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A DESOBEDIÊNCIA CIVIL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM FACE À CIDADANIA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
*Mário Ferreira Neto1
Resumo
A questão dos direitos fundamentais e humanos enseja sempre inúmeras
discussões e reflexões. Pode-se indagar se eles sempre existiram ou se são
construções históricas. É necessário saber a expressão correta para designá-los, se
são mutáveis, acompanhando a evolução humana ou se são imutáveis. Tais temas
serão abordados no presente artigo sem a pretensão de esgotar a discussão ou
reflexão. A desobediência civil é uma questão antiga, porém sem reflexos de
aplicabilidades pelas sociedades democráticas nos regramentos constitucionais ou
positivos. Este instituto é um fenômeno característico da atualidade, reconhecido
implicitamente nas democracias ocidentais que se estruturam em torno das
liberdades civis e políticas, surgido com as Revoluções, americana e francesa, com
os ideais dos direitos naturais. O direito de resistência às injustiças está presente no
instituto do direito natural e humano.
Palavras-chaves
Cidadania. Dignidade Humana. Direitos Fundamentais e Humanos.
Desobediência Civil. Resistência. Injustiça.
ABSTRACT
The question of fundamental and human rights always entails
numerous discussions and reflections. One wonders if they ever existed or
whether they are historic buildings. You must know the correct expression to
designate them, whether they are mutable, watching human evolution or are
immutable. These themes will be discussed in this article without intend to
exhaust the discussion or reflection. Civil disobedience is an old question, but
without reflections applicability of democratic societies by-laws on
*1Acadêmicos do 2º semestre do Curso de Direito da Faculdade de Palmas – FAPAL, sob orientação da Professora Maria de Fátima.
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constitutional or positive. This institute is a characteristic phenomenon of our
time, implicitly recognized in Western democracies that are structured around
civil and political liberties, emerged with the Revolutions, American and
French, with the ideals of natural rights. The right of resistance to injustice is
present in the institute of natural law and human.
Keywords
Citizenship. Human Dignity. Human Rights and Fundamental. Civil
Disobedience. Resistance. Injustice.
Introdução
A civilização humana, desde os seus primórdios, até o período atual, passou
por inúmeras fases, cada uma com suas peculiaridades com seus pontos negativos
e positivos, de modo que as evoluções científicas, econômicas, jurídicas, políticas,
sociais e tecnológicas, são muitas vezes, lentas e graduais.
A evolução histórica dos direitos inerentes à cidadania e à pessoa humana
também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou construídos todos de uma só
vez, mas conforme a própria experiência da vida humana em sociedade, por isso é
de extrema importância para entender seu significado atual, bem como compreender
como os direitos foram observados em tempos pretéritos para eliminar os erros e
aperfeiçoar os acertos.
Os Direitos Humanos são os direitos essenciais a todos os cidadãos.
Direitos inerentes à pessoa humana. Por isso, à sua evolução e positivação no
ordenamento jurídico brasileiro é de inegável importância e relevância para que
efetivamente se constitua em uma sociedade justa, livre e solidária, sobretudo com
equidade, promovendo o bem de quaisquer cidadãos, sem discriminação e
preconceitos.
Esses direitos não foram conquistados e reconhecidos de uma única vez,
houve um longo empenho pela sua efetivação, especialmente durante o período do
Regime de Ditadura Militar2.
2Período da política brasileira em que os militares governaram o Brasil: de 31 de março 1964 a 14 de março de 1985: General Humberto de Alencar Castello Branco; General Arthur da Costa e Silva;
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Os Direitos Fundamentais do Homem passaram do individual para o
coletivo, deste à categoria de direitos de solidariedade. Estes direitos são mais
recentes e não estão presentes na Declaração Universal dos Direitos do Homem,
mas fazem parte das Convenções e Pactos Internacionais proclamados pela
Organização das Nações Unidas, nas últimas décadas. Estes tipos de direitos são
difíceis de proteger, por isso, exigem atenção de cada membro da comunidade para
também lutar em sua defesa.
Este artigo pretende mostrar uma abordagem da desobediência civil em
relação aos direitos fundamentais e humanos da dignidade da pessoa humana no
exercício da cidadania e a moral na influência do ordenamento jurídico brasileiro.
Esse tema é de suma importância e relevância para preservação do Estado
Democrático de Direito, é fruto de uma longa conquista que ainda não se estagnou
no tempo.
A desobediência civil se constitui em um ato político definido como
instrumento democrático para a defesa do indivíduo e das minorias ou para a defesa
da própria coletividade contra o poder dominante, as injustiças, a opressão e a
tirania.
Surge a necessidade de se reforçar que no âmbito do Direito Civil Positivo, o
reconhecimento de que a lei e demais atos legais, estão sujeitos a transformações,
cujas mudanças são frutos da ocorrência de determinados fatos e valores, dentre os
valores éticos, ideológicos, filosóficos, morais, políticos e sociais. A verdade é que
tais transformações podem trazer como resultado o aperfeiçoamento das instituições
políticas e sociais, como também possam gerar conseqüências negativas, que se
revelam na prática de abuso de poder econômico e político, como tem acontecido
com freqüência no Brasil, nos casos: Escândalo do Mensalão do Congresso
Nacional; Corrupção do Governo do Distrito Federal e etc.
Neste sentido, baseado nas constantes mudanças advindas das relações
políticas e sociais, o Estado não só é obrigado a contribuir com a sociedade,
Junta Militar: Ministros Aurélio de Lira Tavares - Exército, Augusto Rademaker – Marinha, Márcio de Sousa e Melo - Aeronáutica; General Emílio Garrastazu Médici; General Ernesto Geisel; General João Baptista Figueiredo. Caracterizou-se pela ausência de democracia, perseguição política, proibição de divulgação artística, expressão, pensamento ou literária (censura), repressão aos que eram contra o regime militar e supressão de direitos constitucionais.
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garantindo-lhe uma adequada ação econômica e política, mas também é obrigado
a conferir a participação política do indivíduo. É primado do Estado Democrático,
sobretudo do Estado Brasileiro de que “Todo o poder emana do povo” (1ª parte, §
único, art. 1º, CRFB/1988) revelando-se como forma de expressão do exercício dos
poderes políticos do cidadão frente ao Estado.
Direitos fundamentais e humanos
Os direitos fundamentais são fruto de grande evolução histórica e social, a
qual levou a sua consagração ao que se apresenta hoje. Logo, pensarmos direitos
fundamentais como ‘simples direitos’, não reflete a realidade, sendo que até os
dias atuais, inúmeras foram às mobilizações e mutações políticas e sociais sofridas.
A sociedade foi sofrendo mudanças ao longo dos tempos, bem como sentiu as
necessidades de se transformarem democrática, política e socialmente, por certo os
direitos fundamentais a acompanharam.
Com o passar do tempo, a sociedade deparou-se com a necessidade de
proteção de alguns direitos inerentes ao ser humano, compreendendo que sem a
preservação destes direitos, jamais haveria uma sociedade justa, livre e solidária
que pudesse perdurar ao longo dos anos. Logo, compreendeu acima de tudo que se
deveria proteger um bem que deva estar acima de todos os outros e ainda mais, que
tal bem jurídico protegido ou resguardado deve servir de caminho a todos os demais
direitos constantes do ordenamento jurídico, sendo este bem tão precioso,
denominado bem da vida, vida esta com dignidade. Com isso a dignidade da
pessoa humana ganha relevância, por certo, fundada nas transformações políticas e
sociais, nas exigências de uma sociedade que clamou tal proteção e preservação.
No meio social há diversos interesses individuais que se divergem entre si.
Em virtude disso, há necessidade de leis ou normas jurídicas materializadas e
positivadas no intuito de equilibrar e harmonizar a convivência humana em
sociedade.
Cada sociedade tem a sua cultura e moral própria. Os comportamentos
sociais tendem a se reiterarem no meio social, recebendo um valor que,
dependendo da época, da cultura e do costume, pode ser socialmente aceitável ou
reprovável. Por exemplo, comportamentos existentes no passado são reprovados
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nos dias atuais. Basta se pensar nas modificações e transformações econômicas,
históricas, políticas e sociais.
As sociedades não são estáticas e se modificam com o tempo. Com essa
dinamicidade política e social há mudanças de valores, necessitando de uma
atualização normativa. As leis têm que serem editadas e sancionadas levando em
conta as necessidades da vida comum, as disparidades, o modo de pensar e agir, o
costume e a cultura existente. O poder legiferante deve observar a reiteração dos
atos e condutas pela sociedade e, com base nestes atos e condutas, editar e
sancionar leis ou regras jurídicas que atendam aos anseios das pessoas, dirimir e
eliminar conflitos, com predominância de equacionar os iguais e desiguais.
Para que os membros da sociedade possam viver harmônicos, pacifica e
passivamente, é necessário que existam regras a fim de ordená-los. Mas para que
essas normas possam ser efetivadas, é mister que exista um poder central que faça
os ordenamentos, aplique-os e controle a sua eficiência, por isso, os homens
entregam esse poder de controlar a sociedade a um ente abstrato, que se
responsabiliza pela paz intersubjetiva, através de um contrato social, nascendo, o
Poder Estatal - Estado.
Como consequência deste contrato, surge à construção de uma ordem
jurídica própria ao Estado Civil e Penal, seja resguardando os direitos naturais
preexistentes e mantidos pelo cidadão, seja pela imposição de uma normatização
construída pela autoridade.
