apontamentos para a história da revol riograndense 1893_005

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Wenceslau Escobar Apontamentos para a História da Revolução Rio-grandense de 1893 f l b" n COLEÇÃO TEMAS BRASILEIROS Volume 30 •IWM" r 5o, EditornUniversidade de Brasília i FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO

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Wenceslau EscobarApontamentos para a História daRevolução Rio-grandense de 1893

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n COLEÇÃO TEMAS BRASILEIROSVolume 30

•IWM" r5o,

EditornUniversidade de Brasília

i FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO

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Este livro ou qualquer parte delepode ser reproduzido por qualquer meio

sem autorização escrita do Editor

Impresso no Brasil

Editora Universidade de BrasíliaCampus Universitário - Asa Norte70.910 - Brasília- Distrito Federal

Capa: Arnaldo Camargo Filho

EQUIPE TÉCNICAEditores:

Lúcio Reiner, Manuel Montenegro da Cruz,Maria Rizza Baptista Dutra, Maria Rosa Magalhães.

Supervisor Gráfico:Elmano Rodrigues Pinheiro.

Supervisor de Revisão:José Reis.

Controladores de texto:António Carlos Ayres Maranhão, Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes,

Clarice Santos, Lais Serra Bátor, Maria Del Puy Diez de Uré Helinger, Maria HelenaMiranda, Monica Fernandes Guimarães, Patrícia Maria Silva de Assis, Thelma

Rosane Pereira de Souza, Wilma G. Rosas Saltarelli.

Ficha catalográfica:Elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília.

E74a Escobar, WenceslauApontamentos para a história da revolução rio-

grandensede 1893. Brasília, Editora Universidade deBrasília, 1983.

340 p. (Coleçâo Temas Brasileiros, 30).

981.65tsérie

981.071

SUMÁRIO

Prefácio

Introdução

CAPÍTULO I - Invasão

Tavares em Piraí.

3

7

91

CAPÍTULO II - Junção das forças de Tavares às de Salgado. Emigraçãodos revolucionários. Gumercindo em ação. 115

CAPÍTULO III - Gumercindo Saraiva sustenta a revolução em junho ejulho-Expedição do "Júpiter". 135

CAPÍTULO IV - Operações das forças dos Generais Gumercindo eSalgado desde que fizeram junção até transporem o rio Pelotas, divisaentre os estados do Rio Grande e Santa Catarina. 151

CAPÍTULO V - Operações da chamada divisão de Santana. 167

CAPÍTULO VI - Operações e fim do exército organizado pelo General173

CAPÍTULO VII - Operações do 2.° corpo do exército libertador rio-grandense a mando do General Luiz Alves Leite de Oliveira Salgado,após a invasão do estado de Santa Catarina e separação do l.° corpo deexército até seu desaparecimento do teatro da guerra. 195

CAPÍTULO VIII - Operações de forças revolucionárias que invadirampelo Alto Uruguai. 219

CAPÍTULO IX - Operações revolucionárias na região serrana. 233

CAPÍTULO X - Operações do corpo de exército do general Gumercindo. 249

CAPÍTULO X-A - Operações de corpo do exército do general Gumercindo(continuação) 271

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CAI'1'HJLO XI - A revolução na zona colonial do Alto Taquari. 293

CAPITULO XII _ A revolução nos municípios de S. Francisco de Paulado Cima da Serra e Taquara. 301

CAPÍTULO XIII - Terceira invasão. O Almirante Saldanha em campo. 307

CAPÍTULO XIV - Saldanha da Gama. 325

P R E F Á C I O

Perpetuar a memória de fatos que depõem contra nossa civilização, pare-ce ato de pouco patriotismo.

Esta consideração me fez vacilar, por momentos, na publicação destesApontamentos para a história da revolução rio-grandense de 1893, porqueessa história é bordada de um tecido de atrocidades cruéis, que envergonha-riam qualquer povo.

A reflexão mostrou-me o desacerto deste juízo, porque se todos se deti-vessem diante desse escrúpulo, não haveria história.

Não existiria essa mestra da vida, onde o homem vai haurir lições sobrea sua trajetória no planeta.

A humanidade teria de viver em trevas sobre o passado.

Os acontecimentos que a ilustram não seriam arquivados, nem os grandescrimes, que escapam à ação dos tribunais regulares, seriam sujeitos à sançãode sua inflexível justiça, última esperança dos enteados do direito, dos quecaem batendo-se contra a prepotência vencedora.

Ela é o plenário onde as gerações futuras, de ânimo calmo, julgam ossucessos humanos de maior relevância, aplaudindo os homens animados porgrandes e nobres paixões e estigmatizando aqueles que, dominados por sen-timentos malignos, ofendem a moral, transgridem o direito e violam as leisda humanidade.

O meu alvo é, justamente, trazer à barra desse tribunal os dois partidosrio-grandenses — federalista e republicano — a fim de que conhecidas as res-pectivas atuaçoes, tanto no terreno das ideias como das ações, possam os pós-teros julgar com mais segurança qual o responsável ou principal causantedessa grande desgraça, que, durante 30 meses, inundou de sangue o Estado,espalhando por toda parte ruínas e mortes. Descer, depois de julgá-los como

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•1 Wenceslau Escobar

(olctividades, à apreciação dos sentimentos, caráter e conduta de seus ho-mens de mais destaque, tanto na paz como na guerra, de modo que cada umcarregue com a responsabilidade de seus feitos meritórios ou infamantes,leais ou pérfidos, heróicos, humanos ou bárbaros.

Até hoje só escreveram, mais largamente, sobre esta revolução e quandoo calor das paixões estava longe de ser moderado ou extinto pelo tempo,partidários da legalidade, naturalmente interessados em desfigurarem e atéencobrirem fatos repulsivos, de negregada memória, que se hão de agarraràs carnes da facão vencedora como túnica de Nesso.

Não tenho a pretensão de escrever com absoluta isenção de ânimo: souhomem, tomei parte pelo coração e pelas ideias nessa lamentável luta fratri-cida. Procurei, no entanto, expor os fatos com a possível imparcialidade,limitando para isso, a meu favor, não só o quarto de século que já nos dis-tancia desse cruento sucesso, senão também a madureza dos anos, poderosocalmante para ajuizarmos dos acontecimentos com menos paixão e mais jus-tiça.

Como um dos principais, que justifica nossa atitude armada, aí estáainda vívida, triunfante — a Constituição rid-grandense — que há 28 anosnos reduziu ao papel de cristãos de uma Turquia comtista.

Hoje que o mundo procura modificar-se humanizando o direito sobuma forma mais equitativa e verdadeiramente evangélica, numa unidade doBrasil, entre irmãos da mesma família, o egoísmo partidário engendrou umamáquina constitucional para uso e gozo exclusivo dos seus, não se lembrandoque apenas são duráveis as obras que se fundam na justiça e na verdade.

Abrigada pela cumplicidade da União, com prejuízo de sua própria na-tureza orgânica, continua essa eclusa a antepor-se à realidade democráticano Estado meridional, até que um dia, iluminados os homens pela clarezade maior perfeição moral, vejam nessa obra uma felonia à Federação, umaparelho de poder unipessoal sob vestes liberais.

Nós, clamando sempre, até que chegue esse dia, continuaremos irredu-tíveis na defesa dos verdadeiros princípios, cuja razão os poderes superioresdii República reconhecem, mas, por fraqueza, têm em silêncio sancionadoema iníqua anormalidade.

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Não nos desviará deste rumo nem o ostracismo perpétuo, a que se noscondena, da gestão daquilo que também nos pertence, sendo esse, talvez, omaior padrão que nos há de justificar perante as gerações por vir.

Para melhor ajuizar-se a revolução rio-grandense, é indispensável terconhecimento de todos os sucessos que ocorreram no Estado, desde o adventoda República até rebentar esse movimento armado. Eis porque precedemosos capítulos que tratam, propriamente, dessa guerra civil, de uma introdu-ção narratória de todos esses sucessos.

