artigo - partidos políticos e grupos de interesse

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Partidos políticos e grupos de interesse: definições, atuação e vínculos Wagner Pralon Mancuso Resumo Partidos políticos e grupos de interesse são instrumentos de mediação entre a sociedade e o Estado que estão presentes em todas as democracias contemporâneas. Este artigo sugere res- postas para três questões: i) qual é a natureza específica dessas organizações?; ii) que atividades políticas elas desempenham? e iii) que tipo de interrelações elas mantêm entre si? A resposta para a última questão no cenário brasileiro seria decisivamente favorecida pela regulamentação do lobbying e pelo aperfeiçoa- mento da legislação sobre financiamento de campanhas eleito- rais. O objeto deste artigo são os partidos políticos e os grupos de interesse. Esses dois tipos de organização são elementos característicos dos sistemas políticos democráticos contemporâneos, nos quais são tidos como instrumentos de mediação entre a sociedade e o Estado. O artigo procura na literatura da ciência política as respostas para três questões. A primeira se refere à natureza específica de cada uma das or- ganizações. Enfim, em que pensam os cientistas políticos quando fa- lam em partidos? O que entendem por grupos de interesse? Existe um acordo mínimo no que tange à forma de conceber essas organi- zações políticas? Quais são os aspectos mais controvertidos desse pro- blema? Leviathan 18.pmd 4/5/2010, 14:21 395

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Artigo - Partidos Políticos e Grupos de Interesse

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  • Partidos polticos e grupos de interesse:definies, atuao e vnculos

    Wagner Pralon Mancuso

    Resumo

    Partidos polticos e grupos de interesse so instrumentos de

    mediao entre a sociedade e o Estado que esto presentes em

    todas as democracias contemporneas. Este artigo sugere res-

    postas para trs questes: i) qual a natureza especfica dessas

    organizaes?; ii) que atividades polticas elas desempenham? e

    iii) que tipo de interrelaes elas mantm entre si? A resposta

    para a ltima questo no cenrio brasileiro seria decisivamente

    favorecida pela regulamentao do lobbying e pelo aperfeioa-

    mento da legislao sobre financiamento de campanhas eleito-

    rais.

    O objeto deste artigo so os partidos polticos e os grupos deinteresse. Esses dois tipos de organizao so elementos caractersticosdos sistemas polticos democrticos contemporneos, nos quais sotidos como instrumentos de mediao entre a sociedade e o Estado.

    O artigo procura na literatura da cincia poltica as respostas paratrs questes.

    A primeira se refere natureza especfica de cada uma das or-ganizaes. Enfim, em que pensam os cientistas polticos quando fa-lam em partidos? O que entendem por grupos de interesse? Existeum acordo mnimo no que tange forma de conceber essas organi-zaes polticas? Quais so os aspectos mais controvertidos desse pro-blema?

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    A segunda questo relativa s atividades que so tipicamenteatribudas s duas organizaes. Que atividades so essas? Elas soefetivamente desempenhadas pelos partidos e pelos grupos de interes-se? H algo que realmente difere a atuao dos dois tipos de agrupa-mento? Em que pontos a ao deles pode coincidir?

    Finalmente, a terceira questo diz respeito relao das organi-zaes entre si. Por que meios os grupos de interesse e os partidospolticos tradicionalmente se vinculam? A relao entre eles simtricaou assimtrica? De que forma a cincia poltica no Brasil lida com essetema?

    Definies

    Os partidos polticos podem ser definidos de duas maneiras uma mais abrangente, outra menos abrangente (Nicolau, 1996: 9-11).

    Conforme a definio ampla, um partido poltico pode ser en-tendido simplesmente como uma organizao que tem por objetivocolocar seus representantes no governo. Essa descrio abarca todosos tipos de partidos: aqueles que disputam eleies em pases demo-crticos (ou seja, que procuram colocar seus representantes no gover-no pela via competitiva), os partidos nicos (que probem a competi-o eleitoral e impem seus representantes no poder) e os partidosanti-sistema (que no se preocupam em vencer as eleies, mas emconquistar o poder por outros meios, eventualmente pela fora).

