apostila - eca - aspectos penais, ato infracional e aspectos procedimentais

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Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – LEI 8069/90 ASPECTOS PENAIS E PROCEDIMENTAIS ATO INFRACIONAL E MEDIDAS SÓCIOEDUCATIVAS O artigo 103 do Estatuto conceitua o ato infracional como a conduta descrita como crime ou contravenção penal. No Direito Penal, majoritariamente, o conceito analítico de crime é formado pelo fato típico, ilícito e culpável. O menor de 18 anos não pratica crime justamente por não ter culpabilidade. A inimputabilidade, uma das excludentes da culpabilidade, é estabelecida em critério puramente biológico em relação ao menor de 18 anos. Consoante o artigo 27 do Código Penal, artigo 228 da Constituição Federal e artigo 104 do ECA: “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. – Teoria da atividade Dispõe o artigo 104, parágrafo único, do ECA que: “Para os efeitos desta lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.” não importa que o ato infracional seja descoberto quando o agente já conte com a maioridade, pois o que importa é a idade do adolescente à data do fato. Tanto quanto o Código Penal, o ECA também adotou para o momento do ato infracional a teoria da atividade. Se um indivíduo, contando com 17 anos e 5 meses, desejando matar, atira em uma pessoa que só vem a falecer oito meses depois, ainda que o agente já seja maior, ele responderá nos termos do Estatuto. Teremos que necessariamente analisar alguns aspectos: - Crime permanente: a conduta se protrai no tempo. Dessa maneira, é como se o crime estivesse sendo praticado a cada momento. Por exemplo, o agente, contando com 17 anos e 10 meses, sequestra uma pessoa. Se, ao completar 18 anos, ele ainda não tiver liberado a pessoa, a ele não serão aplicadas as normas do Estatuto, mas sim as do Código Penal, pois sequestro (artigo 148 do Código Penal) é crime permanente. - Prova da menoridade A prova de menoridade deve ser feita, em princípio, pela certidão de nascimento, em virtude do que dispõe o artigo 155 do Código de Processo Penal:  “No juízo penal, somente quanto ao Estado das pessoas, serão observadas as restrições à prova, estabelecidas na lei civil”. O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 74, que dispõe:“Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil”.

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    ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE LEI 8069/90

    ASPECTOS PENAIS E PROCEDIMENTAIS

    ATO INFRACIONAL E MEDIDAS SCIOEDUCATIVAS

    O artigo 103 do Estatuto conceitua o ato infracional como a conduta descrita como crime ou contraveno penal.

    No Direito Penal, majoritariamente, o conceito analtico de crime formado pelo fato tpico, ilcito e culpvel. O menor de 18 anos no pratica crime justamente por no ter culpabilidade. A inimputabilidade, uma das excludentes da culpabilidade, estabelecida em critrio puramente biolgico em relao ao menor de 18 anos. Consoante o artigo 27 do Cdigo Penal, artigo 228 da Constituio Federal e artigo 104 do ECA: os menores de 18 (dezoito) anos so penalmente inimputveis, ficando sujeitos s normas estabelecidas na legislao especial.

    Teoria da atividade

    Dispe o artigo 104, pargrafo nico, do ECA que: Para os efeitos desta lei, deve ser considerada a idade do adolescente data do fato.

    no importa que o ato infracional seja descoberto quando o agente j conte com a maioridade, pois o que importa a idade do adolescente data do fato. Tanto quanto o Cdigo Penal, o ECA tambm adotou para o momento do ato infracional a teoria da atividade. Se um indivduo, contando com 17 anos e 5 meses, desejando matar, atira em uma pessoa que s vem a falecer oito meses depois, ainda que o agente j seja maior, ele responder nos termos do Estatuto.

    Teremos que necessariamente analisar alguns aspectos:

    - Crime permanente: a conduta se protrai no tempo. Dessa maneira, como se o crime estivesse sendo praticado a cada momento. Por exemplo, o agente, contando com 17 anos e 10 meses, sequestra uma pessoa. Se, ao completar 18 anos, ele ainda no tiver liberado a pessoa, a ele no sero aplicadas as normas do Estatuto, mas sim as do Cdigo Penal, pois sequestro (artigo 148 do Cdigo Penal) crime permanente.

    - Prova da menoridade

    A prova de menoridade deve ser feita, em princpio, pela certido de nascimento, em virtude do que dispe o artigo 155 do Cdigo de Processo Penal: No juzo penal, somente quanto ao Estado das pessoas, sero observadas as restries prova, estabelecidas na lei civil.

    O Superior Tribunal de Justia editou a Smula 74, que dispe:Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do ru requer prova por documento hbil.

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br Prescrio

    O instituto da prescrio, previsto no Cdigo Penal, refere-se, em regra, pena privativa de liberdade.

    Apesar de no ter a medida socioeducativa natureza de pena, sempre foi controvertida a aplicao da prescrio penal ao ato infracional. Atualmente, a questo j est pacificada pelo Superior Tribunal de Justia, que editou a Smula 338 em 09/05/2007: A prescrio penal aplicvel nas medidas scioeducativas.

    Desta forma, a tabela prevista no artigo 109 do Cdigo Penal pode ser aplicada ao ato infracional da seguinte forma:

    a) Na hiptese em que o magistrado menorista define prazo certo para a durao da medida socioeducativa, luz do enunciado do artigo 110, caput, do Cdigo Penal, ser este o utilizado para o clculo prescricional. Exemplo: imposta medida de prestao de servios comunidade pelo prazo mximo de trs meses, em sentena transitada em julgado, a prescrio de um ano, a teor do disposto no artigo 109, inciso VI, c.c. art. 115 do Cdigo Penal.1 Ou seja, a prescrio ser sempre contada da metade, tendo em vista o disposto no art. 115 do Cdigo Penal.

    b) Tratando-se de medida socioeducativa aplicada sem prazo de durao certo, o clculo da prescrio, por analogia, deve ter em vista o limite de trs anos previstos para a durao mxima da medida de internao, na forma do artigo 121, 3, do ECA. Sendo assim, aplicado o artigo 109, c.c artigo 115 do Cdigo Penal, a prescrio se opera em quatro anos.

    c) Caso seja aplicada medida por prazo determinado, juntamente com a medida de internao, os prazos sero contados de forma isolada, sendo aplicado o artigo 119 do Cdigo Penal. Exemplo: medida de prestao de servios comunidade conjuntamente com medida de internao. O prazo prescricional para essa medida seria de um ano.

    d) Sendo o ato infracional praticado equiparado a delito que prev como preceito secundrio sano inferior a trs anos, o clculo da prescrio deve ser aferido pela pena mxima em abstrato previsto ao delito praticado. Se a legislao penal estabelece pena inferior ao prazo mximo estipulado para a aplicao da medida socioeducativa de internao (trs anos), no se pode admitir que se utilize tal parmetro para o clculo da prescrio, uma vez que levaria a situaes de flagrante desproporcionalidade e injustia, porquanto se daria tratamento mais rigoroso a um adolescente do que a um adulto em situaes anlogas.

    e) Na ausncia de sentena que tenha aplicado medida, a prescrio a ser declarada a da pretenso socioeducativa, que somente pode ser verificada a partir da pena mxima abstratamente cominada ao crime anlogo ao ato infracional praticado, pois a escolha da medida socioeducativa imposta somente competir ao juzo menorista. O juzo de reprovabilidade da conduta, definido pelo legislador penal, deve ser levado em considerao no clculo dos prazos prescricionais, sob pena de se dar tratamento igualitrio

    1 Nesse sentido, HC 135554, 5. Turma, STJ, 28/09/2009.

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    a situaes diversas. Se o lapso temporal transcorrer sem que sequer a representao tenha sido recebida, h de ser declarada a prescrio.

    Com as situaes elencadas, conclumos que possvel a prescrio da pretenso socioeducativa, alm da prescrio executria da medida socioeducativa. A primeira se dar nos casos em que inexiste sentena transitada em julgado que tenha aplicado medida. A segunda, nos casos em que a medida foi aplicada por sentena com trnsito em julgado. Neste ltimo caso, o prazo a ser considerado o aplicado na sentena, exceto para a medida de internao, que no comporta prazo determinado, caso em que o clculo prescricional se basear no mximo da medida de internao: trs anos (artigo 121, pargrafo 3, do ECA).

    Consequncias da prtica do ato infracional pelo adolescente

    Com a prtica de ato infracional por adolescente, a primeira consequncia a instaurao de auto de investigao de ato infracional, que servir de base para a propositura da ao socioeducativa pblica, cujo titular o Ministrio Pblico.

    Uma vez que o Estatuto, diferentemente da lei anterior, trouxe procedimento prprio a ser seguido para o adolescente autor de ato infracional, a autoridade judiciria poder aplicar medida scioeducativa aps o devido processo legal.

    Criana tambm pratica ato infracional, mas somente poder receber as medidas protetivas previstas no artigo 101, cuja maioria aplicada pelo Conselho Tutelar.

    DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

    O ECA elenca as medidas socioeducativas no artigo 112, como consequncias da prtica de ato infracional praticado por adolescente.

    importante no confundir as medidas protetivas com as medidas socioeducativas. As medidas protetivas podem ser aplicadas tanto criana quanto ao adolescente que se encontrem em situao de risco. As medidas socioeducativas se restrigem situao de risco prevista no inciso III do artigo 98, quando o adolescente que se coloca em situao de risco em razo de sua prpria conduta, pela prtica de ato infracional.

    As medidas scioeducativas somente podero ser aplicadas aps o devido processo legal.

    - Do rol das medidas socioeducativas

    As medidas socioeducativas so elencadas taxativamente no artigo 112. So elas:

    1. Advertncia; 2. Obrigao de reparar o dano; 3. Prestao de servios comunidade; 4. Liberdade assistida; 5. Insero em regime de semiliberdade; 6. Internao em estabelecimento educacional;

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    7. Qualquer uma das medidas previstas no artigo 101, I a VI.

    O fato de o rol do artigo 112 ser taxativo um dos fatores para diferenciar as medidas protetivas das socioeducativas. O rol do artigo 101 apenas exemplificativo. No que tange aplicao de medidas socioeducativas, a autoridade competente deve se restringir s elencadas no artigo 112, no sendo possvel estabelecer como medida trabalho que seja forado. Logo, a prestao de servios comunidade depender de aceitao pelo adolescente em conflito com a lei.

    - Autoridade competente para aplicao das medidas

    Consoante o disposto no artigo 148, I, do ECA, de competncia exclusiva da Justia da Infncia e Juventude a aplicao de medidas socioeducativas aos adolescentes em conflito com a lei. J as medidas protetivas, so em regra de competncia do Conselho Tutelar.