O valor da história depende, principalmente, do perfeito conhecimentoda causa remota dos fatos, e, mesmo assim, é muito relativo, porque se suaslições aproveitassem no mundo, não seria tão grande o registro das loucurasdos homens e dos crimes das nações.

Seja como for, o que temos em vista é fornecer elementos à posteridadepara julgar com justiça esta convulsão social, sentenciando os homens pelassuas obras.

Não há estátuas nem mausoléus, erguidos aos maus à custa das dores elágrimas dos oprimidos, que valham a imortalidade dos bons, gravada, comoem lâminas de aço, nas folhas imperecíveis da história.

Wenceslau Escobar

Rio, Setembro de 1919.

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INTRODUÇÃO

I

No antigo regímen, a direção dos negócios públicos da ex-província doRio Grande do Sul era disputada pelos partidos liberal, conservador e re-publicano.

Ao ser proclamada a República, estava o partido liberal, dirigido peloDr. Gaspar Silveira Martins, conselheiro e senador do Império, no auge detodo o prestígio, senhor de todas as posições oficiais.

O partido conservador, desalentado por inconcussa e recente derrota, e,ainda, nesta deplorável emergência, cindido por ódios e rivalidades, cami-nhava, a largos passos, para completo desmantelo.

O partido republicano, posto que fraco em número, compunha-se, en-tretanto, de uma mocidade entusiasta e tenaz, vigorada pela sinceridade dasconvicções e pureza de moral política, ainda não contaminada pela male-volência da vida pública.

Na marcha evolutiva de nosso país por uma organização mais consen-tânea com a razão e a liberdade, era a impertérrita e abnegada vanguarda.

Apesar de derrotado no pleito cujo triunfo coube aos liberais, não se en-tibiou com o conservador; mais se estimulou na propaganda de seus princí-pios, na cruzada contra a monarquia, que já então começava a toma-lo asério.

Seguiu explorando com habilidade os erros e fraqueza desse regimen,assim como às classes armadas, as quais não se cansava de prodigalizar zum-baias e lisonjas, sobretudo a juventude que se destinava a carreira das armas.

A profissão de fé republicana, que, pouco antes do advento da Repú-blica, fizera a importante família Tavares, bem como grande número de

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N Wenceslau Escobar

conservadores, deu-lhe muita força moral, engrossando-lhe consideravelmenteas fileiras.

Tal era, ao ser proclamada a República, a situação dos partidos polí-ticos no Rio Grande.

II

Proclamado este novo regimen, foi nomeado o general Visconde de Pe-lotas governador do Estado. Os liberais, apeados, de improviso, de todas asposições, entregaram, a contragosto, a direção política e administrativa dosnegócios públicos.

Os conservadores fiéis à tradicional arregimentação política, aproveitan-do a ótima oportunidade, passaram a formar nas fileiras do partido repu-blicano.

Os arautos da ideia triunfante, que, enfaticamente, se deram a deno-minação de históricos, a quantos não faziam pública profissão de fé ou nãotinham sido partidários dos tempos da propaganda, excluíram, de modo sis-temático, de todas as funções públicas e eletivas. Até alguns daqueles quepouco antes de 15 de novembro tinham se declarado republicanos, alcançouesta odiosa exclusão. Ao invés de procurarem fraternizar todos os membros<la f amí l i a rio-grandense, conjurando dificuldades à consolidação da novaforma de governo, seguros do apoio da espada, cujo único domínio impe-rava, ameaçaram arrogantes com o brado mavórcio — "a guerra como naguerra", tratando como suspeitos todos quantos com alacridade não entoa-vam hosanas à nova ordem de coisas.

Enquanto governou o Visconde de Pelotas, não foram tão acentuados osefeitos da reação, porque o ilustre titular se recusava a aceder todos os pedi-dos reacionários, com que, diária e continuamente, importunavam os após-tolos da nova fé.

Convencidos de não poderem reagir como desejavam, abandonaram ohonrado general, justificando esse abandono, em manifesto dirigido ao RioGrande do Sul a 13 de fevereiro, "na invencível incompatibilidade de pensa-mento político e de normas administrativas" entre eles e esse velho servidordii Pátria.

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Começou, desde então, o nobre Visconde a sofrer, agravado pelo cru-ciante fel da ingratidão, os dissabores que lhe já iam causando a grande obrapara a qual tão eficaz e poderosamente tinha concorrido.

Logo após este rompimento, exonerou-se do cargo de governador doEstado. O desgosto produzido por esta primeira decepção, acrescido, talvez,por seu estado valetudinário; ou o escrúpulo, senão patriotismo, de, na oca-sião, cercar-se de auxiliares que acabavam de servir a monarquia; foram, semdúvida, os motivos que atuaram no ânimo do valente general para tão pru-dente quão acertada resolução.

III

Foi o Visconde de Pelotas substituído pelo general Júlio Anacleto Falcãoda Frota, que assumiu o governo a 11 de fevereiro de 1890.

Já a este tempo, o partido liberal, que, após a proclamação da República,conservou-se, durante dois meses, em cautelosa expectativa, sobretudo depoisque portaram seu chefe, tinha rompido em franca oposição à políticarepublicana.

A criação de pingues empregos para os diretores dessa política; os pró-dromos da reação cuja violência, claramente, se percebia pelo exagero parti-dário dos homens da incipiente instituição; a intolerância contra quantosruidosamente não lhes festejavam, logo tidos em conta de "inimigos daRepública"; foram as principais causas dessa memorável oposição, dirigidapelo laureado publicista Carlos Kozeritz, a qual, também, valha a verdade,o despeito alimentou.

O general Frota não criou dificuldades à reação pretendida pelos repu-blicanos, invocada como uma necessidade à consolidação da República.

As demissões, a cuja rasoira só escaparam os empregados do tesouro doEstado, foram gerais.

Os funcionários, que não renegavam de modo ostensivo as antigas cren-ças políticas, eram demitidos, por maiores e mais valiosos que fossem seusserviços. A justiça, junta ao prejuízo tio interesse público, não se levava cmconta; o que se queria, eram incondicionais. Só assim entendiam poder nionr ar a máquina para a segura vitória da eleição dos deputados !\*

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do que, com vivo empenho, sem atenção aos meios, com febril e nevróticoíiff i se cuidava.

Quase exclusivamente visando a este objetivo, com despejo de a todos1'a/iT pasmo, destoante dos jatanciosos qualificativos de "imaculados, regene-radores dos costumes e moral política", secundados pelo férreo regulamentoAlvirn , (1) procederam escandalosa qualificação eleitoral, donde excluirampara cima de trinta mil cidadãos contrários à nova política, tal como estavasendo inaugurada pelos diretores do partido republicanç rio-grandense.

Diversos eram os meios pretextados para essa acintosa exclusão, todos,porém, frívolos e até cínicos.

A velhos de barbas brancas exigia-se-lhes prova de maioridade; a reque-rentes nascidos e criados nos lugares onde se faziam os alistamentos, atestadode residência de mais de ano; a outros, cheios de circunspecção, notoriamenterapazes, no intuito de afugentá-los pelo ridículo, pretendiam as juntas fazê-!os passar por exame de leitura e escrita; ainda a um grande número, o maisconsiderável, deferia-se-lhes as petições, mas atinai, na relação dos qualifi-cados, não apareciam seus nomes.

Recorrer destas arbitrariedades era trabalho improfícuo, porque haviapor parte da maioria das autoridades republicanas, na generalidade nomea-da entre os partidários mais exaltados, o propósito firme de esbulhar da fun-ção do voto o maior número possível de adversários, meio infalível de vitória.

Aos chefes locais, amigos da situação, tudo se facilitava: uma simplesindicação de nomes de cidadãos tidos em conta de companheiros, bastava,para sem a mínima exigência, serem incluídos nas listas eleitorais.

