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DIZE-ME COMO RESENHAS E TE DIREI QUEM ÉS: POSICIONAMENTO ENUNCIATIVO EM RESENHAS PRODUZIDAS POR ALUNOS DE EM E
ACADÊMICOS
Aloma Daiany Varela Farias - UFRN
Vanessa Fabíola Silva de Faria - UFRN
André Anderson Cavalcante Felipe - UFRN
Este trabalho é parte da pesquisa de mestrado desenvolvida no programa de
pós-graduação em Estudos da Linguagem, da UFRN, sob orientação da professora
doutora Maria das Graças Soares Rodrigues, cujo objetivo central é delinear quais
estratégias discursivas são mobilizadas por alunos do ensino médio para se
posicionarem sobre sua escrita, assumindo (ou não) o conteúdo proposicional de seus
enunciados, assim, este artigo apresenta pesquisa em andamento, com a proposta de
analisar a responsabilidade enunciativa (RE) em textos produzidos por alunos do 2º ano
do EM de uma escola pública no interior do RN contrapondo-se à RE em textos
produzidos por alunos de graduação em Letras. Escolhemos o gênero resenha por
considerar que a resenha é um dos gêneros acadêmicos com os quais os alunos, uma vez
ingressos nos cursos de graduação, terão de lidar. Assim, familiarizá-los com os gêneros
acadêmicos se revela como uma ferramenta pedagógica relevante e capaz de revelar
como se posicionam, enquanto enunciadores, diante de suas proposições.
Neste trabalho, em específico, procuramos rastrear, nos textos selecionados,
quais marcas linguísticas apontam para a assunção da responsabilidade enunciativa (RE)
na escrita de resenhas críticas escritas por graduandos e de, outro lado, por alunos que
ainda não fazem parte da vida acadêmica , concluindo que algumas categorias de análise
podem ser propostas como estratégias discursivas para o engajamento enunciativo,
dentre elas a o julgamento (ou apreciação), a adjetivação e, por fim, o uso de dêiticos
(como os pronomes de 1ª pessoa), categoria mais privilegiada neste trabalho, porque nos
permite também discutir a presença pronominal do autor no gênero resenha como um
assunto controverso, uma vez que no discurso acadêmico essa presença do eu (bem
como da partícula “se” em construções passivas) é um tabu (cf. Reutner, 2012).
A pesquisa se situa no campo da Linguística onde se imbricam pressupostos
da Linguística Textual (LT), da Análise Textual dos Discursos (ATD) e dos estudos
sobre gêneros. Na análise das resenhas, o fio condutor a guiar as reflexões propostas
são os conceitos e categorias formuladas no quadro teórico da ATD, especialmente os
conceitos relativos à responsabilidade enunciativa (RE), dentre os quais destacam-se as
noções de mediativo, enunciação mediatizada, e PdV.
1. A Análise Textual dos Discursos (ATD)
Este tópico se ocupa da apresentação da Análise Textual dos Discursos (ATD),
proposta por Adam (2011) e situada num campo mais amplo da Linguística Textual. A
abordagem teórico-metodológica, proposta na ATD, se configura como uma resposta às
demandas impostas na análise de textos, alicerçada num conjunto de reflexões teóricas e
epistemológicas que permitem estabelecê-la no campo da Linguística de Texto, por sua
vez, inscrita, nas reflexões deste autor, no campo mais vasto das análises das práticas
discursivas (Adam, 2011, p.24).
Feitas essas poucas considerações iniciais, apresentaremos, na sequência,
algumas das principais noções da ATD, primeiramente seu modelo textual-discursivo,
compreendido em níveis, depois uma breve descrição dos níveis que compõem a
dimensão textual neste modelo, e por fim, uma descrição um pouco mais detalhada do
nível específico que nos importa neste trabalho: a Responsabilidade Enunciativa.
1.1 O modelo textual da ATD (os níveis dos discursos)
Uma das principais contribuições de Adam (2011) é, sem sombra de dúvida, a
proposta de articulação entre texto, discurso e gênero, base para a redefinição dos
campos de domínio da Linguística Textual e da Análise do Discurso.