    - Do critrio para escolha da medida

    Ao determinar qual medida deve ser cumprida pelo adolescente em conflito com a lei, o juiz deve levar em conta a capacidade do adolescente para cumprimento da medida, as circunstncias e a gravidade da infrao (artigo 121, pargrafo 1), sendo a medida de internao sempre excepcional.

    Levar em conta a capacidade no significa que o menor portador de doena mental no possa sofrer medida socioeducativa. O ECA prev expressamente no pargrafo 2 do artigo 112 que os adolescentes portadores de doenas ou deficincia mental recebero tratamento individual e especializado, em local adequado s suas condies. O Superior Tribunal de Justia j admitiu at mesmo o cumprimento de medida de internao por adolescente em conflito com a lei acometido de doena mental.

    Outro critrio para a escolha da medida diz respeito s provas recolhidas durante o procedimento. O juiz s poder aplicar as medidas mediante prova de autoria e materialidade, havendo como nica exceo a medida de advertncia, pois essa poder ser aplicada mediante prova de materialidade, bastando, no entanto, indcio suficiente de autoria (art. 114). Assim como no processo penal, a confisso isolada no poder consistir em prova suficiente para aplicao de medida.

    - Das medidas em espcie:

    a) Advertncia

    A advertncia a mais singela das medidas scioeducativas e consiste, consoante o artigo 115, em admoestao verbal, que ser reduzida a termo e assinada. Nessa medida, o adolescente presta uma espcie de compromisso, no sentido de que o ato praticado no se repetir.

    Justamente por ser a mais singela das medidas scioeducativas, o ECA admite sua aplicao quando existente a prova de materialidade, ainda que no esteja provada a autoria do ato infracional, sendo suficientes indcios da autoria.

    b) Obrigao de reparar o dano

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br A obrigao de reparar o dano visa a desenvolver no adolescente o senso de responsabilidade, compensando a vtima pelo dano patrimonial causado, seja pela restituio por sua reparao, seja por outro meio de compensao.

    c) Prestao de servios comunidade

    O legislador definiu no artigo 117 a medida de prestao de servios comunidade. Trata-se da realizao de tarefas gratuitas de interesse geral, por perodo no excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais: hospitais, escolas e outros estabelecimentos congneres, bem como em programas comunitrios ou governamentais.

    Estabelece ainda o pargrafo nico do artigo 117 que o cumprimento da medida se dar no perodo mximo de oito horas dirias, podendo os servios serem prestados em qualquer dia, incluindo os finais de semana e feriados, desde que no prejudiquem a frequncia escola ou a jornada normal de trabalho.

    d) Liberdade assistida

    A medida socioeducativa de liberdade assistida tratada pelos artigos 118 e 119 do ECA. Trata-se de medida em que o juiz da Infncia e Juventude nomeia orientador recomendado por entidade ou programa de atendimento. O orientador ter seus encargos fixados pelo juiz.

    O artigo 119 traz em rol exemplificativo alguns dos encargos do orientador:

    Promover socialmente o adolescente e sua famlia, fornecendo-lhes orientao e inserindo-os, se necessrio, em programa oficial ou comunitrio de auxlio e assistncia social; supervisionar a frequncia e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo inclusive sua matrcula; diligenciar no sentido da profissionalizao do adolescente e de sua insero no mercado de trabalho; e apresentar relatrio do caso.

    A medida de liberdade assistida ter como prazo mnimo o perodo de seis meses, podendo ser prorrogada. O objetivo da aplicao de tal medida o acompanhamento, o auxlio e a orientao do adolescente em conflito com a lei. Caso no decorrer da medida ela no se demonstre adequada, poder o juiz revog-la ou substitui-la por outra medida, ouvidos o Ministrio Pblico e o defensor.

    e) Semiliberdade

    A medida de semiliberdade, que no comporta prazo determinado, tratada pelo artigo 120 do ECA, que muito pouco dispe sobre a medida, tendo em vista a mesma ter subsidiariamente o tratamento destinado internao.

    O Estatuto no chega a definir a semiliberdade, nem a estabelecer o local ou forma de seu cumprimento, prevendo apenas que ela poder ser determinada pelo juiz desde o incio ou como forma de transio para o meio aberto, sendo possvel a realizao de atividades externas independente de autorizao judicial, sendo garantidas ao adolescente escolarizao e profissionalizao.

    f) Internao

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br A internao a medida socioeducativa que consome mais disposies do ECA, sendo tratada pelos artigos 121 a 125. Tal medida privativa de liberdade, ficando o adolescente internado em estabelecimento prprio para esse fim, no podendo permanecer internado em sede policial ou em estabelecimento prisional.

    A medida de internao regida, consoante artigo 121, pelos princpios da brevidade, excepcionalidade e respeito condio peculiar de pessoa em desenvolvimento. Passemos a analisar as disposies do ECA que buscam garantir a eficcia de tais princpios.

    Em apreo ao princpio da brevidade, a medida de internao, embora no tenha prazo determinado na sentena pelo juiz, dever ser cumprida, em regra, por um prazo mximo de trs anos. Dizemos em regra porque o ECA prev alguns outros prazos de grande importncia. Dessa forma, existe a previso no ECA dos seguintes prazos mximos:

    a) Trs anos: prazo estabelecido pelo art. 121, par. 3; b) 45 dias: prazo estabelecido no art. 108 para a internao provisria; c) Trs meses: prazo estabelecido no par. 1 do art. 122, relativo medida de

    internao substitutiva de medida anteriormente imposta e descumprida de forma injustificada e reiterada;

    d) Seis meses: prazo mximo estabelecido para a reavaliao da medida de internao.

    Com isso, podemos afirmar que a internao medida privativa de liberdade que no comporta prazo determinado na sentena, mas que comporta prazo mximo de trs anos para que o adolescente permanea internado, desde que tenha sido reavaliada mediante deciso fundamentada no mximo a cada seis meses. A reavaliao direito subjetivo do adolescente, sendo cabvel a impetrao de mandado de segurana para que ela seja realizada, pois possibilitar que o adolescente seja desinternado assim que a medida no se mostre mais necessria. Tambm tem sido aceita a impetrao de habeas corpus e deferida a ordem para realizao da reavaliao.

    Atingido o prazo mximo de trs anos, o adolescente ser liberado ou passar a cumprir medida de semiliberdade ou de liberdade assistida.

    O prazo mximo de trs anos deve ser analisado conjuntamente com a idade mxima permitida para o cumprimento da internao, que de 21 anos, consoante disposto no pargrafo 5 do artigo 121. Tal limite mximo de idade foi estabelecido pelo legislador justamente levando em conta o prazo mximo de trs anos. Se no houvesse a possibilidade de aplicao da internao at os 21 anos, o adolescente que praticasse o ato prximo data de completar a maioridade provavelmente no receberia a medida. O legislador pensou em atingir at mesmo o adolescente que deixasse para praticar o ato infracional no ltimo momento antes de completar a maioridade.

    Seja qual for o motivo da desinternao, essa somente ser realizada mediante deciso judicial fundamentada, no sendo automtica em nenhuma hiptese, ouvido o MP. Caso o adolescente no seja liberado ao completar trs anos de

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br internao ou quando atingir 21 anos, passar a existir ilegal privao de liberdade, sendo cabvel habeas corpus. Tambm ser cabvel o writ no caso de inadequao da medida de internao, caso em que se admite a progresso para semiliberdade ou at mesmo para liberdade assistida.

    Passemos anlise do princpio da excepcionalidade. De acordo com esse princpio, por ser considerada a mais grave, a mais drstica das medidas, a medida de internao somente pode ser aplicada nos casos expressos de forma taxativa, exaustiva no artigo 122 do ECA. Eventual sentena que estabelea a medida de internao fora dos casos previstos no artigo 122 ser nula, por violao literal de disposio de lei. Sendo assim, no basta a gravidade em abstrato ou em concreto do ato infracional para fundamentar a referida medida, pois o juiz s poder determinar a internao quando:

    a) O ato infracional for praticado com violncia ou grave ameaa pessoa; b) Houver reiterao em atos infracionais dotados de gravidade; c) A medida anteriormente imposta ao adolescente for descumprida de forma

    injustificvel e reiterada, caso em que vimos que a internao substitutiva ter o prazo mximo de trs meses.

    O Superior Tribunal de Justia vem decidindo que o trfico de drogas praticado por adolescente no possibilita, por si s, a incidncia de medida de internao, exceto se a anlise do caso concreto levar a uma das situaes acima previstas. Vem decidindo o Tribunal que a prtica de trs atos anteriores dotados de gravidade caracteriza a reiterao prevista no inciso II do artigo 122, possibilitando a aplicao de medida de internao se o trfico for o quarto ato infracional grave praticado

    Determina o artigo 123 que a medida de internao dever ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto do destinado ao, obedecida rigorosa separao por critrios de idade, compleio fsica e gravidade da infrao. Durante todo o perodo de internao, inclusive provisria, sero obrigatrias atividades pedaggicas. Com base na disposio desse artigo, questiona-se o que ocorre com o adolescente que pratica ato infracional que desafie a internao, no havendo estabelecimento prprio para o cumprimento da medida.

    Internao e acolhimento no se confundem. O acolhimento, atualmente previsto no artigo 101 com a nomenclatura alterada para acolhimento institucional, possui natureza de lar coletivo, medida protetiva que no consiste em privao da liberdade, funcionando to-somente de forma provisria e como transio para a colocao em famlia substituta.

    O artigo 124 elenca os direitos do adolescente privado da liberdade. O rol , no entanto, meramente exemplificativo.

    Art. 124. So direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

    I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministrio Pblico;

    II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;

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    III - avistar-se reservadamente com seu defensor;

    IV - ser informado de sua situao processual, sempre que solicitada;

    V - ser tratado com respeito e dignidade;

    VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais prxima ao domiclio de seus pais ou responsvel;

    VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;

    VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;

    IX - ter acesso aos objetos necessrios higiene e asseio pessoal;

    X - habitar alojamento em condies adequadas de higiene e salubridade;

    XI - receber escolarizao e profissionalizao;

    XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer:

    XIII - ter acesso aos meios de comunicao social;

    XIV - receber assistncia religiosa, segundo a sua crena, e desde que assim o deseje;

    XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guard-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;

    XVI - receber, quando de sua desinternao, os documentos pessoais indispensveis vida em sociedade

    Estabelece ainda o artigo 124, em seus pargrafos, que em nenhum caso haver a incomunicabilidade do adolescente. possvel, no entanto, autoridade judiciria suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsvel, se existirem motivos srios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.

    dever do Estado zelar pela integridade fsica e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de conteno e segurana.

