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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUCPR PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO URBANA - PPGTU
ANA CAROLINA SOMMER DE SOUZA
AS CONTRIBUIÇÕES DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL
PARA OS PROJETOS URBANOS
O Caso da Vila Zumbi dos Palmares na Região Metropolitana de Curitiba
Orientador: Prof. Dr. Carlos Hardt
CURITIBA 2008
ANA CAROLINA SOMMER DE SOUZA
AS CONTRIBUIÇÕES DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL
PARA OS PROJETOS URBANOS O Caso da Vila Zumbi dos Palmares na Região Metropolitana de Curitiba
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana, do Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre. Linha de Pesquisa: Planejamento Urbano e Regional
Orientador: Prof. Dr. Carlos Hardt
CURITIBA 2008
Souza, Ana Carolina Sommer de S729c As contribuições da percepção ambiental para os projetos urbanos : 2008 o caso da Vila Zumbi dos Palmares na Região Metropolitana de Curitiba / Ana Carolina Sommer de Souza ; orientador, Carlos Hardt. -- 2008. 154 f. : il. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2008 Bibliografia: 127-137 1. Planejamento urbano. 2. Gestão ambiental. 3. Planejamento regional. 4. Vila Zumbi (Colombo, PR). I. Hardt, Carlos. II. Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Programa de Pós - Graduação em Gestão Urbana. III. Título. CDD 20. ed. – 711.4
AGRADECIMENTOS
Alcançar objetivos é algo que requer, principalmente, persistência e determinação. Apesar da disciplina pessoal, chegar à reta final depende, em grande medida, do apoio recebido nos momentos de dúvidas e dificuldades. Por isso, gostaria de agradecer a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a conclusão deste trabalho.
Dentre as valiosas contribuições acadêmicas, agradeço em particular aos professores Carlos Hardt, Letícia Peret Antunes Hardt e Fábio Duarte, quando da realização da banca de qualificação. Suas observações pertinentes e objetivas possibilitaram direcionar ainda mais a realização desta pesquisa. Também faço um agradecimento, em particular ao Professor Carlos Mello Garcias, quando na disciplina de Recuperação de Áreas Degradadas possibilitou não apenas discussões muito produtivas, como também maior aproximação com o tema das ocupações irregulares.
A realização das entrevistas não poderia ter sido realizada com tamanha eficiência se não fosse por uma moradora muito especial da Vila Zumbi dos Palmares. Agradeço à generosidade e prestatividade de Claudete Barbosa, a querida Dete, nova amizade que esta pesquisa propiciou. Aos moradores que muito solicitamente participaram, também dedico especial reverência, sobretudo pela simplicidade e acolhimento em suas casas.
Agradeço aos funcionários da COHAPAR, pela disponibilização de informações e documentos a respeito da Vila Zumbi dos Palmares.
À CAPES, pela viabilização financeira para obtenção deste título.
À disponibilidade de Murad Jorge Mussi Vaz e Christianne Dantas Leal, amigos de todas as horas.
Por último, mas não menos importante, agradeço à minha família, cuja confiança e investimento no meu potencial tornaram possível mais esta conquista profissional.
RESUMO
A porção informal das cidades é entendida como um processo que se contrapõe a elementos tradicionais de planejamento urbano. Por esta razão, entende-se que os estudos sobre ocupações irregulares e as formas de intermediar intervenções urbanísticas neste sentido têm forte impacto na gestão urbana. Discute-se, portanto, em que medida a incorporação da percepção ambiental na concepção de projetos em ocupações irregulares poderá aperfeiçoar a leitura espacial, gerando impactos positivos na habitabilidade urbana. Define-se uma metodologia de leitura espacial para projetos urbanos, em que as variáveis e fatos observáveis são estruturados e devidamente inter-relacionados. A percepção ambiental é entendida como uma variável mediadora para possível agregação de qualidade ambiental em tais empreendimentos. Tem-se como estudo de caso a Vila Zumbi dos Palmares, no município de Colombo, Região Metropolitana de Curitiba. Sua análise se justifica pela complexidade da intervenção executada, tanto dos pontos de vista urbanísticos e ambientais, quanto sociais. Os resultados e diagnósticos apresentados tiveram como base a realização das entrevistas junto aos moradores, somada à posterior avaliação qualitativa do projeto mediante o cruzamento das leituras técnicas do ambiente construído e vivenciada do comportamento humano. Observou-se que além dos elementos físicos, existem aspectos culturais e sociais de considerável relevância para viabilização de melhores condições de habitabilidade urbana. O saber ver e o saber ler um espaço urbano são fundamentais para a compreensão do modo de ser de um determinado grupo social. Neste sentido, trabalhar os olhares tanto do planejador quanto do morador é de fundamental importância no estabelecimento do diálogo urbano. Conclui-se, portanto, que a percepção ambiental é uma variável mediadora das relações entre o meio ambiente construído e o comportamento humano. Na medida em que possibilita a intersecção entre demandas urbanísticas e demandas sociais, agrega valor qualitativo ao espaço recriado.
