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    OTRABALHO DE TELEATENDIMENTO E AS EXPRESSES SUBJETIVAS DESUAS CONTRADIES NA SADE DOS TRABALHADORES

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    The work in call centers and the subjective expressions of its contradictionson workers health

    GOMES JNIOR, Admardo Bonifcio Gomes2

    CARVALHO, Ricardo Augusto Alves de3

    RESUMO

    Este artigo busca descrever e analisar a posio subjetiva dos trabalhadoresde teleatendimento frente s exigncias impostas pelo atual modelo degesto. Est baseado em uma investigao que incluiu anlise documental eanlise de contedo de entrevistas semi-dirigidas e de e-mails detrabalhadores enviados ao sindicato da categoria. Buscamos evidenciar comoa gesto atual tributria de um modelo taylorista/industrialista apresentacontradies em seus mecanismos de controle e superviso e em suasformas de mobilizao/modulao do engajamento subjetivo dosteleatendentes aos ideais da empresa de competitividade. Essascontradies, quando no encontram espaos de expresso exteriores aosujeito, podem ser vivenciadas como um conflito interno, abrindo, assim, ocaminho para o sofrimento psquico e o adoecimento.

    Palavraschave: Teleatendimento; Subjetividade; Sade mental; Taylorismo.

    ABSTRACT

    This article tries to describe and analyze the subjective position of call centerworkers facing the modern management demands. It's based on a researchincluding a documental analysisand contents analysis of semi-diredtedenterviews and e-mails sent to the cathegories syndicate by workers. We tryto evidence how the modern management, based on a taylorist/industrialistmodel, presents contradictions in its control and supervision mechanisms andin its mobilization/modulation ways of subjective enrollment for the call centerworkers to the company ideals of competitiveness. When this contradictionsdo not find places for external expression by the subject they can be lived asa internal conflict, opening a way for psychical suffer and illness.

    Keywords:Call center; Subjectivity; Mental health; Taylorism.

    1Trabalho extrado da Dissertao de Mestrado do autor, intitulada Gesto e subjetividade notrabalho de teleatendimento, apresentada em 13 de dezembro de 2004 ao Departamento dePsicologia da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal de MinasGerais.2Professor do curso de Psicologia do Centro Universitrio do Leste de Minas Gerais (UNILESTE-MG)e da PUCMINAS e ex-psiclogo do Departamento de Sade do Sindicato dos Trabalhadores emTelecomunicaes do Estado de Minas Gerais (S INTTEL-MG). E-mail: [email protected] em Psicossociologia pela Universidade de Paris VII, mestre em Psicodinmica do Trabalho- CNAM Paris. Professor da Fundao Dom Cabral (FDC).

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    INTRODUO

    O trabalho de teleatendimento tornou-se ultimamente objeto de estudo devrias reas do conhecimento cientfico, principalmente por dois motivosbsicos: primeiro, porque tem aumentado o reconhecimento de suaimportncia estratgica para a boa performance de qualquer organizao;segundo, porque so crescentes as queixas de adoecimentos fsico e mentalnesta categoria de trabalhadores. Tm sido freqentes as demandas deinvestigaes que busquem a melhoria da qualidade dos servios prestados,o melhor desempenho nas tarefas, o menor desgaste dos trabalhadores e umnmero cada vez mais baixo de erros na produo.

    Neste artigo, queremos apresentar, sob o ponto de vista psicossociolgico,uma anlise da demanda social dos trabalhadores de teleatendimento que

    apresentam queixas junto ao sindicato, aos servios mdicos e s gernciasrelativas aos sofrimentos fsico e psquico decorrentes do trabalho. Buscamosevidenciar alguns aspectos subjetivos dos teleatendentes em jogo na buscade satisfazer uma tripla exigncia: atender bem aos clientes; manter um nvelsatisfatrio de produtividade; e preservar sua integridade bio-psico-social.Entendemos que a conjuno entre gesto e subjetividade no trabalho deteleatendimento deve ser enfocada enfatizando tanto a forma pela qual agesto concebe o trabalho e os trabalhadores, quanto como os trabalhadoresconcebem a si mesmos, se organizam e se reconhecem nas vriasdimenses do trabalho que realizam.

    Assim, em nossa anlise, procuramos demonstrar aspectos das vivnciassubjetivas dos trabalhadores de teleatendimento frente s contradiesimpostas a estes sujeitos pela aplicao do modelo taylorista a esta atividadede servio que centrada na comunicao humana. Buscamos destacar nasfalas e queixas dos trabalhadores submetidos a este modelo de gesto comoessas contradies produzem sentimentos que podem acabar levando aexpresses de sofrimento, adoecimentos fsico e mental dos trabalhadores.