    DA APURAO DE ATO INFRACIONAL ATRIBUDO A ADOLESCENTE

    Para aplicao de qualquer medida ao adolescente, faz-se necessrio o respeito ao procedimento previsto no Estatuto, que estabelecer diretrizes a serem seguidas pala Autoridade Policial, pelo Ministrio Pblico e pela Autoridade Judicial.

    Podemos dizer que o procedimento para apurao do ato infracional desenvolve-se ao longo de trs fases: uma policial, realizada preferencialmente em delegacia especializada, uma fase realizada junto Promotoria da Infncia e Juventude e ainda: uma fase judicial, realizada na Justia da Infncia e Juventude, com observncia de ampla defesa e contraditrio, para somente aps o final de todo o

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br procedimento, poder o adolescente em conflito com a lei ser submetido a uma medida socioeducativa.

    Indcios de participao de adolescente na prtica de ato infracional

    Quando no existir hiptese de apreenso em flagrante do adolescente, mas houver indcios da participao desse em ato infracional, a autoridade policial, aps proceder a investigaes, deve elaborar relatrio e encaminh-lo ao Ministrio Pblico com eventuais documentos existentes. o que dispe o artigo 178 do Estatuto.

    O adolescente somente pode ser privado de sua liberdade em flagrante de ato infracional (caso em que ser encaminhado autoridade policial) ou por ordem judicial (caso em que ser encaminhado autoridade policial). No poder ser conduzido em compartimento fechado de viatura policial, em condies que sejam atentatrias a sua dignidade. O ECA nada dispe sobre o uso de algemas, aplicando-se a smula vinculante 11, STF.

    As investigaes so efetuadas mediante procedimento administrativo semelhante ao inqurito policial, denominado Auto de Investigao de Ato Infracional (AIAI). Esse procedimento preparatrio visa a formar o convencimento do Ministrio Pblico para a propositura da ao socioeducativa. Aps sua concluso, o relatrio das investigaes e demais documentos so encaminhados ao Ministrio Pblico.

    Flagrante de ato infracional

    O artigo 106 do Estatuto assegura, como direito individual, que nenhum adolescente ser privado de sua liberdade seno em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciria competente, sendo absolutamente impossvel a apreenso do adolescente para averiguao de ato infracional supostamente praticado.

    Ocorrendo uma dessas hipteses, deve ser observado o procedimento traado pelo artigo 171 e seguintes do Estatuto. Esse procedimento s observado para ato infracional perpetrado por adolescente. Quando uma criana encontrada praticando ato infracional, deve ser encaminhada ao Conselho Tutelar.

    Sendo apreendido por fora de ordem judicial, o adolescente ser, desde logo, encaminhado autoridade judiciria. Se for apreendido em flagrante de ato infracional, porm, dever ser encaminhado Delegacia de Proteo Criana e ao Adolescente (DPCA), se houver. Ressalte-se que, ainda que o menor esteja praticando o ato em concurso com adulto, ambos sero encaminhados DPCA, que encaminhar o adulto repartio local prpria. Os agentes policiais no devem encaminhar o adolescente a outra delegacia para posterior transferncia DPCA, exceto em ocasio de erro. Nesse caso, dever a autoridade policial da delegacia providenciar a transferncia do adolescente em conflito com a lei para a delegacia especializada. Se no houver delegacia especializada na localidade, o adolescente ser conduzido delegacia comum.

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br Na DPCA, a primeira providncia a comunicao imediata ao juiz, pais ou responsvel ou pessoa pelo adolescente indicada, sob pena da autoridade policial responder pelo crime do artigo 231 do ECA.

    faz-se necessrio verificar se o crime foi cometido ou no com violncia ou grave ameaa pessoa. A autoridade policial tem dois caminhos:

    1 - Se o ato infracional foi praticado com violncia ou grave ameaa, lavrar auto de apreenso, que um pouco semelhante ao auto de priso em flagrante (APF) no Processo Penal, ouvindo as testemunhas e o adolescente, apreendendo o produto e os instrumentos do ato infracional e requisitando os exames ou percias necessrios comprovao da materialidade e autoria.

    2 - Nos atos infracionais praticados sem violncia ou grave ameaa, basta a lavratura de um boletim de ocorrncia circunstanciada, menos complexo. Em ambos os casos, a autoridade policial colocar o adolescente a par de seus direitos e far imediata comunicao da apreenso sua famlia (ou pessoa por ele indicada) e autoridade judiciria, consoante artigos 106 e 107 do Estatuto, sob pena de incidir na prtica de crime previsto no ECA.

    Promovida a formalidade, a autoridade policial tem dois caminhos:

    1 - Via de regra, h entrega imediata do adolescente aos pais ou responsvel, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentao ao representante do Ministrio Pblico no mesmo dia ou, sendo impossvel, no primeiro dia til imediato. No caso de liberao, a autoridade policial encaminha imediatamente ao Ministrio Pblico a cpia do auto de apreenso ou boletim de ocorrncia.

    2 - A exceo a previso do artigo 174 do ECA que estabelece a possibilidade de no liberao nos casos de gravidade e repercusso social do ato infracional, para garantia da segurana pessoal do adolescente ou manuteno da ordem pblica.

    Sempre que no for o caso de entrega imediata do menor aos seus responsveis, deve haver apresentao imediata do adolescente ao Ministrio Pblico (artigo 175), com cpia do auto de apreenso ou boletim de ocorrncia, no devendo o menor ser transportado em compartimento fechado de veculo policial. Se no for possvel, enderea-se o menor a uma entidade de atendimento, que ter prazo de 24 horas para apresentar ao Ministrio Pblico. Se no houver unidade de atendimento, o adolescente permanece na delegacia em local adequado e dever ser apresentado ao Ministrio Pblico em 24 horas (o leitor deve ter cuidado para no confundir esse prazo com o mximo que um adolescente pode permanecer em sede policial na fase judicial do procedimento, quando o juiz decreta sua internao provisria cinco dias; essa regra est prevista no artigo 185, pargrafo 2). O estudo dos prazos fundamental, pois o desrespeito a eles constitui crime.

    Procedimento aps apresentao ao Ministrio Pblico

    Quando o adolescente chega no Ministrio Pblico, promove-se uma oitiva informal do adolescente, pais, testemunhas e responsvel, se tiver (tutor ou guardio), consoante determina o artigo 179. O menor ser levado ao Ministrio Pblico pela autoridade policial ou pelos pais ou responsvel. Caso os pais no levem o

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br adolescente at l, sero notificados, podendo o promotor solicitar o concurso das Polcias Civil e Militar.

    Entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justia, no habeas corpus 121.733, de maro de 2009, de relatoria do Ministro Og Fernandes:

    A ausncia de oitiva informal no gera a nulidade da representao se os elementos presentes j bastarem, por si ss, formao do convencimento do magistrado.

    A seguir, trs providncias se apresentam ao promotor da Infncia e Juventude (artigo 180):

    a) Promover o arquivamento

    Em qualquer das situaes previstas no artigo 189 (inexistncia do ato infracional, o fato no constituir ato infracional, inexistncia de prova de participao do adolescente no ato infracional, existncia de excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade, inexistncia de prova suficiente para a condenao), o promotor poder requerer o arquivamento e remeter os autos autoridade judicial para homologao. Se o juiz no concordar, aplica-se a regra do artigo 181, pargrafo 2, que, no mesmo sentido do artigo 28 do CPP, determina a remessa ao Procurador Geral de Justia para que esse oferea representao, designe outro membro do Ministrio Pblico para que o faa ou ratifique o arquivamento, estando ento a autoridade judicial obrigada a homologar.

    b) Conceder remisso

    A remisso tratada a partir do artigo 126 do ECA. Trata-se de instituto que tem essncia de perdo, que pode ser concedida em dois momentos:

    1 - antes do incio da ao socioeducativa, pelo promotor, como forma de excluso do processo;

    2 - durante a ao socioeducativa, pelo juiz, ouvido o Ministrio Pblico, como forma de suspenso ou extino do processo.

    A remisso pode ser com ou sem encargo. A remisso com encargo tambm chamada de condicionada; nela, o adolescente deve cumprir medida socioeducativa, com exceo da medida de internao ou semiliberdade. Muito j se discutiu acerca da constitucionalidade da remisso concedida pelo Ministrio Pblico, indagando-se se o fato de ela poder ser concedida com encargo (remisso condicionada), causaria ofensa ao devido processo legal.

    A remisso concedida pelo Ministrio Pblico exige homologao judicial. Caso o juiz no concorde com a concesso da remisso, a hiptese ser a mesma para a discordncia em relao ao arquivamento. Artigo 181, pargrafo 2 do ECA.

    A medida aplicada no caso de remisso com encargo poder ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente, de seu representante legal, ou do Ministrio Pblico.

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br Havia controvrsia acerca de quem seria a autoridade competente para aplicar a medida socioeducativa cumulada com remisso. O Superior Tribunal de Justia acabou com a discusso; o verbete da Smula 108 desse Tribunal dispe que o juiz quem aplica a medida socioeducativa, nunca o promotor. No existe mais tal discusso.

    c) Oferecer representao

    A terceira possibilidade do Ministrio Pblico o oferecimento de representao, iniciando a ao socioeducativa.

    A representao no possui a mesma natureza jurdica do processo penal; no se trata de condio, mas sim de uma pea processual oferecida pelo Ministrio Pblico para dar incio ao socioeducativa. Essa pea inicial ser dirigida Justia da Infncia e Juventude, com indicao de breve resumo dos fatos, classificao do ato infracional e, quando necessrio, rol de testemunhas, podendo ser deduzida oralmente em sesso diria instalada pela autoridade judiciria. Fazendo uma analogia, seria algo parecido com a denncia no Processo Penal, pelo que se extrai de seus requisitos, elencados no artigo 182, pargrafo 1.

    A representao independe de prova pr-constituda de autoria e materialidade.

    - Ao Socioeducativa

    Para que seja possvel a aplicao de medida socioeducativa, necessria a promoo da ao socioeducativa, no podendo o juiz aplicar diretamente tal medida sem prvio procedimento judicial.

    O Ministrio Pblico o legitimado exclusivo para a propositura da ao socioeducativa. No pode o juiz, de ofcio, dar incio ao procedimento judicial.

