arte literÁria -...
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Ao final desta aula, você deverá:
z perceber como a literatura se consolida como expressão artística;
z reconhecer os pressupostos básicos das teorias que buscam explicar a obra literária.
Compreender a literatura como arte.
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ARTE LITERÁRIA
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AULA IVARTE LITERÁRIA
1 INTRODUÇÃO
Nesta aula, você verá que a obra artística literária convive
e se relaciona com outras obras de arte, pois todas fazem parte
do ato criador artístico. Perceberá que, em virtude de fatores
variados, tais como o público, o meio e até a subjetividade
do artista, elas podem apresentar elementos distintos na
sua formulação mais profunda. Conhecerá, também, alguns
pressupostos teóricos que explicam sobre o funcionamento da
obra literária.
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Arte literáriaFundamentos de Teoria da Literatura
2 CONSTRUINDO A LITERATURA
Assim como as expressões da arte ou suas manifestações
foram se consolidando ao longo do tempo, tais como a pintura,
a escultura, a música, a dança, entre outras, a literatura
se consolida também como expressão artística. Entre tais
expressões artísticas há pontos comuns e outros tantos
distintos, sendo o principal elemento desta distinção a própria
matéria com que é produzida a arte. Esta matéria-prima, que é
essencial na produção artística, é o que chamamos linguagem
e que particulariza a manifestação artística.
Deste modo, a escultura se concretiza a partir do espaço
tridimensional, a pintura se vale do espaço da tela, caracterizado
como bidimensional. Podemos dizer, então, que a matéria-
prima da escultura é o próprio espaço tridimensional que pode
ser utilizado, preenchido a partir de vários materiais: argila,
gesso, ferro, madeira etc. Já a pintura se utiliza das formas
em cores, da linha, do contorno, em um espaço bidimensional,
valendo-se para isto de técnicas, tais como tinta a óleo, que é
sobreposta à tela, daí advindo a pintura a óleo.
As artes, de forma geral, utilizam
os vários materiais na sua criação,
como vimos com a escultura (figura
1) e a pintura (figura 2), ocorrendo o
mesmo com a literatura, considerada,
então, uma arte literária.
Mas qual é a matéria-prima, o
material da literatura como arte? Do
mesmo modo que a música se utiliza
da associação do som, a dança do
movimento, a literatura se utiliza da
palavra para sua criação. No entanto,
você deve atentar que não basta o
simples uso da palavra para fazer
literatura; pois, na feitura do texto
literário, deve-se considerar a intenção
do escritor na percepção da realidade. A intenção do escritor
normalmente é voltada para a elaboração de um conteúdo,
através de uma escolha e associação de palavras que deem um
efeito específico.
Figura 1: A escultura “O pensador”, do artista francês Auguste Rodin, foi criada em 1904, utilizando bronze como matéria-prima.
Fonte: http://www.pitoresco.com.br/espelho/destaques/rodin/rodin.htm
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A linguagem literária, assentada na palavra,
carrega em si, como todas as linguagens artísticas,
uma mistura ou associação de diversos códigos,
constituindo a heterogeneidade tipicamente
artística. Esta constatação ganha impulso com os
estudos formalistas, ainda na primeira metade do
século XX, que buscam classificar a arte literária
através de códigos específicos e de determinados
domínios de conteúdo e forma, para, ao final,
ironicamente, constatar que tal arte pode ser
híbrida.
Você já sabe, desde a primeira aula, que a
discussão sobre a natureza literária data de vários
anos, fincando raízes mesmo na Antiguidade
Clássica, com Aristóteles e Platão. A tradição
iniciada na Antiguidade se constrói e se estabelece
em muitos anos de discussão, adquirindo base nos
manuais de poética e retórica ao longo do tempo.
No entanto, vamos encontrar nos movimentos de
crítica, já no século XIX, o claro momento de aprofundamento
e definição das poéticas que buscam as qualidades específicas
da linguagem literária, aquilo que ficaria conhecido mais tarde
como “literariedade”, ou seja, uma possível capacitação do
literário como atributo particular.