Estas iniqúidades praticadas por homens que alardeavam um puritanis-mo sem jaca; este exclusivismo irritante de uma grande massa, senão maio-ria dos cidadãos do Estado, da gestão dos negócios públicos; esta intolerância,Jevada a excesso, que dividiu o povo rio-grandense em vencidos e vencedo-res; foram, aos poucos, indispondo o espírito público contra o partido repu-

(I) C Í I K O ou seis anos depois da publicação deste regulamento, o próprio snr. C.Alvlm, t|uc fez parte do Governo Provisório, declarou pela imprensa que, no seio do gabi-nclr, ua emendas vencedoras que conferiram ao governo, por meio de agentes de sua livreencolha, a organização das mesas eleitorais, foram de seu colega Campos Sales; que sua opi-nião foi manter melhorado o processo eleitoral da lei — Saraiva.

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blicano. Fingindo ou, realmente, não dando fé ao alcance deste estado daalma da coletividade, não obstante de importância capital nos países livres,a ação do governo do general Frota, que quase se limitou a curar dos apres-tos para a luta eleitoral, foi, apenas, contrariada pela concessão do privilégiodo porto das Torres ao Dr. Trajano Viriato de Medeiros, a despeito do ala-rido em contrário levantado.

Conjurada, afinal, pelo silêncio esta contrariedade, cuja má impressão,sequer, ainda de todo não estava desfeita, já outra, de maior monta, sobrevi-nha, oriunda da criação do Banco Emissor do Sul.

A fundação desta instituição de crédito era favorecida por amplas con-cessões privilegiadas, que, postas em prática, causariam a morte de quasetodas as nascentes indústrias rio-grandenses e tornariam impossível o desen-volvimento de outras. No louvável empenho de as defender, os diretoresda política republicana opuseram-se, tenazmente, a seu funcionamento noEstado, mas, conquanto tivessem mandado ao Rio um emissário entender-sea respeito com o general Deodoro, nada conseguiram.

Exaustorados, assim, na questão, a ponto de só terem ciência da instala-ção do Banco por comunicação dos gerentes, sentiram-se fundamente magoa-dos, e tanto o governador como os auxiliares, em cumprimento do protestoque, se não tossem atendidos, tinham feito, abandonaram o poder.

A 9 de maio, em novo manifesto dirigido ao Rio Grande, explicaramos pormenores deste incidente e justificaram, perante os correligionários, aatitude política assumida.

Saudados pelos amigos em manifestação pública na noite do dia destaresolução, Júlio de Castilhos, que já, então, era tido pelo principal diretorespiritual do partido republicano, disse, com soberba altivez, que assim sóprocediam aqueles que tinham por objetivo o bem público, a grandeza deuma República honesta, pois, de outro modo, não teriam a heróica abnega-ção de desprezar o poder, "atirando os altos cargos que ocupavam pelasjanelas do palácio".

IV

Em substituição ao general Frota foi nomeado o Dr. Francisco da Silvalavares, que tomou posse do governo do Estado a 6 de maio de 1890.

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Não era dos genuínos, mas tinha se declarado republicano antes da quedada monarquia. O exclusivismo dos históricos em relação a quantos tinhamo pecado original de não ser puros, trazia-o algo arredio e desgostoso, em-bora a respeito procurasse guardar mal dissimulada discrição.

Os pedidos de demissões, quase gerais, pelas autoridades republicanas,tornaram-lhe espinhosa a tarefa de organizar governo. Sem apoio no par-tido republicano, nem no Hberal, não podia administrar o Estado.

Acreditamos, entretanto, que este obstáculo seria conjurado, bastandopara isso refletir na versatilidade dos fracos e no pendor natural de seus com-panheiros de origem conservadora, que ora militavam nas fileiras republi-canas.

Estas duas circunstâncias concorreriam para, dentro de pouco tempo, terapoio em uma agremiação, que, sem ser forte, seria causa imediata de considerável enfraquecimento do partido republicano, porque de seu seio sairiaquase todo o pessoal para a constituição da nova facção, que, porventura,formasse o dr. Tavares. Ou fosse por isso, ou arrependimento de terem aban-donado o poder, ou, rnais provavelmente, por uma e outra coisa, o que écerto é que os pró-homens do partido republicano, desde o primeiro dia doabandono do poder, começaram a conspirar para, de novo, empolgá-lo, adespeito da simulada abnegação de terem-no "atirado pelas janelas do pa-lácio".

íntimos da mocidade académica que se destinava à carreira das armas,cujo espírito tinham habilmente doutrinado em Porto Alegre; afeiçoadosdo comandante do distrito, que, por cálculo ou fraqueza, não reagiu contra oplano de revolta em expectativa; assentaram na deposição do dr. Tavares.

Três ou quatro dias antes de verificar-se este fato, era tema obrigado detodas as palestras, mas pouco, pela novidade, se lhe dava crédito.

Paia levá-lo a efeito, urgia um pretexto, à sombra do qual pudesse aloiça armada coonestar a intervenção.

Estava-se a 13 de maio, a grande data do aniversário da abolição doelemento servil. Comemorando este glorioso acontecimento de nossa histó-ria, tocava uma banda de música à frente do edifício da sociedade Uniãoftnpitblícana.

Apontamentos para a História da Revolução Rio-grandense de 1898 l H

Os boatos da deposição do governador continuavam a correr com insis-tência, chegando, mesmo, a afirmar-se que seria levada a efeito, nessa noite,pelos alunos da Escola Militar de parceria com populares.

Dando ouvido a esses dizeres alarmantes, o chefe de polícia, com o louvável mas erróneo intuito de prevenir qualquer ocorrência desagradável,mandou, amistosamente, pedir ao presidente da referida sociedade, então, odr. João de Barros Cassai, para retirar a música da frente do edifício, po-dendo fazê-la tocar no interior.

Barros Cassai, cuja mira foi sempre mais o brilho efémero das aclamaçõespopulares que a exata compreensão dos deveres de homem público, e, comorepublicano, buscava pretexto para realizar o plano da premeditada depo-sição, respondeu: a autoridade manda, não pede.

Em vista desta resposta altaneira, foi a música intimada a retirar-se dafrente do edifício. Desobedecida, a autoridade foi obrigada a fazer-se respei-tar pelo emprego da forca.

Com este objetivo aproximou-se do lugar onde locava a música, pontoprincipal da reunião popular, uma pequena força de infantaria de tropa delinha, que foi recebida debaixo de vivas, provavelmente no intuito de veremse com louvores e lisonjas dissuadiam-na do cumprimento do dever. Surdaàs aclamações e continuando a ser desacatada a intimação, deu o comandantevoz de fogo.

Atirar sobre uma massa inerme de povo, é, sem dúvida, uma brutali-dade; foi, entretanto, o único modo de ser obedecida a intimação.

Estabeleceu-se, como era natural, extraordinária confusão: as casas denegócio, próximas ao teatro desta ocorrência, fecharam as portas; o povo,espavorido, fugiu em todas as direcões. Desfeita a aglomeração, três corposjaziam por terra. Barros Cassai e mais dois obscuros cidadãos foram alcan-çados pelo projétis das "combiains".

O primeiro se restabeleceu completamente, só falecendo um dos popu-lares.

Estava dado o pretexto para a deposição do dr. Tavares!

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M Wenceslau Escobar

I)eu-o Barros Cassai com o risco da própria vida, pelo que foi aclamadoo herói do dia, o intemerato republicano, o cavaleiro "sans peur et sans re-proche".

Os alunos da Escola Militar, que, em crescido número, achavam-se nolugar da reunião popular, e, dos quase, muitos sabiam do plano combinado,correram pressurosos à Escola, aonde nessa noite entre os chefes do partidorepublicano, comandante do distrito, diretor e lentes da Escola e comandantesdos batalhões licou resolvida a deposição do governador do Estado, sob opietexto de evitar-se derramamento de sangue. Cerca de uma hora da ma-drugada do dia 14 de maio, postados à frente do palácio do governo doisbatalhões e seis peças de artilharia, guarnecidas por alunos da Escola, foio dr. Tavares intimado a abandonar o poder.