    OTAYLORISMO APLICADO AO TRABALHO NAS CENTRAIS DE ATENDIMENTOTELEFNICO

    Uma central de atendimento telefnico um sistema integrado de voz edados capaz de registrar e administrar informaes com o uso do telefone edo computador, trabalhando com informaes para atender, vender,solucionar problemas, gerenciar dados sobre os clientes e sobre a prpriaequipe de trabalho que compe a central. Tudo isso atravs de um softwareque gerencia as operaes e monitora o trfego e a atuao dos

    trabalhadores, fornecendo relatrios gerenciais para controle e orientaodas equipes de operadores e estatsticas sobre o trfego, o nmero dechamadas por operador ou por equipe, alm de indicar o tempo mdio gastonas ligaes.

    Outra tecnologia empregada nas centrais de atendimento telefnica oscript. Estes so roteiros previamente estruturados que estipulam falas eindicam condutas e comportamentos a serem adotados pelos teleatendentes.Os scripts tm sido vistos como ferramentas empregadas pelas empresaspara assegurar a qualidade do servio atravs da tentativa de objetivaodos contatos interativos entre atendentes e clientes.

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    Essas ferramentas so descritas aqui de maneira muito sucinta, comoalgumas das tecnologias empregadas em centrais de teleatendimento para ocontrole da qualidade e da quantidade do produto do trabalho doteleatendente4, que consiste em realizar contatos interativos com clientes sobestrito controle de seu contedo, forma e velocidade.

    A leitura que propomos do que acontece no trabalho de teleatendimento,como nos aponta Zarifian (2001), a de que o trabalhador, em um sofisticadoesquema de taylorizao, submetido ao controle instrumental do ato decomunicar sob a justificativa de uma produo mais eficiente deste ato. Estataylorizao, ainda segundo o referido autor, visa deslegitimao dosdiscursos expressivos e dos intercmbios sociais alm da eliminao de seusespaos e possibilidades de reconhecimento nas organizaes. Segundo asindicaes de Zarifian (2001, p.155-156), teramos no teleatendimento umaparadoxal aplicao do taylorismo:

    A manuteno atual do taylorismo encontra um ponto de aplicao altamenteparadoxal: aquele que diz respeito s atividades de servios, uma vez que essasatividades consistem essencialmente em se comunicar. Por que e como taylorizar osatos de linguagem? Para o porqu, a resposta sempre a mesma: para elevar o ritmodo trabalho e limitar os efetivos. Para o como, porm, a resposta deve ser nova, umavez que as operaes j no so manuais, no sentido dos gestos dos operrios. Elasso operaes de linguagem, no sentido de que elas se realizam no fluxo de palavrasdirigidas aos destinatrios (os clientes da empresa).

    Nesse sentido, a taylorizao consiste

    em padronizar os atos de linguagem, no que tange tanto s palavras pronunciadas,quanto aos rituais de direcionamento da linguagem aos clientes (rituais de frmulas depolidez e de desmontagem das fontes de descontentamento dos clientes, porexemplo); em colocar os atos de linguagem sob uma restrio de tempo,representada pela fila de espera das chamadas telefnicas e pelas cronometragensde tempo, que se apiam sobre as referncias de tempo de resposta que no deveser ultrapassado; em controlar o contedo das respostas, por uma escuta, realizada

    pela hierarquia, e, se necessrio, por uma recuperao das instrues, uma vez queas empregadas (j que elas consistem, em sua maioria, em mulheres) se descartamdos scripts que se lhes mandam respeitar (ZARIFIAN, 2001, p.155-156).

    Estamos ento frente a uma forma mais sofisticada de controle taylorista queincide no mais apenas na realizao de uma tarefa manual, mas nainterao com o outro atravs do quase total controle do que se fala. Estaaplicao do taylorismo nos parece ser particularmente alienante na medidaem que o sujeito posto em uma situao de dilogo, mas em que o ritmo eo contedo das palavras (fraseologia) no esto sob seu comando e podendono se referir assim ao que desejaria ou necessitaria expressar. No trabalhode teleatendimento, esta taylorizao da fala toma um carter particularmenteperverso por encontrar seu componente de explorao na retirada daautonomia de expresso da linguagem do sujeito e em seu estrito controletemporal.

    O paradoxal desta situao que, para falar, o sujeito deve se implicarsubjetivamente e aqui o compromisso industrialista taylorista, que deseja atotal objetividade e a mnima subjetividade, j no seria possvel, pois osujeito no pode permanecer exterior quilo que faz, sobretudo se este fazerconsiste em atos de fala. Como bem nos aponta Zarifian (2001, p. 156-157):

    Nada mais difcil que automatizar e rotinizar os atos de linguagem no seio de umainterao social que, por definio, sempre singular e muito dificilmente programvele que implica em mobilizar seu prprio pensamento.

    4As informaes so melhores detalhadas em Gomes Jnior (2004, p. 16-24).

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    neste mesmo sentido que nos aponta Dejours (1992, p. 101) com relaoao trabalho das telefonistas, dizendo que h uma contradio fundamentalentre um servio destinado comunicao e a proibio de qualquer relaopsicoafetiva.