Conforme assegurou DALMO DE ABREU DALLARI: “O primeiro passo
para se chegar à plena proteção dos direitos é informar e conscientizar as
pessoas sobre a existência de seus direitos e a necessidade e possibilidade de
defendê-los”.
O nascimento dos direitos humanos, em forma de documento, encontra-se
registrada na Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia firmada no dia 12
de janeiro de 1776 e se tornou público no dia 16 de junho de 1776.
O artigo I da citada Declaração dispõe:
"Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao
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entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar obter a felicidade e a segurança".
JOSÉ AFONSO DA SILVA comenta que:
"A Declaração de Virgínia consubstanciava as bases dos direitos do homem, tais como: (1) todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes; (2) todo o poder está investido no povo e, portanto, dele deriva, e os magistrados são seus depositários e servos, e a todo tempo por ele responsáveis; (3) o governo é, ou deve ser, instituído para o comum benefício, proteção e segurança do povo, nação ou comunidade;...”.
Duas semanas depois, a mesma idéia veio a ser repetida na Constituição
dos Estados Unidos da América aprovada na Convenção de Filadélfia no dia 17 de
setembro de 1787, de liberdade e igualdade dos seres humanos, mas não continha
inicialmente uma declaração dos direitos fundamentais do homem, porém voltou a
ser reforçada, treze anos mais tarde, no ato de abertura da Revolução Francesa.
A Revolução Francesa, apesar de considerada liberal e individualista, trouxe
o reconhecimento de algumas garantias ao cidadão. A sociedade liberal ofereceu-
lhe, em troca, a segurança da legalidade com a garantia da igualdade de todos
perante a lei. Mas essa isonomia cedo se revelou uma pomposa inutilidade para a
legião crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem nas empresas
capitalistas. Empregadores e operários eram considerados pela majestade da lei
como contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para
estipular e fixar o salário e as demais condições de trabalho.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão adotada pela
Assembleia Constituinte francesa no dia 27 de agosto de 1789 já apresentava
indícios de novos direitos denominados sociais como aquele previsto no artigo XXI:
"A sociedade deve a subsistência aos cidadãos infelizes, seja fornecendo-lhes trabalho, seja assegurando os meios de existência aqueles que não estão em condições de trabalho".
Apesar das tentativas anteriores, os Direitos Sociais foram reconhecidos
como Direitos Fundamentais do Homem somente com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos aprovada pela Organização das Nações Unidas no dia 10 de
dezembro de 1948 em Paris - França. Os trinta e um artigos reconhecem os direitos
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fundamentais do homem, dentre eles, encontra-se a proclamação dos tradicionais e
chamados direitos e garantias individuais (art. I ao art. XXI).
A Declaração dos Direitos Humanos é reconhecida como um dos principais
instrumentos criados para a proteção do individuo como sujeito de direitos. Apesar
de seu aspecto formal não constituir uma lei propriamente dita, e, por isso não
possuir força vinculante, reconhece-se sua validade diante da importância de seu
conteúdo.
Em sua obra, A afirmação histórica dos direitos humanos, FABIO KONDER
COMPARATO afirma:
"Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. A doutrina jurídica contemporânea, de resto como tem sido reiteradamente assinalado nesta obra, distingue os direitos humanos dos direitos fundamentais na medida em que estes últimos são justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas".
Aproveitando a oportuna citação, cabe esclarecer o real significado dos
termos, direitos humanos e direitos fundamentais. Como salienta INGO SARLET,
citado por Marcelo Antônio Theodor em sua obra, Direitos Fundamentais e sua
concretização:
"... o termo 'direitos humanos' se revelou conceito de contornos mais amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais, de tal sorte que estes possuem sentido mais preciso e restrito, na medida em que constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito".
Na Europa têm sido desenvolvidos instrumentos eficientes e eficazes para
assegurar efetivamente os direitos fundamentais do homem, proclamados e
reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem por influência do
Conselho da Europa que promoveu a elaboração da Convenção de Salvaguarda dos
Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovada no dia 4 de
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novembro de 1950 em Roma - Itália, ratificada por dezessete países da Europa, a
qual está em vigor, desde o dia 3 de setembro de 1953.
Outros documentos de extrema relevância para a garantia dos direitos
humanos são o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambas adotadas em
1966 pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, chamada de Pacto de San
José da Costa Rica, foi adotada a partir do dia 22 de novembro de 1969, da qual a
República Federativa do Brasil a reconheceu, através do Decreto nº 678, de 6 de
novembro de 1992, aderindo-se aos seus termos, conforme dispõe o artigo 1º do
mencionado Decreto3.
Importa salientar que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais veio assegurar proteção às classes ou grupos sociais
desfavorecidos contra a dominação exercida pela minoria poderosa e rica. Para que
isso seja efetivado, torna-se necessária a adoção de políticas públicas ou programas
de ação governamental e, são esses institutos os responsáveis pela elevação da
qualidade de vida das populações carentes e de baixas rendas.
Os Direitos Humanos tem sido na atualidade, objeto de inúmeros debates e
discussões. Embora, há vários séculos, os homens tenham consciência de que a
pessoa humana tem direitos fundamentais, cujo respeito é essencial e
imprescindível para a sobrevivência do indivíduo em condições dignas e justas,
compatíveis com sua natureza.
Os direitos fundamentais, segundo o constitucionalista, JOSÉ AFONSO DA
SILVA podem ser designados, como: direitos do homem, direitos fundamentais
do homem, direitos humanos, direitos individuais, direitos naturais, direitos
públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas.
Esses direitos fundamentais nascem com o indivíduo, por isso, não podem
ser considerados como uma concessão do Estado. É por essa razão que, no
3“A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém”.
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preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, não se diz que tais
direitos são outorgados ou mesmo reconhecidos, preferindo-se dizer que eles são
proclamados, em uma clara afirmação de que estes direitos pré-existem a todas as
instituições políticas e sociais, não podendo, assim ser retirados ou restringidos por
essas instituições. Essa Proclamação dos Direitos Fundamentais da Pessoa
Humana torna claro que as instituições governamentais devem proteger e
resguardar tais direitos contra qualquer ofensa, inclusive do próprio Estado.
Cada pessoa deve ter a possibilidade de exigir que a sociedade, todas as
demais pessoas e o Estado constituído respeitem sua dignidade e garantam os
meios de atendimento das suas necessidades básicas e essenciais.
É salutar refletir sobre estes questionamentos: Quais seriam os Direitos
Fundamentais? Quais seriam os Direitos Humanos? A evolução histórica e a
experiência jurídica é que ditam o conteúdo desses direitos nos aspectos civis,
culturais, econômicos, éticos, filosóficos, jurídicos, morais, políticos e sociais.
Os direitos humanos assumem uma posição bidimensional ao constituírem,
por um lado, um ideal a atingir: o ideal da conciliação entre os direitos do indivíduo e
da sociedade. Por outro lado, por assegurarem um campo legítimo para o embate
democrático em oposição ao totalitarismo, negação de qualquer direito.
No entender do renomado Professor JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO
as expressões: “direitos do homem” e “direitos fundamentais”, freqüentemente
são utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderiam
distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para
todos os povos e em todos os tempos enquanto direitos fundamentais são os
direitos do homem juridicamente institucionalizados e garantidos. Os direitos do
homem adviriam da própria natureza humana, tornando-se o seu caráter inviolável,
intemporal e universal enquanto os direitos fundamentais seriam os direitos
objetivamente vigentes em uma ordem jurídica concreta materializada na
Constituição e/ou leis.
Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos
cidadãos sob uma dupla perspectiva: I- Constituir, em um plano jurídico-objetivo,
normas de competência para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as
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ingerências destes na esfera jurídico-individual; II- Implicar, em um plano jurídico-
subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade
positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos para evitar agressões lesivas
por parte dos mesmos (liberdade negativa).
Portanto, o estudo dos direitos do homem leva a fixar as circunstâncias
concretas e históricas de seu difícil reconhecimento e sua polêmica inserção no
cotidiano dos indivíduos e dos povos.
O ponto central da questão dos direitos humanos, sobretudo no âmbito do
terceiro mundo, concentra-se na efetividade dos mecanismos internos e
internacionais de implantação desses direitos e no papel dos Estados e das
Organizações não-governamentais.
No relatório da Organização das Nações Unidas de 1993 sobre o
Desenvolvimento Humano recomenda-se que as pessoas sejam o sujeito de toda a
produção econômica, política e tecnológica.
ARISTÓTELES ensinava que: “a política rege todas as artes e ciências
porque ela detém a visão global daquilo que convém produzir para o bem de
todos os cidadãos”.
Coincide, de certa maneira, a posição do grande filósofo, com as medidas
sugeridas pela ONU, como: I- reorientação dos mercados que sirvam às pessoas,
não as pessoas aos mercados; II- desenvolvimento e investimento em novos
modelos de desenvolvimento centrados na pessoa humana e sustentáveis
ecologicamente; III- enfoque na cooperação internacional nas necessidades
humanas, não nas prioridades dos Estados; IV- desenvolvimento de novos padrões
de administração global e nacional, com maior descentralização e possibilitando
maior autoridade aos governos locais.
Os Direitos Humanos têm um lugar considerável na consciência política e
jurídica contemporânea. Implicam, com efeito, um estado de direito e o respeito das
liberdades fundamentais sobre as quais repousa toda democracia.
A evolução do poder e do direito de resistência
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Na Idade Média, o poder era descentralizado e quem editava as regras (leis)
eram os senhores feudais. O Rei era mera “figura” decorativa. Nesse período,
destaca-se o poderio da Igreja Católica, que em nome de Deus, controlava a
sociedade.
