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ICSH – INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANASCESB – CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO BRASIL
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA
A CONTRIBUIÇÃO DA ANDRAGOGIA PARAA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Tânia Maria Godinho Silva Sarmento
Valparaíso de Goiás-GO 2006
TÂNIA MARIA GODINHO SILVA SARMENTO
A CONTRIBUIÇÃO DA ANDRAGOGIA PARAA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Artigo apresentado ao CESB – Centro de Ensino Superior do Brasil, como requisito parcial à conclusão do curso de Pós-graduação em Psicopedagogia sob a orientação do Prof. Roberval de Souza Ignácio.
Valparaíso de Goiás-fevereiro2006
RESUMO
Utilizando uma abordagem histórica da andragogia como fonte de esclarecimento sobre a evolução das concepções pedagógicas em relação ao processo de aprendizagem de jovens e adultos, este trabalho busca analisar se esta nova ciência aliada a psicopedagogia nesta modalidade de ensino é capaz de aperfeiçoar a intervenção psicopedagógica. Esta análise e a interpretação dos dados históricos esta embasada em pesquisa efetuada em diferentes fontes, tanto bibliográfica como em artigos virtuais, e busca conhecer a origem da andragogia, sua abrangência e qual sua necessidade no atual processo de aprendizagem de adultos norteando futuros trabalhos na área educacional. O estudo sobre o desenvolvimento destas novas concepções nos permitirá avaliar os erros, coletar dados, repensar ações e metodologias entendendo o adulto, bem como suas particularidades, como um aprendente diferente da criança, identificando o verdadeiro papel das experiências culturais, sociais, políticas e econômicas que marcaram a história do sujeito a fim de relacioná-las ao seu desenvolvimento educacional e a intervenção psicopedagógica na busca de uma melhor atuação. A andragogia ainda é um assunto bastante desconhecido para a maioria dos profissionais, necessitando mais pesquisas e divulgação no meio acadêmico afim de que amplifique sua importância para a formalização de metodologias educacionais que visem a recuperação de uma grande parcela da população que não teve acesso à educação em época certa.
Palavras-chave: andragogia – abordagem histórica – intervenção psicopedagógica
INTRODUÇÃO
Compreender como se dá o processo de aprendizagem do adulto através da análise
histórica da andragogia, uma nova ciência que tem por objeto de estudo o adulto
aprendente, e se esta análise pode contribuir para que a intervenção psicopedagógica em
relação à educação de jovens e adultos possa minimizar os índices de fracasso e evasão
escolar nesta modalidade de ensino buscando uma metodologia mais adequada a esta
clientela é o objetivo deste trabalho. O sistema educacional durante muito tempo
sistematizou o ensino de adultos apenas transplantando métodos e currículos da educação
infantil. Este sistema centrando na transmissão e não na construção do conhecimento,
priorizou o ensino fundamental em detrimento das outras modalidades de ensino, entre eles
a de jovens e adultos. Esta característica de transmissibilidade de conhecimento é
incompatível com a classe adulta, que aprende muito mais com a praticidade e aplicação do
que pode ser aprendido do que com sua simples transmissão.
O amadurecer é acompanhado pela necessidade de independência. As experiências
nos proporcionam aprendizados, os erros nos trazem vivências que marcam para toda a
vida. Acentuam-se, então, as capacidades de criticar e analisar situações, fazer paralelos
com as experiências já vividas, aceitar ou não as informações que nos chegam. Apesar de
tantas transformações na vida do ser humano, os sistemas tradicionais de ensino continuam
a se estruturar como se a mesma pedagogia utilizada para as crianças devesse ser aplicada
aos adultos. O adulto não absorve todas as informações que lhe chega. Ele é capaz de filtrar
aquilo que realmente lhe é necessário e aplicável. Ele desenvolve uma habilidade mais
intelectual, quer experimentar e vivenciar.
Esta e outras características do adulto que se referem a sua modalidade de
aprendizagem vêm sendo avaliadas pela andragogia, a fim de compreender melhor como o
adulto percebe a aprendizagem e como esta percepção foi sendo interpretada através dos
tempos por quem estava incumbido de sua educação.
