artigo mello e leão

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Disponível em http://www.anpad.org.br/rac-e RAC-Eletrônica, v. 2, n. 1, art. 3, p. 37-53, Jan./Abril 2008 Uma Revisão Crítica Uma Revisão Crítica Uma Revisão Crítica Uma Revisão Crítica sobre o obre o obre o obre o Uso de Diferentes Conceitos de Uso de Diferentes Conceitos de Uso de Diferentes Conceitos de Uso de Diferentes Conceitos de Valor no Marketing Valor no Marketing Valor no Marketing Valor no Marketing A Critical Review of Different Value Concepts Use in Market A Critical Review of Different Value Concepts Use in Market A Critical Review of Different Value Concepts Use in Market A Critical Review of Different Value Concepts Use in Marketing ing ing ing Sérgio Carvalho Benício de Mello* Doutor em Marketing pela City University, Inglaterra. Professor adjunto da UFPE, Recife/PE, Brasil. André Luiz Maranhão de Souza Leão Doutor em Administração pela UFPE. Professor adjunto da FBV, Recife/PE, Brasil. *Endereço: Sérgio Carvalho Benício de Mello Av. dos Economistas, s/n, Cidade Universitária, Recife/PE, 50670-901. E-mail: [email protected] Copyright © 2008 RAC-Eletrônica. Todos os direitos, inclusive de tradução, são reservados. É permitido citar parte de artigos sem autorização prévia desde que seja identificada a fonte.

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Page 1: Artigo Mello e Leão

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RAC-Eletrônica, v. 2, n. 1, art. 3, p. 37-53, Jan./Abril 2008

Uma Revisão Crítica Uma Revisão Crítica Uma Revisão Crítica Uma Revisão Crítica ssssobre o obre o obre o obre o Uso de Diferentes Conceitos de Uso de Diferentes Conceitos de Uso de Diferentes Conceitos de Uso de Diferentes Conceitos de Valor no MarketingValor no MarketingValor no MarketingValor no Marketing

A Critical Review of Different Value Concepts Use in MarketA Critical Review of Different Value Concepts Use in MarketA Critical Review of Different Value Concepts Use in MarketA Critical Review of Different Value Concepts Use in Marketinginginging

Sérgio Carvalho Benício de Mello* Doutor em Marketing pela City University, Inglaterra.

Professor adjunto da UFPE, Recife/PE, Brasil.

André Luiz Maranhão de Souza Leão Doutor em Administração pela UFPE.

Professor adjunto da FBV, Recife/PE, Brasil. *Endereço: Sérgio Carvalho Benício de Mello Av. dos Economistas, s/n, Cidade Universitária, Recife/PE, 50670-901. E-mail: [email protected]

Copyright © 2008 RAC-Eletrônica. Todos os direitos, inclusive de tradução, são reservados. É permitido citar parte de artigos sem autorização prévia desde que seja identificada a fonte.

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RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO Nos últimos anos o tema valor tem sido cada vez mais investigado pela academia brasileira de marketing. Contudo observamos que a utilização do termo pode trazer consigo mais sombras que luzes em sua aplicação, tendo em vista que sua definição na literatura da área não apresenta consenso em torno de um único conceito. Assim, chegamos a duas hipóteses acerca deste problema: 1) a de que existam trabalhos acadêmicos utilizando-se de mais de um dos conceitos de valor para se referirem a apenas um deles; e 2) que existam trabalhos acadêmicos se utilizando da definição de um para se referir a outro. Desta forma, o presente estudo se caracteriza como revisão crítica com base lingüístico-filosófica sob uma perspectiva pragmática. O procedimento metodológico adotado foi o de desk research, baseado na construção de um corpus de pesquisa composto pelo conjunto de artigos de Marketing publicados nos últimos cinco anos de Encontros da ANPAD, com análise documental dos artigos selecionados. Nossos achados confirmam nossas hipóteses em relação a estudos que se utilizam do conceito de valor para o cliente como construto. Palavras-chave: conceito de valor; revisão crítica; desk research; pragmática.

AAAABSTRACTBSTRACTBSTRACTBSTRACT Lately, more and more, the theme value has been inquired by the Brazilian marketing academy. However, we observed that the use of the term can bring with itself more shadows than light in its application. This can be foreseen due to its definition in the marketing literature which does not present a consensus around a single concept. This way, we arrived at two hypotheses concerning this problem: 1) that exists academic work using of more than one of the value concepts to refer to just one of them; and 2) that exists academic work using the definition of one to refer to other. This way, the present study is characterized as a critical review with linguistic-philosophical bases under a pragmatic perspective. The method used was desk research, based on the construction of a research corpus composed by a set of marketing papers published on ANPAD conferences in the last five years with documental analysis of the selected papers. Our findings confirm our hypotheses in relation to studies that use the customer value concept as a construct. Key words: value concept; critical review; desk research; pragmatics.

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Uma Revisão Crítica sobre o Uso de Diferentes Conceitos de Valor no Marketing

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IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO

Cada vez mais o tema valor está sendo investigado pela academia de marketing. No Brasil, os últimos cinco anos têm mostrado esta tendência, o que fica evidente, se observarmos a quantidade de artigos publicados sob a tutela do tema, seja nos anais de encontros acadêmicos (e.g, EnANPADS), seja em periódicos científicos (e.g., RAE, RAC etc.). Contudo observamos que a utilização do termo pode trazer consigo mais sombras que luzes em sua aplicação, tendo em vista sua definição na literatura da área não apresentar consenso em torno de um único conceito.

Podemos perceber claramente pelo menos três conceitos amplamente aplicados a valor, sempre associados a clientes: o primeiro se refere a uma relação de custo e benefício, ou seja, a diferença entre os valores que o cliente ganha (benefícios funcionais e subjetivos) comprando e usando um produto, e os custos (dinheiro, esforço, custo físico ou psíquico) para obter este produto. Essa abordagem parece ter obtido grande repercussão, sobretudo por ser a utilizada em livros de marketing geral; o segundo, por outro lado, refere-se ao valor que um cliente tem para uma organização durante toda a sua vida enquanto tal. Justifica-se pela importância dada aos ativos intangíveis e à necessidade de representá-los através de valores quantitativos, o que tem ganhado ênfase, graças à importância dada cada vez mais às métricas de marketing; finalmente, o terceiro, baseado na escola da psicologia social, aborda o aspecto do valor relativo à própria condição da existência humana em suas relações sociais, assumindo que as pessoas alcançam seus valores pessoais através de algumas ações ou atividades específicas, dentre as quais o consumo.

Alguns problemas relativos a tais aspectos começam pela própria terminologia adotada. No original em inglês, enquanto o segundo conceito é chamado customer equity e/ou lifetime customer value, tanto o primeiro quanto o terceiro são chamados de customer value. A tradução para o português não ajudou muito. Se o primeiro conceito aparece agora como valor para o cliente, é a vez de os outros dois serem apresentados com um mesmo nome: valor do cliente. A tradução do primeiro conceito aparece nos manuais de marketing. Já a terminologia de valor do cliente, quando relativa ao segundo conceito apresentado, surgiu na tradução do livro de Rust, Zeitham e Lemon (2001). Por sua vez, a terminologia de valor do cliente, quando relativa ao terceiro conceito, foi sugerida por Leão e Mello (2002, 2003), sob o argumento de que se se discutem os valores relativos aos próprios clientes, então estes só podem ser do cliente.