O autor concebe as três dimensões, a saber, texto, discurso e gênero,
interrelacionadas e imbricadas em níveis, como se pode visualizar no esquema 1 (Adam,
2011, p.61) transcrito abaixo:
Nesta representação, o discurso é compreendido como uma instância mais
ampla onde se encerram gêneros e textos. Tal representação se configura,
evidentemente, como uma abstração, que deveria ser compreendida não num plano
bidimensional, mas num plano tridimensional; do modo possível de se representar,
parece que se trata de encaixamentos, quando, na verdade, não é desta maneira que o
autor concebe. Adam concebe essas dimensões numa relação dinâmica e articulada. No
nível do discurso compreendem-se a intencionalidade, objetivos de comunicação
linguisticamente expressos pelos atos ilocucionários, realiza-se numa determinada
formação sociodiscursiva, cujo socioleto é partilhado pelos membros da mesma
comunidade discursiva1, e mediada pelos gêneros, ou como sintetizado pelo autor:
“Toda a ação de linguagem inscreve-se, como se vê, em um dado setor social, que deve 1 Consideramos bastante conveniente, aqui, o conceito de comunidade discursiva postulado por Swales (1990, p.9) para quem a noção de comunidade discursiva diz respeito aos usos da língua e dos gêneros em contexto profissional, de modo que os membros de uma dada comunidade compartilham um maior conhecimento de suas convenções : [comunidades discursivas são]redes sócio-retóricas que se formam de modo a trabalhar por um conjunto de objetivos comuns. Uma das características que os membros estabelecidos dessas comunidades discursivas possuem é a familiaridade com os gêneros específicos que são usados na busca comunicativa destes conjuntos de objetivos (Swales, 1990, p.9).
FORMAÇÃO SOCIODISCURSIVA
INTERAÇÃO SOCIAL AÇÃO DE LINGAGUEM(VISADA, OBJETIVOS)
N1N2N3
INTERDISCURSOSocioletosIntertextosGÊNERO(S)
TEXTOS
Textura (proposiçõesenunciadas e Períodos) (N4)
EstruturaComposicional(sequências e planos de textos)(N5)
Semântica(representaçãodiscursiva)(N6)
Enunciação(responsabilidadeenunciativa) e coesão polifônica(N7)
Atos de Discurso(ilocucionários)E orientação argumentativa (N8)
NÍVEIS DA ANÁLISE DE DISCURSO
ser pensado como uma formação sociodiscursiva, ou seja, como um lugar social
associado a uma língua (socioleto) e aos gêneros de discurso.” (Adam, 2011, p.63).
Nesta perspectiva o texto se constrói a partir de um conjunto de unidades
típicas básicas heterogeneamente agrupadas de modo a formar os gêneros, elemento
articulador das dimensões textuais e discursivas. A proposta da ATD concebe o texto
formado por proposições (unidade mínima de análise, produto de um ato de enunciação,
cf. Adam, 2011, p.108), que, no conjunto, se organizam a partir de um processo sócio-
histórico de fixação, e formadas por duas dimensões: i) uma dimensão diz respeito à
configuração, e ii) a outra dimensão se relaciona à noção de sequência. O aspecto
configuracional implica em alguns pressupostos semântico-pragmáticos que funcionam
no espaço de uma dada sequência textual, forçosamente configurando-a. Por outro lado,
a dimensão sequencial diz respeito ao modo pelo qual o texto se organiza em sequências
de proposições típicas, cf. Adam (1987).
Lembramos, por fim, de que se trata de um modelo de análise ascendente, ou
seja, se postula que a partir da análise dos elementos mínimos, no nível textual, num
percurso ascendente, chegar-se-á às questões do discurso.
Idealmente um texto deveria ser analisado em todas as suas dimensões, no
entanto, não há impedimentos para que se eleja uma das dimensões para a análise. Neste
trabalho analisamos a Responsabilidade Enunciativa (N7) selecionando algumas das
categorias apresentadas por Adam (2011).