    Ressalte-se que a ao socioeducativa modalidade de ao pblica incondicionada, no havendo necessidade de representao do ofendido. O principal objetivo a aplicao de medida socioeducativa, que visa, acima de tudo, recuperao e orientao do adolescente.

    Como vimos no tpico anterior, se no for o caso de arquivamento ou remisso, o promotor oferece representao, que pea inicial da ao socioeducativa.

    O artigo 182, pargrafo 2, dispe que a representao independe de prova pr-constituda de autoria e materialidade.

    Primeiramente, o juiz vai determinar a citao do adolescente, embora a lei fale em notificao. O procedimento trazido pelo Estatuto constitui verdadeira ao, sendo a citao o ato prprio de comunicao para determinado adolescente responder a ela.

    Ele vai aprazar uma audincia de apresentao mediante deciso interlocutria, decidindo ainda pela manuteno ou decretao de internao provisria. Essa audincia equivale a um interrogatrio e imprescindvel ao desenvolvimento do procedimento. O adolescente deve ser citado pessoalmente, jamais por edital ou com hora certa. Se no for localizado ou se, tendo sido citado, no comparece, o

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br feito ser sobrestado. O juiz expede mandado de busca e apreenso do adolescente e fica aguardando. Quando o adolescente completar 18 anos, o processo dever ser arquivado, em virtude de prescrio socioeducativa (salvo nos casos de maior proporo, em que ainda poderia haver internao aps os 18 anos). Feita a audincia de apresentao, o juiz vai inquirir o adolescente.

    Caso os pais no sejam localizados, determina o artigo 184 a nomeao de curador especial ao adolescente. Se esse no tiver advogado constitudo, o juiz nomeia defensor para apresentao de defesa prvia em trs dias, com rol de testemunhas (artigo 186) e apraza audincia em continuao (que semelhante a uma audincia de instruo e julgamento). Nessa sero ouvidas as testemunhas da representao e da defesa prvia, juntada ao relatrio da equipe interprofissional, debates orais do Ministrio Pblico e da defesa, pelo prazo de 20 minutos prorrogveis por mais dez, culminando com a sentena.

    No fica prejudicada a defesa do adolescente quando presente o defensor pblico, operador da defesa tcnica, que acumula as funes de defensor e curador especial na audincia de apresentao. (STJ REsp 912049 / RS Min. Arnaldo Esteves Lima - 5. Turma)

    Ao proferir sentena, o juiz aplicar a medida socioeducativa adequada, podendo cumul-la com medida de proteo ou at mesmo, aplicar duas medidas scioeducativas. Se, no entanto, estiver comprovada a inexistncia do fato, no houver prova da existncia deste, no constituir ato infracional ou no existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional, o juiz no aplicar nenhuma medida, absolvendo o adolescente. Caso o menor esteja internado, ser colocado imediatamente em liberdade.

    Da deciso que concede remisso com aplicao de medida socioeducativa ser cabvel apelao, assim como da deciso que promove o arquivamento, a que absolve ou sanciona o adolescente. A apelao ser no prazo de dez dias para o MP e para a defesa e admite juzo de retratao. (ver recursos art. 198 e seguintes).

    Prazo para concluso do procedimento

    O artigo 183 dispe que, quando o adolescente se encontrar internado provisoriamente, o prazo para encerramento do procedimento de 45 dias. Consoante o artigo 108, o prazo mximo para a internao provisria de 45 dias, o que justifica a norma do artigo 183 do Estatuto.

    DOS CRIMES

    O ECA prev infraes de duas espcies: penais e administrativas.

    Antes de elencar os crimes, o ECA nos traz algumas disposies gerais a todas as infraes penais:

    Art. 225. Este Captulo dispe sobre crimes praticados contra a criana e o adolescente, por ao ou omisso, sem prejuzo do disposto na legislao penal.

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    Art. 226. Aplicam-se aos crimes definidos nesta Lei as normas da Parte Geral do Cdigo Penal e, quanto ao processo, as pertinentes ao Cdigo de Processo Penal.

    Art. 227. Os crimes definidos nesta Lei so de ao pblica incondicionada

    Art. 228. Deixar o encarregado de servio ou o dirigente de estabelecimento de ateno sade de gestante de manter registro das atividades desenvolvidas, na forma e prazo referidos no art. 10 desta Lei, bem como de fornecer parturiente ou a seu responsvel, por ocasio da alta mdica, declarao de nascimento, onde constem as intercorrncias do parto e do desenvolvimento do neonato:

    Pena - deteno de seis meses a dois anos.

    Pargrafo nico. Se o crime culposo:

    Pena - deteno de dois a seis meses, ou multa.

    Como vimos no Captulo 5, ao estudarmos os Direitos Fundamentais, o artigo 10 prev os deveres dos hospitais e demais estabelecimentos de ateno sade da gestante, pblicos e particulares:

    I - manter registro das atividades desenvolvidas, atravs de pronturios individuais, pelo prazo de dezoito anos;

    II - identificar o recm-nascido mediante o registro de sua impresso plantar e digital e da impresso digital da me, sem prejuzo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente;

    III - proceder a exames visando ao diagnstico e teraputica de anormalidades no metabolismo do recm-nascido, bem como prestar orientao aos pais;

    IV - fornecer declarao de nascimento onde constem necessariamente as intercorrncias do parto e do desenvolvimento do neonato;

    V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanncia junto me

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: encarregado de servio ou dirigente do estabelecimento de ateno sade da gestante.

    Sujeito passivo: a criana recm-nascida sujeito passivo primrio. Os pais ou responsvel figuram como sujeitos passivos secundrios.

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br Consumao: tratando-se de crime omissivo, a consumao ocorre no momento da omisso, sendo inadmissvel a tentativa.

    Objeto jurdico: proteo do direito vida, sade e informao.

    Objeto material: registro das atividades desenvolvidas e declarao de nascimento.

    Classificao: crime formal, prprio, de perigo abstrato, omissivo prprio, de concurso eventual e unissubsistente.

    Art. 229. Deixar o mdico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de ateno sade de gestante de identificar corretamente o neonato e a parturiente, por ocasio do parto, bem como deixar de proceder aos exames referidos no art. 10 desta Lei:

    Pena - deteno de seis meses a dois anos.

    Pargrafo nico. Se o crime culposo:

    Pena - deteno de dois a seis meses, ou multa.

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: mdico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de ateno sade da gestante.

    Sujeito passivo: neonato o sujeito passivo principal, e a parturiente, o sujeito passivo secundrio.

    Consumao: tratando-se de crime omissivo prprio, estar consumado no primeiro momento da omisso.

    Tentativa: inadmissvel.

    Objeto jurdico: direito do neonato sade e vida.

    Objetos materiais: o neonato e a parturiente, no que tange a conduta de deixar de identific-los. Os exames, no que tange a omisso em sua realizao.

    Classificao: crime formal, prprio, de perigo abstrato, omissivo prprio, de concurso eventual e unissubsistente.

    Art. 230. Privar a criana ou o adolescente de sua liberdade, procedendo sua apreenso sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciria competente:

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    Pena - deteno de seis meses a dois anos.

    Pargrafo nico. Incide na mesma pena aquele que procede apreenso sem observncia das formalidades legais.

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: qualquer pessoa.

    Sujeito passivo: criana ou adolescente.

    Consumao: com a apreenso da criana ou adolescente de forma indevida.

    Tentativa: admissvel.

    Objeto jurdico:liberdade de locomoo da criana ou adolescente.

    Objeto material: criana ou adolescente.

    Classificao: crime comum, material, permanente, comissivo, de concurso eventual (unissubjetivo), plurissubsistente, de forma livre, de dano.

    - Destaques especiais

    Estabelece o artigo 106 do ECA que o adolescente somente pode ser privado de sua liberdade em duas situaes: estando em flagrante de ato infracional ou por ordem judicial escrita e fundamentada. Quanto ao adolescente apreendido fora das hipteses do artigo 106, a conduta do agente em regra ser tpica, ilcita e culpvel. A hiptese concreta deve ser analisada, pois possvel que exista alguma excludente que afaste a existncia de crime. Imaginemos a situao em que algum priva adolescente de sua liberdade e o encaminha autoridade policial, acreditando de forma justificada que havia flagrante de ato infracional. Nesse caso, o agente ter agido em erro de tipo, sendo afastado o dolo, e no pode responder pelo crime do artigo 230.

    O artigo 230 do ECA prevalece sobre o abuso de autoridade previsto na Lei 4.898/1965, caso a conduta venha a ser praticada por quem exera cargo, emprego ou funo pblica.

    Art. 231. Deixar a autoridade policial responsvel pela apreenso de criana ou adolescente de fazer imediata comunicao autoridade judiciria competente e famlia do apreendido ou pessoa por ele indicada:

    Pena - deteno de seis meses a dois anos.

    - Anlise da estrutura essencial

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br Sujeito ativo: autoridade policial responsvel pela apreenso de criana ou adolescente.

    Sujeito passivo: criana ou adolescente.

    Consumao: no primeiro momento da omisso, quando a autoridade policial teve a oportunidade de fazer a comunicao e deixou de faz-la.

    Tentativa: no admissvel, por se tratar de crime omissivo prprio.

    Objeto jurdico: liberdade de locomoo da criana ou adolescente.

    Objeto material: criana ou adolescente.

    Classificao: crime prprio, formal, omissivo prprio, permanente, de ao nica, unissubjetivo, unissubsistente, de forma livre, de dano.

    - Destaques especiais

    O crime do artigo 231 crime prprio, s pode ser praticado pela autoridade policial responsvel pela apreenso e por sua comunicao, ou seja, a autoridade policial responsvel pela lavratura do auto de apreenso ou do boletim de ocorrncia circunstanciada. Embora o tipo penal mencione a expresso imediata comunicao, deve haver razoabilidade na interpretao, devendo ser levada em conta a primeira oportunidade de comunicao pela autoridade policial, isso porque, em virtude do nmero de adolescentes apreendidos ou de outras situaes casusticas, pode no ser possvel a comunicao imediata, sendo a conduta considerada atpica se houver a comunicao, ainda que no imediata, no primeiro momento que se afigure como possvel.

    Assim como vimos no artigo anterior, o artigo 231 tambm prepondera sobre a previso de abuso de autoridade da Lei 4.898/1965.

    Art. 232. Submeter criana ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilncia a vexame ou a constrangimento:

    Pena - deteno de seis meses a dois anos.

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: aquele que exera autoridade, guarda ou vigilncia sobre o menor.

