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CONCEITOSFUNDAMENTAISDEROTEIRO
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CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE ROTEIRO
1. ELEMENTOS DO ROTEIRO
Existem apenas 3 elementos fundamentais do roteiro:
• Cabeçalho da cena - Deve conter INT. ou EXT (respectivamente, INTERIOR e EXTERIOR), localidade e
tempo.
• Descrição visual ou Ação - Somente o que você VÊ E OUVE quando está assistindo ao filme.
• Diálogos - As falas e/ou narrações dos personagens
CABEÇALHO DA CENA
O cabeçalho da cena nos diz onde e quando a cena está acontecendo. Simplesmente, há apenas dois locais
onde isso pode acontecer: dentro (INT.) ou fora (EXT.). E os tempos possíveis são diversos: você pode
simplesmente indicar noite, dia, manhã, etc. ou indicar a hora exata do acontecimento quando necessário. Você
pode ser tão específico ou gera.
Exemplos de cabeçalho de cena:
EXT. CENTRO DE SÃO PAULO - NOITE
EXT. CENTRO DE SÃO PAULO - AVENIDA PAULISTA - NOITE
EXT. AVENIDA PAULISTA - NOITE
EXT. AVENIDA PAULISTA - EM FRENTE AO SHOPPING PAULISTA - NOITE
EXT. SHOPING PAULISTA - 23:45
INT. CASA DE ANDRÉ - DIA
INT. CASA DE ANDRÉ - SALA - HORAS DEPOIS
INT. SALA DA CASA DE ANDRÉ - DIA
DESCRIÇÃO VISUAL
Também conhecida como ação, a descrição visual é aquilo que está se vendo na tela e nada mais, exceto se
necessário, indicações de sons. Uma falha comum nos roteiros é indicar aquilo que não se passa na tela.
Exemplo:
Pedro, da vitrine, olha para o carro que sonha possuir desde criança.
O trecho "que sonha possuir desde criança", não é uma indicação visual, mesmo que Pedro demonstre isso com
sua expressão facial.
O modo correto seria:
Pedro, da vitrine, olha para um carro no interior da loja.
Ou se quisesse deixar claro a admiração de Pedro pelo carro:
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Pedro, da vitrine, com os olhos brilhando, olha encantado para um carro no interior da loja.
Na descrição da cena, não exagere nos adjetivos e nos detalhes, seja o mais conciso e claro possível. Filmes de
ficção-científica e de fantasia geralmente exigem mais descrições do que uma comédia, por exemplo, mas
nunca se esqueça que roteiro não é literatura, por tanto, não tente ser poético ou metafórico. Faça uma escrita
mas semelhante a um jornal do que a um romance.
Mais um exemplo, com cabeçalho:
INT. SALA DE ESTAR – NOITE
Escuridão. Pouco pode ser visto dessa ampla e luxuo sala de estar. SOM de um portão metálico
sendo aberto lentamente e depois fechando. OUVIMOS passos oriundos do lado de fora da
residência.
UMA SOMBRA passa pela janela, do lado de fora da casa, depois mais outras duas. A janela é
aberta pelo lado de fora. Três pessoas pulam, silenciosamente, para o interior da sala através
da janela. Os três estão com roupas negras, luvas de coura e com máscaras de esqui.
O 1º Mascarado usa uma máscara com apenas uma fenda para os olhos. Os 2º Mascarado e o 3º
Mascarado usam máscaras com uma fenda para cada olho. Eles adentram no recinto em passos
lentos.
Reparem, na descrição da cena, que a roupa do 1º Mascarado é diferente dos demais e isso é ressaltado no
roteiro. O roteirista só deve fazer isso se for necessário para a história; se em algum momento, isso vai ser
importante para a compreenção da cena.
DIÁLOGO
Diálogo é um elemento difícil da roteirizarão, tanto que houve (na Europa principalmente) o dialoguista, que
tinha como única tarefa escrever os diálogos. Há vários tipos de diálogo. Cabe ao roteirista ou o dialoguista
saber que tipo de diálogo se encaixa melhor ao roteiro. O roteiro de gangster do filme Os Bons Companheiros
de Martin Scorsese, por exemplo, usa diálogos realistas, isto é, tenta imitar como as pessoas falam na vida
real. Enquanto o Poderoso Chefão (escrito por Coppola e Puzzo) tem um diálogo mais direto, um falso realismo,
que enfatiza sobre tudo uma caracterização romantizada dos gangsters italianos.
Dependendo do universo da história e seus personagens, um mesmo diálogo pode ser dito de diversas
maneiras. Como exemplo, vou citar aquele celebre fala de E O Vento Levou...
"PARA SER FRANCO MINHA CARA, ESTOU DANDO A MÍNIMA!"
Imaginem se esse mesmo diálogo fosse dito por um traficante carioca na época atual:
"QUER SABER? ESTOU CAGANDO PRA ISSO!"
Ou se o roteirista preferir escrever o diálogo com os vícios de linguagem, imperfeições e etc, o diálogo poderia
ficar assim.
"QUÉ SABÊ? TÔ CAGANDO PRA ISSU!"
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Para fazer do diálogo realista, é obviamente permitido escrever de modo errado como o personagem falaria. O
diálogo realista não está apenas no vocabulário, mas também em hesitações, gaguejos, cacofonias,
interrupções de pensamento, etc. Particularmente, acho exagero escrever exatamente como as pessoas dizem,
como no exemplo, "QUÉ SABÊ? TÔ CAGANDO PRA ISSU!". Cabe ao ator fazer a caracterização perfeita e
realista da linguagem do personagem.
No roteiro, o diálogo é escrito no centro da folha, com as margens mais estreitas e o nome do personagem todo
em MAIÚSCULO. Para maiores informações consulte o guia de formatação Master Scenes contido neste mesmo
site.
2. GUIA LAYOUT MASTER SCENES
Hoje em dia, podemos dizer que quase todos os roteiros para cinema são escritos no formato Master Scenes,
que implica uma página de roteiro para cada minuto de filme. Para conseguir esse tempo Pg/Mim, requer um
pouco de prática, mas não conseguir alcançá-lo não é um desastre.
Por que usar o Master Scenes? Por que é um sistema simples, muito usado (qualquer pessoa da área de cinema
que vê-lo vai saber que é um roteiro) e permite ao roteirista se concentrar mais no que é o dever dele: contar
uma história.
Alguns roteiristas usam uma formatação mais liberal, que permite a indicação de transições e, às vezes, a
indicação de planos quando for essencial para o entendimento da cena. Já no Master Scenes, mais rigoroso, o
roteirista não pode fazer qualquer tipo de indicação ao diretor, poucas vezes aos atores, raramente a qualquer
outro técnico da fase de produção. Isso faz sentido, pois quando num roteiro está escrito: "MARIA brinca com
sua aliança de casamento entre os dedos", nenhum diretor será louco de mostrar essa cena em plano geral! O
que ele fará será um enquadramento em close, ou mais próximo, ou até mesmo um zoom.
Como regra, corte o máximo possível de indicações técnicas e se concentra ao máximo no enredo do roteiro.
Sempre há algum modo de sugerir algo ao diretor, fotógrafo, ator, editor e outros da área, e realmente não é
necessário usar explicitamente um termo técnico... Use o bom senso.
A. PREPARANDO A FOLHA
Papel
Tipo Carta (21,59 cm x 27,94cm)
Margens
Superior: 2,5 cm.
Inferior: entre 2,5 cm a 3 cm;
Margem esquerda: de 3,5 cm a 4 cm
Margem direita de 2,5 cm a 3 cm;
Fonte
Courier New, tamanho 12 pt. Não use itálicos ou negritos.
B. CABEÇALHOS
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Alinhamento esquerdo;
Todas em MAIÚSCULO;
Numeração opcional.
C. DESCRIÇÃO DA CENA
Alinhamento esquerdo ou justificado;
Uma linha de espaço entre os parágrafos;
D. DIÁLOGO
• Personagem
Recuo esquerdo de 6 a 7cm;
Todas em MAIÚSCULAS.
• Indicação ao ator
Recuo esquerdo 2 cm a 2,5 cm menor que o recuo do Personagem;
Entre parêntesis.
• Outras indicações
Escritas ao lado do nome do personagem, entre parêntesis, usando a mesma formatação:
V.O. = Voice Over (voz)
O.S. = Out of Screen (fora da tela);
CONT = Continuando;
MAIS = usado para indicar que o diálogo foi quebrado pela página.
• Diálogo
Recuo esquerdo de 3 cm a 4 cm;
Recuo direito de 1,5 cm a 2,5 cm;
Alinhamento esquerdo ou justificado;
E. TRANSIÇÕES
Alinhamento direito;
Todas em MAIÚSCULO.
F. CAPA
Deve conter o título em destaque; o nome do autor, dados do copyright, dados como o endereço, contato,
agente, etc.
Geralmente, a capa é escrita do seguinte modo:
Fontes Courier New 12 pt;
TÍTULO DO ROTEIRO quase ao centro da folha, todas em MAIÚSCULA;
Abaixo do título o nome do autor;
Nas últimas linhas dados do Copyright, do autor, do agente e contato.
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G. SEGUNDA PÁGINA
Na quarta linha escreva o Título do Roteiro, centralizado, todas em MAIÚSCULA;
Duas linhas abaixo, com alinhamento esquerdo, todas em maiúscula, escreva FADE IN. Duas linhas abaixo
começa o roteiro em si.
H. ÚLTIMA PÁGINA
Com a mesma formatação das transições, escreva FADE OUT três linhas após o termino do roteiro;
Três linhas embaixo do FADE OUT escreva FIM ou FINAL, todas em MAIÚSCULA, alinhamento centralizado.
I. NÚMERAÇÃO
Em todas as páginas, exceto a capa, no canto superior esquerdo da página;
Fonte normal, 12 pt.
J. ESPAÇAMENTO
• Espaçamento simples durante os:
Diálogos;
Nomes;
Indicações ao ator;
Descrições das cenas.
• Espaçamento duplo (equivalente a dois Enters) entre os:
Cabeçalhos;
Descrições das cenas;
Transições;
Diálogos.
K. OBSERVAÇÕES
Não haverá problemas se você usar uma padrão de formatação um pouco diferente -- só um pouco mesmo --.
O importante é tornar a leitura o mais fácil e visual possível, contendo bastante espaço em branco para uma
futura equipe fazer anotações nas estrelinhas.
3. INTRODUÇÃO À ESCRITA DO ROTEIRO
Texto fornecido por Chirs Rodrigues
Todos os direitos reservados a Chris Rodrigues
A. INTRODUÇÃO
Um filme, seja ele de longa-metragem, curta-metragem, documentário ou publicitário, nasce a partir de uma
idéia. Esta idéia então se transforma em um roteiro. A idéia pode nascer a qualquer momento, em qualquer
lugar, a partir de diversas razões. O jornal diário está cheio de acontecimentos que induzem a idéias de roteiros
para um filme. A vida de nossos amigos, contos, livros, sonhos, enfim, devemos estar sempre atento ao que
acontece a nossa volta.
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Um bom roteiro, com uma boa estória, bem estruturado, bem apresentado, formatado corretamente, contendo
as informações necessárias, é de suma importância.
Um roteiro é uma estória contada com imagens, expressos dramaticamente dentro de uma estrutura definida,
com inicio, meio e fim, não necessariamente nesta ordem.
Um roteiro bem feito deve ser claro, dinâmico e ter um objetivo real. Um bom roteiro não é a única condição
para o planejamento e eficiente do tempo e orçamento do custo de filmagem, mas um bom roteiro é o
elemento que permite o bom planejamento de um filme. É importante que um roteiro tenha as tomadas
marcadas, assim como suas mudanças; que o conteúdo visual esteja cuidadosamente descrito que seja fácil de
se ler, em espaço duplo, sem rasuras e correção. Se ao lermos um roteiro, temos dificuldades em visualizar a
cena, muito certamente este roteiro tem problemas.
Existem muitas razões para se ver um filme, e a seleção do espectador é influenciada pela idade, sexo,
instrução, inteligência e a maneira como foi criado. Os motivos podem variar de como foi o seu dia no trabalho
ou em casa, ou até mesmo fugir do calor. Mas a maioria, no entanto, o que realmente deseja, é deixar para
traz por algumas horas, a banalidade e a rotina do dia a dia e viver uma nova vida na tela, através da
identificação com os conflitos dos personagens do filme.
B. ELABORAÇÃO DO ROTEIRO
Na elaboração de um roteiro, o roteirista tipicamente o desenvolve da seguinte forma:
SINOPSE
É uma breve idéia geral da estória e seus personagens, normalmente não ultrapassando de 1 ou 2
páginas.
ARGUMENTO
É conjunto de idéias que formarão o roteiro. Com as ações definidas em seqüências, com as locações,
personagens e situações dramáticas, com pouca narração e sem os diálogos. Normalmente entre 25 a
50 páginas.
ROTEIRO
Finalizado com as descrições necessárias e os diálogos. Este roteiro sem indicações de planos ou dados
técnicos, servirá como base para o orçamento inicial e captação de recursos.
ROTEIRO TÉCNICO
Roteiro decupado pelo diretor com indicações de planos, iluminação, movimentos de câmera etc, e que
servirá para o Diretor de produção fazer o orçamento final e será o guia de trabalho da equipe técnica.
C. FORMATAÇÃO DO ROTEIRO
Quando escrevemos um roteiro, a primeira coisa que queremos é vê-lo transformado em filme. O homem que
poderá tornar isso possível é o Produtor. Portanto, nossa principal preocupação é despertar o interesse desse
profissional pelo nosso roteiro. Um produtor está constantemente recebendo roteiros para ler e decidir se vale a
pena produzir. Se o seu roteiro está mal formatado e difícil de ler, seguramente irá para o final da fila podendo
mesmo nunca chegar a ser lido.Um roteiro deve ser escrito de uma forma clara, para que todos, possam
entender claramente as informações contidas, em espaço duplo e com os diálogos destacados. Devemos ter
sempre em mente que a equipe técnica fará suas anotações entre os parágrafos, e os atores no espaço livre
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junto aos seus diálogos. Um dos principais erros do roteirista iniciante, é a falta de espaço em branco em um
roteiro.
O Diretor estuda as cenas do roteiro para poder conta-las de modo visualmente dramático. Os Atores decoram
seus diálogos e formam a estrutura dramática do caráter de seus personagens. O Desenhista de Produção cria
os ambientes segundo as cenas descritas. O Diretor de Fotografia planeja a atmosfera visual das cenas e
seleciona as lentes necessárias e o negativo. O Desenhista de Som pensa como serão gravados os diálogos,
música e outros efeitos, e já estuda como todos esses ingredientes serão misturados na mixagem final. O
Editor de antemão visualiza em termos de tempo e espaço cinematográfico, e assim por diante.
É pelo roteiro, que o produtor terá as informações para elaborar um orçamento após minuciosas decupagens de
atores principais, pequenos papéis, figurantes, número de cenas, dos interiores e exteriores, cenas noturnas e
diurnas, veículos de cena etc.
Não existiam regras fixas e estabelecidas para se formatar um roteiro. Mas a grande variedade de modos de
formatação tornava difícil a leitura dos roteiros, principalmente em concursos de roteiros em que os jurados
tinham que ler um número muito grande deles.
Na tentativa de encontrar uma forma padronizada de formatá-los, surgiram em todo o mundo, Cursos de
formatação de roteiro e vários livros passaram a ser escrito dedicando-se ao assunto.
Todos são unânimes em algumas regras que passamos a descrever daqui a diante e que quando seguidas, cada
página de roteiro corresponderá aproximadamente a um minuto de filme.
D. O TEXTO DO ROTEIRO
CABEÇALHO
Deve ser limpo e claro, somente com as informações necessárias e que não podem estar em outro lugar.
a) Onde a cena se passa (interior ou exterior)
b) O Título da cena
Cada cena do roteiro deve ter o nome do local onde se desenvolve a ação. Para evitar confusões de nomes para
a produção, este nome deverá se repetir sempre que a ação se desenrolar naquele local. Assim, uma cena com
título de APARTAMENTO DE JOÃO, todas as cenas em seu apartamento, sua rua, portaria do prédio etc, serão
sempre APARTAMENTO DE JOÃO, mesmo que ele more com a esposa ou mãe não apareça na tal cena:
c) A seguir, em que momento se passa a cena (diurna ou noturna)
É permitido esclarecer mais detalhadamente esse tempo, ex: anoitecer, amanhecer, meio dia, por do sol etc.
Sempre que possível descreva na linha de ação indicações do tempo. EX.: Relógio na parede que marca 12
horas, sol surgindo ou desaparecendo no horizonte.
d) Sempre que houver mudança de espaço e tempo, um novo cabeçalho.
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Quando o ator se desloca para um outro ambiente contíguo ao em que se desenvolve a cena e retorna, não
será necessário um cabeçalho completo, mas tão somente referencia ao novo ambiente (destacado e
maiúscula).
e) É aconselhável numerar as cenas em ordem numérica, porém não obrigatório.
LINHA DE AÇÃO
a) Os ambientes do APARTAMENTO DE JOÃO, será o quarto, a varanda, a sala, a cozinha, o prédio onde está o
apartamento, a rua do prédio, a portaria do edificio, etc. O ambiente pode estar entre parenteses no cabeçalho
logo após o nome da locação, mas eu sugiro iniciar a linha de ação descrevendo o ambiente, mantendo o
cabeçalho o mais limpo possível. A linha de ação deve ser clara, objetivamente explicita, deixando claro as
passagens de tempo dentro da cena. Lembre-se que você está escrevendo um roteiro, não um livro. Abstenha-
se de estilo literário. Se for difícil para o leitor visualizar a sua descrição, alguma coisa está errada. Re-escreva
a cena.
b) No texto de uma cena, cada vez que uma ação termina, a próxima deve estar em outro parágrafo,
mantendo sempre espaço duplo entre parágrafos.
c) As rubricas, quando necessárias na linha de ação ou dentro dos diálogos, deve estar entre parentes e itálico.
d) Quando uma ação continua num ambiente contíguo ao da ação principal, não será necessário um novo
cabeçalho completo, mas tão somente o nome do novo ambiente destacado em maúscula entre dois espaços
duplos, ou após espaço duplo, em maiúscula, seguido de virgula, continuando a linha de ação.
DIÁLOGO
a) O nome do personagem deve estar em maiúscula centralizado, após espaço duplo da ultima frase da linha
de ação.
b) As rubricas dos atores, quando necessárias devem estar centralizadas em relação ao nome do personagem,
entre parêntesis e itálico. Evite rubricas que induzem ou interferem na interpretação do ator.
c) Os diálogos dos atores devem estar centralizados em relação ao nome do personagem, espaço simples.
Neste caso também, uma vez definido o nome do personagem, em todo o roteiro, aquele será o nome do
personagem. Se no roteiro a mãe do personagem Luís se chama Amália, e a chamamos no cabeçalho do
diálogo da primeira cena como MÃE DE LUIZ, sempre que nos referirmos a ela será como Mãe de Luís. Exceção
feita dentro dos diálogos em que um personagem pode chamá-la de Amália.
d) Quando o diálogo precisa continuar na página seguinte, não é necessário colocar novamente o nome do
personagem.
e) É aconselhável iniciar o diálogo dos personagens com - (hífen) ou ... (três pontos).
E. EXEMPLO DE ROTEIRO
Roteiro no formato Master Scenes BAR DON JUAN, de Tobias e Lucia, com versão final para o cinema por Chris
Rodrigues.
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1 - INT. - APT. DE JOÃO - NOITE
Madrugada. Porta de um apartamento vista por dentro. Fortes batidas na porta.
JOÃO, (cerca de 35 anos, cabelos compridos e barba por fazer), e LAURINHA (bem mais jovem), acordam assustados com o barulho.
João acende a luz do abajur. Olha para o relógio de cabeceira que marca 4 horas da manhã e troca um olhar preocupado com Laurinha.
Dois Policiais a paisana e mal encarados, invadem o apartamento arrombando a porta.
O POLICIAL 1, começa brutalmente a revistar o apartamento. enquanto o outro (POLICIAL 2), de revolver em punho, atravessa apressadamente a sala em direção ao ...
QUARTO ...
João e Laurinha assustados, olham para o homem com o revólver, na porta do quarto.
POLICIAL 2 ... Vistam-se imediatamente seus terroristas de merda. Estão presos.
João e Laurinha mal tem tempo de colocar alguma roupa sob o olhar atento do policial que os arrasta ainda se vestindo para a
SALA...
enquanto o outro policial apressadamente lhes põe um capuz negro sobre as cabeças, os algemam e os empurram para fora do apartamento.
2 - EXT. - APT. JOÃO - NOITE
Os policiais arrastam Laurinha e João rapidamente para fora da portaria do edifício e jogam os dois no banco de trás de um carro sem identificação.
3 - EXT - DOPS - NOITE
O carro da Policia chegando em frente ao Prédio do DOPS na Rua dos Inválidos.
Os policiais empurram os presos algemados para fora do carro e para o prédio.
4 - INT - DOPS - NOITE
Um dedo aperta o botão do 3º andar de um elevador antiquado, que logo se movimenta com Laurinha, João, e o Policial 2,
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parando no 3º andar.
5 - EXT. - DOPS - NOITE
João e Laurinha, são conduzidos por uma varanda circular que envolve o pátio de um prédio colonial.
O policial 1 abre uma porta e tira os capuzes de João e Laurinha.
Laurinha, olha para o interior da cela e desvia o olhar apavorada.
6 - INT. - DOPS - NOITE
Uma cela cheia de pessoas torturadas.
7 - INT. - DOPS - NOITE
Dias depois em outra cela, Laurinha, com hematomas pelo corpo, nua, pendurada no pau-de-arara.
SALVADOR, (35 anos, baixo, atarracado, amulatado, forte, com espessas sobrancelhas se unem sobre o nariz), solta Laurinha 21212€ do Pau de arara.
Salvador, olha lascivamente para Laurinha no chão indefesa e ensangüentada, desaperta o cinto, abaixa as calças e começa a violenta-la, que mesmo fraca, tenta se defender e é esbofeteada. Ao fundo, João aparece machucado, ensangüentado e com a cara contra a parede.
O policial 2 força João a se virar. João com a visão quase sem foco, vê Laurinha sendo estuprada pelo homem de sobrancelhas espessas.
Laurinha vendo João a olhá-la, para de lutar, e começa a chorar silenciosamente.
João lança um grito de agonia...
F. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observem que no exemplo de BAR DON JUAN (e na maioria dos roteiros que seguem o Master Scenes) o
roteirista se absteve de indicações de planos de filmagem, já que isto é da alçado pelo diretor. Porque indicar
planos e movimentos de câmera, se é o Diretor quem os definirá? E se o roteirista pretende dirigir o filme,
porque dizer a ele mesmo como fazer?
Normalmente o roteirista numera as cenas em algarismos decimais em ordem crescente, o que é aconselhável
mas não obrigatório.
Os atores, principalmente, ficarão agradecidos se suas falas estiverem destacadas para melhor leitura e suas
anotações.
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E mais importante de tudo, o primeiro objetivo de um roteiro, é que seja lido por um produtor, que é quem
decidirá se o seu roteiro se transformará em filme. Um roteiro bem formatado, será mais fácil de ser lido e
conseqüentemente com maiores chances disso acontecer.
Em termos de trabalho, as páginas do roteiro são divididas em oitavos. Cada página representa 8 oitavos. Uma
página e meia dizemos 1 página e 4/8. A metade da metade de uma página são 2/8 de página e assim por
diante.
Uma vez que o Produtor defina o Diretor do filme, este o estudará cuidadosamente, e fará as anotações de
como pretende dirigir o filme, especificando plano por plano, os movimentos de câmera, anotações sobre a
iluminação após consultas com o Diretor de Fotografia, especificações de direção de arte após consulta com o
Desenhista de Produção (ou Diretor de Arte) etc. Normalmente estas anotações são feitas no próprio roteiro,
que será então datilografado e entregue a equipe técnica que o usará como guia de trabalho.
É importante notar, que apesar de estar definido a maneira de filmar, o Diretor tem sempre uma latitude de
mudanças para que sua criatividade não seja limitada no momento da filmagem.
Sempre que uma cena noturna for filmada durante o dia (noite americana), devemos especificar no cabeçalho
da cena N/D (NOITE POR DIA).
4. PARADIGMA DA DIVISÃO EM 3 ATOS
O primeiro ato mostra quem são as pessoas e qual a situação da história toda. O segundo ato é a progressão
dessa situação para um ponto culminante de conflito e grandes problemas. E no terceiro ato temos a solução
dos conflitos e problemas. ERNEST LEHMAN.
Perpetua em quase todos os roteiristas a idéia de que um roteiro deve ser dividido em atos, geralmente três. O
cinema não é como o teatro em que as cortinas caem e se começa um novo ato. No cinema há um continuum,
sem paradas, sem retrocessos até o final da história, mas a idéia dos atos existe.