Seguramente por não achá-lo digno da luz do dia, procurou, esse contin-gente do exército brasileiro, ocultar nas sombras da noite, na escuridão silen-ciosa das trevas, esse ato subversivo da ordem e de nefasta indisciplina.

Além de tudo, para depor um homem rodeado apenas por três ou quatro-amigos inermes, tamanha ostentação de forca!

Foi a primeira deposição que houve no incipiente regimen republicano.

Estava aberto o precedente.

V

Nessa mesma noite, conforme o acordo preestabelecido, assumiu ogoverno o general Carlos Machado Bittencourt, comandante do distrito.

O povo não teve interferência alguma nesse extraordinário acontecimen-to, cuja notícia foi recebida, na manhã do dia 14, com geral surpresa.

Carlos Kozeritz, o inteligente jornalista que, diariamente, desferia pelas(olunas da "Reforma" certeiros golpes contra os exageros da política repu-blicana, sofreu, por esta ocasião, duras violências.

Preso nas Pedras Brancas, onde se achava, esteve sempre, durante a pri-são, (!<• sentinela à vista, à qual, mais por escárnio que intenção homicida,íimeacava-o, de quando em vez, apontando-lhe a arma ao peito.

Apontamentos para a História da Revolução Rio-grandense de 1893 1,5

O desespero das filhas ,a cujos olhos parecia eminente o risco de vidade» velho e extremoso pai, devia-lhe aumentar a aflição.

Este abalo moral sofrido pelo ilustre escritor agravou, consideravelmente,seu já precário estado de saúde, precipitando-lhe a morte, que teve lugar a30 de maio, no mesmo dia da publicação, no jornal de que era redator, deminuciosa exposição das violências e vexames de que fora vítima.

A incerteza de ser este atentado contra a autoridade constituída apro-vado pelo chefe do governo provisório, atribulou, por algumas horas, o novogovernador; afinal, na tarde do dia 14, recebeu ordem de conservar-se nogoverno, uma vez que o assumira para garantir a tranquilidade pública.

O general Deodoro, certo de serem os autores deste condenável princípiode anarquia os cabeças do partido republicano, mostrava-se reservado. Eles,percebendo a frieza, e, na dúvida de merecerem, de novo, suas boas graças,fizeram o dr. Júlio de Castilhos embarcar para o Rio, a fim de, pessoalmente,entender-se com o ditador. Enquanto os republicanos, sem perda de tempo,envidavam todos os esforços para seguro êxito deste lance político, o dr.Tavares limitava-se apenas a mandar um emissário, sem nenhuma represen-tação, fazer o histórico do ocorrido.

O certo é que no fim de poucas semanas, radiante de alegria, estava odr. Castilhos de volta, conseguindo, afinal, que passasse à ordem dos fatosconsumados a deposição do delegado do ditador. É possível que, se houves-se mais atividade por parte do dr. Tavares, o incauto general não sancionasseesse ato de rebeldia contra sua autoridade.

Durante o governo do general Machado Bittencourt, apenas de 10 dias,nada ocorreu de notável; sua administração foi simplesmente de expediente.

VI

A 24 de maio assumiu o governo o general Cândido Costa, homem alheioao manejo de negócios políticos e completamente cego em matéria de admi-nistração.

Os republicanos trataram logo de festejá-lo, porque sem absoluta certc/.adas instruções que trazia, pensaram, e quiçá bem, que com finezas predispo-riam a seu favor o espírito do inexperto general.

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l (i Wenceslau Escobar

Por este tempo, em princípios de junho, os chefes do partido liberal, a1'amília Tavares, seus amigos e raros republicanos histórico.';, formaram a agru-pação política que tomou o norne de União Nacional. Esta agremiação departidários de diferentes matizes, na maioria composta de cidadãos áditos aopartido liberal, cujo nome desde então desapareceu, adotou, em síntese, oseguinte programa, publicado a 8 de junho:

"Manter a ordem, as liberdades públicas, a integridade nacional, em uma época em que tudo era perturbação, perplexidadee aventura. Viver corn o povo, para o povo e pelo povo, semcompromisso com nenhum governo, apoiando os atos acertados ecensurando os que lhe parecessem contrários ao bem público.Finalmente afirmava que não era um partido que viesse disputara outro partido a preeminência na opinião ou na posse do ofi-cialismo."'

O general Cândido Costa, certo do apoio dos republicanos, que não secansavam de incensá-lo e com os quais ia governando, sem, todavia, hosti-lizar a União Nacional, cujas boas graças procurava conquistar, conseguiu,por alguns dias, obstar a atitude hostil desta coletividade. Fazendo deci-dido empenho por lhe captar o apoio, apelava para o patriotismo dos dire-tores. Foi corrente nada ter conseguido da maioria, constando, entretanto,que alguns de seus membros, entre outros o Visconde de Pelotas, estavamdispostos a entrar em acordo com o delegado do general Deodoro, chegan-do, mesmo, a tomarem o compromisso de levantar sua candidatura à presi-dência da República, o que não se efetuou, segundo foi voz pública, emrazão de ter o governador, no dia deste compromisso, recebido de CesárioAlvim, ministro do governo provisório, telegrama comunicando a nomeaçãodo dr. Júlio de Castilhos para vice-governador. Não fora isto, o Viscondedo Pelotas teria provocado cisão na agremiação política de que era um doschefes e exposto a um desar a parte que. por ventura, o acompanhasse.

Este telegrama clareou a situação.

De então por diante, o órgão da União Nacional, que durante estasnegociações guardou silêncio, rompeu em franca oposição.

Pouco depois destes sucessos, chegou, na primeira década de agosto, deregresso do Rio, o dr. Júlio de Castilhos, que, imediatamente, proclamouíi candidatura do general Deodoro ao posto de primeiro magistrado da

Apontamentos para a História da Revolução Rio-grandense de 1893 17

República. Foi esta a principal condição, patente a todos os olhos, para.de novo, ser entregue ao partido republicano a direção dos negócios públi-cos do Estado.

Esta candidatura proclamou-a em discurso público, após solene afir-mação de estar feita a República, fato que negara dois meses antes, quandoo general Frota e amigos abandonaram o governo.

O que de tudo ficou evidente, foi que tanto os republicanos, como aminoria dos diretores da União Nacional, de preferência, só miravam, comotodos os partidos políticos, o poder, entrando as ideias, neste objetivo, comoelemento de ordem secundária.

Afinal, foram, como era natural, no momento, preferidos pelo ditadoros republicanos da propaganda.

Conjurados estes obstáculos e seguros da estabilidade na direção dosnegócios políticos e administrativos do Estado, voltaram toda a atenção paraa eleição dos deputados à constituinte, prestes a realizar-se.

Foi por esta ocasião que, tratando-se de confeccionar a chapa oficial, odr. Barros Cassai opôs-se à inclusão de seu nome no número dos candidatos,apesar de instado e rogado pelo dr. Júlio de Castilhos, já então apontadocomo chefe do partido republicano. Segundo uns, esta resolução foi ditadapela transgressão do princípio da eleição prévia; segundo outros, pelo com-promisso da eleição do general Deodoro. A não ser a vaidade de fazer-seeleger sem figurar na chapa oficial, o dr. Cassai foi correto; o único modode ter liberdade de ação era não tomar um compromisso de tal natureza.

Desde este tempo, agosto de 1890, tornou-se dissidente um grupo derepublicanos históricos, guiados por Demétrio Ribeiro, Aritão de Faria eP.arros Cassai, os quais, como este, não se pronunciaram, francamente, senãodepois de eleitos.