    Sujeito passivo: criana ou adolescente.

    Consumao: prtica de ato que exponha a criana ou adolescente a vexame ou a constrangimento.

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br Tentativa: admissvel, de acordo com o meio eleito pelo sujeito ativo. Caso o meio eleito torne o crime unissubsistente, a tentativa ser inadmissvel.

    Objeto jurdico: integridade fsica e emocional da criana e adolescente.

    Objeto material: criana ou adolescente.

    Classificao: crime prprio, material, instantneo ou permanente, de acordo com o meio eleito, assim como unissubsistente ou plurissubsistente, tambm de acordo com o meio eleito, de ao nica, unissubjetivo, de forma livre, comissivo, de dano.

    - Destaques especiais

    A submisso a vexame ou constrangimento apenas pode ser praticada por quem exerce autoridade, guarda ou vigilncia sobre o menor, tratando-se de crime prprio. Eventual submisso por outra pessoa pode caracterizar outro tipo penal, como crime contra a honra, se houver ofensa dignidade ou decoro, constrangimento ilegal (artigo 146 do CP), caso a criana ou adolescente seja constrangida a fazer algo que a lei no obrigue ou a no fazer algo que a lei permita. possvel ainda a caracterizao de leso corporal, de contraveno penal de vias de fato.

    As elementares vexame e constrangimento caracterizam elementos normativos do tipo penal que devem ser valorados no caso concreto. Caso a conduta seja praticada por quem exera cargo, emprego ou funo pblica, o crime do artigo 232 prepondera sobre o de abuso de autoridade (Lei 4.898/1965). No entanto, caso exista dolo de causar intenso sofrimento fsico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de carter preventivo, o delito caracterizado ser de tortura (Lei 9.455/1997 artigo 1, II). possvel ainda que, caso exista o animus corrigendi, disciplinandi, com exposio da criana ou adolescente a perigo, a conduta passe a caracterizar o delito de maus tratos (artigo 136 do CP). Ou seja, o critrio de distino o elemento subjetivo. No crime do artigo 232, o dolo de causar vexame ou constrangimento; essa a finalidade em si mesma. Caso o vexame ou constrangimento se apresentem como meios de uma conduta guiada por dolo de praticar outro tipo penal, o artigo 232 restar absorvido.

    Artigo 233

    O artigo 233 do ECA foi a primeira modalidade de tortura prevista em nosso ordenamento jurdico penal, tendo sido revogada pela Lei 9.455/1997. Na poca da vigncia do artigo 233, sua constitucionalidade foi questionada, tendo decidido o STF pela afirmao da constitucionalidade do referido artigo. Atualmente, a criana ou adolescente podem ser vtimas de algumas modalidades de torturas previstas na Lei 9.455/1997, sobre a qual incidir causa de aumento de pena prevista no artigo 1, pargrafo 4, da referida Lei.

    Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberao de criana ou adolescente, to logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreenso:

    Pena - deteno de seis meses a dois anos.

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    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: autoridade competente para ordenar a liberao de criana ou adolescente.

    Sujeito passivo: criana ou adolescente.

    Consumao: no primeiro momento em que o agente deveria ordenar a liberao e se absteve de orden-la.

    Tentativa: inadmissvel, por se tratar de crime omissivo prprio.

    Objeto jurdico: liberdade de locomoo da criana ou adolescente.

    Objeto material: criana ou adolescente.

    Classificao: crime prprio, material, permanente, de ao nica, unissubjetivo, de forma livre, unissubsistente, omissivo prprio, de dano.

    - Destaques especiais

    O artigo 234 prev modalidade de crime omissivo prprio praticado pela autoridade competente que deve ordenar a liberao de criana ou adolescente. A expreso sem justa causa constitui elemento normativo do tipo, que deve ser valorado no caso concreto. A presena de justa causa exclui a tipicidade. O crime no admite modalidade culposa. A no liberao deve ser dolosa.

    Como nos demais delitos que apresentam conflito com a lei de abuso de autoridade (Lei 4.898/1965), o tipo penal em anlise prepondera em apreo especialidade. A mesma conduta praticada contra pessoa adulta caracterizaria crime de abuso de autoridade.

    Art. 235. Descumprir, injustificadamente, prazo fixado nesta Lei em benefcio de adolescente privado de liberdade:

    Pena - deteno de seis meses a dois anos.

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: juiz ou autoridade policial.

    Sujeito passivo: adolescente privado de liberdade.

    Consumao: descumprimento do prazo.

    Tentativa: inadmissvel, por se tratar de crime omissivo prprio.

    Objeto jurdico: liberdade de locomoo do adolescente.

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br Objeto material: o prazo estipulado no ECA.

    Classificao: crime prprio, formal, permanente, de ao nica (uninuclear), unissubsistente, de forma livre, omissivo prprio, de dano.

    - Destaques especiais:

    A autoridade policial e o juiz devem respeitar vrios prazos previstos no ECA a favor de adolescente privado da liberdade. Dentre eles, o prazo mximo da internao provisria (artigo 108: 45 dias), da internao-sano (artigo 122, pargrafo 1: 3 meses trata-se de internao que substitui medida socioeducativa anteriormente imposta ao adolescente e descumprida de forma injustificada e reiterada), da internao decorrente de sentena transitada em julgado (artigo 121, pargrafo 3: 3 anos), da reavaliaao na medida de internao (artigo 121, pargrafo 2: 6 meses) e da permanncia em sede policial (artigo 175, pargrafo 1: 24 horas em caso de impossibilidade de apresentao imediata do adolescente ao Ministrio Pblico, a autoridade policial encaminhar o adolescente entidade de atendimento, que far a apresentao ao representante do Ministrio Pblico, ou o artigo 185, pargrafo 2, que estabelece que, sendo impossvel a pronta transferncia, o adolescente aguardar sua remoo em repartio policial, desde que em seo isolada dos adultos e com instalaes apropriadas, no podendo ultrapassar o prazo mximo de cinco dias, sob pena de responsabilidade).

    O descumprimento de tais prazos deve se dar de forma injustificada e dolosa. A elementar injustificada constitui elemento normativo do tipo penal, que deve ser valorado no caso concreto.

    Trata-se de crime omissivo prprio que estar consumado com o descumprimento injustificado do prazo, o que por si s ofende a liberdade de locomoo do adolescente. O crime material por ser necessria a ocorrncia de resultado naturalstico, qual seja a continuidade indevida da privao da liberdade nos casos de descumprimento de prazo para a liberao, ou a permanncia do adolescente em local inapropriado por perodo maior que o permitido na lei. Por se tratar de crime omissivo prprio, no se admite a tentativa.

    O artigo 235, embora mencione prazo que abrange o perodo mximo de internao, no se confunde com o delito anterior. Caso o adolescente tenha sido apreendido ilegalmente, sua no liberao constitui crime previsto no artigo 234. Caso a no liberao seja resultante de inobservncia de prazo fixado no ECA, o crime praticado ser o previsto no artigo 235.

    Art. 236. Impedir ou embaraar a ao de autoridade judiciria, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministrio Pblico no exerccio de funo prevista nesta Lei:

    Pena - deteno de seis meses a dois anos.

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: qualquer pessoa.

    Sujeito passivo: Estado, especialmente presentado pelo Ministrio Pblico, Conselho Tutelar ou Justia da Infncia e Juventude.

    Consumao: primeiro ato que dificulte a ao da autoridade judiciria, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministrio Pblico.

    Tentativa: admite tentativa sempre que a conduta for fracionvel.

    Objeto jurdico: interesse da administrao da justia.

    Objeto material: atuao da autoridade judiciria, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministrio Pblico.

    Classificao: crime comum, formal, instantneo, de ao mltipla (ou contedo variado) unissubjetivo, plurissubsistente, de forma livre, comissivo ou omissivo, de perigo abstrato.

    - Destaques especiais

    Determina o artigo 95 do ECA que cabe ao juiz, ao Conselho Tutelar e ao Ministrio Pblico a fiscalizao das entidades governamentais e no governamentais de atendimento criana ou ao adolescente.

    Qualquer pessoa que dolosamente impea ou atrapalhe, de qualquer forma, a atuao referida, ainda que posteriormente, incidir nas penas do artigo 236. Por exemplo, caso algum recuse o acesso de Promotor de Justia a entidade de atendimento, mesmo que este consiga entrar na entidade alguns momentos depois com fora policial, o crime j ter se consumado. Trata-se de crime comissivo formal e instantneo. Ainda que comprovadamente no haja nenhuma irregularidade na entidade, o mero ato de dificultar a atividade fiscalizatria constitui crime.

    Art. 237. Subtrair criana ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocao em lar substituto:

    Pena - recluso de dois a seis anos, e multa.

    O artigo 237 prev modalidade especfica de subtrao de menores. Um dos principais destaques a distino entre essa modalidade especfica e a genrica, do artigo 249 do Cdigo Penal, que assim dispe:

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    Art. 249 - Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:

    Pena - deteno, de dois meses a dois anos, se o fato no constitui elemento de outro crime.

    1 - O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito no o exime de pena, se destitudo ou temporariamente privado do ptrio poder, tutela, curatela ou guarda.

    2 - No caso de restituio do menor ou do interdito, se este no sofreu maus-tratos ou privaes, o juiz pode deixar de aplicar pena

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: qualquer pessoa.

    Sujeito passivo: criana ou adolescente, alm de quem exerce a guarda.

    Consumao: no momento em que a criana ou adolescente afastada do poder de quem o tenha sob sua guarda, desde que existente a finalidade de colocao em lar substituto.

    Tentativa: admissvel.

    Objeto jurdico: proteo convivncia familiar, direito de permanecer em sua famlia natural, extensa ou substituta, e ainda tutela-se o direito de guarda de quem a exerce.

    Objeto material: criana ou adolescente.

    Classificao: crime comum, material, instantneo de efeitos permanentes, de ao nica, unissubjetivo, plurissubsistente, de forma livre, comissivo, de dano.

    - Destaques especiais

    Podemos perceber que no artigo 237 do ECA existe um elemento subjetivo especial o fim de colocao em lar substituto, finalidade inexistente no artigo 249 do Cdigo Penal. A presena deste elemento especializa o crime previsto no ECA.

    Sendo proibida a interpretao extensiva, no se perfaz o artigo 237 se houver subtrao da criana ou do adolescente de quem o tenha sob guarda de fato, podendo restar caracterizado outro delito.

    Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa:

    Pena - recluso de um a quatro anos, e multa.

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    Pargrafo nico. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa.

