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TRATOS VERBAIS COMO CLÁUSULA DO CONTRATO DE TRABALHO Renato de Souza Sant’Ana Advogado formado pela Unaerp, Ribeirão Preto Especialista e Direito material e processual do Trabalho pela Unirp de São José do Rio Preto SUMÁRIO Introdução ............................................................................................................ 05 Capítulo I - Conceito e Formas dos Tratos Verbais ............................................. 07 Capítulo II - Dispositivos Legais Aplicáveis ....................................................... 10 Capítulo III - Os Tratos Verbais Frente aos Princípios do Direito do Trabalho .. 16 Capítulo IV - Os Tratos Verbais Frente a Doutrina e a Jurisprudência ............... 25 Capítulo V - Alguns Tratos Verbais ..................................................................... 35 Capítulo VI - O Caráter Ético dos Tratos Verbais ............................................... 38 Conclusão - ........................................................................................................... 41 Bibliografia .......................................................................................................... 44

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TRATOS VERBAIS COMO CLÁUSULA DO CONTRATO DE

TRABALHO

Renato de Souza Sant’Ana

Advogado formado pela Unaerp, Ribeirão Preto

Especialista e Direito material e processual do Trabalho pela Unirp de

São José do Rio Preto

SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................ 05

Capítulo I - Conceito e Formas dos Tratos Verbais ............................................. 07

Capítulo II - Dispositivos Legais Aplicáveis ....................................................... 10

Capítulo III - Os Tratos Verbais Frente aos Princípios do Direito do Trabalho .. 16

Capítulo IV - Os Tratos Verbais Frente a Doutrina e a Jurisprudência ............... 25

Capítulo V - Alguns Tratos Verbais ..................................................................... 35

Capítulo VI - O Caráter Ético dos Tratos Verbais ............................................... 38

Conclusão - ........................................................................................................... 41

Bibliografia .......................................................................................................... 44

2

INTRODUÇÃO

O direito do trabalho é regido por um conjunto de normas,

algumas de ordem pública, e também por princípios, dentre estes últimos se

destacando o da proteção, o da primazia da realidade e o da boa fé.

Muito se questiona no sentido de que as normas existentes não

mais atendem as atuais condições de trabalho, mais modernas e com uma das

partes da relação de trabalho, o trabalhador, mais informado e mais consciente de

seus direitos.

Quanto ao aspecto da validade dos tratos verbais celebrados

entre empregados e empregadores, firmados de forma tácita ou expressa, no

decorrer do contrato de trabalho, muitos entendem ser a forma escrita a única

admissível, apresentando algumas situações conflituosas que a pesquisa irá

mostrar e buscar a melhor solução para o problema. Tais situações se apresentam

ora a favor de um lado, ora a favor de outro (empregado - empregador).

Demonstra-se assim, justificar-se uma pesquisa em torno do

assunto, porque a incidência do problema é grande e suas conseqüências sociais

de igual proporção, eis que o contrato de trabalho é direito mais que individual,

mas também social.

Assim, no deslinde da pesquisa estará se trazendo contribuições

no campo social da aplicação do direito do trabalho e via de conseqüência, no

campo profissional e técnico. Além disto, trabalhos já realizados neste tema não

são tão atuais, talvez não pelas datas de suas edições, mas pela conjuntura em que

3

foram realizados, daí porque na conjuntura da flexibilização e da modernização

das relações de trabalho merece uma pesquisa sobre o tema proposto.

No ato da celebração do contrato de trabalho é comum

empregados e empregadores fazerem pactuações expressas mas não escritas. Por

vezes ainda, ocorre de referidos contratantes fazerem tais pactuações expressas no

decorrer do contrato de trabalho, na sua fluência. Por outras, ocorre das partes

estabelecerem condições de trabalho tacitamente, são condições que vão se

agregando ao contrato de trabalho sem que ninguém se oponha, ao contrário, até

desfrutam delas.

É comum quando do rompimento do contrato de trabalho ou

ainda a certa altura do desenvolvimento deste, o empregado buscar judicialmente

a declaração de nulidade de tais condições quando estas lhe impõe algum ônus, ou

ao contrário, a declaração de validade e incorporação aos seus direitos, quando

estas condições lhe geram benefícios.

Daí a relevância do tema pesquisado, quando tais tratos verbais,

tácitos ou expressos, devem ser respeitados? Como ficam tais tratos verbais frente

ao princípio da proteção, da primazia da realidade e ao da boa fé? O respeito a tais

tratos é via de mão única, que deve favorecer apenas uma das partes da relação de

trabalho?

Na presente pesquisa demonstrar-se-á alguns tipos de tratos ou

convenções não escritas, comumente estabelecidas no contrato de trabalho.

Tem-se como objetivo ainda, analisar e compreender em que

condições tais tratos não escritos são aceitos pelas partes.

Distinguir o caráter ético e social que tais tratos possuem.

Avaliar-se-á, finalmente, com os resultados dos objetivos

anteriormente descritos, balizado na legislação, nos princípios que norteiam o

direito do trabalho, na doutrina e jurisprudência, da validade ou não das

convenções ou tratos não escritos, da sua justeza e legalidade.

4

CAPITULO I - CONCEITO E FORMAS DOS TRATOS VERBAIS

Para abordagem do tema desenvolvido no presente estudo,

verifica-se a necessidade de identificar o que se pretende dizer com "tratos

verbais", bem como precisa se compreender as formas existentes dos referidos

"tratos".

Entende-se por "trato", aquilo que resulta da combinação, do

ajuste, do acerto a que se conduziram duas partes, no caso, no contrato de

trabalho, empregado e empregador. À propósito, leciona Aurélio Buarque de

Holanda Ferreira1: Trato. Ajuste, convênio, pacto, contrato, tratado.

Por verbal tem-se aquilo que é dito, que é falado, não escrito, é a

expressão pela palavra. Ainda socorrendo-se do ilustre conhecedor da língua

pátria e acima citado, tem-se o seguinte conceito: Verbal. Expresso de viva voz;

oral. 2

No desenvolvimento da presente, verificar-se-á também que

muitas vezes se usará a locução verbal como a "expressão do indivíduo por seus

atos", pelo "silêncio".

Logo, tem-se que "trato verbal" é aquele ajuste que fazem

empregado e empregador, como cláusula contratual, sem nenhum documento

escrito, o fazem pela palavra, pelas suas ações e omissões.

1 FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

1994. p. 647 2 Ibid., p. 669

5

Afirma Mozart Victor Russomano 3 que os contratos de trabalho

podem ser classificados sob dois critérios, quanto a forma e quanto a natureza.

Quanto a forma, segundo afirma o renomado jurista, pode ser ele tácito ou

expresso e verbal ou escrito.

Entende-se que as formas "tácita ou expressa" embora sejam

excludentes entre si, não o são em relação as formas "verbal ou escrita", logo,

podem ser conjugadas umas das primeiras formas, com uma das segundas, como

por exemplo, um ajuste "tácito e verbal", ou "tácito e escrito"; pode ainda ocorrer

um ajuste "expresso e verbal" ou "expresso e escrito".

A forma escrita não constitui objeto do presente estudo, a forma

verbal sim, bem como as formas tácita e expressa, via de conseqüência, as formas

dos tratos verbais sob comento serão "tácito e verbal" e "expresso e verbal" (tratos

verbais como cláusula do contrato de trabalho). Daí se dizer que os tratos verbais

podem ser tácitos ou expressos.

