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ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES
COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS
Valéria Metroski de Alvarenga (UDESC)
RESUMO O presente artigo parte de uma pergunta: como as Artes Visuais podem intervir junto a crianças e adolescentes com transtornos psíquicos? A partir desta, fizemos uma intervenção artística realizada com crianças e adolescentes que apresentavam algum sofrimento/transtorno psíquico. Esta intervenção, realizada em 2011, resultou no TCC de Artes Visuais (licenciatura) da autora deste artigo. O principal objetivo foi proporcionar uma experiência artística a esse público, a partir da experimentação de materiais e da compreensão da arte como canal expressivo. Foram utilizadas cinco linguagens das Artes Visuais – desenho, pintura, gravura, escultura e fotografia – explorando recursos materiais a partir da base de cada linguagem artística. Palavras-chave: Artes Visuais. Transtornos psíquicos. Intervenção artística. ABSTRACT: This article is part of a question: how can the Visual Arts intervene with children and adolescents with mental disorders? From this, we made an artistic intervention conducted with children and adolescents who had some pain/mental disorder. This intervention, conducted in 2011, resulted in the CCW (Conclusion of Course Work) Visual Arts (degree) of the author of this article. The main objective was to provide an artistic experience this audience, from the experimentation of materials and understanding of art as expressive channel. We used five languages of Visual Arts - drawing, painting, printmaking, sculpture and photography - exploring material resources from the base of each artistic language. Keywords: Visual Arts. Psychological disorders. Artistic intervention. Introdução
A intervenção pedagógica, com o apoio de atividades artísticas junto a grupos
de crianças e adolescentes com transtornos psíquicos, visa proporcionar uma
contribuição a mais em sua formação, de modo a ampliar suas perspectivas e, por
extensão, talvez vir a facilitar/contribuir em seu processo de ensino-aprendizagem e
em sua constituição enquanto sujeitos.
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A intervenção foi realizada na instituição denominada Serviços e Programas
para Crianças e Adolescentes (SERPIÁ), localizada na cidade de Curitiba (PR). A
atividade foi realizada no segundo semestre do ano de 2011.
Do ponto de vista metodológico, elaboramos planos de aula levando em
consideração as exigências do local onde foi realizada a intervenção artística, a
saber: promover uma intervenção mesmo desconhecendo o diagnóstico de cada
criança e/ou adolescente, assim como utilizar o espaço da brinquedoteca, sem lhes
mostrar imagens nem lhes ensinar técnicas. A partir destas exigências, o mais
apropriado foi trabalhar com a livre expressão explorando a base de cinco
linguagens artísticas através da experimentação e não através da transmissão da
informação.
Do ponto de vista teórico, inicialmente abordamos, de forma sucinta, as
seguintes questões “o que é livre expressão na arte?” e também “o que se entende
por transtornos psíquicos?”. Utilizamos a definição de Pareyson, o qual concebe a
arte como fazer, conhecer e exprimir. Detivemo-nos neste último aspecto para tentar
responder à primeira questão. Quanto à segunda questão, nós utilizamos o DSM IV1
para compreendermos a abrangência dos transtornos psíquicos em seus aspectos
gerais.
O objetivo geral é analisar uma experiência de intervenção pedagógica, com o
apoio de atividades artísticas em artes visuais, com crianças e adolescentes que
apresentam transtornos psíquicos, a partir da experimentação de materiais e da
compreensão da arte como canal expressivo, buscando conhecer a linguagem que
mais interessa essas crianças e quais seus motivos/temas de representação. A
justificativa que encontramos para a escolha deste público é que, na experiência
docente2 da autora deste artigo, constantemente ocorreu o contato direto com
educandos com necessidades educacionais especiais em processo de inclusão
escolar, dentre eles, alguns que tinham diagnóstico de transtornos psíquicos. Desta
1 O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM) é um manual para profissionais da área da saúde mental que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los, de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA). É usado ao redor do mundo por clínicos e pesquisadores. 2 Lecionou a disciplina de Arte na rede pública de ensino de 2009 até meados de 2013.
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experiência surgiu uma necessidade: conhecer de modo mais abrangente as
características desses educandos com necessidades especiais de modo a poder
saber como a arte pode contribuir para seu processo de subjetivação e
inclusão/participação social.