Por outro lado, na Idade Moderna, havia uma autoridade detentora do poder,
o Rei Absoluto, que controlava os súditos. O poder era arbitrário e estava
centralizado em uma única pessoa. Mais tarde, surgiram idéias de liberdade do
homem frente ao soberano, culminando com a Revolução Francesa, que possibilitou
que o homem conquistasse a sua liberdade negativa, caracterizada pela não
intervenção do Estado em suas atitudes.
Depois, no século XX, com o advento da Revolução Industrial, surgiram
problemas sociais, pois os operários não estavam satisfeitos com o tratamento que
tinham que se sujeitar, uma vez, que os industriais exploravam a mão-de-obra, sem
se preocuparem com a dignidade humana dos empregados. Os operários sofriam
com a jornada excessiva de trabalho que era praticada em condições insalubres,
então, em virtude desse descontentamento, passaram a reunir-se em associações,
surgindo, assim os sindicatos, ensejando na conquista dos direito sociais.
Entre todos os direitos positivados em um determinado ordenamento, os
direitos humanos são os mais importantes e devem prevalecer frente aos demais
direitos. Esses direitos são de suma importância para a efetividade da harmonização
política e social. Todos os indivíduos merecem ter a sua dignidade respeitada e
reconhecida, por meio de sua proteção contra o arbitramento do poder estatal e
o reconhecimento de condições mínimas de vida. A transformação do direito se dá
juntamente com as mudanças ocorridas no meio social, ficando perfeitamente
evidenciadas, se tomarmos como paradigma a questão desses direitos.
A idéia de direitos humanos não se cristalizou no tempo, a sua origem
remonta do antigo Egito e Mesopotâmia, no terceiro milênio a.C., onde já era
previstas alguns mecanismos para proteção individual em relação ao Estado.
Surgiram posteriormente na Grécia vários estudos sobre a necessidade da
igualdade e liberdade do homem, destacando-se o Direito Romano que estabeleceu
um complexo mecanismo, visando tutelar os direitos individuais em relação ao
arbítrio estatal.
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Durante a Idade Média, diversos documentos jurídicos reconheciam a
existência de direitos humanos, com o intuito de limitar e delimitar o poder do
Estado.
Na Inglaterra elaboraram cartas e estatutos para assegurarem os direitos
fundamentais, como a “Magna Charta Libertatum” de 1215, outorgadas por João-
Sem-Terra; a “Petition of Right” de 1628; o “Habeas Corpus” de 1679; o “Bill off
Rights” de 1688 e o “Act off Seattlemente” de 1701, mas não são declarações de
direitos no sentido moderno, as quais somente apareceram no século XVIII com as
Revoluções, americana e francesa. Depois, nos Estados Unidos, a Declaração de
Direitos do Bom Povo de Virgínia de 12.1.1776; a Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América e a Constituição dos Estados Unidos da América de
17.9.1787.
Dentre algumas manifestações do direito constitucional, cita-se a Magna
Carta de João-Sem-Terra de 1215 que assegurava o direito de o povo se revoltar e
se insurgir quando o Príncipe não cumprisse as obrigações, às quais se vinculara. O
documento alemão Sanchsenspiegel prevê que o homem deve opor-se ao seu Rei e
ao seu Juiz quando este comete injustiça, inclusive ajudar a resistir-lhe por todos os
meios. Também temos: a Carta húngara “Bula de Ouro” de 1222; a Carta de
Irmandade dos Reinos de Leão e Galiza; a Carta de Castela na Espanha; a
Declaração de Independência dos Estados Unidos de 1776 e a Carta Siciliana de
1812.
O mesmo ocorreu com os textos revolucionários franceses das Declarações
de Direitos de 1789 que assim dispõe no artigo 2º: “O fim de toda associação política
é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são
a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”.
A consagração normativa dos direitos humanos fundamentais coube à
França, através da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 27.8.1789,
com o advento da Revolução Francesa. O início do século XX trouxe diplomas
fortemente marcados pelas preocupações sociais, como a Constituição Mexicana de
1917; a Constituição de Weimar - alemã de 1919; a Constituição Soviética de 1918.
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A Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinado em Paris, no dia
27 de agosto de 1948, constitui a mais importante conquista dos direitos humanos
fundamentais em nível internacional. Porém, a idéia de Direitos Humanos não se
estabilizou nesse documento, surgindo diversas cartas de direitos no âmbito
internacional: a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos; a Declaração
Islâmica Universal dos Direitos do Homem; a Declaração Universal dos Direitos dos
Povos; a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem; a Declaração
Solene dos Povos Indígenas do Mundo, entre outros.
A Constituição da Alemanha de 1949 no artigo 20, item 4 dispõe: “Todos os
alemães terão direito de se insurgir contra quem tentar subverter essa ordem,
quando não lhes restar outro recurso”.
A Constituição de Portugal de 1982 no artigo 21 prevê: “Todos têm o direito
de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e
garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível
recorrer à autoridade pública”.
Os direitos humanos surgem, conforme as mutações das ideologias sociais.
Assim, assegurou NORBERTO BOBBIO:
“... Os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem - (...) - ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências...”.
O direito ou não da resistência se liga a Constituição, pois é a Lei Maior do
país, que define as formas institucionais da vontade política e jurídica da nação. O
sistema constitucional brasileiro oferece todas as possibilidades de justificação da
resistência, principalmente nesse processo de absorção e integração dos direitos
explícitos e implícitos.
A grande questão constitucional do direito de resistência está na garantia de
autodefesa da sociedade e dos direitos fundamentais, além do controle dos atos
públicos e na manutenção do contrato constitucional assumido pelo governante, no
momento, de sua posse a qualquer dos cargos públicos, do Executivo, Legislativo e
Judiciário. O contrato constitucional instaura a ordem política e jurídica e tem por
finalidade a extinção preventiva dos conflitos sociais, especialmente das minorias.
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A supremacia dos direitos humanos
Os Direitos Humanos, por serem essenciais à pessoa humana devem ser
hierarquicamente superiores aos outros direitos previstos no ordenamento jurídico
brasileiro, prevalecendo à supremacia daqueles quando entrarem em choque com
estes.
Um exemplo do que foi referido é a prisão de um indivíduo que está sendo
acusado em um processo crime. Nesse caso, a prisão só poderá ser efetivada
quando for devidamente fundamentada pela autoridade judiciária, sendo exceção,
uma vez que, a segurança do Estado não merece prevalecer frente à liberdade e
dignidade da pessoa acusada, pois a privação da liberdade é essencialmente
danosa ao ser humano.
Por outro lado, com relação ao conflito entre direitos humanos e
fundamentais, não há hierarquia entre ambos, devendo ser analisado
casuisticamente qual direito é o mais favorável. Um exemplo disso são as provas
obtidas por meios ilícitos. Esse meio probatório é proibido pelo ordenamento jurídico
brasileiro, mas o direito de não utilizar essa prova no processo penal não é ilimitado,
visto que o direito a ampla defesa também é um direito fundamental do homem, por
isso, esse direito prevalece frente àquele quando o acusado não tiver outra maneira
de provar a sua inocência.
Além disso, com relação aos Direitos Humanos advindos de tratados
internacionais ratificados pelo Brasil, resta evidentes que estes direitos são
hierarquicamente superiores a outros direitos, dadas a importância dos Direitos
Fundamentais, erigindo à categoria de normas constitucionais.
Existe uma discussão no sentido de que os Direitos Humanos previstos em
tratados internacionais poderiam revogar dispositivos da própria Constituição por
favorecer a pessoa humana. Um exemplo é a proibição da prisão do depositário
infiel pelo Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil que revogaria o
disposto no inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que permite
essa prisão. Esse entendimento é o mais correto, pois amplia os Direitos Humanos
existentes no ordenamento jurídico brasileiro, além de reconhecer que a privação da
liberdade causa um dano social.
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É mister que os Direitos Humanos Fundamentais sejam plenamente
efetivados e respeitados, mas para isso, deve haver a educação da população para
o conhecimento desses direitos, pois a base de uma sociedade democrática é os
cidadãos terem ciência dos seus direitos para que sejam devidamente observados,
protegidos e resguardados.
Ordenamento jurídico brasileiro: direitos fundamentais e humanos
No Brasil, houve a evolução dos direitos fundamentais do homem, conforme
já ressaltado, passando dos direitos individuais aos direitos sociais e coletivos,
estando esses direitos consagrados na Lei Maior do país, a Constituição da
República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988.
A Constituição Brasileira promulgada no dia 5 de outubro de 1988 marcou
simbolicamente o restabelecimento do Estado Democrático de Direito. Contrariando
os modelos anteriores, a nova Assembleia Constituinte trouxe os direitos
fundamentais logo em seus títulos iniciais, denotando a centralidade que os mesmos
adquiriam na ordem que se fundava. A cidadania e a dignidade da pessoa
humana e as prerrogativas inerentes à soberania popular, aos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa, do pluralismo político passam a serem princípios
norteadores de todo o ordenamento jurídico.
A garantia de direitos fundamentais pela Constituição, ainda que essencial,
infelizmente não se faz presente na realidade prática. A distância entre a letra - texto
da lei e a sua efetivação prática está longe de ser pequeno, o que traz a sensação
de que os direitos fundamentais são, na verdade, uma ficção jurídica é um conceito
criado pela doutrina do Direito para explicar situações que aparentemente são
contrárias à própria lei, mas que precisam de soluções lógicas, satisfazendo os
interesses da sociedade.