Há aqueles que discordam do presente posicionamento e da

possibilidade de existência de cláusula ou trato verbal expresso, admitindo esta

última forma, expressa, apenas para os pactos celebrados por escrito, no entanto,

no particular adota-se a sabedoria do sempre lembrado Mozart Victor Russomano4

que ensina:

Dá-se o contrato tácito quando ... muito embora não se haja feito nenhum arranjo claro, inequívoco, nenhum entendimento direto e taxativo. As partes, através da continuidade da situação que se cria, revelam, implicitamente, sua vontade, sua concordância, seu intento de celebração de um contrato de trabalho, retratado, especialmente, na obrigação recíproca que liga as duas partes; O contrato expresso, como o nome indica, ao contrário, é aquele em que as partes deliberam,

3 RUSSOMANO, M. V. Comentário à Consolidação das Leis do Trabalho. 4ª. ed. Rio de

Janeiro: José Konfino Editor, 1957. V. II, p. 557 4 RUSSOMANO, M. V. Comentário à Consolidação das Leis do Trabalho. 4ª. ed. Rio de

Janeiro: José Konfino Editor, 1957. V. II, p. 558

6

de modo claro e objetivo, as condições do serviço; Mais facilmente se compreenderá a possibilidade de celebração do contrato verbal. Se até tacitamente se pode formular um contrato de trabalho, com mais razão se deverá admitir a possibilidade de o contrato expresso ser elaborado através de uma simples palestra, como também através de um documento (contrato escrito).

Como já se disse, os tratos escritos não são objeto do presente

estudo, porém, apenas para que se espanquem todas as dúvidas e reforcem as

premissas que embasam a tese apresentada, a existência de trato tácito escrito se

dá quando uma condição pactuada encontra-se escondidas nas entrelinhas do

documento, que embora não o tenha dito (escrito) expressamente, dá para

entender como existente.

7

CAPÍTULO II - DISPOSITIVOS LEGAIS APLICÁVEIS

A Consolidação das Leis do Trabalho5, como principal diploma

legal a regular as relações de trabalho, fixou no Título IV, Capítulo I, as

Disposições Gerais sobre o Contrato Individual de Trabalho, destacando-se entre

tais dispositivos que envolvem a matéria, os artigos 442 e 443 que assim dispõe:

Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo, tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.

O caput do artigo 442 transcrito acima, por primeiro reforça o

conceito de que o contrato individual é o acordo, ou seja, aquilo que resultou da

vontade das partes. Quanto a forma da celebração do acordo, do contrato ou do

trato, o mencionado artigo prevê a forma tácita ou expressa.

Depois, já no artigo 443 quase que repetindo o que havia se

regulado no artigo antecedente, o legislador ampliou as formas de celebração,

dizendo ainda poder ser celebrado o contrato de forma verbal ou escrita.

5 BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, 9 mai. 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Juris

Síntese Millennium, Porto Alegre: ed. Síntese, Compact Disc 27, não pag., 2001.

8

Entende-se residir nos dois dispositivos legais citados,

referência que nunca se pode perder de vista, eis que determinam tais dispositivos

as formas de existências dos próprios contratos, fonte principal que faz surgir

condições menores do contrato, ou seja, as cláusulas inerentes ao contrato, tal

como surgem galhos oriundos de um tronco maior da árvore.

Já o artigo 444 consolidado6, impôs limitações ao contrato de

trabalho, impôs limitações ao acordo das partes, assim prescrevendo:

Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, às convenções coletivas que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Há aqui uma intervenção do Estado nas relações particulares, já

que apesar de dizer que tais relações podem ser objeto de livre estipulação, ao

depois as limitam as disposições de proteção ao trabalho (quando deveria dizer as

disposições de proteção ao trabalhador).

O artigo 456 da C.L.T.7 vem a dar suporte ao artigo 443, eis que

prevendo este último que o contrato de trabalho pode ser celebrado verbalmente,

haveria que se possibilitar meios de fazer prova da sua existência. O artigo 456

disto cuidou, ditando que o contrato de trabalho não sendo celebrado por escrito,

pode ser provado por todos os meios permitidos em direito, ou seja, os meios

lícitos (artigo 5º, LVI da Constituição Federal8).

Art. 456. A prova do contrato individual do trabalho será feita pelas anotações constantes da Carteira de Trabalho e Previdência Social, ou

6 Ibid. 7 BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, 9 mai. 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Juris

Síntese Millennium, Porto Alegre: ed. Síntese, Compact Disc 27, não pag., 2001. 8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 5 out. 1988. Juris Síntese

Millennium, Porto Alegre: ed. Síntese, Compact Disc 27, não pag., 2001.

9

por instrumento escrito e suprida por todos os meios permitidos em direito. Art. 5º. LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

Quanto aos meios de prova permitidos para prova dos tratos

celebrados, salienta Amauri Mascaro Nascimento9 que "prova" é a demonstração

convincente da existência do contrato e das suas cláusulas.

A prova possibilita a ação da autoridade pública para assegurar

o direito a quem pertence.

Mascaro Nascimento citado acima, constata:

Meio freqüente de prova de relação de emprego na Justiça do Trabalho são os depoimentos de testemunhas. Além da própria existência da relação de emprego, as testemunhas são admitidas também para esclarecer as condições em geral do trabalho, como antigüidade, horário, despedimento etc. (g.n.)10

Cuidando do contrato de trabalho, os artigos da Consolidação

das Leis do Trabalho citados até aqui são os que merecem destaque, mas não é só

isto que interessa ao tema sob estudo, eis que aqui propôs-se analisar também os

tratos verbais surgidos no curso do contrato de trabalho, modificando ou

suprimindo condição contratada inicialmente ou incluindo nova, assim, vamos

buscar no Capítulo III do Título IV da C.L.T. (Da Alteração), o dispositivo legal

inerente as alterações contratuais.

Limitar-se-á a análise do artigo 468, eis que abarca ele de forma

sintética e concisa a limitação imposta as alterações contratuais.

Assim dispõe in verbis:

9 NASCIMENTO, A. M. Curso de direito do trabalho. 16ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,

1999. p. 478 10 NASCIMENTO, A. M. Curso de direito do trabalho. 16ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,

1999. p. 478

10

Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

O dispositivo legal impõe duas condições à validade da

alteração contratual, as quais devem coexistir para validade do ato. Prevê ainda a

conseqüência ao descumprimento legal, ou seja, a não observância das condições

de alterabilidade, que leva a nulidade da cláusula infringente.

A alteração contratual somente será lícita se por primeiro, haver

o mútuo consentimento das partes. Esta primeira consideração em verdade é

princípio geral dos contratos, que por serem nada mais do que a expressão comum

das partes envolvidas, deve ter como pressuposto lógico a concordância bilateral,

sem qualquer tipo de vício de consentimento.

A segunda condição imposta à validade da alteração contratual,

é que dela não resultem prejuízos ao empregado, seja ele direto ou indireto.

Verifica-se aqui o maior problema na aplicação do dispositivo ao caso concreto,

tanto na dificuldade de se saber o que deve significar "prejuízo" e ainda, o que

seria "direto e indireto".

Visou o legislador em verdade, a aplicação do princípio protetor

que norteia o direito do trabalho, para que o empregado não sucumba as vontades

do empregador, muitas vezes impulsionadas pelo poder de mando e maior

vantagem econômica.

Em crítica ao dispositivo que impõe limitações as alterações

contratuais, afirma Antônio Borges de Figueiredo em artigo publicado na revista

Síntese Trabalhista11

À primeira vista, trata-se de regra extremamente vantajosa para o empregado, pois o mesmo poderá consentir com qualquer alteração do

11 FIGUEIREDO, A. B. Princípio da Proteção e o artigo 468 da Clt. Síntese Trabalhista. ed.

Síntese: Porto Alegre, nº 110, p. 33, ago. 1998.

11

contrato de trabalho, inclusive quando considerar vantajosa para si a alteração, e posteriormente alegar sua nulidade de pleno direito e pleitear as verbas pertinentes, se sofrer algum prejuízo ainda que indireto. Pode ser questionado, todavia, se o disposto no art. 468 da CLT guarda necessária conformidade com o princípio em epígrafe, ou se há falha na sistematização.