A União Nacional estava resolvida a pleitear a eleição, chegando paraisso a publicar a chapa dos candidatos. Convencendo-se, porém, da impos-sibilidade da luta, já por não ser permitido pelo regulamento Alvim a fis-calização das mesas eleitorais, compostas exclusivamente de adeptos incon-dicionais da situação, já pela exclusão de seus partidários da qualifica<;ÍU>fraudulenta feita pelos homens do novo regimen, aconselhou aos amigos, cm

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manifesto público, pouco antes da eleição (15 de setembro), a completaabstenção das urnas.

Nada, pois, houve de extraordinário no pleito; todos os candidatos fo-rain eleitos por grande número de votos!

Delegado de um governo revolucionário, cujo interesse imediato eralegalizá-lo, limitou-se a administração de Cândido Costa, como a de todosos antecessores, além dos despachos de mero expediente, a trabalhos eleito-rais, colocação de amigos, criação de empregos e franca distribuição depostos da Guarda Nacional.

O procedimento dos históricos estava em manifesto desacordo com opuritanismo que alardeavam; não restava mais dúvida ao espírito públicode que os "tais novos moldes", dos quais se diziam portadores, em nada eramsuperiores, àqueles cujos últimos clarões apagaram-se a 15 de novembro.

Os repetidos atentados às liberdades públicas juntos à falta de escrúpulona prática de atos administrativos, iam desacreditando a nascente instituição,com formal prejuízo dos homens que a preconizavam.

Para este resultado concorreu também com igual, senão maior força, aanarquia que, em geral, reinava em todo o país, sobretudo na Capital Fe-deral, onde, com a ruína das finanças da República, se esbanjavam louca-mente os dinheiros públicos; se faziam irrefletidas e escandalosas concessões;ruidosas promoções no exército e na armada por aclamações nas praças pú-blicas; onde, finalmente, a avidez de ganância, ostentação e luxo preocupa-vam todos os espíritos, corrompiam caracteres e aviltavam de modo pavo-roso a generalidade das consciências.

À vista desta desorganização que levavam os negócios públicos, e, noEstado, da fera intolerância dos diretores da política republicana, a opo-sição, sentindo-se prestigiada por incontestável força moral, dia a dia, ganha-va terreno, tomando também incremento o grupo dissidente de republicanoshistóricos.

Depois de oito meses de governo, que, sem um único fruto benéfico, sófomentou ódios e rivalidades, passou o general Cândido Costa a administra--lo do Estado, em fevereiro de 1891, ao dr. Fernando Abbott.

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VII

O novo governador revelava-se partidário exaltado, como sói aconteceràqueles que, militando num partido, passam depois a servir nas fileiras deoutro. Naturalmente, para darem arras da sinceridade do novo compromis-so, em geral, todos, em idênticas circunstâncias, se mostram "mais realistasque o rei".

O dr. Abbott nada entendia de administração, cuja matéria, a julgarpelos fatos, nunca fez objeto de seus estudos, nem antes nem depois daRepública. Vivia numa das cidades do interior do Estado, onde se entre-gava aos labores de sua clínica e um pouco aos cuidados da indústria pasto-ril. Não fora a extremada paixão partidária, sempre inimiga da justiça,nada obstava a que fizesse uma boa administração, porque, afinal, era ho-nesto, inteligente, ameno no trato e insinuante, qualidades que, para o caso,de muito lhe poderiam valer.

Contra essa expectativa, porém, não só se antepunha a anormalidadedos tempos, mas igualmente o difícil encargo para cujo desempenho pareciater sido escolhido a dedo, naturalmente por saberem de quanto nele eracapaz a violência das paixões.

Esse encargo era presidir as eleições para deputados à constituinte doEstado.

A União Nacional, ou seduzida pelas promessas de modificações noignominioso regulamente) Alvim; ou porque se tratasse da constituição 'doEstado, acontecimento que por sua importância interessava todos os rio-grandenses; ou, o que é mais provável, por uma e outra coisa, dispôs-se,unida e forte, a concorrer às urnas.

O partido republicano, no aparelhamento dos negócios públicos parafirmar unidade de direção, gerou despeitos, feriu interesses, direitos adqui-ridos à sombra da lei, praticou injustiças. Estas incoerências, erros, perse-guições e violências contra os adversários, tinham-lhe acarretado consideráveldesprestígio, de modo que, mesmo a despeito da fraudulenta qualificação,não era fácil a vitória. Reconhecendo esta dificuldade, o dr. Abbott nãotrepidou no emprego de todos os meios para o triunfo.

Distribuiu aos milhares, de uma maneira assombrosa, em arrebatamen-tos de uma loucura verdadeiramente vertiginosa, galões de oficiais da Guiird»

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Nacional, sem embargo de, no tempo da monarquia, ser este meio de an-gariar prosélitos, qualificado pelo órgão do partido — "instrumentum regni"da corrupção. Embora fosse um meio gasto de captar votos, todavia, erasempre uma distinção lisonjeira, predispunha os vacilantes, e um que outroespírito fraco se conservava neutro ou francamente abandonava as fileirasda oposição.

A instrução pública também foi convertida em instrumento eleitoral.Criavam cadeiras à discrição, para as quais só eram nomeados cidadãos comcujos votos o governo pudesse contar. Não se indagava de condições decapacidade; tratava-se de garantir, pela dádiva do emprego, um ou maiseleitores. Por esta forma foram nomeados para o magistério muitos indi-víduos que nem moral, nem intelectualmente estavam na altura do cargo.

Os professores vitalícios, cujos princípios políticos não inspiravam con-fiança, a fim de se lhes obstar o voto, eram removidos para lugares distantesdonde estavam qualificados. Tal foi o açodamento, o desespero à caça devotos, que todos os ramos do serviço público foram, mais ou menos, anar-qui/ados, porque a torto e a direito nomeavam-se empregados e criavam-seempregos; nenhum o foi, porém, tão profundamente como a instrução pú-blica, cujas cadeiras pareciam ter sido postas em almoeda por quem maisvotos desse.

Para dar conta da empreitada eleitoral, nada respeitou o dr. Abbott:tradições, moral, justiça, leis, tudo desaparecia diante a arbitrária impetuo-sidade de seu génio arrebatado; nenhuma consideração o detinha, quandotratava de ganhar um voto ou aplainar qualquer dificuldade.

A União Nacional trabalhava com empenho; empregava ingentes esfor-ços na reunião de elementos para a luta. Explorava com acrimônia os des-mandos e erros da nova situação; descarnava sem piedade a incoerência dospropagandistas republicanos, cujas teorias e promessas de liberdade estavamcm manifesta contraposição com os fatos. Por outro lado, não era menor,talve/, mesmo, tivesse mais autoridade, a enérgica e tenaz campanha quelambem Ia/iam os dissidentes históricos, igualmente, dispostos a concorre-rem 'MI pleito.

A medida dos meios empregados pelo dr. Abbott, a fim de evitar quelhe fosse hostil o pronunciamento das urnas, correspondia aos desesperados

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esforços da oposição. Nada o fazia recuar neste empenho, que, a julgar pelosatos, parecia de vida ou de morte.

Data deste tempo, poucos dias antes do pleito, a criação do partido fe-deral, formado da junção da União Nacional, cujo nome desde então desa-pareceu, com o grupo dissidente histórico. (2)

A formação deste partido foi mais uma medida de ocasião que conse-quência natural de comunhão de ideias.

É verdade que os representantes destas duas agremiações assinaram umprograma, mas o qual nunca os adeptos da União Nacional podiam subs-crevê-lo convictos. Partidários, até então, da divisão do poder público, tudoquanto fosse negação deste princípio, não deviam aceitar, salvo uma mila-grosa conversão coletiva em cuja sinceridade não se podia acreditar. Entre-tanto, no aludido programa, essa divisão foi quase extinta.

A possibilidade da vitória, tornando-se fortes pela união, tal foi o obje-tho principal, senão exclusivo, desta liga.