A lei imersa no seu puro formalismo se desvincula da idéia de justiça e de
paz social, passando de instrumento de garantias fundamentais e realização do bem
comum para instrumento de interesses de grupos dominantes.
Nessa perspectiva, se insere o sistema jurídico de proteção da propriedade
privada e a luta pela terra como faces de um ordenamento complexo e paradoxal,
baseado em um modelo de Direito Positivo, responsável em grande parte pela
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manutenção das desigualdades. Esse Direito que visivelmente optou por proteger as
elites proprietárias donas de imensos latifúndios está longe do ideal tão almejado de
justiça social.
Com relação à evolução dos direitos e o ordenamento jurídico brasileiro, a
primeira Constituição, no mundo, a positivar os direitos do homem, dando-lhes
juridicidade efetiva, foi a do Império do Brasil de 1824. A Constituição de 1891 trazia
em seu corpo normativo os direitos e garantias individuais e, como a Constituição
Imperial, somente trouxe a positivação dos direitos do indivíduo em particular, sem
preocupar-se com os direitos sociais.
Foi com o advento da Constituição de 1934 que os direitos econômicos e
sociais foram efetivamente incorporados à Lei Maior, como os direitos trabalhistas.
Esses direitos foram mantidos nas Constituições de 1937, 1946, 1967 e 1969.
A Constituição de 1988 que os direitos humanos foram plenamente
positivados, tantos os individuais como os difusos e coletivos, trazendo também
diversos remédios constitucionais para garantir a eficácia desses direitos. Esse
ordenamento jurídico garante os Direitos Fundamentais do Homem - Indivíduo que
reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a independência dos indivíduos
diante do Estado. Prevê também os Direitos Sociais, que reconhecem o direito dos
cidadãos de terem uma atividade positiva do Estado, que deixou de ser mero
garantidor da segurança. Há ainda a positivação de uma categoria de direitos que
pertencem a toda a coletividade, sem ser de ninguém particularmente, que são os
direitos difusos, como o direito a um meio ambiente saudável.
Com relação ao Direito Penal, o regramento jurídico brasileiro evoluiu
grandemente, uma vez que os direitos dos presos - encarcerados estão plenamente
positivados na Constituição. Além disso, o instituto das penas alternativas é de suma
relevância, sobretudo de considerável magnitude para os Direitos Fundamenteis dos
Homens. As penas privativas de liberdade devem ser aplicadas levando em conta a
dignidade da pessoa humana, oferecendo todos os direitos inerentes aos seres
humanos.
A Constituição veda a aplicação da prisão perpétua, visto que os agentes do
crime não podem perder a expectativa da vida, devem ter a esperança de que
17
poderão se recuperar e voltar a viver em sociedade, por isso, no Código Penal
Brasileiro as penas privativas de liberdade não pode ser superiores há trinta anos.
Há a vedação da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, pois o Estado
não pode usar a sua força contra os indivíduos hipossuficientes em relação ao poder
estatal. Todos têm direito a vida e o Estado não pode privar um dos seus indivíduos
de viver e ter a possibilidade de se recuperar.
A resistência legal à opressão e a atos ilegais
O elemento essencial que integra a desobediência civil se refere ao direito
de resistência a atos ilegais e a injustiças das leis que constitui um direito natural
específico.
Norberto Bobbio afirma que o cidadão tem o dever moral de obedecer às leis
na medida em que for respeitado pelo Estado e o legislador tem o dever de produzir
leis justas, de acordo com os princípios de direito natural ou racional e,
constitucionais, de acordo com os princípios fundamentais e às regras básicas e
formais previstas na Constituição.
Neste aspecto, entre o cidadão e o legislador deve haver uma relação de
reciprocidade: se o cidadão tem deve de obediência, o legislador e o governo tem
direito à obediência, também o cidadão tem o direito de ser governado com
sabedoria e leis justas.
Para que se possa entender o que é injustiça ou ilegalidade, primeiro se
deve fazer uma análise conceitual. Entendemos que, lei injusta é aquela que viola
os princípios fundamentais da vida moral do homem e dos valores éticos que se
assenta em uma sociedade. Ilegalidade é o caráter do que é contrário à lei e/ou
norma jurídica.
Os estudiosos do Direito entendem que a justiça é um sentimento
determinado pelo espírito, fundado na razão que nasce no íntimo do ser humano e
que se manifesta de dentro para fora. É um elo de harmonização que a moral e a
razão estabelecem entre direito e dever. Partindo-se deste conceito, vislumbra-se
que as leis antes de tudo, devem primar pela ordem e organização de toda e
qualquer sociedade, porém sem esquecer-se de seu aspecto fundamental, o bem
estar dos que vivem sob sua vigência. Não se sabe, se o cidadão faz parte da
18
imensa "engrenagem jurídica" do nosso país ou apenas é um cidadão, de alguma
forma menosprezado, pela visão dos que defendem ou pelo menos deveriam
defender, os interesses da sociedade face às barreiras que ela própria, através de
seus vários agentes públicos ou privados, interpõem entre a Justiça e o Direito.
Assim, podemos compreender de que a justiça é um sentimento que nasce
dentro de nós, mas sentimo-nos na obrigação de discordar quando diz que esse
sentimento tão íntimo e particular se funda na razão. Esse sentimento pode ter fulcro
tanto na razão humana quanto, acreditamos mais freqüentemente na emoção. Não
exigimos justiça por análise, exigimos justiça por sensibilidade, compaixão, perda e
etc.
A moral tem raízes ainda mais profundas, de origem cultural e social. Como
acadêmicos do Curso de Direito, fazemos essa indagação: será que para as
sociedades medievais e pré-medievais as "sanções jurídicas" aplicadas
naquele tempo eram tão bárbaras quanto às enxergamos hoje? Justiça é o que
almejamos para nós e para os nossos descendentes e ainda para toda a sociedade
em todos os aspectos. Direito é o limite, muitas vezes, destoante, porém certamente
necessário para que seu sentimento de justiça não penetre, nos de outras pessoas.
Visualize essa situação da seguinte forma: imagine dois círculos concêntricos o
maior é o da Justiça e o menor o do Direito. Nosso trabalho? Aproximar suas
bordas - extremidades, sem a utopia de torná-los simétricos, porém com certeza
sem alterar o maior.
A obediência irrestrita é aquela celebrada entre Deus e o povo por
intermédios das leis reveladas. Igual fora o convênio bíblico de Moisés e do povo
Hebreu.
Para compreender o que se entende por desobediência civil é necessário
partir da consideração de que o dever fundamental de cada pessoa, obrigada a um
ordenamento jurídico é o dever de obedecer às leis. Este dever é chamado de
obrigação política. A observância da obrigação política por parte da grande maioria
dos indivíduos, isto é, a obediência geral e constante às leis e/ou as regras jurídicas
é, ao mesmo tempo, a condição e a prova da legitimidade do ordenamento. Pela
mesma razão pela qual um poder que pretende ser legítimo encoraja a obediência e
desencoraja a desobediência, enquanto que a obediência às normas jurídicas
19
materializadas e positivadas é uma obrigação, a desobediência é uma coisa ilícita,
punida de várias maneiras.
HENRY DAVID THOREAU decide que é possível transgredir as leis injustas,
imediatamente, mas de forma não-violenta, ordeira e pacífica. Assim, a obediência
aos regramentos jurídicos e as práticas governamentais, para este precursor do
instituto da desobediência civil, dependia da avaliação individual que devia negar a
autoridade do governo quando este tivesse caráter injusto. Não importava se o
governante fosse oriundo da vontade da maioria, pois a maioria dos governados,
muitas vezes, não age da melhor forma possível para o bem estar de todo o povo.
A desobediência deve resultar dos direitos essenciais do cidadão sobre o
Estado, sempre que o poder estatal extrapolar suas prerrogativas ou não
corresponder com as expectativas geradas ou que não seguir os critérios de justiça
ou ainda que contrariar os princípios éticos e morais dos indivíduos. Cada cidadão
nacional tem por obrigação possuir um compromisso ético e moral com a sua
consciência.
A desobediência civil é uma forma particular de desobediência, na medida
em que é executada com o fim imediato de mostrar publicamente a injustiça de uma
norma jurídica ou de uma ação política do governante com o fim mediato de induzir
o legislador a mudá-la ou de editá-la para coibir, eliminar ou neutralizar tanto a regra
como a ação. Como tal é acompanhada por parte de quem a cumpre
justificadamente com a pretensão de que seja considerada não apenas como lícita,
mas como obrigatória e seja tolerada pelas autoridades públicas diferentemente de
quaisquer outras transgressões - quando se viola uma lei para atacar apenas o
conteúdo da lei a que viola.
Os defensores e doutrinadores que defendem o instituto da desobediência
civil, afirmam que a lei deve ser desobedecida em três circunstâncias: 1- quando a
lei for injusta; 2- quando a lei for ilegítima - emanada de quem não tem o direito
de legislar; 3- quando a lei for inválida ou inconstitucional. Portanto, nestes
casos não existe lei - norma jurídica em sentido pleno. Se o cidadão tem o dever
ético, moral, político e social de obedecer às leis - as regras jurídicas são cabíveis
ao poder estatal a obrigação de editar e sancionar leis justas, legítimas e
constitucionais.
20
A desobediência comum é um ato que desintegra o ordenamento e deve ser
impedida ou eliminada a fim de que o regramento seja reintegrado em seu estado
original.
