, sendo oefeito mais notório para gases densos. A press˜ao de um gás denso é, pois, aproximada por

    P = R T v −b −

    av2

    , (41)

    em que o termo a/v 2 é chamado press ão interna. Repare-se que a press˜ao interna éproporcional ao quadrado da densidade e n˜ao simplesmente à densidade.

    Sendo a = 0 e b = 0 (as moléculas s ão tomadas como pontuais e desprezam-se as for çasatractivas entre elas), reencontra-se a equa¸ cão dos gases perfeitos a partir da equa ção dogás de van der Waals.

    A equação (40) transforma-se em

    P v3 −(P b + RT ) v2 + av −ab = 0 (42)que, para valores xos de P e T , é uma equa ção cúbica em v, que admite três raı́zes. S´ ouma das ráızes tem de ser necessariamente real.

    A Fig. 18 representa uma famı́lia de curvas isotérmicas de van der Waals num dia-grama de Clapeyron. Verica-se que, para baixas temperaturas ( T 1, por exemplo) há trêsráızes reais, para um certo intervalo de valores de P . À temperatura T c, denominada detemperatura cŕıtica, as ráızes reais são iguais. Acima dessa temperatura (à temperaturaT 2, por exemplo) há apenas uma raiz real.

    O ponto cŕıtico assinalado nas Figs. 16 e 18 (pc) é o ponto em que as três ráızesreais da equa ção (42) coincidem. Este ponto é simultaneamente um ponto estacionário

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    Figura 18: Isotérmicas para g´ as de van der Waals, com indica¸ cão do ponto cŕıtico, pc.

    (é nula a primeira derivada parcial de P relativamente a v) e um ponto de inexão (éigualmente nula a segunda derivada parcial da isot́ermica cŕıtica). Para temperaturasacima da temperatura cŕıtica, as isotérmicas s˜ ao curvas monotonamente decrescentes, ouseja, as suas derivadas s ão sempre negativas. Abaixo da temperatura cŕıtica, a curvaisotérmica mostra dois pontos estacion´ arios, sendo um mı́nimo local e outro um m´aximolocal.

    Para o ponto cŕıtico∂P ∂v T

    = 0;∂ 2P ∂v2 T

    = 0 . (43)

    De (41) vem

    ∂P ∂v T

    = − RT

    (v −b)2 +

    2av3

    (44)

    ∂ 2 P

    ∂v2

    T =

    2RT

    (v −b)3 − 6a

    v4 (45)

    pelo que RT c(vc − b)2 = 2av3c

    e 2RT c(vc − b)3 = 6av4c

    donde

    vc = 3 b

    T c = 8 a27 R bP c = a27 b2 ·

    (46)

    Obtiveram-se, assim, os valores das propriedades no ponto cŕıtico em fun¸ cão dospar âmetros a e b. Uma maneira de ver como a equação de van der Waals se afastada equa ção de estado de uma subst ância real, pelo menos no ponto cŕıtico, consiste emconsiderar a raz ão adimensional P c vc /R T c = 3/ 8 = 0, 375, que é independente de a e b

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    Subst ância P c vc /RT c

    He 0.327H2 0.306O2 0.292

    CO2 0.277H2O 0.233Hg 0.909

    Tabela 5: Valores experimentais de P c vc /RT c .

    (e, portanto, da substância considerada), e comparar com os valores obtidos experimen-talmente mostrados na Tab. 5.

    Conclui-se que para o hélio a diferen ça não é muito grande, mas para o merc´urio ela já é bem evidente.

    Cabe aqui fazer uma breve referência a outras equa¸cões de estado porventura maisadequadas à descrição de gases reais, nomeadamente a equa¸cão de Berthelot (1899), quedifere da de van der Waals pela introdu¸cão de uma dependência expĺıcita da temperaturana pressão efectiva,

    P + aT v2

    (v −b) = RT ; (47)e a equação de Dieterici (1899)

    P (v −b) = R T e− α/ (v R T ) . (48)

    A equação de van der Waals possui o grande mérito de permitir descrever, ainda quequalitativamente, transi¸ cões de fase de gás para ĺıquido e vice-versa.

    O estudo experimental detalhado da mudan¸ ca de fase ĺıquido–gás começou com umasérie de experiências relativas `a compressibilidade e à liquefacção do dióxido de carbonolevadas a cabo por T. Andrews em meados do século passado. As suas principais con-clusões foram as seguintes (ver Fig. 19):

    i) Acima da temperatura de cerca de 48 oC o CO2 assemelha-se a um gás perfeito;ii) A 31,1 oC não há liquefacção apesar de a isotérmica ser muito distorcida relativa-

    mente à de um gás ideal;iii) Abaixo de cerca