Estas descobertas em relação à aquisição de conhecimento do adulto e a aplicação
que faz dele puderam embasar novas ações capazes de efetivamente elevar os processos
educativos, relacionando à formação dos pensamentos sobre valores culturais, estrutura
familiar, políticas públicas, delimitações e limitações sociais e até mesmo as crenças
religiosas, adquiridas ao longo da história do homem às novas práticas pedagógicas. Esta
nova pedagogia direcionada para adultos recebe o nome de Andragogia.
Como a Andragogia tem suas raízes na pedagogia precisamos entender a evolução
do pensamento pedagógico para compreendermos a sua ramificação para a andragogia.
Nossas escolas e nossas universidades, ainda hoje, ensinam a adultos com as mesmas
técnicas didáticas usadas nos colégios primários ou secundários. A Andragogia se dispôs a
questionar a validade destas técnicas para o relacionamento educacional com adultos.
Comparando o aprendizado de crianças (pedagogia) e de adultos (andragogia), podemos
destacar algumas diferenças no relacionamento entre professor e aluno, nas razões de
aprendizagem, na valorização da aprendizagem bem como na metodologia de aplicação de
conteúdos. Para melhor compreender como estas diferenças foram sendo percebidas,
podemos retroceder algumas centenas de anos em nossa história após a era cristã.
A EVOLUÇÃO DA ANDRAGOGIA NO MUNDO
A educação de adultos é tão antiga quanto a raça humana. Jesus Cristo foi o maior
educador de adultos de todos os tempos, porque ensinava através de parábolas, de desafios
e provocava a reflexão. A herança cristã com cerca de dois mil anos fez dele o maior
educador de adultos de todos os tempos. Ele foi tão efetivo que, até hoje continua
transformando pessoas no mundo inteiro com a sua mensagem (OLIVEIRA, 2005).
Outros como Confúncio, Lao Tse, Aristóteles, Platão e Sócrates também foram
educadores de adultos, pois ensinavam com indagações e questionamentos, metodologia
que não poderia ser compreendida pelas crianças por conta da falta do pensamento crítico
próprio da imaturidade. Os romanos usavam também os desafios com seus guerreiros para
com isso se defenderem. De uma maneira ainda inconsciente, desprovida de sistematização
e sem um real compromisso com a educação formal, a educação de adultos já era praticada.
O processo educacional de pessoas adultas como podemos observar, não é uma questão
atual, apenas não era ainda, um objeto de estudo específico de alguma ciência (IBIDEM,
2005).
No começo do século VII a educação objetivava preparar jovens para o ensino
religioso. Até então, o ensino não possuía uma metodologia específica para diferentes
faixas etárias. Mais tarde a escola secular começou a se organizar dentro do mesmo
modelo, dando origem à Escola Pública no Século XIX. Desta forma todo o sistema
educacional, incluindo a educação de alto nível, ficou congelado dentro do modelo
pedagógico. Foi nos EUA após a segunda guerra que as concepções de adulto e criança
começam a ser diferenciadas (OP.CIT, 2005).
Estas novas concepções incentivam novas pesquisas na área. Dentre os principais
pesquisadores, segundo Oliveira (2005), se encontra Eduard C. Lindeman (EUA) que
influenciado por John Dewey lança seus primeiros resultados sobre currículos adequados,
conteúdos baseados na valorização da experiência do adulto, a estimulação de conflitos e
discussões, professores na mesma condição de aprendiz, etc. identifica pelo menos, cinco
pressupostos-chave para a educação de adultos e que mais tarde transformaram-se em
suporte de pesquisas. São eles: adultos são motivados a aprender desde que tenham suas
necessidades satisfeitas; a orientação da aprendizagem centra-se na vida e não em
disciplinas; as experiências de vida devem ser analisadas como metodologia de ensino; são
autodirigidos, isto é, deve haver uma mútua participação e não somente uma transmissão de
conhecimentos; e por último a educação de adultos deve considerar as diferenças de estilo,
tempo, lugar e ritmo de aprendizagem. Hoje eles fazem parte dos fundamentos da moderna
teoria de aprendizagem de adulto.
Lindermam (1926:10) citado por Oliveira (2005), pesquisando as melhores formas
de educar adultos para a "American Association for Adult Education", percebeu algumas
impropriedades nos métodos utilizados e escrevei que “Aprendizagem consiste na
substituição da experiência e conhecimento da pessoa. A psicologia nos ensina que, ainda
que aprendemos o que fazemos, a genuína educação manterá o fazer e o pensar juntos...