    Outra definio de partido poltico a definio restrita, que seaplica apenas aos partidos que atuam em sistemas polticos democrti-cos.

    Vrios autores importantes no mbito da cincia poltica adotamessa concepo reduzida. o caso, por exemplo, de Epstein (1982: 9),para quem um partido poltico qualquer grupo que procura angariarvotos para que determinados indivduos sejam eleitos sob sua sigla para ocupar cargos pblicos. Sartori (1982: 85-6) tambm define par-tido poltico por sua atividade no contexto eleitoral, pois, para ele, umpartido qualquer grupo poltico identificado por uma sigla oficial queapresenta em eleies, e seja capaz de colocar atravs de eleies (li-vres ou no), candidatos a cargos pblicos. Panebianco (1990: 34)

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    1 Na mesma linha de Almond & Powell Jr., Robert Salisbury (1977: 191), impor-

    tante estudioso dos grupos de interesse norte-americanos, afirma que a opinio

    de que todos os grupos so formados para influenciar as aes governamentais

    representa uma grande violncia aos fatos histricos e leva a equvocos impor-

    tantes na compreenso do fenmeno dos grupos de interesse.

    outro autor que distingue os partidos das demais organizaes presen-tes nos sistemas polticos a partir do ambiente em que aqueles desen-volvem suas atividades especficas: a arena eleitoral, na qual compe-tem por votos.

    Pelo acima exposto, no incorreto afirmar que parece haverum consenso mnimo entre estudiosos dos partidos polticos em tornodo conceito restrito de seu objeto de estudo: partidos polticos so or-ganizaes que competem por votos nas eleies (Nicolau, 1996: 10).

    Assim como no caso dos partidos polticos, tambm h defini-es abrangentes e definies reduzidas de grupo de interesse.

    Almond & Powell Jr. (1972: 53), por exemplo, apresentam umadefinio ampla. Para esses autores, um grupo de interesse qualquergrupo de indivduos ligados por laos particulares de preocupaesou de vantagens e que tm certa conscincia desses laos. Em funode sua abrangncia, essa concepo inclui todos os tipos de grupos deinteresse, independentemente das atividades que realizam, de seu graude organizao e das clivagens a partir das quais se constituem (tnica,regional, classista, profissional, dentre outras).

    Vrios autores, no entanto, preferem trabalhar com concepesmais restritas. Em sntese, essas concepes restritas focalizam somenteos grupos que apresentam demandas ao poder pblico.2

    De acordo com Salisbury (1977: 175), a definio restrita de grupode interesse presente de forma implcita ou explcita na literatura espe-cfica sobre o tema a seguinte: grupo de interesse uma associaoformalmente organizada que se dedica realizao de atividades quevisam a influenciar as decises a serem tomadas pelas autoridadesgovernamentais. Wootton (1972: 41), por sua vez, define grupo deinteresse como um ator particular, diferente de um partido poltico,que tenta influenciar um alvo pblico para atingir algum objetivo.Embora expressa em termos bastante diversos, a definio de grupode interesse apresentada por Wootton , em essncia, semelhante de Salisbury. H duas diferenas de menor relevncia entre elas. Em

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    primeiro lugar, Wootton enfatiza a diferena entre grupo de interessee partido poltico. Em segundo lugar, Wootton no exige ao contr-rio de Salisbury que o grupo de interesse seja uma associao for-malmente organizada.

    importante destacar que alguns autores optam por utilizar aexpresso grupos de presso no lugar de grupos de interesse, incorpo-rando ao prprio conceito a atividade que caracteriza os grupos.