A desobediência civil é um ato que deve objetivar, em última instância, a
alteração, mudança ou mesmo a revogação da normatização jurídica que esteja em
vigor, para no final das contas, identificar ou qualificar como um ato inovador do que
destruidor.
Chama-se civil precisamente porque, quem a pratica, acha ou pensa que
não comete um ato de transgressão do próprio dever de cidadão, pois julga bem ao
contrário, que está se comportando como bom cidadão naquela circunstância
particular que pende mais para a desobediência do que para a obediência.
Exatamente pelo seu caráter demonstrativo e por seu fim inovador, o ato de
desobediência civil tende a ganhar o máximo de publicidade, se essa desobediência
estiver fundada nas circunstâncias e pressupostos indispensáveis: injustiça,
ilegitimidade e invalidade - inconstitucionalidade da norma jurídica.
O caráter publicitário serve para distingui-la nitidamente a desobediência civil
da comum: enquanto o desobediente civil se expõe ao público e só expondo-se ao
público pode esperar alcançar seus objetivos, o transgressor comum deve realizar
sua ação no máximo segredo, se desejar alcançar suas metas.
A desobediência civil somente se consolida ser for um ato político
organizado e público, com ordem ética e moral, além de não-violento e pacífico. Por
outra face, a desobediência comum deve ser um ato realizado na clandestinidade
para se atingir a finalidade que se propuser, porém também deve ser levado a efeito
com ordem passiva, sem praticar excesso ofensivo à segurança jurídica, política e
social para que se possa solidificá-la.
Todos têm o direito de não cumprir as leis, isto, as normas jurídicas. Não
qualquer lei ou regra jurídica, claro, mas somente aquela que impeça o exercício dos
direitos fundamentais e naturais como: a vida, a liberdade, a integridade física e a
dignidade. Isso é o que se chama desobediência civil, teoria elaborada pelo filósofo
e poeta estadunidense Henry David Thoreau, depois de ter sido encarcerado por
não pagar os impostos que serviriam para cobrir as despesas das tropas dos
21
Estados Unidos na Guerra contra o México, no século XIX. THOREAU não
concordava com essa guerra, por isso, entendia que não deveria pagar os impostos,
porque também compreendia de que a guerra não continuasse.
A desobediência civil é uma manifestação de protesto que consiste na
violação deliberada de uma lei, sem utilizar-se da violência, desde que essa norma
jurídica seja injusta, ilegítima e inválida.
O objetivo de um ato de desobediência civil é chamar a atenção para uma lei
injusta, ilegítima e inconstitucional ou ainda para uma causa que seja justa, legítima
e válida para recorrer à consciência da população - comunidade e pressionar
pacificamente as autoridades governantes a negociar ou reconhecer sua exigência
como constitucional, equidade e legítima.
A desobediência civil se trata de nada mais do que um ato político de grande
relevância social que deve ser organizado pacífica e publicamente com magnitude
passiva, sem adotar-se qualquer espécie de violência, quer física ou psicológica com
a pretensão restrita para alterar ou modificar a lei ou a ação política da autoridade
estatal. Se for o caso, revogar a norma jurídica ou mudar a maneira de administrar e
agir do governante.
Em geral as pessoas que praticam essa forma de protesto pacífico e não-
violento não se negam a cumprir sanções legais a que ficam sujeitas em decorrência
de seus atos e de suas ideologias. Mahatma Gandhi se inspirou nas literaturas de
Leon Tolstoi, Henry David Thoreau e John Rawls para propor sua vitoriosa
campanha de desobediência civil na Índia. Hoje, Gandhi é considerado, assim como
Martin Luther King, um dos principais formuladores dos princípios da desobediência
civil. Uma das formas de expressão do Direito de Resistência.
A desobediência civil, também são exemplos de resistência ao direto
de greve para proteger os direitos homogêneos dos trabalhadores e ao direito
de revolução para resguardar o direito de o povo exercer a sua soberania quando
esta é ofendida. Essas idéias são as concepções de Direito Natural e de resistência
a atos ilegais.
A desobediência civil consiste na desobediência à lei ou à medida
governamental que não atende aos ideais de justiça e moralidade. É uma ação
22
pública não-violenta, Mahatma Gandhi e Martin Luther King, uma ilegalidade
amparada em justificativas legítimas, de aceitação popular com o escopo de
modificar a lei ou a regra injusta ou imoral. Henry David Thoreau, que dizia “o
melhor governo é o que menos governa”, entendia que o respeito à lei deve se
firmar na consciência do indivíduo e que eventual prisão pela desobediência tratar-
se-ia de mérito pessoal, portanto um ato louvável. Também não buscava a
revolução, quando afirmava “o que desejo imediatamente é um governo melhor,
e não o fim do governo”, que o governo não submeta seus governados às leis
injustas ou ilegítimas.
O direito à resistência tem suporte no fundamento de que os homens e o
soberano firmam entre si um contrato social. É, contratualista. Por outro lado, isso
parece, ao mesmo tempo, condizente e contraditório, posto que para Rousseau, pai
da teoria do contrato social, a liberdade civil consiste no fato de que o homem, parte
do social e “membro do eu comum”, é um ser autônomo, mas que se submete às
regras da comunidade. Dado este, contratualismo, uma característica essencial à
desobediência civil é sua natureza pública, apresentada pela filosofia política de
Hannah Arendt, judia alemã que criticava a opressão política. O caráter público da
desobediência civil é primordial, visto que, este caráter, se confundiria com a
desobediência criminal.
Os direitos essenciais à pessoa humana nascem das lutas contra o poder,
das lutas contra a opressão, das lutas contra o desmando, gradualmente, ou seja,
não nascem todos de uma vez, mas sim quando as condições lhes são propícias,
quando passa a reconhecer a sua necessidade para assegurar a cada indivíduo e a
sociedade uma existência digna.
A convicção, explicitamente assumida pelo totalitarismo de que os seres
humanos são supérfluos e descartáveis, representa uma contestação frontal à ideia
do valor da pessoa enquanto "valor fonte" de todos os valores políticos, sociais e
econômicos e, o fundamento último da legitimidade da ordem jurídica tal como
formulada pela tradição, seja no paradigma do Direito Natural seja na Filosofia do
Direito.
É importante ressaltar que o individuo é muito mais do que integrante de
uma ordem generalizada, ele é o próprio fundamento de legitimidade da ordem
23
jurídica, política e econômica do Estado, e por esse motivo o direito e todos os
outros instrumentos de garantia democrática devem atender aos interesses do corpo
social como um todo, não apenas aos interesses de uma determinada classe. Como
ocorreu no Brasil durante a Ditadura Militar, que viam os seres humanos como
supérfluos. Logicamente não deve ser esta a visão adotada pelo direito, haja vista
que sua função dentro de qualquer sociedade é garantir a integridade física e
psicológica e a dignidade da pessoa humana.
Outro fator importantíssimo para a saída de um regime totalitário se trata da
desobediência civil. Sobre esse tema LAFER aborda juntamente com ARENDT a
seguinte interpretação:
“Hannah Arendt entende que, em situações limites (...) a desobediência civil é legitima e pode ser bem sucedida na resistência à opressão. (...) De fato, (...), a desobediência civil, sendo a expressão de um empenho político na resistência à opressão, não se constitui como rejeição da obrigação política, mas sim como a sua reafirmação”.
Nesse trecho Lafer elabora seu debate com Arendt centrado na importância
da desobediência civil, politicamente organizada, como meio de resistência e saída
de um modelo político-jurídico opressor para uma democracia voltada para
atendimento dos direitos civis e direitos fundamentais. Ressalta-se que a
desobediência civil proposta por Arendt não é qualquer tipo de resistência ao
governo opressor, trata-se de um movimento politicamente organizado que busca
sua legitimidade não a partir da violência, mas por meio de manifestações
ideológicas em defesa de um regime político voltado para os interesses sociais.
Outro ponto relevante que entendo que se deve considerar, diz respeito às
situações limite, para se evitar a anarquia e o enfraquecimento da segurança jurídica
brasileira, pois a resistência ao poder opressor do Estado tem que se pautar pela
ordem, pacificidade e não violência.
Com isso, tendem assegurar a liberdade plena ao indivíduo, que além de
exercitar seus direitos, possui em suas mãos o instrumento de resistência à
opressão do exercício destes direitos, nasce o exercício da desobediência civil,
que se mostra como elemento integrante à disposição da cidadania com a finalidade
principal de proteção das prerrogativas inerentes à cidadania e aos direitos
fundamentais.
24
Nesse aspecto a Professora MARIA GARCIA entende que a desobediência
civil é:
“uma das formas particulares de resistência ou contraposição, ativa ou passiva do cidadão, à lei ou ato de autoridade, quando ofensivos à ordem constitucional ou aos direitos e garantias fundamentais, objetivando a proteção das prerrogativas inerentes à cidadania, pela sua revogação ou anulação”.
Inegável que a desobediência civil é o instrumento de garantia de liberdade
do indivíduo que se revela uma íntima ligação com o aspecto social, como de fato
vem possibilitar a utilização do direito ao exercício da cidadania, sem que se
descaracterize o elemento individual inerente a todo cidadão.
O exercício de tais garantias não só impõe limites ao Poder Estatal como
torna propício que o indivíduo venha a proferir julgamento a respeito das ações
governamentais adotadas pelo Estado, o que reforça a idéia de que na
desobediência civil estaria à força da opinião pública, organizada e pacífica.