1. Arte e livre expressão
O que é livre expressão em arte? Para responder tal pergunta nos utilizaremos
de alguns conceitos já estabelecidos. Segundo Pareyson (1984) há três definições
tradicionais de arte: (i) a arte como fazer; (ii) a arte como conhecer; e (iii) a arte
como forma de expressão. Estas concepções estão em constante contradição e às
vezes se aliam ao longo da história. De acordo com este autor, na antiguidade
tivemos o predomínio da primeira concepção e valorizava-se o aspecto manual,
executivo. No decorrer dos séculos foram valorizados (as) as outras concepções e
em diversos momentos os três modos. Deteremo-nos no último aspecto, a saber,
arte como exprimir.
“A expressão livre ou espontânea é a exteriorização sem constrangimento das
atividades mentais do pensamento, sentimento, sensação e intuição.” (READ, 1958,
p.139). Para este autor a livre expressão não é um fazer por fazer, sem significação;
muito pelo contrário, o pensamento, sentimento e conhecimento anterior da pessoa
vêm à tona quando ela não tem nenhum direcionamento. Portanto, o foco neste
modo de pensar a arte está no mundo interior do artista e na sua expressão
subjetiva. Considera-se toda a sua vivência/conhecimento e experiência de mundo.
Por este motivo, a liberdade, a espontaneidade, a não interferência durante a
atividade artística permite a exteriorização de sentimentos e conhecimentos diversos
que só acontecem através da experimentação. O que, infelizmente, determinados
direcionamentos não permitem.
Quando a criança ainda está conhecendo o mundo, ela o representará
livremente, do modo como o imagina e consegue. Porém, quando ela é incentivada
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a adotar modos padronizados, começa a perder sua criatividade e tende a se
adequar a representações pré-existentes, afinal: São atividades pré-solucionadas que obrigam as crianças a um comportamento imitativo e inibem sua própria expressão criadora; esses trabalhos não estimulam o desenvolvimento emocional, visto que qualquer variação produzida pela criança só pode ser um equívoco; não incentivam as aptidões, porquanto estas se desenvolvem a partir da expressão pessoal. (Lowenfeld & Brittain, 1977 in ZANIN, 2004).
Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta
mecânica, pressupõem respostas específicas de modo que termina por prejudicar
sua criatividade e sua expressão pessoal, limitando-a em sua espontaneidade. O
fazer artístico da criança está interligado com seu desenvolvimento, sua percepção e
emoção. Miranda (1988) cita Lowenfeld, o qual diz que ao mesmo tempo em que a
criança cria, ela confronta suas próprias experiências. E assim se liberta de tensões.
Mas a arte não apenas alivia a tensão emocional, mas também ajuda a organizar
pensamentos e sentimentos, usando os materiais como criação, e possibilitando
recriar assim seu próprio mundo. “Nas artes plásticas a representação de formas, o desenvolvimento global cursam paralelamente. O estado evolutivo e as qualidades de caráter, os transtornos e os desvios se manifestam de forma singularmente clara, não só no conteúdo, mas também na forma de produção”. (MIRANDA, 1988, p. 29)
Conforme a criança se desenvolve, adquire conhecimento sobre o mundo e o
representa através de símbolos. Uma criança com transtornos psíquicos, na maioria
das vezes, também passará por esse processo de simbolização. Em geral, as
crianças, tidas como normais, também sentem dificuldade para aprender e muitas
vezes por mais que estabeleçamos modos diferenciados de abordagem, algumas
demoram um pouco mais que outras para se desenvolverem. Se pensarmos nas
crianças com transtornos psíquicos, elas terão um tempo um tanto mais diferenciado
para essa apropriação, dado que seu modo de perceber o mundo é divergente.
De acordo com Violet Oaklander (1980), em seu livro Descobrindo crianças, a
criança, diferentemente do que a maioria de nós pensa/imagina/representa, tem uma
infância difícil, pois vive e experimenta momentos de conhecimento e adaptação a
um mundo novo e cheio de regras. No meio disso tudo existem sentimentos que
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afloram, de modo que vários deles não conseguem ser controlados ou exteriorizados
de uma maneira que se considera dentro de parâmetros da assim denominada
“normalidade”. Nesses casos essa criança é encaminhada para um tratamento. Esse
tratamento pode ajudá-la a entender-se e a expressar-se melhor. Muitas vezes os
recursos utilizados para isso provêm da arte. Nesse caso, o trabalho artístico
deve/deveria servir para auxiliar uma melhor compreensão de mundo da pessoa
tratada. O fato de estas pessoas apresentarem transtornos psíquicos não impede
que aprendam a fazer arte de outro modo que não o expressivo. Só que o tempo
que elas levarão para assimilar conceitos básicos de arte pode variar de acordo com
o grau e o tipo do transtorno psíquico que apresenta. Mas, o que é um transtorno
psíquico? Como ele pode se caracterizar?