Palavras-chave: Ocupações Irregulares. Projeto Urbano. Percepção
Ambiental. Habitabilidade Urbana.
ABSTRACT
The informal portion of the cities is seen as a process which contrasts the traditional elements of urban planning. For this reason, it is understood that the studies concerning irregular occupations and ways of intermediating urban interventions have strong impact on urban management. It discusses therefore, how the incorporation of environmental perception can improve reading the space produced in irregular occupations, creating positive impacts in the urban habitability. It is defined a method for reading the space, in which the variables and observable facts are properly structured and inter-related. The environmental perception is taken as a way to aggregate environmental quality in such ventures. It has been taken as case study Vila Zumbi dos Palmares, in the city of Colombo, metropolitan region of Curitiba. Its choice is justified due to its complexity regarding urban, environmental, and social issues. The results were based on interviews with the residents, associated to the subsequent qualitative assessment of the project , through the intersection of readings concerning built environment and experienced human behavior. It was found that , besides the physical evidence, there are cultural and social aspects of considerable relevance to enable the optimum conditions of urban habitability. Learning how to see and how to read an urban space is fundamental to understand a particular social group. In this sense, the work focuses on both planner and inhabitant as a matter of fundamental importance in the establishment of an urban dialogue. Therefore, the perception is taken as a contribution for establishing a relationship between the built environment and the human behavior. Once it makes possible the intersection between urban demands and social demands, it adds qualitative value to the space recreated.
Keywords: Irregular Occupations. Urban Project. Environmental Perception.
Urban Habitability.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 EVOLUÇÃO DOS PROBLEMAS URBANOS 39
QUADRO 2 TIPOLOGIAS DE LOTEAMENTOS INFORMAIS 61
QUADRO 3 CATEGORIAS DE RISCO 64
QUADRO 4 TÉCNICAS DE APO 83
QUADRO 5 ESCALAS DE ABORDAGEM EM PROJETOS 89
QUADRO 6 ATIVIDADES E OBJETIVOS DO PROCESSO DE DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES E ESTRATÉGIAS DE PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA VILA ZUMBI DOS PALMARES
106
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 VIABILIZAÇÃO DE UM PROJETO URBANO 42
FIGURA 2 APO – CICLO DE REALIMENTAÇÃO DO PROCESSO DE PRODUÇÃO E USO
46
FIGURA 3 METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO QUALITATIVA DO MEIO AMBIENTE POR INTERMÉDIO DA LEITURA ESPACIAL
82
FIGURA 4 ESQUEMA DE LEITURA SÓCIO-ESPACIAL PARA PROJETOS URBANOS
86
FIGURA 5 EVOLUÇÃO DA MANCHA URBANA DA RMC 92
FIGURA 6 CONTEXTUALIZAÇÃO GEOGRÁFICA VILA ZUMBI DOS PALMARES 97
FIGURA 7 OCUPAÇÃO VILA ZUMBI DOS PALMARES ANTERIOR À INTERVENÇÃO URBANA
99
FIGURA 8 TIPOLOGIA ARQUITETÔNICA IMPLANTADA NA VILA ZUMBI DOS PALMARES
103
FIGURA 9 INTERVENÇÃO FÍSICA PROPOSTA PARA A VILA ZUMBI DOS PALMARES
105
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 DISTRIBUIÇÃO DE FAMÍLIAS E CONDIÇÃO DE OCUPAÇÃO NA VILA ZUMBI DOS PALMARES
98
TABELA 2 PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS FAMÍLIAS NA ÁREA CONSOLIDADA DA VILA ZUMBI DOS PALMARES
100
TABELA 3 PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS FAMÍLIAS NA ÁREA INVADIDA DA VILA ZUMBI DOS PALMARES
101
TABELA 4 NÚMERO DE FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DOS SUBPROJETOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E HABITAÇÃO – MELHORIA OU CONSTRUÇÃO NA VILA ZUMBI DOS PALMARES
102
TABELA 5 ASPECTOS NEGATIVOS ANTES DA INTERVENÇÃO URBANA SEGUNDO MORADORES
109
TABELA 6 MELHORIAS APÓS INTERVENÇÃO URBANA SEGUNDO MORADORES
110
TABELA 7 EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS URBANOS QUE AINDA FALTAM NO BAIRRO SEGUNDO MORADORES
113