    Seguindo com Dejours (1992), sabemos que o sofrimento proveniente dainsatisfao gerada pelos dispositivos de controle utilizado para aumentar aprodutividade. Neste sentido, o sofrimento produz mais trabalho, pois, namedida em que o controle feito de forma intermitente, no se sabendo omomento em que este controle ser exercido, o medo de ser vigiadotransforma-se em autovigilncia e, portanto, aumenta a produtividade. Essaafirmao de Dejours, porm, deve ser entendida com cautela, pois pode darmargem a falsas interpretaes que nos levariam a crer na eficincia dosmecanismos de controle. Sua ineficincia, no entanto, pode ser reconhecidanos recorrentes sintomas apresentados nestas organizaes, entendendo

    como sintomas tanto as disfunes do processo produtivo (os problemas debaixa da qualidade e do rendimento, alta do turnover, absentesmo,retrabalho etc.) quanto o adoecimento de seu efetivo.

    METODOLOGIA

    Este estudo teve um carter exclusivamente qualitativo que buscou suasignificao atravs da diversificao de situaes e espaos que nosaproximassem do fenmeno estudado sem o intuito de ser representativo epossibilitar generalizaes. Os procedimentos de pesquisa incluram:

    - Anlise documental de dados de um relatrio final de um estudoergonmico realizado em um grande centro de chamadas telefnicasem Belo Horizonte com amplo acesso a dados tanto das condies de

    trabalho quanto das polticas gerencias da empresa. Este estudoergonmico foi realizado por Assuno, Ada vila & Vilela, Lailah V. O.em 2002, contendo o total de 90 pginas, estando disponvel paraconsulta na biblioteca do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas deTelecomunicaes de Minas Gerais (SINTTEL-MG). Este documento decorrente de uma representao feita pelo sindicato junto ao MinistrioPblico do Trabalho (MPT) e foi realizado em parceria com aUniversidade Federal de Minas Gerais. Nosso trabalho sobre estematerial consistiu em uma anlise qualitativa de seu contedo buscandocompreender na descrio das estratgias organizacionais a construodiscursiva do ideal de competitividade da empresa investigada.

    - Anlise de contedo de entrevistas clnicas de pesquisa (LEVY, A.2001:89-92) gravadas com dois gestores e dez trabalhadores que foramescolhidos por acessibilidade no sindicato e na porta da empresa, com

    durao em mdia de uma hora. Anlise de contedo de quarenta enove e-mails dirigidos espontaneamente por teleatendentes aoDepartamento de Sade do sindicato da categoria. Procuramosidentificar e agrupar, nas falas e relatos dos teleatendentes, as queixasde sofrimento decorrentes dos principais conflitos com os aspectos daorganizao do trabalho que realizam. Priorizamos aqueles relatos queevidenciam o conflito intrnseco ao sofrimento psquico e expressessubjetivas do trabalhador de teleatendimento.

    Nossa inteno numa perspectiva da clnica enquanto mtodo educador daescuta e do olhar, como nos indica Levy (2001), foi construir na relao

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    pesquisador-sujeito, uma interpretao que considerasse a intersubjetividade.Desta forma, para alm de Dejours (1992), estamos ancorados com relaoaos nossos eixos analticos, na psicossociologia e na sociologia clnica(ENRIQUEZ, 2000a, 2000b, 1997, 1996; LEVY, 2001, 1994) assim como nasociologia da gesto (ZARIFIAN, 2002, 2001, 1998). Sem dvida nossatemtica, dada a sua complexidade no contemporneo, requer o desafio deum olhar multidisciplinar como bem nos indica Morin (1999a, 1999b). Oreferencial terico adotado demandou uma metodologia cujo procedimentode leitura, no pde ser outro que o desvelar de categorias analticasproduzidas, tratadas e interpretadas como dados construdos na dinmicarelacional entre investigador e sujeito trabalhador.

    Os nomes dos trabalhadores e das empresas foram preservados a pedidodos entrevistados, pois no obtivemos permisso das empresas pararealizarmos internamente tal pesquisa.

    OTRABALHO DO SUJEITO E O SUJEITO DO TRABALHO:APROXIMAES ATRAVS DOSDISCURSOS DOS TELEATENDENTES

    Do ponto de vista psicossociolgico, todo conflito deve ser compreendidocomo lugar de origem e nica possibilidade de superao do sofrimentohumano. sob essa orientao que buscamos ouvir nas falas e queixas dostrabalhadores a origem do conflito dos teleatendentes com a organizao dotrabalho, tentando localizar o lugar reservado subjetivao e buscandonestes relatos o posicionamento subjetivo dos teleatendendes ao trabalharemsob o ideal de competitividade do atual modelo industrialista/taylorista degesto do trabalho de teleatendimento.