Esta importância dada por ele à experiência de vida adquirida no processo de
desenvolvimento do homem levou outros estudiosos a questionarem o modelo de ensino de
adultos aplicado até então.
Até 1940 muitos pesquisadores se interessaram pelo tema, mas não havia uma
unificação teórica. A partir de 1950 eles são reelaborados e incorporados às ciências
humanas. Como exemplo temos a Psicoterapia, voltada para a reeducação de adultos.
Leonardo Boff (2000: 60), citado por Oliveira diz que: “Somos todos seres desejantes.
Talvez o desejo seja a nossa experiência mais imediata e, ao mesmo tempo, mais
profunda”. Esta afirmação nos permite vincular o desejo, que para a psicanálise tem seu
despertar quando o sujeito começa a questionar sua origem, suas diferenças sexuais, etc.,
estimulando a busca de respostas, ao processo de aprendizagem. Transplantando esta
abordagem para o pensamento educacional, podemos dizer que dentro do sujeito há uma
vontade de saber, mas que ao mesmo tempo o leva a sentir algumas inibições, pois a vida
social lhe impõe algumas restrições. Esta luta entre o desejo de saber e o desejo de não-
saber pode tornar a educação eficiente ou não. Este conhecimento pode auxiliar o trabalho
de intervenção psicopedagógica, quando leva o profissional a questionar que motivos
despertam desejos e quais despertam inibições.
Freud, citado pelo professor Oliveira (2005), com seus conceitos sobre repressão,
fixação, regressão, ansiedade mecanismos de defesa, etc. tem ajudado a formular a teoria da
aprendizagem adulta. Em cada um de nós, podemos observar uma particular "modalidade
de aprendizagem", quer dizer, uma maneira pessoal para aproximar-se do conhecimento e
para conceber seu saber. Tal modalidade de aprendizagem constrói-se desde o nascimento,
e através dela nos deparamos com a angústia inerente ao conhecer e ao desconhecer. A
modalidade de aprendizagem é como uma matriz, um molde, um esquema de operar que
vamos utilizando nas diferentes situações de aprendizagem a fim de regular este desejo de
aprender e a resistência ao que é novo. Se analisarmos a modalidade de aprendizagem de
uma pessoa, veremos semelhanças com sua modalidade sexual e até com sua modalidade
de relação com o dinheiro (FERNANDEZ, 1991: 109). Este enfoque psicanalítico traz
novos rumos para os estudos andragógicos.
Voltando à história, Carl Jung despertou a compreensão sobre sensação,
pensamento, emoção e intuição, que também irão compor o aporte teórico da andragogia.
Erick Erickson estudou as idades do homem e também se preocupou em descrever o
desenvolvimento da personalidade humana até a fase adulta, que até então se restringia aos
estudos de Piaget sobre as fases de desenvolvimento da criança. Maslow enfatizou o papel
da segurança no processo de crescimento. As descobertas de Carl Rogers sobre o processo
de aprendizagem na fase adulta, colocando o ensinante no papel de facilitador, e do
relevante papel da relação entre o conhecimento e a experiência diária do educando, dão
mais especificidade ao ensino de adultos. Mas foi Malcolm Knowles que tentou formular a
teoria da aprendizagem de adultos em 1950, dando-lhe o nome de Andragogia como a
ciência tenta ajudar a compreender como o adulto a aprende, tentando dissociar a
tradicional idéia pedagógica desta área da educação e inovando com novas concepções
andragógicas em relação à necessidade de conhecer, o autoconhecimento do aprendiz, o
papel da experiência, prontidão para aprender, a orientação para a aprendizagem e a
motivação (OLIVEIRA: 2005).
O DESENVOLVIMENTO DAS IDÉIAS ANDRAGÓGICAS NO BRASIL
A história das idéias em torno da alfabetização de adultos no mundo é acompanhada
no Brasil que, igualmente acompanha as idéias dos grupos que estão no poder. Sempre que
se falou em mobilização do povo, o maior objetivo geralmente era o de recomposição, ou
seja, retomada de algo que já havia sido começado, e sempre visando o poder político. Não
podia ser diferente em relação à busca no combate ao analfabetismo. Esta luta tem
interesses e movimentos distintos na história da educação. Diferentes grupos travam
verdadeiras batalhas políticas e ideológicas na busca de uma definição de políticas e ações
para a área.