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: pai, me, tutor, guardio e aquele que oferece ou efetiva a paga ou recompensa (pargrafo nico).

    Sujeito passivo: criana ou adolescente.

    Consumao: com a promessa ou com a entrega, caso no haja promessa anterior.

    Tentativa: admissvel na modalidade de entrega, desde que no haja promessa anterior.

    Objeto jurdico: direito da criana ou adolescente de permanecer em sua famlia natural, extensa ou substituta.

    Objeto material: criana ou adolescente.

    Classificao: crime prprio, formal na modalidade de prometer, material na modalidade de efetivar a entrega sem anterior promessa (nos casos de promessa anterior, a efetivao da entrega mero exaurimento), de contedo variado, unissubjetivo, plurissubsistente dependendo do meio escolhido pelo agente, de forma livre, comissivo, de perigo na modalidade de prometer e de dano na modalidade de efetivar a entrega.

    - Destaques especiais

    Com a tipificao da conduta, procura-se evitar o trfico de crianas e adolescentes. importante destacar que no h proibio de entrega do filho para adoo, mas essa entrega no pode ser voltada finalidade de paga ou recompensa. O prprio ECA menciona, em vrias passagens, o consentimento dos pais na adoo e a assistncia psicolgica gestante que manifeste a vontade de entregar seu filho para adoo. Dessa forma, a tipificao envolve a entrega condicionada paga ou recompensa. No entanto, o crime estar consumado com a mera promessa ou entrega do filho ou pupilo, desde que presente a especial finalidade exigida pelo tipo.

    Pela exigncia de elemento subjetivo especial, trata-se de delito de tendncia transcendental, ou seja, de resultado ulterior (recebimento da paga ou recompensa).

    ainda importante destacar que a pessoa que promete ou efetiva a paga ou recompensa responde por figura correlata, estabelecida pelo pargrafo nico.

    O Cdigo Penal prev conduta semelhante no artigo 245:

    Art. 245 - Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo: (Redao dada pela Lei n 7.251, de 1984)

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    Pena - deteno, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Redao dada pela Lei n 7.251, de 1984)

    1 - A pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos de recluso, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o menor enviado para o exterior. (Includo pela Lei n 7.251, de 1984)

    2 - Incorre, tambm, na pena do pargrafo anterior quem, embora excludo o perigo moral ou material, auxilia a efetivao de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro.

    Ainda que a entrega, com finalidade de obter paga ou recompensa, se d a pessoa em cuja companhia a criana ou adolescente fique moral ou materialmente em perigo, prepondera o artigo 238 do ECA, por ser especial em relao ao artigo 245 do Cdigo Penal. Trata-se de aplicao do princpio da especialidade.

    Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivao de ato destinado ao envio de criana ou adolescente para o exterior com inobservncia das formalidades legais ou com o fito de obter lucro:

    Pena - recluso de quatro a seis anos, e multa.

    Pargrafo nico. Se h emprego de violncia, grave ameaa ou fraude: (Includo pela Lei n 10.764, de 12.11.2003)

    Pena - recluso, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, alm da pena correspondente violncia.

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: qualquer pessoa.

    Sujeito passivo: criana ou adolescente.

    Consumao: com a efetivao do ato destinado ao envio da criana ou do adolescente, sendo desnecessrio o envio em si.

    Tentativa: admissvel.

    Objeto jurdico: proteo famlia da criana ou do adolescente.

    Objeto material: criana ou adolescente.

    Classificao: crime comum, formal, de contedo variado, unissubjetivo, plurissubsistente, de forma livre, comissivo, de perigo abstrato

    - Destaques especiais

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br Assim como no artigo anterior, aqui tambm podemos aplicar o princpio da especialidade em relao ao artigo 245 do Cdigo Penal. A conduta tipificada no artigo 239 consiste em promover (efetivar, praticar o ato) ou auxiliar (colaborar com o responsvel por promover a efetivao) a efetivao de ato destinado ao envio de criana ou adolescente para o exterior (outro pas), sem observar as formalidades legais ou com inteno de obter lucro. Trata-se de hiptese de alternatividade entre a forma de envio e a finalidade especial. Ou seja, o crime estar consumado com a efetivao de ato destinado ao envio sem observar as formalidades legais. Observadas as formalidades legais, haver o crime se presente intuito de lucro.

    Na modalidade de inobservncia das formalidades legais, constitui-se tipo penal em branco, por ser necessria a complementao das formalidades que so exigidas para o envio de criana ou adolescente para o exterior. Levando em conta que as formalidades so provenientes de lei, trata-se de tipo penal em branco homogneo. Nos casos de formalidades previstas dentro do prprio Estatuto da Criana e do Adolescente, estamos diante de tipo penal em branco homogneo homovitelino.

    Na modalidade de finalidade especial de lucro, trata-se de delito de inteno transcendental, ou seja, desejado resultado ulterior (que, no entanto, no precisa se realizar para que o crime esteja consumado). No necessrio o envio da criana ou adolescente para o exterior, bastando consumao a prtica do ato destinado ao envio para que o crime esteja consumado. Trata-se, portanto, de crime formal, sem necessidade de ocorrncia do resultado naturalstico.

    O STJ enfrentou recentemente a controvrsia acerca da natureza do crime quanto sua consumao:

    A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu, por maioria, que o delito previsto no art. 239 da Lei n. 8.069/1990 (ECA), de auxiliar na prtica de ato ilcito com o escopo de enviar criana ou adolescente ao exterior sem a observncia das formalidades legais (adoo) ou com o fito de obter lucro, crime de mera conduta, o que afasta a tese de tentativa a incidir na hiptese, em que presos os ora pacientes antes da expedio de passaportes. O Min. Nilson Naves, vencido, sustentava a possibilidade da tentativa, ao entrever que a estrutura do tipo mais se aproxima ao dos crimes de resultado (de carter material) ao exigir o envio da criana ao exterior para consumao do delito. HC 39.332-RJ, Rel. originrio Min. Nilson Naves, Rel. para acrdo Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 9/12/2005.

    Pornografia infantil, no necessariamente pedofilia anlise dos artigos 240 e 241, alterados pela Lei 11.829/2008

    Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explcito ou pornogrfica, envolvendo criana ou adolescente: (Redao dada pela Lei n 11.829, de 2008)

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    Pena recluso, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redao dada pela Lei n 11.829, de 2008)

    1o Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participao de criana ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena. (Redao dada pela Lei n 11.829, de 2008)

    2o Aumenta-se a pena de 1/3 (um tero) se o agente comete o crime: (Redao dada pela Lei n 11.829, de 2008)

    I no exerccio de cargo ou funo pblica ou a pretexto de exerc-la; (Redao dada pela Lei n 11.829, de 2008)

    II prevalecendo-se de relaes domsticas, de coabitao ou de hospitalidade; ou (Redao dada pela Lei n 11.829, de 2008)

    III prevalecendo-se de relaes de parentesco consangneo ou afim at o terceiro grau, ou por adoo, de tutor, curador, preceptor, empregador da vtima ou de quem, a qualquer outro ttulo, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento. (Includo pela Lei n 11.829, de 2008)

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: qualquer pessoa. Eventual qualidade especial majora a pena.

    Sujeito passivo: criana ou adolescente.

    Consumao: com a produo, reproduo, direo, fotografia, filmagem ou registro da cena de sexo explcito ou pornogrfica, tratando-se de crime formal.

    Tentativa: admissvel.

    Objeto jurdico: a dignidade e liberdade sexual da criana e adolescente.

    Objeto material: a criana ou adolescente.

    Classificao: crime comum, formal, instantneo, de forma livre, de contedo variado (de ao mltipla), comissivo ou omissivo imprprio, unissubjetivo, plurissubsistente, de perigo.

    - Destaques especiais

    Com a alterao promovida pela Lei 11.829/2008, o artigo 240 incluiu os verbos reproduzir, fotografar, filmar e registrar. Manteve a possibilidade da prtica por qualquer meio, aboliu a cena vexatria, mantendo to-somente a cena de sexo explcito ou pornogrfica. O preceito secundrio passou a prever pena de recluso quatro a oito anos. Foi mantida a previso tpica da conduta daquele que contracena com a criana ou adolescente, incorrendo ele na mesma pena do caput. Como forma equiparada, tambm foi includa a conduta daquele que agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedia a participao de criana

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br ou adolescente em cenas de sexo explcito ou pornogrficas. A seguir, transcrevemos julgado do STJ quanto conduta de quem permite que as imagens sejam filmadas em seu apartamento:

    A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu, por maioria, que o delito previsto no art. 239 da Lei n. 8.069/1990 (ECA), de auxiliar na prtica de ato ilcito com o escopo de enviar criana ou adolescente ao exterior sem a observncia das formalidades legais (adoo) ou com o fito de obter lucro, crime de mera conduta, o que afasta a tese de tentativa a incidir na hiptese, em que presos os ora pacientes antes da expedio de passaportes. O Min. Nilson Naves, vencido, sustentava a possibilidade da tentativa, ao entrever que a estrutura do tipo mais se aproxima ao dos crimes de resultado (de carter material) ao exigir o envio da criana ao exterior para consumao do delito. HC 39.332-RJ, Rel. originrio Min. Nilson Naves, Rel. para acrdo Min. Hamilton Carvalhido, 5. Turma - julgado em 9/12/2005

    Quanto ao pargrafo 2, esse deixa de prever forma qualificada (nova escala penal), passando a constituir causa de aumento de pena e mantendo a prtica no exerccio de funo pblica, assim como incluindo o pretexto de exerc-la. A finalidade especial de obter vantagem patrimonial foi retirada do tipo penal, podendo ser considerada na dosimetria da pena como circunstncia judicial. Foi includa, ainda, como causa de aumento, o fato de prevalecer-se de relaes domsticas, de coabitao ou de hospitalidade; prevalecer-se de relaes de parentesco consanguneo ou afim at terceiro grau, de adoo, de tutor, curador, preceptor, empregador da vtima ou de quem, a qualquer outro ttulo, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento.

    Em termos gerais, o tipo penal constitui novatio legis in pejus, cominando pena mais gravosa e incluindo novas condutas tpicas e causas de aumento. No entanto, promoveu a descriminalizao da cena vexatria,2 alm de retirar a punio mais exacerbada da existncia de finalidade patrimonial.

    Lembramos ao leitor que a condio de causas de aumento de pena faz com que, na dosimetria da pena, tenha-se uma valorao cuidadosa da culpabilidade nas circunstncias judiciais. Ou seja, nenhuma dessas causas de aumento pode ter sido valorada nas circunstncias judiciais, mas to-somente na terceira fase da dosimetria, pois valorar na pena-base e posteriormente na terceira fase, alm de constituir bis in idem, caracterizaria responsabilidade penal objetiva quanto causa de aumento de pena.