1.2 A Responsabilidade Enunciativa
Uma das principais categorias de análise da ATD, a Responsabilidade
Enunciativa (RE) se apresenta como uma das dimensões da proposição-enunciado
(junto com a representação discursiva e valor ilocucionário) que consiste em assumir
e/ou atribuir uma porção de um texto a um ponto de vista (PdV)2. Podemos
resumidamente considerar a RE como uma dimensão constitutiva do texto que permite
dar conta do desdobramento polifônico, como um posicionamento do locutor-narrador
diante de uma proposição enunciada, bem como mecanismo que permite a atribuição de
uma porção de um texto a um ponto de vista.
2 PdV é a sigla utilizada por Adam (2011), no entanto o conceito também é discutido por outros autores, que a grafam PDV (Rabatel), pdv (Nolke, Flottum e Norén).
Desta forma, um enunciado pode ser assumido (ou não) pelo locutor-narrador. O
esquema 2, abaixo ilustra a relação entre as dimensões constituintes da proposição-
enunciado:
Adam (2011) considera os termos RE e PdV como equivalentes e reconhece-os
como mecanismos de gerenciamento das vozes que circulam nos textos, situando,
assim, tais mecanismos, no âmbito da polifonia: “A responsabilidade enunciativa ou
ponto de vista (PdV) permite dar conta do desdobramento polifônico(...)” (Adam, 2011,
p.110).
1.2.1 Marcadores do escopo da RE
Segundo Adam (2011) a RE de uma proposição pode ser marcada por um
grande número de recursos linguísticos. No quadro abaixo, transcrito de Passeggi et al
(2010), encontram-se elencadas a maioria desses recursos, dentre esses escolhemos
alguns para este trabalho.
Tabela 1. Marcadores do escopo da Responsabilidade Enunciativa
Ordem
Categorias Marcas Linguísticas
1 Índices de pessoas Meu, teu/ vosso, seu2 Dêiticos Espaciais e
TemporaisAdvérbios (ontem, amanhã, aqui, hoje)Grupos nominais (esta manhã, esta porta)Grupos preposicionais (em dez minutos)Alguns determinantes (minha chegada
As três dimensões da proposição-enunciadoResponsabilidade EnunciativaPonto de Vista (PdV)B
A CRepresentação Discursiva (Rd)Conteúdo referencial ou proposicional
Valor ilucionário resultantedas potencialidades argumentativasdos enunciados [Or-Arg.]
Ligação com umcotexto anterior(dito ou implicitado)
Ligação com umcotexto posterior(dito ou implicitado)
3 Tempos verbais Oposição presente x futuro do pretéritoOposição presente x pretérito imperfeito e perfeito
4 Modalidades Modalidades sintático-semânticas maiores:Téticas (asserção e negação)Hipotéticas (real)Ficcional eHipertéticas (exclamação)Modalidades objetivas (dever, ser preciso)Modalidades Subjetivas (querer, pensar, esperar)Modalidades Intersubjetivas (imperativo, pergunta, dever, [tu/vós] poder)Verbos e Adverbios de opinião (crer, saber, duvidar, ignorar, convir, declarar que, talvez, sem dúvida, certamente, provavelmente, ...)Lexemas afetivos, avaliativos e axiológicos
5 Diferentes tipos de representação da fala
Discurso diretoDiscurso direto livreDiscurso indiretoDiscurso narrativizadoDiscurso indireto livre
6 Indicações de quadros mediadores
Marcadores como segundo, de acordo com, paraModalização por um tempo verbal como o futuro do pretéritoEscolha de um verbo de atribuição de fala como afirmam, pareceReformulações do tipo é, de fato, na verdade, e mesmo em todo casoOposição de tipo alguns pensam (ou dizem) X, nós pensamos (ou dizemos) que Y, etc.
7 Fenômenos de modalização autonímica
Não coincidência do discurso consigo mesmo (como se diz, para empregar um termo filosófico)Não coincidência entre as palavras e as coisas (por assim dizer, melhor dizendo, não encontro a palavra)Não coincidência das palavras com elas mesmas (no sentido etimológico, nos dois sentidos do termo)Não coincidência interlocutiva (como é a expressão? Como você costuma dizer)
8 Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados
Focalização perceptiva (ver, ouvir, sentir, tocar, experimentar)Focalização cognitiva (saber ou pensamento representado).