Refletir sobre o tema desobediência civil, nos conduz à aproximação do que
seria para o indivíduo, uma lei razoavelmente justa ou injusta, especificamente em
relação aos juízos de ponderação da moral e da teoria de justiça.
A questão que se coloca como premissa fundamental para uma breve
análise é o fato da possibilidade de resistência (desobediência) do cidadão, sempre
que houver descumprimento das liberdades conferidas pela lei ou outras normas
legais, o que significaria a coexistência do sentimento de justiça adotado pela
sociedade contemporânea com o do próprio ordenamento jurídico.
A desobediência civil ao permitir o cidadão participar do controle de
constitucionalidade das leis em um verdadeiro "controle informal de
constitucionalidade", constitui-se em medida de proteção às prerrogativas de
cidadania. Esse atributo exclusivo de reserva do cidadão diante do Estado e agente
transformador de mudança decorre do que dispõe a atual Constituição Federal no
artigo 1º, parágrafo único, "Todo poder emana do povo”.
Baseado no fundamento constitucional da cidadania, o Ministro do Supremo
Tribunal Federal, Maurício Corrêa, Relator do Habeas Corpus 73.454, julgado no dia
22 de abril de 1996, decisão publicada no DJ de 7 de junho de 1996 decidiu que:
25
“Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que
emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem
ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito".
A desobediência civil não se encontra expressa formalmente na Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, de outro, também possa encontrar seus
limites na própria norma constitucional, especialmente, quando da interpretação da
disposição contida no § 2º, do artigo 5º, da citada Constituição Federal.
O § 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988 assegura que: “Os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Para a abordagem desta questão, interessa-nos, especificamente, a primeira
parte do dispositivo constitucional acima transcrito: “Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados”.
MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, Comentários à Constituição
Brasileira, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1983, p. 632, expõe com precisão o alcance
do preceito:
“O dispositivo em exame significa simplesmente que a Constituição brasileira ao enumerar os direitos fundamentais não pretende ser exaustiva. Por isso, além desses direitos explicitamente reconhecidos, admite existirem outros, decorrentes dos regimes e dos princípios que ela adota, os quais implicitamente reconhecem”.
O regime instituído pela Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 é o
Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos individuais e
sociais, a liberdade e a segurança, além de outros explicitados no preâmbulo que,
como sustentamos, incidem sobre inúmeros pontos e artigos da Constituição, como,
por exemplo, neste § 2º do artigo 5º, que os invoca como decorrentes do regime e
dos princípios adotados pelos constituintes, na constituinte e que agora figuram na
8ª Constituição da República Federativa do Brasil.
26
MARIA GARCIA, ao estudar o tema da desobediência civil como direito
fundamental do cidadão, escreve o seguinte:
“(...) o sistema dos direitos fundamentais, na Constituição de 1988, pelo que estatui no art. 5º, § 2º, apresenta abrangências que ainda não se chegou a precisar, as quais dão o sentido desse dispositivo, internacionalizando, por essa forma, o âmbito dos direitos e garantias fundamentais”.
Segundo essa doutrinadora, a norma contida no § 2º do artigo 5º da
Constituição Federal se classifica como uma norma:
“(...) de eficácia plena, que abrange os ‘outros direitos e garantias’ decorrentes do regime e princípios adotados pela Constituição. É dizer, localizáveis e identificáveis a partir do regime e dos princípios constitucionais, nos quais têm fundamento e limite e então aplicáveis desde logo, como o são ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais’, por força da determinação do § 1º ao art. 5º”.
Trata-se, como afirmado, inclusive por Pedro Lenza, de uma norma
constitucional de eficácia plena e de aplicabilidade direta, imediata e integral, norma
esta, conforme também sustentado por José Afonso da Silva que, desde a entrada
em vigor da Constituição, produz ou poderá produzir todos os seus efeitos
essenciais. Meirelles Teixeira, afirma que aquelas normas que produzem, desde a
sua promulgação, todos os seus efeitos essenciais, porque portadoras de
normatividade suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes
constitui objeto.
Nesse sentido, também, a colocação de Eros Grau, Ministro do Supremo
Tribunal Federal sobre a aplicação direta das normas instituidoras de direitos e suas
garantias, afastando a doutrina tradicional dos direitos fundamentais dentro da
reserva da lei, em favor da doutrina da reserva da lei dentro dos direitos
fundamentais.
Maria Garcia insere dentre os direitos e garantias decorrentes do regime e
princípios adotados pela Constituição, o direito de desobediência civil. Essa
autora também cita a opinião de MRIA HELENA DINIZ, que destaca: “‘a essência
ética da norma jurídica: Comando voltado para o comportamento humano,
como ordem do ‘dever ser’, a norma jurídica pertence à ordem ética que tem
por objeto as ações humanas’”.
27
Adiante, com base em Henry David Thoreau, MARIA GARCIA escreve o
seguinte em relação ao dever da desobediência civil:
“Esse ‘repensar o Estado’ e as formas sutis de opressão, a dominação tecnocrática e tecnológica, a comunicação de massas - a cidadania como expressão máxima do direito à liberdade - aqui entendida, sempre, no sentido de participação política ou ‘como opção política de vida’ (Arendt) envolvem, inelutavelmente, novas formas de participação direta do cidadão no exercício do poder pelo Estado e tem, como uma de suas prerrogativas, a desobediência civil, num primeiro momento, forma de participação pelo non agere, diante da lei ou do ato emanado da autoridade ou de ação, em desobediência ou de um agir em prol da participação política (tomada de decisão)”.
A desobediência civil é segundo NORBERTO BOBBIO uma forma particular
de desobediência, na medida em que é executada:
“com o fim imediato de mostrar publicamente a injustiça da lei e com o fim mediato de induzir o legislador a mudá-la. Como tal, explicita, é justificada pelo transgressor de justificativas que levem à sua consideração não apenas como lícita, mas como obrigatória e seja admitida pelas autoridades públicas, diversamente do que ocorre com outras transgressões”.
É preciso delinear a desobediência civil como ‘um ato que tem em mira, em
última instância, mudar o ordenamento sendo, no final das contas, mais um
ato inovador do que destruidor’.
No fundo do conceito político da resistência, têm-se as idéias: a concepção
da lei injusta; o princípio da mediação do Estado e da retenção da soberania
pelo povo.
O elemento que integra a desobediência civil refere-se ao direito de
resistência a atos ilegais que constitui um direito natural específico.
Diante dessas ideias, destaca-se a demonstração de que a desobediência
civil - espécie distinta da resistência à opressão, não se dirige ao direito de
revolução; não se dirige ao direito de objeção de consciência, ou se constitui em
dever moral; não objetiva a destruição da lei ou da ordem, da autoridade ou do
respeito às regras erigidas em normas de coexistência social: é um direito de
garantia do exercício da cidadania, a qual outorga ao cidadão o poder de fazer a lei
e de descumprir a lei, quando em desacordo com a ordem constitucional e aquela
consubstanciada nos direitos e garantias expressos na Constituição.
28
Pode conceituar desobediência civil como uma maneira particular de
resistência ou contraposição ativa ou passiva do cidadão à lei ou ato de autoridade
quando ofensivos à ordem constitucional ou aos direitos e garantias fundamentais
da pessoa humana, objetivando a proteção das prerrogativas inerentes à cidadania
e à dignidade da pessoa humana pela sua revogação ou anulação.
O direito de resistência é entendido como garantia individual ou coletiva
regida pelo direito constitucional que está a serviço da cidadania, da democracia, da
dignidade da pessoa humana, dos direitos sociais e da livre iniciativa, da liberdade,
das transformações sociais e políticas, à medida que os governantes e governados
estão sujeitos ao Direito, os quais só estão obrigados enquanto ambos cumprirem as
leis (Constituição, Leis, Decretos, Resoluções e etc.).
A violação do Estado Democrático de Direito ou ofensa aos direitos
fundamentais possibilita o uso da resistência, na medida política e jurídica, na
tentativa imperiosa do retorno à ordem democrática e da segurança jurídica,
portanto, o direito de resistência não é mera admissão formal do texto constitucional,
mas uma relação justa entre o comando normativo e as práticas constitucionais. Os
elementos fundamentais que indicam a presença do direito de resistência no direito
constitucional se referem aos valores da cidadania, da dignidade humana e ao
regime democrático.
Na Constituição brasileira, os direitos e as garantias fundamentais
expressos, não são ilimitados, uma vez que encontram nos demais direitos
igualmente consagrados pela Constituição (princípio da relatividade). A nossa
Constituição faz uma promessa de construção do Estado de Direito, pois o Brasil
vem consolidando lentamente o processo democrático e de efetividade dos direitos
fundamentais, independentemente de não ter sistematizado no texto constitucional o
direito de resistência.
Quando a Constituição anuncia, logo no início, os princípios fundamentais do
Estado Democrático de Direito (cidadania, dignidade da pessoa humana e etc.), quer
indicar que não há Estado Democrático de Direito sem direitos fundamentais, já que
esses direitos são um elemento do Estado, assim como não existem direitos
fundamentais sem democracia.
29
A Constituição Federal de 1988 inovou por ampliar o rol dos direitos e
garantias fundamentais ao incluir não só os tradicionais direitos civis e políticos, mas
também os direitos sociais (a educação, a saúde, a alimentação, ao trabalho, a
moradia, ao lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados - art. 6º, CRFB/1988). Os direitos civis e
políticos são guiados pelo princípio da liberdade, enquanto os direitos sociais são
fundados no princípio da igualdade e articulados com os direitos coletivos que
provocam a emergência da justiça social.