A prática de uma determinada forma de ação educativa envolve sempre muitos
desejos e movimentos. Em nosso cotidiano, estamos sempre diante de projetos e fantasias,
dilemas e utopias que nos faz mover na busca de uma outra maneira de ser e estar no
mundo. Segundo FERNANDEZ (1991:23), “Para pensar novas idéias temos que desarmar
nossas idéias feitas e misturar as peças, assim como um tipógrafo ver-se-á obrigado a
desarmar os clichês, se deseja imprimir um texto no novo idioma”. Levantar hipóteses,
rever conceitos, desconstruir determinadas crenças sobre o aprender e o ensinar tão
arraigados em nossos sistemas escolares é permitir a construção de um espaço de diálogo e
permuta de idéias e experiências, além de propor uma metodologia onde o refletir e o
pensar não sejam tarefas sem prazer, sem desejo, sem alegria, enfadonhas e sem vida. Esta
proposição precisa descobrir o verdadeiro significado do que é ser adulto, como aprendem
ou como manifestam a aprendizagem, qual a utilidade deste aprendizado e principalmente
como ele pode modificar a sua vida.
O conceito de adulto mais completo diz que: adulto é aquele indivíduo que ocupa o
status definido pela sociedade, por ser maduro o suficiente para a continuidade da espécie e
auto-administração cognitiva, sendo capaz de responder pelos seus atos diante dela dentro
de um contexto social (OLIVEIRA: 2005). De acordo com Knowles (1970), citado por
Oliveira, á medida que se tornam adultos e maduros, as pessoas sofrem transformações.
Elas passam a ser indivíduos independentes e autodirecionados, acumulam experiências de
vida que vão ser fundamento e substrato de seu aprendizado futuro, seus interesses pelo
aprendizado se direcionam para o desenvolvimento de habilidades que utiliza no seu papel
social e na sua profissão, passam a esperar uma imediata aplicação prática do que aprendeu,
reduzindo seu interesse por conhecimentos que serão úteis no futuro. Os assuntos devem
ser discutidos e vivenciados.
Frente estas novas preocupações, na proposta de educação para todos, a escola tem
apresentado levantamento de diversas barreiras à aprendizagem e à participação que
ocasionam o “fracasso” da mesma diante de sua tarefa educacional. Algumas discussões
vêm trazendo serias conseqüências pedagógicas no processo educativo dos que procuram
tardiamente a escola. Desde a época do Brasil Império já acontecia experiências de escolas
noturnas para adultos. A partir da República iniciam-se campanhas, normalmente curtas,
descontínuas e sem planejamento buscando o apoio da sociedade civil. Todo este longo
tempo gasto no desenrolar da busca pelo atendimento do adulto em sua escolarização tardia
reflete o descaso do poder público na definição de uma verdadeira política de educação
institucional, assim como acontece com o ensino fundamental, meta prioritária do governo
atualmente (MOURA, 1999).
No início da década de trinta, o que se observava era uma concepção de
alfabetização que deveria instrumentalizar a população com apenas a leitura e a escrita. A
preocupação em torná-los realmente reflexivos sobre tudo que lhes era transmitido, visando
à construção de uma cidadania plena, ainda não existia. Com a Revolução Industrial de
1930, a demanda provocada pelo processo de urbanização e industrialização exigia a
ampliação da escolarização para adultos e adolescentes objetivando a melhoria da
qualificação da mão-de-obra e não a qualificação educacional e cidadã (IBIDEM, 1999).
Durante a década de 40, marcada por grande avanço para a educação de jovens e
adultos, inúmeras iniciativas políticas e pedagógicas como, por exemplo, a regulamentação
do FNEP – Fundo Nacional do Ensino Primário, o surgimento de obras especificamente
dedicadas ao ensino supletivo, preocupações com o material didático das campanhas e
realização de eventos relevantes como o 1º Congresso Nacional de educação de Adultos
realizado em 1947 e o Seminário Internacional de Educação de Adultos de 1949.
Infelizmente tais iniciativas não serviram para estruturar a formação do professor e o
material didático em detrimento de uma composição teórica mais complexa. (MOURA,
1999:25).