As categorias acima elencadas permitem-nos o estudo da RE (ou PdV)
materializada de formas diversas. Dentre essas possibilidades Adam (2011) considera
dois tipos de PdVs associados: o PdV anônimo da opinião comum (introduzido por
verbos dicendi na terceira pessoa do singular ou plural) e o quadro mediador (mediação
epistêmica e mediação perceptiva).
O PdV anônimo da opinião comum, associado ao distanciamento do locutor
narrador, se materializa com as operações descritas nos itens 5e 6 quadro acima.
Ainda tratando da RE, exploramos, neste trabalho, o conceito de mediativo,
outro conceito igualmente importante já que Adam (2011) concebe as marcas de RE
como formas do mediativo, termo que o autor traz dos trabalhos de Guentcheva (1994 e
1996) como categoria marcadora de uma zona textual sob dependência de mediação
epistêmica ou perceptiva. Deste modo, prosseguimos discutindo o conceito do
mediativo no tópico seguinte.
1.2.2 Mediativo (Mediatif/ Mediativité)
Recusando o termo evidentialité, Guentcheva (1996) retoma o termo mediatif,
já introduzido nos estudos linguísticos franceses desde 1956, para designar uma
categoria gramatical que permite ao enunciador referir-se a uma determinada situação
enunciativa pela qual ele não assume a responsabilidade, por não ter testemunhado o
fato enunciado e dele ter tomado conhecimento por vias indiretas, seja por ouvir dizer ,
seja por indícios que o levem a deduzir ou inferir.
Para melhor compreendermos a noção de mediativo, faz-se necessário retomar
alguns conceitos, dos quais a autora parte. A noção de enunciador, no quadro do
mediativo é de fundamental importância, uma vez que é a instância que pode se
responsabilizar pelo fato enunciado. Partindo de Bally, Desclès e Guentcheva (1997,
p.1) admitem que qualquer enunciado pode ser analisado em um “modus”, subjacente a
um “dictum”. Em sua Teoria geral da Enunciação, este autor estabelece que todo
enunciado combina a representação de um processo ou um estado, que é o dictum, mas
este dictum é afetado por uma modalidade, correspondente à intervenção do sujeito
falante, tal dimensão é o modus. A modalidade, se define, sob esta perspectiva, como
uma atitude responsiva do sujeito falante frente a um conteúdo qualquer, é um
posicionamento do locutor.
A enunciação é o ato que um sujeito realiza ao comunicar os seus pensamentos.
Pensar é “reagir a uma representação constatando-a, apreciando-a ou desejando-a”
(Bally, 1965, p.35), e a representação consiste em uma noção da realidade que cada
sujeito tem em si mesmo. Assim, um sujeito tem uma noção de realidade, criando uma
representação do mundo, dos outros e de si mesmo.
O autor ainda considera o dictum como a porção lógica do enunciado,
enquanto o modus corresponderia à porção psicológica, podendo ser entendido como a
alma do enunciado. Não por acaso o autor (1965, p.35) afirma que a modalidade, tanto
quanto o pensamento, se constituem essencialmente pela operação ativa do sujeito
falante.
Admitimos que todo enunciado contém, obrigatoriamente, uma modalidade
que permite ao locutor julgar o que uma coisa é ou não é, avaliar o desejável e o
indesejável, querer ou não querer. O modus e o dictum, são, aparentemente, duas noções
que se imbricam e são necessárias à realização de um enunciado.
É também uma relação muito estreita que mantém os termos de uma frase,
logicamente constituídos (o sujeito modal, o verbo modal e o dictum). Para Bally
(1965), um enunciado como “Eu creio que este réu é inocente” apresenta um sujeito
pensante (eu), operando um ato de julgamento (creio) sobre uma representação (a
inocência do réu). Assim, para este autor, todo enunciado é constituído de um sujeito
modal (x, o que reage), e de um dictum (a representação, ou objeto da reação).
