arte urbana e discurso social em banksy
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Artigo produzido para disciplina de Análise do Discurso ofertada na Universidade de BrasíliaTRANSCRIPT
Arte Urbana e Discurso Social em Banksy
Por Vanessa Chanice Magalhães¹
Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar os discursos político e social
presentes nas obras do artista de rua inglês, ativista político e diretor de cinema
conhecido pelo pseudônimo de Banksy, bem como refletir sobre de que maneira seus
posicionamentos políticos em outros ambientes mais particulares contribuem para
fortalecer ou não esses discursos. As análises realizadas neste trabalho partiram da
seleção de algumas imagens recorrentes em seu portfólio, como a figura do rato e do
macaco, além de outras obras mais notórias do artista. Também foram extraídos alguns
trechos que compõem o livro de sua autoria, “Guerra e Spray”. O arcabouço teórico
utilizado baseia-se principalmente nos preceitos de Fairclough sobre a Análise do
Discurso Crítica (ADC).
Palavras-Chave: arte urbana; banksy; discurso.
Abstract: This article aims to analyze the political and social discourse in the works of
the English street artist, political activist and film director known by the pseudonym
Banksy, as well as reflect on how their political thought in other private placements
contribute to strengthen or not these discourses. The analyzes performed in this study
left the selection of some famous images of symbols and imbued his vast portfolio, like
the rat, monkey, and excerpts from other works. Were also extracted some of the
writings that make up the book "Wall and Piece" by Banksy. The theoretical framework
used is mainly based on the precepts of Fairclough on Critical Discourse Analysis
(CDA).
Key-Words: street art; bansky; discourse.
1. Introdução
A Arte que vemos é feita apenas por poucos selecionados. Um pequeno grupo cria, promove, adquire, exibe e decide o sucesso da Arte. Apenas umas poucas centenas de pessoas ao redor do mundo têm voz ativa. Quando você visita uma galeria de Arte você é apenas um turista observando a vitrine de troféus de uns poucos milionários. (BANKSY, 2005, p.144)
Essas são as palavras de que Banksy se utiliza para descrever a ainda atual e
mais tradicional situação da arte. Um produto do capitalismo que é colocado a venda e
muitas vezes disponibilizado entre quatro paredes para aqueles que tiverem dinheiro
suficiente para apreciá-las ou se dispuser de um tempo considerável para passar o dia
dentro de algum museu gratuito. É aí que a arte urbana entra em cena como um
movimento artístico que tem o propósito de mudar a maneira de se pensar os espaços
públicos e de colocar em pauta a democratização da arte. Não é mais necessário ir ao
encontro da arte, não é mais necessário ter dinheiro. A arte se torna acessível a todos e a
qualquer momento, e não só para aqueles que se encontram na posição de
consumidores, mas também para os que possuem o desejo de fazê-la. Qualquer um pode
comprar uma lata de tinta, imprimir uma quantidade considerável de estêncis a preços
baixíssimos e sair para as ruas. A arte se tornou democrática em todos os níveis
possíveis.
Ao adotar essa postura de ir para a rua e utilizá-las como matéria prima das suas
obras, os artistas de rua também problematizaram o uso dos espaços públicos e
passaram a questionar as formas de exploração desses ambientes, tornando-os um lugar
não somente de construção social, mas também fomentador de conflitos.
No seu surgimento, a arte urbana foi vista por muitos como um movimento
marginalizado constituído por atos de vandalismo executados por jovens rebeldes,
anarquistas e demais variantes sempre associadas à criminalidade. Até os dias de hoje
ainda encontramos muitas pessoas com pensamentos similares, mas cada dia esse
número se torna menor à medida que esse movimento se consolida como uma
ramificação sólida da arte contemporânea. Entretanto, mesmo com a crescente
consolidação desse movimento, essa arte sempre estará beirando os limites entre a
legalidade e a ilegalidade, ela sempre estará - literalmente falando - nas margens, uma
vez que esse é o seu objetivo: se opor àquilo que é ditado pelo sistema, questionar,
problematizar e, nesse processo, desafiar algumas leis. Ela a é, na essência, uma arte de
confrontos políticos e sociais.
Sobre o conflito acerca do uso dos espaços urbanos, Banksy trata em seu livro,
Guerra e Spray (2005), da seguinte forma:
Quem realmente desfigura nossos bairros são as empresas que rabiscam slogans gigantes em prédios e ônibus tentando fazer com que nos sintamos inadequados se não comprarmos seus produtos. Elas acreditam ter o direito de gritar sua mensagem na cara de todo mundo em qualquer superfície disponível, sem que ninguém tenha o direito de resposta. Bem, elas começaram a briga e a parede é a arma escolhida para revidar. (2005, p. 8)
Nesse contexto Banksy adicionou mais um objeto a ser criticado pelo
movimento da arte urbana: o capitalismo. Ele se torna um dos maiores alvos a ser
criticado pelos artistas de rua e inclui-se nessa mesma vertente ataques a tudo aquilo que
envolve o mundo publicitário. Se algo é feito com a intenção de venda e lucro, ele será
condenado pelos artistas. Campanhas publicitárias, pôsteres de divulgação e outdoors
são frequentemente modificados para se tornarem instrumentos da ideologia desses
artistas.