Têm-se ainda os direitos de acesso ao emprego, à renda e a terra constitui o
maior desafio do Estado brasileiro que tem a função de formular políticas que
alcancem à massa humana que se conhece por “sem-terra”, “sem-teto”, “sem-
renda”, “sem-emprego”, enfim, “sem-nada”. A não distribuição equânime da justiça
social, além de descumprir um preceito constitucional, legitima política e
juridicamente o povo, através dos movimentos sociais a exercerem o direito de
resistência.
O exercício do direito de resistência não pode ter como objetivo a subversão
da ordem jurídica vigente, ao contrário, deve ser um instrumento de modificação
dessa ordem pelos mecanismos que esta estabelecer, ainda que em uma fronteira
próxima da ilegalidade. Um meio que permite ao indivíduo e à sociedade intervirem
diretamente nas instituições públicas, através de métodos legais que se permite
defender todo o direito que se encontra ameaçado ou violado, com forma de pressão
legítima, de protesto, de rebeldia contra as leis, atos ou decisões que ponham em
risco os direitos civis, políticos e sociais do indivíduo. Uma dessas ações contrárias à
lei é a desobediência civil.
A desobediência civil é um instrumento que visa aprimorar a democracia ao
permitir aos indivíduos, as minorias ou mesmo as maiorias oprimidas participem
diretamente do processo político, tornando-se um mecanismo adequado na defesa
dos direitos da cidadania, da dignidade da pessoa humana, pois se aplica em todos
os domínios econômico, político e social, exprimindo protesto contra os abusos do
Estado.
A desobediência civil é tida como um ato ilegal que se pode justificar, pelos
seguintes motivos: é um instituto da cidadania, pois tem como finalidade, manter,
30
proteger ou adquirir um direito ameaçado, negado ou violado; é um fundamento dos
princípios de justiça e equidade.
O direito de resistência é um direito de caráter político, porque diz respeito à
participação dos cidadãos e a influência da soberania popular nos processos
decisórios que pode ser realizado através dos instrumentos do plebiscito, referendo,
veto popular, entre outros e de formação das vontades públicas e estatal. Não é um
Direito novo que se busca com a desobediência civil, mas a efetiva implementação
dos ditames do Direito que já existe, portanto, legítimo.
Não é concebível a desobediência do indivíduo contra Estado, mas quando
o poder estatal opera contra o direito, cessa a permissão da autoridade pública.
Nesse caso, se o cidadão resiste não fará outra coisa senão se opor à violência
comum em defesa dos seus direitos, não estará desobedecendo a um direito do
Estado, mas a uma injusta pretensão de seus órgãos. Portanto, os limites do direito
de resistência se apresentam dentro do próprio texto constitucional, por exemplo: na
preservação da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores
democráticos, do Estado Democrático de Direito e no respeito aos direitos
fundamentais (à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança), dentre outros.
O direito de resistência existe na ordem constitucional que pode ser
constatado, no preâmbulo: artigo 1º, caput, inciso II, §§ 1º e 2º; artigo 9º; artigo 14,
caput e seus incisos. Entre outros, além do artigo 28, item 2 do artigo 29 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
É louvável a afirmação de CARLOS MAXIMILIANO que a Constituição:
“não pode especificar todos os direitos, nem mencionar todas as liberdades. A lei ordinária, a doutrina e a jurisprudência completam a obra. Nenhuma inovação se tolera em antagonismo com a índole do regime, nem com os princípios firmados pelo código supremo. Portanto, não é constitucional apenas o que está escrito no estatuto básico, e, sim, o que se deduz do sistema por ele estabelecido, bem como o conjunto das franquias dos indivíduos e dos povos universalmente consagrados”.
O povo brasileiro, caso queira, possui mecanismo para o exercício do
instituto da desobediência civil, na sua expressão ativa ou não, pois a primeira parte
do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal de 1988 diz: “Todo poder
emana do povo” implicitamente defende a idéia de que o cidadão detém a
31
soberania popular, o poder de elaborar lei e de participar da tomada de decisão, a
respeito do seu próprio destino e ainda tem a prerrogativa de deixar de cumprir a lei
ou de obedecer a qualquer ato da autoridade sempre que referido ato se mostrar
conflitante com a ordem constitucional ou com os direitos e garantias asseguradas.
Assegura o inciso XXXIV, alínea ‘a’, do artigo 5º, da Constituição da
República de 1988: “o direito de petição aos Poderes Públicos”, o qual se destina,
na dicção constitucional, “em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso
de poder”. Isso mostra que a desobediência às leis consiste em um meio de
cidadania importante, através da participação popular de forma não violenta e
extremamente legítima, em busca de modificar, pacificamente, a legislação e as
práticas governamentais para garantir-lhes os direitos econômicos, jurídicos,
políticos e sociais.
Portanto, pode ser exercido, em face do Executivo, do Legislativo ou do
Judiciário, conforme acentua JOSÉ CARLOS DE MELLO FILHO para quem ‘a
importância desse direito público subjetivo mais se acentua quando se verifica
que os Poderes do Estado não podem deixar de responder à postulação
deduzida’.
Em outras palavras, é a atitude do cidadão que, declarando-se em
desobediência civil, com fundamento no princípio da cidadania (art. 1º, II; art. 5º, §
2º, e XXXIV, a, da CRFB/1988), peticiona ao Poder Público demandando a sua
exclusão dos efeitos de uma lei ou ato de autoridade ou a sua revogação ou
alteração, à vista da sua demonstrada conflitância com a ordem constitucional ou
determinado direito ou garantia fundamental contrária à cidadania e à dignidade da
pessoa humana.
Por seu turno, a desobediência civil não se define pela negativa de qualquer
ordem, de qualquer governo e de qualquer direito. Trata-se, ao contrário, de
questionar e de resistir a uma específica ordem, a um tipo de governo e a um
particular direito, que, por diversas razões, são tidos por imorais e injustos. Nesse
sentido, o reconhecimento do estatuto da desobediência civil aparece como um
modo de salvaguardar ou mesmo de resgatar à cidadania e à dignidade da pessoa
humana diante da massacrante e crua realidade do poder brasileiro.
32
Assim, a desobediência civil não pode representar a função de sustentáculo
teórico para indivíduos e grupos que lançam mão de ações violentas com o único fito
de atingir objetivos privados e egoísticos, descomprometidos, com o significado
original da idéia, que, em essência, é uma maneira de se resistir à opressão e não
de gerá-la.
A desobediência civil significa a desobediência dos cidadãos, dentro de
determinadas situações, diante de uma ordem instituída. Esta transgressão político-
jurídica pode ter uma força altamente perturbadora da estabilidade da experiência
jurídica e como tal é um instrumento poderoso à disposição dos membros de uma
comunidade.
Se a soberania realmente pertence ao povo e é graças a essa soberania que
o Estado se mantém, não é absurdo afirmar que quem construiu o Estado pode, por
diversos motivos, desconstruí-lo. Do contrário, a sociedade civil corre o risco de
assumir a aventura sem volta da obediência cega à autoridade, que, interessada em
maximizar o poder e o império, não hesita em sacrificar os direitos fundamentais dos
cidadãos.
A aceitação da desobediência civil como um dos direitos fundamentais
representa uma espécie de garantia segundo a qual aqueles que concederam o
poder podem retomá-lo a qualquer momento, através de razões fortes para justificar
a quebra do status quo, com resistência organizada, pacífica e não violenta. Ora,
desobediência civil é apenas uma forma de dizer resistência à opressão do
poder estatal.
É prudente reconhecer que a desobediência civil não se constitui como
anomalia, ato ilícito ou subversivo, mas como exercício regular de direito
fundamental. Antes de tudo, deve-se entender que as normas jurídico-positivas não
são todo o direito, posição que já é aceita inclusive pelo positivismo jurídico. A
desobediência civil integra a noção de direitos fundamentais que é a base do Estado
Democrático.
Essa visão da transgressão política do cidadão como perfeitamente
admissível para a recuperação democrática de uma comunidade político-jurídica é
compartilhada por JOHN RAWLS em sua obra, Uma Teoria da Justiça, a
33
desobediência civil é um ato político, público e não violento, contrário á lei, praticado
com objetivo de promover a mudança de leis e de políticas governamentais. O papel
da desobediência civil é de ser utilizada como um mecanismo de estabilização de
um sistema constitucional mesmo que ilegal, por isso é importante à recepção pelo
ordenamento da possibilidade de sua prática, atuando assim como um instrumento
de controle democrático da justiça social.
No centro desta discussão está à desobediência civil como um direito de
resistência à opressão, como um instrumento na defesa da cidadania e ao mesmo
tempo a sua realização plena. O direito à cidadania é visto como o direito de ter
direitos. A afirmação da cidadania é a afirmação da pertinência de todo homem a
algum tipo de comunidade juridicamente organizada. A cidadania confere ao ser
humano o seu lugar no mundo e a condição para o exercício da sua singularidade
entre homens iguais. A igualdade que deve permear a diversidade.
Podemos concluir que em especial no âmbito tributário, há leis, perversa e
abusivamente criadas e aprovadas pela classe política detentora do poder do
Estado, que não são obedecidas pelos contribuintes (pessoas físicas e jurídicas),
principal e justamente porque exigem tributos (impostos, contribuições, taxas e etc.)
escorchantes, abusivos, iníquos, imorais e injustos e também porque, não raras
vezes, são eivadas de ilegalidades e inconstitucionalidades, e ainda porque são
carentes de sentido e fundamento éticos, bem como de um fim efetivamente social.