2. O que se entende por transtorno psíquico?
Segundo a Organização Mundial da Saúde o transtorno psíquico pode ser
momentâneo ou permanente3. No primeiro caso um comportamento “anormal” pode
ser decorrente de um trauma ou uma perda de um parente, por exemplo, mas após
um período a pessoa volta ao seu estado “normal”. No segundo caso esse
comportamento “anormal” é persistente/recorrente ou permanente. Geralmente
resulta de certa deteriorização ou perturbação do funcionamento pessoal ou em
outras esferas da vida, tal como dificuldade extremada nas relações sociais.
Abordaremos um pouco sobre um grupo específico de transtornos que são os que
mais frequentemente acometem crianças e adolescentes que estão em situação de
inclusão nos colégios: os TGDs.
3 Baseado na Organização Mundial de Saúde – OMS - ONU, entendem-se como Transtornos Mentais e Comportamentais as condições caracterizadas por alterações mórbidas do modo de pensar e/ou do humor (emoções), e/ou por alterações mórbidas do comportamento associadas a angústia expressiva e/ou deterioração do funcionamento psíquico global. Os Transtornos Mentais e Comportamentais não constituem apenas variações dentro da escala do "normal", sendo antes, fenômenos claramente anormais ou patológicos. Disponível em: http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=230. Acesso em: 29/09/2013.
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O significado da sigla TGD nada mais é que Transtornos Globais do
Desenvolvimento. Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais - DSM IV (2008, p. 98), os Transtornos Globais do Desenvolvimento
caracterizam-se por um comprometimento grave e global em diversas áreas do
desenvolvimento: habilidades de interação social recíproca, habilidades de
comunicação ou presença de estereotipias de comportamento, interesses e
atividades. Os prejuízos qualitativos que definem essas condições representam um
desvio acentuado em relação ao nível de desenvolvimento ou idade mental do
indivíduo. Esta seção abarca Transtorno Autista, Transtorno de Rett, Transtorno
Desintegrativo da Infância, Transtorno de Asperger e Transtorno Global do
Desenvolvimento Sem Outra Especificidade. Esses transtornos em geral se
manifestam nos primeiros anos de vida. Os Transtornos Globais do
Desenvolvimento são observados, por vezes, acompanhando um grupo de várias
outras condições médicas gerais (p.ex., anormalidade cromossômicas, infecções
congênitas e anormalidades estruturais do sistema nervoso central). A maioria
desses transtornos é vitalícia, podendo ou não sofrer alterações conforme idade e
influências diversas. Os critérios que diferenciam um transtorno de outro estão
ligados à predominância de sexo, quando e como se manifestam as características
específicas. A partir das características gerais das crianças que apresentam alguns
transtornos psíquicos, tais como dificuldade na comunicação, distração, reação
psicológica anormal, entre outros, vimos que um modo sistemático não é o mais
apropriado para esse tipo de intervenção artística, além de termos a restrição da
instituição quanto a este método. Dito isso, falaremos agora sobre a instituição
cedente, público alvo e algumas particularidades do funcionamento do SERPIÁ.
3. Intervenção artística
A instituição Serviços e Programas para Crianças e Adolescentes – SERPIÁ,
localizada na cidade de Curitiba (PR), nos cedeu espaço para a intervenção
pedagógica de caráter artístico em sua Brinquedoteca. A Associação foi criada, em
2003, por um grupo de profissionais que tinham o intuito de oferecer atendimento
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multidisciplinar clínico-terapêutico de qualidade para crianças e adolescentes com
transtornos psíquicos4.