Evidentemente, alguns leitores podem estar agora questionando-se sobre a relevância desta discussão. Se a linguagem fosse aqui tomada na sua forma tradicional, apenas como meio instrumental de transmitir pensamentos, a confusão apresentada realmente não seria problema, já que o importante seria entender o conceito por detrás do nome. Esta forma tradicional de pensar a linguagem se refere a uma perspectiva semântica (área da lingüística que estuda a relação entre as construções lingüísticas e as coisas), que assume que os nomes carregam significados por si só (Oliveira, 2001). No entanto corroboramos o filósofo Wittgenstein (2005), que propôs que os nomes não representam as coisas em si, mas é o uso que fazemos dos nomes que determina o significado das coisas. Esta visão, pragmática (área da lingüística que trata das características do uso da linguagem), em oposição à semântica, assume que os significados dos nomes são construídos pelo seu uso. Desta forma, Oliveira (2001) conclui que só podemos chegar realmente à semântica através da pragmática, pois é daí que surge o verdadeiro significado dos nomes, sempre de forma contextual e ambivalente. Tomemos como exemplo a seguinte frase: “Meu carro quebrou”. Se dito a um amigo na saída do trabalho, isso pode significar um pedido implícito de carona. Se dito à pessoa que lhe vendeu o carro, pode ser uma acusação. Ainda, se dito a um professor após um atraso para a aula, pode ser uma desculpa ou explicação.

Wittgenstein (2005), ao refletir sobre o que faz com que os nomes assumam diferentes significados, de acordo com seu uso, desenvolveu a teoria dos jogos de linguagem, em que aponta que as regras de uso dos nomes são estabelecidas dentro de cada comunidade lingüística e é só assim que estes têm sentido ou significado. Cada comunidade, portanto, terá seu próprio jogo de linguagem. Então,

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“balada” para um jovem paulistano pode significar festa, agitação, comemoração, enquanto para um casal de meia idade pode significar uma música romântica feita para se dançar a dois. Neste caso, isto não chega a ser um problema, pois tais grupos fazem parte de diferentes campos sociais (Bourdieu, 1984) e cada campo social tem seu próprio jogo de linguagem.

Entretanto pensemos numa situação em que diferentes pessoas usem o termo “balada”, ora com um sentido ora com outro, dentro de um mesmo campo social. Parece-nos que seja isto o que está acontecendo com o uso do termo “valor” na academia de marketing. Tal confusão parece estar contaminando vários trabalhos, que se utilizam de mais de um dos conceitos de valor, para se referirem a apenas um deles; ou, ainda, que se utilizam da definição de um para operacionalizar outro. Entendemos que o resultado dessa confusão possa comprometer a qualidade do conhecimento produzido. Imaginemos este exemplo: um pesquisador elabora questionário para levantar dados sobre um conceito e inclui perguntas que levantam informações sobre outro. Agora imaginemos outro: os dados levam a implicações gerenciais, mas o máximo que poderiam contribuir seria para a solução de um outro problema que não aquele a que se está referindo.

Acreditamos que isto ocorra por assumir-se uma perspectiva semântica em relação ao termo valor, ou seja, pressupondo-se que o termo irá, no final das contas, representar uma mesma coisa. Para Wittgenstein (2005) este não é um problema simples. O pensador acreditou que vários dos problemas filosóficos – e do próprio conhecimento, por conseguinte – são advindos de maus entendimentos gramaticais. Aqui, Wittgenstein separou a gramática em duas: a superficial e a profunda. A superficial é aquela que conhecemos e que aprendemos na escola, comumente chamada simplesmente de gramática. Por sua vez, a gramática profunda refere-se àquela dos jogos de linguagem. Desta forma, cada jogo de linguagem tem sua própria gramática. Se o discurso científico já pode ser considerado, por si só, um jogo de linguagem (Lyotard, 2002), não parece estranho assumirmos que cada disciplina desenvolva suas especificidades neste jogo e, portanto, em última instância, seu próprio jogo de linguagem. Isto quer dizer que se estivermos corretos, nossa gramática profunda em relação ao termo valor pode estar sendo contaminada por sua gramática superficial, e nos levando ao risco de, através de seu uso, chegarmos ao ponto de não mais sermos capazes de discernir seus diferentes significados e continuarmos a gerar um conhecimento com qualidade e confiabilidade questionáveis, pelo menos neste aspecto. O impacto disto é crítico, tanto para a ciência quanto para as aplicações práticas que deste conhecimento se façam no plano de gestão de marketing das organizações.

Está aí a razão por que a visão de Wittgenstein sobre a filosofia é de que esta deva ser “uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento pelos meios da nossa linguagem” (2005, p.71). Inspirados por sua tão contundente assertiva, desenvolvemos o presente trabalho, que tem por objetivo analisar o uso conceitual do termo valor, no sentido de identificar se realmente se sustentam as nossas hipóteses de que existam trabalhos acadêmicos que se utilizam de mais de um dos conceitos de valor, para se referirem a apenas um deles; e/ou que se utilizam da definição de um para operacionalizar outro. PPPPROCEDIMENTOS ROCEDIMENTOS ROCEDIMENTOS ROCEDIMENTOS MMMMÉTODOÉTODOÉTODOÉTODO----ANALÍTICOSANALÍTICOSANALÍTICOSANALÍTICOS

Nosso estudo se caracteriza como revisão crítica, com base lingüístico-filosófica, em perspectiva pragmática. O procedimento metodológico adotado foi o de desk research. Para a seleção dos dados, procedemos à construção de um corpus de pesquisa (ver Bauer & Aarts, 2002), composto pelo conjunto de artigos de Marketing publicados nos últimos cinco anos dos Encontros da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação de Administração (ANPAD). Para análise dos dados, fizemos uso da análise documental, que tem por base a análise de conteúdo clássica dos documentos selecionados para composição do corpus de pesquisa (Pimentel, 2001). O procedimento nos levou a considerar 5 Encontros da ANPAD (EnANPADs) e o primeiro EMA (Encontro de Marketing da ANPAD), totalizando 305 artigos publicados. A Tabela 1 mostra a distribuição de artigos por ano/evento.