    Podemos agrupar as falas/queixas dos trabalhadores em trs principais

    fatores: insatisfao em relao ao contedo significativo do trabalho querealizam; sentimento de automatizao do pensamento decorrente da rigidezdo trabalho; grandes esforos fsico, cognitivo e emocional para cumprir oestabelecido. Esses fatores, alm de serem seriamente agravados pelapresso temporal, caracterizam esta atividade como um trabalho cujaconcepo da tarefa e de seu contedo conduzem os sujeitos a umsentimento de perda de autonomia pela pouca possibilidade de expresso dopensamento, da emoo, da criatividade, dos sentimentos e daagressividade. As expresses da emotividade so prprias do ser humanoem qualquer de suas atividades e se encontram, neste tipo de trabalho,cerceadas pela limitao e pelo enquadramento da linguagem pelo script,pelo controle e padro da entonao e da manifestao de emoespassadas pela voz. Alm disso, este trabalho acrescido de um controletemporal que totalmente exterior e cego s singularidades das mltiplas

    situaes a que os indivduos esto expostos.A queixa mais comum e presente na fala dos teleatendentes acerca darigidez do trabalho diz respeito a essa presso temporal. Fica claro nosrelatos o desgaste psquico que eles vivenciam na imposio de ter que lidarcom a contradio entre a presso temporal e a funo de atender bem aocliente, pois lidar com esta contradio condio sine qua non para mantero emprego:

    [...] dizendo [o supervisor] rpido, rpido, olhem o tempo! Se demorarem receberouma advertncia, tem muita gente l fora querendo o seu lugar! (ASSUNO &VILELA, 2002, p.26).

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    [...] quando o cliente fala com um dos atendentes, ele no quer falar com um rob, elequer falar com um ser humano igual a ele. Ele tambm quer conversar com algumque tenha sentimentos. No se pode cobrar 1 min. e 15 seg. de TMA (tempo mdio deatendimento), porque cada caso um caso.

    A presso temporal um fator da organizao do trabalho que perpassatodas as dimenses do trabalho dos teleatendentes. Tambm aparececlaramente nas queixas que o controle temporal aumenta a rigidez dotrabalho, pois no deixa uma margem necessria adaptabilidade e auto-regulao dos atendentes s variabilidades psicolgicas e fisiolgicassofridas na jornada de trabalho:

    A fonoaudiloga disse que era pra eu tomar gua sempre, porque minhas cordasvocais esto endurecendo, mas no posso ficar tomando, pois no d tempo. E se eutomar, vou precisar ir ao banheiro, e a gente no pode deslogar (ASSUNO eVILELA, 2002, p.27).

    O teleatendente sabe que trabalhar com a fala requer cuidado. Ele conhece oque deve ser feito para preservar sua sade, mas no lhe reservada amaleabilidade de regular e dispor do tempo no trabalho segundo suasnecessidades. No h uma proibio explcita para ele no deslogar (sairdo sistema), mas h toda uma presso para produzir, situao em que cadateleatendente acaba por utilizar, em suas estratgias, os recursos de quedispe para cumprir o trabalho e manter o emprego:

    Existe um sistema chamado respiro que tem por finalidade dar um espao entre umaligao e outra. Ele usado para que o atendente tenha alguns segundos entre asligaes para, no mnimo tomar gua ou relaxar e se recompor. Porm, este sistema desativado em caso de fila. Sendo assim, uma ligao praticamente se sobrepe outra, causando um desgaste absurdo ao organismo do atendente.

    Os equipamentos informatizados no so identificados como facilitadores datarefa e sim como aliados da empresa no controle e intensificao da rigideze do ritmo de trabalho. O fino controle possibilitado pela informtica para

    eliminar todo o tempo aparentemente morto do trabalho, como descrito porDejours (1992, p. 37), acaba por impossibilitar as operaes de regulagemque so necessrias ao homem em seu trabalho para assegurar acontinuidade da tarefa e a proteo da vida mental do trabalhador.

    [...] medido o tempo dirio de atendimento (tempo registrado que o atendente ficouna mquina); tempo de pausa (no mximo quinze minutos durante as seis horastrabalhadas); tempo mdio de atendimento para cada cliente, tempo esse que limitado a um mximo permitido em minutos ou segundos por cliente, conforme osetor de atendimento (102,104 etc.) e, limitado tambm ao tempo mdio de cadagrupo por supervisor com isso, temos que ser objetivos e temos que interromper ocliente (mensagem eletrnica).5

    O teleatendente sente que todo o tempo est sob controle da empresa e quenem mesmo o tempo do cliente, em dispor sua demanda ou entender umprocedimento, d para ser preservado.

    [...] h ainda o controle do tempo de interrupo no atendimento, que tem que serzero minutos por dia, esse nmero controla se o atendente deixou o atendimento nohorrio de trabalho, sendo controlado pelo uso da tecla ps-atendimento e estamosterminantemente proibidos de usar tal tecla(mensagem eletrnica).

    Fica claro que a rigidez da organizao do trabalho no permite oreconhecimento do mesmo, que sempre sentido como insuficiente.

    5As passagens identificadas como mensagem eletrnicaso fragmentos de e-mails enviados aoSinttel-MG por teleatendentes. Achamos conveniente preservar a formatao dada por eles aostextos.

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    No podemos mais parar para respirar, pois o computador registrava cada segundoque ficvamos sem atender. O mesmo ainda sinalizava atravs de uma espcie deled que aps aquele atendimento havia ainda centenas de novos clientes noaguardando.