As crianças que participaram das atividades estavam na faixa etária de 3 a 17
anos. Muitas delas moram em abrigos, algumas não frequentam a escola, foram
desligadas dos pais por motivos diversos, desde casos como morte até situações de
encarceramento. Algumas crianças e adolescentes fugiram diversas vezes do abrigo
e foram encontradas; outras foram adotadas. Várias delas têm uma família e
condições financeiras razoáveis, porém apresentam dificuldades diversas no
colégio. Outras fazem acompanhamento devido à separação dos pais, entre muitos
outros motivos que não tivemos acesso. A forma de denominação utilizada pela
Instituição SERPIÁ abrange casos que não apresentam a caracterização clássica de
TGD, embora apresentem pautas de dificuldade de interação social.
Uma condição particular da instituição é que esta não costuma partir do
diagnóstico para atuação com as crianças e adolescentes. Eles optaram por
descobrir, aos poucos, o meio de ajudar as crianças e adolescentes, a partir de
brinquedos e jogos, evitando assim partir de um “rótulo” inicial. Devido a esse modo
de atuação da instituição escolhida, e por não ter sido possível o acesso a
informações clínicas das crianças e adolescentes atendidos, não foram
especificadas as características dos casos, tendo sido possível apenas mostrar
algumas características que estiveram presentes no grupo que a autora optou por
trabalhar, tais como: indiferença, falta de concentração, dificuldade na
aprendizagem, relações alteradas, dificuldades perceptivas, falta de comunicação,
extrema ansiedade, pânico, comportamento agressivo, reação psicológica anormal,
compreensão insuficiente da informação visual, perturbação afetiva, resistência a
mudanças, entre outras características que encontramos durante o processo.
Levamos em consideração a criança e/ou adolescente, seus anseios, sua
curiosidade, sua motivação. Estabelecemos como critério o respeito no caso dos
mesmos não desejarem realizar determinada atividade artística ou pretenderem
4 A instituição opta por uma denominação mais ampla: sofrimento psíquico.
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interrompê-la em pleno processo de ação. Nossa intervenção foi regida pelo canal
expressivo, mas ainda assim com direção e objetivos. Pois, delimitamos o material e
a partir deste explorarmos possibilidades básicas das linguagens visuais, tais como:
as possibilidades da linha no desenho, da cor na pintura, da repetição na gravura, do
volume na escultura e dos enquadramentos na fotografia.
4. considerações gerais sobre a intervenção
Como a instituição cedente não parte do diagnóstico, mas sim o constrói ao
longo de observações e atividades, valorizando as especificidades dos
frequentadores da instituição, consideramos um modo de “ensino” genérico, o qual
pudesse servir para todas as crianças e/ou adolescentes que quisessem participar.
Essa “metodologia” se baseia no seguinte pensamento:
A experiência educativa é, para Dewey, reflexiva, resultando em novos conhecimentos. Deve seguir alguns pontos essenciais: que o aluno esteja numa verdadeira situação de experimentação, que a atividade o interesse, que haja um problema a resolver, que ele possua os conhecimentos para agir diante da situação e que tenha a chance de testar suas ideias. Reflexão e ação devem estar ligadas, são parte de um todo indivisível. (CAMPUS, 2011, p. 15).
Nossa intervenção pretendeu seguir alguns dos apontamentos descritos
acima. As crianças e/ou adolescentes foram levados a experimentar os materiais
diversos que estavam disponíveis para cada linguagem artística, podendo manipulá-
los do modo que achassem melhor. Cada material requeria uma abordagem
diferenciada, então a criança e o adolescente tiveram diferentes problemas para
resolver, a partir de sua própria escolha. Foi-lhes possível testar e modificar a forma
quantas vezes quisessem ou enquanto o material permitisse. A experimentação e o
processo eram mais importantes que o produto final. Pois, “(...) pretende-se
desenvolver ao máximo suas habilidades e competências, favorecer seu bem estar
emocional e seu equilíbrio pessoal. (...) Ao mesmo tempo deve-se considerar as
severas limitações de interação, comunicação e linguagem (...).” (BEREOHFF, 1995,
p. 213)
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Apesar de o material limitar e direcionar a atividade, as crianças e
adolescentes podiam se expressar livremente. Na maioria das vezes a realização
das atividades ocorreu da seguinte maneira: disponibilizávamos os materiais na
mesa e começávamos a fazer algo com eles, algumas crianças ficavam curiosas e
vinham perguntar o que estávamos fazendo, dizíamos e as convidávamos para fazer
também, mostrando os materiais e deixando-a livre para escolher. Alguns diziam
não e saiam. Alguns só observavam. Outros vinham com tanta “ansiedade” para
realizar a atividade que acreditávamos que isto era devido aos materiais, de modo
que nem conseguíamos conversar com elas de forma adequada/adequadamente ou
impedi-las de sujar a roupa. Alguns paravam a atividade pela metade porque eram
chamados para o atendimento e quando saíam de lá já não queriam continuar a
atividade e escolhiam outra coisa para fazer. Alguns que já tinham participado da
proposta, a partir do segundo dia já vinham perguntando: “O que você trouxe que
legal hoje?” E participavam das atividades com muita empolgação. No espaço da
brinquedoteca havia crianças realizando atividades constantemente, pois existiam
jogos e brinquedos diversos que lhes chamavam a atenção. Além do mais, as
mesmas não tinham obrigatoriedade de participar da atividade artística. Por este
motivo, alguns experimentavam, ficavam poucos minutos e iam fazer outra coisa que
chamava a atenção deles por tudo estar funcionando ao mesmo tempo e não haver
nenhuma obrigatoriedade de continuar o que eles começavam.