Assentados sobre essas considerações mais gerais acerca da enunciação,
Desclès e Alrahabi (s/d), observam que a teoria da enunciação pressupõe a constituição
de um enunciado a partir de várias operações, das quais nos interessa a PEC (prise em
charge). A operação de desengajamento realizada por um enunciador consistiria em
aplicar um operador complexo, designado como modus, sobre um operante, designado
como dictum (ou relação predicativa) com a finalidade de se obter um determinado
resultado. Tal distinção entre modus e dictum não se dá no nível concreto, mas num
nível mais abstrato onde o modus e o dictum são representados por operações lógico-
gramaticais. Também Guentcheva e Desclès (1997) definem o meadiativo a partir das
relações entre o modus e o dictum:
A la suite de E. Benveniste, nous appelons “sujet énonciateur” le sujet modal qui est partie constitutive du modus. Ce sujet énonciatif prend en charge ce qui est dit - le dictum -, c’est-à-dire ce qui est exprimé par une relation prédicative. Chaque énoncé qui est la manifestation linguistique d’un acte d’énonciation est donc le résultat d’une opération complexe de “prise en charge”, soit directement, soit médiatement, par un énonciateur d’une représentation prédicative ou d’un dictum. L’opération de prise en charge est décomposable en plusieurs opérations élémentaires. La prise en charge fait nécessairement appel à l’opérateur d’énonciation , noté par “JE...DIS”, où JE désigne le sujet énonciateur et DIS un opérateur verbal d’énonciation. Cet opérateur reste souvent non exprimé directement dans les énonciations directes mais il est toujours sous-jacent aux énonciations. Le dictum tombe alors sous
l’opérateur d’énonciation “JE...DIS” ou en d’autres termes, il est opérande de cet opérateur. (GUENTCHEVA e DESCLÉS, 1997, P.1)
O mediativo se constrói a partir de uma ruptura que se estabelece na relação
predicativa. Em Culioli (1990) observamos que numa enunciação qualquer, o
enunciador valida (ou não) as relações predicativas, seja por meio de recursos sintáticos,
seja por meio de marcadores não exclusivos deste valor. Guentcheva (1994,p.9) afirma
que a categoria do mediativo é organizada em torno de três valores: fatos relatados
(quando se trata de fatos dos quais se toma conhecimento a partir do discurso de outrem,
incluindo-se aqui os rumores e o diz-que, e os conhecimento advindos da tradição:
lendas, mitos, narrativas históricas, etc..), fatos inferidos (aqueles inferidos pelo sujeito
enunciador) e fatos de surpresa (cuja constatação imprevista é motivo de surpresa para o
sujeito enunciador).
Em Guentcheva (1994, p.11) se admite que: “L’hypothèse que nous avançons
ici est la suivante: toute occurrence d’un énoncé mediatif introduit nécessairement une
situation d’enonciation médiatisée SitM qui est em rupture par rapport à la situation
d’enonciation Sit0.”. Assim, compreendemos que o valor mediativo é uma operação
sobre uma ruptura enunciativa e que SitM é referencialmente independente de Sit0. Essa
ruptura pode ser total ou afetar apenas um dos parâmetros, os enunciadores ou os
instantes. Importa-nos, então, compreender duas instâncias: um SM, um enunciador
mediatizado, fundamentalmente indeterminado, em ruptura com S0 e um TM, um
instante mediatizado, fictício, em ruptura com T0.
2. Metodologia
A metodologia se caracterizou por um estudo qualitativo, de cunho
bibliográfico-documental, enfocando as estratégias linguísticas que caracterizam a
assunção (ou não) da Responsabilidade Enunciativa, para isso se utiliza de uma
pesquisa documental, de base interpretativista, indutiva, seguindo os procedimentos da
análise documental.
Quanto à abordagem da pesquisa classificou-se como qualitativa, partindo-se
do princípio (cf. Richardson, 1989) de que a pesquisa qualitativa lida,
predominantemente, com dados qualitativos, ou seja, a informação coletada pelo
analista não se expressa por meio de números, mas pode considerá-los no tratamento
dos dados, e ainda assim, se os números e as conclusões neles baseadas representam um
papel de menor relevância classifica-se a pesquisa como qualitativa.