Alguns roteiristas trabalham com a divisão em cinco atos - filmes feitos para a televisão utilizam divisão em
sete ou nove atos - mas a grande maioria usa a divisão em três atos. Na verdade a única diferença no número
de atos está na forma como o roteirista organiza a idéia a respeito da trama. Para o espectador, não há
diferenças no número de atos, pois quase nunca percebem a passagem de um ato para o outro.
Segundo os manuais de roteiros americanos, o primeiro ato envolve o espectador com os personagens e com a
história. O segundo ato o mantém envolvido e aumenta o comprometimento emocional. O terceiro ato amarra a
trama e leva o envolvimento do espectador a um final satisfatório. Em outras palavras isso significa que uma
história tem um começo, meio e fim. Syd Field e seus seguidores acrescentam que na passagem de um ato
para o outro deve haver um ponto de virada, também conhecido como reviravolta dramática, que em inglês
chama-se "plot point". Field vai ainda mais longe em e define o tamanho que cada ato ocupa na história: 1/4 o
1º Ato; 1/2 o 2º Ato; e 1/4 o 3º Ato.
No final das contas, a divisão em três atos é usada de forma intuitiva pelo roteirista. Salvo algumas exceções, é
intuitivo que primeiramente apresentemos os personagens ao espectador; mostramos o universo da história;
informamos qual será o conflito no qual a história se desenvolverá - isso seria o primeiro ato. Depois,
colocamos os personagens em ação; desenvolvemos a história; criamos obstáculos para o(s) protagonista(s). -
isso seria o segundo ato. Por último, a história chega a um ponto culminante - o terceiro ato - em que há a
"batalha final" para se resolver os conflitos, e eles se resolvem definitivamente, mesmo que haja uma nova
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"tempestade" a se formar no horizonte. Essa, é claro, é a visão de Hollywood sobre a divisão em atos. Quem já
não viu filmes que não tem "final satisfatório", ou seja, nada é resolvido e tudo acaba com começou? Isso cria
no público acostumado aos filmes convencionais de Hollywood uma sensação de "Ué, já acabou?".
Não existe uma estrutura fixa que funcione para contar uma história; cada nova história exige um novo
modelo. Não existem receitas, formulários com espaços em branco a serem preenchidos para que a história
adquira forma. Cada caso é um caso! Se o resultado final for positivo, não importando o caminho trilhado,
excelente! Caso contrário, repense (reescreva) e, em último caso, se sentir-se mais confortável, abrigue-se nas
formas (e não fórmula como diz Field) para "consertar" o roteiro.
5. PARADIGMA SEGUNDO SYD FIELD
Aqui vamos fazer a análise do paradigma de um roteiro segundo a visão de Syd Field.
Field elaborou duas versões para o paradigma. A primeira, lançada em seu livro "O MANUAL DO ROTEIRO" é
menos detalhada. Seus elementos principais são: início, fim, dez páginas iniciais, ponto de virada 1 e ponto de
virada 2. A segunda versão do paradigma, contida nos livros "OS EXERCÍCIOS DO ROTEIRISTA" e "QUATRO
ROTEIROS" é mais completa. Nessa versão, Field identificou novos elementos: Pinça1, Pinça2 e Ponto Central.
Para demonstrar todos os elementos do paradigma vou usar o roteiro de GUERRA NAS ESTRELAS. Primeiro,
porque é um filme bastante popular que quase todo mundo já viu. Segundo, porque segue perfeitamente todos
os elementos do paradigma de Field. Algumas cenas do roteiro foram alteradas na sala de edição. Aqui vamos
comentar a versão final utilizada no filme.
Antes de entrarmos no paradigma em si, temos que entender a função dos três atos.
O PRIMEIRO ATO ou APRESENTAÇÃO
O primeiro ato contém aproximadamente 1/4 do roteiro. Ele apresenta os personagens principais, qual a
situação inicial e qual a tensão principal. O assunto da história deve ficar claro até o final deste ato.
SEGUNDO ATO ou CONFRONTAÇÃO
O segundo ato contém 1/2 do roteiro. Ele põe o personagem principal em ação, aumenta a tenção e o grau de
envolvimento com o espectador. Os obstáculos aparecem cada vez mais difíceis. Em resumo, o segundo ato é a
jornada do personagem principal superando seus obstáculos para resolver a tensão principal da história.
TERCEIRO ATO ou RESOLUÇÃO
O terceiro ato amarra a trama e leva o envolvimento do espectador a um final satisfatório. É onde ocorre a
batalha final contra o vilão, levando a vitória ou a derrota. Todos os conflitos são resolvidos e põe-se um ponto
final na história.
Para mais informações sobre a divisão em 3 atos, consultar tópico "Paradigma da divisão em 3 atos".
Como já sabemos, o paradigma de Field se divide em vários pontos chaves. São eles, na ordem de
acontecimento da história: ponto de virada 1, pinça 1, ponto central, pinça 2, ponto de virada 2.
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Além desses pontos chaves, Field destaca a importância da cena inicial, das primeiras dez páginas e da cena
final.
Abaixo vamos estudar o paradigma elemento por elemento. Quando for citado o número da página, deve se
levar em consideração um roteiro genérico de 120 páginas.
O PONTO DE VIRADA 1 é uma mudança no rumo da história que leva ao ato 2. Acontece aproximadamente na
página 27.
A PINÇA 1 é uma cena, fala ou seqüência que amarra a trama e a coloca em movimento. Acontece
aproximadamente na página 45.
O PONTO CENTRAL é o meio do roteiro, por isso recebeu esse nome. No ponto central acontece uma mudança
de direção no ato 2. Acontece aproximadamente na página 60.
A PINÇA 2 novamente uma fala, cena ou seqüência que põe o final do ato 2 em movimento. Muitas vezes a
pinça 1 pode ter alguma relação com a pinça 2. Acontece aproximadamente na página 75.
O PONTO DE VIRADA 2 é a mudança no rumo da história que leva ao ato 3. Acontece aproximadamente na
página 87.
Agora, vamos encaixar esses pontos chave na história de Guerra nas Estrelas, pois acredito que é a melhor
maneira de entender.
O filme começa com uma fantástica seqüência de perseguição de naves estrelares. São apresentados os
personagens Darth Vader e Princesa Leia. Ela é capturada pelo Maligno Vader que está querendo recuperar as
plantas técnicas da Estrela da Morte, uma estação de batalha capaz de destruir um planeta inteiro. Em meio à
perseguição, dois robôs conseguem fugir com as plantas técnicas da Estrela da Morte. São eles: C3PO e R2D2.
Depois dessa seqüência a história muda para a apresentação de Luke Skywalker, um garoto que vive entediado
na fazenda de seu tio. Conhecemos o tio e tia dele. C3PO e R2D2 vão para no planeta de Luke e acabam sendo
adquiridos por seu tio.
Luke vê a imagem holográfica emitida por R2D2 da princesa Leia pedindo ajuda a Obi (Ben) Kenoby. Pouco
tempo depois, o robozinho R2D2 foge a procura de Ben Kenoby, um velho Cavaleiro Jedi conhecido da princesa
Leia. Luke vai ao resgate do robozinho, acaba se metendo numa enrascada e, coincidentemente, encontra o
velho Jedi.
Ben Kenoby vê a imagem holográfica emitida por R2D2. Ao saber que Leia foi capturada por Vader e que o
robozinho contém os planos técnicos da Estrela da Morte, Ben pede ajuda para Luke em levar R2D2 a Alderan.
Luke recusa.
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Poucas cenas adiante, Luke e Ben vêem os vendedores de C3PO e R2D2 mortos, provavelmente pelas tropas
imperiais. Eles acham que o império quer capturar o robozinho que contém o plano. Luke imediatamente
associa que tal incidente levará as tropas imperiais à casa de seus tios. Apavorado, Luke vai até a casa de seus
tios, onde os encontra mortos.
Furioso, Luke muda de idéia e decide ir a Alderan com Ben. Esse é o PONTO DE VIRADA 1, que põe fim ao ato 1
e inicia o ato 2. Repare que agora a história é levada para outra direção. Não é mais a história de Luke e sua
vidinha chata na fazenda. Agora é a história de Luke numa viagem interplanetária contra as tropas imperiais.
Para ir ao planeta Alderan, Luke e Ben precisam de um piloto que os leve. Então eles vão para uma cantina em
Mos-Esley. Na cantina se metem em apuros dos quais conseguem escapar. Conhecem Han Solo, um piloto que
dispõe de uma nave superveloz. Eles contratam Han Solo para levá-los há Alderan. Esse ponto da história é a
PINÇA 1, que coloca a trama em movimento. Eles já têm um piloto e vão para Alderan.
No caminho, são perseguidos por tropas imperiais e conseguem escapar. Quando chegam próximo a Alderan,
apenas vêem uma chuva de meteoros. Essa chuva nada mais é que Alderan em pedaços, pois foi destruído pela
Estrela da Morte. Nesse momento, um caça imperial passa por eles. Eles perseguem o caça e tentam destruí-lo,
mas antes disso são sugados para dentro da Estrela da Morte pelo feixe de tração. Esse é o PONTO CENTRAL,
onde o segundo ato recebe uma mudança de direção. Agora não é mais a história de Luke e Ben tentando
chegar em Alderan. Agora é a história de Luke, Ben e Han Solo tentando escapar da Estrela da morte.
Já dentro da estrela da morte, Luke e Han conseguem se disfarçar de tropas imperiais, enquanto Ben tentará
desligar o feixe de tração da Estrela da Morte, para que possam fugir. Enquanto Ben segue seu caminho, Luke,
Han e os robôs ficam escondidos numa sala. R2D2 descobre que a princesa Leia está presa na ala de detenção
da Estrela da Morte. Luke quer resgatá-la, mas Han não o quer. Então, Luke cutuca a ganância de Han para
convencê-lo. Essa cena é a PINÇA 2. Ela põe o ato 2 em movimento. Em vez de apenas ficarmos vendo Ben
desligar o feixe de tração, também veremos Luke e Han resgatando a princesa Leia.
Em fim, Luke e Han conseguem resgatar a princesa Leia. Ben consegue desligar o feixe de tração. Agora eles
têm que voltar para a nave e fugir. Luke, Leia, Han e os robôs voltam para a nave, mas Ben trava um duelo
contra Darth Vader e morre. Perseguidos pelas naves do império, Luke, Leia, Han e os robôs fogem da Estrela
da Morte a salvos. Esse é o PONTO DE VIRADA 2. A história é revertida numa outra direção que leva ao Ato 3.
Agora não é mais a história do resgate da princesa Leia. É a história de uma ofensiva contra a Estrela da Morte.
Numa base da rebelião, após o estudo dos planos técnicos, descobre-se uma fraqueza na Estrela da Morte.
Com isso presenciamos uma sensacional batalha final das forças do bem contra as forças do mal. Naves
rebeldes enfrentam a Estrela da Morte, que a qualquer momento podem disparar contra o planeta em que se
localiza a base rebelde. Obviamente os mocinhos vencem. Luke consegue destruir a Estrela da Morte e a
história chega ao fim.
Eis o funcionamento do paradigma da divisão em 3 atos segundo Syd Field dentro de um filme. É interessante
realizar um comparativo entre esse esquema e a jornada do herói mitologico.
Neste ponto, imagino que você deve estar se perguntando: todo roteiro segue esse esquema? A resposta é
NÃO. Porém, a grande maioria deles, principalmente dos filmes voltados ao entretenimento segue essa forma.
Um ponto muito importante que nunca devemos esquecer é que essa forma não é exclusiva de um roteiro.
Muitos outros tipos de artes dramáticas apresentam uma formato mais ou menos semelhante. Leia qualquer
peça de Shakespeare ou um romance Ernest Hemingway e você verá muito desse paradigma. É claro, como
nem todo roteiro, outras formas de arte dramática também não seguem fielmente o paradigma.
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ESTUDOSSOBRENARRATIVA
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ESTUDOS SOBRE NARRATIVA
1. PROTAGONISTA, ANTAGONISTA E CONFLITO
A maioria das histórias, nos filmes, gira em torno de um personagem central: o protagonista. Mesmo nas
histórias com muitos personagens, e com estrutura diferente, cada sub-enredo dentro da história principal tem
seu protagonista. Na circunstância dramática básica de "alguém quer alguma coisa desesperadamente e está
tendo dificuldade em obtê-la", o "alguém" é o protagonista.
O antagonista da história é a força opositora, a "dificuldade" que resiste ativamente aos esforços do
protagonista para alcançar sua meta. Essas duas forças opostas formam o conflito ou os conflitos da história.
Em muitas, o antagonista é uma outra pessoa, o "bandido". Desde Intriga Internacional, passando por Guerra
nas Estrelas e Chinatown, até O Exterminador do Futuro, são vários os filmes em que protagonista e
antagonista são, clara e distintamente, pessoas diferentes em oposição ativa uma â outra. Nesse tipo de
história, o protagonista tem o que se chama de um conflito externo, um conflito com outrem. Mas, em muitos
outros filmes, o protagonista é seu próprio antagonista também; a grande batalha é travada dentro do
personagem principal, entre dois lados, desejos ou necessidades da mesma pessoa. Entre os casos mais nítidos
de conflito interno podemos citar Hamlet e O Médico e o Monstro, mas também há vários exemplos em filme: O
Tesouro de Sierra Madre, Uma Rajada de Balas, Um Corpo que Cai e Touro Indomável. Nestes e em muitos
outros filmes, o principal conflito da história se dá dentro do personagem central.
Apesar de haver um conflito interno em que protagonista e antagonista são uma mesma pessoa, em geral
também existe oposição externa. E, na maioria das histórias bem-feitas sobre um conflito externo, também há
um elemento de conflito interno no personagem principal. Boa parte do tempo, as duas coisas se equilibram,
mas o conflito predominante, numa história, ou é interno ou é externo. Em Casablanca, a batalha de Rick é
interna - envolver-se ou ficar de fora -, entretanto temos o coronel Strasser como manifestação muito real da
pressão para que tome uma posição. Em Golpe de Mestre, o protagonista, Johnny Hooker, interpretado por
Robert Redford, quer se vingar do homem responsável pela morte do amigo e mentor. Aquele homem é o
antagonista e o conflito é externo, entretanto ainda assim temos uma batalha acontecendo no interior do
personagem de Redford: será que ele está à altura da tarefa de vingar-se? Em quem poderá confiar? Em
Tubarão, o xerife Brody é o protagonista e o tubarão é o antagonista, e aí temos o conflito externo, entretanto
Brody tem seus próprios conflitos internos para superar: o medo de água, o desejo de não lutar com o tubarão,
de comprar um barco maior. Em Uma Rajada de Balas, o conflito maior se trava no interior de Clyde, com seus
próprios impulsos autodestrutivos, entretanto temos o xerife no encalço dele e da gangue como manifestação
externa de seu conflito interior.
Um conflito interno, numa história com antagonista externo, ajuda o protagonista a se tornar um ser humano
mais complexo e interessante. Uma fonte de conflito externo, numa história onde o grande conflito é
essencialmente interno, ajuda a tornar visíveis e palpáveis os dois lados do personagem; esse equilíbrio lhe dá
"vida própria". Na verdade, este é o grande nó, o fundamental da roteirização: como mostrar ao público o que
vai por dentro do personagem central - ou de qualquer personagem.
Texto extraído do livro Teoria e Prática do Roteiro,
de Edward Mabley e David Howard
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2. TENSÃO PRINCIPAL, CULMINANCIA E RESOLUÇÃO
Um roteiro típico contém uma série de culminâncias, resoluções menores, cena por cena, seqüência por
seqüência, mas no texto abaixo, trataremos da tensão principal do segundo ato, de sua culminância e
resolução.
Segundo as regras dos manuais de roteiro, a tensão principal é o conflito exclusivo do segundo ato - Não tente
encaixar isso em Rashomon de Kurosawa e outros filmes, digamos, não ortodoxo. Quando a tensão principal é
resolvida, na culminância, cria-se uma nova tensão que se chama a tensão de terceiro ato. Em termo simplista,
essa nova tensão pode ser descrita como "E agora, o que vai acontecer?", que leva diretamente, com desvios e
reviravoltas à resolução de toda a história. Não é essa tensão do terceiro ato que vamos tratar neste tópico.
Isso ficará mais fácil de compreender com exemplo de um filme. Vou citar Guerra nas Estrelas, pois todo
mundo já deve ter visto e ele segue muito bem todas essas regras americanas.
O primeiro ato de Guerra nas Estrelas vai até a parte Luke decide ajudar Ben Kenoby no resgate da princesa
Leia. O segundo ato vai desta parte até o término do resgate da princesa Léia. E, por fim, o terceiro ato
compreende o restante do filme, que é em sua maior parte a batalha da Estrela da Morte.
A tensão principal de Guerra nas Estrelas não é: "Será que Luke vai conseguir sair de seu planeta?" ou "Será
que os rebeldes vencerão o Império Galáctico?", ou ainda "Será que Ben derrotará Vader?". Mas sim, a tensão
principal, ou tensão do segundo ato, é "Será que os mocinhos conseguirão salvar a princesa Léia e a eles
mesmo?".
A tensão principal deste filme começa a se estabelecer quando Luke encontra um holograma de Léia pedindo
ajuda e o mostra a Ben Kenoby. Eles decidem ajudar Léia e levar informações essenciais para os rebeldes em
Alderan. No meio do caminho, Alderan é destruído pela Estrela da Morte, e a nave de Luke e Ben é sugadas
para dentro da Estrela da Morte, onde a princesa Léia está presa. Neste ponto é que termina de se estabelecer
a tensão principal "Será que eles vão conseguir salvar Léia?" e, sem demorar muito, acrescenta-se "será que
eles se salvarão" ?
A resolução se dá quando Han e Luke conseguem resgatar Léia e fogem da Estrela da Morte. Após isso, cria-se
uma nova tensão (a do terceiro ato), que é "Será que os rebeldes conseguiram destruir a Estrela da Morte, uma
arma que pode acabar com um planeta num único disparo?"
Como na grande maioria das aventuras, os mocinhos vencem, a princesa Léia é resgatada e a Estrela da Morte
é destruída e todo conflito da história termina.
Embora a tensão principal de um roteiro aponte na direção do conflito geral da história, ela não pergunta
diretamente "o que vai acontecer na resolução final da história?". Em Guerra nas Estrelas, apesar da tensão
principal ser "Será que os mocinhos salvarão Léia?", o espectador sabe que o maior problema é a Estrela da
Morte. Essa preocupação é que dá origem ao terceiro ato e, observe, que a tensão principal não apontava para
isso: "um duelo final entre os rebeldes e a estrela da morte" e, ainda por cima, essa preocupação foi
estabelecida até mesmo antes da tensão principal.
Para o roteirista, é muito útil conhecer a tensão principal, a culminância e a resolução por que essas três coisas
a determinar a pertinência e validade das várias cenas de uma história. Se a omissão de uma certa cena
prejudicar ou alterar a tensão principal, a culminância ou a resolução, então a cena é essencial e deve ser
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mantida. Por outro lado, se o corte de uma determinada cena não fizer a menor diferença em algum desses
pontos críticos, é que o roteirista a olhe com ceticismo.
Texto baseado no capitulo de mesmo nome
do livro Teoria e Prática do Roteiro,
de Edward Mabley e David Howard.
3. CENA INICIAL
Qual será a cena de abertura de seu roteiro? Uma cena de ação, uma cena que mostra a vida cotidiana do
personagem principal, uma imagem subjetiva, etc?. Seja qual for sua opção, a cena inicial não deve ser
escolhida ao acaso. Ela deve ser planejada; deve estar num contexto maior de toda a história; deve estabelecer
a história.
Se a cena inicial for de ação, que não seja à toa; vá direto ao ponto, como, por exemplo, em Guerra nas
Estrelas que o roteirista George Lucas decidiu abrir o filme com uma fantástica perseguição de naves estrelares
que resulta na captura da princesa Leia.
E se a cena inicial for tranqüila, que já revele algo sobre o universo da história ou sobre os personagens. Em O
Gladiador o filme abre com uma mão passando sobre o trigo momentos antes de uma grande batalha, e isso
nos diz que o personagem título, um grande guerreiro, fora antes um homem do campo. Chinatown, escrito por
Robert Towne, começa apresentando o personagem principal, qual sua profissão, sua personalidade, e já planta
uma semente que irá crescer no decorrer da história.
Se sua história é sobre uma extraterrestre que é abandonado na Terra e depois conhece e faz amizades com
crianças humanas, comece mostrando o extraterrestre sendo abandonado... depois mostre as crianças
humanas em seus lares e, em seguida, mostre encontro dos dois. É assim que começa a história de E.T..
Suponhamos que você vai contar a história sobre uma família mafiosa, seu patriarca e seus filhos, que cena de
abertura você usaria? Que tal abrir com uma festa de família, um casamento, por exemplo. E já na festa rola
algumas trocas de favores, imprensa do lado de fora, FBI observando tudo a distância, etc, etc. É assim que
Francis Ford Coppola e Mario Puzo decidiram abrir o Poderoso Chefão, parte I.
O melhor momento para colar a bunda do espectador na poltrona do cinema é, sem sombra de dúvida, o
começo do filme. Então, capriche sua cena de abertura. Lembre-se que não é necessária uma espetacular cena
de ação para capturar a atenção do público. Thelma e Louise e o Silêncio dos inocentes são exemplos disso. Um
filme de ação e outro de suspense, respectivamente, que tem começos tranqüilos.
Texto baseado nos ensinamentos de Syd Field
em seus livros O Manual do Roteiro,
Exercícios do Roteirista e 4 Roteiros.
4. COMO EXPOR ADEQUADAMENTE
Os fatos que não ficam evidentes ao espectador através do desenrolar dos acontecimentos na tela, mas dos
quais precisa estar ciente, são tratados por um artifício chamado exposição. Pode ser fatos que aconteceram no
passado, antes do desenvolvimento da história; podem ser sentimentos, desejos, deficiências do personagem;
ou ainda características específicas do local onde se passa a história.
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O problema da exposição é que ela só é necessária ao espectador. Não é uma coisa que os personagens
precisem saber no decurso da trama, pois provavelmente eles já sabem. Por exemplo, um personagem tem
medo de altura. Todos os colegas desse personagem sabem que ele tem esse medo. No dia a dia, no cotidiano
da história, esse medo de personagem não será citado, mas o espectador precisa ter conhecimento disto.
Permitir que esse personagem falasse a qualquer momento eu tenho medo de altura, soará por demais
artificial. Em outras palavras, o conteúdo das exposições, na maioria das vezes, revela aquilo que os
personagens já sabem, só que o espectador também precisa ser informado para vivenciar plenamente a
história e as ações. O uso da exposição deve ser usado com condimento, pois é um artifício mais narrativo do
que dramático.
Uma exposição bem feita não deve parecer o que de fato é, ou seja, o espectador não deve perceber que aquilo
foi uma exposição. Ernest Lehman, roteirista que trabalhou em diversos filmes de Hitchcock, dizia - Não deve
parecer o que é na realidade. Os modos mais usados de fazer uma exposição são através de um conflito ou
humor.
O grande Billy Wider usou narrações em Off (voice over), feita pelo personagem principal, em Crepúsculo dos
Deuses e Pacto de Sangue. A narração em Off corresponderia ao coro das peças gregas ou ao narrador de um
romance literário.
Às vezes, é necessário expor ao espectador um certo conteúdo que pode tornar-se "chato". Em Chinatown
(roteiro de Robert Towne), há uma cena em que o protagonista Jake tem que descobrir quem é o dono de um
terreno que se acha no centro do mistério. Jake vai ao registro imobiliário procurar essas informações em um
imenso livro. Uma cena que pela primeira impressão seria "chata", mas fundamental para o desenvolvimento
da história. Quando Jake pede o livro ao funcionário, estabelece-se um um conflito entre sua necessidade de
ver os registros e a má vontade do funcionário de atendê-lo. Finalmente Jake consegue o livro e pede uma
régua emprestada, para ajudar na leitura das letras miúdas. Esta régua foi um recurso para manter o
espectador interessado na cena, pois não sabemos qual será sua utilidade. Jake usa a régua para cortar uma
folha do livro de registros e espirra ao mesmo tempo para que o funcionário não perceba o que aconteceu. O
espectador fica satisfeito com a cena e recebe todas as informações necessárias sem notar.
A exposição também pode ser feita pela ignorância do personagem a respeito de alguma coisa, como em
Guerra nas Estrelas de George Lucas. O protagonista Luke Skywalker ouve o velho Ben Kenobi citar a respeito
da Força (uma energia mística que envolve e penetra em tudo e todos). Como Luke desconhece o que é a
Força, pergunta a Ben, que lhe explica sabiamente. É um modo menos sutil de apresentar uma exposição, que
é válida somente quando há uma ignorância de um personagem a respeito de alguma coisa.
Seguindo as propostas do livro Teoria e Prática do Roteiro (David Howard e Edward Mabley) há quatro regras
empíricas que deve se ter em mente ao lidar com a necessidade de uma exposição:
1. Elimine toda exposição que não for essencial ou que mais tarde, no decorrer da história, ficará clara.
2. Apresente a exposição considerada necessária em cena que contenham conflito e, se possível, humor.
3. Adie o uso do material expositivo sempre que for possível até um momento posterior da história e aí o
transmita no momento de maior impacto dramático.