2. O artista anônimo
Como dito anteriormente, Banksy é um pseudônimo de um dos mais notórios
artistas urbanos do mundo, cuja verdadeira identidade permanece desconhecida. Essa
foi uma maneira criada pelo artista de se proteger contra possíveis consequências legais
que seu trabalho poderia trazer, uma vez que ele está sempre invadindo ambientes
particulares para expor sua obra. Esse anonimato acabou contribuindo de maneira
considerável para sua ascensão no meio artístico, a partir do momento em que começou
a despertar o interesse e a curiosidade de todos quando seus trabalhos se tornaram
comercialmente valorizados. Outras implicações surgiram do anonimato de Banksy,
como a impossibilidade do artista ter seu discurso analisado através de atitudes privadas
da vida do mesmo. Não temos como saber qual estilo de vida de que Banksy faz uso,
que lugares que ele frequente, que marcas de roupa ele veste, que carro ele dirige. Tudo
isso que poderia contribuir para o fortalecimento do seu discurso ou, talvez, enfraquece-
lo consideravelmente podendo chegar até a invalidá-lo completamente. Enquanto
permanece nessas condições de anonimato, a voz artística de Banksy reúne uma força
que não pode ser contestada.
2.1 A obra
Banksy é um artista em atividade há mais de uma década e por esse motivo é
possuidor de um vasto portfólio. A figura do macaco e do rato são duas figuras
recorrentes em seu trabalho ao longo dos anos e por esse motivo receberão maior
enfoque na análise. Além das figuras dos dois animais, também selecionei algumas de
suas obras que se tornaram internacionalmente conhecidas devido ao debate que
originaram.
2.2 O rato
“Eles existem sem permissão. São odiados, caçados e perseguidos. Vivem no
lixo em um desespero silencioso. E, mesmo assim, são capazes de fazer com que
civilizações inteiras caiam de joelhos. Se você é sujo, insignificante e indesejável, então
os ratos são o seu melhor modelo de comportamento.” – Banksy. Guerra e Spray, 2005.
Banksy enxerga uma grande identificação não apenas pessoal com esse animal,
mas também a amplia para todos os artistas de rua. O rato é aquela figura histórica que
sempre foi indesejada pela sociedade, sempre foi perseguida e caçada numa tentativa de
exterminá-los por completo, mas por décadas a sociedade continua falhando no seu
objetivo. Por mais perseguidos que os ratos sejam, eles continuam voltando, aparecendo
e reaparecendo nos lugares mais inesperados. Eles são temidos. Eles estão à margem da
sociedade da mesma maneira que a arte de rua está à margem do circuito artístico
tradicional.
Nos desenhos de Banksy os ratos são os portadores da voz insatisfeita com o
governo, insatisfeita com a situação social atual. Ele incita a revolução através de
pensamentos extremamente irônicos e afiados. Em uma das imagens acimas podemos
ler os dizeres “If graffiti changed anything it would be ilegal”, o que traduzindo para o
português seria algo parecido com “Se o grafite mudasse alguma coisa, ele seria ilegal”.
E, de fato, o grafite é ilegal. Mas ao contrário do motivo utilizado pela lei para explicar
essa proibição (que se sustenta em aspectos que envolvem a questão da propriedade
privada) Banksy diz que o grafite é ilegal porque ele é capaz de causar uma mudança na
estrutura da sociedade. E esse é um risco que o Estado não quer correr.
2.3 O macaco
O macaco, por sua vez, é portador de um discurso completamente diferente do
que o rato carrega. Aqui, Banksy levanta a discussão da exploração animal feita pelo
homem. Em uma de suas exposições mais famosas sobre o assunto, intitulada de “The
Village Pet Store and Charcoal Grill” Banksy exibiu não apenas macacos, mas também
golfinhos, galinhas, coelhos, peixes e outra série de animais em situações que
criticavam o sistema pecuário atual.
Apesar de se utilizar algumas vezes de outros animais para reforçar sua crítica, o
macaco definitivamente foi escolhido como orador principal desse posicionamento
político. Os seus macacos mais famosos são aqueles que carregam uma placa pendurada
no pescoço onde Bansky escreve seus pensamentos como “ria agora, mas um dia
estaremos no comando”. Um desses macacos carrega um código de barras em sua placa,
reforçando o sentido de que os animais são tratados como objetos à venda.
Muitos de seus macacos também carregam em si um sentimento de revolta
contra a situação em que encontram. Estão sempre carregando objetos de destruição
como detonadores e armas, aludindo ao pensamento anterior de Banksy de que “um dia
eles estarão no comando” e que a revolução já começou.