Nosso corpus é composto por quinze amostras de textos de um único gênero:
resenhas críticas realizadas por alunos do segundo ano do EM em situação de demanda
escolar, a saber, são atividades de avaliação de leitura da obra literária Dom Casmurro,
de Machado de Assis.
Focando as estratégias linguísticas que dão contornos à assunção da
responsabilidade enunciativa foram eleitas, neste trabalho, algumas categorias para
classificação das estratégias em todos os textos do corpus: o uso de pronomes em
primeira ou terceira pessoa do singular ou do plural, se ele se inclui na fala quando
utiliza a primeira pessoa do singular (eu) ou plural (nós) ou se se isenta quando utiliza o
“se” como índice de indeterminação do sujeito.
2.1. Estratégias de responsabilização enunciativa: as categorias de análise empregada na amostra dos dados.
Neste trabalho, nosso foco recai em uma estratégia específica de engajamento
enunciativo, demonstrado no uso da primeira pessoa, tanto na presença pronominal
quanto no uso do verbo em primeira pessoa. Também consideramos a hipótese de que a
presença pronominal é mais recorrente associada aos verbos de opinião, cf.. Reutner
(2011), desta forma, ponderamos sobre a possibilidade de incluirmos os verbos e
advérbios que expressam opinião. Estas categorias se enquadram na tabela 1
anteriormente transcrita:
Ordem
Categorias Marcas Linguísticas
1 Índices de pessoas Meu (s), minha (as), a mim, eu, nós, nosso (a, os, as)4 Modalidades Verbos e Adverbios de opinião (crer, saber, duvidar,
ignorar, convir, declarar que, talvez, sem dúvida, certamente, provavelmente, ...)
2.2 Trabalhando com os dados: Estratégias de assunção enunciativa
Como já se argumentou anteriormente, Adam observa que há inúmeras
unidades linguísticas passíveis de serem tomadas como marcadores de RE. Iniciamos
nossa análise nos detendo na categoria dos pronomes pessoais, compreendendo que tal
categoria permite a discussão que propomos aqui. Além da presença pronominal
consideramos relevante considerarmos os verbos e advérbios de opinião, seguindo
Reutner (2010, p.81): “À présent, ce pronom apparait même en liaison avec des verbes
d’opinion, une liaison qui accentue encore plus le caractère personnel de l’énoncé et
rompt complètement avec l’ancienne formule stipulant « je crois fait partie de la
religion et n’a pas de place dans la science ».”
Parece, e nosso corpus corrobora essa ideia, que a presença pronominal se faz
ainda mais presente associada aos verbos de opinião. Tal possibilidade nos fez também
considerar a hipótese de que tais alunos, ainda no Ensino Médio não tiveram contato
com o “tabu do eu” (cf. tabou du moi, Reutner, 2011) uma vez que ainda não convivem
com as convenções recomendadas como apropriadas à objetividade do trabalho
acadêmico. Uma outra hipótese, discutida por Reutner (2010) e que também
ponderamos nesse trabalho, é o fato de que a transgressão ao tabu ocorre mesmo na
escrita acadêmica, e que essa transgressão é explicada pela ideia de que a noção de
objetividade da pesquisa científica é, por si só, um mito, sendo invariavelmente
incontestável a presença de um autor. Considerando estas questões fizemos um
levantamento das ocorrências de marcas pronominais em todas as resenhas que
compõem nosso corpus, apresentadas nas dus tabelas abaixo.