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Tabela 1: Distribuição dos Artigos Publicados por Ano/Evento

Evento Ano Total de artigos em Marketing EnANPAD 2000 43 EnANPAD 2001 40 EnANPAD 2002 51 EnANPAD 2003 51 EnANPAD 2004 60

EMA 2004 60 Total 305

Devido ao nosso objetivo de investigação, nossa revisão crítica foi antecedida por duas etapas: a construção do nosso corpus de pesquisa e análise inicial para a classificação dos textos, conforme segue. Construção do Construção do Construção do Construção do CCCCorpusorpusorpusorpus de de de de PPPPesquisaesquisaesquisaesquisa

Nosso corpus de pesquisa passou por um processo de qualificação. Tal procedimento passou por fase de filtragem e outra analítica, que reduziu o número de artigos para análise a 27. A fase de filtragem contou com quatro diferentes etapas. Na primeira, excluímos os artigos escritos em língua inglesa, já que o problema que descrevemos deveria ser tratado exclusivamente em nossa língua. Na segunda etapa, excluímos os artigos que não se utilizaram do termo valor, procedimento que foi realizado através do mecanismo de busca por palavras disponível no MS Word XP (para os Anais dos EnANPADs de 2000 à 2003) e no Adobe Reader 6.0 (para os Anais do EnANPAD 2004 e do EMA). Na terceira etapa, excluímos os artigos por uso não-conceitual do termo valor, ou seja, quando o termo era utilizado para denotar não um conceito, mas um termo coloquial. A quarta e última fase de filtragem da qualificação do corpus consistiu na separação entre o uso conceitual do termo “valor” em marketing dos advindos de outras disciplinas (e.g., cadeia de valor), por entendermos tratar-se apenas de apoios conceituais.

Tabela 2: Processo de Qualificação dos Textos para Análise

Evento Ano E

tapa

1

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pa 2

Eta

pa 3

Eta

pa 4

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ítica

EnANPAD 2000 3 3 18 4 28 15 15 0 0 0 0 EnANPAD 2001 2 2 15 2 21 19 15 1 2 1 3 EnANPAD 2002 5 2 13 8 28 23 16 0 3 4 7 EnANPAD 2003 4 1 15 7 27 24 18 1 2 3 5 EnANPAD 2004 4 0 13 7 24 36 32 1 2 1 3

EMA 2004 3 1 11 7 22 38 29 0 5 4 9 Total 21 9 85 35 150 155 125 3 14 13 27

A filtragem reduziu o corpus a 155 artigos. Numa segunda fase de qualificação, excluímos a quinta

etapa, isto é, os artigos que faziam uso do conceito de valor apenas como apoio conceitual ou como clichê (e.g., uso do termo valor agregado, definindo “produto ampliado”). Na sexta e última etapa, excluímos os artigos por uso de conceitos de valor pouco significativos na amostra. Além dos três conceitos de “valor” por nós antecipados, identificamos outros três, sendo dois relativos a marcas (valor da marca e valor de marca) e outro a acionistas (valor para o acionista). Contudo encontramos

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apenas um texto referente a cada conceito, o que nos fez crer que gerariam uma discussão pífia e incongruente com nossos objetivos. A Tabela 2 sintetiza o processo. Análise Análise Análise Análise IIIInicial nicial nicial nicial para para para para CCCClassificação dos lassificação dos lassificação dos lassificação dos TTTTextosextosextosextos

Após a seleção dos textos para análise, procedemos a uma leitura inicial deles, com o intuito de classificá-los em relação ao conceito de valor em que se baseavam, bem como para sensibilizar-nos em relação aos textos, aspecto fundamental para o tipo de análise ora desenvolvida. Apesar de já nesta primeira leitura ter sido possível perceber que muitos dos artigos se utilizaram de mais de um conceito, não consideramos esta questão para essa fase classificatória, já que a descoberta é o propósito mesmo de nossa investigação, devendo esta ficar para discussão na revisão crítica. A identificação de um artigo com um conceito ocorreu aqui; ou seja, percebeu-se em relação a que conceito o artigo pretendia referir-se, o que não quer dizer se neste “pretender” o objetivo foi alcançado ou não.

A Tabela 3, página 11, apresenta os 27 artigos selecionados, já os classificando sob determinado conceito e indicando seu uso como construto ou como variável. Na primeira coluna da tabela os artigos são indicados pelos seus códigos em nosso corpus, forma como eles serão tratados em nossa análise. Para tal codificação, estabelecemos os seguintes procedimentos: 1) no caso do EMA, como só houve um Encontro e todos os artigos são de Marketing, utilizamos o código original do artigo no evento; 2) quanto aos textos publicados em EnANPADs, acrescentamos ao código original – que é apresentado pela sigla MKT e acompanhado pelo seu número de inscrição – o ano do evento. Então, por exemplo, o artigo MKT-698 do EnANPAD de 2002 foi codificado como MKT-698_2002. RRRREVISÃO DOS EVISÃO DOS EVISÃO DOS EVISÃO DOS CCCCONCEITOSONCEITOSONCEITOSONCEITOS

Para que nossa revisão crítica ocorresse de forma mais fluida, optamos por apresentar antecipadamente essa revisão dos conceitos identificados em nossa amostra. Antes disso, contudo, dois comentários nos parecem pertinentes. O primeiro é que esta revisão não se baseia no estado-da-arte dos conceitos, mas em como os autores dos artigos de nossa amostra o fizeram, o que, em última instância, é o que interessa a este estudo. Contudo não reproduzimos as definições de tais autores, mas fazemos uma discussão sobre elas, no que já chegamos a antecipar o tom crítico desta revisão.

O segundo comentário se refere aos termos utilizados para nos referirmos aos três conceitos analisados. Optamos por chamá-los, respectivamente: valor para o cliente, valor do cliente para a empresa e valor do cliente. Vale aqui uma pequena explanação sobre as escolhas. Quanto ao primeiro, valor para o cliente já é o termo mais amplamente adotado pela literatura. Entretanto, adotamos tal termo por entendermos que se o conceito se refere ao valor que uma organização, através de uma oferta, entrega ao cliente, então a preposição para antes do artigo definido se mostra adequada. Por outro lado, como vimos, o termo valor do cliente é utilizado para expressar os outros dois conceitos. Em nossa análise, concluímos que, se o valor em exame, em relação ao segundo conceito, é para a empresa com a qual o cliente se relaciona, então a preposição “de” antes do artigo não parece cabível, já que, para tanto, o valor teria que ser do cliente. Achamos adequado acrescentarmos uma segunda preposição e um segundo artigo relativos a um segundo sujeito, neste caso, o mais importante no conceito: a empresa. Acreditamos, portanto, que valor do cliente para a empresa defina melhor este conceito, já que se refere ao valor que um cliente tem para uma empresa, ao relacionar-se com esta. Por sua vez, o termo valor do cliente nos pareceu adequado para o terceiro conceito, já que este define o valor pessoal do cliente. De qualquer forma, ainda que esta nos pareça uma proposta adequada, não é nosso objetivo aqui definir , em instância última, os termos para tais conceitos. Esta proposta terminológica vem aqui, antes, ocupar um papel instrumental, que é o de termos como nos referir a cada um dos conceitos. Devido a isto, vamos mantê-los sempre entre aspas neste trabalho.

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Quadro 1: Síntese dos Conceitos de Valor Analisados

Conceito de valor Definição mais utilizada Autores Valor do cliente Consumidores traduzem atributos de produtos

em benefícios que estes produzem e que, em última instância, traduzam a orientação de seus valores pessoais.

Reynolds e Gutman (1988), Woodruff e Gardial (1996), Leão e Mello (2001; 2002).

Valor do cliente para a empresa

Total dos valores de consumo do cliente ao longo de sua vida de consumo em uma empresa.

Rust et al. (2001), Blattberg e Deighton (1996), Silva e Freitas (2002).