E continua o Jurista:

A CLT ao mesmo tempo em que dificulta ou torna arriscada para o empregador qualquer alteração do contrato individual de trabalho (art. 468), contraditoriamente permite a dispensa imotivada do empregado (art. 487). Assim sendo, torna-se menos arriscado para o empregador efetuar a dispensa sem justa causa do empregado, mediante pagamento das verbas rescisórias cabíveis, em vez de assumir os riscos da alteração contratual, mesmo que haja mútuo consentimento. O art. 468 da CLT procura preservar todas as cláusulas do contrato individual de trabalho, em aparente proteção ao empregado, mas permite a dispensa sem justa causa, que pode gerar maior desamparo ao despedido, mormente em períodos de elevados e crescentes índices de desemprego. Trata-se de contradição manifesta, ou de manifesta falha na sistematização da legislação trabalhista brasileira. A norma imperativa no Direito do Trabalho, como o art. 468 da CLT, tem o inconveniente de estabelecer a mesma garantia aos empregados realmente hipossuficientes e aos altos empregados, como se nenhum empregado tivesse discernimento para cuidar de seus próprios interesses.

De fato, a crítica tem fundamento, já que a exacerbação da

proteção pode levar sua aplicação a sentido oposto.

12

Grifa-se ainda, que é muito complexo se saber o que é uma

alteração contratual que acarrete prejuízos, já que inúmeras alterações contratuais

podem ser feitas, a princípio denotando um prejuízo, mas que em verdade de

alguma forma traz benefício ao empregado.

Daqui a alguns capítulos se terá a oportunidade de verificar o

afirmado, quando retrataremos exemplos de alguns tratos verbais.

Finalizando este capítulo, podemos concluir que do ponto de

vista legislativo o contrato de trabalho, e consequentemente suas alterações,

podem ser celebrados de forma tácita ou expressa, verbal ou por escrito, sendo

livre as estipulações por mútuo acordo, desde que não contrariem às disposições

de proteção ao trabalhador e não acarretem prejuízos à este, sendo que a prova das

condições do trabalho podem ser feitas por todos os meios lícitos.

É o que se extrai dos dispositivos legais apontados, com

aplicação tanto as relações de trabalho urbano como rural, por aplicação do

disposto no artigo 1º da Lei nº 5.889 de 11 de junho de 1.97312, regulamentada

pelo Decreto nº 73.626 de 13 de fevereiro de 1.974, em especial artigo 4º 13.

12 BRASIL. Lei nº 5.889, 11 jun. 1973. Estatui normas reguladoras do trabalho rural e dá outras

providências. Juris Síntese Millennium, Porto Alegre: ed. Síntese, Compact Disc 27, não pag.,

2001. 13 BRASIL. Decreto nº 73.626, 13 fev. 1974. Aprova o regulamento da lei nº 5.889. Ibid.

13

CAPÍTULO III - OS TRATOS VERBAIS FRENTE AOS PRINCÍPIOS DO

DIREITO DO TRABALHO

Em que pese ter o legislador regulamentado toda a questão do

contrato de trabalho e suas formas de celebração, e ainda, ter limitado as hipóteses

de alteração do mesmo, tais normas devem ser interpretadas em conjunto com os

princípios do direito do trabalho.

Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Magda Biavaschi14

assinala:

... o desrespeito a um dos princípios do direito consiste em infração muito mais grave do que aquela que decorre da inobservância de uma norma positiva. Isto porque, consistindo os fundamentos, os mandamentos nucleares de todo o sistema jurídico de um País, um vez desrespeitados, é o próprio sistema, como um todo, que resulta lesado.

E acrescenta-se por conta e risco: se uma norma jurídica faz

parte do corpo legislativo, os princípios de direito são a própria alma, e por isto,

muito mais solenes e sublimes.

14 MELLO, C. A. B. Apud BIAVASCHI, M. B. Direito do Trabalho: Um direito comprometido

com a justiça. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Porto Alegre, nº 25, p.

23.

14

Para entendimento da validade e importância dos princípios do

direito do trabalho, Américo Plá Rodriguez 15 propõe se estudem seis pontos,

quais sejam: 1) noção; 2) funções; 3) importância; 4) classificação; 5) forma; 6)

enumeração.

Para mencionado autor, após avaliar e procurar entender qual a

noção apontada por diversos autores sobre os "princípios", conclui que são eles:

Linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos. 16

Seguindo a linha proposta por Plá Rodriguez, após definir-se a

noção dos "princípios" cabe então analisar e verificar sua verdadeira função.

Segundo De Castro17 citado por Plá Rodriguez, os princípios de

direito cumprem tríplice missão:

a) informadora: inspiram o legislador, servindo de fundamento

para o ordenamento jurídico;

b) normativa: atuam como fonte supletiva, no caso de ausência

da lei. São meios de integração de direito, e

c) interpretadora: operam como critério orientador do juiz ou

do intérprete.

Ao presente estudo, das funções atribuídas aos princípios de

direito, utilizar-se-á as funções normativa e interpretadora, de modo que a

verificação da validade das cláusulas verbais, não fuja a essência do direito do

trabalho, a sua própria razão de existência como ciência autônoma.

15 PLÁ RODRIGUEZ, A. Princípios do Direito do Trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São

Paulo: LTR, s.d. p. 14. Tradução de: Los Princípios del Derecho del Trabajo. 16 PLÁ RODRIGUEZ, A. Princípios do Direito do Trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São

Paulo: LTR, s.d. p. 15. Tradução de: Los Princípios del Derecho del Trabajo. 17 DE CASTRO Apud PLÁ RODRIGUEZ, A. Princípios do Direito do Trabalho. Trad. Wagner

D. Giglio. São Paulo: LTR, s.d. p. 17. Tradução de: Los Princípios del Derecho del Trabajo.

15

Quanto a importância, os princípios do direito do trabalho

constituem o fundamento do ordenamento jurídico, assim sendo, não pode haver

contradição entre eles e os preceitos legais. Estão acima do direito positivo,

enquanto lhe servem de inspiração. É o que assinala o insigne jurista Plá

Rodriguez18.

Podem os princípios de direito ser classificados em princípios

políticos e jurídicos. Interessa aqui, os princípios de classificação jurídica,

classificação segundo a qual são eles critérios formais aplicáveis em geral, em

qualquer circunstância de lugar e tempo. Não aludem a nenhum benefício em

concreto, razão pela qual tem um sentido bastante geral e amplo, extensivo a toda

a disciplina.

Daí porque afirmar-se, que os princípios segundo sua

classificação também tem relevância ao estudo proposto, aplicados que são de

forma geral, envolvem a questão da validade ou não dos tratos verbais no contrato

de trabalho.

Abandona-se aqui o enfoque político dos princípios do direito

do trabalho porque isto implicaria em estudar uma síntese do Direito do Trabalho

de cada País, ou ainda em outra hipótese, estudar uma síntese do Direito do

Trabalho em cada época da história política brasileira.

Quanto a forma como os princípios de direito se apresentam, o

doutrinador Plá Rodriguez19 faz brilhante consideração, vendo-se na mesma,

conceito perfeito, motivo pelo qual, não pode se deixar de citá-la na íntegra:

Uma das características dos princípios do Direito do Trabalho é seu amorfismo, na medida em que carecem de procedimentos técnicos de exteriorização.

18 PLÁ RODRIGUEZ, A. Princípios do Direito do Trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São

Paulo: LTR, s.d. p. 19. Tradução de: Los Princípios del Derecho del Trabajo. 19 PLÁ RODRIGUEZ, A. Princípios do Direito do Trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São

Paulo: LTR, s.d. p. 22. Tradução de: Los Princípios del Derecho del Trabajo.

16

Não há, portanto, uma forma única e exclusiva de se manifestarem. Poderíamos dizer que nem siquer há uma forma preferida de manifestação. Entretanto, cumpre assinalar uma marcada tendência à incorporação a outras fontes, isto é, a corporizar-se, abandonando formulações abstratas e imprecisas. Por outro lado, quase nunca são qualificados como tal, ao serem enunciados. Somente muito poucas vezes o enunciado é direto. Amiúde, costuma ser parcial ou somente induzir-se do texto. Ocorre, ainda, que o que se enuncia é somente o pressuposto do princípio, o que implica afirmar que o princípio pode não estar formalmente formulado. Como tem vocação para a forma escrita, podem concentrar-se na lei ou podem expressar-se através da jurisprudência ou da doutrina.