    O problema de dimensionamento do efetivo dos trabalhadores em relao demanda de servios freqentemente repassado ao teleatendente, que sesente pressionado por um sinal que indica que ele deve acelerar o fluxo detrabalho para atender a fila de espera de clientes.

    Entre os aparatos da organizao do trabalho de teleatendimento,responsveis pelo sentimento de rigidez do trabalho, esto os scripts. A falano reconhecida como um dilogo, ela repetio desprovida depensamento, criatividade, autonomia.

    A gente tem um script de atendimento e a gente no pode sair muito daquele script. muito rgido o controle do que voc pode e do que voc no pode falar, ento no tem

    como voc estabelecer um dilogo e tem tambm o tempo que voc tem para fazeraquele atendimento [...]Porque junta presso com esse negcio de voc no poder falar, esse negcio devoc no poder falar que era frustrante, voc no poder falar. Porque na verdadevoc no estava falando nada, voc estava falando, falando, falando, mas no estavafalando nada. Voc no pode pensar no, voc tem s que acatar e repetir, acatar erepetir. Voc no tem espao para pensar, para criar, s repetir, repetir, repetir.

    A vigilncia contnua, rgida e onipresente vai fortalecendo nosteleatendentes o sentimento de naturalizao da parania pelosresultados6, da auto-acelerao e da autovigilncia:

    [...] nosso trabalho o tempo todo vigiado... Esse servio muito penoso.[...] temos presso da empresa, do cliente e acabamos ns mesmos nospressionando... Nosso trabalho o tempo todo vigiado.

    H sempre o sentimento de que os erros cometidos no trabalho tero comoconseqncia a punio e no a possibilidade de aprendizagem e

    aperfeioamento. Os estudos da Psicologia, desde seu primrdio comoCincia, tem demonstrado a ineficincia da punio nos processos deaprendizagem e a importncia das recompensas positivas. A rigidez dosprocessos e a alta exigncia da produtividade com seus instrumentos decontrole no apresentam mecanismos de recompensas simbolicamenterepresentativos que faam com que os teleatendentes tenham como meta oaperfeioamento de suas performances.

    Outra caracterstica ressaltada pelos teleatendentes sobre o trabalho queexercem a alta exigncia cognitiva para a realizao das tarefas.Exigncias que so acentuadas pela freqncia e irregularidade dassolicitaes psquicas sofridas, como j foram demonstradas desde o meiodo sculo XX nos estudos sobre o trabalho das telefonistas (LE GUILLANT,1984).

    O tempo todo temos que ficar observando as informaes que so mudadas. Temosque dar conta das informaes, prestar ateno no que o cliente deseja e sermosrpidos para solucionar o problema do cliente, pois isso que ele deseja: rapidez.[...] Hoje todos os setores esto sendo unificados, aumentando, com isso, a tenso ea presso dos atendentes, pois a quantidade de informaes que deve serarmazenada pelo atendente chega a ser absurda e, ainda, com o agravante de que aempresa muda os procedimentos freqentemente.

    Esta exigncia cognitiva engloba, como eles apontam, o nmero deinformaes passadas pela empresa para o atendimento, que devem seraprendidas, memorizadas e empregadas repetidas vezes; o nmero de

    6Expresso utilizada pela empresa estudada por Assuno e Vilela (2002) em sua carta de valores.

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    informaes trazidas pelos clientes, que devem ser memorizadas por curtoespao de tempo, suficiente para identificar e solucionar sua demanda; almde todo o conhecimento tcito do trabalhador utilizado no raciocnio deregular/acelerar o ritmo do trabalho para atender, na medida do possvel, ocliente, a empresa e seus prprios limites.

    Outro aspecto presente nas queixas sobre o trabalho quanto ao despotismoda gerncia, que vista como insensvel e desumana, remetendo-nos imagem gerancial, descrita por Enriquez (2000a, p.34), do matador cool esua racionalidade tcnica, utilizada para inibir os conflitos com os atos quepratica, como, por exemplo, extirpar comportamentos7indesejveis.

    [...] at por um suspiro ou um gaguejo na fala se punido.[...] E pensvamos que escravido fosse coisa do passado. (mensagem eletrnica)[...] aqui como serto nordestino onde quem manda quem tem poder. (mensagemeletrnica)

    [...] somos vtimas da falta de respeito dos coordenadores e chefias em geral.[...] da mesma forma que voc dava bom dia, voc mandava a pessoa embora.

    So freqentes as queixas sobre a insensibilidade da gerncia em suasatitudes de priorizar o cumprimento das tarefas em detrimento dasnecessidades, at mesmo fisiolgicas, dos teleatendentes:

    O atendente obrigado a continuar atender mesmo estando sem voz. Caso issoacontea, ele pode ser dispensado, mas repreendido da mesma forma como se afalta de voz fosse sua vontade. A empresa deixa claro que se isso se repetir maisvezes, ele deixa de ser um funcionrio interessante para a empresa.[...] No permitido ficar em p em sua clula, mesmo que o organismo do atendenteno esteja mais suportando a posio sentada por horas consecutivas.[...] Se o atendente desejar ir ao banheiro (como se isso fosse uma opo e no umanecessidade fisiolgica), dever, primeiramente passar pela mesa do supervisor para(PASMEM!!!) NEGOCIAR sua sada. Se o supervisor estiver ocupado ou falando aotelefone, o atendente tem que aguardar (mensagem eletrnica).