    Key (1944: 213) um desses autores. Para Key, os grupos depresso so grupos que se empenham pela adoo ou pela rejeio de polticas pblicas que afetem os seus interesses. Meynaud (1960:44-5) tambm utiliza a expresso grupos de presso, que ao seu verdesigna rgos estranhos mquina governamental propriamente ditaque, desde o exterior, efetuam aes sobre as autoridades habilitadaspela Constituio ou por qualquer outro dispositivo regulamentar para preparar, suspender e executar decises. Ao contrrio de vriosautores (por exemplo: Wootton e Almond & Powell Jr.), Meynaud noconsidera os grupos que fazem parte da mquina governamental burocracia, gabinete de ministros, etc. como possveis grupos de pres-so. Pasquino (1982: 11) define grupo de presso como uma organiza-o que procura, atravs do uso de sanes (negativas punies- oupositivas prmios) ou da ameaa do uso delas, influenciar sobre deci-ses que so tomadas pelo poder poltico, seja a fim de manter a distri-buio prevalecente de bens, servios, honras e oportunidades, seja afim de conserv-la frente s ameaas de interveno de outros gru-pos ou do prprio poder poltico.

    Salisbury (1977: 176) prefere a expresso grupo de interesse expresso alternativa grupo de presso por dois motivos: i) porque pres-so um termo com forte conotao negativa e ii) porque pressopressupe uso de sanes nas relaes do grupo com o poder pblico,o que nem sempre ocorre.

    No obstante as pequenas diferenas de contedo ou de termi-nologia existentes entre as definies, os estudiosos dos grupos deinteresse tambm parecem partilhar de um consenso mnimo no quetange ao conceito restrito de seu objeto: grupos de interesse (ou depresso) so entidades diferentes de partidos polticos que entram emcontato com os decision-makers do poder pblico para influir em suasdecises.

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    Funes, semelhanas e diferenas

    O critrio utilizado por Almond & Powell Jr. (1972) para caracte-rizar a atuao dos grupos de interesse e dos partidos polticos ocritrio da amplitude das atividades das organizaes.

    De acordo com esses autores, a articulao de interesses a fun-o poltica tipicamente desempenhada pelos grupos de interesse, po-dendo ser definida (1972: 52) como o processo pelo qual os gruposapresentam demandas aos tomadores de decises polticas.

    O fato de que os grupos de interesse tradicionalmente realizam afuno de articulao no significa, no entanto, que essa uma funoexclusiva de tais grupos. Ao discutirem a questo das funes executa-das pelos partidos polticos, os autores consideram que a articulaode interesses tambm uma atividade exercida por eles. Sartori (1982)concorda com Almond & Powell Jr. ao afirmar que os partidos soagncias que exprimem para o governo as reivindicaes e os desejosdo povo. O mesmo se pode dizer de Bonavides (1983: 538), para quemo partido poltico, do mesmo modo que o grupo de presso, conduzos interesses de seus membros at as regies do poder aonde vo embusca de uma deciso poltica favorvel.

    Segundo Almond & Powell Jr., os partidos tambm realizam ou-tras atividades alm da articulao de interesses, tais como a agrega-o de interesses (a transformao das demandas de segmentos espe-cficos da sociedade em alternativas poltica gerais), o recrutamento decandidatos que pretendem ocupar cargos pblicos e a socializaopoltica dos membros.3

    Gianfranco Pasquino (1982: 12) se aproxima de Almond & PowellJr. ao corroborar a idia de que a articulao de interesses uma fun-o que pode ser desempenhada tanto pelos partidos polticos quantopelos grupos de interesse e que, portanto, no o que distingue a ativi-dade dos dois tipos de organizao. No entanto, Pasquino se afastadaqueles autores ao afirmar que os partidos nem sempre exercem opapel de agregar interesses sociais. Pasquino recorda que os partidos

    3 Epstein (1982: 77) acrescentaria como funo especfica dos partidos polticos a

    estruturao do voto, ou seja, o fornecimento aos eleitores de uma base para a

    sua opo eleitoral (por meio, por exemplo, da apresentao de plataformas po-

    lticas).