Definido assim a forma de expressão dos princípios, passa-se a

última forma de estudo e compreensão dos mesmos, proposta por Plá Rodriguez,

ou seja, a enumeração dos mesmos.

Com exagerada modéstia, o doutrinador mencionado diz ser

difícil enumerá-los, diz ainda fazer uma enumeração que conta com dissenso;

Porém, atualmente, sua teoria e enumeração é prevalente e majoritária, daí porque

adotá-la.

Tem-se assim, os seguintes princípios do Direito do Trabalho:

1) princípio de proteção que se pode concretizar em três idéias:

a) in dubio, pro operario;

b) regra da aplicação da norma mais favorável; e

c) regra da condição mais benéfica.

2) princípio da irrenunciabilidade dos direitos;

3) princípio da continuidade da relação de emprego;

4) princípio da primazia da realidade;

5) princípio da razoabilidade; e

6) princípio da boa fé.

17

Para o enfoque, enquadramento e verificação da validade dos

tratos verbais à vista dos princípios do direito do trabalho, limitar-se-á àqueles

princípios que tem correlação com o tema, ou seja, o princípio protetor, o da

primazia da realidade e o da boa fé.

Far-se-á assim, breve análise aqui do que sejam tais princípios, o

que invocam eles.

Arnaldo Süssekind sempre festejado, ao elencar alguns

princípios do direito do trabalho, dá maior importância aos três acima

mencionados (o da proteção, da primazia da realidade e o da boa fé), comentando-

os à luz da vigente Constituição Federal, que sem dúvida, abriu a tese da

flexibilização das relações de trabalho, e de maior possibilidade de afastamento do

Estado quando presente a negociação coletiva.

Quanto ao princípio protetor, assim cita o mencionado autor:

O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a intervenção básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade. Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho - uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal.20

Como se extrai da lição do mestre, o princípio da proteção

resulta de normas imperativas, limitando a autonomia das partes no contratar.

Assim, a existência da limitação da vontade das partes fica compreensível, mas

para aplicá-la necessário se compreender ainda o que sejam normas imperativas,

de ordem pública, e isto o mesmo autor esclarece:

20 SÜSSEKIND, A. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. atual. São Paulo: LTr,

1997. V. I, p. 152.

18

A ordem pública não se confunde, portanto, com o direito público, nem constitui característico de suas regras; 21 ..., decorre do objeto do direito e do interesse protegido: Prevalece a norma não imperativa quando só tem em vista um interesse individual. Por seu turno, a norma se impõe de um modo imperativo quando o interesse amparado é o da sociedade;22 A finalidade das regras de ordem pública do Direito do Trabalho consiste em evitar o abuso da autonomia da vontade, fazendo com que os indivíduos dela desfrutem na medida em que o seu uso seja compatível com o interesse social.23

Compreende-se assim, que a existência do princípio da proteção

é justificado porque o interesse coletivo deve prevalecer sobre o particular.

Ainda quanto ao princípio da proteção, discorre Plá Rodriguez:

O princípio em questão, se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador. Enquanto no direito comum há uma constante preocupação para assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes. 24

E continua:

21 Ibid., p. 206 22 Ibid., p. 207 23 SÜSSEKIND, A. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. atual. São Paulo: LTr,

1997. V. I, p. 209 24 PLÁ RODRIGUEZ, A. Princípios do Direito do Trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São

Paulo: LTR, s.d. p. 27. Tradução de: Los Princípios del Derecho del Trabajo.

19

O fundamento deste princípio está ligado à própria razão de ser do Direito do Trabalho. Historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como conseqüência de que a liberdade de contrato entre as pessoas com poder e capacidade econômica desiguais, conduzia a diferentes formas de exploração. Inclusive às mais abusivas e iníquas.25

Mas o princípio da proteção não é o único que deve nortear a

questão da validade dos tratos verbais no contrato de trabalho, ao que se aproveita

então, os ensinamentos de Arnaldo Süssekind quanto ao que seja o princípio da

primazia da realidade:

O princípio da primazia da realidade, em razão do qual a relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contratantes, ainda que sob capa simulada, não correspondente à realidade;.26

Isto se dá porque encontra-se no direito do trabalho, várias

divergências entre o que acontece no terreno dos fatos e a situação de direito

estampada nos documentos.

Tal princípio prega que deve se dar primazia à realidade que

ocorre nos contratos, mesmo que em detrimento de documentos.

Muitas vezes, empregadores para se verem livres de certas

situações, às vezes até mesmo para economizarem encargos sociais, confeccionam

documentos de modo que não coincidem com a realidade. Deve o interprete e

aplicador do direito, dar preferência ao que ocorre no terreno dos fatos.

Outras vezes, ocorre na falta de atualização de documentos, já

que o contrato de trabalho é dinâmico, situação em que novamente é aplicado o

princípio da primazia da realidade.

25 Ibid., p. 28 26 SÜSSEKIND, A. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. atual. São Paulo: LTr,

1997. V. I, p. 154

20

Deve se dar real importância na interpretação da vontade das

partes ao contratarem, o que de fato tinham intenção de fazer, e não o que foi

documentado.

Denomina-se em virtude deste princípio, o contrato de trabalho

como Contrato-realidade.

Finalmente, temos o princípio da boa fé, que deve nortear o

contrato de trabalho, e também é lógico, os tratos verbais celebrados entre

empregado e empregador.

Deve-se acreditar que o trabalhador cumpre seu contrato de

trabalho de boa fé, colocando seu empenho normal no cumprimento de suas

tarefas.

Da mesma forma, esse princípio alcança o empregador, que

deve cumprir lealmente suas obrigações.

Devem laborar empregado e empregador, emanados do espírito

de colaboração e confiança.

Acrescenta Américo Plá Rodriguez27

O contrato de trabalho não cria somente direitos e deveres de ordem patrimonial, mas também pessoal. Cria, de outro lado, uma relação estável e continuada, na qual se exige a confiança recíproca em múltiplos planos, em direções opostas e, sobretudo, por um período prolongado de tempo. Para o devido cumprimento dessas obrigações e a adequada manutenção dessas relações, torna-se importantíssimo que ambas as partes atuem de boa fé.

Arnaldo Süssekind também apregoa a aplicação do princípio da

boa fé nas relações de trabalho, assim discorrendo:

27 PLÁ RODRIGUEZ, A. Princípios do Direito do Trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São

Paulo: LTR, s.d. p. 265. Tradução de: Los Princípios del Derecho del Trabajo.

21

Embora se trate de um princípio geral de direito, o da boa-fé tem ampla aplicação nas relações de trabalho, em virtude do intenso e permanente relacionamento entre o trabalhador e o empregador, ou seus prepostos, assim como entre as partes envolvidas na negociação coletiva. 28

Discorrendo sobre as obrigações que decorrem do contrato de

trabalho, o insigne jurista fala um pouco mais sobre o princípio da boa-fé:

O princípio da execução de boa-fé, como salienta De Page, é um daqueles que constituem a base da sistemática jurídica em matéria de contrato. Sua origem remonta à distinção do direito romano entre contratos de direito estrito e contratos de boa-fé. Os primeiros eram de interpretação rigorosa, enquanto que, em relação aos segundos, se permitia ao juiz indagar livremente a intenção das partes, sem ficar preso à sua expressão literal. Hoje - diz De Page - "todos os contratos são de boa-fé". 29

Entende-se, s.m.j., que os três princípios citados, o protetor, o da

primazia da realidade e o da boa-fé, são os essenciais à compreensão da matéria

"tratos verbais como cláusula contratual", e mais do que isto, à sua interpretação,

integração e aplicação nos contratos de trabalho.