Ainda hoje, um dos problemas fundamentais de toda
teoria da literatura, independente da origem da crítica, diz
respeito à natureza do discurso literário. Neste sentido, diversos
autores insistiram nos estudos sobre a natureza da literatura,
numa possível literariedade, como sendo a manifestação de
uma das funções da linguagem verbal.
3 O FUNCIONAMENTO DA OBRA LITERÁRIA
Em princípio, três funções presentes na linguagem
poderiam especificar o discurso literário, conforme Karl Buhler:
a representação, a expressão e o apelo. Some-se a esses o
acréscimo da função estética, sugerida pelos formalistas do
Círculo Linguístico de Praga.
Figura 2: A pintura a óleo sobre tela intitulada “Mona Lisa”, também conhecida como “La Gioconda”, é a mais notável e conhecida obra do pintor italiano Leonardo da Vinci e data de 1507.
Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/MonaLisa
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Karl Buhler, psicólogo, nascido na Alemanha em 1879 e falecido em 1963, foi obrigado a emigrar para os Estados Unidos da América, fugindo do Nazismo. Desenvolveu trabalhos experimentais nas áreas da linguística e estilística.
Fonte: www.infopedia.pt/karl-buhler
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Arte literáriaFundamentos de Teoria da Literatura
Ora, a função estética abre substancialmente
as possibilidades de abrangência do literário,
visto que sua estabilidade está diretamente
relacionada ao contexto, ao público, enfim, à
sociedade.
É notória a configuração estética
dominante na pintura até o século XIX, em que as
representações femininas eram invariavelmente
mulheres gordas. Esta constatação atesta o
modelo estético vigente à época, que veio a se
modificar ao longo dos tempos.
A grande modificação advinda com a
função estética vem do fato de não ser uma
função observável, parecendo inserir uma
subjetividade que, ao contrário das outras
funções que se mostram mais práticas, vem à tona. Deste
modo, podemos qualificar as funções de apelo e expressão
como funções práticas, enquanto a função estética, como
subjetiva. Há certo consenso que aponta no sentido de existir
uma função estética que perpassa todo o discurso linguístico,
logo, também, o discurso literário, visto que potencialmente a
estética é onipresente.
A teoria da função estética na arte, conforme Roman
Jakobson,é fundamental para o desenvolvimento posterior.
Nela, são apresentadas seis funções na linguagem. São elas:
Função referencial ou denotativa
Busca transmitir uma informação objetiva, expõe
dados da realidade de modo objetivo, não faz comentários,
nem avaliação. Geralmente, o texto apresenta-se na terceira
pessoa do singular ou plural, pois transmite impessoalidade. A
linguagem é denotativa, ou seja, não há possibilidades de outra
interpretação além da que está exposta. Aparece geralmente
em textos científicos, jornalísticos, técnicos, didáticos ou em
correspondências comerciais. Por exemplo: “Bancos terão
novas regras para acesso de deficientes”. (jornal O Popular).
Figura 3: Pintura de Peter Paul Rubens, pintor
flamengo inserido no contexto do Barroco.
Fonte: http:/2.blogspot.com
Onipresença é a capacidade de
estar em todos os lugares ao mesmo
tempo. Em teologia, a onipresença é
um atributo divin segundo o qual Deus
está presente em todos os pontos da
criação. Em conjunto à simplicidade divina,
pode-se dizer que Deus está totalmente
presente em cada ponto do universo.
SAIBA MAIS
Linguista russo, Roman Osipovich Jakobson, nasceu em 11 de outubro de 1896, vindo a falecer em 18 de julho de 1982. Tornou-se um dos maiores linguistas do século XX e pioneiro da análise estrutural da linguagem, poesia e arte.Fonte: http://pt.wikipedia.org/
wiki/Roman_Jakobson
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Função emotiva ou expressiva
O objetivo do emissor é transmitir suas emoções e
anseios. A realidade é transmitida sob o ponto de vista do
emissor, a mensagem é subjetiva e centrada no emitente
e, portanto, apresenta-se na primeira pessoa. Essa função
é comum em poemas ou narrativas de teor dramático. Por
exemplo: “Porém meus olhos não perguntam nada./ O homem
atrás do bigode é sério, simples e forte./ Quase não conversa./
Tem poucos, raros amigos / o homem atrás dos óculos e do
bigode.” (Poema de sete faces, Carlos Drummond de Andrade).