Valor para o cliente

Avaliação geral pelo consumidor da utilidade de um produto baseado em percepções do que é recebido e do que é dado.

Zeithaml (1988), Fornell, Jonhson, Anderson, Cha, & Bryant (1996), Holbrook (1999).

Para melhor visualização dos conceitos tratados, o Quadro 1 apresenta uma síntese deles.

Valor do Valor do Valor do Valor do CCCClientelientelienteliente

A base teórica do conceito de valor do cliente, nos textos de nossa amostra que fazem uso dele, é a teoria de cadeias de meios-fim, que propõe que consumidores traduzem atributos de produtos em benefícios que estes produzem e que, em última instância, traduzam a orientação de seus valores pessoais – um modelo hierárquico chamado A-C-V, devido às iniciais de seus níveis (Reynolds & Gutman, 1988; Perkins & Reynolds, 1988).

Aqui, a definição de valores assume a perspectiva da psicologia social, tendo sido apontados por Rokeach (1968, 1973) como centrais, tanto para a vida dos indivíduos quanto para a sociedade como um todo. Para o autor (Rokeach, 1979), os valores podem ser identificados como pessoais ou individuais; ou sociais, isto é, institucionais, culturais, organizacionais. No entanto, como dois lados da mesma moeda, são ambos partilhados socialmente. Enquanto o primeiro, de cunho psicológico, se apresenta como representações cognitivas de objetivos institucionais, o segundo apresenta-se sob cunho sociológico, como representações cognitivas de necessidades pessoais e dos meios para satisfazê-las. Ou seja, valores sociais são crenças partilhadas que caracterizam um grupo de pessoas e definem o comportamento aceito como normal para uma sociedade ou grupo; valores pessoais, por outro lado, definem o comportamento aceito como normal para um indivíduo. Vale ressaltar que, sendo o ser humano um ser social, os valores da sociedade ou grupos de referência influenciam seus próprios valores pessoais. No entanto, uma vez internalizados, esses valores tornam-se, de fato, pessoais e determinantes de comportamento individual. Para o estudo de comportamento do consumidor, sua importância se deve a que são determinantes de atitude; esta, por sua vez, é tomada como forte indicador de comportamento.

Nos trabalhos desenvolvidos em torno da teoria de cadeias de meios-fim o termo customer value (original do inglês para valor do cliente) não é utilizado. Quem o faz é Robert B. Woodruff e seus colegas (ver Woodruff & Gardial, 1996; Woodruff, 1997; Flint, Woodruff & Gardial, 2002), que definem o conceito de customer value com base em tal teoria. Apesar disto, tais autores desenvolvem seu conceito também considerando o de valor para o cliente. Na análise do nível das conseqüências de uso dos produtos, eles definem o valor destas com base no conceito de valor para o cliente. De fato, o que os autores apresentam é o conceito de valor para o cliente como uma das facetas do conceito de valor do cliente. A base do primeiro conceito aparece em sua proposta, tendo em vista que o valor oferecido ao cliente deve por este ser percebido. Entretanto, no desenvolvimento teórico de valor do cliente, o valor percebido pelo cliente seria o reconhecimento da oferta de seus próprios valores através dos produtos que ele usa. Isto quer dizer que, para o autor e seus colegas, o valor para o cliente se realiza a partir do valor do cliente.

Um problema aqui é que esta questão só fica evidente no livro de Woodruff e Gardial (1996). Em um artigo seguinte (Woodruff, 1997), o autor apresenta seu conceito de customer value como um

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alternativo a outras definições dele. Ora, nosso leitor pode estar agora questionando se, então, Woodruff realmente não estaria referindo-se ao conceito de valor para o cliente. Contudo entendemos que, estando seu conceito baseado na teoria de cadeias de meios-fim, ele está, necessariamente, definindo valor do cliente. Cabe nos questionarmos se o próprio Woodruff não teria sido enfeitiçado pelos meios da linguagem. Valor do Valor do Valor do Valor do Cliente Cliente Cliente Cliente para a para a para a para a EmpresaEmpresaEmpresaEmpresa

O conceito de valor do cliente para a empresa (customer equity), adotado nos artigos analisados que fazem uso dele, se baseia em Rust et al. (2001), em que este pode ser definido como o total dos valores de consumo do cliente ao longo de sua vida de consumo em uma empresa. O termo customer equity foi cunhado por Blattberg e Deighton (1996) e desde então tem sido um dos maiores focos de atenção em marketing, por estar no centro de uma importante discussão atual: os Marketing Metrics. Neste sentido, vale destacar que tal conceito está atrelado a outro: o de lifetime customer value, que significa o valor total de contribuições diretas e indiretas para medir o lucro gerado por cada consumidor individual durante todo o ciclo de vida. De fato, o lifetime customer value tem sido assumido como maneira de quantificar o valor do cliente para a empresa. Silva e Freitas (2002) sugeriram que se denota, portanto, uma convergência de sentido e objetivo na utilização dos dois conceitos, o que as faz assumi-los como um só, no que concordamos.

Uma observação importante é que também no conceito de valor do cliente para a empresa o valor para o cliente aparece como uma de suas facetas, segundo a proposta de Rust et al. (2001). O que os autores argumentam é que seria mais importante focar no valor do cliente para a empresa (customer equity) do que no valor da marca (brand equity). Neste sentido, propõem uma estrutura tridimensional de valor do cliente para a empresa, composto pelo próprio valor da marca, além do valor de retenção (retention equity) e do valor para o cliente, por eles chamado de valor do valor (value equity).

Valor para o Valor para o Valor para o Valor para o CCCClientelientelienteliente

De forma geral, os artigos de nossa amostra que se utilizam do conceito de valor para o cliente o fazem, direta ou indiretamente, com base na definição de Zeithaml (1988), que o apresentou como a avaliação geral pelo consumidor da utilidade de um produto baseado em percepções do que é recebido e do que é dado. Contudo merece uma crítica o trabalho de Zeithaml (1988). Ao fazer um levantamento sobre trabalhos que, segundo ela, propõem relações entre qualidade e valor (um de seus objetivos no estudo em tela) através de modelos de cadeias de meios-fim, a autora também parece ter sido enfeitiçada pelos meios da linguagem. Ela aponta trabalhos baseados na teoria de cadeias de meios-fim como base para o seu. O modelo proposto pela autora também se baseia numa lógica de meios-fim, em que atributos levam à percepção de qualidade e, por fim, à percepção de valor. Contudo, como vimos, os valores que a teoria de cadeias de meios-fim está se utilizando é outro (i.e. valores pessoais); e a autora o interpreta como um payoff conseqüente dos benefícios de um produto. Algo, portanto, similar ao valor para o cliente. Felizmente, este enfeitiçamento não contaminou sua definição conceitual. Entretanto pode ter confundido outros autores que se utilizaram deste seu trabalho, que já se tornou clássico. Consideramos até mesmo a hipótese de que isso ocorreu com Woodruff em relação ao problema que apontamos duas seções atrás.