Tudo leva ao entendimento de que a validade de um trato verbal

passa pela verificação de sua existência (princípio da primazia da realidade), ao

depois, pelo princípio protetor, verificando se restou ou não prejuízo ao

trabalhador, mormente se houve ofensa a norma de ordem pública, e finalmente,

se o desprezo ou invalidade do trato verbal não ofende ao princípio da boa fé.

28 SÜSSEKIND, A. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. atual. São Paulo: LTr,

1997. V. I, p. 155 29 SÜSSEKIND, A. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. atual. São Paulo: LTr,

1997. V. I, p. 260

22

CAPÍTULO IV - OS TRATOS VERBAIS FRENTE A DOUTRINA E A

JURISPRUDÊNCIA

A matéria tratos verbais especificamente, carece de um

tratamento específico pela doutrina, sendo ela feita em verdade, dentro do tema

"contrato de trabalho" e "alteração do contrato de trabalho", tendo em vista que tal

forma de pactuação, ou seja, verbal, é prevista nos artigos 442 e 443 da C.L.T.,

sendo instituída entre as partes ou no ato da contratação ou sob a forma de

alteração de um contrato já vigente.

Não há via de conseqüência, atribuição de grande importância

ao tema pela doutrina, já que acaba sendo tratada, como mais uma forma de

ajuste. Porém, discorda-se disto, já que destaque maior é merecedor, visto que

pela característica impar que tem as relações de trabalho, sendo uma relação "de

trato sucessivo" inúmeras incidências do fenômeno ocorre.

Para Arnaldo Süssekind30 o contrato de trabalho é um contrato

realidade, sendo que o legislador vislumbrou que tal tipo de relação jurídica, não

poderia ter o formalismo existente em outros negócios jurídicos. Tal

informalidade porém, não deixa de levar em conta o concurso de vontade dos

agentes.

30 SÜSSEKIND, A. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. atual. São Paulo: LTr,

1997. V. I, p. 71

23

..., A Consolidação ...., procurou, na verdade, despir esse contrato de formalidades exigidas para outros negócios jurídicos e afirmar sua existência sempre que a relação fática de trabalho revelar os elementos caracterizadores do empregador (art. 2º) e do empregado (art. 3º). Adotou-se, portanto, pioneiramente a teoria do contrato-realidade, hoje amplamente consagrada pela doutrina e pela jurisprudência. Mas não se negou o encontro de vontades do empresário e do trabalhador no estabelecimento do suporte fático denunciador da relação de emprego.

Como se viu, sendo o contrato de trabalho um contrato

realidade, logo, sem formalismo, é correto se afirmar que o mesmo princípio

deve ser seguido para cláusulas ou tratos verbais que dele derivem.

Se o próprio contrato é tido como existente em situações de

informalidade, suas condições (cláusulas) devem acompanhar o mesmo caminho,

ou seja, a validade.

Já se disse aqui, que os tratos verbais podem ser quanto ao

momento de sua instituição, originários ou incidentais, ou seja, originários quando

nascidos com o próprio contrato de trabalho, ou incidentais, quando firmados no

decorrer ou desenvolvimento do contrato.

Quando os tratos verbais são incidentais, a matéria é tratada

doutrinariamente e jurisprudencialmente, sob o tema "alteração do contrato de

trabalho", sendo que classifica-se as alterações em obrigatórias e voluntárias.

Repousa o direito do trabalho sobre um conjunto de normas

(leis) que constituem um mínimo de garantias dos trabalhadores, agregando-se

ainda a este conjunto de normas, as convenções e acordos coletivos e a sentença

normativa, pois bem, quando este conjunto normatizador é alterado, provoca uma

alteração nos contratos individuais de trabalho de forma cogente, independente da

vontade dos contratantes, é a chamada alteração obrigatória.

Referido tipo de alteração obrigatória das condições de trabalho

ocorre via de regra em função do interesse abstrato de um grupo ou categoria.

24

Já quanto as alterações voluntárias, encontra regulamento no

artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê somente ser lícita as

que forem procedidas por mútuo consentimento das partes e ainda assim, quando

não resultem direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado.

Assim, em que pese a existência do jus variandi do empregador,

este encontra certo óbice ou limite, nas situações em que as alterações feitas

unilateralmente resultem estritamente de força maior, ou seja, em que a existência

de um fator externo torna impossível a execução do contrato nos moldes iniciais, e

não seja mera conseqüência da assunção dos riscos da atividade econômica.

Exclui-se portanto, das possibilidades do jus variandi, as

situações em que as alterações forem feitas por conta da teoria da imprevisão, ou

seja, em que também há a existência de um fator externo e imprevisível que torna

mais oneroso o contrato, porém, não impossível.

Como alterações lícitas e unilaterais do contrato, por conta do

jus variandi, pode-se citar as hipóteses elencadas nos parágrafos do artigo 469 da

Consolidação das Leis do Trabalho.

No mais, tem-se que as alterações devem seguir as regras do

artigo 468 do diploma Consolidado, logo, os tratos verbais celebrados

incidentalmente nos contratos de trabalho, podem ser feitos com duas restrições

favoráveis ao empregado:

a) Contar com o consentimento do empregado;

b) da alteração não pode resultar, direta ou indiretamente,

prejuízo para ele;

Como conseqüência dos limites de possibilidade da alteração do

contrato de trabalho, por meio de trato verbal, tem-se que a não observância das

restrições legislativa desafia a nulidade do ato, artigo 9º da Consolidação das Leis

do Trabalho.

25

No particular, comentário interessante encontra-se assentado pôr

Arnaldo Süssekind 31, no que tange a existência de interesse atual para buscar a

nulidade do ato via judicial.

Salienta ele, que uma das condições da ação é o legítimo

interesse do autor, artigo 76 do Código Civil e 3º do Código de Processo Civil, e

se o estado de violação de um direito é motivo de que nasce o interesse de agir, é

lógico afirmar, que para ser legítimo, deve ser, também, atual.

Dada as características impares do contrato de trabalho, sua

informalidade, seu trato sucessivo, comum que tais alterações contratuais sejam

feitas tacitamente, sendo o comportamento das partes, a permanência, a

continuidade da alteração no curso da relação de trabalho, um termômetro de

verificação do elemento "mutuo consentimento".

Com sapiência revela Arnaldo Süssekind: A relação jurídica do

trabalho é "uma relação de débito permanente": a modificação das condições de

trabalho que perdura revela, salvo manifestação expressa em contrário, a

intenção de novar. 32

Quanto a forma de consentimento dos tratos celebrados entre

empregado e empregador, quanto a novação, ensina Amauri Mascaro

Nascimento33 que há expressa constituição do contrato quando as partes

literalmente e de modo inequívoco manifestam a vontade, exteriorizando-a de

modo claro, indubitável e consciente, com a finalidade de se estabelecer uma

situação. É o característico da forma expressa de constituição de um contrato ou

uma condição deste, da novação.

Continua o insigne jurista dizendo que duas maneiras diferentes

podem ocorrer na forma de consentimento ou novação, a primeira delas é a forma

31 SÜSSEKIND, A. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. atual. São Paulo: LTr,

1997. V. I, p. 541 32 SÜSSEKIND, A. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. atual. São Paulo: LTr,

1997. V. I, p. 544 33 NASCIMENTO, A. M. Curso de direito do trabalho. 16ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,

1999. p. 469-470

26

escrita, a qual dispensa-se aqui maiores comentários por não ser a forma escrita de

novação objeto de estudo.