4. Use conta-gotas e não uma concha sempre que precisar apresentar a exposição necessária.
E eu incluo mais uma:
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5. Considere o espectador com um ser inteligente, que percebe as coisas com facilidade. Portanto somente
exponha o que o espectador jamais perceberá no decorrer da história.
5. IRONIA DRAMÁTICA
Suponha que estamos vendo um homem caminhando até o seu carro estacionado diante do prédio onde mora.
Não há nada de dramático nisso. Mas suponha que em algum momento anterior ficamos sabendo que há uma
bomba no carro e, quando, ele dar ignição, irá explodir.
Quando nós, espectadores, sabemos de algo que o personagem na tela não sabe e essa informação pode
causar risco ao sucesso do personagem, chamamos de ironia dramática.
Quando Romeu encontra Julieta aparentemente morta ao lado da tumba, nós sabemos que ela não está morta
e experimentamos uma intensa sensação de esperança e medo no instante em que ele vai ingerir o veneno. Se
nós, espectadores, estivéssemos pensando que ela está realmente morta, assim como Romeu pensa, a cena
perderia toda sua dramaticidade.
Ironia dramática é um recurso usado em toda arte dramática. Pense na história de Édipo, por exemplo. Se não
soubéssemos que o homem que Édipo matara era seu pai e a mulher com quem ele casara era sua mãe,
quanta graça teria esses acontecimentos.
Muitas vezes o roteirista tem que escolher entre o artifício da ironia dramática e a surpresa, ou seja, entre
deixar que o público conheça o segredo e surpreendê-los mais tarde, ou que um determinado acontecimento
seja uma surpresa completa, algo inesperado para o público. Mas, acredito, que a ironia dramática é
definitivamente um recurso muito mais forte e emocionante para o espectador que a surpresa total.
6. PLAUSIBILIDADE E A SUSPENSÃO DA DESCRENÇA
"O efeito dramático vem daquilo que é provável, não do que é possível"
Aristóteles.
Deus ex machina, uma expressão latina que significa "o deus que vem da máquina", é na verdade uma
invenção grega. No teatro grego havia muitas peças que terminavam com um deus sendo literalmente baixado
por um guindaste até o local da encenação. Esse deus então amarrava todas as pontas soltas da história. Hoje
em dia, porém, o deus ex machina tem pouca serventia para o dramaturgo e menos ainda para o roteirista, já
que não aceitamos mais a noção de um ser sobrenatural capaz de interceder pelos humanos. O dramaturgo
grego podia desenroscar os fios emaranhados de sua trama introduzindo um deus para cuidar da ação, mas o
dramaturgo moderno precisa ser mais engenhoso para resolver as complexidades do enredo.
Nós temos equivalentes modernos desse artifício, porém é preciso evitá-los. A chegada inesperada de alguém
muito poderoso, um ataque cardíaco convenientemente situado, uma súbita herança - o escritor deve fugir de
qualquer coisa que venha de fora das fronteiras da história para ajudar no desenlace. O espectador reconhece
quando o trabalho é desleixado e não aceita uma resolução que não venha naturalmente das circunstâncias da
história.
Quando Bonnie e Clyde caem na armadilha e tombam crivados de balas, no fim do filme, não se trata de deus
ex machina porque a busca do xerife, humilhado anteriormente pelo casal, faz parte integrante da história.
Quando George Bailey finalmente se modifica e fica feliz da vida de voltar para a família, no fim de A
FELICIDADE NÃO SE COMPRA, ainda que um anjo tenha sido parte crucial da história não houve deus ex
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machina. Nesse caso, a mudança vem de dentro do próprio George e o anjo é parte integrante da história, não
alguma coisa que foi enfiada no final, para solucionar tudo. Quando Evelyn morre baleada, no fim de
CHINATOWN, trata-se da extensão inevitável da história toda, da natureza do personagem de Noah Cross e da
impossibilidade de Jake mudar o destino de Evelyn. Mesmo em Uma Aventura na África, onde a mão de Deus
parece sempre muito próxima, tanto durante a chuva, que faz o barco flutuar no lago, quanto no finalzinho,
quando o barco afundado volta à tona, não estamos diante de deus ex machina. A fé, as orações, a idéia de
que "Deus ajuda quem se ajuda", e a crença de Rosie tanto em Charlie quanto no próprio barco fazem parte
integrante do desenvolvimento do enredo; são elementos que se concretizam no final, mas segundo os próprios
desígnios da história.
Muitos filmes têm o que na superfície parece uma premissa ou circunstância inacreditável: fantasmas, carros
voadores, transmissão de pensamento, criaturas imortais ou vindas de outro planeta - a lista é interminável.
Essas coisas não existem no mundo em que vivemos, mas em geral dão excelentes enredos. Em qualquer
história que contenha um elemento do inacreditável, ainda que todas as outras circunstâncias sejam realistas,
há um momento crucial que o roteirista precisa criar. É o momento em que o espectador, por vontade própria,
suspende a descrença; quando o espectador "compra o peixe" representado pela parte inacreditável para curtir
a história que está sendo contada. Se o autor-roteirista não consegue cativar o espectador, não podendo fazer
com que ele suspenda sua descrença para curtir a história, o filme vira uma grande bobagem para esse
espectador.
Em qualquer bom filme do tipo - de KING KONG a GUERRA NAS ESTRELAS, DE VOLTA PARA O FUTURO a
FRANKENSTEIN - a suspensão voluntária da descrença é cuidadosamente criada e alimentada pelo autor-
roteirista. No nível mais simples, o método se resume a enfrentar de frente a descrença, em vez de tentar
disfarçá-la. O público normalmente percebe o disfarce e se recusa a participar da história que está sendo
contada. Em geral, o melhor é fazer com que um personagem principal -muitas vezes o protagonista, mas nem
sempre - manifeste a descrença partilhada pelo espectador. À medida que esse personagem vai se
convencendo da verdade da coisa inacreditável, o público acompanha. Em DE VOLTA PARA O FUTURO, de início
o protagonista não acredita na máquina do tempo, mas depois da viagem acaba acreditando e nós,
suspendendo a própria descrença, vamos no embalo até o final. Em King Kong, o macaco gigante já existe;
resta apenas encontrá-lo. Mas há uma preparação cuidadosa para o momento da revelação do personagem-
título e uma resistência considerável em acreditar nele por parte da tripulação, até que o monstro esteja diante
de todos. Certas ocasiões, como em GUERRA NAS ESTRELAS, o inacreditável faz parte do cotidiano de nosso
protagonista, de forma que não temos sua descrença para usar. Nesse caso, é preciso usar e trabalhar a
experiência vital do próprio espectador. Sabemos que já existem naves espaciais, embora nenhuma tão grande
nem tão sofisticada quanto as mostradas no filme. Sabemos que robôs computadorizados conseguem se mexer
e todos nós já vimos um holograma. E assim vai, até que Luke entra num carro voador, e aí já não sentimos o
menor problema em aceitar o universo dessa história e todos os gloriosos artefatos que o acompanham. Cada
um dos exemplos iniciais do filme baseia-se em algo que sabemos ser possível; só que no filme tudo é um
pouquinho melhor do que aquilo que temos no momento. O filme até nos permite um certo espaço de tempo
durante o qual nos ajustamos à idéia de seres espaciais. Os primeiros que encontramos são pequenos,
encapuzados e a única coisa realmente estranha a respeito deles são os olhos vermelhos. Quando chega a hora
de entrar naquele bar, repleto com os tipos mais diversos de monstros, já compramos o peixe inteiro e
suspendemos a descrença.
É vital, para que o espectador suspenda voluntariamente a descrença, que essa suspensão só aconteça uma
vez na história. Em outras palavras, a gente se compromete a acreditar, mas, naquele momento, aquilo em
que decidimos crer também inclui um conjunto de regras. Essas regras de um universo fictício terão, assim,
que ser escrupulosamente seguidas, sob pena de o espectador fugir da história. Por exemplo, se
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estabelecermos no inicio que os carros voam, mas não os ônibus, é melhor não vermos um ônibus voando num
momento posterior, senão perderemos a confiança em quem conta a história e não participaremos mais. Muitas
vezes sentimos que o autor-roteirista está "trapaceando", quando isso acontece. Por exemplo, em DE VOLTA
PARA O FUTURO, fala-se muito da enorme velocidade que o carro precisa atingir para viajar pelo tempo. Isso
vira uma das "regras" do novo mundo em que entramos. Se, no final, o carro conseguisse viajar no tempo
enquanto estivesse parado, ou indo mais devagar do que a velocidade que nos disseram ser fundamental, o
espectador se sentiria trapaceado e se rebelaria contra o filme, contra a história e contra o autor-roteirista.
Uma outra característica das melhores histórias é o efeito de inevitabilidade que o escritor consegue atingir. O
curso dos eventos que o roteirista pôs em marcha não se limita a seguir uma trilha plausível: o espectador
acaba acreditando que não havia nenhum outro resultado possível. Essa sensação de inevitabilidade - uma
combinação de personagens trilhando um caminho do qual não há volta possível - constitui talvez a maior
façanha de um roteirista.
A inevitabilidade não deve ser confundida com previsibilidade. A inevitabilidade é a sensação, à medida que os
eventos se desenrolam, de que não poderia ter sido de outro jeito, ao passo que a previsibilidade diz respeito à
capacidade do espectador em adivinhar o que está para acontecer. Desde que haja dois resultados igualmente
plausíveis impedindo que o espectador adivinhe o que vai acontecer na próxima cena ou seqüência e na
resolução, a história não é previsível. E se, ao mesmo tempo, cada passo ao longo do percurso da história
parecer provável, sem que estejam visíveis as mãos de Deus ou a do escritor; o desenrolar dos acontecimentos
da história parecerá inevitável.
Texto extraído do livro Teoria e Prática do Roteiro,
de Edward Mabley e David Howard
7. CONFLITO
O conflito é ingrediente essencial de qualquer trabalho dramático, seja no palco ou na tela. Sem conflito não
teremos história capaz de interessar alguém. O conflito é o próprio motor que impele a história adiante; ele
fornece movimente e energia a história. Em geral, uma história é alguém querendo alguma coisa e fazendo o
necessário para conseguir tal coisa. Se o sucesso do personagem é muito fácil de ser atingido e não há
conflitos, o espectador não terá interesse na história. Tem que haver conflito, interno (sentimentos) ou externo
(perigo físico)!
É importante não confundir conflito com berros, armas, punhos e outras formas de comportamento extremo.
Ainda que todas essas coisas possam transmitir a idéia de conflito, há outras maneiras de mostrá-los.
Em De Olhos Bem Fechados, dirigido por Stanley Kubrick e roteirizado por Frederic Raphael, há uma boa cena
que exemplifica que é possível tirar conflito de quase todas as situações. Em certo momento da história Dr.
William Harford precisa, de última hora, de uma fantasia para ir a uma festa que não estava em seus planos. O
problema é que já é madrugada e não há lojas de fantasia abertas há essa hora, mas Dr. William Harford quer
muito ir a festa. Já há um pouco de conflito na cena. Ele recorda que tem um amigo, dono de uma loja de
fantasias, então vai a loja do amigo e, descobre, através do novo proprietário, que a loja foi vendida e seu
amigo está morando no outro lado do país. Criou-se, então, mais conflito para a cena. O novo proprietário da
loja recusa-se a atender Dr. William. “É muito tarde”, reclama proprietário. O conflito vai aumentando durante
a negociação entre os personagens. Dr. William oferece um bom dinheiro extra para poder ser atendido. Ao ver
o dinheiro, o proprietário permite que Dr. William entre.
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A partir dessa cena podemos ver a boa decisão do roteirista. Ele podia simplesmente por Dr. William em
contato com seu amigo dono da loja, mostrá-lo comprando uma fantasia, despedindo-se de seu amigo e indo
embora, mas isso não seria interessante.
Uma simples cena de almoço pode conter conflito, como na cena de Cada Um Vive Como Quer, na qual Robert
Dupea tenta pedir torradas para acompanhar a refeição. O que poderia ser uma ocasião ultra-maçante, sem
complicações, transforma-se numa cena fascinante, quando o pedido de torradas vira um desafio de duas
vontades opostas, a de Robert e a de uma garçonete rigidamente presa as normas do restaurante, que não
permite a substituição de acompanhamentos.
Na verdade, não se cria conflito com gritaria ou comportamentos exagerados e sim com um personagem
querendo algo que é difícil de obter ou conseguir. Isso vale tanto para histórias como um todo como para cenas
individuais.
Tentar fazer algo difícil cria conflito. O desejo que cria o conflito pode ser tão simples quanto calçar um par de
botas, como nas cenas iniciais de Dança com Lobos, ou tão cataclísmico quanto salvar o mundo da destruição
nuclear, como em Dr. Fantástico.
Conflito sempre é fundamental para uma história, ato a ato, seqüência a seqüência, cena a cena.
8. SUSPENSE & SURPRESA
A diferença entre suspense e surpresa foi analisada por Hitchcock num célebre trecho de suas conversas com
Truffaut.
Eis a conversa:
"Estamos conversando e a conversa é banal ... De repente, BUM, uma explosão. O público fica surpreso, mas
antes lhe foi mostrada uma cena absolutamente sem interesse. Agora, examinemos o suspense. A bomba está
debaixo da mesa e o público sabe... O público sabe que a bomba irá explodir a uma hora. Há um relógio no
cenário que mostra que são quinze para uma. A mesma conversa desinteressante torna-se de repente
interessantíssima por que o público participa da cena. No primeiro casa oferecemos quinze segundo de surpresa
no momento da explosão. No segundo nós lhe proporcionamos quinze minutos de suspense. A conclusão disto
é que é preciso informar o público (torná-lo cúmplice) sempre que possível, a menos que a surpresa seja um
twist, isto é, quando o inesperado da conclusão constitui a graça da anedota."
Bom... O que Hitchcock disse é perfeito, não precisa ser complementado nem sequer comentado.
9. O PODER DA INCERTEZA
Para que o cineasta ou a cineasta atinjam seu objetivo num longa é preciso, basicamente, manter o público na
poltrona, prestando atenção no enredo e importando-se com o resultado e com os personagens. Em outras
palavras, é preciso a participação do público. Sem isso, o espectador vira mera testemunha, desinteressado e
insensível. Isto pode matar o drama, porque uma história não é, em si, dramática; ela só é dramática na
medida em que tem impacto sobre o público, na medida em que seja capaz de comover, de alguma forma. O
drama (incluindo-se ai tanto a comédia quanto a tragédia) exige uma reação emocional da platéia para poder
existir.
Ironicamente, nem todas as histórias "comoventes" afetam as emoções do público e, por outro lado, nem todos
os filmes aparentemente diretos e cheios de ação deixam o público insensível. Uma Rajada de Balas, O
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Poderoso Chefão e Intriga Internacional são filmes cheios de ação, entretanto todos geram uma reação
fortemente emotiva por parte do público. Uma pessoa chorando histericamente num filme não terá nenhum
impacto emocional a menos que nós saibamos alguma coisa sobre ela, sobre o contexto e sobre os fatos que
levaram à crise de choro.
Então, qual é o truque para manter a participação do público e criar a reação emotiva da qual depende o
drama? Respondendo numa só palavra: incerteza. Incerteza sobre o futuro imediato, incerteza sobre o
desenrolar dos acontecimentos. Uma outra forma de definir esta idéia seria o conceito de "esperança versus
medo". Se o cineasta conseguir fazer o público torcer por certos eventos e temer determinados outros, sem
que saiba, de fato, para que lado vai pender a história, terá conseguido, com a incerteza, uma ferramenta
poderosíssima. Quantas vezes não nos pegamos fascinados por uma história com um forte componente de
esperança e medo?
Em Casablanca, Rick vai continuar ou não alheio àquele mundo complexo e perigoso que o cerca, ainda que seu
grande amor, Ilsa, esteja envolvida e implicada? Em Os Incompreendidos, conseguirá Antoine encontrar um
lugar no mundo onde se encaixe? Em O Tesouro de Sierra Madre, Fred C. Dobbs sucumbirá à cobiça ou
manterá sua palavra? Em Janela Indiscreta, L. B. Jeiferies conseguirá provar o que houve do outro lado do
pátio antes que o assassino o encontre? Em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, será que Alvy vai conseguir
manter seu relacionamento com Annie? Em o Império Contra-Ataca, será que o jovem Luke será derrotado por
Vader e se entregará ao Lado negro.
Às vezes, situações idênticas mas em circunstâncias diferentes provocam esperanças e medos opostos. Um
casal jovem tentando ter um filho vai torcer para que a mulher engravide naquele mês e, simultaneamente, vai
ter medo de que ela não consiga. Um casal de adolescentes, ou um casal cujo envolvimento é esporádico,
talvez tenha medo de que a moça esteja grávida e torça para que não esteja. Ao mesmo tempo, a incerteza da
platéia não é, necessariamente, igual à dos personagens. Se o público sentir que o casal tentando ter um filho
não combina, que o casamento deles está por um fio e que o bebê vai se ressentir da separação iminente, o
espectador é capaz de estar torcendo para que ela não fique grávida e temendo que ela consiga, ao passo que
os personagens sentem exatamente o oposto.
Como é que se cria essa sensação de incerteza, esse conveito de "esperança versus medo", no público? Em
primeiro lugar, e acima de tudo, o público precisa simpatizar, nem que seja minimamente, com um ou mais dos
personagens principais. O passo seguinte para se criar esperança e medo é deixar que o público saiba o que
potencialmente pode acontecer, mas nunca o que vai acontecer,
Em Tempos Modernos (Modern Times), Charlie Chaplin é vigia noturno numa loja de departamentos. Ele põe
um par de patins nos pés e começa a exibir suas habilidades para Paulette Goddard usando uma venda nos
olhos. Vai patinar justamente na área onde a loja passa por uma reforma, ao lado de um imenso buraco no
chão. Ele patina na beirada do buraco, afasta-se, aproxima-se um pouco mais, afasta-se de novo, volta para
perto do buraco, depois pára. Durante o tempo todo estamos rindo, mas tensos, sentindo uma forte sensação
de esperança e medo. Se não soubéssemos do buraco no chão, se não pudéssemos prever o que poderia
acontecer, não haveria tensão, não haveria esperança e medo e, portanto, não haveria drama. Mas como
sabemos que ele pode despencar, entretanto não sabemos se ele vai ou não despencar mesmo, ficamos num
estado de incerteza e, conseqüentemente, estamos participando.
A base dessa participação, portanto, é a antecipação. A antecipação do que pode ou não acontecer é uma
situação informada, não é uma situação de ignorância. Em outras palavras, se não conhecemos os perigos ou
os benefícios que podem advir no futuro próximo do filme, não somos capazes de antecipar o que pode ou não
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ocorrer. Um erro comum entre os roteiristas iniciantes é pensar que a única forma de evitar que o espectador
adivinhe o final é mantê-lo desinformado sobre o que está acontecendo, é não divulgar informações. Mas
imagine só se não tivéssemos conhecimento da existência do buraco no chão onde Carlitos patina. Imagine se
não soubéssemos quem é o verdadeiro assassino em Frenesi (Frenzy). Imagine se não soubéssemos que havia
bandidos atrás dos dois homens vestidos de mulher em Quanto Mais Quente Melhor (Some Like ft Hot). De
onde viriam a tensão e o drama?
A chave para se evitar que o público adivinhe o que vem pela frente não é manter o espectador na ignorância e
sim fazê-lo acreditar que, talvez, suas esperanças se concretizem, mas também que aquilo que ele teme pode
acontecer. Ou seja, ter dois resultados igualmente plausíveis para determinada situação mantém a participação
do público, porém este não é capaz de prever o resultado exato da cena ou da história.
A participação do público na história implica, portanto, o seguinte: o espectador tem um certo grau de simpatia
pelo personagem, sabe o que pode acontecer ou não, está diretamente interessado num resultado ou noutro
(através da esperança e do medo) e acredita realmente que tanto um quanto outro são possíveis. Tanto faz
que você analise Amadeus ou Apocalipse Now, Janela Indiscreta ou E O Vento Levou, O Terceiro Homem ou
Quando Duas Mulheres Pecam - a chave para que as cenas individuais e a história toda funcionem está no fato
de os cineastas terem conseguido criar, no público, essa mistura de sentimentos, conhecimento e crença. Mas
para poder criá-la no público, a mistura tem de existir no papel, tem de estar no roteiro. Se a criação desse
relacionamento com o público não for levada em consideração na fase de roteirização, praticamente não existe
qualquer esperança de superar a falha na produção do filme.
Texto extraído do livro "Teoria e Prática do Roteiro"
de Edward Mabley e David Howard
10. PREPARAÇÃO E CONSEQÜÊNCIA
Preparação e conseqüência são dois elementos que podem ser utilizados para aumentar bastante a vivência do
espectador.
Cena de preparação
Uma cena de preparação é aquela em que o espectador e em geral o personagem (ou personagens) se
preparam para uma próxima cena dramática. Filmes de guerra ou de competições esportivas, por exemplo, são
ricos e cenas de preparação. São aquelas cenas em que o soldado se prepara para a grande batalha ou o
esportista para a grande competição.
Cena de conseqüência
Cena de conseqüência é aquele que permite ao público e ao espectador "digerirem" uma cena dramática
imediatamente anterior. A famosa cena musical que dá o Título a Cantando na Chuva é, na verdade, uma longa
cena de conseqüência em que o personagem da vazão as suas emoções e o espectador sente a mesma coisa.
Cena de preparação e Conseqüência por contraste
Neste tipo de cena, você vai instilando ao espectador uma expectativa emocional oposta aos efeitos que a
próxima cena dramática provocará. Por exemplo em KRAMER vs KRAMER, Ted Kramer chega em casa depois
de "uns dos cinco melhores dias de sua vida" e encontra a mulher pronta para abandoná-lo de deixá-lo com o
filho.
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11. PISTA E RECOMPENSA
Uma pista é um artifício preparatório que ajuda a construir um roteiro bem estruturado. Pode ser uma fala num
diálogo, um gesto de um personagem, um maneirismo, uma ação ou combinação disto tudo. A medida em que
a história se desenrola, a pista é plantada algumas vezes, o que a mantém viva na mente do espectador. Em
geral, perto da resolução da história, quando a situação do personagem e também o público já tiverem
mudado, surge a recompensa. Na recompensa o diálogo, o gesto do personagem, o maneirismo, a ação ou seja
lá o que for, adquirem novo significado.
Em geral, é melhor separar a pista da recompensa com o máximo de tempo de filme possível. Isso mantém a
expectativa e a tensão do roteiro, principalmente quando um personagem e o público sabem de alguma coisa
que outro personagem (ou personagens) não sabe, pois dá uma relação de cumplicidade entre o espectador e o
personagem.
Um exemplo de pista e recompensa extremamente sutil em O IMPÉRIO CONTRA-ATACA, quando Luke corta a
cabeça de Vader (que era apenas sua imaginação) e vê a si mesmo por dentro do elmo. Mais tarde, quase no
final do filme se dá a recompensa: o espectador e Luke são informados que Vader é seu pai. Uma outra pista é
dada quando Yoda fala a Ben que "existe outra esperança" e a recompensa só vem três anos depois com o
lançamento da continuação O RETORNO DE JEDI.
Em EXCALIBUR, dirigido por John Boorman, o Rei Arthur pede que o Mago Merlin salve a vida de Lancelot,
custe o que custar. Merlin lhe pergunta: "Mesmo que isso lhe cause muito sofrimento no futuro?". Arthur re-
afirma que não importa o custo e todos sabemos o que acontece depois.
Em Thelma & Louise, sabemos logo no começo do filme que as meninas estão portando uma arma para a
viagem que realizarão. Depois Thelma dispara contra o Homem que tentava violentar Louise no estacionamento
de uma bar. Essa cena não teria um impacto tão forte se de antemão não soubessemos que as meninas
estavam armadas desde o começo da história. Apesar de isso não ficar evidente desde o começo, de que
alguma coisa ruim iria acontecer, saber sobre a arma instigou lá no fundo dos sentimento do espectador
alguma sensação de perigo.
12. ELIPSE
Muitas vezes, num roteiro é necessário introduzir elipses, isto é, omissões voluntárias de um fragmento da
história, de um momento ou de um detalhe particular - omissões que o espectador pode ou não completar
mentalmente.
As elipses servem para:
a) Acelerar o ritmo, animá-lo. Não somos obrigados a infligir ao espectador, numa determinada cena, todas as
ações que a compõem. Uma cena de conflito, por exemplo, pode ser iniciado no momento em que as
personagens já estão iradas, ou então terminar antes de chegar o clímax. Muitas vezes, pequenas elipses
(quase imperceptíveis) que não estão no roteiro são incluídas na fase de edição do filme.
b) Reservar algumas surpresas ao espectador. O caso mais clássico é aquele em que as personagens montaram
um plano e se faz a elipse do momento em que elas o explicam umas às outras - isto para deixar ao espectador
a surpresa de descobri-lo.