Outro conceito de valor para o cliente, adotado em trabalhos de nossa amostra, foi o de Fornell et al. (1996), que propuseram que valor seja o nível percebido da qualidade do produto relativo ao preço pago. Comparado ao conceito de Zeithaml (1988), pode-se perceber que este tem uma base ainda mais utilitária do que aquele, visto que se focaliza a relação qualidade-preço, desconsiderando, assim, custos não monetários e benefícios extrínsecos ao produto.

Finalmente, um último conceito de valor para o cliente adotado se baseia em Holbrook (1999). O autor definiu o valor – por ele chamado de valor de consumo – como sendo interativo, relativo,

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preferencial e experiencial e chega a desenvolver sua própria tipologia. Assumindo uma perspectiva axiológica, seu conceito de valor refere-se à avaliação de um objeto por um sujeito (i.e. de um produto por um consumidor). Apesar de ser apresentado – e por que não dizer, pensado – de forma diferente, entendemos que se trata, em essência, da mesma perspectiva assumida por Zeithaml (1988), já que uma oferta está sendo estimada em seu valor pelo cliente.

RRRREVISÃO EVISÃO EVISÃO EVISÃO CCCCRÍTICA DOS RÍTICA DOS RÍTICA DOS RÍTICA DOS TTTTEXTOSEXTOSEXTOSEXTOS

Apesar de apresentada de forma conjunta, nossa revisão crítica foi realizada em duas etapas. Na primeira identificamos a coerência ou não do desenvolvimento e operacionalização do conceito adotado em cada texto. O propósito aqui foi o de levantar possíveis inconsistências, que deveriam ser corroboradas ou não pela segunda fase. Esta, por sua vez, se baseou no uso da literatura de base dos trabalhos aqui analisados, com o objetivo de comparar o uso dos conceitos por estes últimos, podendo, evidentemente, corroborar uma incoerência conceitual ou, por outro lado, apontar a incoerência já na literatura de base. A Tabela 3 apresenta a síntese analítica da revisão que segue, destacando-se, neste aspecto, que ela apresenta apenas os resultados relativos às nossas hipóteses, ou seja, segundo os critérios de conceituação e operacionalização, aos quais atribuímos o conceito de consistente ou enfeitiçado; contudo outros comentários importantes, não cabíveis em tal síntese, são feitos ao longo do texto. Valor do Valor do Valor do Valor do CCCClientelientelienteliente

Os dois textos publicados com base no conceito de valor do cliente (MKT-45_2001 e MKT-698_2002) são dos mesmos autores. Tanto a conceituação quanto a operacionalização mostram-se consistentes em torno do conceito. No primeiro caso, os autores se apóiam em trabalhos, como os de Reynolds e Gutman (1988) e Woodruff e Gardial (1996), entre outros. Analiticamente, fizeram uso da técnica laddering, que funciona quase como espelho da teoria de cadeias de meios-fim, tendo em vista que visa exatamente alcançar as relações do modelo A-C-V, o que é feito através de uma entrevista semi-estruturada (sobre o que já citaram Reynolds & Gutman, 1988; Perkins & Reynolds, 1988, entre outros).

Um problema que podemos apontar nos artigos é o fato de que, para justificar a importância do construto, os autores indicaram como referência trabalhos que se referem ao conceito de valor para o cliente, como é o caso de Sinha e DeSarbo (1998), por exemplo. Não podemos apontar este como caso de enfeitiçamento, já que conceitual e analiticamente os autores não deixam dúvidas sobre o conceito adotado. Contudo essas citações podem causar dúvidas a quem estiver menos prevenido ou apenas olhar o trabalho de relance. Resta saber se se tratou de um equívoco – o que não pode ser desconsiderado, se tivermos em vista que em inglês ambos os conceitos compartilham de um mesmo nome (customer value) e que os autores se baseiam em Woodruff e Gardial (1996) para sua definição de valor, que, como já vimos, apontam o valor para o cliente como uma faceta do valor do cliente – ou de um elemento de retórica, considerando-se que este último conceito seja bem mais amplamente conhecido. Valor do Valor do Valor do Valor do CCCCliente para a liente para a liente para a liente para a EEEEmpresampresampresampresa

Dentre os quatro textos publicados com base no conceito de valor do cliente para a empresa, três trabalham-no como construto (MKT-1954_2002, MKT-1402_2003 e EMA0036) e apenas um como variável (MKT-879_2002). Os três primeiros artigos usam o termo valor do cliente, numa clara influência da tradução do livro de Rust et al. (2001), no qual todos se basearam. Por sua vez, o texto que se utiliza do conceito como variável o enquadra no construto rentabilidade, em que este se baseia tanto no valor atual quanto no valor potencial do cliente para a empresa. É em relação a este último

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que os autores se utilizam do conceito de valor do cliente para a empresa (no caso, lifetime customer value).

De forma geral – com um senão em relação ao segundo artigo, o que será mais bem discutido a seguir, todos os artigos definem consistentemente o conceito. Também em todos os artigos a operacionalização se mostrou consistente, tendo como bases os modelos de Blattberg e Deighton (1996), Berger e Nasr (1998) e Rust et al. (2001), os quais mensuram justamente o lifetime customer value.

É importante destacar que dois dos artigos (MKT-1954_2002 e MKT-1402_2003, os quais têm uma mesma co-autora, apresentam preocupações de ordem semântica em relação ao nome do conceito de valor de que se utilizam. O primeiro aponta a tradução da literatura de língua inglesa para o português, em que suas autoras sugerem que o termo valor do cliente (a forma como apresentam valor do cliente para a empresa) é confundido com o termo valor para o cliente. O curioso é que, de fato, esta não é uma confusão comum. Como já discutimos, a confusão mais comum, em termos de usos de termos definidores dos conceitos, é aquela entre valor do cliente e valor do cliente para a empresa – por ambos serem chamados de valor do cliente. Entretanto, foi apenas no mesmo ano deste artigo que surgiu o termo valor do cliente para definir o conceito de valor do cliente (MKT-698_2002). Talvez o que as autoras apontam tenha base num problema não do termo definidor dos conceitos, mas em seu uso. Como vimos na seção de revisão dos conceitos, Rust et al. (2001) consideraram este conceito como uma faceta do valor do cliente para a empresa.