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    polticos podem representar os interesses de setores sociais estreitos,apresentando perspectivas muito parciais. o que Dobrowolski (1985:241) tambm sustenta, ao lembrar que os partidos polticos, s vezes,se apresentam como promotores dos interesses de uma classe determi-nada ou como portadores de uma ideologia especfica ( o caso dospartidos proletrios e dos partidos religiosos, por exemplo). Por outrolado, h muitos grupos de interesse que afirmam pugnar por objetivosamplos e variados (por exemplo: grupos feministas, grupos ecologistas,grupos de defesa dos direitos dos consumidores, entre outros).

    Segundo Pasquino, h vrios outros princpios que so to ina-dequados quanto a dade articulao/agregao para diferenciar ospartidos polticos dos grupos de interesse. O autor considera incorreto,por exemplo, afirmar que os partidos se distinguem dos grupos de inte-resse porque suas atividades so contnuas, ao passo que as atividadesdos grupos de interesse so intermitentes. De fato, muitos grupos deinteresse tambm atuam de forma contnua. Outras formas equivoca-das de distinguir partidos polticos e grupos de interesse so aquelasque remontam dimenso das organizaes (assim como h partidospolticos que so maiores que certos grupos de interesse, tambm hgrupos de interesse que so maiores que certos partidos polticos). Ouao mbito em que elas atuam (da mesma forma que existem grupos deinteresse locais e partidos polticos de carter nacional, tambm h gru-pos de interesse de abrangncia nacional e partidos polticos de atua-o localizada ou regionalizada).

    Para Pasquino e para outros autores que o acompanham nesseponto, tais como Key (1940: 209-13) e Meynaud (1960: 45) a distin-o entre os partidos polticos e os grupos de interesse reside no fato deque as primeiras organizaes possuem duas funes exclusivas: a dis-puta eleitoral e a gesto direta do poder pblico. Assim, os partidospolticos so organizaes que participam diretamente da arena eleito-ral e que procuram, por esse meio, ascender arena decisria, na qualas polticas pblicas so formuladas e implementadas. Por outro lado,os grupos de interesse so organizaes que no disputam eleiesmas cujas atividades visam a interferir em decises do poder pblicoque lhes dizem respeito.

    O conjunto de agncias que podem tornar-se alvos das ativida-des dos grupos de interesses muito diversificado. Algumas vezes osalvos escolhidos so organismos internacionais tais como a Unio Euro-

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    pia (Graziano, 1997; Egdell & Thomson, 1999). Outras vezes os alvosvisados so setores da administrao pblica de nvel nacional ouinfranacional (Galaskiewicz, 1981; Chubb, 1983; Pika, 1983; Heinz etalli, 1993; Thomas & Hrebrenar, 1999). A ao das entidades tambm dirigida com freqncia para organismos legislativos (Longley, 1967;Smith, 1984 e 1995; Wright, 1990; Tierney, 1992; Diana Evans, 1996;Diniz & Boschi, 1997 e 2000; Arago, 1994, 1996 e 2000) e para r-gos reguladores de servios pblicos concedidos iniciativa privada(Furlong, 1997; Figueiredo & Tiller, 1999).

    As decises polticas que provocam a ao dos grupos de inte-resse podem ser tomadas no mbito de uma nica agncia ou podemser descentralizadas, envolvendo vrias agncias diferentes (a tramitaode um projeto de lei federal, por exemplo, envolve a Cmara dos De-putados, o Senado Federal e a Presidncia da Repblica). Em ambosos casos os grupos de interesse podem comear a atuar desde os mo-mentos que antecedem o estgio deliberativo, tais como a) o momentoda definio das questes que iro compor a agenda das agncias, b) omomento da redao de projetos e c) o momento de debate e de nego-ciao em torno dos projetos existentes. As atividades de articulaotambm podem ocorrer durante o momento deliberativo propriamen-te dito. As atividades podem ocorrer ainda nas fases do processodecisrio que eventualmente sucedem o estgio deliberativo, tais comoa fase de regulamentao das decises tomadas e a fase de avaliao ede reviso das decises.