Ao resistirem ou se oporem à obediência de leis notadamente injustas, por
imporem tributos injustos, os cidadãos-contribuintes estão exercendo a
desobediência civil, prevista implicitamente em nossa Constituição Federal de 1988,
segundo o artigo 5º, § 2º, os direitos e garantias nela expressos, não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, que objetiva demonstrar
essencialmente a injustiça de tais leis/tributos, com vistas à mudança deles.
A desobediência civil há de ser vista, como legítima e lícita, precipuamente à
luz do artigo 5º, § 2º da nossa Constituição e também como um dever moral e ético
e um direito que podem ser exercidos em virtude da nossa condição de cidadão.
34
Segundo THOREAU: “Existem leis injustas; devemos submeter-nos a
elas e cumpri-las, ou devemos tentar emendá-las e obedecer a elas até a sua
reforma, ou devemos transgredi-las imediatamente?”.
De fato, segundo a doutrina de Henry Thoreau, a desobediência civil pode
encontrar limites impostos pela própria lei. Logicamente, a liberdade é determinada
pela estrutura institucional, enquanto sistema de regras públicas que definem
direitos e deveres não se devem permitir aos sujeitos fazer ou não algo, mas
também o Estado e as outras pessoas têm o dever jurídico de não obstruir a sua
ação.
Na concepção de JOHN RAWLS que define "desobediência civil como ato
público, não violento, consciente e, apesar disto, político, contrário à lei,
geralmente praticado com o intuito de promover modificação na lei ou práticas
do governo". Há uma teoria de resistência justa, fundamentada em ideal de justiça
oriundo de consenso, no qual não há dominação e, respeito mútuo aos integrantes
do todo.
Neste desiderato de contraposições entre as liberdades públicas e
individuais e, o modelo normativo político constitucional nacional de definição de
direitos (garantias individuais e coletivas) e deveres, surgem algumas questões que
ainda não se encontram pacificadas.
Sem sombra de dúvidas, o tema desobediência civil, apresenta extrema
relevância à medida que vem a elevar o indivíduo cidadão como membro que
participa das transformações do Estado Moderno, o fazendo por razões de
consciência, a reafirmar os direitos conferidos ao próprio cidadão pelo poder estatal.
Em que pese à desobediência civil parecer distante da realidade jurídica
política brasileira, entende-se que, com as nuances e transformações da sociedade
contemporânea, torna-se relevante análise frente aos direitos fundamentais
conferidos na Constituição da República de 1988, em contraposição à possibilidade
ser efetivada a desobediência civil pelo cidadão nacional.
Acredita-se que, somente com “a ação desobediente”, aplicada através de
métodos não-violentos, pacíficos e ordeiros, seria eficaz para provocar mudança
social, de acordo com Miguel Reale.
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Se considerarmos a desobediência civil como instituto não positivado, na
atual Constituição, surge a controvérsia acerca da possibilidade como o seu
exercício possa vir a ser efetivado pelo cidadão brasileiro.
Se for lícito desobedecer às leis, em que casos? Dentro de que limites? Por
parte de quem?
A desobediência civil poderá ser considerada como fenômeno social,
necessário para as mudanças na lei e na sociedade? A sociedade democrática
nacional seria tolerante a efetivação desse exercício?
Como poderia o cidadão “contestar” uma lei injusta contra um sistema, eleito
por ele mesmo? As razões morais e logicamente políticas, estariam inseridas como
um marco (um norte) para justificarmos o exercício da desobediência civil, sob pena
de engessamento do próprio sistema jurídico?
Esses questionamentos e outras indagações, das quais não se mencionou,
não tem como objetivo esgotar a presente discussão, mas sim, tem como objetivo, o
auxílio da adequada compreensão do instituto da desobediência civil na sociedade
brasileira.
Embora o instituto não está expresso em nosso ordenamento jurídico pátrio,
mormente com base nas indagações acima, podemos dizer que, a desobediência
civil poderá ser exercida no ordenamento nacional, mesmo em face das vozes
doutrinárias contrárias a respeito, à medida que, além de dar consecutividade ao
preceito constitucional previsto no artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988
encontra seu próprio fundamento na igualdade material e na proteção ao princípio
da dignidade da pessoa humana.
Igualmente, a desobediência civil se mostra como um instrumento de
concretização constitucional e mesmo que não se encontra previsão expressa na
Constituição da República de 1988, é perfeitamente legítima e se limita ao
cumprimento efetivo da Constituição Federal, além de extremamente necessária
enquanto fenômeno social do Estado Democrático de Direito.
Conclusão
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Vislumbra-se neste artigo que são conceitos fundamentais, aplicáveis ao
instituto da desobediência civil, o de justiça social e o de direitos humanos.
Tierry Paquot considera que Henry David Thoreau aponta que qualquer
governo corresponde a um déficit de consciência entre os cidadãos que se reflete no
princípio moral de que, “A única obrigação que me cabe, justamente, consiste
em agir sempre, em qualquer situação, de acordo com a ideia que me faz bem”.
No decorrer deste artigo, percebe-se que a história do constitucionalismo no
Brasil foi marcada por diversas reviravoltas, com momentos plurais de interesses
políticos. Vale ressaltar a importância da vigente Constituição como afirmação dos
direitos humanos no Brasil e a primeira Constituição brasileira que abrange os
direitos fundamentais. A atual Constituição pode ser considerada a mais significativa
para a formação do Estado Democrático de Direito com respeito à cidadania e à
dignidade da pessoa humana.
Os Direitos Humanos, com a sua evolução, influenciaram demasiadamente o
ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federativa do Brasil, Lei Maior do
ordenamento jurídico brasileiro, é um instituto jurídico moderno que se coaduna com
o Estado Democrático de Direito, prevendo, no inciso III, do artigo 1º, que um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana.
Assim, todos os seres humanos têm o direito de serem tratados com toda a
dignidade e respeito frente às outras pessoas e ao Estado Soberano. Os Direitos
Humanos devem ser efetivados e aplicados sempre, pois são resultados de uma luta
histórica contra a arbitrariedade do poder que ainda não chegou ao fim.
A desobediência civil é um instrumento legítimo de afirmação e
aprimoramento da democracia, por ter a função reguladora, limitando as
prerrogativas e as ações do Estado para que não adentre ou extrapole nos direitos
dos cidadãos. Não há como se pensar em um regime democrático que oprima a
soberania do povo em lutar pela efetivação do Estado Democrático de Direito.
A desobediência civil é um instituto indispensável para o exercício da
cidadania e para a busca dos nossos direitos civis, jurídicos, políticos e sociais.
Esse instituto não deve ser usado de forma desregrada e irresponsável. Para ter
legitimidade para o exercício de tal direito, tem-se que preencher uma série de
37
requisitos, de forma que esse meio de participação popular, tão importante para os
membros da sociedade, não se banalize por falsas alegações ou utilização viciosa.
A manifestação da desobediência civil é o nascedouro das leis mais
legítimas, pois as leis que derivam das reivindicações dos desobedientes são
baseadas na moralidade, equidade, justiça e realmente nasceram da vontade
popular que se apresenta como um grande canal de reforma, na medida em que
visa retirar do ordenamento jurídico as leis injustas.
A desobediência civil surgiu como um fruto amadurecido do direito de
resistência, uma vez que esse instituto era um meio utilizado somente pela maioria
com o intuito de proteger os direitos fundamentais e controlar o absolutismo dos
monarcas, já que essa época era caracterizada pela tirania e despotismo.
Foi nesse contexto que surgiu a desobediência civil, caracterizada em nosso
trabalho como um meio que serve para dar voz às minorias e até às maiorias
oprimidas, que não tinham institutos eficazes para manifestar suas reivindicações,
nem requerer que seus direitos fossem reconhecidos institucionalmente, uma vez
que o direito de resistência não assegurava à minoria a posição de legítimos
aplicadores deste mecanismo.
A desobediência civil, dessa forma, deve ser conceituada como um
comportamento que os membros da sociedade civil assumem frente ao Estado,
questionando normas ou decisões originárias de seus representantes, através de
ação ou omissão desobediente à ordem jurídica, mas dentro dos princípios da
cidadania, com o intuito de mobilizar a opinião pública para reforma ou revogação
daquelas normas.
A desobediência civil não visa romper com todas as instituições, mas resistir
às normas de natureza não democráticas, em situações ocasionais e limitadas. Tal
direito se justifica pela necessidade de instrumentalizar o desenvolvimento da
cidadania. As reivindicações em torno de direitos tendem a ser o mecanismo
adequado para efetuar as mudanças essenciais nas estruturas institucionais do
Estado, representado um momento muito importante para a sociedade civil. Não
visam o esfacelamento do poder político, mas o aperfeiçoamento do processo social.
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A manifestação da desobediência civil vem reforçar a ideia de que o Direito
não é estático; é dinâmico, em constante procura da democracia e da justiça. Nesse
contexto, o cidadão deve se comportar como um sujeito ativo dessa busca guiando-
o para que ele consiga, de fato, ser um instrumento ensejador da cidadania e justiça.
Face ao exposto, acreditamos que a desobediência civil é um ato ilegal que
deve ser tomado como legal, pois é fundamentado no princípio da justiça, onde mais
vale uma ilegalidade justa, do que uma legalidade injusta, valorizando, dessa forma,
o homem e seus princípios; estes deveriam refletir-se no ordenamento jurídico e
serem respeitados, protegidos e ampliados.
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