Tabela 1. Marcas pronominais de primeira pessoa em resenhas de alunos do
EM
Resenha Ocorrências Pronomes
5 4 Eu ( 1 marcado, 2 elípticos), nosso
6 1 Minha
7 1 Eu (elíptico)
8 3 Eu ( 1 marcado e 1 elíptico), mim
9 3 Eu, me, minha
10 1 Eu
11 1 Eu
12 11 Eu ( 9), minha (2)
Tabela 2. Marcas pronominais de primeira pessoa em resenhas de acadêmicos
Resenha Ocorrências Pronomes
1
2
3
4
5
6
7
8
Quanto aos verbos de opinião, consideramos que a maior parte das ocorrências
de pronomes, de fato, se associa aos verbos crer, achar, bem como a expressão ter
certeza de, além desses verbos, encontramos uma recorrência ainda maior dos pronomes
associados a verbos com alto teor apreciativo, tais como gostar, adorar e impressionar-
se, demonstrando o envolvimento dos enunciadores. Some a isso o fato de não haver
sequer uma única ocorrência do “se” como partícula de indeterminação do sujeito,
assim os autores nem por um momento se valem da disjunção enunciativa, provocada
pela indeterminação do sujeito, para se desengajarem de suas proposições. Nos textos
em que não há ocorrências de marcas pronominais encontramos apenas uma breve (e ás
vezes confusa) síntese do romance, sem que houvesse uma apreciação que pudéssemos
considerar.
Apresentamos abaixo os fragmentos transcritos da forma que os alunos
escreveram, com as ocorrências de presença pronominal:
Resenha 5
Eu gostei muito do livro de Machado de Assis, porque é uma história muito interessante, que acontece muito no nosso Brasil, eu acho que nessa obra o autor não está mentindo ele está falando a verdade, e gostei mais ainda (...)
Resenha 6
Na minha opinião houve adultério sim! É óbvio.
Resenha 7
Gostei muito do livro de Dom Casmurro, (...)
Resenha 8
É muito bom! Eu já li, não achei difícil compreender... Para mim “Dom Casmurro” é um livro muito importante para a cultura brasileira (...)
Resenha 9
Na minha opinião, o livro é um clássico dos clássicos do mundo literário. (...)O livro Dom Casmurro me impressionou bastante com uma magnífica história e vários mistérios por vim.(...) Eu adorei tudo, o livro é ótimo!
Resenha 10
Eu achei esse Romance brasileiro de Machado de Assis muito interessante (...)
Resenha 11
(...) eu recomendo a obra para todos (...)
Resenha 12
Eu acho que Bentinho, ficou triste por ter ficado só ele. Na minha opinião o livro Dom Casmurro é um livro de romance e ele é o romance normal.
Eu acho um livro muito bom de ler. Capitu ela era muito safada ela tina outros romances mais só que era escondido.
Eu gostei da vida de Bentinho era tão apaixonado por Capitu. Eu acho que aquele filho não era de Bentinho, e sim de Escobar, eu tenho certeza sabe porque (...). Eu acho quem era a culpada de tudo isso era Capitu ela estava cometendo adultério ela enganou muito a Bentinho, ela era muito esperta.
E também eu acho que o autor não esta mentindo ele está contando a verdade. Eu gostei também (...) e eu gosto de coisa romântica. Isso que é tudo na minha opinião.
3. Considerações Finais:
A partir da observação de alguns estudos, esta pesquisa aponta que a presença
pronominal do autor no discurso escrito é um assunto absolutamente controverso. Se na
escrita acadêmica, a primeira pessoa representa, para muitos, um tabu, na escrita dos
jovens estudantes de ensino médio isso não parece representar problema algum,
confirmando a escrita dos jovens, sobretudo, como uma atividade reveladora de uma
presença autoral.
A análise dos dados também permitiu avaliar uma recorrência hierárquica entre
o “eu”, o “nós” e a indeterminação em terceira pessoa, confirmando a ausência do tabu
do “eu” nesta fase de iniciação à escrita acadêmica. Estes recursos analisados fazem
parte da presença autoral e seu estudo na escrita escolar contribui para entendermos que
nessa fase de escolarização os autores não têm muita preocupação com a preservação da
face e sequer tiveram contato com as noções de objetividade do trabalho científico,
estando ainda, longe do tabu do eu. Consideramos que as estruturas linguísticas
analisadas desempenham um papel importante na análise da RE, uma vez que
introduzem um posicionamento do enunciador frente ao enunciado construído. Tais
considerações representam uma conclusão parcial porque a pesquisa ainda está em
andamento.
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