É inegável que, nesta transação, os dissidentes históricos foram mais há-beis que os diretores da União Nacional. É possível que estivessem conven-cidos nada conseguir quanto à fusão de ideias, mas, como as não sacrifica-vam, nenhum desaire lhes poderia advir, porque tinham tudo a ganhar enada a perder.

O mesmo não podiam dizer os representantes da União Nacional, por-que subscrevendo um programa de tal natureza, feriam de morte as ideiasfundamentais do partido, tornando por isso difícil, senão impossível, a fielexecução desse compromisso. Realmente embaídos, ou por cálculo, de qual-quer maneira levaram a pior.

Assim unidas as duas parcialidades políticas, cujos inevitáveis atritosforam, temporariamente, sustados pelas preocupações eleitorais, concorreramàs urnas com a denominação de partido federal.

A 5 de maio realizaram-se as eleições e a ninguém surpreendeu a vitóriacompleta do governo.

(2) Partido federal do Rio Grande precedeu ao partido federal republicano crliidopelo snr. F. Glicério e outros pró-homens da República; o jornal daquele partido, porém,só em 1896 inscreveu no frontespício a divisa — "órgão do partido federalista".

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Foi o que, mais ou menos, se esperava, uma farsa eleitoral.

A absoluta totalidade das mesas compostas exclusivamente de partidá-rios do governo não admitiam, com raríssimas exceções, fiscalização.Nestas condições, apuravam discricionariamente votos para os candidatos ofi-ciais, embora dados a candidatos da oposição. Algumas houve, cujo proce-dimento foi tão desonesto, que apuraram mais votos que o número de elei-tores qualificados na respectiva sessão. Muitas, na impossibilidade deevitarem a derrota, deixavam de se reunir, frustrando por esse modo a elei-ção. Em uma das sessões eleitorais da própria capital, tal foi a falta depejo, que, na ocasião da votação, a polícia arrebatou violentamente a urna,tudo com ciência, senão instrução do governador, que nenhuma providênciatomou para punir os culpados deste atentado. Como se não bastassem astropelias e fraudes praticadas pelas mesas eleitorais, ainda, por sua vez, omesmo faziam as juntas apuradoras dos municípios, completando a obradaquelas.

Foi este o mais eloquente sinal precursor da liberdade política, queprometia o novo regímen!. . .

Enfim, estava concluída a representação desta farsada.

A generalidade dos deputados eleitos, animados, sem dúvida, das me-lhores intenções, não tinham, entretanto, conhecimentos especiais para de-sempenhar o mandato de constituintes. Na impossibilidade, por isso, deajuizarem com segurança técnica o projeto constitucional que fosse apresen-tado, tinham de submeter-se à voz predominante da assembleia, a de Júliode Castilhos.

A maior parte dos que possuíam conhecimentos para colaborar com maisconsciência nesse trabalho, faltava independência, intransigência na defesados princípios verdadeiramente democráticos. Poucos, muito poucos, sempensamentos preconcebidos, pareciam compreender que a constituição deum povo deve ser o paládio de suas liberdades, e não alavanca de segurançapartidária.

Um mês após a eleição instalou-se a assembleia, sendo-lhe presente oprojeto de constituição assinado pelos drs. Ramiro Barcelos, Assis Brasil

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e Júlio de Castilhos, mas, em realidade, obra puramente exclusiva do últimosignatário. (3)

Em matéria constitucional este trabalho era o único no género!

Seu autor, não só para desarmar os republicanos históricos dissidentes,que viviam a preconizar a sabedoria dos princípios da política positiva deAugusto Comte, mas também para agradar o elemento militar, onde esta-vam muito em voga esses princípios, tratou de modelar, embora de modoimperfeito, o projeto de constituição pelo sistema político ideado por estefilósofo. Tal obra era, pois, a consagração da preconizada dictadura scien-tifica, o supremo ideal político da poderosa mentalidade do sábio de Mont-pellier.

Realmente, a divisão do poder público, nesse estatuto político, era quasenula. O papel da câmara dos representantes limitava-se unicamente a de-cretar despesas e a criar fontes de receitas; era uma simples câmara orça-mentaria, segundo a tecnologia comtista. Ao representante do poder executi-vo, o primeiro magistrado do Estado, cabia a iniciativa de todas as mais leis,que interessassem a prosperidade e bem-estar da família rio-grandense, asquais só podiam ser revogadas mediante representação da maioria das inten-dências municipais.

Por um tal sistema constitucional ficava o presidente investido de gran-de soma do poder público; era quase, senão, um ditador, cuja atribuição iaaté nomear seu próprio substituto legal.

Esta obra, pondo em evidência o espírito de seita, quadrava-se, perfeita-mente à natureza autoritária do dr. Júlio de Castilhos.

Conquanto o patenteasse estadista divorciado da República,' cuja nega-ção ela era, prestava-se como excelente instrumento para realizar o objetivoque jamais perdeu de vista — fortalecer seu partido — sobretudo por terquase certeza de eleição para o cargo de primeiro magistrado do Estado.

Enfim, para governar sem dar contas à opinião, pois tanto vale sujeitarà revogação de leis a maioria de municípios, cujos representantes são, em

(3) Segundo as versões da época, Miguel Lemos, o chefe brasileiro da escola positivade Augusto Comte, e Teixeira Mendes, outra sumidade desta escola, não foram estranho» ueste trabalho, o que é bem acreditável, porque muitos de seus artigos são copiadoí textual-mente do projeto de constituição republicana organizado pelo apostolado posItlvlMi.

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regra, cidadãos iletrados, o estatuto político rio-grandense é o mais bemideado embuste democrático.

Esta constituição sui generis, "primeiro monumento de sabedoria doocidente", como lha chamaram os comtistas, submetida à discussão, passouquase intacta em 18 dias, apenas com o protesto de meia dúzia de deputados,entre estes o dr. Lacerda de Almeida, emérito jurisconsulto, Francisco Mi-randa e dr. Álvaro Batista.

Em reserva alegavam que a causa deste atropelo na discussão era otemor da morte do presidente da República, cujos incómodos de saúde, poreste tempo, tinham se agravado.

O receio, nesta hipótese, da superveniência de acontecimentos políticosque demorassem a constituição do Estado, sugestionado pelo dr. Júlio deCastilhos, foi causa da precipitação da assembleia, que favoreceu seus in-tuitos, não só apressando a aprovação dessa obra ditatorial, mas também suaeleição à presidência do Estado.

De qualquer modo a assembleia foi mistificada, desviou-se da doutrinarepublicana, porque os princípios de direito público universalmente aceitoscomo bases fundamentais da constituição de um povo livre foram em gran-de parte deturpados.

Seguiu-se à aprovação da lei orgânica do Estado a eleição para o cargode primeiro presidente constitucional do Rio Grande, sendo, unanimemente,eleito pela assembleia, no dia 14 de julho de 1891, como "a priori" já sesabia, o dr. Júlio Prates de Castilhos.

VIII

No dia seguinte, sob festivas e ruidosas aclamações, começou o períodogovernamental do novo presidente. Era, fora de dúvida, senão a primeira,uma das figuras mais preeminentes do partido, não tanto pelo talento, comopela relevância dos serviços, força de vontade, intransigência e contração aotrabalho.

Como, porém, havia da mais humilde aldeia à mais rica e florescentecidade predisposição para a revolta e não associasse a prudência ao tato dehábil timoneiro para evitar escolhos, dificilmente podia fazer a felicidadedo Eitado.

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Os atentados às liberdades, que, os corifeus do novo regímen, à mínguade opinião, foram, desde seu início, obrigados a praticar, explicam esta ex-citação de espírito.

Os atos de acintosa prepotência do dr. Abbott, ainda mais agravarameste estado da alma. Forçado, por falta de partidários idóneos, a lançarmão, em muitos distritos, vilas e cidades, de maus elementos, fomentou, so-bremodo, o desassossego do povo, irritando-o, por tal forma, que esteve naeminência de conflagrar o Estado.