5. Especificidade das linguagens e resultados alcançados
A intervenção artística consistiu na exploração de cinco linguagens das artes
visuais através de materiais alternativos. Logo abaixo, descreveremos as linguagens
específicas trabalhadas, as impressões que tivemos e os resultados alcançados.
Linguagem: Pintura; Base: Cor; Objetivos: Criar misturas de cores,
perceber diferentes texturas, observar relação entre as cores. Materiais: papéis
coloridos, papel celofane, papel espelhado, tinha guache, tinta de tecido, sulfite,
jornais, pincéis, rolos e copos com água. Caraterísticas gerais da pintura: Algumas
crianças, ao realizar a pintura, fizeram coisas parecidas, tais como demostrar
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interesse pelo jornal que estava sendo usado como proteção na mesa, pintando
partes dele ou cobrindo figuras. Outra coisa que apareceu na pintura foi a ideia de
gravura alternativa, como pegar a pintura pronta, ainda úmida e “imprimir” noutra
folha. Além de usar uma parte da mão como matriz e a repetição da forma. Muitos
se interessaram pela pintura. Alguns ficaram admirados com a mistura de cor
formada no copo em que os pincéis foram lavados. Temos duas imagens para
ilustrar o processo e o resultado da atividade de pintura.
Linguagem: Desenho; Base: linha; Materiais: papéis, lápis de escrever,
arame artesanal colorido, lãs, tecidos, papel camurça, papel crepom, sulfite A3, cola
e tesoura. Objetivos: Utilizar a linha (base do desenho) de diferentes modos,
compreendendo os conceitos, além do “rígido” e fixo, a linha virtual, a linha “mole”
através do barbante ou fios de lã. Características gerais do desenho: Algumas
crianças se interessaram pelos tecidos coloridos, pelas lãs e pelo arame. A maioria
delas quis fazer atividades com o arame. Mostramos como fazer a base para
aqueles que comentaram ter visto trabalhos com arame que se tornam estábiles.
Muitos se interessaram, acreditamos que por esse motivo começaram a copiar uns
aos outros. Não apenas na base, mas também na forma – coração. Outras se
interessaram pelos tecidos, recortando ou costurando da maneira que melhor lhes
convinha. O desenho, na forma tradicional que conhecemos, com grafite e papel,
serviu apenas de base para outros projetos. Logo abaixo, temos duas imagens para
mostrar modos alternativos de pensar a linha.
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Linguagem: Gravura; Base: repetição, impressão; Materiais: isopor,
rolinhos, tinha guache, rolo de macarrão, sulfite, lápis e palito de dente. Objetivo:
Realizar a experimentação de materiais, produzir diversas cópias como um carimbo;
entender a repetição; a ideia de uma matriz. Características gerais da gravura: No
início, muitas crianças ficaram curiosas e vieram realizar a atividade, porém grande
parte delas fazia uma pequena intervenção na matriz e logo queriam passar para a
próxima etapa - impressão. Mas alguns colocavam tinta demais e outros colocavam
pouca tinta e nosso sistema de impressão com o rolo de macarrão não era o dos
melhores, então muitos trabalhos não tiveram o resultado desejado pelos autores.