A segunda forma é a verbal, e assim leciona:

A segunda forma expressa de constituição do contrato de trabalho é a verbal. Configura-se quando entre o trabalhador e o empregador, diretamente ou por meio de terceiros representantes, existe declaração de vontade manifestada oralmente. Não será preciso combinar detalhes. Basta que ajustem o emprego. Ainda que nada mais falem, ao trabalhador estarão garantidas as normas mínimas de proteção previstas no direito do trabalho, como se elas tivessem sido objeto de ampla discussão. Justifica-se a forma verbal porque, em determinados setores da economia, as condições das partes são de tal modo que difícil seria a exigência de contratação escrita.34

E finaliza dizendo sobre a condição tácita:

O ato introdutório do vínculo é ainda tácito. Nesse caso, a manifestação da vontade das partes se faz não mediante declaração expressa, mas implícita no comportamento. Se alguém permite que outrem preste serviços remunerados e subordinados em seu benefício e continuadamente, é desnecessária a existência de um documento dizendo que há relação de emprego ou mesmo da comprovação de que houve um trato verbal, porque o comportamento de ambos é suficiente para revelar a intenção que os moveu. (g.n.)35

Parte da jurisprudência porém, vem sendo demasiadamente

rigorosa e rígida na interpretação dos tratos verbais, mormente naqueles

34 NASCIMENTO, A. M. Curso de direito do trabalho. 16ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,

1999. p. 470 35 Ibid.

27

celebrados incidentalmente ao contrato de trabalho, e também naqueles celebrados

tacitamente, com o comportamento das partes, com a permanência e continuidade

da alteração no curso da relação de trabalho, como já se disse alhures.

Referida corrente jurisprudencial não vem enxergando no

comportamento das partes, um termômetro de verificação do elemento "mutuo

consentimento".

Observe-se os julgados abaixo:

24008434 – ACORDO DE COMPENSAÇÃO – DE HORAS – VALIDADE – O acordo de compensação de horas deve ser expresso entre empregado e empregador, não se admitindo ajuste verbal. (TRT 15ª R. – Proc. 20381/99 – (46689/00) – 1ª T. – Rel. Juiz Luiz Antonio Lazarim – DOESP 04.12.2000 – p. 57) (g.n.)

20034967 JCLT.59 – HORAS EXTRAS – Não havendo controvérsia quanto a realização de plantões de doze horas pela obreira, os quais eram realizados durante todo o horário noturno, tem-se como de treze horas a jornada e assim, sendo cinco horas extraordinárias. Demonstrada a quitação somente das noturnas – em número de três – são devidas as demais, não se acolhendo a argumentação de que havia acordo verbal para compensação das excedentes à terceira, baseado no art. 59 da CLT que exige acordo escrito para prorrogação de jornada de trabalho. (TRT 4ª R. – RO/RA 00005.701/98-8 – 3ª T. – Relª Juíza Maria Inês Cunha Dornelles – J. 28.10.1999) (g.n.)

926377 – CONTRATO DE EXPERIÊNCIA – O contrato de trabalho tem por natureza o sentido de continuidade. Por isso, sua mais importante classificação se traduz no contrato por prazo indeterminado. O contrato de experiência constitui uma possibilidade do empregador em submeter o empregado a um período de prova, contratando-o antes a título experimental, até porque a aprovação ou não seria de escolha do empregador. Inadmissível portanto contrato de experiência na forma verbal. (TRT 2ª R. –

28

02970085032 – Ac. 7ªT. 02980005910 – Rel. José Mechango Antunes – DOESP 13.02.1998) (g.n.)

30048089 JCF.7 JCF.7.XIII JCF.7.XIV JCLT.239 JCLT.59 JCLT.442 – 1 – ... 2 – VALIDADE DE ACORDO TÁCITO DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA – O art. 59 da CLT e o inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal de 1988 exigem, para validade da compensação de horários, a existência de acordo ou convenção coletiva, ou seja, de pactuação expressa. Dessarte, não é possível afirmar-se que o art. 442 da CLT, que prevê a hipótese do contrato de trabalho por ajuste tácito, autorize, também, o ajuste tácito para prorrogação e compensação de jornadas. Revista desprovida. 3 – ... " (TST – RR 467112 – 4ª T. – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho – DJU 01.09.2000 – p. 436) (g.n.)

Finalmente, entende-se que a maioria dos componentes das

Turmas da Sessão de Dissídios Individuais do Colendo Tribunal Superior do

Trabalho, vem manifestando-se contrários a ajustes verbais, exigindo para

validade do ato acordo escrito, em desprestígio ao princípio da primazia da

realidade, ao princípio da boa fé, bem como aos artigos 442 e 443 da

Consolidação das Leis do Trabalho.

Tanto isto é verdade que fora editado pelo Colendo Tribunal

Superior do Trabalho o enunciado a seguir:

Nº 342 - DESCONTOS SALARIAIS - ART. 462, CLT Descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativa associativa dos seus trabalhadores, em seu benefício e dos seus dependentes, não afrontam o disposto pelo art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico. (g.n.)

29

A expressão do Enunciado acima nada mais é do que isto, ou

seja, se de um lado passou a reconhecer no campo jurídico o que já é uma situação

posta na prática, de outro, indiretamente acabou negando vigência aos acordos

verbais; sejam eles feitos de forma expressa entre as partes, ou seja, de forma

claramente ajustada, combinada e acertada; sejam eles feitos de forma tácita,

ratificados no dia a dia com a tolerância da situação (o termômetro a que se referiu

acima).

Assim, não se vê avanço algum no enunciado mencionado, eis

que deu um passo para frente mas ao depois, outro para traz.

Mas o fato é que a jurisprudência verdadeiramente não se

entende, já que tudo que se demonstrou acima sobre seu posicionamento, é

contrariado por outra corrente que vai representada pelos arestos abaixo.

Quanto a acordos verbais para compensação de horas de

trabalho, temos as decisões abaixo que dão sim valor ao ajuste verbal,

demonstrando a dissensão mencionada:

24002162 – HORAS EXTRAS – ACORDO INDIVIDUAL DE COMPENSAÇÃO DE HORAS – O art. 7º, inciso XIII, da CF, não revogou mas, sim, convalidou o disposto no art. 59, da Consolidação, pois quando se refere a acordo ou convenção coletiva de trabalho, quis dizer acordo individual – e não coletivo, pelo que se reputa válido o acordo individual de compensação de horas. Assim também, o acordo verbal para compensação de horas é considerado válido, desde que devidamente comprovado esse ajuste tácito através dos fatos reais que cercaram esse relacionamento, consubstanciado no contrato-realidade. (TRT 15ª R. – Proc. 5157/96 – 2ª T. – Rel. Juiz Antonio Tadeu Gomieri – DOESP 16.03.1998 – p. 57) (g.n.) 93004521 JCLT.75 JCCB.130 – HORÁRIO – COMPENSAÇÃO EM GERAL – Acordo verbal ou tácito para compensação de horas. Validade. O acordo informal, quando atinge a finalidade, tem a mesma validade do ato formal, porque a lei

30

trabalhista (CLT, 75) não comina nulidade pela preterição da forma (CC, 130). (TRT 2ª R. – RO 02990303558 – (20000326482) – 9ª T. – Rel. Juiz Luiz Edgar Ferraz de Oliveira – DOESP 11.07.2000) (g.n.) 927690 – ACORDO DE COMPENSAÇÃO DE HORAS NÃO ESCRITO – Perfeitamente aceitável o acordo de compensação de horas tácito, tendo-se por base o próprio contrato de trabalho que, nos moldes do art. 443 da CLT, pode ser celebrado tacitamente. (TRT 2ª R. – Ac. 02980436504 – 9ª T. – Rel. Juiz Antonio Jose Teixeira de Carvalho – DOESP 01.09.1998) (g.n.) 10004137 – DESCONTOS – CONTRIBUIÇÕES CONFEDERATIVAS E ASSISTENCIAL – NÃO OPOSIÇÃO DO EMPREGADO – “Se o empregado não se opõem aos descontos efetuados a título de contribuição confederativa e/ou assistencial não há que se deferir o pedido de devolução das mesmas, posto que configurada a concordância tácita. Ademais, os valores descontados não remetem para o trabalhador, mas para o sindicato da classe." (TRT 24ª R. – Ac. 2170/1999 – REO 977/1999 – Rel. Juiz Idelmar da Mota Lima – DJMS 16.11.1999 – p. 49) (g.n.) 24002222 – DESCONTOS SALARIAIS – SEGUROS DE VIDA – CONCORDÂNCIA TÁCITA DO OBREIRO – LEGITIMIDADE – São legítimos os descontos salariais referentes a seguros de vida porventura processados pelo empregador, quando a prática adotada não vem precedida de nenhum vício do consentimento, havendo, ainda, a concordância tácita do empregado, pois significam um benefício para este, na medida em que se viu acobertado pelo valor da apólice, durante o período de vigência do pacto laboral. (TRT 15ª R. – Proc. 15972/96 – 5ª T. – Rel. Juiz Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva – DOESP 26.01.1998 – p. 95) (g.n.)