Falar de índices de analfabetismo ou campanhas mal sucedidas não contribuiu muito
para a formulação mais adequada de propostas para a área. Um erro muito cometido
anteriormente no resto do mundo, e praticado também no Brasil, foi o de se desenvolver
práticas semelhantes às promovidas com crianças, utilizando os mesmos procedimentos e
recursos metodológicos de um para o outro, não se identificando com a clientela. Quando
se aplicam ao ensino supletivo os conteúdos, as escolas, as salas, o corpo técnico e
administrativo do ensino infantil, cria-se uma réplica deste sobre o primeiro. Devido a estas
circunstâncias, todo o material ou referencial teórico para a área não provocaram mudanças
teórico-metodológicas que possibilitassem uma nova forma de conceber e desenvolver a
alfabetização de adultos. Em relação aos alfabetizadores, também foram transplantados,
não havendo assim nenhuma política de formação ou valorização, muitas vezes sendo ainda
mais desqualificados. Um dos pensamentos de FREIRE (1997) diz que:“Pensar certo – é
saber que ensinar não é transferir conhecimento é fundamentalmente pensar certo - é uma
postura exigente, difícil, às vezes penosa, que temos de assumir diante dos outros e com os
outros, em face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos”. Esta nova postura do professor
diante da tarefa de ensinar dá trabalho e requer humildade do professor diante do aluno, o
que lhe tirava o status de detentor do conhecimento, retirando-o de sua área de conforto, e
provocando muita resistência.
Somente em 1958, no II Congresso Nacional de Educação de Adultos, com a
presença de Paulo Freire, que defendia e propunha uma educação de adultos estimuladora e
participativa, propondo também a responsabilidade social e política, que valorizava o saber
apreendido em sua existência além de buscar conhecer os problemas dos trabalhadores e
suas comunidades, desperta uma revolução separando aqueles que propunham uma
educação neutra e alienante que faz com que o sujeito não se dê conta do que está fazendo e
funcionando, em termos de uma elaboração inconsciente, em um nível automático de
conceitualização, e aqueles que tinham uma proposta focada no cotidiano político
existencial dos alunos.
A partir deste congresso a alfabetização de adultos e a educação de uma maneira
geral, puderam dispor de um conjunto de idéias e indicações pedagógicas e práticas
diferentes das anteriores. A caracterização do método Paulo Freire, sistematizado a partir de
1962, reforça não uma simples técnica neutra, mas todo um sistema coerente no qual a
teoria informava a técnica pedagógica e seus meios. Freire construiu nas décadas de 60 e 70
uma proposta teórica metodológica para a alfabetização de adultos que se tornou o único
referencial próprio para a área, porém as reformulações pedagógicas não se fortalecem
(MOURA. 1999).
Com o militarismo decretado em 1964 a proposta de Freire é proibida. O poder
público deixa o problema da educação de adultos de lado, sendo necessária uma
intervenção da UNESCO, ficando a cargo de americanos a responsabilidade e orientação
técnica, despertando posteriormente um movimento nacionalista dentro do país. A
modernização dos meios de produção, e a expansão do modelo econômico levam o sistema
político a necessitar de um suporte administrativo mais bem equipado, refletindo na
educação e conseqüentemente na alfabetização, sendo a última, utilizada como estratégia de
despolitização e fundamentalmente como preparação de mão-de-obra, durante o período
militar, até meados de 80. (IBIDEM, 1999).
Utilizando uma metodologia infantil, que continuava considerando o adulto um ser
inferior intelectualmente, juntamente a uma concepção despolitizada pregada pelo governo,
o resultado obtido foi um adulto que se preparava para assinar o nome e votar, já que a
Constituição Federal exigia a alfabetização pra o exercício do voto. O aluno era
considerado um ser passivo onde são colocadas as informações e que pode se considerar
satisfeito se conseguir os rendimentos mínimos da leitura e da escrita. Em conseqüência
dessa visão simplista de alfabetização, o professor tem uma imagem pobre do adulto
analfabeto, sem razões de existência, sem futuro de sucesso, sem uma aquisição adequada
de cultura e da língua e sem possibilidades de ascender socialmente.
A década seguinte a de 80, apresentava situações bens distintas. De um lado o poder
público pressionado por exigências nacionais e internacionais e do outro uma série de
propostas e práticas pedagógicas tanto do governo como da sociedade, que propiciaram
formulações teóricas. Com o fim do regime militar, Paulo Freire pode então ampliar os
movimentos pró-educação de adultos, agora com mais bagagem e novos conhecimentos
(OP. CIT, 1999).