Quando os macacos de Banksy não estão segurando placas ou destruindo coisas,
muitas vezes eles são colocados em situações mais humanizadas. Existem imagens de
macacos pensando, indo à lua, brincando, enfim... O que pode servir tanto pra ilustrar
que os macacos estão se tornando cada vez mais inteligentes e sendo capazes de
substituir os humanos ou lembrar que as atitudes humanas estão se tornando cada vez
mais primitivas e nós é que estamos nos aproximando mais dos macacos.
Outra peça bastante conhecida, foi vendida pelo valor de 1 milhão de libras
esterlinas, configurando como uma das obras mais cara do autor e se chama “Simple
Intelligence Testing”, que pode ser vista abaixo.
Essa imagem condensa várias das críticas do autor. Tanto a sua oposição à
exploração de animais de qualquer tipo, quanto a afirmação de que os animais estão se
tornando cada vez mais inteligentes e capazes de se virarem contra nós estão presentes
na obra.
2.4 As figuras do capitalismo
De todas as bandeiras que Banksy levanta, definitivamente aquela que é contra o
capitalismo é a que ele defende com mais ferocidade. O artista não poupa esforços para
demonstrar seu desprezo por esse sistema. As quatro imagens selecionadas acima
ilustram de maneira bastante realística o seu posicionamento.
Na primeira linha nós temos, à esquerda, a imagem do Mickey Mouse – um dos
maiores símbolos do entretimento infantil – e Ronald McDonald – personagem criado
por uma das maiores redes de comida do sistema capitalista mundial para atrair o
público infantil – segurando os braços de Kim Phuc. A imagem de Kim foi retirada de
uma fotografia no dia que os Estados Unidos jogaram uma bomba de Napalm no Vietnã
e Kim, com nove anos na época, saía pela rua, nua e gritando de desespero. Enquanto
ela chora, Mickey e Ronald acenam e sorriem olhando na nossa direção. Eles são, como
símbolos do sistema em que vivemos, responsáveis pela dor de Kim. Banksy não
permite que nos esqueçamos desse detalhe.
Ao lado dessa imagem temos um Jesus Cristo crucificado ainda segurando suas
sacolas de compra. Em uma qualidade melhor, podemos ver que dentro de uma das
sacolas que carrega encontra-se um boneco de Mickey Mouse. Aqui Banksy procura
criticar o consumismo desenfreado que acontece durante a época do Natal e como até as
datas religiosas se transformaram em um objeto capitalista.
Já na linha debaixo temos uma fila de pessoas esperando para comprar uma
blusa vermelha com os dizeres “Destrua o Capitalismo”. O artista crítica esse
posicionamento hipócrita que muitas pessoas costumam assumir. Em seu livro, Banksy
fala: “Parece que as pessoas sempre pensam que, ao se vestirem como um
revolucionário, elas não precisam agir como um de fato.” (p. 41). As pessoas não só
deixam de agir como revolucionárias como também passam a fazer exatamente aquilo
que condenam.
Pra finalizar, uma imagem que representa o sistema desigual em que vivemos:
um casal de turistas se diverte às custa das condições deploráveis que uma criança
precisa se submeter para sobreviver.
3. Considerações Finais
Ao trazer o discurso da arte para o meio da rua e coloca-la presente para o um
público que muitas vezes não tem consciência ao que serão expostos, os artistas
constroem uma prática social com um alcance muito grande. As obras desses artistas
contribuem de maneira significativa para a construção da identidade social dos espaços
que e tem um efeito nas pessoas muito maior do que elas imaginam.
Banksy, sendo uma das maiores vozes desse movimento, tendo resguardado sua
verdadeira identidade há mais de uma década, se exime não só das consequências legais
da sua arte, mas também de ser julgado pelas suas atitudes privadas que possam
invalidar o que ele veio construindo até hoje. Isso resulta num discurso muito mais forte
e dificilmente questionável. Essa condição especial de Banksy o torna um dos poucos
exemplos que temos de alguém que conseguiu, efetivamente, desenvolver um discurso
artístico e profissional à parte do seu discurso particular.
4. Referências Bibliográficas
BANKSY. Wall and Piece. Alemanha: Editora Century, 2005.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: UnB, 2001.
SCHNEEDORF, José. A LENDA URBANA DE BANKSY NO NOMADISMO E
NA ABSORÇÃO DOS MUROS EXPOSITIVOS. In: Revista Palídromo 2. Minas
Gerais. Disponível em
<http://ppgav.ceart.udesc.br/revista/edicoes/2processos_artisticos/
2_palindromo_schneedorf.pdf>
SOUZA E SILVA, Rudrigo Rafael. A Arte, o Discurso e a Cidade. Disponível em
<http://www.ppgau.ufba.br/urbicentros/2012/ST150.pdf>