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c) Evita repetições quando uma personagem deve recapitular para outra, recém-chegada, o que o público já
sabe.
d) Postergar informações sobre um momento ou detalhe que é peça capital do quebra-cabeça representado
pela construção do filme.
A elipse pode aparecer em centenas de formas diferentes. Seja criativo. Um exemplo interessantíssimo é a
elipse usada em "REVIRAVOLTA" (U-turn), dirigido por Oliver Stone. O personagem interpretado por Nick Nolte
narra a Sean Pean o modo que ele deve agir para conquistar sua esposa e, em seguida, assassiná-la. Enquanto
Nolte faz a narração, as imagens de Sean Pean seguindo suas instruções são exibidas ao espectador. Ao final
da narração (em Off), já estamos no tempo em que Sean Pean vai executar o plano. Como a criação do plano e
sua execução acontecem ao mesmo tempo para o espectador, foram economizados vários minutos de cena
com uma criativa elipse.
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AJORNADAMITOLÓGICA
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A JORNADA MITOLÓGICA
1. OS ARQUÉTIPOS MITOLÓGICOS
Carl G. Jung sugeriu que pode existir um inconsciente coletivo. Os mitos seriam como sonhos de uma sociedade
inteira: o desejo coletivo de uma sociedade que nasceu do inconsciente coletivo. Os mesmos tipos de
personagens parecem ocorrer nos sonhos tanto na escala pessoal quanto na coletiva. Esses personagens são
arquétipos humanos. Os arquétipos são impressionantemente constantes através dos tempos nas mais variadas
culturas, nos sonhos e nas personalidades dos indivíduos, assim como nos mitos do mundo inteiro. Dominar
esses arquétipos dá um grande poder ao roteirista, são ferramentas úteis, como um baú cheio de truques.
Os arquétipos mais comuns nos mitos são:
HERÓI
MENTOR
GUARDIÃO DO LIMIAR
ARAUTO
CAMALEÃO
SOMBRA
PÍCARO
É claro que existem outros. Abaixo um comentário sobre esses arquétipos e sua função dramáticas.
O HERÓI
A principal característica que define este arquétipo é capacidade que ele tem de se sacrificar em nome do bem
estar comum. Nos filmes de ação este arquétipo é personificado, preferencialmente, pelo protagonista. É ele
que vai conduzir a história aos olhos do espectador, o desenvolvimento da trama está pautado nas ações do
herói perante o ambiente que lhe é apresentado e no resultado destas ações. Portanto, para um roteiro ser
bem aceito pelo público é preciso que este tenha uma identificação com o herói. Quanto mais humana a feição
do seu herói mais provável a identificação. É preciso que o herói tenha suas qualidades louváveis e desejadas
pelo espectador e ao mesmo tempo possua fraquezas que o tornem mais humano e mais próximo.
Com o herói sendo o protagonista, o roteiro se torna um relato da aventura deste. Uma jornada, onde ele deixa
o seu mundo comum e cotidiano e parte para novas descobertas e desafios. O estímulo para esta jornada é a
mudança de algo em seu mundo comum, e ele parte para buscar a restauração deste mundo, ou ele está
insatisfeito em seu mundo e parte para provocar uma mudança. Em ambos os casos o motivo da jornada é a
falta de alguma coisa. O herói se sente incompleto e vai em busca de sua plenitude. O resultado é a
transformação do próprio herói. Mesmo que o ambiente não se altere o herói não o enxerga mais da mesma
forma. O sacrifício foi feito o herói do começo da história morre para dar lugar a outro.
O confronto com a morte é outra característica deste arquétipo. A morte pode ser física ou simbólica, mas está
presente. Na maior parte dos casos o herói se depara com a morte eminente e triunfa sobre ela, se tornando
um mártir (quando ocorre a morte física) ou renascendo a partir de sua própria destruição (quando a morte
física foi apenas uma ameaça ou quando a morte é simbólica), em ambos os casos o herói triunfa.
O arquétipo do herói não é exclusivo do protagonista, muitas personagens (como o Mentor Ben Kenoby em
Guerra nas Estrelas) podem ter atitudes heróicas. Da mesma forma que o herói pode ter características de
outros arquétipos. A riqueza de uma personagem é sua complexidade, a capacidade de assumir outros
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arquétipos, sem se esquecer do principal, dá uma dimensão humana permitindo a identificação e a
credibilidade. Poucos acreditam em heróis que só praticam o bem pelo bem e em vilões que só praticam o mal
pelo mal.
O MENTOR
Como a função do herói é o aprendizado, ele necessita de alguém que o guie, pelo menos até o momento que
ele possa andar com seus próprios pés. O mentor pode ser um herói de uma jornada anterior, portanto, ele é
uma projeção do que o herói se tornará ao fim de sua aventura. Em outros casos o mentor pode ser um herói
que, no passado, falhou na sua jornada, mas mesmo assim adquiriu alguma experiência que pode ser útil ao
herói.
Além dos ensinamentos o mentor pode dar ao herói algum presente que o ajude na sua jornada, ou, em certas
histórias o mentor pode fazer um papel de consciência do herói.
De um modo geral a função do mentor é estimular a entrada do herói na aventura. Dando-lhe um presente ou
apresentando a situação de tal maneira que o herói vença o seu medo e parta para a aventura.
O GUARDIÃO DO LIMIAR
No decorrer da aventura o herói enfrenta desafios. Estes desafios podem ser obstáculos, tentando impedir que
o herói continue sua trilha, ou aliados que estão ali para testá-lo. Muitas vezes um guardião depois de ser
ultrapassado se torna aliado do herói ou até uma espécie de mentor.
Em algumas histórias estes guardiões são aliados do vilão que possuem poder menor que este. Para a
preparação do herói é necessário que ele enfrente estes guardiões e se torne mais forte para enfrentar o vilão.
Neste sentido o guardião é uma prévia da luta final. Se a história é uma luta psicológica os guardiões estão
representados nas próprias limitações internas do herói.
O guardião, assim, como o mentor pode estar representado por cenários, objetos, pensamentos. Não precisam,
necessariamente, ser personagens da história para se fazerem presentes.
O ARAUTO
O arauto é a primeira chama à mudança, pode ser uma personagem ou fato que traga ao herói à vontade ou
decisão de lançar na aventura. Em algumas histórias o arauto representa a primeira manifestação das energias
da sombra.
Quando o herói vive uma situação de desequilíbrio o arauto é a força que vai ser a gota da água (a morte dos
tios do Luke). O herói parte para enfrentar o primeiro guardião de limiar.
O CAMALEÃO
A característica deste arquétipo é a mudança. Pode estar representado por uma personagem, geralmente de
sexo oposto ao do herói, que aos olhos do herói e do espectador apresente uma mudança de aparência ou de
espírito, de forma que não se possa prever suas ações.
A função do camaleão é acabar com a previsibilidade da história. O herói, assim como o espectador, fica em
dúvida com a relação à fidelidade do camaleão. Pode ser um aliado ou aliado da sombra.
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O arquétipo do camaleão pode ser assumido, momentaneamente, por personagens que representam outros
arquétipos. A sombra, o herói, o mentor, o guardião, enfim todos podem apresentar as características do
camaleão para atender melhor suas próprias funções. Muitas vezes isto se dá quando uma personagem
representativa de um arquétipo finge ser representante de outro.
A SOMBRA
A sombra é representada pelo vilão ou inimigo do herói. Seu objetivo é, geralmente, a morte ou destruição
definitiva do herói. Por outro lado, o antagonista do herói pode ser um aliado que discorda das ações do herói e
opta por tomar outras ações, de forma que ambos entram em uma competição para se resolver à história.
A função primordial da sombra é impor desafios ao herói, de modo que este tenha que se fortalecer para
vencê-los. A sombra pode ser um reflexo negativo do herói. Em uma história de luta psicológica, a sombra é
representada por traumas e culpas do próprio herói.
Assim como o herói, a sombra pode se tornar mais interessante se possuir uma feição humana, ou seja, ter
defeitos ou qualidades que a aproximem do espectador. Além das fraquezas mortais, a sombra pode ter um
lado bom ou uma visão que justifique suas ações.
O PÍCARO
Este arquétipo pode ser representado por um palhaço ou qualquer personagem cômico, ele carrega em si o
desejo de mudança da realidade.
A função deste arquétipo é acordar o herói para a realidade, denunciando a hipocrisia e o lado ridículo das
situações apresentadas. Esta função também atinge o público, uma vez que este e o herói estão ligados,
trazendo um alívio cômico após uma situação tensa da história.
Este arquétipo também pode aparecer ou ser assumido por personagens representativas de outros arquétipos.
O herói picaresco, por exemplo, é muito comum em contos tradicionais de vários países e uma constante nos
desenhos animados infantis.
2. A JORNADA DO HERÓI MITOLÓGICO
Mapa de Christopher Vogler
Primeiro ato
Mundo comum
Chamado à aventura
Recusa do chamado
Encontro com o mentor
Travessia do 1º limiar
Segundo ato
Testes, aliados e inimigos
Aproximação da caverna oculta
Provação Suprema
Mapa de Joseph Campbell
Partida, preparação
Mundo cotidiano
Chamado à aventura
Recusa do chamado
Ajuda sobrenatural
Travessia do primeiro limiar
Barriga da baleia
Decida, iniciação
Estrada de provas
Encontro com a deusa
A mulher como tentação
Sintonia com o pai
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Recompensa
Terceiro ato
Caminho do volta
Ressurreição
retorno com o elixir
Apoteose
A grande conquista
Retorno
Recusa do chamado
Vôo mágico
Resgate de dentro
Travessia do limiar
Retorno
Senhor de dois mundos
Liberdade de viver
Vamos deixar bem claro que qualquer um desses mapas acima podem e devem ser alterados para cada
história. Os mapas devem servir a necessidade da história e não o contrário. Eles são extremamente flexíveis.
Apesar das tantas e tantas variações que vemos no cinema da jornada do herói, no fundo, no fundo podemos
concebê-la como uma única jornada. Um herói sai de seu seguro mundo comum para se aventurar num mundo
hostil e estranho. Leve em consideração que essa jornada pode ser externas ou internas, ou seja, pode ser uma
aventura física propriamente dita, com mocinhos, bandidos, etc ou uma história que se passa na mente e/ou
coração do herói.
Uma história de tribunal, por exemplo, em que o personagem principal é o advogado. O tribunal é o cotidiano
desse personagem, seu mundo comum. Mas um caso especial, uma defesa extremamente difícil pode levá-lo
ao mundo especial, mesmo não saindo de seu costumeiro tribunal, de sua casa e de seu escritório.
Abaixo um comentário de cada etapa da jornada do herói seguindo o mapa de Christopher Vogler. Escolhemos
o mapa de Vogler porque ele é mais voltado para o universo cinematográfico.
A. O MUNDO COMUM
A maioria das histórias leva o personagem principal para foram do seu mundo comum, cotidiano, para um
mundo especial, novo e estranho. A idéia de peixe fora d'água gerou muitas e muitas histórias de filmes.
Exemplo: Guerra nas Estrelas, O Fugitivo, 48 horas, O Mágico de Oz, Excalibur.
Antes de mostrar alguém fora de seu ambiente costumeiro, obviamente primeiro se deve mostrá-lo em seu
mundo comum, para poder dar um contraste nítido entre o mundo especial que entrará.
Em Guerra nas Estrelas primeiramente vemos o herói Luke Skywalker em sua vidinha na fazenda, cheio de
tédio antes de embarcar na aventura contra o império galáctico.
No emocionante Thelma & Louise primeiro conhecemos as duas personagens em suas vidas cotidianas. Uma é
garçonete e a outra é dona de casa. Somente depois é que embarcamos no mundo especial, no qual elas serão
fugitivas da polícia.
B. CHAMADO À AVENTURA
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Ao herói é apresentado um chamado à aventura, um desafio de grande risco. Uma vez apresentado esse
chamado, o herói não pode mais permanecer indefinidamente em seu mundo comum. A terra pode estar
morrendo, como nas histórias do Rei Arthur em busca do cálice graal. Em Guerra nas Estrelas o chamado
acontece quando Luke vê com Ben o holograma da princesa Leia pedindo ajuda.
Nas comédias românticas, o chamado à aventura pode ser o primeiro encontro com alguém especial,
normalmente no cinema americano, uma pessoa irritante em que o protagonista passa a perseguir e enfrentar.
O chamado à aventura estabelece o objetivo do jogo e deixa claro qual é o objetivo do herói. Será que Luke
conseguirá salvar a princesa Leia? Será que Thelma & Louise conseguirão escapar impune do crime que
cometeram?
C. RECUSA DO CHAMADO
É normal qualquer herói sentir medo após se chamado à aventura. Luke recusa ir a Alderan ajudar a princesa
Leia. Nas comédias românticas o herói pode relutar em deixar-se envolver.
Quando o herói recusa, é necessário que em algum momento surja alguma influência para que vença esse
medo. Pode ser um encorajamento do mentor; uma nova mudança na ordem natural das coisas. Quanto maior
for o medo do herói para embarcar na aventura, maior será o vínculo emocional do espectador.
Quando Luke recusa o chamado de Ben Kenoby e volta para casa, vê seus tios mortos pelas tropas do império.
Com isso, Luke não hesita mais e determina-se a embarcar na aventura com Ben. A recusa do chamado
acontece sempre no início da história? NÃO. Lembre-se que o mapa da jornada deve ser moldado ao propósito
da história. Em O Retorno de Jedi o mocinho Luke fica recusando o chamado de enfrentar Vader desde os 45
minutos de filme até mais ou menos os 75 minutos.
D. ENCONTRO COM O MENTOR
Nesse ponto da história o herói já deve ter encontrado um mentor. A relação entre o mentor e o herói é um dos
temas mais comuns na mitologia. Representa o vínculo entre pai e filho, mestre e discípulo, Deus e o ser
humano. Um dos mais famosos mentores é o Mago Merlin da história do Rei Arthur e os cavaleiros da távola
rendonda. Nos filmes o mentor pode aparecer como um sábio Jedi (Guerra nas Estrelas), um sargento exigente
(A Força do Destino), ou mesmo o código de honra e moral do herói (os personagens de John Wayne).
A função do mentor é preparar o herói para enfrentar o desconhecido quando ele atravessar o primeiro limiar.
Ben Kenoby instrui Luke sobre os caminhos da Força. O mentor pode ensinar ou até mesmo dar "presentes",
como o velhinho agente Q nos filmes de James Bond.
O mentor só pode ir até certo ponto com o herói. Em certo ponto da história, o herói deve ir sozinho ao
encontro do desconhecido. Algumas vezes, para isso, mentor pode dar um empurrãozinho ou até mesmo um
belo chute na bunda.
Importante frisar um herói pede ter vários mentores.
E. TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR
Finalmente o herói se compromete com sua aventura e entra plenamente no mundo especial ao efetuar a
travessia do primeiro limiar. Dispõe-se a enfrentar o desafio do chamado à aventura. Este é o momento em que
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a história decola e a aventura realmente inicia. È o Ponto de Virada (Plot Point do paradigma de Syd Field). A
partir desse ponto o herói não tem mais como voltar atrás. É o momento em que Luke e Ben vão à cantina
procurar por um piloto (Han Solo) para levá-los a Alderan.
F. TESTES, ALIADOS E INIMIGOS
No momento em que o herói entra no mundo especial, encontra novos desafios, teste, faz aliado e luta contra
inimigos. Os bares são muito úteis para essa etapa da jornada. Luke e Ben são testados, fazem aliado e
enfrentam inimigo na cantina.
Essa etapa da jornada pode se repetir várias vezes durante a história, ainda mais se for um filme de ação
propriamente dito. Nesses filmes o herói é testado a todo o momento, tem inimigos por toda parte e recorrem
à ajuda de aliado em diversos momentos da história.
G. APROXIMAÇÃO DA CAVERNA OCULTA
Aqui o herói chega a fronteira de um lugar perigoso onde está o objeto de sua busca. Pode ser o quartel
general de seu maior inimigo, como a Estrela da Morte. A caverna oculta é o ponto mais ameaçador do mundo
especial. Quando o herói entra nesse lugar temível, ele atravessa o segundo limiar.
Nas histórias do Rei Arthur a caverna oculta é a Capela Perigosa onde se encontra o cálice graal. Em Indiana
Jones e a Última Cruzada a caverna oculta é o templo onde estão aquelas dezenas de cálices e um deles é o
graal.
A aproximação compreende todas as etapas para entrar na Caverna e enfrentar a morte ou o perigo supremo.
H. A PROVAÇÃO SUPREMA
A provação suprema é momento crítico nas histórias. O herói enfrenta a possibilidade de morte. Em Guerra nas
Estrelas esse é o momento em que Luke, Han e Leia ficam presos no compactador de lixo.
Na provação suprema o herói tem que morrer para renascer em seguida. Você pode interpretar isso ao pé da
letra ou metaforicamente. Neo, em Matrix, é surrado pelo agente Smith, e foge para não morrer. Nas comédias
românticas essa morte é o fim de um relacionamento amoroso e o renascimento pode ser a retomado de um
namoro.
Em O Exterminador do Futuro II, o T-800 é "morto" pelo T-1000, que lhe crava uma estaca metálica na costa.
Momentos depois, o T-800 "renasce".
I. RECOMPENSA
Após sobreviver a morte, derrotar o dragão e salvar a princesa, o herói e o espectador têm motivos para
celebrar. O herói, então, pode se apossar do tesouro que veio buscar, sua recompensa. Pode ser uma arma
especial, um símbolo como o cálice graal, ou ainda simplesmente o ganho de experiência, sabedoria e/ou
reconhecimento.
Nas comédias românticas pode ser a reconciliação do casal. Em O Retorno de Jedi é reconciliação entre Luke e
Vader, pai e filho. Dorothy escapa do castelo da Bruxa Malvada com a vassoura da bruxa e os sapatos de rubis.
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O T-800, John e Sarah conseguem capturar o chip e o braço mecânico que futuramente servirão para a
construção de exterminadores.
J. CAMINHO DE VOLTA
O caminho de volta é onde começa o terceiro ato da história. O herói ainda está no mundo especial e corre
perigo. As forças do mal se reorganizam e prepara um último ataque, a batalha final.
Luke, Leia e Han são perseguidos pela força do Império após fugir da estrela da morte. John, T-800 e Sarah
fogem do T-1000. Esta etapa da jornada marca a decisão de voltar ao Mundo Comum. Mas a volta será difícil.
K. RESSURREIÇÃO
O herói deve "renascer" e assim se purificar antes de voltar ao mundo comum. Pode até ser um segundo
momento de vida e morte, ainda mais intensa que a provação suprema. Essa etapa é uma espécie de examina
final do herói, para ver se realmente aprendeu as lições.
O herói se transforma graças a esse momento de morte e renascimento e assim pode voltar a vida comum
como um novo ser, mais evoluído, experiente, com um novo entendimento. Quantas vezes, nós em nossas
vidas reais, não sofremos um acidente, corremos perigo ou coisa semelhante e, após sobreviver a esse apuro,
nos sentimos mais vivos, vemos tudo com cores diferentes, nos sentimos mais leves, PUROS? Se o herói não se
limpar de toda sujeira, corrupção, ódio e sangue do mundo especial ele pode voltar com sérios problemas
psicológicos para o mundo comum. Isso aconteceu com os soldados americanos quando retornaram da guerra
do Vietnã.
Em Guerra nas Estrelas a nave de Luke quase é destruída pela nave de Vader, só que Han Solo o salva no
último momento e Luke destrói a Estrela da Morte. A Ressurreição é o último momento de perigo para o herói
e, por isso, deve ser o mais forte e que o leva mais próximo da morte.
Neo, em Matrix, morre quase ao final do filme e ressuscita como o "escolhido", um novo ser purificado. Chris,
em Platoon, está para ser morto pelo sargento Barnes quando um avião lança uma bomba perto deles. Uma
enorme explosão. A tela fica branca. Na cena seguinte, vemos Chris caído no chão. Pensamos que ele está
morto, mas momentos depois, ele acorda vivo.
É importantíssimo que após essa etapa o herói adquira uma nova personalidade, menos egoísta, mais
experiente e sábio. Ele deve deixar para traz toda a impureza, todo o trauma do mundo especial e somente
guardar para si a experiência e sabedoria adquirida.
L. RETORNO COM O ELIXIR
O herói retorna ao mundo comum, mas toda a jornada não tem o menor sentido se ele não trouxer consigo um
elixir. Vou explicar o que é um elixir. Elixir é uma poção mágica com poder de cura. É o que Indiana Jones usa
para curar o seu pai em A Última Cruzada. Pode ser um grande tesouro como o cálice graal, ou simplesmente
um conhecimento ou experiência que poderá ser útil à comunidade ou a si mesmo. Muitas vezes, o elixir é
simplesmente um amor conquistado, liberdade de viver ou à volta para casa com uma boa história para contar.
Em resumo:
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O herói é apresentado no mundo comum, onde recebe um chamado à aventura. Primeiro recusa o chamado,
mas num encontro com o mentor é encorajado a fazer a travessia do primeiro limiar e entrar no mundo
especial, onde encontra teste, inimigos e aliados. Na aproximação da caverna oculta, cruza um segundo limiar
onde enfrenta a provação suprema. Ganha sua recompensa e é perseguido no caminho de volta ao mundo
comum. Cruza então o terceiro limiar, experimenta uma ressurreição e é transformado pela experiência. Chega
então o momento do retorno com e elixir, a benção ou tesouro que beneficia o mundo comum.
3. O PODER DO MITO
O Poder do Mito
de
Joseph Campbell
Quanto mais estudo mitologia, mais estou certo de que pode ser usada nas artes dramáticas, sobretudo no
roteiro de cinema; para a criação de personagens, narrativa, aumentar o envolvimento com o público e muito
mais. A mitologia pode até mesmo ser usada em nossa vida cotidiana. O texto abaixo é um resumo, um
apanhado geral da maravilhosa entrevista relatado no livro O Poder do Mito.
Um de nossos problemas, hoje em dia, é que não estamos familiarizados com a literatura do espírito. Estamos interessados nas notícias do dia e nos problemas práticos do momento. Antigamente, o campus de uma universidade era uma espécie de área hermeticamente fechada, onde as notícias do dia não se chocavam com a atenção que você era estimulado a ter em se dedicar à vida interior, no aprender, e onde não se misturava com a magnífica herança humana que recebemos de Platão, o Buda, Goethe e outros, que falam de valores eternos e que dão o real sentido à vida.
As literaturas grega e latina e a Bíblia costumavam fazer parte da educação de toda gente. Tendo sido surprimidas, em prol de uma educação concorde com uma sociedade industrial, onde o máximo que se exige é a disciplina para um mercado de trabalho mecanicista, toda uma tradição de informação mitológica do ocidente se perdeu. Muitas histórias se conservavam na mente das pessoas, dando uma certa perspectiva naquilo que aconteciam em suas vidas. Com a perda disso, por causa dos valores pragmáticos de nossa sociedade industrial, perdemos efetivamente algo, porque não posuímos nada para por no lugar. Essas informações, provenientes de tempos antigos, têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, construíram civilizações e formaram religiões através dos séculos, e têm a ver com os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares de nossa travessia pela vida, e se você não souber o que dizem os sinais deixados por outros ao longo do caminho, terá de produzí-los por conta própria.
Grandes romances podem ser excepcionalmente instrutivos, porque a única maneira de você descrever verdadeiramente o ser humano é através de suas imperfeições. O ser humano perfeito é desinteressante. As imperfeições da vida, por serem nossas, é que são apreciáveis. E, quando lança o dardo de sua palavra verdadeira, o escritor fere. Mas o faz com amor. É o que Thomas Mann chamava "ironia erótica", o amor por aquilo que você está matando com a sua palavra cruel. Aquilo que é humano é que é adorável. É por essa razão que algumas pessoas têm dificuldade de amar a Deus; nele não há imperfeição alguma. Você pode sentir reverência, respeito e temor, mas isso não é amor. É o Cristo na cruz, pedindo ao Pai que afaste seu cálice de sofrimento, e que chora por Lázaro morto, que desperta nosso amor.
Aquilo que os seres humanos têm em comum se revela nos mitos. Eles são histórias de nossa vida, de nossa busca da verdade, da busca do sentido de estarmos vivos. Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana, daquilo que somos capazes de conhecer e experimentar interiormente. O mito é o relato da experiência de vida.