O segundo artigo (MKT-1402_2003), este, sim, tem como preocupação semântica o fato de tanto o conceito de valor do cliente quanto o de valor do cliente para a empresa se apresentarem como valor do cliente. Entretanto, ao invés de discutir as diferenças conceituais entre os dois, as autoras assumiram ambos como um mesmo conceito, diferenciados por seus aspectos qualitativos e quantitativos, respectivamente. Fazem isto com base no trabalho de Leão e Mello (2001) em relação ao primeiro e na literatura sobre lifetime customer value para o segundo. Ora, este é um problema grave de enfeitiçamento. Podemos apresentar pelo menos três razões para nossa afirmação. Primeiro, se é verdade que a literatura de ambos os conceitos discute que estes tenham no valor para o cliente uma faceta, o mesmo tipo de relação não ocorre entre os conceitos aqui discutidos. Segundo, o fato de o estudo de Leão e Mello (2001) ser de natureza qualitativa não define o construto valor do cliente como passível de investigação apenas desta forma. Neste sentido, Woodruff e Gardial (1996) apontaram a possibilidade de realizar pesquisas quantitativas de tal construto. Finalmente, e ainda sobre essa questão, entendemos que querer reduzir a conceituação de um construto ao seu aspecto método-analítico seja de um reducionismo sem par. Afinal, se assim fosse, construtos que “nascem” de uma investigação exploratória qualitativa nunca seriam passíveis de mensuração, bem como aqueles fortemente investigados por esta ótica não seriam passíveis de observação compreensiva. Felizmente, tal enfeitiçamento não chegou a contaminar a definição de valor que as autoras assumem, bem como sua operacionalização, como já antecipamos. Ainda assim, a discussão apresentada pelas autoras pode vir a contaminar trabalhos outros, que se utilizem do seu artigo como referência de construção teórica, o que, em última instância, possibilita o problema identificado em nossas hipóteses. Valor para o Valor para o Valor para o Valor para o CCCClientelientelienteliente

Dos 21 artigos que se utilizam do conceito de valor para o cliente, treze o fazem como variável. A maioria deles (nove) assume, direta ou indiretamente, o conceito de valor proposto por Zeithaml (1988). Vem daí o uso do termo, nesses casos, quase sempre como “valor percebido” ou simplesmente valor, como é o caso da própria autora. Não acreditamos que este seja um problema, já que para uma oferta de valor para o cliente ser realmente valiosa, é importante que tal valor seja percebido. De fato, entendemos que se trata de dois lados da mesma moeda. Enquanto o conceito, ao assumir o termo valor para o cliente, se apresenta na direção da empresa para o cliente, torna-se na direção do cliente para a empresa, na certificação de se este percebeu tal valor.

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Como antecipamos, o conceito proposto por Zeithaml (1988) nem sempre é adotado diretamente. Com isto, queremos dizer que ocorrem casos de artigos se basearem em outros autores que, por sua vez, já se haviam baseado naquela autora. De fato, dos nove artigos aqui identificados, apenas um (MKT-2110_2004) bebe diretamente na fonte. Os demais chegam ao conceito proposto por Zeithaml (1988) através de outros autores, por estarem replicando ou adaptando os modelos destes. Entre esses, o artigo MKT-636_2003, replica o estudo de Baker, Parasuraman, Grewal e Vloss (2002). Por sua vez, os artigos MKT-399_2002 e MKT-1453_2004 adaptam e os artigos MKT-1313_2001, MKT-1374_2002, EMA0046 e EMA0280 baseiam-se parcialmente no modelo proposto por Sirdeshmukh, Singh e Sabol (2002). Não se trata de coincidência. Os artigos são advindos de uma mesma Escola, tendo os quatro últimos uma mesma autora/co-autora, os dois primeiros um mesmo autor/co-autor e outro co-autor que trabalha com ambos (nos artigos MKT-399_2002 e MKT-1374_2002, respectivamente). Finalmente, ainda da mesma Escola, o artigo EMA0313 adapta o modelo de Agustín e Singh (2002).

Por outro lado, os demais quatro artigos (MKT-183_2001, MKT-1111_2003, EMA120 e EMA0319) têm em comum a adoção do conceito de valor proposto por Fornell et al. (1996). Desses, três assumem o conceito de valor percebido como variável antecedente de satisfação, enquanto o último, como antecedente de eqüidade, por sua vez, leva à satisfação e lealdade. Quanto ao modelo adotado, o artigo MKT-1111_2003 replica o de Fornell et al. (1996), enquanto o MKT-183_2001 faz uma adaptação deste e o EMA120 replica tal adaptação. Por fim, o artigo EMA0319 apresenta um modelo próprio com base em revisão de literatura.

Tabela 3: Síntese Analítica da Revisão Crítica

Conceito de valor

utilizado Forma de utilização do

conceito Conceituação Operacionalização

Artigo selecionado

Val

or d

o cl

ient

e

Val

or d

o cl

ient

e pa

ra

a em

pres

a

Val

or p

ara

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e

Con

stru

to

Var

iáve

l

Con

sist

ente

Enf

eitiç

ado

Con

sist

ente

Enf

eitiç

ado

MKT-45_2001 X X X X MKT-698_2002 X X X X MKT-1954_2002 X X X X MKT-1402_2003 X X X X

EMA0036 X X X X MKT-879_2002 X X X X MKT-2110_2004 X X X X MKT-636_2003 X X X X MKT-399_2002 X X X X MKT-1453_2004 X X X X MKT-1313_2001 X X X X MKT-1374_2002 X X X X

EMA0046 X X X X EMA0280 X X X X EMA0313 X X X X

MKT-183_2001 X X X X MKT-1111_2003 X X X X

EMA0120 X X X X EMA0319 X X X X

MKT-1072_2002 X X X X MKT-1526_2003 X X X X MKT-2375_2004 X X X [1] MKT-1852_2002 X X X X

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(conclusão) Tabela 3: Síntese Analítica da Revisão Crítica

Conceito de valor

utilizado Forma de utilização do

conceito Conceituação Operacionalização

Artigo selecionado

Val

or d

o cl

ient

e

Val

or d

o cl

ient

e pa

ra

a em

pres

a

Val

or p

ara

o cl

ient

e

Con

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to

Var

iáve

l

Con

sist

ente

Enf

eitiç

ado

Con

sist

ente

Enf

eitiç

ado

MKT-2256_2003 X X X X EMA0230 X X X X EMA0347 X X X [2]

EMA0154 X X X [2]

[1] Não possível se verificar [2] Não cabe

Considerando-se as hipóteses desenvolvidas por esses estudos, podemos concluir que todos os artigos tenham conceituado e operacionalizado o conceito de valor para o cliente consistentemente. Contudo um comentário vale ser feito. O artigo MKT-399_2002, tendo como base o trabalho de Sirdeshmukh et al. (2002), apresentou que a confiança impacta a lealdade através do valor; mas os autores do artigo examinado indicam que tal impacto ocorre pela mudança de percepção dos consumidores sobre a congruência de valores com o provedor do serviço e que a confiança impacta a similaridade de valores entre o cliente e a empresa. Ora, a forma como os autores apresentam esta idéia pode fazer parecer que os valores aqui tratados sejam os valores pessoais de clientes e provedores de serviço, o que desvirtuaria o conceito de valor para o cliente e apontaria o conceito de valor do cliente. De fato, o comentário de Sirdeshmukh et al. (2002) é sobre a percepção de congruência e a similaridade percebida dos valores, o que não causa a possibilidade de tal confusão. O problema dessa confusão está na possibilidade de este artigo servir como referência para algum outro, sem que seus leitores recorram ao original.