31

Acredita-se que a primeira corrente jurisprudencial citada vem

se afastando dos princípios em que deveria se firmar, os seja, os princípios do

direito do trabalho que como aqui já narrado, devem servir de integração da

norma jurídica e de subsídios na interpretação desta.

Por outro lado, não se vê nas jurisprudências citadas, grandes

considerações acerca dos princípios do direito do trabalho, mormente aquele da

boa fé, o que entende-se, ser um afastamento das origens do próprio Direito. Vez

ou outra é que se encontra menção aos princípios da primazia da realidade e

protetor. O princípio da boa fé é como se não existisse.

Raros julgados ao fazerem referências aos ajustes verbais, levam

em consideração a existência do disposto no artigo 443 da Consolidação das Leis

do Trabalho, que prevê a forma verbal de contratação e consequentemente de sua

alteração.

32

CAPITULO V - ALGUNS TRATOS VERBAIS

Em andamento ou em desenvolvimento um contrato de trabalho,

inúmeras situações podem surgir e levar as partes, empregado e empregador, a

fazerem modificações no contratado inicialmente.

Na economia nacional, é consabido que a maior parte das

empresas são de pequeno porte, muitas vezes resumindo-se todo o seu quadro de

empregados, em um ou dois trabalhadores, que contam com o trabalho direto do

"proprietário" do negócio.

Existem também as médias empresas, que apesar de possuírem

um número mais significativo de empregados, não chegam a ser uma grande

organização empresarial, montada em cima de organogramas, de atribuições e

funções distintas entre cada trabalhador e área de atuação, e muito menos ainda,

contando com adequada orientação jurídica.

Assim, tanto em empresas de pequeno como de médio porte, é

muito comum a combinação ou o trato verbal, de alterações nas condições de

trabalho inicialmente firmadas na contratação.

Tal fenômeno porém, também ocorre em grandes organizações

empresariais, que não ficam livres desta característica própria dos contratos de

trabalho.

É que o contrato de trabalho por ser um contrato chamado "de

trato sucessivo", ou seja, que se desenvolve e se renova dia após dia, fica muito

33

sujeito as oscilações das partes envolvidas, as oscilações das necessidades de cada

parte dependendo do momento, e ainda, as oscilações da própria conjuntura

econômica.

Na pratica, verifica-se muitas vezes que iniciado um contrato de

trabalho, pode ocorrer de um empregado necessitando freqüentar estabelecimento

de ensino, necessite mudar seu horário de trabalho, e efetivamente o faz após

simples conversa com seu superior ou empregador.

Ocorre vezes outra, na área da saúde por exemplo, onde os

recursos humanos são escassos, que ajustando o empregado emprego em outro

estabelecimento hospitalar, necessite adequar seu horário de trabalho no emprego

primitivo, e o faz após simples tratrativa verbal.

Comum também nos tempos atuais, ante o fracasso do sistema

de saúde estatal, o interesse de empregados ingressarem em plano de saúde,

fazendo-o sob a forma de adesão a um plano "montado" para atender empresas,

plano de saúde em grupo, pagando assim, suas mensalidades sob a forma de

desconto em seus rendimentos mensais, sem que no entanto, tenha dado qualquer

tipo de autorização por escrito.

Tal como ocorre com o ingresso em plano de saúde, também é

comum a celebração de convênios entre empresas e farmácias, supermercados,

mercearias, lojas, postos de gasolina, médicos, dentistas, óticas e outros, com a

finalidade de propiciar aos empregados das primeiras, a aquisição de

produtos/serviços com pagamento mensal sob a forma de descontos nos salários.

Situações ainda existem, onde o empregador acaba concedendo

vantagem pecuniária ou in natura ao empregado, iniciando tal conduta por vezes

até de forma tácita, como por exemplo concedendo um prêmio por produção ou

por bons serviços prestados, dando a possibilidade de uso de carro da empresa, ou

então, fornecendo uma moradia, fornecendo leite ou um pedaço de chão para

plantio quando o trabalho é desenvolvido na área rural.

Situação de lugar comum também, é a celebração de acordo para

compensação de horas sem que haja sido firmado o documento correspondente,

onde o empregado passa a desfrutar dos sábados "livres", estendendo um pouco

34

mais sua jornada durante os demais dias da semana. Procedimento muito

encontrado também, é a concessão de adiantamentos salariais de forma

sistemática, sendo muito encontrado os adiantamentos feitos todo dia 20 de cada

mês, na base de 40% do salário, sem que no entanto qualquer documento tenha

sido firmado entre as partes.

Quem milita maciçamente na área do direito do trabalho,

certamente já viu até a concessão de adiantamentos salariais em valores bem

superiores ao próprio salário, para aquele empregado que esta com a oportunidade

de comprar um carro usado, talvez trocar sua televisão por uma nova, e não tem

possibilidade de faze-lo sem tal concessão. Referida operação se dá na mais alta

informalidade, sem qualquer celebração de documento ou talvez no máximo a

assinatura de um "vale", onde o empregado vai pagando aos poucos o

adiantamento feito, com descontos nos salários. Pode até ser um exemplo de

indevida prática contratual, mas é a realidade nua e crua, testemunhada por

aqueles que operam o direito do trabalho e não apenas o conhecem

academicamente.

O que se propôs no presente capítulo foi apenas remeter o leitor

ao problema, ligá-lo à realidade, fazer ver o que as partes do contrato de trabalho

tem feito por meio de "tratos verbais", já que não é recomendável estudar um

fenômeno jurídico por exemplos.

De qualquer forma, o Princípio da Primazia da Realidade faz

tornar necessário o conhecimento dos fatos.

35

CAPÍTULO VI - O CARÁTER ÉTICO DOS TRATOS VERBAIS

Entende-se importante compreender em quais condições são

celebrados os tratos verbais, já que isto influenciará também a visão pelo qual o

problema jurídico deve ser enquadrado.

A única forma de se compreender sob quais circunstâncias foi

celebrado um trato verbal, é remeter-se à cena dos fatos, analisando-os e

enxergando-os tal como as partes o vivenciaram (princípio da primazia da

realidade).

Na visão a que acima se propõe, deve se ter em mente o

momento histórico da celebração, já que um mesmo trato celebrado entre partes,

há três décadas atrás deve ter uma conotação diferente de um trato celebrado nos

dias de hoje.

A experiência demonstra que nos dias atuais a classe

trabalhadora por menos poderosa que seja economicamente, tem atualmente mais

discernimento de seus direitos, tem melhores possibilidades de acesso à Justiça,

tem acesso a um número maior de informações, sejam propiciados pelos meios de

comunicação, sejam pelos próprios Sindicatos.

No entanto, não se ignora que ainda exista em nosso país um

enorme contingente de trabalhadores desinformados, em zonas territoriais mais

longínquas onde as informações quase não chegam, porém, a solução para o

problema jurídico é proposta de forma erga ominis, como deve ser.