A mente racional, analítica, o lado esquerdo do cérebro se ocupa do sentido, da razão das coisas. Qual é o sentido de uma flor? Dizem que um dia perguntaram isso ao Buda, e ele simplesmente colheu uma flor e a deu ao seu interlocutor. Apenas um homem compreendera o que Buda queria demonstrar. Racionalmente, não fazia sentido esse gesto. Ora, mas podemos fazer a mesma pergunta para algo maior: qual é o sentido do universo? Ou qual o sentido de uma pulga? A única resposta realmente válida está exatamente ali, no existir. Qualquer formulação racional nos dá uma idéia linear da coisa, mas mata a beleza da coisa em si. Estamos tão empenhados em realizar determinados feitos, com o propósito de atingir objetivos de um outro
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valor, linear e longe da vibração da vida, que nos esquecemos de que o valor genuíno, o prodígio de estar vivo, é o que de fato conta. É por isso que as grandes questões filosóficas, embora sejam de fundamental importância para todos, acabam sendo a preocupação de apenas uma ínfima minoria da população. Eles esqueceram de que o valor genuíno, o prodígio de estar vivo, é o que de fato conta, e preferem se acomodar aos papeis de uma vida burguesa e adaptada ao sistema capitalista, deixando que outros, atualmente os políticos e os cientistas, tomem as decisões mais complexas por eles. Mas todos já foram crianças curiosas, não foram? A curiosidade infantil é a mesma curiosidade do filósofo. Cristo está certo quando fala que só "quem se faz como um destes pequeninos, entrará no Reino dos céus". Bom, e como podemos resgatar um pouco de nosso grande potencial humano? Lendo mitos. Eles ensinam que você pode se voltar para dentro. Busque-os e você começa a entender as suas mensagens. Leia mitos de outros povos, pois lendo mitos alheios você começara a perceber que alguns enredos são universais. Por exemplo, a lenda do Graal. A busca dos caveliros do Rei Arthur pelo Graal representa o caminho espiritual que devemos fazer e que se estende entre pares de opostos, entre o perigo e a bem-aventurança, entre o bem e o mal, pois não há nada de importante na vida que não exija sacrifícios e algum perigo.
O tema da história do Graal diz que a terra está devastada, e só quando o Graal for reencontrado poderá haver a cura da terra. E o que caracteriza a terra devastada? É a terra em que todos vivem uma vida inautêntica, fazendo o que os outros fazem, fazendo o que são mandados fazer, desprovidos de coragem para uma vida própria. Esquecem-se que são seres únicos, cada indivíduo sendo uma pessoa diferente das demais. A beleza de uma terra rica está exatamente na convivência dos diferentes, não na mistura deles. Se tivermos um lugar ou uma era em que todos se alienam e fazem a mesma coisa, temos a terra devastada: "Em toda a minha vida nunca fiz o que queria, sempre fiz o que me mandaram fazer".
O Graal se torna aquilo que é logrado e conscientizado por pessoas que viveram suas próprias vidas. O Graal representa (simboliza) o receptáculo das realizações das mais altas potencialidades da consciência humana.
O rei que inicialmente cuidava do Graal, por exemplo, era um jovem adorável, mas que, por ainda ser muito jovem e cheio de anseios de vida, acabou por tomar atitudes que não se coadunavam com a posição de rei do Graal. Ele partiu do castelo com o grito de guerra "Amor!", o que é próprio da juventude, mas que não se coaduna com a condição de ser rei do Graal. Ele parte do castelo e, quando cavalgava, um muçulmano, um não cristão, surgiu da floresta (a floresta representando o nível desconhecido do nosso psiquismo). Ambos erguem as lanças e se atiram um contra o outro. A lança do rei Graal mata o pagão, mas a lança do pagão castra o rei Graal.
O que isto quer dizer é que a separação que os padres da igreja fizeram entre matéria e espírito (já que Jesus sempre se referia ao Reino como um campo em que um semeador saiu a semear, ou uma rede atirada ao mar, ou a uma festa de núpcias, ou sobre as aves do céu e os lírios do campo, está claro que esta divisão pré-cartesiana foi fruto da mentalidade patriarcal dos pais da igreja, não do Cristo), entre dinamismo da vida e o reino do espírito, entre a graça natural e a graça sobrenatural, na verdade castrou a natureza. E a mente européia, a vida européia, tem sido emasculada por essa separação. A verdadeira espiritualidade, que resultaria da união entre matéria e espírito, tal como era praticada pelos Druidas, foi morta. O que representava, então, o pagão? Era alguém dos subúrbios do Éden. Era um homem que veio da floresta, ou seja, da natureza mais densa, e na ponta de sua lança estava escrita a palavra "Graal". Isso quer dizer que a natureza aspira ao Graal. A vida espiritual é o buquê, o perfume, o florescimento e a plenitude da vida humana, e não uma virtude sobrenatural imposta a ela. Desse modo, os impulsos da natureza são sagrados e dão autenticidade à vida. Esse é o sentido do Graal: Natureza e espírito anseiam por se encontrar uma ou outro, numa atitude holística. E o Graal, procurado nestas lendas românticas, é a reunião do que tinha sido divido, o seu encontro simboliza a paz que advém da união.
O Graal que é encontrado se tornou o símbolo de uma vida autêntica, vivida de acordo com sua própria volição, de acordo com o seu próprio sistema de impulsos, vida que se move entre os pares de opostos, o bem e o mal, a luz e as trevas. Uma das versões da lenda do Graal começa citando um breve poema: "Todo ato traz bons e maus resultados". Todo ato na vida desencadeia pares de opostos em seus resultados. O melhor que temos há fazer é pender em direção da luz, na direção da harmonia entre estes pares, e que resulta da compaixão pelo sofrimento, que resulta de compreender o outro. É disso que trata o Graal. É isso o que Buda quis dizer por tomar o caminho do meio. É isso o que significa estar crucificado entre o bom e o mau ladrão e ainda orar ao Pai...
Histórias ou contos de fadas são histórias com motivos mitológicos desenhadas especialmente para as crianças. Elas freqüentemente falam de uma menininha no limiar da passagem da infância para a descoberta da sexualidade. É por isso que chapeuzinho vermelho veste uma capa vermelha. Algo nela exige, sem que ela queira, que ela faça o percurso pelo meio da floresta (nosso lar de origem, onde se esconde nosso instinto), até chegar à casa da vovó (a cultura tradicional que devemos respeitar). Chapeuzinho está em fase de transição. A capa vermelha lembra o sangue da menstruação. A jovem é algo muito atraente para o Lobo. Ainda hoje dizemos que um homem apaixonado e desejoso por uma mulher é um lobo. E ela não pode evitar conversar com o Lobo no meio do caminho. O Lobo a atrai também. Na história original, chapeuzinho se transforma numa loba, ela sabe que a velha cultura repressora deve ser morta para que ela possa sentir o que deseja. Ela entende o sofrimento do lobo.
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Uma outra história semelhante é a da Bela Adormecida. Ao completar dezesseis anos, a princesa parece hesitar diante da crise da passagem da infância à idade adulta e se sente atraída a furar o dedo na roca que a fará adormecer. Enquanto dorme, o príncipe ultrapassa todas as barreiras que ela, sem querer, levantou contra a sua maturação e vem oferecer a ela uma boa razão para aceitar crescer. O beijo mostra que crescer, ao final de contas, tem seu lado agradável. Todas aquelas histórias coletadas pelos irmãos Grimm representam a menininha paralisada. Todas aquelas matanças de dragões e travessias de limiares têm a ver com a ultrapassagem da paralisação, com a superação dos demônios internos.
Os rituais das "primitivas" cerimônias de iniciação têm sempre uma base mitológica e se relacionam ou à eliminação do ego infantil quando vem à tona o adulto, ou visa à por a prova o iniciado aos próprios medos e demônios internos. No primeiro caso, a coisa é mais dura para o menino, já que para a menina a passagem se dá naturalmente. Ela se torna mulher quer queira ou não, mas o menino, primeiro, tem de se separar da própria mãe, encontrar energia em si mesmo, e depois seguir em frente. É disso que trata o mito do "Jovem, vá em busca de seu pai". Na Odisséia, Telêmaco vive com a mãe. Quando completa vinte anos, Atena vem a ele e diz: "Vá em busca de seu pai". Este é o tema em todas as histórias. Às vezes é um pai místico, mas às vezes, como na Odisséia, é o pai físico.
O tema fundamental nos mitos é e sempre será a da busca espiritual. Vemos que nas vidas dos grandes Mestres espirituais da Humanidade sempre nascem lendas e mitos ligados a eles, figuras históricas reais. A história real de Jesus, por exemplo, parece representar uma proeza heróica universal. Primeiro, ele atinge o limite da consciência do seu tempo, quando vai a João Batista para ser batizado. Depois, ultrapassa o limiar e se isola no deserto, por quarenta dias. Na tradição judaica, o número 40 é mitologicamente significativo. Os filhos de Israel passaram quarenta anos no cativeiro, Jesus passou quarenta dias no deserto. No deserto, Jesus sofreu três tentações. Primeiro, a tentação econômica, quando o Diabo diz: "Você parece faminto, meu jovem! Por que não transformar estas pedras em pão?" Depois vem a tentação política. Jesus é levado ao topo da montanha, de onde avista as nações do mundo, e o Diabo diz: "Tudo isto te darei, se me adorares", que vem a ser uma lição, ainda não compreendida hoje, sobre o quanto custa ser um político bem-sucedido. Jesus recusa. Finalmente o Diabo diz: "Pois bem, já que você é tão espiritual, vamos ao topo do templo de Herodes e atira-te lá embaixo. Deus o acudirá e você não ficará sequer machucado". Isto é conhecido como enfatuação espiritual. Eu sou tão espiritual que estou acima das preocupações da carne e acima deste mundo. Mas Jesus é encarnado, não é? Então ele diz: "Você não tentará o senhor, teu Deus". Essas são as três tentações de Cristo, tão relevantes hoje quanto no ano 30 de nossa era.
O Buda, também, se dirige à floresta e lá entretêm conversações com os gurus da época. Então os ultrapassa e, após um período de provações e de busca, chega à árvore boddhi, a árvore da iluminação, onde igualmente enfrenta três tentações (isso quinhentos anos antes de Cristo). A primeira tentação é a da luxúria, a segunda, a do medo e a terceira, a da submissão à opinião alheia.
Na primeira tentação, o Senhor da Luxúria exibe suas três belíssimas filhas diante de Sidarta. Seus nomes são Desejo, Satisfação e Arrependimento - passado, presente e futuro. Mas o Buda, que já se havia libertado do apego a toda a sensualidade, não se comoveu.
Então o Senhor da Luxúria se transformou no senhor da Morte e lançou contra Sidarta, o Buda, todas as armas de um exército de monstros. Se Sidarta se apavorar, todas as armas se materializariam. Mas o Buda tinha encontrado em si mesmo aquele ponto imóvel, interior, o self, como diria Jung, que pertence à eternidade, intocado pelo tempo. Uma vez mais não se comoveu e as armas atiradas se transformaram em flores de reverência.
Finalmente, o Senhor da Luxúria e da Morte se transformou no temível Senhor dos Deveres Sociais, e perguntou: "Meu jovem, você não leu os jornais da manhã de hoje? Não sabe o que há para ser feito?" A resposta do Buda foi simplesmente tocar o chão com as pontas dos dedos da sua mão direita. Então a voz da deusa-mãe/deus-pai do universo se fez ouvir no horizonte, dizendo: "Este aqui é meu filho amado, e já se doou de tal forma ao mundo que não há mais ninguém aqui a quem dar ordens. Desista dessa insensatez." Enquanto isso, o elefante, no qual estava o Senhor dos Deveres Sociais, curva-se em reverência ao Buda e toda a côrte do Antagonista se dissolveu, como num sonho. Naquela noite, o Buda atingiu a iluminação e permaneceu no mundo, pelos cinqüenta anos seguintes, ensinando o caminho da extinção dos grilhões do egoísmo.
Pois bem, as duas primeiras tentações - a do desejo e a do medo - são as mesmas que Adão e Eva parecem ter experimentado, de acordo com o extraordinário quadro de Ticiano, concebido quando o pintor estava com noventa e quatro anos de idade. A árvore é o mitológico aix mundi, aquele ponto em que tempo e eternidade, movimento e repouso, são um só, e ao redor do qual revolvem todas as coisas. Ela aparece ali, representada apenas em seu aspecto temporal, como a árvore do conhecimento do bem e do mal, ganho e perda, desejo e medo. À direita está Eva, que vê o Tentador sob a forma de uma criança, oferecendo-lhe a maçã, e ela é movida pelo desejo. Adão, do lado oposto, vê os pés monstruosos do tentador ambicioso, e é movido pelo medo. Desejo e medo: eis as duas emoções pelas quais é governada toda a vida na terra. O desejo é a isca, a morte é o arpão.
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Adão e Eva se deixaram tocar; o Buda, não. Adão e Eva deram origem à vida e foram estigmatizados por Deus; o Buda ensinou a libertar-se do medo de viver.
No filme de George Lucas, Guerra nas Estrelas, o vilão Darth Vader representa uma figura arquetípica. Ele é um monstro porque não desenvolveu a própria humanidade. Quando ele retira a sua máscara, o que vemos é um rosto informe, de alguém que não se desenvolveu como indivíduo humano. Ele é um robô. É um burocrata, vive não nos seus próprios termos, mas nos termos de um sistema imposto. Este é o perigo que hoje enfrentamos, como ameaça às nossas vidas. O sistema vai conseguir achatá-lo e negar a sua própria humanidade, ou você conseguirá utilizar-se dele para atingir seus propósitos humanos? Como se relacionar com o sistema de modo a não o ficar servindo compulsivamente? O que é preciso é aprender a viver no tempo que nos coube viver, como verdadeiros seres humanos. E isso pode ser feito mantendo-se fiel aos próprios ideais, como Luke Skywalker no filme, rejeitando as exigências impessoais com que o sistema pressiona. Ainda que você seja bem sucedido na vida, pense um pouco: Que espécie de vida é essa? Que tipo de sucesso é esse que o obrigou a nunca mais fazer nada do que quis, em toda a sua vida? Vá aonde seu corpo e a sua alma desejam ir. Não deixem que escolham por você. Quando você sentir que encontrou um caminho, que é por ali, então se mantenha firme no caminho que você escolheu, e não deixe ninguém desvia-lo dele.
Você poderá dizer: "isso é ótimo para a imaginação de um George Lucas ou para as teorias de um Joseph Campbell, mas não é o que acontece em minha vida".
Errado! Você pode apostar que acontece, sim - e se a pessoa não for capaz de reconhece-lo, isso poderá transforma-lo num Darth Vader. Se o indivíduo insiste num determinado programa e não dá ouvidos ao próprio coração, corre o risco de um colapso esquizofrênico. Tal pessoa colocou-se a si mesma fora do centro, alistou-se num programa de vida que não é, em absoluto, aquilo em que o corpo está interessado. O mundo está cheio de pessoas que deixaram de ouvir a si mesmos, ou ouviram apenas os outros, sobre o que deviam fazer, como deviam se comportar e quais os valores segundo os quais deveriam viver. Mas qualquer um tem potencialidade para correr e salvar uma criança. Está no interior de cada um a capacidade de reconhecer os valores da vida, para além da preservação do corpo e das ocupações do dia-a-dia.
Os mitos estimulam a tomada de consciência da sua perfeição possível, a plenitude da sua força, a introdução da luz solar no mundo. Destruir monstros é destruir coisas sombrias. Os mitos o apanham, lá no fundo de você mesmo. Quando menino, você os encara de um modo. Mais tarde, os mitos lhe dizem mais e mais e muito mais. Quem quer que tenha trabalhado seriamente com idéias religiosas ou míticas sabe que, quando crianças, nós as aprendemos num certo nível, mas depois outros níveis se revelam. Os mitos estão muito perto do inconsciente coletivo, e por isso são infinitos na sua revelação.
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PERSONAGEM
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PERSONAGEM
1. CARACTERIZAÇÃO DO PERSONAGEM
Quando você programa seus personagens para servirem aos propósitos da história, eles saem rasos, sem vida
e estereotipados. A caracterização dos personagens e a histórias são coisas independentes. A única relação
entre elas é o objetivo dos personagens. E o objetivo, ou seja, o que o personagem quer, é o que acaba por
caracterizar o personagem.
Pelo objetivo dos personagens é que conseguimos entender suas atitudes durante a história. Em Rocky, um
lutador, o objetivo do personagem principal é ser bom o bastante para entrar no ringue com o campeão dos
pesos pesados. Em Guerra nas Estrelas o objetivo de Bem Kenoby é salvar a princesa Léia Em O Império
Contra-Ataca o objetivo de Darth Vader é destruir o protagonista Luke Skywalker.
Há também uma outra maneira de caracterizar um personagem, uma maneira um tanto superficial, ao meu
ver. Linguagem, vícios, modo de se vestir, condições físicas, etc, são formas de caracterizar um personagem.
ATENÇÃO, não se deve confundir caracterização com características. Dizer que um personagem é gordo e
cabeludo não diz coisa alguma ao seu respeito. Mas tudo se justifica se o personagem tem uma atitude em
relação ao seu atributo, por exemplo, Cyrano de Bergerac por ter o nariz grande. O narizão de Cyrano faz parte
de sua personalidade; seu jeito durão e seu complexo de inferioridade.
Ter objetivo que ajude na caracterização não é coisa apenas para o personagem protagonista. Outras figuras
importantes da história devem ter seus próprios desejos, de sucesso, de superar outros personagens, o que faz
a história mais conflitante e intensa.
A enfermeira Ratched quer dominar todos os homens sob sua responsabilidade em Um Estranho no Ninho. É o
conflito entre ela e o protagonista que cria a história, além de revelar a personalidade de ambos. Deve-se
imaginar que todos os personagens da história não sabem quem é o personagem protagonista e o antagonista
da mesma. Cada personagem é a figura principal de sua própria vida e assim se comporta.
Ação é comportamento. É muito mais eficaz caracterizar um personagem com ações e objetivos do que com
simples características físicas e/ou psicológicas. Lembrando-se que é muito válido unir ambos os casos, com em
Cyrano de Bergerac.
Texto baseado nos ensinamento de Syd Field
em seus livros Manual do Roteiro,
Exercícios do Roteirista e 4 Roteiros.
2. DIÁLOGO
Muitas vezes, quando estamos escrevendo nosso primeiros roteiros, exageramos na quantidade de diálogos.
Simplesmente nos esquecemos que cinema é uma arte visual. A imagem sempre deve ser mais importante que
a fala.
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Um roteiro com muitos diálogos sempre é ruim? Não, de forma alguma. Doutor Fantástico e Noivo Neurótico e
Noiva Nervosa são dois excelentes roteiros recheados de diálogos. O importante é não deixar o espectador se
indiferente, ou seja, devemos sempre deixar a mente do espectador pensando sobre o futuro da história. Não
podemos deixá-lo simplesmente apático, observando os acontecimento na tela grande do cinema. A questão é
que quando num filme há diálogos demais, o espectador passa a frente dos acontecimentos e, tudo que lhe
resta, é aguardar a história chegar no seu nível de conhecimento. Por isso o diálogo sempre deve levar a
história para frente. Sempre deve ter um propósito na trama.
Um bom diálogo deve ter as seguintes características, segundo o livro Teoria e Prática do Roteiro
Cinematográfico (Edward Mabley e David Howard).
1. Caracterizar o personagem que o diz.
2. Ser coloquial, manter a individualidade do personagem que o diz e, ao mesmo tempo, fundir-se no estilo
geral do roteiro.
3. Refletir o estado de espírito do personagem que o diz.
4. Algumas vezes, revelar as motivações de quem o diz ou uma tentativa de ocultas suas motivações.
5. Refletir o relacionamento de quem o diz com os outros personagens.
6. Ser conectivo, ou seja, brotar de uma outra fala ou ação anteriores e desembocar em outras.
7. Levar a ação adiante.
8. Algumas vezes, fazer exposições.
9. Algumas vezes, prenunciar o que está por vir.
10. Deve ser claro e inteligível ao público alvo do filme.
ANÁLISE DE ROTEIROS
1. MATRIX
Análise de Matrix
Texto fornecido por Pablo Polo
Todos os direitos reservados a Pablo Polo
Universidade federal de Pernambuco
Centro de Artes e Comunicação
The Matrix
[1999]
Escrito e dirigido pelos irmãos Wachowski
O thriller de ação mais comentado do ano de 1999. O filme traz questionamentos filosóficos mascarados pela
busca incessante de um jovem para descobrir a resposta de uma pergunta. O que é a Matrix (Matrix)? Sucesso
de bilheteria e de crítica, "The Matrix", além de ser um filme bem resolvido do roteiro a execução trouxe
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inovações tecnológicas para o mundo dos efeitos especiais. A tão comentada cena em que o protagonista se
desvia de balas só foi possível após dois anos de estudo e graças a mais de 120 câmeras colocadas de forma
circular ao objeto da cena. O resultado? Um recurso visto apenas com objetos criados em computação gráfica,
um giro de 360 graus numa cena em movimento, o verdadeiro exercício da tridimensionalidade para a imagem
não estática.
Sinopse
O conflito se estabelece logo no início
com a tentativa frustrada da polícia
em prender uma mulher. Essa cena
de abertura apresenta ao espectador
que o filme não se trata de situações
reais do nosso cotidiano. A mulher
que é perseguida (Trinity) apresenta
habilidades sobre-humanas assim
como seu perseguidor (um Agente).
Um começo de muita ação que
prende a atenção do espectador e
que o joga num mar de dúvidas a
serem explicadas mais na frente no
filme.
O protagonista é apresentado como
um jovem operador de sistemas de
uma empresa que passa suas noites
como hacker a procura das respostas
para suas dúvidas interiores. Essas
dúvidas são condensadas em apenas
uma pergunta, o que é a Matrix?
Uma mensageira (Trinity) o procura
para lhe indicar como achar as
respostas para suas dúvidas. Em
seguida ele é abordado e interrogado
por policiais (os Agentes), que sabem
da sua vida de hacker e o ameaçam
caso ele não colabore em entregar o
líder de um grupo de bandidos,
Morpheus.
O próprio Morpheus vai atrás do
Protagonista (Neo) e lhe oferece a
luz para iluminar suas dúvidas. Neo
aceita embarcar numa viagem em
busca da verdade, nesse ponto o
filme dá uma virada e o espectador
descobre, junto com o protagonista
que o nosso mundo não é o mundo
real e sim que o que vivemos se
trata de um programa de
computador.
A partir desse momento Neo fica
sabendo que está vivendo de
verdade no futuro e que no começo
do século XXI a humanidade
descobriu a Inteligência Artificial. E
que alguns anos depois os homens
travaram uma batalha contra "As
Máquinas " e perderam. Atualmente
os seres humanos eram cultivados
para serem utilizados como meios de
obtenção de energia para suprir as
necessidades das Máquinas.
Nesse ponto ele descobre o que é a
Matrix , um programa de computador
criado pelas Máquinas para controlar
as mentes dos seres humanos.
Neo descobre também que é "O
Escolhido", o homem que anuncia a
início do fim da Matrix. Desse ponto
em diante o filme se movimenta na
preparação de Neo para enfrentar a
Matrix, os Agentes e libertar a raça
humana. Porém durante todo o filme
a dúvida de que Neo seja realmente
ou não o Escolhido tormenta o
protagonista e o espectador. O
Oráculo (personagem que prevê a
chegada do salvador) aumenta essa
dúvida dizendo que ele tem o Dom
mas está esperando por alguma
coisa para manifestá-lo.
No fim Neo começa a acreditar que é
o Escolhido e enfrenta um Agente,
uma dura batalha que resulta na
vitória de Neo, porém os Agentes são
imortais e Neo decide correr para sair
da Matrix e voltar para o mundo real.
Nesse ponto ele é pego pelo mesmo
agente que venceu e é morto. Trinity
fala que ele não pode morrer pois o
oráculo disse que ela ficaria
apaixonada pelo Escolhido. Neo
renasce e então compreende a
Matrix, desenvolve o poder de
moldá-la como ele quiser.
O filme encerra com ele dizendo que
libertará o mundo do controle da
Matrix. Ele avisa que a partir daquele
momento a decisão de que rumo
tomar será de cada um.
Protagonista e Objetivo
Neo (Sr. Anderson) é no dia a dia um
operador de sistemas e a noite um
hacker. Ele tem perguntas e não
sabe como encontrar as respostas.
Sua angústia vem do fato de saber
que algo está errado em sua vida,
mas ele não sabe o quê. Ele busca
mais controle sobre sua vida. Neo é
um personagem movido por essa
busca. Busca que no início do filme
toma forma na pergunta "O que é a
Matrix?".
O público se identifica com facilidade
através de um processo de
semelhança, afinal todos
trabalhamos e queríamos ter mais
controle das nossas vidas. Ficamos
presos ao desenrolar da trama e
vamos encontrando as respostas
junto com o protagonista.
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Quando ele descobre que a Matrix é
um programa de computador criado
para controlar a vida de todos os
seres humanos e que ele pode ser o
suposto predestinado a salvar a
humanidade seus objetivos tornam-
se mais claros.
Em primeiro lugar ,o objetivo
principal do protagonista está na
necessidade de ser dono de suas
ações. A palavra liberdade é o
objetivo principal de todos no filme.
Neo procura isso desde o começo, no
trabalho tem dificuldade de seguir as
normas da casa. Ele diz não acreditar
no destino: - "Por quê não me
agrada saber que não tenho controle
sobre minha vida". A dúvida dele ser
ou não o Escolhido serve como um
antagonista interno a sua luta pela
liberdade.