Tais eram, ao iniciar seu governo, as condições em que o dr. Júlio deCastilhos vinha encontrar o Rio Grande.

Se além de honesto e enérgico fora homem de espírito conciliador,poderia ter desfeito a prevenção com que foi recebido e modificado a opi-nião, apesar de profundamente desgostosa.

Sua natureza, antecedentes e educação política contrapunham-se a estaideia consoladora. Sobre ser chefe apaixonado, era rancoroso por índole,ávido de mando e poder, incapaz de compreender as transigências para umgoverno de paz e concórdia, de tolerância e liberdade. É bem ceto, tam-bém, que a constituição ditatorial do Estado era o principal alvo dos inces-santes e vigorosos ataques da oposição, que os generalizava a situação. En-frentado-a com energia, percebia-se-lhe o pensamento raivoso de esmagar seuspoderosos elementos.

Investido de amplo poder, não julgou empreitada impossível. Mon-tou a máquina política e administrativa com pessoal de inteira e absolutaconfiança, preferindo à sisudez e prudência a altanaria corajosa de partidá-rios exaltados.

O erro desta orientação fê-lo investir de uma parcela de poder públiconão pequeno número de cidadãos que, às poucas letras juntavam mau no-me. Muitos, de vara na mão, exorbitando das atribuições, começaram a con-fundir energia com violência, a se entregarem à prática de atos abusivos.

Longe de constituírem garantia de paz e segurança, por atos atrabiliá-rios, tornavam-se os principais motores de perturbações, afugentando a tran-quilidade do ambiente de suas respectivas jurisdições. Os adversários, so-bretudo os de mais prestígio e valor, eram sob qualquer pretexto, moles-tados, ameaçados, perseguidos e até vítimas de violências; eram os «Ivoi

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preferidos desses homens ignorantes, que a vaidade do poder e a cegueirada paixão política empanavam-lhes a visão da justiça. Julgavam, destemodo, prestar inestimáveis serviços ao partido, e subirem em consideraçãono conceito do primeiro magistrado do Estado, que, como eles, eivado deintolerância, fechava os olhos a todas essas arbitrariedades, não antevendo oabismo que ia cavando, nem as funestas consequências de querer dominarpela força um povo, até então, acostumado aos benefícios da liberdade.Destarte o governo do dr. Castilhos em nada diminuiu a exaltação dos âni-mos; tornava-se cada vez mais intensa.

A causa por excelência, senão exclusiva, desse combustível que havia,em próximo futuro, de alimentar voraz incêndio, era o impecável rancorcontra os adversários, aos quais, sem dar quartel, negava todas as liberdadespolíticas, até a própria justiça, enquanto aos amigos e partidários tudo lhesfacilitava de alma aberta.

Muitos são os fatos que confirmam a severidade de nosso juízo, masnenhum evidencia de modo tão esmagador, como o ocorrido na eleição mu-nicipal de Viamão.

O partido federalista, por conselho do diretório, não concorreu às urnas.

Em Viamão, porém, desatenderam este conselho salutar, e, concorrendoao pleito, venceram em duas das três secções eleitorais do município; ven-ceriam em todas, se os mesários de uma das preditas secções não apurassemos votos dos eleitores da oposição para os candidatos governistas. Sem em-bargo do protesto que, pela imprensa, fizeram esses cidadãos, cujos votosforam fraudados, foi a eleição desta secção a única julgada válida em todomunicípio!

Este fato teve lugar a quatro léguas da capital do Estado, com plenaaquiescência do dr. Castilhos, cujo empenho neste atentado à liberdade polí-tica chegou ao extremo de mandar força armada para garantir a apuraçãodesta eleição fraudulenta.

Se nesta circunscrição territorial paupérrima, onde a administração localdos adversários nenhuma dificuldade séria podia criar ao governo do Es-tado, o dr. Castilhos mostrou tanto desprezo pelo império da lei e força daopinião, em maior número seriam os atos de prepotência, se o partido fé-

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deralista concorresse às eleições e vencesse em muitos e mais importantesmunicípios.

Enfim, tal foi a situação de mal-estar e compressão sentida por umagrande parte da comunhão rio-grandense, que, desenganada de alcançar pelosmeios pacíficos a garantia eficaz de todos os seus direitos, já começava aafagar a ideia da revolução, vendo nela o recurso extremo dos oprimidos.Murmurava-se com insistência que seria questão de pouco tempo, chegando,até, alguns, que se diziam melhor informados, a precisar o mês em que deviarebentar. O que é certo é que se havia plano a tal respeito, guardava-seo mais rigoroso sigilo. Nenhum trabalho se percebia que indicasse prepa-rativo revolucionário, do que em verdade, a nosso ver, não se chegou a tratar,não passando o pensamento da revolução de uma ideia subjetiva, que, aliás,diariamente, a largos passos, ganhava terreno.

Assim ia prosseguindo o governo do Estado, em franco divórcio com aopinião, só merecendo aplausos dos partidários incondicionais, quando deu-se o golpe de Estado de 3 de novembro, que dissolveu o Congresso Nacional.

O dr. Castilhos, diante de tão extraordinário acontecimento, ficou perple-xo; sem saber, a princípio, que resolução tomar, decidiu-se, afinal, pelaaprovação do ato criminoso do presidente da República, ao qual, sem a mí-nima demonstração hostil, prometeu "manter plenamente a ordem públicano Rio Grande."

A seu conselho, a assembleia do Estado, que por este tempo funcionava,muito de indústria, deixou de reunir-se quatro ou cinco dias consecutivos,a fim de não votar uma indicação do deputado dr. Álvaro Batista, repro-vando este insólito atentado à constituição da República. • Reunindo-se,afinal, votou não ter competência para tomar conhecimento da indicaçãoapresentada!...

Esta corporação, cuja grande maioria movia-se à vontade do presidentedo Estado, ainda mais acentuou sua passividade, quando, em seguida, a 11,convidada pelo dr. Castilhos, reuniu-se no palácio, e protestou, sugestionadapor ele, contra a ditadura. Entretanto, na noite desse mesmo dia, depoisda resolução tomada pela dócil assembleia, ainda pedia ao ditador "forças eencouraçados para sufocar a rebelião."

A atitude assumida pelo presidente do Estado; a submissão incondicio-nal da assembleia; o fato extraordinário de se ter declarado ditador o pri-

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meiro magistrado da República; por tal forma exacerbaram os ânimos, jáem demasia predispostos à revolta, que foi impossível conter a revolução.

Assim é que, a 8 de novembro, as guarnições de Bagé e Rio Grande, emfranco consórcio com o elemento popular oposto ao governo estadual, pro-nunciaram-se contra a ditadura e seu delegado no Estado. O general JoãoNunes da Silva Tavares dirigiu circulares a alguns correligionários e amigosda liberdade, concitando-os a tomarem armas e reunirem-se, o que, com gran-de êxito, ele já o fazia no município de Bagé. Logo após o levante destasguarnições, pronunciou-se também a de Santana do Livramento, secundan-do-a no mesmo pensamento Rafael Cabeda, prestigioso chefe do elementocivil desse importante município. Em seguida, ou quase ao mesmo tempo,teve igual procedimento a guarnição de Uruguaiana, tendo à frente o co-ronel Luiz Alves Leite de Oliveira Salgado, comandante do ô9 batalhão, quese tornou o principal campeão do movimento revolucionário da fronteirado Alto Uruguai. As guarnições de S. Gabriel, S. Borja, .Quaraí, Jaguarãoe um pouco mais tarde a de Alegrete, confraternizaram com as primeiras,francamente hostis ao ato ditatorial do presidente da República, que, antesde praticá-lo, dizem, não sabemos, o fez sob promessa do apoio da forçaarmada.