Consideramos que devido aos motivos acima citados, muitos desistiram depois da
primeira cópia e a maioria demonstrou não gostar do resultado. A maior parte das
crianças não se preocupava com a imagem, faziam um ou dois pontos em poucos
minutos porque queriam ver a impressão. Apenas duas crianças quiseram levar a
matriz, mas não quiseram o resultado impresso. Abaixo temos uma matriz e uma
impressão para exemplificar os resultados.
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Linguagem: Fotografia; Base: luz; Materiais: câmera fotográfica, tecidos
coloridos e apetrechos diversos. Objetivos: Tirar fotos (detalhes e grande plano),
em movimento ou imagens sequenciais. Imprimir e manipulá-las, recortar e colar,
pintar, interferir na imagem registrada de alguma forma. Características gerais da fotografia: A fotografia foi aceita por várias crianças, até mesmo por aquelas que
não participaram de nenhuma outra atividade proposta. Porém, os adolescentes
tinham vergonha de serem fotografados, mas queriam fotografar. Fizemos uso de
tecidos coloridos e adereços diversos que havia na instituição. A pedido de duas
adolescentes foi realizado um vídeo com elas cantando e dançando. Alguns pais
tiraram fotos e quiseram ser fotografados. A maioria dos que participaram da
fotografia foram meninas adolescentes. Abaixo temos duas fotografias tiradas por
elas.
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Linguagem: Escultura; Base: volume; Materiais: argila, sabão em pedra,
arame, palitos de dente, palitos de sorvete e canudinhos; Objetivo: Realizar e
compreender diversas formas de organizar e moldar o material a partir de suas
características. Desenvolver diversos modos de realização de uma escultura: aditiva,
subtrativa e construtiva. Características gerais de escultura: Nesta linguagem
ocorreu o mesmo que na linguagem do desenho, num certo momento, um começou
a imitar o outro. A argila foi bastante utilizada. Algumas crianças usaram o sabão e
até a argila como se fosse uma superfície plana e começaram a “desenhar” com
palito de dente. Alguns faziam quatro ou cinco formas diferentes e desmanchavam e
um deles demorou quase duas horas para realizar uma forma relativamente simples
(pirâmide). Nessa linguagem a maioria fez mais de uma escultura e exploraram
vários materiais. Abaixo temos duas esculturas para exemplificar o resultado desta
linguagem.
Vimos, de modo geral, os resultados obtidos através de cada linguagem
artística. Pudemos perceber o grande interesse do grupo pela escultura e fotografia.
Também vimos a imitação entre eles de temas e formas no desenho e na escultura.
Além da ansiedade de querer imprimir a gravura para ver o resultado e a decepção
da maioria após a primeira impressão. Bem, vejamos agora algumas observações
mais amplas referentes a análise dos resultados obtidos.
6. Análise dos resultados a partir de determinados objetivos
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Algumas das limitações com os quais a autora da intervenção teve que lidar
para que a criança e o adolescente não deixassem de participar foram:
hiperatividade, falta de atenção, indecisão demasiada, lentidão, ansiedade
exagerada, falta de coordenação motora, autoritarismo, interesse e desinteresse
alternados num curto espaço de tempo.5 Apesar das características individuais das
crianças e adolescentes que frequentam a instituição cedente (SERPIÁ),
consideramos que a grande maioria que participou das atividades conseguiu se
expressar de acordo com sua vontade, fazendo uso dos diferentes materiais e
obtivemos muitos trabalhos artísticos com qualidade formal e expressiva. Faremos uma análise da intervenção artística enumerando alguns objetivos
que nos propusemos a alcançar, tais como: oportunizar aos educandos a expressão
de seu universo subjetivo através de suas criações em cinco linguagens das Artes
Visuais e oferecer aos educandos a livre experimentação dos materiais. Podemos
dizer que isso foi alcançado de modo satisfatório, pois não apenas várias crianças e
adolescentes demonstraram interesse, como também pais e brinquedistas da
instituição puderam realizar as atividades livremente.
Quanto ao objetivo de aprofundar conhecimentos sobre os casos de
transtornos psíquicos mais comuns ali atendidos, avaliando os limites e as
possibilidades de trabalho de artes visuais com os mesmos, não foi possível
realizarmos, pois a Instituição cedente não parte do diagnóstico.