Além dos artigos que se utilizaram do conceito de valor para o cliente como variável, oito o fizeram como construto. Dois deles (MKT-1072_2002 e MKT-1526_2003), em que pese o fato de o autor do segundo ser co-autor do primeiro, o fazem adotando o conceito de valor de consumo, proposto por Holbrook (1999). Neste sentido, o primeiro artigo faz isto de forma explícita, adotando a própria tipologia do autor; o segundo, por sua vez, adota o conceito de forma implícita, já que se propõe a realizar uma grounded theory. Para sedimentar sua discussão sobre o conceito adotado, os autores se baseiam nos trabalhos de Wagner (1999) e Baudrillard (1995). Quanto à primeira, trata-se de uma escolha óbvia, pelo fato de a autora discutir mais profundamente a axiologia, base do desenvolvimento conceitual de Holbrook. Por sua vez, a escolha de Baudrillard, infelizmente, não traz uma melhor compreensão ao conceito de valor, como sugerem os autores. Baudrillard (1995) analisou os conceitos de valor de troca e de uso, propostos por Karl Marx – em última instância, os produtos enquanto mercadoria e utensílio, respectivamente – para propor que, além destes, existe o valor de troca/signo, em que os objetos têm valor na medida em que são signos de uma hierarquia social. Sem dúvida alguma, seria interessante discutir o conceito de valor para o cliente sob a óptica da conceituação de valor de Marx e Baudrillard, sobretudo se assumida uma condição de consumo simbólico. Entretanto não é isto o que os atores fazem e a rápida inserção neste aspecto termina por não contribuir para a discussão sobre valor para o cliente, correndo-se o risco até de gerar uma confusão em leitores menos avisados.

Apesar disto, o enfeitiçamento presente nesses artigos não ocorre na incursão pelo pensamento de Baudrillard, mas na própria gênese da proposta de Holbrook, afetando a conceituação desenvolvida nos artigos. Ao discutir o conceito de valor na ótica da axiologia, Wagner (1999) indicou que este é intangível, derivado das características tangíveis de um objeto, que é influenciado pelas características do sujeito, incluindo seus valores pessoais. Com base nisto, os autores dos artigos propõem que uma

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questão central para o marketing seja vislumbrar as relações entre valores pessoais dos consumidores e a forma como estes valorizam produtos e que, longe de fazer um tratado sobre valores pessoais, o modelo de Holbrook (1999) se concentra na segunda parte dessa equação (discussão do primeiro artigo). Ora, não existe nenhuma evidência no trabalho de Holbrook (1999) de que este se tenha preocupado com a primeira parte aqui sugerida. A definição de Wagner (1999) aponta os valores pessoais de um sujeito como uma das características influenciadoras de sua avaliação do valor de consumo (i.e., valor para o cliente). Se é verdade que seja importante vislumbrar as relações entre valores pessoais dos consumidores e a forma como estes valorizam produtos, esta preocupação está evidenciada na discussão conceitual de “valor do cliente” que, conforme já discutido, pressupõe que o que os clientes realmente valorizam num produto é o reconhecimento de seus próprios valores neste.

O enfeitiçamento de um dos autores fica mais evidente quando, no segundo texto, acrescenta a visão de valor de Vinson, Scott e Lamont (1977) que, por sua vez, se baseou justamente na influência de valores pessoais no consumo. Este aspecto tem forte e comprometedora influência sobre a operacionalização do construto neste artigo. Enquanto no primeiro artigo a escolha da tipologia de Holbrook (1999) fornece a consistência necessária para a coleta e a análise dos dados, pode-se perceber que, no segundo, os achados, classificados como valores de invasão e de proteção, apontam valores pessoais (e.g., “mulheres que quebram os discursos da família/sociedade e não voltam a eles” indica o valor da coragem, previsto por Rokeach, 1973). Isto é evidente no próprio texto, quando os autores concluem que “a família é a primeira instituição formadora de valores” (p.11).

Outro artigo (MKT-2375_2004) se propõe avaliar o valor para o cliente, que o autor chama de estrutura de valor para o cliente (sic) de Rust et al. (2001). O problema é que a proposta de tais autores, como vimos, se refere a uma estrutura de valor do cliente para a empresa, em que o valor para o cliente aparece apenas como uma de suas dimensões. O enfeitiçamento do autor é evidenciado quando este, após discutir os três tipos de valores que analisamos neste trabalho, apresenta a estrutura em apreço como sendo a base para se gerar o valor do cliente para a empresa e não como sua própria estrutura, como fica evidente no trabalho de Rust et al. (2001). O objetivo do trabalho foi apresentado como sendo o de desenvolver uma escala com base na tal estrutura vislumbrada pelo autor. Infelizmente o texto não apresenta nenhuma das descrições das variáveis, mas apenas o processo de construção da escala, tornando difícil a avaliação de que o conceito tenha sido bem operacionalizado. Contudo, por assumir como base outro conceito e apontar que serve como base para o cálculo do valor do cliente para a empresa, podemos questionar sua consistência e, portanto, acreditar que se trata de um enfeitiçamento também na operacionalização (apesar de não apontarmos na Tabela 3).

Outros quatro artigos baseados no conceito de valor para o cliente (MKT-1852_2002, MKT-2256_2003, EMA0230 e EMA0347) evidenciam-se enfeitiçados, ao apresentarem clara confusão com o conceito de valor do cliente. O primeiro e o segundo artigos, em que a autora do segundo é também co-autora do primeiro, apresentam, em sua revisão de literatura, várias formas de definição do conceito de valor para o cliente e recorrem a Woodruff (1997) para indicar a multiplicidade de suas definições – aspectos presentes no artigo em apreço. Acabam por adotar o conceito do autor que, como já vimos, se refere a valor do cliente. Como se não bastasse, apresentam o conceito de valor do cliente, utilizado por Leão e Mello (2001) e, no segundo artigo, o de valor do cliente para a empresa, definido por Rust et al. (2001), como se fossem relativos a valor para o cliente. O curioso é que o segundo artigo, antes de apresentar tais questões, desenvolve uma abordagem filosófica de valor – a Axiologia que já comentamos – e a evolução do conceito, que passa pelas teorias de transação-específica de valor, de qualidade ajustada ao preço, de orientação pela utilidade e experiencial, com os respectivos autores mais relevantes. Evidentemente, em nenhuma delas aparece algum trabalho de Woodruff.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o artigo EMA0230 apresenta a mesma evolução do conceito presente no artigo MKT-2256_2003 e ainda acrescenta o trabalho de Luna, Peracchio, & Juan (2002) que, de fato, não trata do conceito em si, mas de sua influência sobre atitudes (com base em Rokeach, 1973), para desenvolver uma proposta de como aspectos transculturais e cognitivos influenciam o

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comportamento de navegação de websites. Não coincidentemente, acaba por acatar irrestritivamente todos os seus enfeitiçamentos.

Apesar do segundo artigo (MKT-2256_2003) não possibilitar uma análise da operacionalização do conceito, passagens deste indicam que a avaliação do construto foi a mesma do primeiro artigo (MKT-1852_2002). Neste último, sim, é possível observar a operacionalização, tendo em vista que as variáveis da pesquisa são apresentadas. O enfeitiçamento é nítido, pois estas variáveis se apresentam ora como relativas a valor para o cliente (e.g., “a alta administração solicita, ativamente, feedback do que nossos clientes mais valorizam”), ora como valor do cliente (e.g., “nossa empresa/UEN utiliza, regularmente, diferentes formas para conhecer quais são as conseqüências do uso de nossos produtos/serviços que facilitam o atingimento dos objetivos dos clientes”). É bem verdade que sempre que ocorre este último caso, as descrições das variáveis sentam-se sobre as conseqüências de uso dos produtos, apontado por Woodruff e seus colegas como o nível do conceito de valor do cliente em que está presente a faceta do valor para o cliente. Entretanto, para se extrair valor para o cliente das conseqüências de uso dos produtos, seria necessário analisar o uso em si, tendo em vista que é nesta ocasião que ocorre a avaliação de valor, e não a conseqüência em si, pois esta é elemento de elo entre as características dos produtos e os valores pessoais dos clientes – em que pese que, no enunciado que destacamos, se entenda por objetivo dos clientes justamente seus valores (Woodruff, 1997).