A luta pelo controle da própria vida,
conseguir a liberdade, é o objetivo
principal do protagonista e do filme.
A resolução da dúvida de ele ser o
Escolhido (aquele capaz de mudar a
vida ao seu redor, inclusive a dele
mesmo) é seu obstáculo máximo.
Obstáculos
Para Neo são vários os obstáculos.
Eles são apresentados como agentes
internos e externos. A Matrix
representa a prisão de onde ele
deseja escapar. Para isso ele precisa
superar suas dúvidas interiores do
que são, sem sombra de dúvida,
seus piores obstáculos. Para atingir
seu objetivo Neo precisa libertar sua
mente (-"Free your mind Neo"). Para
eliminar suas dúvidas ele passa por
vários estágios de preparação e
conflitos. Até chegar ao ponto de
acreditar que pode tomar as rédeas
da sua vida. Os agentes externos são
literalmente os Agentes (o inimigo
em sua forma física, ou melhor, em
sua forma digital), Cipher o traidor
do grupo e a presença da Matrix.
O conflito interno, a ameaça física
dos inimigos e a presença física e
psicológica da Matrix são os
antagonistas do filme.
Premissa e abertura
Um jovem deseja eliminar suas
dúvidas e tomar o controle da sua
vida. Só não imaginava que estava
envolto numa outra realidade, a
realidade imposta pela Matrix. Aqui
começa a luta para compreender e
superar esse novo mundo dominada
pelas Máquinas.
Como abertura os diretores optaram
por uma demonstração dessa nova
realidade , mesmo que sem revelar
exatamente do que estavam falando.
O espectador sabe que se encontra
diante de algo inusitado quando vê
uma mulher acabar sozinha com
duas unidades de policiais e depois
executar uma fuga fenomenal. A
abertura provoca fascínio e
curiosidade. Durante uma grande
etapa do filme o espectador vai
recebendo as informações
necessárias para entender esse novo
mundo do qual o filme fala.
Tensão principal, culminância e
resolução
A tensão principal do filme está na
dúvida de se Neo conseguirá superar
as leis impostas pela Matrix e
assumir o comando. A tensão é
reforçada através da dúvida de se ele
é ou não o Escolhido. Todo o
segundo ato se sustenta nessas
questões.
A culminância começa na cena que
ele decide lutar com o Agente e
Morpheus fala: -"Ele está começando
a acreditar" e atinge o ponto máximo
quando ele é morto pelo Agente.
Nesse momento ficamos balançados,
sem querer acreditar ou sem saber
no que acreditar. Quando Neo
renasce e "vê" a Matrix como ela é o
segundo ato se encerra com a
constatação que ele é o Escolhido.
A resolução vem com a afirmação do
protagonista que ele vai libertar as
pessoas dominadas pela Matrix,
-"Um mundo sem o controle...".
Nesse ponto Neo se afasta da cabine
telefônica que estava falando e alça
vôo. É o ápice da metáfora do filme.
O homem que é livre para voar,
moldar o mundo a sua maneira.
Tema
O tema de Matrix está relacionado a
atual situação do homem nesse fim
de século. Nós somos donos da
nossa vida? Nós sabemos quem
somos? Todos os personagens estão
voltados para um objetivo, a
conquista da liberdade, do livre
arbítrio. Até o Agente Smith, quando
interroga Morpheus, diz que quer os
códigos de acesso ao Mainframe de
Sião (única cidade humana que
restou) para não ter mais de voltar
para a Matrix, ou seja, ele também
quer ser livre.
Unidade
Nesse filme predomina a unidade de
ação. Todo o desenrolar do filme
acontece devido a busca do
protagonista pelo seu objetivo e as
dificuldades que virão a gerar
conflito. Mesmo quando uma cena
não tem a presença do protagonista,
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ela é sobre ele ou sobre o objetivo
principal. Por exemplo, na cena em
que Cipher está combinando com o
Agente Smith o plano de traição
trata-se de uma cena de preparação
e da exposição de um obstáculo para
o protagonista. Na cena inicial Trinity
está observando e falando sobre
Neo. Também há unidade de lugar.
Um exemplo é que a cena inicial se
passa no "Heart Hotel" (o coração da
cidade) e a cena final também.
Detalhe que o nome do Hotel não foi
escolhido por acaso, é no coração da
cidade que o filme começa com
Trinity e depois acaba com Neo, o
par da estória. É lá que Neo renasce
e vence a batalha. Um exemplo de
Metáfora metalingüística.
Exposição
A forma como foi colocada a
exposição nesse filme foi essencial
para o sucesso do mesmo. O filme
traz conceitos próprios. Um novo
universo precisava ser exposto para
o espectador. Como o protagonista
também não conhece esse universo e
vai descobrindo-o aos poucos, a
exposição se faz parecer
dramaticamente necessária. Neo é
bombardeado por perguntas como:
-"Você quer saber o que é a Matrix?
Infelizmente ninguém pode explicar o
que é a Matrix, é preciso ver com
seus próprio olhos". Quando você
assiste pela primeira vez não
entende direito o que Morpheus fala
nessa cena, mas quando você assiste
pela Segunda vez você nota que o
roteirista diz tudo o que a Matrix é
porém essa compreensão só chega
quando junto com Neo nós vemos o
que é a Matrix.
Nesse momento o roteirista está
falando diretamente com o
espectador mas disfarçado nos
diálogos e nas eletrizantes cenas de
revelação. A necessidade do
protagonista em resolver o conflito
gerado pelas suas duvidas e o árduo
caminho percorrido por ele facilitam
a exposição das premissas do filme.
Caracterização
Os personagens estão sempre
motivados pelos seus desejos. Neo
quer as respostas. Trinity luta pelos
mesmos objetivos de Morpheus,
salvar a humanidade(e eles mesmos)
do controle da Matrix.
A caracterização do protagonista
chama a atenção, as premissas de
quem Neo é são expostas assim : O
chefe fala da sua dificuldade em
aceitar regras; Trinity descreve a
vida de dívidas e angústias que Neo
leva; O diálogo com o agente Smith
apresenta o que Neo fazia antes da
estória do filme começar; Morpheus
ressalta a angústia de Neo e
apresenta-o como o Escolhido; o
Oráculo fala que ele não acredita
nele mesmo e que é necessário
conhecera si mesmo e por aí vai.
Todas as caracterizações são
colocadas em momentos de conflito,
a busca de Neo desencadeia os fatos
que revelam sua própria identidade.
Os outros personagens também são
bem caracterizados e mesmo
servindo a trama possuem interesses
próprios enriquecendo o filme e
tornando-os plausíveis.
Um exemplo de uma cena construída
na base de desejos conflitantes é a
cena em que Cipher começa a matar
os colegas. No plano geral do roteiro
ele representa um obstáculo, mas no
plano da cena é o desejo de Cipher
em regressar para a Matrix contra o
desejo dos que lutam contra a
destruição da mesma.
Desenvolvimento da História
Após a abertura podemos dizer que a
História começa a se desenvolver
quando é revelado para o público o
que o protagonista tanto deseja. No
caso de Matrix é quando notamos o
personagem Neo se movimentando
para eliminar suas dúvidas.
Nesse momento se estabelece a
tensão principal que movimenta todo
o filme para a resolução da mesma.
Cenas como as do momento em que
ele está sendo doutrinado com
técnicas de combate e as aulas sobre
a Matrix dadas por Morpheus dão a
nítida sensação de evolução na saga
do protagonista. Em contrapeso as
cenas do Oráculo, quando se reforça
a dúvida, a cena da prisão de
Morpheus, a cena da morte dos
companheiros são cenas que
distanciam Neo do seu objetivo
principal.
Ironia Dramática
A ironia dramática é bem utilizada
em alguns momentos do filme.
Quando os escritores revelam para o
público a traição de Cipher, eles nos
colocam numa posição privilegiada
em relação aos personagens. No
momento em que Cipher é o primeiro
a sair da Matrix naquela cena de fuga
da equipe nós criamos uma tensão
pois sabemos que ele é o traidor e
que os personagens não sabem. Logo
depois Cipher ataca traiçoeiramente
o personagem Tank.
Outro exemplo é que quando Trinity
e Neo estão se preparando para sair
da Matrix pelo telefone do metrô. A
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câmera revela apenas para o
espectador que o mendigo presente
na cena se transformou no Agente
Smith. Neo e Trinity não vêem o
Agente que dispara contra Trinity
que escapa por pouco, um momento
bem curto mais com boa intensidade
dramática.
Preparação e Conseqüência
Esse recurso é bastante utilizado no
filme. Toda uma seqüência de
preparação do protagonista se
apresenta como forma de cascata,
uma atrás da outra. Neo é treinado
por Tank para se preparar para o
treino com Morpheus. O treino com
Morpheus é uma grande preparação
para a batalha contra a Matrix.
Um exemplo de preparação por
contraste é a cena tranqüila da casa
do Oráculo que precede toda a
seqüência de lutas e mortes do
grupo. Uma cena de conseqüência
pode ser a cena do combate entre
Neo e o Agente Smith, durante todo
o filme somos preparados para esse
confronto e quando ele se dá nos
podemos desfrutar melhor da sua
vitória.
Pista e recompensa
Uma ótima pista em Matrix é a cena
em que uma criança na casa do
Oráculo ensina a Neo que a colher
não existe e que quem dobre é ele.
Essa é uma pista para a cena em que
ele se move tão rápido quanto os
Agentes e se e desvia das balas.
Outra pista simples vem da cena em
que Cipher deixa cair seu telefone
ligado na lata de lixo, esse elemento
nos indica como os Agentes localizam
o grupo. Muitas pistas do filme são
dadas através dos diálogos: -"Porque
meus olhos doem?", -"Porque você
nunca os usou antes". Nessa cena e
outras as pistas servem como
antecipação e preparação, para que
quando as cenas se concretizem o
impacto dramático seja mais forte.
Elementos do Futuro e Anúncio
A expectativa do futuro está sempre
presente para o espectador de
Matrix. Durante boa parte do filme o
protagonista se movimenta sendo
preparado para enfrentar seu
destino, ele é ou não o Escolhido?
Mesmo com o filme voltado para as
cenas futuras cada cena possui sua
própria carga dramática e seu
próprio conflito prendendo o
espectador sem deixá-lo ir na frente
dos acontecimentos.
A cena do Oráculo serve
perfeitamente como uma cena de
anunciação. O Oráculo avisa que ele
terá de tomar uma decisão. Em uma
mão Neo terá a vida de Morpheus e
na outra terá a sua vida, qual a
escolha que ele irá tomar. O anúncio
do Oráculo deixa claro que essa cena
irá existir.
Plausibilidade
No caso do filme A Matrix nós
entramos naquele mundo de regras
específicas desse filme de ficção
junto com Neo ( o protagonista).
Durante uma das conversas com
Morpheus ele diz a Neo: -" Aqui as
regras são as mesmas de um mundo
de computadores, algumas podem
ser distorcidas e outras podem ser
quebradas". Esse gancho é
simplesmente maravilhoso pois
mesmo construindo as regras que
envolvem o mundo da Matrix o
roteirista dá uma pista que na
verdade não há regras. Serve como
um licenciamento poético. Ou seja as
regras daquele mundo são maleáveis
e assim a leitura do espectador
também precisa ser.
Apesar desse gancho ainda existe o
efeito de inevitabilidade. Neo é
impulsionado para o desfecho do
filme, quando o filme chega na sua
culminância, nós já acreditamos que
aquele era o único caminho a seguir.
Ação e atividade
O fato de Ter que estar em contato
com uma linha telefônica para entrar
ou sair da Matrix é uma atividade
para os personagens. Mas quando
Trinity está tentando fugir do Agente
Smith, que tanta matá-la com um
caminhão, e ela corre em direção à
cabine telefônica essa atividade se
torna uma ação. Já que atrás da ação
está toda a esperança de Trinity de
se salvar.
Outro exemplo de ação e atividade
está no fato de colocar ou tirar os
plugues para se conectar com o
muno da Matrix. Normalmente é uma
ação para os personagens , mas
quando Cipher está ameaçando tirar
a vida de Neo puxando o plugue a
mesma coisa se torna uma ação.
A ação é essencial para o desenrolar
da história, ela muda o rumo do filme
para frente ou para trás e as
atividades enriquecem a história e os
personagens.
Diálogo
O diálogo é essencial em Matrix. Ele
revela tanta coisa no começo do
filme que a princípio poderia parecer
chato. Mas não é o caso, os diálogos
são muito bem amarrados eles
brotam das necessidades dos
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personagens, dos conflitos e servem
como força motora para o desenrolar
da história.
Mesmo quando Morpheus explica o
que é a Matrix ele está sendo
motivado pelo desejo de convencer
Neo a se juntar a ele. Neo estimula
os diálogos motivado pela sua
procura pessoal, que é também o
objetivo principal do filme.
Os diálogos trazem muitas questões
filosóficas sobre o ser humano, mas
como já disse são colocados a partir
da s necessidades dos personagens e
dos conflitos enfrentados por eles,
esse recurso faz dos diálogos desse
filme construções bem engrenadas e
ao mesmo tempo funcionais ao
propósito do roteiro.
Os diálogos apontam as cenas que
virão além de explicar as premissas
não mostradas no filme.
Elementos visuais
"Uma imagem vale mais do que mil
palavras". As vezes isso é verdade.
Em Matrix Morpheus diz a Neo e ao
espectador que não se pode explicar
o que é a Matrix, mas sim, que você
tem de ver pelos seu próprios olhos.
Como atingir a mesma carga
dramática das cenas do cativeiro de
humanos usando palavras em vez de
uma imagem de um bebê preso em
tubos e encharcado de líquidos
provenientes de outros seres
humanos?
Além dos recursos explicativos o
filme trás elementos visuais
sedutores e fantásticos. Para colocar
a lista de efeitos especiais em
evidencia é necessário apontar que
eles entram de forma funcional, ou
seja existem para dar subsídios para
as cenas.
Uma observação engraçada. O filme
fala o tempo todo de tecnologia e
elege uma cor para coroar as cenas e
ser a cor predominante durante todo
o filme. Estou falando da cor verde.
O verde está presente em
praticamente todas as cenas e depois
que esta constatação chega cria-se
uma relação psicótica e engraçada:
-" Ali, dois sacos de lixo bem
verdes".
A cena do tiroteio no prédio dos
policiais é extremamente visual. O
mundo fantástico e sem limites de
Matrix não pode ser sentido pelo
espectador através dos diálogos e
sim através das imagens dos
personagens andando pelas paredes
ou dando saltos e golpes impossíveis
para uma pessoa normal.
Cenas Dramáticas
O filme está recheado de cenas com
forte carga dramática. Existem cenas
bem definidas quanto aos objetivos
específicos daquela cena assim como
temos cenas voltadas para o objetivo
principal. A cena inicial trata-se do
objetivo de Trinity em fugir mas
serve como apresentação do mundo
do filme para o espectador.
Toda cena do filme acrescenta
informações importantes para a
trama, movimentando-a para frente
ou para traz.
Uma cena marcante é sem dúvida o
final. Quando pensamos que já esta
tudo praticamente resolvido e que
Neo é mesmo o escolhido os
roteiristas dão um verdadeiro choque
elétrico. Quando o Agente Smith
descarrega o pente de sua pistola
matando o protagonista todas as
nossas dúvidas voltam em poucos
segundos de ação. Os outros
personagens desmoronam conosco
vendo suas esperanças indo por água
abaixo. Mas quando Trinity revela
seu amor e sua confiança no
protagonista uma chama de
esperança se acende e torna-se mais
intensa quando ele ressuscita dando
a certeza que ele triunfou. E junto
com ele todos os espectadores.
Como é? Ele morre e ressuscita? E
no final ainda sai voando? Mas como
é possível?
Simples: -"He is The One" (Ele é O
Escolhido),
Morpheus
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COMPLEMENTOS
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COMPLEMENTOS
1. MÉTODO DE CARTÕES
Muitas vezes, em nossa primeira experiência na escrita de um roteiro, partimos apenas de uma idéia na cabeça
e algum equipamento para escrever (lápis, maquina de escrever, computador, etc). Conseguimos alcançar mais
de 30-40 páginas com facilidade e depois... ESTANCA! Após a página 30, não conseguimos escrever mais nada;
nem pensar na própria idéia que tivemos. Antes escrevíamos cerca de 7 páginas por dia e agora sofremos para
conseguir apenas uma. Isso aconteceu pois não tínhamos os elementos principais do roteiro na cabeça;
acabamos descobrindo que não sabíamos tanto sobre a estória e seus personagens quanto pensávamos. Salvo
se você for muito, muito, muito, muito talentoso, não conseguirá escrever um roteiro diretamente de um
suspiro de idéia, sem nenhuma técnica de organização e estruturação dos elementos principais de seu roteiro.
Antes de começar a escrita de um roteiro, temos que saber algumas coisas sobre a estória e seus personagens.
São os famosos: "Onde?", "Quando?", "Como?", "Quem?", "Por que?", etc. Mas isso ainda não é o suficiente. É
preciso mais organização e estruturação. Existem vários métodos para isso. Escolha aquele que goste, ou
invente um. O importante é se organizar. Seja lá qual for o método que você use, ele deve conter os elementos
principais de seu roteiro:
Qual é a estória?
Qual a situação inicial e final da estória?
Quais são os personagens?
Quem é o protagonista e o antagonista ou vários deles?
Qual o conflito principal?
Qual o objetivo do protagonista?
Quais os obstáculos?
Qual o começo, o meio e o fim do seu roteiro?
Qual a cena inicial e final?
Desta lista você pode acrescentar outros itens que considera importante, mas esses são os essenciais e é
altamente recomendável conhecer todos muito bem antes de começar a escrever o roteiro. É claro, que durante
a escrita, coisas vão mudar, você vai mudar de idéia sobre muitas coisas. Isso é normal. Quando terminar de
escrever o roteiro, vai perceber que há muitas imperfeições, incoerências, o início pode estar "dissonante" com
o final. Por isso é extremamente necessário re-escrever o roteiro mais uma ou duas vezes. Um bom método de
organização e estruturação dos elementos principais de seu roteiro ajuda a reduzir tais imperfeições e muitas
re-escritas do roteiro.
Dos métodos mais usados, não recomendo o simples resumo, pois tende demais a escrita literária. Os métodos
de resumo escalonado, escaleta e o método de cartões são mais eficientes.
A escaleta tem muitas variações de uso. Ela consiste basicamente numa escala de todas as cenas de seu
roteiro e nada mais. Seria basicamente apenas o cabeçalho de cada cena. O resumo escalonado inclui a
escaleta somada a pequenas informações de cada cena: apenas o essencial pra que depois você possa escrevê-
la e, se necessário, uma breve descrição. Gosto muito deste método, principalmente quando você quer
escrever somente no computador.
Aqui vamos falar sobre os métodos de cartões. Eu o considero mais eficiente, porém muito mais trabalhoso.
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Você usará cartões de tamanho que achar necessário. Ele não pode ser muito grande (explico mais tarde o
motivo). Em geral usa-se o tamanho 12 x 08 cm. Em cada cartão você vai descrever os principais elementos de
uma cena ou seqüência da forma mais resumida possível. Você pode ser mais específico ou mais geral, mas
sempre dever ser conciso. Toda sua estória deve estar contida nos cartões seqüencialmente, isto é, na ordem
em que aparecerão no roteiro final. O número de cartões a ser usado é indiferente. Você pode usar tantos
cartões quanto queira. Algumas pessoas podem querer usar três cores para diferenciar os cartões em atos,
embora isso seja irrelevante. Após ter escritos todos cartões, você vai organizá-los seqüencialmente (num
quadro ou no chão) e observe-os a alguma distância. PARA QUE ISSO? Assim você terá uma visão geral do seu
roteiro. E também por isso os cartões não podem ser muito grandes. Quando estamos escrevendo um roteiro,
temos uma visão muito limitada. Sabemos pouco mais do que acontecerá sequencias à frente e do que
aconteceu duas sequencias atrás. Olhando os cartões à distância, você saberá qual cena funciona bem em que
lugar; Saberá se aquela cena fica melhor aqui ou ali. Por isso o método de cartões é tão eficiente. Ele te dá
uma visão global do seu roteiro. Além disso, você perceberá as imperfeições antecipadamente e terá menos
trabalho para corrigi-las.
Alguns pensam que usar este método o deixará preso demais a uma forma fixa. Ledo engano: é exatamente o
contrário. Usar o método de cartões te dará muita maleabilidade para mexer em seu roteiro da forma que
quiser. A diferença é que você fará as alterações antes de começar a escrevê-lo, e isso é uma grande
vantagem. Mas é claro, isso não impede que você faça mudanças a qualquer momento durante a escrita final
do roteiro.
Use o método que quiser, mas é importante usar um para organizar suas idéias. Todo roteirista já teve uma
vez a experiência de escrever um roteiro somente com o que tem na cabeça e sabem que isso geralmente não
funciona.
2. REESCREVER
Reescrever é fundamental . Não sei para as outras escritas, mas se trantando de roteiro, isso é uma verdade
inevitável.
Reescrever talvez seja a etapa mais importante da criação de um roteiro. Ao terminar o primeiro tratamento do
seu roteiro é natural que algumas coisas fiquem dissonantes. O jeito de falar de um personagem no começo da
história está incoerente com o modo de falar no final; algumas cenas desnecessárias; no meio da história você
teve uma outra idéia para o começo o que fez resultar num final diferente do inicialmente planejado. Tudo o
que você tem a fazer é reescrever e corrigir esses erros.
O primeiro passo para isso é ver o que você tem em mão, ou seja, analisar friamente o seu roteiro. Para isso é
aconselhável "esquecer" seu roteiro por um mês. Isso porque se você ler o roteiro imediatamente após tê-lo
escrito, na realidade, na vai lê-lo de verdade. Como você sabe o que está escrito em cada página, você acaba
não lendo de verdade. Você apenas apanha a idéia geral. Durante este mês em que você deve "esquecer" o
roteiro é interessante mostrá-lo a algum amigo ou parente que não terá medo de criticá-lo. Depois que você já
limpou tua mente do roteiro, deve lê-lo de uma vez só, sem interrupções. Você deve parar de pensar no roteiro
por um momento. Depois o leia novamente, anotando os pontos fortes e pontos fracos. Anote tudo que deu
certo e o que deu errado. Faça um novo resumo de sua história e um mapa dos acontecimentos mais
importante.
Feito tudo isso, você saberá bem o que tem em mão e agora pode começar a reescrever. Lembre-se quanto
mais metódico você for durante a reescrita, melhor. Ao reescrever tenha em mente que você deve eliminar
todos os erros e pontos fracos do seu roteiro, cortar todas as cenas desnecessárias. Incluir outras cenas se
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necessário. Todas as incoerências devem ser cortadas nessa etapa. E tenha como parâmetro os pontos fortes
de seu roteiro. Tudo que você anotou como ponto positivo deve servir como base para as alterações. Se, por
exemplo, uma tal cena está com um suspense excelente, corte as cenas ruins que estejam diminuindo esse
suspense e inclua uma outra que eleve esse suspense.
Depois de termina o segundo tratamento será necessário mais uma reescrita, a não ser que você seja
excelente de redação. Agora é momento de deixar o teu roteiro mais elegante. A disposição, as frases, as
palavras, pontuação, etc. Esqueça qualquer mudança na história do roteiro. Agora você vai melhorar a redação.
Uma troca de palavras; uma frase mais curta; uma virgula colocada incorretamente, etc.
E acaba aí? Depende. Você pode reescrever seu roteiro quantas vezes achar necessário até que ele esteja
muito bom. Dificilmente ficará perfeito. Em geral, quando as únicas mudanças que você consegue fazer são
coisas superficiais, com mudar palavrinhas, acrescentar uma linha de ação aqui e outra ali, trocar um
substantivo por seu sinônimo; quando chegar a esse ponto é hora de parar de reescrever.
3. ADAPTAÇÃO
Quantas vezes já ouvimos falar que bons livros dão filmes ruins e vice-versa. Bobagem. Temos boas
adaptações de Hamlet para cinema. O Romance Os Miseráveis de Victor Hugo foi adaptado brilhantemente por
Bille August. Stanley Kubrick era um mestre em suas adaptações, quase todos seus filmes são adaptações:
Laranja Mecânica, De Olhos Bem Fechados, Barry Lyndon, Lolita só para citar alguns.
Para adaptar uma outra forma de arte para o cinema, a primeira coisa a se fazer é ter total "desrespeito" pelo
autor da obra original. Qualquer forma de arte é única. Cinema, teatro, romances, poesias, prosas, etc. Todas
são formas diferentes. Qualquer roteiro adaptado que tenta manter as mesmas qualidades de sua obra original
está fadado torna-se uma obra cinematograficamente fraca. Já assistiu O Príncipe das Marés ou o mais recente
O Senhor dos Anéis? Caso afirmativo, sabe do que estou falando.