36

Defende-se assim, que os problemas jurídicos atualmente devem

ser vistos sob a ótica do presente momento, onde não se pode mais levar a solução

dos problemas sempre com uma carga exacerbada de protecionismo. É inegável

que o trabalhador de hoje não mais vive no mundo da escuridão a que vivia três

ou quatro décadas atrás.

Propõem-se então, que a validade ou não dos tratos verbais, seja

também verificada pelo momento histórico vivido no ato da celebração, pelo

ânimo das partes ao contratar, bem como pelo nível de discernimento do

trabalhador.

Propõem-se que o princípio da boa fé nas relações contratuais

também seja verificado e considerado pelo interprete e aplicador do Direito, para

dar validade ou não aos tratos verbais.

Fala-se no princípio da boa fé e sua aplicação acima proposta,

porque entende-se que toda combinação feita por empregados e empregadores,

que todo trato verbal, carregue em si um caráter ético e social.

Caráter ético porque não se pode admitir uma conduta dos

agentes no momento da contratação e outra conduta tempos depois quando se

nega vigência ao pactuado.

Um exemplo do que aqui esta a se falar e já referido nos

Capítulos IV e V, é o trato verbal para inclusão do empregado em plano de saúde,

contribuindo este com determinada quantia mensal, descontada de seu salário. Em

referida combinação ou trato verbal, entende-se ter um caráter ético, onde o

trabalhador empregado certamente verificou obter alguma vantagem. Ao longo do

contrato de trabalho o empregado goza da vantagem almejada, mas ao depois,

quando já não mais precisa da mesma, ou quando, rompido o contrato de trabalho,

busca na Justiça do Trabalho a devolução das quantias pagas pela ausência de um

contrato escrito.

Nos tempos modernos muito se fala de ética, seja na política,

seja na administração pública, seja na vida particular de cada um, enfim, em todos

os ramos da sociedade. Daí pergunta-se, seria ética uma conduta tal como a acima

37

referenciada e que tem lugar comum nos Fóruns Trabalhistas? Até onde a ética

deve ser conjugada com o Direito? E com a Justiça?

Dispõe o artigo 8º da C.L.T. que a Justiça do Trabalho decidirá

sempre de maneira que nenhum interesse particular prevaleça sobre o interesse

público, ora, no caso citado não seria interesse do Estado proporcionar saúde e

bem estar aos seus trabalhadores!

Outros casos existem em que o Poder Judiciário atualmente vem

dando maior relevância ao interesse particular em prejuízo do público.

Duvidas não existem, de que há um interesse público e uma

importância social no direito do trabalho, e que muitos tratos verbais carregam

uma importância social.

No exemplo citado acima a participação do empregado em plano

de saúde é de todo interesse público e importância social, mormente nos dias

atuais em que o Estado não consegue por seus meios, propiciar a saúde e bem

estar de sua população.

O acordo de compensação de horas de trabalho firmado de

forma verbal não foge a regra acima citada, onde por determinado período há o

gozo do benefício proporcionado pelo acordo verbal, e que a supressão de

trabalho em determinado dia da semana se reveste de um caráter social, a media

em que o trabalhador pode ter mais tempo para se dedicar à sua família, que

presume-se, deva ser uma célula prestigiada pelo Estado.

Assim, os tratos verbais via de regra, sempre tem uma dose ética

e seu cumprimento na maioria das vezes, sempre desembocam em área de

interesse público e social.

Daí a necessidade de dar-se maior prestígio e aplicação ao

princípio da boa fé nas relações contratuais de emprego.

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CONCLUSÃO

De tudo quanto pesquisa-se, seja na doutrina mais clássica ou

mesmo em outras mais modernas, daquilo que extrai-se da jurisprudência atual,

bem como de notas publicadas sobre a matéria, adicionado é claro, com a vivência

do tema nos Fóruns Trabalhistas, conclui-se que os contratos ou tratos inerentes a

relação de trabalho, podem ser celebrados de forma verbal, expressamente ou

tacitamente.

Pode ainda se celebrar contratos ou estabelecer condições em

uma relação de trabalho, tanto pela ação como também simplesmente pela

omissão das partes envolvidas.

Quanto ao momento da instituição dos tratos verbais, podem ser

originários ou incidentais.

Serão originais quando fixados tais tratos ou condições do

contrato de trabalho no ato de sua celebração, e incidentais quando fixados no

curso do contrato de trabalho.

Em sendo estabelecido no curso da relação de trabalho, é tido

pela legislação como "alteração do contrato de trabalho".

Para validade de um trato verbal incidental, há de se observar os

requisitos impostos pelo artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho, ou

seja, deve haver o mútuo consentimento das partes envolvidas, bem como da nova

condição ou trato não pode ocasionar prejuízos diretos ou indiretos para o

trabalhador.

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Difícil é a identificação do que seja efetivamente prejuízo ao

trabalhador, devem ser analisadas todas as faces que o trato verbal provocou ou

apresentou no contrato de trabalho, verificando-se assim, se no prejuízo

eventualmente alegado, não se esconde um benefício gozado ao longo da relação

jurídica mantida.

A prova dos tratos verbais pode ser feita por todos os meios de

prova em direito permitidos, conforme previsto Constitucionalmente, artigo 5º,

inciso LVI, sendo que comumente, a prova testemunhal vem sendo o meio de

prova mais utilizado na Justiça do Trabalho, tanto para provar tratos celebrados

originariamente, na celebração do contrato de trabalho, como para provar tratos

celebrados incidentalmente ao contrato, em alteração a este.

As considerações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais à

cerca da matéria sob estudo, ou seja, os tratos verbais como cláusula contratual,

são as mesmas tanto na relação de trabalho urbano como rural.

Para a compreensão da matéria e mesmo para buscar solução

nos casos concretos, é mais do que aconselhável, é necessário, se verificar os

princípios de direito do trabalho.

Fala-se de tal necessidade, porque os princípios de direito são

tanto fonte normativa como interpretadora dos dispositivos legais. São os

princípios a principal fonte inspiradora e que deve nortear as questões de direito

do trabalho.

Dentre os princípios existentes neste ramo específico e

autônomo do direito, liga-se ao tema com mais propriedade, os princípios da

proteção, da primazia da realidade e o da boa fé.

Os artigos 444 e 468 da Consolidação das Leis do Trabalho

impõe limites a liberdade de contratar e alterar o contrato de trabalho, logo, impõe

limites ao jus variandi das partes, porém, para que se encontre o verdadeiro

alcance e legítima intenção dos dispositivos legais mencionados, necessário

interpretá-los à luz dos princípios de direito do trabalho aduzidos acima.

O princípio da proteção é encontrado nos artigos citados visto

que incide ele na proteção do Estado ao indivíduo (empregado), não para que este

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seja protegido pela sua hipossuficiência, mas para que o próprio Estado não se

vulnere enquanto sociedade ou grupo de trabalhadores.

O simples fato de carecerem os tratos verbais de uma forma

técnica, não é motivo para negar-lhes vigência, face a regência da relação de

trabalho pelo princípio da primazia da realidade.

A relação de trabalho como qualquer outra, ou talvez até mais

do que as outras relações jurídicas, deve ser ética e atingir sua finalidade social,

assim, na verificação da validade dos tratos verbais, não se pode perder de vista a

ética no cumprimento do pactuado, na valorização da dignidade do ser humano e

no respeito aos parceiros da relação de trabalho (empregado e empregador).

Assim, para verificação da validade ou não dos tratos verbais,

deve-se após constatada sua existência, face o contrato-realidade, verificar se o

pacto não molesta o trabalhador, causando-lhe prejuízos, mas junto com esta

verificação, não pode se estimular qualquer das partes, empregado ou empregador,

a condutas não éticas e contra a boa fé contratual, incentivando a aplicação da

"Lei de Gerson".

Com isto se quer dizer que na avaliação da existência de

prejuízos que o trato verbal possa trazer ao trabalhador, é necessário considerar se

este não obteve ou gozou algum tipo de vantagem, fazendo com que o chamado

"prejuízo" seja irreal.

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