Função conativa ou apelativa
O objetivo é de influenciar, convencer o receptor de
alguma coisa por meio de uma ordem (uso de vocativos),
sugestão, convite ou apelo (daí o nome da função). Os verbos
costumam estar no imperativo (Compre! Faça!) ou conjugados
na 2ª ou 3ª pessoa (Você não pode perder! Ele vai melhorar
seu desempenho!). Esse tipo de função é muito comum em
textos publicitários, em discursos políticos ou de autoridade. Por
exemplo: Não perca a chance de ir ao cinema pagando menos!
Função metalinguística
É quando o emissor explica um código usando o próprio
código. Quando um poema fala da própria ação de se fazer
um poema, por exemplo: “Pegue um jornal. Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja
dar a seu poema. Recorte o artigo.” Este trecho da poesia,
intitulada “Para fazer um poema dadaísta”, utiliza o código
(poema) para explicar o próprio ato de fazer um poema.
Função fática
O objetivo dessa função é estabelecer uma relação com
o emissor, um contato para verificar se a mensagem está sendo
transmitida ou para dilatar a conversa. Quando estamos em
um diálogo, por exemplo, e dizemos ao nosso receptor “Está
entendendo?”, ou quando atendemos o celular e dizemos “Oi”
ou “Alô”, estamos usando essa função.
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Função poética
É a função que se assenta na própria mensagem. É a
função predominante na linguagem literária e em letras de
música. Por exemplo: “negócio/ego/ócio/cio/0”. Na poesia
“Epitáfio para um banqueiro”, José de Paulo Paes faz uma
combinação de palavras que passa a ideia do dia a dia de um
banqueiro, de acordo com o poeta.
Fonte: www.brasilescola.com
Estas funções da linguagem propostas por Jakobson,
em seu livro Linguística. Poética. Cinema (1970), ainda hoje,
são válidas e têm norteado os estudos linguísticos e mesmo
os literários no modo de ver a obra literária. Importa saber,
outrossim, que a linguagem literária, assim como outras
linguagens artísticas, não faz uso somente de um tipo de
função. Normalmente, mais de uma pode estar presente, sendo
que uma pode ser predominante.
Contribuiu para essa dimensão de conhecimento, a
distinção estabelecida por Louis Hjelmslev, entre linguagem
denotativa e conotativa. A primeira diz respeito à natureza
primária e concreta da linguagem, enquanto a segunda
estabelece um sentido figurado que se relaciona à linguagem
natural. Deste modo, a linguagem literária constitui, sobretudo,
uma linguagem conotativa, pois trata de uma forma figurada
ou conotada, que é a expressão artística. Assim, no sentido
que foi dado por Hjelmslev, todo sistema literário é conotado,
pois expressa diversos outros códigos, tais como: o estilístico,
relacionado à maneira especial com que o autor expõe sua arte;
o ideológico, relacionado a sistemas de ideias e mentalidades
presentes num determinado contexto, entre outros. Podemos,
neste sentido, afirmar que todo texto literário se situa num
espaço intertextual, pois abarca outros códigos e discursos que
o enriquecem.
É consequente inferir que, a partir das informações
dadas até aqui, o escritor, o poeta ou artista da escrita literária
se situa numa determinada tradição linguística que conflui com
outras tradições, tais como a retórica, a temática, a psicológica
etc., com a qual ele se relaciona, transformando, aceitando,
SAIBA MAIS
Louis Hjelmslev, lin-guista dinamarquês, foi precursor das modernas tendências da linguística e propositor do termo “glossemática”, para designar o estudo e a classificação dos glos-semas, as menores unidades linguísticas que podem servir de suporte a uma signi-ficação. Fundou o Círculo Linguístico de Copenhague, em 1931.
Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/
Louis_Hjelmslev
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recusando, enfim, interagindo.
O texto literário depende de múltiplos códigos culturais
não literários, tais como os código ideológicos, éticos e
sociopolíticos, que se relacionam e acrescentam ao texto
literário sentidos diversos. Assim, a combinação dos vários
elementos codificadores resulta no discurso literário. Daí, a
análise linguística do plano literário ser perfeitamente possível,
mas não alcançar o nível especificamente literário.