Com a Constituição de 1988, que na sua nova redação do inciso I do art.208 diz que
”... ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ela não tiveram
acesso na idade própria”, e o seu inciso II que diz “Progressiva extensão da
obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio”, garantiu-se a extensão da obrigatoriedade
de educação básica para os jovens e adultos “e compete aos poderes públicos colocar à
disposição os recursos para atender a essa educação” (PNE, 2002:77).
A visão da constituição não encontra respaldo na prática. O adulto analfabeto visto
pelo sistema econômico, como um sujeito em que não vale a pena se investir, pois estava
velho demais para a produção e também não assimilavam as ideologias dominantes tal qual
uma criança é capaz de assimilar, não compensa investimentos. Com este pensamento
capitalista, muitas iniciativas foram desarmadas e dasarticuladas. Felizmente organismos
internacionais, mais uma vez intervêm no sistema educacional brasileiro, desta vez
buscando intervir no elevado crescimento do analfabetismo no país entre jovens e adultos.
Nota-se com esta atitude uma preocupação externa, maior do que a interna em
melhorar a educação em nosso país. Será? Ou não seriam meros investidores que procuram
a garantia de um mercado consumidor para uma produção globalizada? Fugindo às suas
responsabilidades a União delega aos Estados e Municípios a preocupação com esta área do
ensino, sem ao menos disponibilizar recursos financeiros para manter o sistema regular
funcionando, deixando a cargo destes entes federados ou de plataformas de governo de
candidatos ao governo, o investimento ou não na área, ficando a cargo da união apenas à
colaboração técnica.
Já que o governo não se preocupou, entra em cena com mais força as iniciativas da
sociedade civil, que não desmerecendo o mérito, eram ecléticas e incapazes de sistematizar
a modalidade, porém recebendo incentivos por parte do governo federal. Também a entrada
da psicogênese, participando dos estudos relacionados à alfabetização de adultos, mudou
radicalmente a compreensão da natureza do homem. Representando as diferenças de
significados da realidade, tornando a tarefa do aluno de construir, superar hipóteses
primárias e análise de hipóteses produzidas, chagando a compreender como a linguagem
esta representada na escrita, propondo a intervenção direta do aluno com o objeto,
interagindo, acomodando e assimilando os conhecimentos, esta ciência também contribuiu
para a evolução do processo de aprendizagem do adulto (MOURA, 1999).
Com todo este olhar histórico sobre a educação de adultos, entende-se que é
necessária uma definição de propostas e práticas mais significativas para a área. A falta de
investimentos, de formação de professores, de estruturação desta modalidade não faz jus ao
que ela se propõe, e com isto, a evasão e a repetência nesta modalidade compromete as
funções reparadora, equalizadora e qualificadora da Educação de Jovens e Adultos (Parecer
11/00, CEB/CNE).
O PAPEL DO PSICOPEDAGOGO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Segundo Vygotsky (1999:131) citado por Moura (1999), o “processo de
alfabetização é visto como o domínio progressivo do sistema de linguagem escrita, que
começa muito antes do sujeito se escolarizar”, valorizando o sujeito como um ser histórico-
cultural. Esta valorização da cultura pré-existente ao contexto escolar revolucionou a
prática pedagógica, dando a ela um caráter mais complexo e analítico contextualizado e não
apenas diretivo. A cultura permite validar o conhecimento de outros, para que com novas
experiências, possamos revalidar ou não estes conhecimentos pré-existentes. Segundo Sara
Pain, “Todo conhecimento é conhecimento do outro”. Esta nova perspectiva, porém não
sedimentou um novo referencial e manteve pobre as produções teóricas e de
implementações de ações. Com isto o papel da escola no processo de aprendizagem precisa
ganhar uma nova roupagem. Deixar de ser mero local de transmissão de conhecimento e
passar a fazer parte da construção deste conhecimento e, assim, contribuir para o combate a
evasão e ao fracasso escolar em nosso país valorizando o seu verdadeiro papel social.