Conseguimos perceber semelhanças e diferenças no motivo/tema da criança
e do adolescente nas linguagens artísticas exploradas/trabalhadas. Também foi
possível vermos que alguns tendiam para ideias/fantasias sobrenaturais. Por
exemplo, um deles, se valendo das quatro linguagens, fez imagens relacionadas a
temas egípcios, exceto em fotografia. Assim, foi possível compreender, em alguns
momentos, como ocorre o processo de criação a partir de algumas características
individuais das crianças e adolescentes, pois uns demoravam muito a realizar a
atividade, outros a fazia muito depressa, outros iam agregando materiais até
5 Além da dificuldade de compreensão, por parte de alguns frequentadores, dos “procedimentos técnicos” exigidos por alguns materiais, o que apareceu muito claramente na linguagem da gravura.
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descaracterizar os modelos anteriores; outros, devido à diversidade do material,
ficavam muito indecisos e nem chegavam a realizar a atividade, mas só falavam
sobre o que gostariam de fazer; outros começavam e viam que não conseguiam
realizar do modo que imaginavam e desistiam. Conseguimos perceber claramente
em cada participante o interesse e desinteresse pelas diferentes linguagens. Assim
como o interesse repentino e a desistência por não conseguir um bom resultado, na
primeira tentativa, ou quando eram interrompidos por algum motivo. E também o
interesse atípico por algumas coisas tidas por alguns como banais, como por
exemplo: a água suja onde foram lavados os pincéis, ou, o jornal, que tinha por
finalidade não sujar a mesa ser mais interessante e convidativo para algumas
crianças e adolescentes, que os materiais disponíveis. Todas estas manifestações
denotaram potencialidades importantes para o processo criativo.
Em alguns momentos enquanto algumas crianças/adolescentes faziam seus
trabalhos artísticos, eles começavam a brincar6 com o material, fazendo uso do
malabarismo, do jogo das “cinco marias” e dos cubos de argila. Vimos que em certos
momentos, e para algumas crianças e adolescentes, o momento de criação era mais
um brincar com o material, do que uma preocupação com o processo técnico.
Percebe-se, portanto, que este é um aspecto valorizado pelo mundo dos adultos,
não fazendo parte da preocupação das crianças e dos adolescentes, que se
interessam mais pelo prazer do brincar do que com o produto obtido.
Como vimos acima, uma das características das crianças que apresentam
transtornos psíquicos é a dificuldade de comunicação. O caso da intervenção ora
relatada, o material em si foi um meio de relacionamento. Segundo Miranda, (1988,
p. 39) o material é estimulante e envolvente. “No caso da pintura, pelas suas cores e
textura, e no caso da modelagem pela sua maleabilidade, textura e aspecto rústico
natural”. Mas além desses materiais, o fato da criança ter à sua disposição diversas
possibilidades, tais como linhas, tintas, argila, tecidos com cores, formas e texturas
6 A dimensão lúdica manifesta por participantes desta Intervenção nos levam a seguinte reflexão: o que é um bom brinquedo? Um bom brinquedo pode ser qualquer coisa, do mais simples ao mais complexo, até uma pessoa ou um objeto que não tem por função ser um brinquedo. O que vai caracterizar um brinquedo é a manipulação, o interesse, a motivação da pessoa ao utilizá-lo.
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variadas, contribuiu no interesse em relação à produção e manipulação dos
mesmos.
7. Considerações finais
Consideramos que nossos objetivos foram alcançados, pois obtivemos uma
boa recepção do grupo escolhido, conseguimos trabalhar todas as linguagens
propostas com a exploração de materiais e percebemos as diferentes características
individuais dos participantes e como isso alterou o resultado final do trabalho, além
de vermos o caráter lúdico com que muitos encararam os materiais. O importante é
que o grupo teve acesso a cinco linguagens das artes visuais e puderam mostrar
seus interesses, sentimentos e conhecimentos através da manipulação dos
materiais. Portanto, vemos que a livre expressão em arte para esse público
específico pode nos revelar muitos aspectos sobre suas características psíquicas.
Não esquecendo, vale ressaltar, que o processo é mais importante que o resultado
final. Sendo assim, vimos que a arte pode intervir de maneira positiva no processo
de socialização/comunicação destes indivíduos.
8. Referências
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Valéria Metroski de Alvarenga Mestranda em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) na linha de pesquisa Ensino da Arte. Especialista em Docência no Ensino Superior (UNICID), Metodologia do Ensino da Arte (UNINTER) e Arte Terapia (ITECNE). Graduada em Artes Visuais licenciatura e bacharelado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).