Você poderá e, provavelmente terá, que criar novas cenas, mudar cenas e cortas cenas da obra original,
aumentar ou diminuir o período de tempo em que acontece a toda a história ou parte dela, como aconteceu em
O Três Dias do Condor, que na obra original eram sete. Poderá ser necessário até mudar o final, como no filme
Hannibal, de Ridley Scott.
Uma grande dificuldade na adaptação, exceto no teatro, é traduzir a voz do narrador. Num romance, por
exemplo, o narrador tem total liberdade para fazer qualquer comentário a qualquer momento da história; pode
ir e vir na história a seu bel-prazer. Num roteiro sabemos que isso não é possível. Se o romance é em primeira
pessoal, podemos adaptar trechos de sua narração com uma VOZ OFF, mas se o romance é em terceira
pessoa, tal recurso torna-se mais difícil, porém não impossível.
Peças de teatro são mais fáceis de adaptar que romances, pois os recursos narrativos são semelhantes. A
grande diferença entre uma peça e um roteiro é que o primeiro é contado inteiramente por diálogos e o
segundo é contado tanto por diálogo como também por imagens, dando sempre preferência ao último.
Ao adaptar, você deve estar ciente que está escrevendo um roteiro para um filme. Um roteiro é para ser
"visto", não para ser "lido". Se o escritor descreve de modo poético o sentimento que um homem tem ao
perder seu melhor amigo, num roteiro você tem que fazer isso visualmente. Por exemplo, no romance
Admirável Mundo Novo o personagem Bernard Marx sente-se inferiorizado em relação aos seus colegas de
trabalho. Num romance basta dizer e isso e pronto, mas e num roteiro como faríamos? Teríamos de mostrar
isso visualmente, criando cenas que não estão no romance, por exemplo.
53
Tenho uma dica que vale a pena: quando for escrever um roteiro adaptado, leia obra em questão uma ou duas
vezes e depois escreva o seu roteiro do início ao fim sem consultar novamente a obra original. Depois que
terminar o roteiro, se necessário, você pode re-ler algumas passagens da obra original para adaptar ao seu
roteiro.
O importante é considerar cada forma de arte é diferente e você precisa compreender as características delas
para realizar uma boa adaptação. Respeito demais pelo autor da obra original pode acabar lhe prejudicando.
4. REGISTRO DE ROTEIRO
O registro permite o reconhecimento da autoria, especifica direitos morais e patrimoniais e estabelece prazos
de proteção tanto para o titular quanto para seus sucessores.
Há várias maneiras de se registrar uma obra intelectual. Cada país tem sua legislação que determina os
procedimentos para ter o direito autoral sobre uma determinada obra intelectual. Por exemplo, as leis dos
Estados Unidos são mais liberais e descentralizados que as nossas. Syd Field cita em seu livro "O MANUAL DO
ROTEIRO" que basta comprovar a data de origem da realização da obra intelectual para possuir os direitos
autorais, segundo as leis americanas. Com isso ele sugere enviar um "sedex" para si mesmo e não romper o
lacre. Isso não é válido na legislação brasileira, que requer um órgão autorizado por lei, no caso a Biblioteca
Nacional.
Agora vamos estudar os procedimentos para o registro de uma obra intelectual junto a Biblioteca Nacional.
A formalização do pedido de registro deve ser feita através do formulário Requerimento para Registro e/ou
Averbação, de acordo com as normas estabelecidas pelo EDA. O modelo do formulário deverá ser preenchido
preferencialmente datilografado ou em letra de fôrma, obedecendo às instruções, e enviado pelo correio.
Também podemos fazer o registro na Writer's Guilde of America (WGA - Associação dos Escritores da América).
A WGA presta um serviço de registro que provê evidência da autoria de material literário pelo escritor na data
de registro. Há uma taxa padrão e um taxa menor para sócios a ser paga. A WGA pega uma cópia limpa do seu
roteiro, copia-a em microfilme e armazena em local seguro por 10 anos. Seu recibo é a evidência de que você
escreveu o material.
Para mais informações sobre registro na EDA acesse: www.bn.br
Para mais informações sobre registro na WGA acesse: www.wga.org
5. DICAS
01. Sempre escreva um resumo da história antes de começar o roteiro em si.
02. Escreva de maneira mais visual possível.
03. Sutilize as exposições. Ela não deve parecer o que de fato é, disse um famoso roteirista.
04. Trabalhe o suspense e a emoção de modo que comova ao máximo o espectador.
05. Seja conciso.
06. Use raramente instruções ao ator e indicações de câmeras.
07. Dê atenção a narrativa de sua história. Narrativas boas salvam histórias ruins. Histórias boas raramente salvam narrativas medíocres.
08. Imagine-se como espectador do seu próprio filme para saber se atingiu o efeito necessário.
09. Reescreva o roteiro (a versão final) pelo menos uma vez. Mas o ideal é duas ou três.
10. Leia freqüentemente outros roteiros.
11 Como diria Billy Wider, é isso, não vagabundeie.
54
6. SONS DE COISAS E ANIMAIS
Você já passou pela seguinte situação? Está escrevendo uma cena qualquer em que algum animal ou coisa
emite seu som. Ok, o gato mia e o cachorro late... mas que som faz o bisão, ou o crocodilo, ou ainda a gaivota?
A lista abaixo, sem dúvida, será muito útil.
Abelha - azoinar, sussurrar, zinir, ziziar, zoar, zonzonear, zuir, zunzum, zumbar, zumbir, zumbrar, zunzir, zunzar, zunzilular, zunzunar Abutre, açor - grasnar Águia - borbolhar, cachoar, chapinhar, chiar, escachoar, murmurar, rufar, rumorejar, sussurrar, trapejar, crocitar, grasnar, gritar, piar Andorinha - chilrar, chilrear, gazear, gorjear, grinfar, trinfar, trissar, zinzilular Andorinhão - crocitar, piar Anho - balar, mugir Anhuma - cantar, gritar Anta - assobiar Anum - piar Apito - assobiar, silvar, trilar Araponga - bigornear, golpear, gritar, martelar, retinir, serrar, soar, tinir Arapuá - V abelha Arara - chalrar, grasnar, gritar, palrar, taramelar Arganaz - chiar, guinchar Ariranha - regougar Árvore - farfalhar, murmurar, ramalhar, sussurrar Asa - ruflar Asno - V burro Auroque - berrar Avestruz - grasnar, roncar, rugir Azulão - cantar, gorjear, trinar Bacurau - gemer, piar Baioneta - tinir Baitaca - chalrar, chalrear, palrar
Bala - assobiar, esfuziar, sibilar, zumbir, zunir Baleia - bufar Bandeira - trepear Beija-flor - trissar Beijo - estalar, estalejar Bem-te-vi - cantar, estridular, assobiar Besouro - zoar, zumbir, zunir Bezerro - berrar, mugir Bife - rechinar Bisão - berrar Bode - balar, blalir, berrar, bodejar, gaguejar Boi - mugir, berrar, bufar, arruar Bomba - arrebentar, estourar, estrondar, estrondear Búfalo - bramar, berrar, mugir Bugio - berrar Burro - azurrar, ornear, ornejar, rebusnar, relinchar, zornar, zunar,
zurrar Buzina - fonfonar Cabra, cabrito - balar, balir, berregar, barregar, berrar, bezoar
Caburé - piar, rir, silvar Caititu - grunhir, roncar Calhandra - chilidar, gazear, grinfar, trinfar, trissar, zinzilular Cambaxira, corruíra, garrincha - chilrear, galrear Camelo - blaterar Campainha - soar, tilintar, tocar Camundongo - chiar, guinchar Canário - cantar, dobrar, modular, trilar, trinar Canhão - atroar, estrondear, estrugir, retumbar, ribombar, troar Cão - acuar, aulir, balsar, cainhar, cuincar, esganiçar, ganir, ganizar, ladrar, latir, maticar, roncar, ronronar, rosnar, uivar, ulular Capivara - assobiar Caracará - crocitar, grasnar, grasnir Carneiro - balar, balir, berrar, berregar Cavalo - bufar, bufir, nitrir, relinchar, rifar, rinchar Cegonha - gloterar, grasnar Chacal - regougar Champanha - espocar, estourar Chave - trincar Cigarra - cantar, chiar, chichiar, ciciar, cigarrear, estridular, estrilar, fretenir, rechiar, rechinar, retinir, zangarrear, zinir, ziziar, zunir Cisne - arensar Cobra - assobiar, chocalhar, guizalhar, sibilar, silvar Codorna - piar, trilar Coelho - chiar, guinchar Condor - crocitar Copo - retinir, tilintar, tinir Coração - bater, palpitar, pulsar, arquejar, latejar Cordeiro - berregar, balar, balir Corneta - tocar, estrugir Corrupião - cantar, gorjear, trinar Coruja - chirrear, corujar, crocitar, crujar, piar, rir Corvo - corvejar, crocitar, grasnar, crasnar Cotovia - cantar, gorjear Cozimento - escachoar, acachoar, grugulejar, grugrulhar Crocodilo - bramir, rugir
Cuco - cucular, cuar Curiango - gemer Cutia - gargalhar, bufar Dedo - estalar, estrincar Dente - estalar, estalejar, ranger, ringir, roçar Doninha - chiar, guinchar Dromedário - blaterar Égua - V cavalo Elefante - barrir, bramir Ema - grasnar, suspirar Espada - entrechocar, tinir Espingarda - espocar Esporas - retinir, tinir Estorninho - pissitar Falcão - crocitar, piar, pipiar Ferreiro - V araponga Flecha - assobiar, sibilar, silvar, zunir Fogo - crepitar, estalar Foguete - chiar, rechiar, esfuziar, espocar, estourar, estrondear, pipocar Fole - arquejar, ofegar, resfolegar
Folha - farfalhar, marulhar, sussurrar Fonte - borbulhar, cachoar, cantar, murmurar, murmurinhar, sussurrar, trapejar Fritura - chiar, rechiar, rechinar Gafanhoto - chichiar, ziziar Gaio - gralhar, grasnar Gaivota - grasnar, pipilar Galinha d'angola - fraquejar Galinha - carcarejar, cacarecar, carcarcar Galo - cantar, clarinar, cocoriar, cocoricar, cucuricar, cucuritar Gambá - chiar, guinchar, regougar Ganso - gasnar, gritar Garça - gazear Gato - miar, resbunar, resmonear, ronronar, roncar, chorar, choradeira Gaturamo - gemer Gavião - guinchar Gongo - ranger, vibrar, soar Gralha - crocitar, gralhar, gralhear, grasnar Graúna - cantar, trinar Grilo - chirriar, crilar, estridular, estrilar, guizalhar, trilar, tritrilar, tritrinar Grou - grasnar, grugrulhar, gruir, grulhar Guará(ave pernalta) - gazear, grasnar Guará - uivar
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Hiena - gargalhar, gargalhear, gargalhadear Hipopótamo - grunhir Inambu - piar Inseto - chiar, chirrear, estridular, sibilar, silvar, zinir, ziziar, zoar, zumbir, zunir, zunitar Jaburu - gritar Jacu - grasnar Jaguar - V onça Jandaia - V arara Javali - arruar, cuinchar, cuinhar, grunhir, roncar, rosnar Jia - coaxar Jumento - azurrar, ornear, ornejar, rebusnar, zornar, zurrar Juriti - arrular, arulhar, soluçar, turturinar Lagarto - gecar Lama (quando batida com as mãos, com os pés ou com o corpo) - chapinhar Leão - bramar, bramir, fremir, rugir, urrar Lebre - assobiar, guinchar Leitão - bacorejar, cuinchar, cuinhar Leopardo - bramar, bramir, fremir, rugir, urrar Líquido - gluglu, gorgolejar Lobo - ladrar, uivar, ulular Locomotiva - apitar, resfolegar, silvar Lontra - assobiar, chiar, guinchar
Macaco - assobiar, guinchar, cuinchar Macuco - V inambu Maitá, maitaca - V baitaca Mar - bramar, bramir, marulhar, mugir, rebramar, roncar Marreco - grasnar, grasnir, grassitar Martelo - malhar Melro - assobiar, cantar Metal - tinir Metralhadora - pipocar, pipoquear, matraquear, matraquejar Milhafre - crocitar, grasnar Milheira - tinir
Mocho - chirrear, corujar, crocitar, piar, rir Morcego - farfalhar, trissar Mosca - zinir, zoar, zumbir, zunir, zumbar, ziziar, zonzonear, sussurrar, azoinar, zunzum Motor - roncar, zunir, assobiar, zumbir Mula - V burro Mutum - cantar, gemer, piar Onça - esturrar, miar, rugir, urrar
Onda - bater, bramir, estrondar, murmurar Ovelha - balar, balir, berrar, berregar Paca - assobiar Palmas (das mãos) - estalar, estrepitar, estrugir, soar, vibrar Pandeiro - rufar Pantera - miar, rosnar, rugir Papagaio - charlar, charlear, falar, grazinar, parlar, palrear, taramelar, tartarear Pardal - chaiar, chilrear, piar, pipilar Passarinho - apitar, assobiar, cantar, chalrar, chichiar, chalrear, chiar, chilrar, chilrear, chirrear, dobrar, estribilhar, galrar, galrear, garrir, garrular, gazear, gazilar, gazilhar, gorjear, granizar, gritar, modular, palrar, papiar, piar, pipiar, pipilar, pipitar, ralhar, redobrar, regorjear, soar, suspirar, taralhar, tinir, tintinar, tintinir, tintlar, tintilar, trilar, trinar, ulular, vozear Patativa - cantar, soluçar Pato - grasnar, grassitar Pavão - pupilar Pega - palrar Peixe - roncar Pelicano - grasnar, grassitar Perdigão, perdiz - cacarejar, piar, pipiar Periquito - chalrar, chalrear, palrar Pernilongo - cantar, zinir, zuir, zumbir, zunzunar Peru - gluginejar, gorgolejar,
grugrulejar, grugrulhar, grulhar Pião (brinquedo) - ró-ró, roncar, zunir Pica-pau - estridular, restridular Pintarroxo - cantar, gorjear, trinar Pintassilgo - cantar, dobrar, modular, trilar Pinto - piar, pipiar, pipilar Pombo - arrolar, arrular, arrulhar, gemer, rular, rulhar, suspirar, turturilhar, turturinar. Porco - grunhir, guinchar, roncar Porta - bater, ranger, chiar, guinchar Poupa - arrulhar, gemer, rulhar, turturinar Rã - coaxar, engrolar, gasnir, grasnar, grasnir, malhar, rouquejar Raposa - regougar, roncar, uivar Rato - chiar, guinchar Rinoceronte - bramir, grunhir Rola - V pombo Rouxinol - cantar, gorjear, trilar, trinar Sabiá - cantar, gorjear, modular, trinar Sagüi - assobiar, guinchar Sapo - coaxar, gargarejar, grasnar, grasnir, roncar, rouquejar Seriema - cacarejar, gargalhar Serpente - V cobra Tico-tico - cantar, gorjear, trinar Tigre - bramar, bramir, miar, rugir, urrar Tordo - trucilar Toupeira - chiar Touro - berrar, bufar, mugir, urrar Tucano - chalrar Urso - bramar, bramir, rugir Urubu - V corvo Vaca - berrar, mugir Veado - berrar, bramar, rebramar
Vespa - V abelha Zebra - relinchar, zurrar
7. REGRAS DE ACENTUAÇÃO
O português, assim como outras línguas neolatinas, apresenta acento gráfico. Toda palavra da língua
portuguesa de duas ou mais sílabas possui uma sílaba tônica. Observe as sílabas tônicas das palavras arte,
gentil, táxi e mocotó. Você constatou que a tonicidade recai sobre a sílaba inicial em arte, a final em gentil, a
inicial em táxi e a final em mocotó. Além disso, você notou que a sílaba tônica nem sempre recebe acento
gráfico. Portanto, todas as palavras com duas ou mais sílabas terão acento tônico, mas nem sempre terão
acento gráfico. A tonicidade está para a oralidade (fala) assim como o acento gráfico está para a escrita
(grafia).
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Oxítonas
1. São assinaladas com acento agudo as palavras oxítonas que terminam em a, e e o abertos, e com acento
circunflexo as que terminam em e e o fechados, seguidos ou não de s:
a já, cajá, vatapá as ás, ananás, mafuás e fé, café, jacaré es pés, pajés, pontapés o pó, cipó, mocotó
os nós, sós, retrós e crê, dendê, vê es freguês, inglês, lês o avô, bordô, metrô os bisavôs, borderôs,
propôs NOTA
Incluem-se nesta regra os infinitivos seguidos dos pronomes oblíquos lo, la, los, las: dá-lo, matá-los,
vendê-la, fê-las, compô-lo, pô-los etc.
OBSERVAÇÃO: Nunca se acentuam: (a) as oxítonas terminadas em i e u, e em consoantes - ali, caqui, rubi,
bambu, rebu, urubu, sutil, clamor etc.; (b) os infinitivos em i, seguidos dos pronomes oblíquos lo, la, los, las -
fi-lo, puni-la, reduzi-los, feri-las.
2. Acentuam-se sempre as oxítonas de duas ou mais sílabas terminadas em -em e -ens:
alguém, armazém, também, conténs, parabéns, vinténs.
Paroxítonas
Assinalam-se com acento agudo ou circunflexo as paroxítonas terminadas em:
i dândi, júri, táxi is lápis, tênis, Clóvis ã/ãs ímã, órfã, ímãs ão/ãos bênção, órfão, órgãos us bônus,
ônus, vírus l amável, fácil, imóvel um/uns álbum, médium, álbuns n albúmen, hífen, Nílton ps bíceps,
fórceps, tríceps r César, mártir, revólver x fênix, látex, tórax NOTAS
a) O substantivo éden faz o plural edens, sem o acento gráfico.
b) Os prefixos anti-, inter-, semi- e super-, embora paroxítonos, não são acentuados graficamente: anti-
rábico, anti-séptico, inter-humano, inter-racial, semi-árido, semi-selvagem, super-homem, super-
requintado.
c) Não se acentuam graficamente as paroxítonas apenas porque apresentam vogais tônicas abertas ou
fechadas: espelho, famosa, medo, ontem, socorro, pires, tela etc.
Proparoxítonas
Todas as proparoxítonas são acentuadas graficamente: abóbora, bússola, cântaro, dúvida, líquido, mérito,
nórdico, política, relâmpago, têmpora etc.
Casos especiais
1. Acentuam-se sempre os ditongos tônicos abertos éi, éu, ói: boléia, fiéis, idéia, céu, chapéu, véu, apóio,
herói, caracóis etc.
2. Acentuam-se sempre o i e o u tônicos dos hiatos, quando estes formam sílabas sozinhas ou são seguidos de
s: aí, balaústre, baú, egoísta, faísca, heroína, saída, saúde, viúvo, etc.
3. Acentua-se com acento circunflexo o primeiro o do hiato ôo, seguido ou não de s: abençôo, enjôo, corôo,
perdôo, vôos etc.
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4. Mantém-se o acento circunflexo do singular crê, dê, lê, vê nas formas do plural desses verbos - crêem,
dêem, lêem, vêem - e de seus compostos - descrêem, desdêem, relêem, revêem etc.
5. Acentua-se com acento agudo o u tônico pronunciado precedido de g ou q e seguido de e ou i, com ou sem
s: argúi, argúis, averigúe, averigúes, obliqúe, obliqúes etc.
6. Acentuam-se graficamente as palavras terminadas em ditongo oral átono, seguido ou não de s: área, ágeis,
importância, jóquei, lírios, mágoa, extemporâneo, régua, tênue, túneis etc.
7. Emprega-se o trema no u que se pronuncia depois de g ou q, sempre que for seguido de e ou i: agüentar,
argüição, ungüento, eloqüência, freqüente, tranqüilizante etc.
8. Emprega-se o til para indicar a nasalização de vogais: afã, coração, devoções, maçã, relação etc.
Acento diferencial
O acento diferencial é utilizado para distingüir uma palavra de outra que se grafa de igual maneira. Usamos o
acento diferencial - agudo ou circunflexo - nos vocábulos da coluna esquerda para diferenciar dos da direita:
8. EMPREGO DA CRASE
Crase é a fusão (ou contração) de duas vogais idênticas numa só. Em linguagem escrita, a crase é
representada pelo acento grave.
Exemplo:
Vamos à cidade logo depois do almoço.
| + |
prep. art.
Observe que o verbo ir requer a preposição a e o substantivo cidade pede o artigo a.
Não é somente a contração da preposição a com o artigo feminino a ou com o pronome a e o a inicial dos
pronomes aquele(s), aquela(s), aquilo que passa pelo processo da crase. Outras vogais idênticas são também
contraídas, visto ser a crase um processo fonológico. Exemplos:
L eer - L er
d oor - d or
Ocorrência da crase
1. Preposição a + artigos a, as:Fui à feira ontem.Paulo dedica-se às artes marciais.
OBSERVAÇÕES
a) Quando o nome não admitir artigo, não poderá haver crase:Vou a Campinas amanhã.Estamos viajando em direção a Roma.
No entanto, se houver um modificador do nome, haverá crase:Vou à Campinas das andorinhas.Estamos viajando em direção à Roma das Sete Colinas.
b) Ocorre a crase somente se os nomes femininos puderem ser substituídos por nomes masculinos, que admitam ao antes deles:Vou à praia.Vou ao campo.
As crianças foram à praça.As crianças foram ao largo.
Portanto, não haverá crase em:Ela escreveu a redação a tinta.(Ela escreveu a redação a lápis.)
Compramos a TV a vista.(Compramos a TV a prazo.)
2. Preposição a + pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s), aquilo:Maria referiu-se àquele cavalheiro
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de terno cinza.Depois nos dirigimos àquelas mulheres da Associação.Nunca me reportei àquilo que você disse.
3. Na indicação de horas:João se levanta às sete horas.Devemos atrasar o relógio à zero hora.Eles chegaram à meia-noite.
4. Antes de nomes que apresentam a palavra moda (ou maneira) implícita:Adoro bife à milanesa.Eles querem vitela à parmigiana.Ele vestiu-se à Fidel Castro.Ele cortou o cabelo à Nero.
5. Em locuções adverbiais constituídas de substantivo feminino plural:Pedrinho costuma ir ao cinema às escondidas.Às vezes preferimos viajar de carro.Eles partiram às pressas e não deixaram o novo endereço.
6. Em locuções prepositivas e conjuntivas constituídas de substantivo feminino:Eles vivem à custa do Estado.Estamos todos à mercê dos bandidos.Fica sempre mais frio à proporção que nos aproximamos do Sul.Sentimos medo à medida que crescia o movimento de soldados na praça.
Principais casos em que não ocorre a crase
1. diante de substantivo masculino:Compramos a TV a prazo.Ele leva tudo a ferro e fogo.Por favor, façam o exercício a lápis.
2. diante de verbo no infinitivo:A pobre criança ficou a chorar o dia todo.Quando os convidados começaram a chegar, tudo já estava pronto.
3. diante de nome de cidade:Vou a Curitiba visitar uma amiga.Eles chegaram a Londres ontem.
4. diante de pronome que não admite artigo ( pessoal, de tratamento, demonstrativo, indefinido e relativo):Ele se dirigiu a ela com rudeza.Direi a Vossa Majestade quais são os nossos planos.Onde você pensa que vai a esta hora da noite?Devolva o livro a qualquer pessoa da biblioteca.Todos os dias agradeço a Deus, a quem tudo devo.
5. diante do artigo indefinido uma:O policial dirigiu-se a uma senhora vestida de vermelho.O garoto entregou o envelope a uma funcionária da recepção.
6. em expressões que apresentam substantivos repetidos:Ela ficou cara a cara com o assassino.Eles examinaram tudo de ponta a ponta.
7. diante de palavras no plural, precedidas apenas de preposição:Nunca me junto a pessoas que falam demais.Eles costumam ir a reuniões do Partido Verde.
8. diante de numerais cardinais:Após as enchentes, o número de vítimas chega a trezentos.Daqui a duas semanas estarei em férias.
9. diante de nomes célebres e nomes de santos:O artigo reporta-se a Carlota Joaquina de maneira bastante desrespeitosa.Ela fez uma promessa a Santa Cecília.
10. diante da palavra casa, quando esta não apresenta adjunto adnominal:Estava frio. Fernando havia voltado a casa para apanhar um agasalho.Antes de chegar a casa, o malandro limpou a mancha de batom do rosto.
NOTA Quando a palavra casa apresentar
modificador, haverá crase:Vou à casa de Pedro.
11. diante da palavra Dona:O mensageiro entregou a encomenda a Dona Sebastiana.Foi só um susto. O macaco nada fez a Dona Maria Helena.
12. diante da palavra terra, como sinônimo de terra firme:O capitão informou que estamos quase chegando a terra.Depois de dois meses de mar aberto, regressamos finalmente a terra.
Ocorrência facultativa da crase
1. antes de nome próprio feminino:Entreguei o cheque à Paula. OU Entreguei o cheque a Paula.Paulo dedicou uma canção à Teresinha. OU Paulo dedicou uma canção a Teresinha.
NOTA A crase não ocorre quando o falante não usa artigo antes do nome próprio feminino.