    O despotismo gerencial, segundo a percepo dos teleatendentes, baseado em uma lgica competitiva e punitiva, em que as formas deavaliao no representam mecanismos de reconhecimento e valorizao dotrabalho executado e sim de excluso, expropriao, acelerao e controledo trabalhador.

    Os relatrios contm marcadores gritantes apontando as deficincias dos atendentese ficam circulando livremente pelo call center, causando muitos constrangimentos.

    Todo o mecanismo de acelerao do trabalho transformado em umcomportamento natural e aceito pela idia de competio em que vencem osmelhores, idia explicitamente mercadolgica, mas de rpido desgaste deseus players.

    [...] Eu participei de 3 campanhas de premiao da empresa, at ganhei duas, uma eufiquei em segundo lugar em 700 pessoas, e na segunda eu fiquei em terceiro lugar eeu fui o nico estagirio a ganhar...mas no terceiro ms, na terceira campanha euestava num nvel tal que eu no agentei concorrer...eu vou chutar o balde, eu voufazer o que eu der conta, minha produo caiu, caiu muito.[...] costuma ter umas gincanas para ver qual grupo de clulas produz mais. Eu j viamizades acabarem por causa de prmios bobos como uma camiseta.

    As campanhas de premiao, em que os trabalhadores jogam o jogo daempresa de aumento da produtividade, acabam por demonstrar aosteleatendentes a capacidade de desintegrar os laos sociais e exp-los aorisco do desgaste fsico e psquico, acarretando finalmente uma queda na

    7O item Integridade da carta de valores da empresa estudada por Assuno e Vilela (2002) diz: Ocomportamento que no atende aos mais altos padres ticos e profissionais deve ser extirpadoindependente da magnitude da falta.

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    produtividade. Esta individualizao da produo gera o sentimento de totalvulnerabilidade e impossibilidade de mudar as regras do jogo, pois no existeespao para um engajamento poltico e aes coletivas (BAUMAN, 2001, p.18), somente para a sada individual de se engajar em atingir umaperformance idealizada ou sair fora do jogo.

    A linha disciplinar de comando que busca eliminar as trocas de palavras, asconversas com colegas, acaba por gerar o sentimento de isolamento eimpossibilidade de contestaes.

    Sua apresentao [do novo diretor] ao call centerfoi atravs de um e-mail, nem umpouco cordial, cheio de ameaas e restries. Dizia que seria implacvel em relao disciplina e que uma das suas primeiras providncias era de que, a partir daquelemomento, era terminantemente proibida a troca de palavras entre os funcionrios noscorredores externos do call center, e que quem no andasse na linha seriaprontamente demitido.

    Grande parte dos trabalhadores de teleatendimento desconhece o papel dosindicato, no o reconhece como uma entidade que os representa e noconhece as histrias de luta e conquistas para os trabalhadores 8. Essasituao reforada pela gerncia, que acentua o descrdito no sindicato eelimina os meios de comunicao que possam possibilitar qualquermobilizao coletiva.

    Dentro da empresa no ouvimos falar quais so as funes do sindicato e sim que squerem o nosso dinheiro.[...] Foi proibido e-mailsinternos entre os atendentes, por isso no existe integraoentre os funcionrios, tornando, assim, o trabalho mais insuportvel ainda, pois no possvel relaxar e nem aumentar seu crculo social.

    Os teleatendentes tambm descrevem que lidar diariamente com a atualforma de gesto do seu trabalho requer um grande esforo emocional,principalmente porque a gesto acaba por negar o exerccio das liberdades

    individuais atualmente to vangloriadas. O que o relato do sentimento destestrabalhadores, em relao aos seus desgastes emocionais, leva-nos aquestionar, no entanto, seu carter de contraprodutividade.

    [...] a lgica capitalista contra a lgica emocional... H uma total indiferena porparte da empresa quanto destruio da auto-estima dos empregados.Como vamos sobreviver a tamanho desrespeito e incertezas de um dia aps o outroperdendo a credibilidade em nossos chefes e esperando cada vez menos da empresaem que trabalhamos? (mensagem eletrnica)Ns somos a base da empresa e no temos valor algum. Nem para a empresa e nempara o cliente. Pois quando o cliente deseja um servio que no podemos fazer,porque um procedimento da empresa, eles recorrem ao supervisor que sempre abreexcees e acaba fazendo o que o cliente deseja. nessa hora que sentimos quesomos um nada. Cliente tem sempre razo.

    O esforo emocional decorre do sentimento de ser tratado com indiferena edesrespeito, de ter que lidar com a baixa auto-estima, a descrena, adesesperana e o descrdito em relao empresa, ao trabalho e ao cliente.