O movimento de forças civis era extraordinário em todo o Estado. NaSerra, o major António Ferreira Prestes Guimarães, benéfica influência detoda essa região, fez grande reunião de povo, cerca de 2.500 homens, prontosa tomarem armas. Em Alegrete, S. Borja, S. Gabriel, Caçapava, Cruz Alta,Cachoeira, Rosário, Soledade, Rio Pardo, Santa Cruz, Viamão, o primeiro nopronunciamento hostil contra o golpe de Estado, por toda a parte, enfim,foram enormes as aglomerações de cidadãos de todas as classes, que pressu-rosos corriam em defesa da liberdade.

Nas localidades onde haviam estas reuniões, eram depostas as autori-dades, que obedeciam o governo do dr. Castilhos, as quais nenhuma resis-tência opunham, não só por falta de força material, mas também de moral,que não podiam ter na defesa de um ato criminoso. Em poucos dias fica-rsirn os revolucionários senhores de toda a campanha e da maior parte dascidades e vilas do Estado.

Abandonado pelas torças da União, até mesmo pelos próprios batalhõesque lhe eram mais áditos; abandonado pelas forças navais estacionadas nosportos do Rio Grande e Porto Alegre que, sem vacilar, declararam-se contra

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o golpe de Estado; sem, absolutamente, contar com apoio de forças civis, e,portanto, na impossibilidade de, por mais tempo, manter-se no poder; foi,o dr. Júlio de Castilhos, deposto de presidente do Estado no dia 12 de no-vembro de 1891.

Esta deposição teve lugar à imediata entrada de uma comissão popularno palácio, a qual lhe invocando o patriotismo pediu resignasse o poder, afim de evitar inútil derramamento de sangue. Manda a verdade dizer, que,quando a comissão subiu as escadas do palácio, sabia ter o dr. Castilhos,forçado pelo império das circunstâncias, tomado esse alvitre, tanto que játinha mandado manifestar essa intenção ao povo reunido na praça pública.

Assim terminou o primeiro governo deste homem intolerante, autori-tário e tenaz; conquanto soubesse querer, não soube, entretanto, conduzir-senesta difícil emergência, e tão desorientado ficou que, ainda num lance defrívola arrogância, declarou, em manifesto público, "que abandonava o po-der à garotada desenvolta, cercado do apoio da opinião esclarecida e da forçaarmada."

IX

Assumiu o governo um triunvirato composto do general Manoel Luizda Rocha Osório, drs. Barros Cassai e Assis Brasil, que, na ausência dos doisprimeiros, declarou, em manifesto público, só ficaria a junta no governo otempo necessário para cumprir sua missão patriótica: que manteria a ordempública, opondo-se decididamente, quaisquer que fossem as consequências, aoato arbitrário do marechal Deodoro.

O dr. Assis Brasil parecia só ter um pensamento: guerrear a ditadura.í; o que se infere do telegrama de 15 de novembro, em resposta ao Barão deLucena, concebido nos seguintes termos:

"O Rio Grande chora no grande dia desgraças da Pátria aba-tida sobre sua constituição rasgada. Não toma parte nas festas:prepara-se para defesa da liberdade."

Talvez, dominado por essa ideia exclusiva, não se preocupasse com ;iconservação de algumas autoridades nomeadas pelo dr. Castilhos, motivandoassim desgostos àqueles que tinham feito a revolução. Buscando a ra/flodesse procedimento, opinaram uns ser ditado pelo desejo de chamar a ni o

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partido do cunhado, outros, a meu ver com mais fundamento, pelo propó-sito de evitar cair o poder em mãos dos partidários do dr. Gaspar Martins,que, valha a verdade, foi sempre o duende dos republicanos rio-grandensesde origem histórica. Ou fosse por uma ou outra coisa, o que é certo é queessas autoridades solicitaram suas demissões e permaneceram fiéis ao dr.Castilhos.

Poucos dias durou este triunvirato, porque vindo do sul do Estado oconselheiro Francisco Maciel, segundo foi dito para fazer parte do governo,os drs. Assis Brasil e Cassai, visto ser ele partidário de Gaspar Martins, maispor evitá-lo que pela verdade das razões alegadas, a 17 de novembro, passa-ram o poder ao general Barreto Leite, sob pretexto de que assim seria maisuniforme a ação governamental.

X

Os preparativos da resistência à ditadura continuavam ativos. No inte-rior do Estado era grande a arregimentação de forças civis; na capital forma-ram-se vários batalhões patrióticos.

No dia 23 de novembro, quando embarcavam para guarnecer a fron-teira com Santa Catarina dois batalhões do exército federal, chegou a notíciado levante da esquadra e da sequente resignação do poder pelo honrado,mas inexperto marechal Manoel Deodoro da Fonseca, primeiro presidenteconstitucional da República.

Passado este curto período de ansiedade revolucionária, foram todas asforças civis dissolvidas, começando, então, para o novo governo do Estadouma vida menos agitada.

O general Barreto Leite era um hom homem, mas sem preparo de natu-reza alguma para o governo. Dispunha de poucos conhecimentos e nenhu-ma experiência no trato dos negócios públicos, de modo que tinha de serguiado por conselheiros íntimos. Dentre estes, preferiu o dr. Barros Cassai,

se tornou o mentor da política do governo.

Os primeiros atos do general mereceram aplausos; foram inspirados porverdadeira compreensão democrática. A constituição ditatorial do ex-presi-ilcnte Castilhos foi logo revogada. Fez-se uma nova e geral qualificação deeleitores, a fim de corrigir o falseamento da primeira. Simples depositário

Apontamentos para a História da Revolução Rio-grandense de 1893 31

do poder, tratou este governo, tendo em vista nenhum partido ou facçãopolítica ter predomínio exclusivo na direção dos negócios públicos sem asanção do voto popular, de convocar uma convenção rio-grandense, cujosmembros deveriam vir investidos de poderes extraordinários, no intuito de,soberanamente, resolverem como melhor entendessem às conveniências doEstado. Era um meio prático de conjurar atritos desagradáveis entre ogrande elemento de origem monárquica e os republicanos dissidentes de ori-gem histórica, cujos chefes Demétrio Ribeiro, Barros Cassai e outros aspira-vam a suprema direção da política rio-grandense, a despeito do pequenonúmero de amigos que capitaneavam. Todos os concorrentes à reunião emque se tomou este alvitre aceitaram-no sem protesto.

Visando ao mesmo fim, isto é, evitar possíveis divergências, como umaespécie de eleição prévia, ficou também resolvido que fossem as câmaras mu-nicipais incumbidas de indicar os candidatos à convenção rio-grandense.

A indicação recaiu em dois terços de cidadãos de origem monárquica eapenas num terço de republicanos históricos dissidentes, motivada pela es-cassez numérica desta pequena facção. Este resultado, atribuído a manejos,descontentou os chefes dissidentes, com o qual simularam, entretanto, con-formar-se.

Concomitante a estes fatos, o dr. Júlio de Castilhos começou a fazer ativapropaganda pela volta de seu governo, sob o fundamento de ser o legal.Seus partidários, por toda parte, repetiam este estribilho. Explorando sem-pre o elemento armado da nação, ao qual nunca se cansou de lisonjear,seguia tenaz a cruzada pela volta da pretendida 'legalidade.

Como contasse com o apoio incondicional de três coronéis, comandantesde batalhões, e com o do próprio comandante do distrito militar, tentou, a3 de fevereiro de 1892, secundado pelos batalhões 13 e 30, depor o generalBarreto Leite. A repartição dos telégrafos, contra a qual se manifestou aprimeira tentativa desta sedição, atacada por um grupo de populares arma-dos de comblains, foi corajosamente defendida pelos empregados, que, repe-lindo os atacantes, causaram-lhes a baixa de um homem.

Barreto Leite, no primeiro momento, foi obrigado a refugiar-se com asede do governo para bordo de uma das canhoneiras da flotilha; ajudado,porém, por Barros Cassai, conseguiu congregar elementos de resistência,