2. antes do pronome possessivo feminino:Ele fez uma crítica séria à sua mãe. OU Ele fez uma crítica séria a sua mãe.Convidei-o a vir à minha casa. OU Convidei-o a vir a minha casa.
NOTA A crase não ocorre quando o falante não usa artigo antes do pronome possessivo.
3. depois da preposição até:Vou caminhar até à praia. OU Vou caminhar até a praia.Eles trabalharam até às três horas. OU Eles trabalharam até as três horas.Eu vou acompanhá-la até à porta do elevador. OU Eu vou acompanhá-la até a porta do elevador.
NOTA A preposição até pode vir ou não seguida da preposição a. Quando o autor dispensar a preposição a, não haverá crase.
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VOCABULÁRIODEROTEIRO
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VOCABULÁRIO DO ROTEIRO
Texto fornecido por Jorge Machado
Todos os direitos reservados a Jorge Machado
Jorge Machado (org.)
Janeiro de 1999
A
AÇÃO - Termo usado para descrever a função do movimento que acontece frente à câmara.
AÇÃO DIRETA - Roteiro que obedece à ordem cronológica.
AÇÃO DRAMÁTICA - Somatório da vontade do personagem, da decisão e da mudança.
ADAPTAÇÃO - Passagem de uma história de uma linguagem para outra. Assim, um conto pode ser adaptado para ser filmado como um longa metragem ou um seriado para televisão.
ÂNGULO ALTO - Enquadramento da imagem com a câmara focalizando a pessoa ou o objeto de cima para baixo.
ÂNGULO BAIXO - Enquadramento da imagem com a câmara focalizando a pessoa ou o objeto de baixo para cima.
ÂNGULO PLANO - Ângulo que apresenta as pessoas ou objetos filmados num plano horizontal em relação à posição da câmara.
ANTECIPAÇÃO - A capacidade que tem a platéia de antecipar uma situação. Criação de uma expectativa.
ANTIPATIA - Reação ao personagem.
ARGUMENTO - Percurso da ação, resumo contendo as principais indicações da história, localização, personagens. Defesa do desenrolar da história. Tratando-se de telenovela, chama-se sinopse. Não confundir com story-line que é o resumo resumido.
ÁUDIO - A porção sonora de um filme ou programa de tv.
C
CÂMARA OBJETIVA - Posicionamento da câmara quando ela permite a filmagem de uma cena do ponto de vista de um público imaginário.
CÂMARA SUBJETIVA - Câmara que funciona como se fosse o olhar do ator. A câmara é tratada como “participante da ação”, ou seja, a pessoa que está sendo filmada olha diretamente para a lente e a câmara representa o ponto de vista de uma outra personagem participando dessa mesma cena.
CAPA - Folha do roteiro que contém o título, nome do autor, etc.
CENA - Unidade dramática do roteiro, seção contínua de ação, dentro de uma mesma localização. Seqüência dramática com unidade de lugar e tempo, que pode ser “coberta” de vários ângulos no momento da filmagem. Cada um desses ângulos pode ser chamado de plano ou tomada.
CENA MASTER - É a filmagem em um único plano de toda a ação contínua dentro do cenário. A cena master dá ao Diretor a garantia dele ter “coberto” toda a ação numa só tomada.
CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO - Pistas, indícios do que está para acontecer, pequenas revelações do encaminhamento da ação. Essas pequenas insinuações constituem verdadeiro trunfo das emissoras de TV, pois servem para prender o telespectador à narrativa. O recurso foi ignorado na década de 60: o seu aproveitamento iniciou-se na década de 70, sendo novamente abandonado nos anos 90. Os antigos folhetins costumavam, também, insinuar o que estava para acontecer, ao suspenderem a narração escrita.
CENOGRAFIA - Arte e técnica de criar, desenhar e supervisionar a construção dos cenários de um filme.
CHICOTE - Câmara corre lateralmente durante a filmagem de uma determinada cena, deslocando rapidamente a imagem.
CLAQUETE - Quadro usado para marcar cenas e tomadas e cujo som, na montagem, serve como ponto para sincronização de som e imagem.
CLICHÊ - Cacoetes verbais. Uso repetitivo e enfadonho de diálogos e soluções cênicas em qualquer tipo de produção artística.
CLÍMAX - Ponto culminante da ação dramática.
“CLOSE-UP” - Plano que enfatiza um detalhe. Primeiro plano ou plano de pormenor. Tomando a figura humana como base, este plano enquadra apenas os ombros e a cabeça de um ator, tornando bastante nítidas suas expressões faciais.
COMPILAÇÃO - Tipo de montagem onde a imagem do filme passa a ser uma “ilustração” da narração.
COMPOSIÇÃO - Características psicológicas, físicas e sociais que formam um personagem (composição da imagem/tipologia).
CONFLITO - Embate de forças e personagens, através do qual a ação se desenvolve.
CONSTRUÇÃO DRAMÁTICA - Realização de uma estrutura dramática.
CONTINUIDADE - Seqüência lógica que deve haver entre as diversas cenas, sem a qual o filme torna-se apenas
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uma série de imagens, com pulos de eixo, ação e tempo. Há diversos tipos de continuidade: de tempo, de espaço, direcional dinâmica, direcional estática, etc.
CONTRACAMPO - Tomada efetuada com a câmara na direção oposta à posição da tomada anterior.
CONTRASTE - Criação de diferenças explícitas na iluminação de objetos ou áreas.
CORTE - Passagem direta de uma cena para outra dentro do filme.
CORTE DE CONTINUIDADE - Corte no meio de uma cena, retomando logo a seguir a mesma cena em outro tempo.
CRÉDITOS - Qualquer título ou reconhecimento à contribuição de pessoas ao filme. Relação de pessoas físicas e jurídicas que participam da - ou contribuem para a - realização de um produto audiovisual. Geralmente, é mostrada no final da produção.
CRISE DRAMÁTICA - Ponto de grande intensidade e mudanças da ação dramática.
CURVA DRAMÁTICA - Variação da intensidade dramática em relação ao tempo.
CUT-AWAY CLOSE-UP - Este conceito só tem significado dentro do contexto da montagem. É uma tomada em close-up de uma ação secundária que está desenvolvendo-se simultaneamente em outro lugar, mas que tem uma relação direta com a ação principal. O cut-away close-up deve ser montado entre duas tomadas da ação principal.
CUT-IN CLOSE-UP - Como o item acima, este conceito só tem significado no contexto da montagem. É uma tomada em close-up de uma parte importante da ação principal, e que deve ser montada entre duas tomadas normais dessa ação.
D
DECUPAGEM - Planificação do filme definida pelo diretor, incluindo todas as cenas, posições de câmara, lentes a serem usadas, movimentação de atores, diálogos e duração de cada cena.
DESFOCAR - Câmara muda o foco de um objeto para outro.
DIÁLOGO - Corpo de comunicação do roteiro. Discurso entre personagens.
DISSOLVE - Imagem se dissolve até o branco ou se funde com a outra.
DIVISÃO DO QUADRO - Registro fotográfico de duas ou mais imagens distintas em um mesmo fotograma.
DOLLY - Veículo que transporta a câmara e o operador, para facilitar a movimentação durante as tomadas.
“DOLLY BACK” - Câmara se afasta do objeto. Travelling ou grua de afastamento.
“DOLLY IN” - Câmara se aproxima do objeto. Travelling ou grua de aproximação.
“DOLLY OUT” - Câmara recua, abandona a cena.
“DOLLY SHOT” - Movimento de câmara que se caracteriza por se aproximar e se afastar do objetivo, e também por movimentos verticais.
DUBLAGEM - Inclusão de diálogo, narração, canto, etc. sobre a imagem filmada anteriormente.
E
EIXO DE AÇÃO - Linha imaginária traçada exatamente no mesmo itinerário de um ator, de um veículo ou de um animal em movimento. É também a linha imaginária que interliga os olhares de duas ou mais pessoas paradas em cena.
ELENCO - Conjunto de pessoas (atores, atrizes, figurantes) selecionados para uma produção, que representam as personagens e fazem a figuração de um filme.
ELIPSE - Passagem muito rápida de tempo.
EMISSOR - Quem transmite a mensagem no processo de comunicação.
EMPATIA - Identificação do público com o personagem.
ENCADEADO - Fusão de duas imagens, uma sobrepondo-se à outra.
ENQUADRAMENTO - Limites laterais, superior e inferior da cena filmada. É a imagem que aparece no visor da câmara.
ENTRECORTES - Tomadas da ação principal ou de uma ação secundária (ligada direta ou indiretamente à ação principal), que permitem uma
montagem mais flexível em termos de continuidade.
EPÍLOGO - Cenas de resolução.
EPÍSTOLA - Técnica narrativa (narrativa epistolar), que consiste em abrir uma obra com uma carta em que o autor se dirige a um amigo seu, a fim de relatar uma história pretensamente verídica. Este recurso foi largamente utilizado pelos autores românticos (José de Alencar, por exemplo, entre nós) e, por sua vez, foi inspirado em narradores do século XVIII (Richardson, Goethe, Rousseau), que abusavam do estratagema, fazendo com que seus romances se constituíssem inteiramente em troca de cartas entre as diversas personagens.
ESFUMAR - A imagem dissolve-se na cor branca ou funde-se com outra.
ESPELHO - Página de roteiro, geralmente de abertura, contendo informações como personagens, cenários, locações, etc.
ESTRUTURA - Fragmentação do argumento em cenas, arcabouço da seqüência de cenas.
“ETHOS” - Ética, moral da história.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS - Cenas de informações, explicativas.
EXTERNAS - Cenas filmadas nas praças, ruas, parques, campos, estádios, rodovias, enfim, ao ar livre.
EXTRAS - São os figurantes de um filme: pessoas contratadas para desempenhar papéis secundários, como os componentes de uma multidão.
F
“FADE IN” - O surgir da imagem a partir de uma tela escura ou clara, que gradualmente atinge a sua intensidade normal de luz..
“FADE OUT” - Escurecimento ou clareamento gradual da imagem partindo da sua intensidade normal de luz.
FICÇÃO - Inventar, compor e imaginar. Recriação do real.
“FLASH-BACK” - Cena que revela algo do passado, para lembrá-lo, situar ou revelar enigmas.
“FLASH-FORWARD” - Cena que revela parcialmente algo que acontecerá após
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o tempo presente. O mesmo que flash para frente.
FOLHA DE ROSTO - Página de roteiro contendo informações de título, nome do autor, etc.
FOLHETIM - Longa história parcelada, desenrolando-se segundo vários trançamentos dramáticos, apresentados aos poucos. É a origem histórica das telenovelas. O vocábulo vem do termo francês feuilleton e designava uma seção específica dos jornais franceses da década de 1830 - o rodapé -, introduzida pelo jornalista Émile de Girardin, que aproveitou o gosto do público pelo romance como chamariz para vendas maiores. A peculiaridade do folhetim residia na exploração de histórias repletas de peripécias, com um sem-número de personagens, às voltas com temas que iam desde a orfandade, casamentos desfeitos por tramas diabólicas, raptos, até vinganças altamente elaboradas, testamentos perdidos e recuperados, falsas identidades, etc. O mais famoso folhetim - e mais aproveitado posteriormente pelo cinema e pela televisão - foi O conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas. O mais extraordinário e mais bem elaborado foi a obra-prima Os mistérios de Paris de Eugène Sue.
FOLHETIM EXÓTICO - Diz-se do folhetim que, via de regra, tem sua ação situada em lugares distantes, exóticos, suscitando uma atmosfera misteriosa. Caso, por exemplo de narrativas localizadas no Oriente, como a novela O sheik de Agadir.
FOLHETIM MELODRAMÁTICO - Narrativa excessivamente maniqueísta, em que os personagens encarnam o Bem, ou o Mal, não havendo meios-termos: característica, enfim do melodrama, gênero teatral do início do século XIX. O Mal, no melodrama, tem sempre forma concreta, personificando-se num indivíduo propositadamente mau, o vilão. Do outro lado, encarnando o Bem, estão outros indivíduos, sempre virtuosos, procurando provar, a qualquer custo, a verdade.
FOTONOVELA - Ver Novela.
“FREEZE” - Manter uma mesma imagem por repetição de quadro. Congelar.
FULL SHOT - Ver long shot.
FUSÃO - Fusão de duas imagens, a 1ª sobrepondo-se à 2ª. Serve para mudar de cena ou enfatizar a relação entre elas
G
GANCHO - Momento de grande interesse que precede a um comercial. Pequenos ou grandes clímax, arranjados de modo tal que não permitam que o telespectador abandone a história. Na exibição diária de telenovelas, há três ganchos de menor grau - pausas para comerciais -, e um de maior grau, para o dia seguinte. Aos sábados, ocorre o “gancho do diálogo” ou “grande break”, pois haverá a pausa de domingo, quando não se exibe as histórias. O “grande break” sempre será um momento de alto suspense e pensado calculadamente para o retorno da segunda-feira.
“GIMMICK” - Recurso usado para resolver uma situação problemática. Reversão de expectativa.
GUERRA DO PAPEL - Momento de discussão e análise, depois da escrita do primeiro roteiro.
H
HALO DESFOCADO - Câmara desfoca as coisas em torno do objeto, mantendo-o em foco.
I
IDÉIA - Semente da história, idéia primeira.
INDICAÇÕES - Anotações sobre a cena, o estado de ânimo, etc.
“INSERT” - Imagem breve, rápida e quase sempre inesperada que lembra momentaneamente o passado ou antecipa algum acontecimento. Os inserts podem ser variados ou repetidos, estes servindo, às vezes, de plot, o núcleo dramático ou algo que o simbolize.
INTENÇÃO - Vontade implícita ou explícita do personagem.
L
LOCALIZAÇÃO - Localização de uma história no espaço.
LOCUÇÃO EM OFF - Texto que acompanha a ação do filme, pronunciado por um locutor ou locutora que não aparecem em cena. O mesmo que off.
“LOGOS” - Palavra, discurso, estrutura verbal de um roteiro.
“LONG SHOT” - “Full shot”, plano geral; plano que inclui todo o cenário. É usado para mostrar um grande ambiente.
“LOOP” - Segmento de filme, cortado e separado para montagem. Fita ou aro de película
M
MACROESTRUTURA - Estrutura geral do roteiro.
MANIQUEÍSMO - Princípio filosófico segundo o qual o universo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos: Deus ou o Bem absoluto, e o Mal absoluto, ou o Diabo. A partir desse princípio, aplica-se o termo à cosmovisão que enxerga o mundo à luz dessa dualidade.
MEIO - Instrumento de transmissão da mensagem.
MENSAGEM - Sentido político, social, filosófico ou qualquer outro que uma história pode conter. Quase a moral da história, das fábulas.
MICROESTRUTURA - Estrutura de cada cena.
MINISSÉRIE - Obra fechada, com vários plots que se desenrola durante um número de episódios, geralmente não superior a dez.
MOVIOLA - Máquina usada para a edição e montagem de filmes ou vídeo.
MUDANÇAS DE EXPECTATIVAS - Quando o curso da história muda de repente.
“MULTIPLOT” - Várias linhas de ação, igualmente importantes, dentro de uma mesma história.
N
NOITE AMERICANA - Técnica de iluminação e filtragem utilizada utilizada para simular um efeito noturno numa imagem filmada durante o dia.
NOVELA - Obra aberta, com multiplot.
NOVELA DENTRO DA NOVELA - Simultaneidade narrativa superpondo tempos. O exemplo mais bem-acabado desta técnica foi a telenovela O casarão, de Lauro César Muniz, enfocando cinco gerações de uma família estabelecida ao norte de São Paulo, na fase áurea do café. Um casarão de fazenda colonial foi o centro gerador da história, desde que foi construído, em 1900, até a modernidade, em 1976. Outro exemplo é Espelho mágico, do mesmo autor, onde, além da história propriamente dita (a vida dos astros e estrelas no cotidiano), há ainda a
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gravação de uma novela, Coquetel de amor, encenada pelos astros da primeira história, e a montagem da peça teatral Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand.
NOVELÃO - Nome pejorativo, análogo a dramalhão, que conota a telenovela repleta de conflitos sentimentais, com muita recorrência à emoção fácil. O mesmo que telelágrima.
NÚCLEO DRAMÁTICO - Reunião de personagens ligados entre si pela mesma ação dramática, organizados num “plot”.
O
OBJETIVO DRAMÁTICO - A razão da existência de uma cena.
OBJETOS DE CENA - São todos os itens utilizados para decoração do cenário: cinzeiros, vasos, telefones, objetos de arte, etc.
“OFF” - Vozes ou sons presentes sem se mostrar a fonte emissora.
OLIMPIANO - Adjetivo usado por Edgar Morin (Cultura de massas no século XX) para designar a categoria sagrada dos campeões, príncipes, reis, astros de cinema, playboys, artistas célebres. Diz Morin: “o olimpismo de uns nasce do imaginário, isto é, dos papéis encarnados nos filmes (astros); o de outros nasce de sua função sagrada (realeza, presidência), de seus trabalhos heróicos (campeões, exploradores) ou eráticos (playboys).
P
PANORÂMICA - (pan) Câmara que se move de um lado para outro, dando uma visão geral do ambiente, mostrando-o ou sondando-o.
PASSAGEM DE TEMPO - Artifício usado para mostrar que o tempo passou.
“PATHOS” - Drama, conflito.
PERCURSO DA AÇÃO - Conjunto de acontecimentos ligados entre si por conflitos que vão sendo solucionados através de uma história.
PERIPÉCIA - O mesmo que incidente, aventura. Excesso de ação, recurso marcadamente usado em telenovelas, em folhetins, no melodrama, na radionovela. O romance romântico abusou da peripécia: aí alguns críticos apontam a causa maior de seu sucesso junto ao público feminino, no século XIX.
PERSONAGEM - Quem vive a ação dramática.
PING-PONG - Tipo específico de montagem onde duas imagens semelhantes, em termos de ângulo, tamanho e posicionamento dentro do quadro, se alternam regularmente; mantendo a unidade da cena.
PLANO AMERICANO - Plano que enquadra a figura humana da altura dos joelhos para cima.
PLANO DE CONJUNTO - Plano um pouco mais fechado do que o plano geral.
PLANO DE DETALHE - Mostra apenas um detalhe, como, por exemplo, os olhos do ator, dominando praticamente todo o quadro.
PLANO GERAL - Plano que mostra uma área de ação relativamente ampla.
PLANO MÉDIO - Plano que mostra uma pessoa enquadrada da cintura para cima.
PLANO PRÓXIMO - Enquadramento da figura humana da metade do tórax para cima.
“PLOT” - Dorso dramático do roteiro, núcleo central da ação dramática e seu gerador. Segundo os teóricos literários, uma narrativa de acontecimentos, com a ênfase incidindo sobre a causalidade. Em linguagem televisual, todavia, o termo é usado como sinônimo do enredo, trama ou fábula: uma cadeia de acontecimentos, organizada segundo um modo dramático escolhido pelo autor. Em uma história multiplot, o plot principal será aquele que, num dado momento, se mostrar preferido pelo público telespectador.
PONTES - Tomadas escolhidas para interligar duas cenas que não poderiam ser montadas seguidamente. As pontes ajudam a resolver problemas de continuidade do filme.
PONTO DE IDENTIFICAÇÃO - Relação convergente entre platéia e ação dramática.
PONTO DE PARTIDA - Conjunto de cenas iniciais que abre um espetáculo.
PONTO DE VISTA - Câmara situada na mesma altura do olho do ator, vendo o ambiente como este. No geral, intensifica a dramaticidade do roteiro. Durante o ataque de uma assassino o ponto de vista da vítima pode ver mãos enluvadas avançando em sua direção. Isso é mostrado com as mãos avançando em direção à lente da câmara.
PREPARAÇÃO - Cenas que antecipam uma complicação (e/ou clímax).
PRIMEIRO PLANO - Posição ocupada pelas pessoas ou objetos mais próximos à câmara, à frente dos demais elementos que compõem o quadro.
“PROCESS SHOT” - Truque usado para fingir movimento. Uma cena pré-filmada é projetada atrás dos atores.
Q
“QUICK MOTION” - Câmara rápida. Movimento acelerado.
R
RECEPTOR - Quem recebe uma mensagem no processo de comunicação.
REPETIÇÃO - (usada em comédia) O roteiro repete situações dramáticas conhecidas da platéia.
RESOLUÇÃO - Final da ação dramática.
RETROPROJEÇÃO - Técnica de filmagem onde se projeta uma determinada imagem em uma tela colocada à frente do projetor, para que essa imagem possa servir de fundo para a cena que está desenvolvendo-se do outro lado da tela.
REVERSÃO DE EXPECTATIVAS - Quando se transforma, com surpresa, o curso da história.
RITMO - Cadência de um roteiro. Harmonia.
ROTEIRO - Forma escrita de qualquer espetáculo audiovisual. Descrição objetiva das cenas, seqüências, diálogos e indicações técnicas do filme.
ROTEIRO FINAL - Roteiro aprovado para o início da filmagem ou gravação.
ROTEIRO LITERÁRIO - Roteiro que não contém indicações técnicas.
ROTEIRO TÉCNICO - Roteiro contendo indicações referentes a câmara, iluminação, som, etc.
RUBRICA - Indicação de cena, informações de estado de ânimo, gestos, etc. Observação entre parênteses nos diálogos, indicando a reação dos personagens, bem como mudanças de tom e pausas.
S
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“SCREENPLAY” - Roteiro para cinema.
“SCRIPT” - Roteiro quando entregue à equipe de filmagem. Plano completo de um programa, tanto em cinema quanto em televisão. É o instrumento básico de apoio para a direção e produção, pois contém as falas, indicações, marcas, posicionamentos e movimentação cênica, de forma genérica e detalhada. Expressa as idéias principais do autor, do produtor e do diretor a serem desenvolvidas pela equipe que o realiza.
SEQÜÊNCIA - (1) Uma série de tomadas (cenas) ligadas por continuidade. (2) A denominação para cena em cinema.
SÉRIE - Obra fechada, com personagens fixas, que vivem uma história completa em cada capítulo.
“SET” - Local de filmagem.
“SHOOTING SCRIPT” - Roteiro feito pelo diretor, a partir do roteiro final. É usado pela produção.
“SHOT” - Plano. Imagem gravada ou filmada.
SIMPATIA - Solidariedade do público para com a personagem.
SINOPSE - Vista de conjunto. Narração breve que resume uma história. No cinema, é chamada de argumento.
SITCOM - (Comédia de situação) - Série fechada de humor, normalmente de um só plot.
SOM DIRETO - Som correspondente à ação que está sendo filmada. Em geral, é gravado em aparelho de precisão, sincronizado com a câmara.
SOM GUIA (OU PLAYBACK) - É a reprodução do som já gravado
anteriormente, durante a filmagem, permitindo um sincronismo entre as ações (falas e/ou movimentos) do elenco com a própria gravação.
“SLOW MOTION” - Câmara lenta. Movimento retardado.
“SPLIT SCREEN” - Imagem partida na tela, mostrando dois acontecimentos separados ao mesmo tempo. Recurso muito usado em telefonemas.
“STORY-BOARD” - Série de desenhos em seqüência das principais cenas ou tomadas.
“STORY-LINE” - Síntese de uma história.
“SUBPLOT” - Linha secundária de ação.
SUBTEXTO - Sentido implícito nas entrelinhas.
SUPERCLOSE - Plano muito próximo que mostra, por exemplo, somente a cabeça de um ator, dominando praticamente toda a tela.
SUSPENSE - Antecipação urgente. Diálogo ou ação que faz prever algo chocante, temível, emocionante ou decisivo.
T
“TAKE” - Tomada; começa no momento em que se liga a câmara até que é desligada. É o parágrafo de uma cena.
TELEGRAFAR - Breve informação que se dá sobre alguma coisa que vai acontecer.
“TELEVISIONPLAY” - Roteiro para televisão.
TEMPO DRAMÁTICO - Tempo estético, cadência.
TEMPORALIDADE - Localização de uma história no tempo.
TILT - Movimentação da câmara no sentido vertical, sobre o seu eixo horizontal.
TOMADA - Filmagem contínua de cada segmento específico da ação do filme.
TOTALIDADE - Princípio básico da unidade.
“TRAVELLING” - Câmara em movimento na dolly acompanhando, por exemplo, o andar dos atores, na mesma velocidade. Também, qualquer deslocamento horizontal da câmara.
V
VALORES DRAMÁTICOS - Pontos-chave de um roteiro.
VARRIDO - A câmara corre, mudando a imagem de lugar rapidamente. O mesmo que chicote.
Z
“ZOOM” - Efeito óptico de aproximação ou distanciamento repentino de personagens e detalhes. Serve para dramatizar ou esclarecer lances do roteiro.
ZOOM-IN - Aumento na distância focal da lente da câmara durante uma tomada, o que dá ao espectador a impressão de aproximação do elemento que está sendo filmado.
ZOOM-OUT - Diminuição da distância focal da lente durante uma tomada, o que dá ao espectador a impressão de que está se afastando do elemento que está sendo filmado
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