    Recebemos um relatrio gerado pela prpria mquina, todos os dias, referente ao diaanterior, mostrando todo o desempenho do atendente e seus fracassos destacados(uma presso psicolgica sem limites). Por esses nmeros o atendente pode seradvertido por incompetncia (mensagem eletrnica).Chega um ponto que voc est to saturado da coisa que pela respirao da pessoavoc j sabe a pergunta que ela vai fazer, s dela abrir a boca assim: Eu queria...dava vontade de dar a resposta rpido e desligar o telefone, porque voc j sabia oque ela tinha a dizer. Ento esta repetio assim... mortal, eu ficava triste, eu ficavatriste de ter que ficar escutando aquilo.

    8 o que temos observamos nos cursos que ministramos pelo Sinttel-MG junto s ComissesInternas de Preveno de Acidentes das empresas de call centerde Belo Horizonte.

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    [...] o que prevalecia era uma frustrao muito grande, coletiva, um estado de nervo,tem gente que saa chorando, soluando de lgrima escorrer, isso aconteceu muito,muito, muito.

    Os teleatendentes relatam tambm o grande desgaste emocional em lidarcom clientes insatisfeitos com os servios prestados. O atendente, naquelemomento, por representar a empresa, passa a ser o alvo de reclamaes,insultos e agresses morais.

    Voc tem que escutar o cliente despejar reclamaes mal-educadas e no tem paraquem repassar estas insatisfaes. Voc acumula toda essa energia negativa.[...] proibido derrubar ligaes, mesmo que estas sejam de carter obsceno, trote oucantadas. Sendo que o atendente obrigado a ouvir e tratar o cliente por Senhor ecom gentileza, mesmo que esteja ferindo a integridade moral do atendente.

    O teleatendente sente que pode perder a razo, pois se v aprisionado nacontradio entre a mxima da prescrio, em que o cliente tem sempre arazo, e a realidade do trabalho, em que reconhece que a razo queprevalece a da empresa sobre a do cliente.

    O cliente no pode falar muito, nem reclamar, pois temos que encerrar rapidamente aligao. E, alm disso, a empresa tem sempre razo, ou seja, se o cliente estiverreclamando da empresa, de algum servio ou do tempo demorado que ficouaguardando para sua ligao ser atendida, temos que interromp-lo para atend-lorapidamente assim, estamos sempre atendendo com ansiedade por concluir eencerrar logo cada ligao, numa tenso extrema.

    O reconhecimento do trabalho realizado buscado na satisfao manifestapelo cliente, que funciona como uma importante fonte de motivao, poisreflete uma auto-imagem positiva para o trabalhador. Porm, quando ocliente manifesta insatisfao, o teleatendente, mesmo sabendo que asreclamaes do cliente no lhes dizem respeito, acaba se vendo privadodesta que tem sido uma das poucas formas de identificao positiva com otrabalho que realizam.

    So freqentes os relatos de sentimento de robotizao de teleatendentes,mostrando as mais variadas imagens que metaforicamente servem paranomear a falta de autonomia. Termos como escravo, rob, mecnicomostram como eles se sentem incapacitados por esta lgica que cega semoes, que gera estresse e cansao mental.

    Estamos vivendo na escravido dos tempos modernos! !!!!!!!!!!SCRIPT o tormento no s do cliente mas sim de ns atendentes. Estou cansadode me chamarem de robozinho e o que mais me entristece voc ser chamado deincapaz pelos prprios clientes (mensagem eletrnica).Aqui mais parece um campo de concentrao de robs. a lgica capitalista contra algica emocional...no se pode questionar nada, qualquer questionamento pode sermotivo de advertncia, quando no de demisso e quem est aqui porquerealmente precisa trabalhar (portanto, cala-se para manter o emprego) (ASSUNO eVILELA, 2002, p.20).

    Alm disso, eles relatam o sofrimento decorrente do sentimento de que seutrabalho invade sua vida pessoal, o que percebido quando o teleatendentev alteraes em seu comportamento fora do trabalho.

    Quando estou em casa atendo ao telefone dizendo meu nome e a operadora.

    Eu tenho um trauma de telefone, que s Deus sabe, aqui em casa, se toca o telefone,pode estourar de tanto tocar, que eu estou fugindo dele quilmetros, , sei l, umtrauma, eu odeio telefone.

    Essa intoxicao por frases profissionais, como descrita por Le Guillant(1984), marca a automatizao das expresses que invadem a fala e quepoderiam ser autnomas, se impondo ao sujeito em forma de automatismos edeixando como resto a angstia de se sentir um objeto nas mos da

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    empresa. Os relatos abaixo demonstram a significao, o sentido, arepresentao mais global do que afinal o trabalho que realizam e aconscincia de que este trabalho adoecedor.