TABELA 8 INTENÇÃO DE MUDANÇA DE BAIRRO, CIDADE OU PAÍS APÓS INTERVENÇÃO URBANA
115
TABELA 9 LOCAIS DE DESTINO DA POPULAÇÃO QUE SE MUDARIA DA VILA ZUMBI DOS PALMARES APESAR DA INTERVENÇÃO URBANA
116
LISTA DE ABREVIAÇÕES
APO - Avaliação Pós-Ocupação
BNH - Banco Nacional de Habitação
CIC - Cidade Industrial de Curitiba
COHAB-CT - Companhia de Habitação Popular de Curitiba
COHAPAR - Companhia de Habitação do Paraná
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPU - Índice de Pobreza Urbana
NBI - Necessidades Básicas Insatisfeitas
PMB - Programa de Melhoria de Bairros
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílio
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RAC - Relação Ambiente construído – Comportamento humano
RMC - Região Metropolitana de Curitiba
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 12
2 ASPECTOS CONCEITUAIS & TEÓRICOS......................................... 23
2.1 PERCEPÇÃO AMBIENTAL.......................................................................... 24
2.1.1 Processo cognitivo............................................................................................... 28
2.1.2 Apreensão do espaço urbano........................................................................... 31
2.1.3 Leitura urbana...................................................................................................... 33
2.2 PROJETOS URBANOS................................................................................. 38
2.2.1 Avaliação de pós-ocupação............................................................................. 43
2.3 CONTEXTUALIZANDO A INFORMALIDADE URBANA............................... 48
2.3.1 Faces da informalidade urbana........................................................................ 56
2.3.2 Risco, vulnerabilidade social e intervenções urbanas.................................... 62
2.3.3 Habitação e habitabilidade urbana................................................................. 67
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................... 76
3.1 MÉTODOS & TÉCNICAS DA PESQUISA..................................................... 77
3.2 MÉTODO DA LEITURA SÓCIO-ESPACIAL................................................. 81
4 ESTUDO DE CASO........................................................................... 90
4.1 REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA E QUESTÃO HABITACIONAL 91
4.2 JUSTIFICATIVA PARA ESCOLHA DA ÁREA DE ESTUDO........................... 94
4.3 CONCEPÇÃO DE PROJETO NA VILA ZUMBI DOS PALMARES............... 96
4.4 LEITURA SÓCIO-ESPACIAL........................................................................ 107
4.5 RESULTADOS............................................................................................... 113
5 CONCLUSÕES & RECOMENDAÇÕES............................................ 121
REFERÊNCIAS ................................................................................. 128
ANEXO I – TABELAS........................................................................ 138
ANEXO II – FORMULÁRIO ENTREVISTAS......................................... 143
1 INTRODUÇÃO
Que sait-on d’une ville? Rien, ou pas grand-chose,
ou si peu. Réaliser le diagnostic d’une ville, c’est
effectuer l’apprentissage patient, méthodique,
concret de cet inconnu qu’on appelle une ville.
Comment? (COURSON, 1993, p. 59)
13
No planejamento das cidades, o quê exatamente determina as
prioridades de ação?
Considerando os diversos elementos que configuram os grandes
centros urbanos, seria possível apontar um cuja importância se destaca
dentre os demais?
Qual a peça central de todo um sistema, cujo desequilíbrio
desencadeia uma série de conseqüências que não mais se restringem a
uma parcela da população ou mesmo do território?
Várias são as questões que buscam ser respondidas, senão
equacionadas, diariamente por gestores e planejadores urbanos. O cerne
desta linha de pesquisa está na necessidade de manter em relativo equilíbrio
as interferências humanas realizadas em espaços que já não podem mais ser
considerados naturais.