    Como enfatiza Mansbridge (1992), o carter das atividades dosgrupos de interesse no algo que possa ser definido de antemo. Osgrupos podem, por exemplo, dirigir suas atividades para a extrao derendas (rent-seeking). Agindo assim, esses grupos utilizam o poder queobtm a partir de sua capacidade de organizao e de suas fontes definanciamento para extrair do tesouro pblico benefcios que sero dis-tribudos para seus dirigentes, funcionrios e membros. O efeito dessasatividades tende a ser socialmente deletrio. Outros grupos, no entan-to, podem fornecer informaes e idias para os tomadores de decisodurante o processo deliberativo, na expectativa de que as solues en-contradas sejam as melhores possveis para todos. Nesse caso, o efeitodas atividades dos grupos de interesse pode ser socialmente positivo.

    H grupos de interesse cuja finalidade principal a obteno devantagens materiais para seus membros. No entanto, o auto-interesse

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    4 De acordo com Gros (1993), o primeiro ncleo do Instituto Liberal foi criado em

    1983, no Rio de Janeiro, por um pequeno grupo de grandes empresrios. Dez

    anos aps, em 1993, j existiam nove institutos em funcionamento em todo o

    pas. O principal objetivo dos institutos divulgar a ideologia liberal entre as elites

    do pas.

    material nem sempre o fator determinante (Orren, 1988). De fato, aatuao poltica de vrias entidades motivada a) por convices ideo-lgicas (por exemplo: o Instituto Liberal4 e os grupos que apiam oucombatem a pena de morte e o aborto), b) por princpios religiosos(por exemplo: Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil CNBB eConselho Nacional das Igrejas Crists no Brasil CONIC), c) pela defe-sa do interesse pblico (por exemplo: entidades ambientalistas, entida-des de defesa dos direitos do consumidor, entidades de combate corrupo na poltica e entidades de defesa dos direitos humanos), d)pela defesa de segmentos sociais especficos (por exemplo: grupos in-digenistas, grupos de apoio a portadores de deficincias ou doenasgraves, grupos de amparo a crianas carentes, dentre outros) ou aindapor outros fatores. Com muita freqncia as entidades so impulsiona-das por motivaes simultneas de natureza diversa.

    Inter-relaes

    As duas sees anteriores deste trabalho focalizaram os partidospolticos e os grupos de interesse em suas especificidades. Nesta seoo foco ser deslocado para as relaes que os dois tipos de organiza-o mantm entre si.

    De acordo com Almond (1957: 277) e Dobrowolski (1985: 244),o vnculo entre partidos polticos e grupos de interesse caso exista pode assumir formas diversas, tais como: i) filiao simultnea (queocorre quando um mesmo indivduo faz parte, ao mesmo tempo, doconjunto de membros das duas organizaes); ii) intercmbio de infor-maes (por exemplo: um grupo de interesse pode apresentar propos-tas e estudos a um partido poltico e receber notcias sobre a tramitaode projetos de lei de seu interesse), iii) partilha de posies ideolgicascomuns e iv) fluxo de recursos materiais (do grupo de interesse para opartido poltico e/ou do partido para o grupo).

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    O tema da relao entre partidos e grupos de interesse tambmfoi abordado por Panebianco (1990: 328-32). De acordo com Pane-bianco, a relao que um partido poltico mantm com um grupo deinteresse pode assumir trs configuraes distintas: domnio, subordi-nao e intercmbio equilibrado.

    A relao de domnio ocorre quando a liderana do grupo deinteresse depende dos recursos oriundos do partido poltico (recursosfinanceiros e/ou simblicos) para manter sua organizao e quandono h dependncia no sentido inverso. Nesse caso, como sustentaPasquino (1982: 13), o grupo de interesse dominado no pode usu-fruir de autonomia para realizar suas atividades.

    Na relao de subordinao acontece o contrrio. Agora o parti-do poltico depende dos recursos proporcionados pelo grupo de inte-resse e o grupo de interesse no precisa dos recursos disponibilizadospelo partido poltico. Quem padece de heteronomia a liderana dopartido, pois a liderana do grupo de interesse possui condies parainterferir de forma decisiva no recrutamento dos candidatos, na defini-o das propostas polticas que o partido ir defender e em vrios ou-tros aspectos da vida partidria. O partido poltico torna-se um meroporta-voz das demandas particulares dos grupos de interesse.