    Para se responder pelo delito em estudo, as imagens no precisam ser divulgadas, vendidas ou publicadas. A simples conduta de registrar as cenas descritas no artigo j constitui a consumao do crime. No entanto, a posterior conduta relacionada ao produto do crime ser punida em concurso de crimes, exceto se o planejamento

    2 Quanto s condutas relacionadas s cenas que no se adequem previso do artigo 241-E, houve abolitio criminis.

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br inicial do autor j se direcionava conduta posterior. Esclarecendo: se o agente j produz as fotos com o intuito de vend-las, sustentamos deva ele responder pelo crime-fim (artigo 241), ficando a conduta anterior absorvida em virtude da aplicao do princpio da consuno. Quanto s condutas previstas no artigo 240, o tipo penal misto alternativo. Dessa forma, a prtica de mais de um verbo dentro do mesmo contexto no caracteriza concurso de crimes, mas sim crime nico.

    Outro destaque de grande importncia relaciona-se com a conduta daquele que contracena com criana ou adolescente. Caso o sujeito passivo tenha idade inferior a 14 anos, o agente responde pelo crime de estupro de vulnervel em virtude da prtica de qualquer ato libidinoso, consoante dispe o artigo 217-A do Cdigo Penal, includo pela Lei 12.015/2010. Em virtude da semelhana de bens jurdicos tutelados e da unidade de conduta na prtica de ato libidinoso no momento em que existe a cena, entendemos pela aplicabilidade apenas do artigo 217-A, frente ao princpio da especialidade. Entendemos que a conduta prevista no artigo 217-A derrogou tacitamente a previso tpica daquele que contracena com a criana ou adolescente, desde que o sujeito passivo tenha idade inferior a 14 anos.

    Na anlise do artigo 240 e dos demais artigos que estudaremos, fundamental a meno inicial ao artigo 241-E, que traz o conceito de cena de sexo explcito ou pornogrfica, assim dispondo:

    Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expresso cena de sexo explcito ou pornogrfica compreende qualquer situao que envolva criana ou adolescente em atividades sexuais explcitas, reais ou simuladas, ou exibio dos rgos genitais de uma criana ou adolescente para fins primordialmente sexuais.

    Entendemos que, em geral, a reforma bem-vinda, exceto no que tange o disposto neste artigo. O legislador, ao prever o conceito das cenas mencionadas nos artigos 240, 241 e 241-A a D, transformou os citados tipos penais em normas em branco, a terem seus elementos complementados pela disposio do artigo 241-E. No que tange a finalidade primordialmente sexual, de fato, apenas essa merece tipificao, pois, caso contrrio, os pais que tirassem fotos de seus filhos em uma praia de nudismo, por exemplo, incorreriam em crime. No entanto, ao prever o conceito das cenas de sexo explcito e, principalmente, das pornogrficas, o legislador transformou elementos normativos, que muito bem poderiam ter sido valorados pelo Magistrado casusticamente, em elementos objetivos, que no admitem valorao. A previso restringiu a aplicao dos artigos anteriores. Imaginemos aquele que fotografa criana de seis anos, de lingerie, em pose sensual, mas sem mostrar seus rgos genitais. Em virtude do disposto no artigo 241-E, sua conduta no encontraria tipificao no artigo 240 do ECA. A no ser que se sustente que a definio exemplificativa, o que nos parece temerrio em termos principiolgicos do Direito Penal, a conduta seria atpica.

    Art. 241. Vender ou expor venda fotografia, vdeo ou outro registro que contenha cena de sexo explcito ou pornogrfica

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    envolvendo criana ou adolescente:(Redao dada pela Lei n 11.829, de 2008)

    Pena recluso, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redao dada pela Lei n 11.829, de 2008)

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: qualquer pessoa.

    Sujeito passivo: criana ou adolescente.

    Consumao: com a venda, se no houver anterior exposio. Caso contrrio, a mera exposio venda j faz com que o crime esteja consumado.

    Tentativa: admissvel na modalidade plurissubsistente.

    Objeto jurdico: a proteo formao moral da criana e adolescente e sua dignidade sexual.

    Objeto material: fotografia, vdeo ou outro registro contendo as imagens.

    Classificao: crime comum, formal, instantneo, de forma livre, de contedo variado (de ao mltipla), comissivo, unissubjetivo, plurissubsistente na modalidade de vender, unissubsistente na modalidade de expor venda, de perigo.

    - Destaques importantes

    As antigas condutas previstas no artigo 241 foram divididas e somadas a vrias outras ao longo dos diversos artigos com numerao 241. Neste que comeamos a estudar, o legislador previu apenas as condutas de comercializao, ou seja, a de vender ou de expor venda. Nessa modalidade, o intuito de lucro no necessrio. Trata-se de delito de tendncia; o fim especial de agir no est expressamente previsto no tipo penal.

    Na modalidade de expor venda, o crime permanente. J na modalidade de vender, instantneo. Como vimos no tpico anterior, em regra, se foi o prprio agente quem produziu as imagens, haver possibilidade de concurso de crimes. Entendemos que crimes da mesma espcie so aqueles que possuem o mesmo bem jurdico tutelado, sendo possvel o reconhecimento da continuidade delitiva nos dos artigos 240 e 241, desde que preenchidos os demais requisitos do artigo 241, inclusive o elemento subjetivo, ou seja, a unidade de desgnio.

    Neste artigo tambm necessria a consulta ao artigo 241-E, que definir cena de sexo explcito ou pornogrfica. Dessa forma, o artigo 241 constitui norma penal em branco a ser complementada em seu elemento objetivo pelo disposto no artigo 241-E do prprio Estatuto. Trata-se, assim, de norma penal em branco homognea homovitelina.

    As demais condutas relacionadas a cenas de sexo explcito ou pornogrficas estaro tipificadas nos artigos seguintes.

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    Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informtica ou telemtico, fotografia, vdeo ou outro registro que contenha cena de sexo explcito ou pornogrfica envolvendo criana ou adolescente: (Includo pela Lei n 11.829, de 2008)

    Pena recluso, de 3 (trs) a 6 (seis) anos, e multa. (Includo pela Lei n 11.829, de 2008)

    1o Nas mesmas penas incorre quem: (Includo pela Lei n 11.829, de 2008)

    I assegura os meios ou servios para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo;(Includo pela Lei n 11.829, de 2008)

    II assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores s fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo. (Includo pela Lei n 11.829, de 2008)

    2o As condutas tipificadas nos incisos I e II do 1o deste artigo so punveis quando o responsvel legal pela prestao do servio, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao contedo ilcito de que trata o caput deste artigo. (Includo pela Lei n 11.829, de 2008)

    - Anlise da estrutura essencial

    Sujeito ativo: qualquer pessoa.

    Sujeito passivo: criana ou adolescente.

    Consumao: com a prtica das condutas previstas no tipo penal, ou seja, com oferecimento, troca, disponibilizao, transmisso, distribuio, publicao ou divulgao. Nas formas equiparadas, no momento em que o armazenamento ou o acesso assegurado.

    Tentativa: admissvel.

    Objeto jurdico: a proteo formao moral da criana e adolescente e sua dignidade sexual.

    Objeto material: fotografia, vdeo ou outro registro que contenha cena de sexo explcito ou pornogrfica envolvendo criana ou adolescente.

    Classificao: crime comum, formal, instantneo, permanente nas modalidades de disponibilizar e divulgar, de forma livre, de contedo variado (de ao mltipla), comissivo ou omissivo imprprio, unissubjetivo, plurissubsistente, de perigo.

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br - Destaques importantes

    Vrios verbos foram includos nesta nova modalidade tpica. Trata-se de tipo penal misto alternativo. A prtica de mais de uma conduta em um nico contexto no caracteriza concurso de crimes.

    O caput abrange praticamente todas as formas de se dar publicidade a imagens. A troca ou envio de imagens por e-mail, por exemplo, caracteriza o crime. No h necessidade de disponibilizao para nmero indeterminado de pessoas, sequer h necessidade de conhecimento das imagens por mais de uma pessoa. O simples envio de uma pessoa para a outra j caracteriza o crime. Ao passo que a conduta com intuito comercial, ou seja, a venda, se encontra no artigo anterior, neste artigo pode-se alcanar qualquer disponibilizao gratuita para uma ou vrias pessoas, fator que deve ser analisado na dosimetria da pena, na primeira fase, como consequncia do crime. O crime tambm estar consumado ainda que o destinatrio no queira receber as imagens, pois o tipo penal prev a conduta de oferecer.

    Ao abranger o meio telemtico, possvel a punio daquele que enviar as imagens por mensagem de celular ou qualquer aparelho de transmisso. Ou seja, o tipo penal em anlise um dos mais amplos do ECA.

    O pargrafo 1 traz condutas equiparadas, determinando a responsabilidade penal daquele que assegura os meios ou servios para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de sexo explcito ou pornogrficas, bem como ao que assegura o acesso a elas. No entanto, importante destacar que no se pode exigir dos responsveis pelos provedores que eles controlem a cada segundo todas as imagens que so publicadas ou acessadas. Por questo de razoabilidade, o legislador estabeleceu no pargrafo 2, como condio objetiva de punibilidade, a notificao oficial. Imaginemos que o responsvel pelo provedor de armazenamento das imagens receba notificao oficial para desabilitar o contedo com pornografia infantil e, ainda assim, deixa de desabilit-la. Apenas nessa situao que o responsvel pelo provedor poder incorrer na mesma pena.

    - A competncia na viso dos Tribunais Superiores

    Questo que tem gerado amplas discusses no mbito do STJ e STF se relaciona determinao da competncia quanto ao crime previsto neste artigo, na modalidade de publicar a imagem principalmente se a publicao se der pela internet, podendo ser acessada de qualquer lugar do mundo. Questiona-se, para a determinao da competncia da Justia Estadual ou Federal e da aplicao da lei penal brasileira (aspecto penal), qual seria o momento da consumao do crime, de forma a se aplicar a teoria do resultado, fixada no CPP, para determinao da competncia.

    Outro aspecto de importncia a determinao do lugar do crime, tendo em vista que a conduta praticada no Brasil, mas teria de se aferir se o resultado ocorre aqui ou em territrio estrangeiro, pois, neste ltimo caso, iria alm das fronteiras nacionais, atraindo a competncia da Justia Federal. Indaga-se, ainda, se seria relevante o local em que se encontra sediado o provedor, pois possvel, por

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br exemplo, que a publicao se d em um Estado e o provedor se encontre localizado em outro,ou que o provedor se encontre sediado fora do Brasil, embora a publicao tenha se dado por computador localizado em territrio nacional.