Por sua vez, o artigo EMA0230 também evidencia enfeitiçamento em sua operacionalização. A autora se utiliza da técnica grand tour, indicada por Woodruf e Gardial (1996), como alternativa ao laddering, para atingir as cadeias A-C-V. Ora, tal técnica, então, deve ser utilizada para operacionalizar o valor do cliente. Apesar de problemas na utilização da técnica, que fez com que o trabalho não apontasse para cadeias A-C-V, o que não cabe na presente discussão, os achados do trabalho se referem nitidamente a valores pessoais, o que afirma a inconsistência da operacionalização como sendo relativa a valor para o cliente.

Finalmente, ainda sobre os artigos baseados no conceito de valor para o cliente que se evidenciam enfeitiçados, ao apresentarem uma confusão com o conceito de valor do cliente, o artigo EMA0347 – cuja co-autora e autora dos dois primeiros citados é também sua co-autora – é um ensaio teórico que se propõe desenvolver proposições acerca do valor para o cliente, a partir de uma dimensão simbólica. As autoras assumem o conceito de Woodruff e seus colegas e, por dimensão simbólica de valor para o cliente, apresentam a base do conceito de tais autores, a teoria de cadeias de meios-fim, no que se baseiam fortemente no artigo de Leão e Mello (2001) e em outros trabalhos com base em tal teoria (e.g., Perkins e Reynolds, 1988). Ou seja, adotam o conceito de valor do cliente como se este fosse uma dimensão simbólica de valor para o cliente. Por ser um ensaio teórico, não existiu operacionalização do conceito. Entretanto o artigo lança novo enfeitiçamento sobre o uso dos diferentes conceitos de valor, que pode se espalhar-se, caso suas proposições venham a ser verificadas empiricamente.

Vale destacar que, apesar de entendermos que o enfeitiçamento desses últimos quatro artigos comentados possa ter ocorrido como conseqüência da possibilidade que levantamos de um enfeitiçamento anterior de Woodruff, autor sobre o qual todos se basearam, argumentamos que os gigantes, sobre cujos ombros nos sentamos comumente, não estão isentos de equívocos e, portanto, não podemos fazer leitura acrítica de seus trabalhos.

Por fim, no artigo EMA0154 trata-se de uma revisão de literatura sobre o conceito de valor para o cliente que, segundo os autores, apresenta falta de homogeneidade nas definições e ferramentas de mensuração do construto. Duas observações são aqui importantes. A primeira se refere à análise conceitual do construto, que foi cuidadosa, não só na apresentação de suas várias definições, mas também em identificar acuradamente como o conceito se insere como faceta, tanto de valor do cliente quanto de valor do cliente para a empresa. Entretanto o curioso é que os autores só apresentam modelos de mensuração de valor para o cliente com base nessas facetas (Rust et al., Flint et al., 2002). Ora, isto não parece sugerir que o construto, em si, não teria ferramentas próprias de mensuração. Por outro lado, enquanto os autores se concentram na dimensão valor do valor do modelo de Rust et al. (2001) e ainda esclarecem que os conceitos de valor para o cliente e valor do

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cliente para a empresa não devem ser confundidos, discutem os outros dois modelos como se fossem simplesmente relativos a valor para o cliente, sem considerar que neles, além da faceta deste, está sobretudo o conceito de valor do cliente. É impossível evidenciar-se aqui um enfeitiçamento, mas, no mínimo, uma confusão. Como as outras, esta pode vir a ter impacto sobre estudos posteriores. CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES

A conclusão deste estudo aponta a evidenciação das nossas hipóteses apenas nos casos em que o conceito de valor utilizado foi o valor para o cliente e, neste caso, sempre como construto. Pela diferença quantitativa de artigos baseados nesse conceito em relação aos outros, era de esperar mais problemas aqui. Entretanto, é impossível desconsiderar o fato de que nenhum dos artigos que se utilizaram dos outros dois conceitos tenha incorrido em enfeitiçamentos, bem como ter ocorrido no tratamento de valor para o cliente, como variável. A partir de nossa análise, concluímos que tal fato se deva sobretudo a duas questões. Primeiro, pelo fato da confusão conceitual já estar presente nos trabalhos originais. Parece que nossos pesquisadores estejam simplesmente replicando modelos e conceitos; nesta importação, trazem os problemas presentes nos trabalhos originais. Segundo, o fato de esse conceito ser também uma faceta dos outros dois parece estar confundindo os pesquisadores e levando-os a cair na tentação semântica de atribuir o mesmo significado a diferentes coisas apresentadas pelo mesmo nome. De qualquer forma, essas questões devem servir de alerta, mas nunca de justificativa. A interpretação crítica de teorias e conceitos é obrigação dos pesquisadores comprometidos com a fidedignidade de seus trabalhos.

Além desses comentários, uma descoberta deste estudo que, por motivo de escopo, ficou à sua margem, merece maior atenção. A quantidade de artigos que se utilizam do termo valor apenas como apoio conceitual, muitas vezes nem sequer conceituado, e/ou como clichê é grande. Isto parece indicar que o termo tenha virado moda entre nossos pesquisadores, o que, dependendo da intensidade e da repercussão dessa tendência, não seria, na óptica pragmática, menos grave do que as hipóteses levantadas neste estudo. Acreditamos que este aspecto mereça maior investigação, no que indicamos tal análise para futuras pesquisas.

Finalmente, reconhecemos como limitação de nossa pesquisa termos selecionado artigos publicados apenas em Encontros da ANPAD e, ainda mais, apenas relativos aos últimos cinco anos; mas considerarmos os Encontros da ANPAD o fórum mais importante da Administração no Brasil, o que justifica sua escolha. Por outro lado, o fato de o primeiro ano de nossa amostra não ter tido nenhum trabalho relativo a algum conceito de valor parece apresentar como evidência de que tais conceitos só tenham realmente começado a ser tratados amplamente por nossa academia nos últimos anos. Artigo recebido em 23.06.2005. Aprovado em 21.07.2006. RRRREFERÊNCIAS EFERÊNCIAS EFERÊNCIAS EFERÊNCIAS BBBBIBLIOGRÁFICASIBLIOGRÁFICASIBLIOGRÁFICASIBLIOGRÁFICAS Agustín, C., & Singh, J (2002). Satisfaction, trust, value and consumer loyalty: curvilinearities in

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Page 17: Artigo Mello e Leão

Uma Revisão Crítica sobre o Uso de Diferentes Conceitos de Valor no Marketing

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