    No caso do intercmbio equilibrado as cpulas das duas organi-zaes necessitam dos recursos provenientes da outra parte. o queocorre, segundo Panebianco, quando o partido necessita dos recursosfinanceiros do grupo e o grupo necessita do apoio do partido paraobter medidas legislativas favorveis. Ao contrrio dos demais tiposde relao, a relao de intercmbio equilibrado honrosa para ambasas partes.

    importante sempre ter em mente que a natureza das ligaesde fato existentes entre partidos polticos e grupos de interesse nopode ser estabelecida a priori, mas apenas mediante anlises empricasrigorosas.

    A relao entre partidos polticos e grupos de interesse um as-sunto pouco explorado pela cincia poltica brasileira. A escassez detrabalhos nessa rea possivelmente est associada pobreza dos da-dos empricos disponveis. Essa pobreza pode ser explicada, em gran-de parte, por dois fatores. Por um lado, uma parcela significativa dosgrupos de interesse brasileiros (sindicatos, federaes, confederaes,

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    centrais sindicais, em suma, todas as entidades que compem o siste-ma corporativo oficial de representao de interesses de trabalhadorese de empresrios) est legalmente proibida de destinar contribuiesfinanceiras para os partidos polticos. Por outro lado, as informaesreferentes s contribuies de campanha e consignadas nas prestaesde conta enviadas pelos partidos polticos aos Tribunais Eleitorais sopouco confiveis.

    Um dos poucos textos que lidam com o tema o artigo de Kinzo(1997).

    Segundo a autora, os partidos polticos brasileiros no so iden-tificados claramente com grupos de interesse especficos. Segmentossociais importantes tm seus interesses representados no CongressoNacional por agrupamentos suprapartidrios. Kinzo cita o exemplo dosgrandes produtores rurais, cujos interesses so defendidos pela ban-cada ruralista, formada por membros de doze partidos na Cmarados Deputados e por membros de seis partidos no Senado Federal(partidos de centro-esquerda, centro, centro-direita e direita). Outrosexemplos que no esto presentes no texto apiam a afirmao daautora, como os casos da bancada nacionalista ou da bancada evan-glica, entre outras.

    A falta de identificao entre partidos polticos e grupos de inte-resse leva as empresas privadas principais financiadoras de campa-nhas no Brasil a distribuir suas doaes para candidatos de partidossituados ao longo de todo o espectro ideolgico. A distribuio no simtrica, no entanto, pois beneficia, principalmente, os candidatos commais chances de vitria (de acordo com as pesquisas de opinio) e oscandidatos cujas plataformas polticas agradam mais ao empresariado.

    freqente encontrar-se na imprensa a notcia de que o Con-gresso Nacional voltou a considerar a possibilidade de aprovar uma leique regulamente a atividade de lobby no Brasil.5 Um projeto nessesentido, de autoria do atual Vice-Presidente da Repblica, Marco Maciel,est engavetado na Cmara dos Deputados h mais de dez anos, des-de 1989.

    Entre outras coisas, o projeto i) cria a exigncia de registro para olobista que atua no Congresso Nacional; ii) obriga o lobista a prestar

    5 Por exemplo, O Estado de So Paulo, Regulamentao do lobby tem apoio de

    lderes no Congresso, 23/08/2000.

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    conta periodicamente dos gastos referentes sua atuao dentro e forada Cmara e do Senado; iii) obriga o lobista a informar quem o seucontratante e que projeto est acompanhando e iv) estabelece puni-es para os casos de desobedincia s regras.

    A aprovao de uma lei do lobbying lanaria muita luz sobre oproblema da ligao entre os grupos de interesse e os membros dospartidos polticos que atuam na arena decisria do Poder LegislativoFederal.

    Alm disso, a legislao sobre financiamento de campanhas elei-torais precisa ser aperfeioada, para que as informaes sobre as fon-tes de apoio financeiro dos partidos polticos se tornem mais completase precisas.

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