    Colacionamos a seguir vrios julgados dos Tribunais Superiores acerca do tema, de forma que o leitor possa ter uma viso de como a questo vem sendo orientada na jurisprudncia:

    A consumao do crime previsto no art. 241 do ECA (publicar cena pornogrfica que envolva criana ou adolescente), para fins de fixao de competncia, d-se no ato da publicao das imagens. Essa soluo que mais se coaduna com o esprito do legislador insculpido no art. 70 do CPP. Dessarte, irrelevante, para tal fixao, a localizao do provedor de acesso Internet onde as imagens estavam armazenadas ou mesmo o local da efetiva visualizao pelos usurios. (STJ - CC 29.886-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 12/12/2007 Terceira Seo Informativo 342) (grifos nossos)

    Trata-se de conflito negativo de competncia em que o juzo federal do RJ e o juzo federal do jri e das execues penais de SP declararam-se incompetentes para presidir inqurito policial que apura delito tipificado no art. 241 da Lei n. 8.069/1990 supostamente praticado pelo paciente, enquanto teria vinculado imagens pornogrficas de crianas e adolescentes na Internet. Explica o Min. Relator que, de acordo com o entendimento deste Superior Tribunal, o delito previsto no art. 241 do ECA ocorre no momento da publicao das imagens, ou seja, no lanamento das fotografias de pornografia infantil na Internet. Por isso, o local em que se encontra sediado o provedor de acesso ao ambiente virtual no relevante para a fixao da competncia. Diante do exposto, a Seo declarou competente o juzo do jri e das execues penais de So Paulo, o suscitado, levando em conta ser o local do lanamento das fotos na Internet, de acordo com a documentao dos autos. Precedente citado: STJ - CC 29.886-SP, DJ 1/2/2008. CC 66.981-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/2/2009 Terceira Seo Informativo 384 (grifos nossos)

    Discute-se a competncia para processar e julgar diversos crimes veiculados em sites da Internet: divulgao de imagens pornogrficas de crianas e adolescentes, estelionato, facilitao de prostituio e corrupo de menores. O juzo federal reconheceu como de sua competncia o delito de divulgao de imagens pornogrficas e suscitou o conflito de competncia em relao aos demais delitos. Por outro lado, o parecer do Ministrio Pblico Federal reconheceu a existncia de conexo probatria ou instrumental (em que o vnculo objetivo, pois as infraes nutrem relao de causa e efeito). Por esse

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    motivo, todos os delitos deveriam ser apreciados pela Justia Federal. Para a Min. Relatora, imprescindvel verificar se, entre os crimes de estelionato, facilitao de prostituio e corrupo de menores, haveria vnculo etiolgico com o delito do art. 241 do ECA, esse ltimo de competncia da Justia Federal. Assim, sob esse prisma, o delito contra o patrimnio perpetrado por meio de outro site no tem liame instrumental, relao de causa e efeito, para justificar a competncia federal. Ademais, o fato de esse delito, em tese, ter extravasado limites estaduais no autoriza o reconhecimento de afetao de bens jurdicos da Unio, nem nas hipteses elencadas no art. 109 da CF/1988. J os crimes de facilitao de prostituio e corrupo de menores praticados no mesmo site do crime de divulgao de imagens pornogrficas de crianas e adolescentes, em razo do reconhecimento da conexo instrumental ou probatria e luz da Sm. n. 122-STJ, devem ser julgados na Justia Federal. Com esse entendimento, a Seo declarou competente o juzo de Direito da vara criminal, o suscitado, para processar e julgar o crime de estelionato, e o juzo federal criminal e juizado especial, o suscitante, para julgar os demais crimes. (STJ - CC 101.306-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 16/2/2009 Terceira Seo Informativo 384 ) (grifos nossos)

    No julgado abaixo, a Primeira Turma do STF, no HC 86829, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, entendeu que a consumao se opera com o acesso, que, tendo sido alm das fronteiras brasileiras, atrai a competncia da Justia Federal:

    EMENTA: PROCESSO PENAL. COMPETNCIA. CRIME TIPIFICADO NO ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE. CONSUMAO E EXAURIMENTO NO EXTERIOR. COMPETNCIA DA JUSTIA FEDERAL. I - Compete Justia Federal processar e julgar os crimes cuja consumao se deu em territrio estrangeiro (art. 109, V, CF). II - O crime tipificado no art. 241 do Estatuto da Criana e do Adolescente, consubstanciado na divulgao ou publicao, pela internet, de fotografias pornogrficas ou de cenas de sexo explcito envolvendo crianas ou adolescentes, cujo acesso se deu alm das fronteiras nacionais, atrai a competncia da Justia Federal para o seu processamento e julgamento. III - Ordem denegada. (grifos nossos)

    O Cdigo Penal determina o lugar do crime com a adoo da teoria mista, ou seja, considera-se praticado o crime no lugar da ao ou omisso, assim como onde ocorreu ou deveria ocorrer o resultado. Com isso, definido o lugar do crime, passamos a anlise de seu momento. Adotando o artigo 4 do CP a teoria da atividade, considera-se como momento do crime o momento da ao ou omisso.

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br Tais definies servem para fixarmos os critrios definidos na lei penal sobre a aplicao da lei no tempo e no espao (artigos 2 a 8 do Cdigo Penal).

    No entanto, definir momento do crime no se confunde com definir sua consumao, o que ser de extrema relevncia para determinar aspectos processuais como a competncia. A consumao depende da natureza do crime, e a que chegamos ao problema o crime seria formal ou material? Estaria ele consumado com a conduta de publicar as imagens? Ou seria material, etaria relacionado ao acesso a elas, dependendo, portanto, de resultado naturalstico? No primeiro caso, o acesso seria mero exaurimento.

    O STJ vem orientando, como vimos, no sentido de que a consumao se daria com a publicao, sendo o crime formal. No entanto, determina a competncia da Justia Federal. Ocorre que o inciso utilizado para a fundamentao menciona os crimes previstos em tratados e convenes internacionais, quando, iniciada a execuo no pas, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente. No entanto, analisando tal dispositivo, parece mais coerente a determinao visualizada no julgado do STF pela consumao do crime em territrio estrangeiro, pois assim teramos a existncia de Conveno (Conveno Internacional dos Direitos da Criana), com o resultado ocorrendo em territrio estrangeiro a no ser que conclussemos pela utilizao do inciso do artigo 109, que determina a competncia da Justia Federal para processar e julgar os crimes que representam grave violao de direitos humanos.

    Entendemos ser o crime de natureza formal, estando consumado no momento da publicao das imagens. Com isso, seria irrelevante o local da sede do provedor. Sendo assim, ainda que o provedor se localizasse em territrio estrangeiro, a consumao do crime teria ocorrido no territrio nacional (lugar) e no momento da publicao (tempo). H equivalncia entre a conduta praticada (teoria da atividade definida no artigo 4 do CP) e sua consumao, que serviria para definio de critrios de competncia. Perceba o leitor que estamos analisando ao mesmo tempo critrios materiais (tempo e lugar) e critrios processuais (resultado para determinao da competncia). No entanto, entendemos que, ainda assim, a competncia seria da Justia Federal, por se tratar de grave violao de direitos humanos (artigo 109, V-A, da CF). A competncia seria dela em termos territoriais, do lugar onde ocorreu a publicao, de acordo com o disposto no artigo 69, I, e artigo 70 do Cdigo de Processo Penal, tendo em vista que a consumao, em nosso entendimento, se opera com a publicao das imagens. Nesse sentido, TRF4 2008.72.01.003498-0/SC.

    Verifica-se, ainda, que a hiptese no se encaixa dentro da classificao tcnica de crimes plurilocais (aqueles em que a execuo se inicia no territrio nacional e o resultado se opera em territrio estrangeiro). No caso da publicao das imagens, o resultado se opera em territrio nacional e, ao mesmo tempo, em territrio estrangeiro, pois as fotos estaro acessveis ao pblico mundial. Pensamos que o critrio de definio de competncia deveria conter dispositivo especfico para alguns crimes cibernticos, de forma que o resultado pudesse ser entendido de forma dplice, como ocorrendo em dois lugares ao mesmo tempo. Perceba o leitor que defendemos que o resultado se d com a publicao, mas isso ainda no

  • Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br resolve o aspecto da competncia rationi loci, pois o local no seria necessariamente onde se encontra o computador ou o agente, mas sim que, com a publicao em si, que, tendo sido em rede mundial de computadores, ocorreu em todos os territrios, tornando-se pblica de forma plurilocal.

    Enquanto no temos hiptese mais especfica de determinao de competncia em alguns crimes cibernticos, pensamos que deve ser reinterpretado o conceito tcnico de crime plurilocal, de forma que possam a execuo e a consumao se dar em um territrio e, ao mesmo tempo, em outros territrios estrangeiros. Entendendo dessa forma, poderamos fixar a consumao dentro e fora do territrio nacional simultaneamente, e consequentemente seria reforada a competncia da Justia Federal, com base no artigo 109, ainda antes da alterao pela EC 45/2004.

    Nos casos em que houver conexo ou continncia entre dois ou mais crimes de competncia da Justia Estadual Comum e da Justia Federal, prevalece a competncia da Justia Federal, que exerce a vis attractiva sobre a Justia Estadual, consoante o disposto no Enunciado 122 da Smula do STJ. Nesse caso, ainda que a Justia Federal absolva o ru pelo crime que determinou sua competncia, permanecer competente para o julgamento dos demais delitos.

    No que tange divulgao por e-mail, a resoluo se torna mais simples. Se algum envia um e-mail do Rio de Janeiro para So Paulo, a competncia ser determinada com o resultado, que se dar com o simples envio da mensagem, desde que haja potencial de divulgao.3 No momento em que h envio, h divulgao, desde que algum possa receber a imagem enviada. A abertura do e-mail caracteriza mero exaurimento. Nesse caso, a competncia seria da justia comum estadual, territorialmente (rationi loci) do Rio de Janeiro.

    Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vdeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explcito ou pornogrfica envolvendo criana ou adolescente: (Includo pela Lei n 11.829, de 2008)

    Pena recluso, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Includo pela Lei n 11.829, de 2008)

    1o A pena diminuda de 1 (um) a 2/3 (dois teros) se de pequena quant