Este papel social da escola precisa considerar as práticas de nossa sociedade, sejam
elas de natureza econômica, política, social, cultural, ética ou moral. Tem que considerar
também as relações diretas ou indiretas dessas práticas com os problemas específicos da
comunidade local a que presta serviços. A participação de toda a comunidade escolar não
depende de ordens ou de agrupamentos de pessoas. Depende sim, da ratificação da
necessidade de estudar, aprender, trocar experiências, exercitar a convivência, melhorar a
interação de uns com os outros, levantar dados referentes ao contexto ensino-aprendizagem
da escola, desenvolver ações com toda a comunidade escolar objetivando identificar as
principais barreiras à aprendizagem e a busca de como superá-las. Compreendendo estas
questões a intervenção psicopedagógica pode contribuir para uma melhor estruturação de
estratégias e ações que identifique e desmistifique papeis e funções dentro do contexto
escolar.
Para que a escola consiga reverter este quadro de relações que muitas vezes causa o
fracasso escolar é necessário que o psicopedagogo intervenha na sua melhoria para que a
escola potencialize ao máximo a capacidade de ensinar dos professores e a capacidade de
aprender dos alunos, utlizando-se do melhor material estratégico que possui: as
experiências de ambos.
O estudo da psicopedagogia, também uma ciência nova que pretende desvendar os
mistérios das dificuldades de aprendizagem, demonstra que não há só uma relação causa-
efeito sobre os fatores que dificultam a aprendizagem, mas, sim, há um contexto que
envolve o ser aprendente e o “objeto” a ser analisado e compreendido. Na análise do
contexto, a aprendizagem, o ensino e a história do indivíduo estão em consonância para a
compreensão do seu processo de aprendizagem. Ou seja, para cada sujeito haverá um
processo singular, permeado por uma aprendizagem individual e social onde as estratégias
de ensino estarão em acordo ou desacordo.
Com base no relato histórico a andragogia contribui para que a psicopedagogia se
fortaleça promovendo novos rumos na atuação do psicopedagogo e ampliando o seu campo
de atuação. “Para pensar novas idéias temos que desarmar nossas idéias feitas e misturar
as peças, assim como um tipógrafo ver-se-á obrigado a desarmar os clichês, se deseja
imprimir um texto no novo idioma” (FERNANDEZ, 1991: 23). Muitos erros podem ser
evitados a partir da análise histórica. A psicopedagogia munida de dados históricos sobre os
fatores que interferiram e mesmo hoje, interferem no processo de aprendizagem de adultos,
pode elaborar novas estratégias, novas perspectivas e novas concepções para a área.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história é um importante instrumento para o pesquisador. Em um processo
histórico-cultural, toda informação acerca das atitudes, intervenções, ações, problemáticas e
soluções encontradas pela intelectualidade humana no intuito de resolver suas dificuldades
em todos os aspectos, nos remete a sempre olharmos para trás antes de se pensar em
atitudes posteriores. No processo educacional não pode ser diferente, principalmente em se
tratando de formação desta intelectualidade que será responsável em resolver problemas
futuros. A andragogia vem para estudar um dos ramos da educação que durante muito
tempo permaneceu em segundo plano em nossa história e, em decorrência disto, nos causou
um flagelo educacional nesta modalidade de ensino: a educação de jovens e adultos.
Andragogia vem para entender “a arte ensinar adultos”. Uma ramificação da
ciência educacional que busca compreender o adulto com todos os componentes humanos,
e como este é capaz de tomar decisões como um ente psicológico, biológico e social. Busca
promover o aprendizado através da experiência, fazendo com que a vivência estimule e
transforme o conteúdo, impulsionando a assimilação. Compreender como se dá o
aprendizado de adultos, e diferencia-lo dos atuais modelos pedagógicos, pode retirar da
nossa história um grande atraso não só intelectual, mas também social, além de contribuir
para uma melhor adequação de métodos, currículos e intervenções às particularidades desta
clientela. A história deve a estas pessoas uma segunda chance, um motivo para fazer delas
mais um na luta contra as desigualdades.
As pesquisas na área ainda são muito restritas, pois o que se encontra sobre o
assunto quando não são meros complementos de estudos de outras áreas, são análises
repetitivas, mudando apenas a interpretação dos autores. Há uma urgente necessidade de
uma maior avaliação científica específica sobre o processo de aprendizagem no adulto em
todos os seus aspectos, biológicos, psicológicos e sociais para que as intervenções futuras
sempre possam ser cada vez mais eficientes. Foi perdido muito tempo em relação a estes
estudos e não se pode recuperar este tempo de qualquer maneira. É preciso vasculhar o
universo do adulto e leva-lo a compreender que as transformações na vida advêm da
expectativa e consciência de que o conhecimento e a informação podem ajudá-lo.
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