    [...] somos apenas mercadorias, produtos do mercado.[...] estou trabalhando l porque realmente preciso muito desse emprego. No vejonenhuma perspectiva de melhoria. Hoje o que eu vejo so colegas de trabalhodesanimados, desinteressados, frustrados. Quem perde com isto a empresatambm(ASSUNO e VILELA, 2002, p.26).[...] isso uma mina de dinheiro movida por um bando de trouxas que vendem oalmoo para comprar a janta.[...] empregando jovens e pressionando-os a trabalhar ganhando pouco e ainda commedo de perder o msero emprego, porque l fora tem muitos querendo e precisandodo lugar deles.A impresso que eu tinha era que este ser humano era uma pessoa descartvel, vemum vai o outro, a gente treina, vem um vai o outro, uma pea de reposiorealmente.

    O trabalho carrega para os teleatendentes uma gama de significaes quevo compondo para eles um sentido de reificao do trabalhador:indivduos/mercadoria, indivduo/produto de mercado, desvalorizado,coagido, descartvel. Apontando para o lugar da necessidade, da falta deperspectiva, do desnimo, do desinteresse, da frustrao.

    Bem, o que posso concluir da minha vida profissional que com todo estemasoquismo, me tornei uma pessoa deprimida, a ponto de procurar um psiquiatra etomar remdios fortssimos como, fluoxetina, rivotril, anafranil, pois estava tendoalucinaes, pesadelos e insnia e pior, estava agredindo fisicamente meu esposo eme sacrificando por isso, batendo minha cabea nas paredes de minha casa. Metornei uma pessoa muito insegura e me achando incapaz de enfrentar novamente omercado de trabalho e os problemas da vida.[...] passei a sentir dores no peito e procurei um cardiologista, porm o diagnstico foinormal, foi-me alertado que o meu problema possivelmente era estresse ocasionadopelo ritmo constante de trabalho. Passei a ter insnia e grande desnimo, at que em26 de maio de 2000 tive uma crise de pnico pela primeira vez (...), procurei umpsiquiatra que constatou Sndrome do Pnico, acompanhada de Depresso, passei a

    fazer uso de Sertralina e ainda ansiolticos.[...] E agora? Agora o seu direito o de ficar calado, e faa o seu servio marinheiro,at que... onde estar voc? Anafranil? Limbritol? Rivotril? Frontal? Anti-depressivospassam a fazer parte de sua vida! At quando? No sabemos, Deus quem sabe!(ASSUNO e VILELA, 2002, p.22).Que diferena h entre o navio negreiro de quase 500 anos atrs e o de hoje?...Noh aoites , nem marcas na pele, mas h aoites na alma, no crebro e at mesmo nocorao (ASSUNO e VILELA, 2002, p.17).

    A conscincia de que o trabalho adoecedor est sempre presente nodiscurso dos trabalhadores. As queixas mais freqentes esto relacionadasao sofrimento psquico, seguido dasdores da LER/DORT, sendo freqentetambm disfonias e perdas auditivas9. Essa conscincia vai sendo construdatanto pela percepo das conseqncias do trabalho no prprio corpo e nocomportamento, quanto pela observao desses efeitos nos colegas detrabalho. O significado do trabalho para o sujeito trabalhador fica atrelado

    sua caracterstica de morbidade.

    CONCLUSO

    O que a anlise dos discursos destes trabalhadores nos apresenta aexpresso do sentimento de estar sendo dominado pela prtica de um poderque estruturado de maneira desigual, alheio e inibidor do exerccio dapotncia de pensar, de agir e cooperar dos indivduos. Uma dominao que

    9Dados do Departamento de Sade do SINTTEL-MG.

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    busca no deixar espao para a expresso do conflito que gera. Porm, poroutro lado, percebemos que os teleatendentes sabem que o sentido dotrabalho no est no puro cumprimento das normas e sim em suacapacidade, que sempre foge ao prescrito e s vezes at norma, de fazerfrente aos eventos e singularidades em sua funo de atender o cliente.

    As observaes do trabalho dos teleatendentes no deixam dvidas ecorroboram o que Zarifian (2002) j afirmava e o observado por ns nasentrevistas com os teleatendentes: estes pensam sobretudo em prestarservio, enquanto a hierarquia pensa prioritariamente em rendimento 10. Oque nos demonstra a insistncia destes teleatendentes em serem sujeitos emseu trabalho de prestar servio, ainda que lutando contra a lgica gestionriaque tenta reificar e reduzir o ser humano que nela trabalha a um ser funcionalmecnico de dar vazo a fluxos de atendimento. Mas este conflito no ficasem expresso e no prprio trabalho que ele se manifesta, como vimos nos

    relatos dos teleatendentes, ora como sintoma organizacional (expresso empanes, retrabalhos, absentesmos etc.), ora como sintoma do sujeito (em seusofrimento e adoecimento).

    O sofrimento psquico e o adoecimento aparecem exatamente quando otrabalhador no consegue uma sada para colocar-se como sujeito de seutrabalho, ou seja, quando ele se v totalmente assujeitado em relao contradio de um trabalho que o impede de exerc-lo de maneirasignificativa. neste momento que o sintoma vem romper com a produo,pondo um freio no esforo fsico-mental excessivo exigido por um trabalhosem significado e que ultrapassa as capacidades adaptativas do trabalhador.

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    10 No original em francs: pense avant tout "rendre service", l o la hirarchie penseprioritairement "rendement".

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