A análise fenomenológica encetada por Roman
Ingarden busca apreender a estrutura essencial da obra
literária, aprofundando os estudos formalistas previstos em
Jakobson. Para Ingarden, a estrutura específica consiste na
razão de a obra literária ser constituída por vários estratos
heterogêneos, que, por sua vez, se distinguem entre si pela
matéria e pela função de que são revestidos, seja em relação
a outras instâncias, seja em relação à totalidade da obra. De
acordo com Ingarden, os vários estratos, ou seja, as camadas,
que esquematizam e dão heterogeneidade à obra literária, dão
um caráter polifônico, de múltiplas vozes à mesma.
A concepção de objeto literário, a partir de um sistema
de estratos esquematizantes e heterogêneos, recusa as
interpretações de cunho político, ideológico, bem como o
rigor formalista advindo das teorias de Jakobson quanto às
funções da linguagem. Parece haver, nesta perspectiva, uma
maior objetividade na apreensão do fenômeno literário e sua
implicações, bem como na sua própria constituição.
Enfim, podemos depreender que a obra literária é
constituída por diversos elementos que
concorrem e acrescentam à sua forma final.
Os estudos das funções da linguagem e,
posteriormente, dos estratos da linguagem,
fizeram com que identificássemos de
maneira mais clara e particular como a
literatura se vale de múltiplos aspectos na
sua formulação.
Chegou a hora de colocar em prática
o que aprendeu!Figura 4: Os vários níveis de informação e códigos fazem com que
a obra de arte literária seja constituída em sua forma polifônica.
Fonte: http://thumbs.openphoto.net/volumes/sarabbit/20090427/openphotonet_zquish4.JPG
PARA CONHECER
Roman Ingarden (1893-
1970) foi um filósofo e
teórico literário polonês
usualmente associado à
corrente fenomenológica.
É reconhecido por alguns
estudiosos como “o pai da
estética de recepção”.
Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/
Roman_Ingarden
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LEITURA RECOMENDADA
RESUMINDO
Nesta aula, você viu, primeiro, como a literatura se consolida
como expressão artística; depois, a concepção de literatura a partir de
alguns dos mais importantes teóricos do século XX: Roman Jakobson,
Louis Hjelmslev e Roman Ingarden. Com o primeiro, viu as funções da
linguagem; com o segundo, a distinção entre denotação e conotação; com
o terceiro, a noção de estrutura.
Para complementar esta aula, recomendo a leitura de HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. Lisboa: Mestre Jou, (sd) e SOUZA, Roberto Acízelo de. Teoria da literatura. São Paulo: Ática, 2007.
Na próxima aula... iniciaremos o estudo dos Gêneros literários.
ATIVIDADES
1. De acordo com a teoria encetada por Roman Jakobson, há seis funções da linguagem. Cite-as, exemplificando.
2. Das funções da linguagem, qual se relaciona à obra literária, por aparecer em predominância? Explique.
3. Do mesmo modo que a música se utiliza da associação do som, a dança do movimento, a literatura se utiliza da palavra para sua criação. No entanto, devemos atentar que não basta o simples uso da palavra para fazer literatura. Assim, que outros elementos podemos considerar na criação artística literária?
4. Em que consiste a teoria de Roman Ingarden? Procure exemplificar.
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BERRIO, Antonio Garcia; FERNANDEZ, Teresa Hernández. Poética: tradição e modernidade. São Paulo: Littera Mundi, 1999.
GOMES, Heidi Strecker. Análise de texto: teoria e prática. 10. ed. São Paulo: Atual, 1991.
GONÇALVES, Magaly Trindade; BELLODI, Zina C. Teoria da literatura ‘revisitada’. Petrópolis: Vozes, 2005.
JAKOBSON, Roman. Linguística. Poética. Cinema. Trad. de Haroldo de Campos. São Paulo: Perspectiva, 1970.
LIMA, Luiz Costa. Teoria da literatura em suas fontes. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1986.
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NC
IAS
Suas anotações
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