Nos últimos anos, o mundo tem vislumbrado uma série de
modificações através do desenvolvimento tecnológico, do crescimento
populacional desordenado, das crises econômicas, e da formação da
periferia degradada, fruto da desigualdade social e do fenômeno de
metropolização devido ao forte poder de atração exercido pelos grandes
centros urbanos.
Este fenômeno gerou, e continua a gerar, problemas de ordem
econômica, social e ambiental. O agravamento destes é resultado direto da
falta de políticas públicas adequadas que possibilitem o enfrentamento da
deterioração da qualidade de vida, sobretudo nos principais pólos de
atividades econômicas.
Conceitualmente, a cidade pode ser classificada como um processo
físico-territorial de conformação do ambiente construído, constituindo uma
reprodução física do urbano. O urbano, por sua vez, corresponde ao
14
conjunto de funções e relações de uma cidade com sua estrutura física1.
Dentro deste contexto, são de fundamental importância as relações que se
estabelecem entre o ambiente e o homem, visto que este atua como
agente modificador da paisagem da cidade.
Deve-se ter em mente, portanto, que o urbano em questão é o
fenômeno social, econômico e institucional que se processa no ambiente
construído. Em outras palavras, corresponde ao conjunto de funções ou
relações de uma cidade entre si e com sua estrutura física.
Güell (1997, p. 31) corrobora com esta definição ao afirmar que:
En términos de ciencia urbana, el entorno de una ciudad puede definirse como el conjunto de acontecimientos, procesos y agentes externos a la misma, que ejercen una fuerte influencia, en ocasiones inevitable, sobre su devenir... las innovaciones tecnológicas o los movimientos sociológicos terminan siempre por penetrar y afectar a un sistema urbano, independientemente de lo indeseable que sean algunos de sus efectos para su prosperidad y habitabilidad2.
A grande discussão fomentada nos variados meios do conhecimento
não diz mais respeito à evidente dicotomia campo-cidade, mas sim à de
que forma é possível atingir resultados socioeconômicos mais positivos dentro
de uma determinada configuração físico-territorial. Este contexto adquire, a
cada dia, novas nuances e contornos, sobretudo sociais, conseqüentes da
explosão demográfica, da desigualdade de distribuição do território e da
própria renda dos cidadãos.
Como síntese, tem-se que a cidade causa transformações
significativas no meio, sendo instrumento de pressões ambientais. Em virtude
disso, é natural que à paisagem que ela const itui seja dada a devida
1 Notas de aula da disciplina de Planejamento Urbano ministrada pela Profa. Dra. Letícia Peret Antunes Hardt no curso de especialização em Gestão Técnica do Meio Urbano – PUCPR e UTC/França.
2 Em termos de ciência urbana, o entorno de uma cidade pode se definir como o conjunto de acontecimentos, processos e agentes externos à mesma, que exercem uma forte influência, às vezes inevitáveis, sobre seu futuro...as inovações tecnológicas ou os movimentos sociológicos terminam sempre por afetar um sistema urbano, por mais indesejáveis que sejam alguns de seus efeitos para sua prosperidade e habitabilidade. (Tradução da autora)
15
importância, pois influencia diretamente no grau de satisfação dos cidadãos
em relação ao ambiente citadino (HARDT, 2000).
Abordar a problemática da habitação nos grandes centros urbanos
como objeto de pesquisa já é, por si só, um tema recorrente há algumas
décadas no Brasil, haja vista a abundante oferta de estudos de caso,
sobretudo nas principais metrópoles do país (COHEN, 2004; WERNA ET AL,
2001; BONDUKI, 1998; AZEVEDO, 1996).
Mais precisamente, tomando-se como enfoque a questão dos
assentamentos ilegais presente nas grandes cidades, observa-se que muitos
dos entraves associados a tais “subespaços” urbanos, bem como suas
conseqüências sociais, são frequentemente abordados na literatura
disponível sobre o tema (VALLADARES, 2005; PANDOLFI, GRYNSZPAN, 2003;
MARICATO, 2000).
Existem várias temáticas que se relacionam num assunto como este:
serviços urbanos, pobreza urbana, déficit de moradias, crise da habitação,
cidade dual, segregação espacial e social, metropolização versus
periferização, regularização fundiária, habitabilidade urbana etc. Em outras
palavras, entende-se que o estudo em si é de um processo que muitas vezes
se contrapõe aos elementos tradicionais de planejamento urbano.
Verifica-se que, em função das diversas experiências levadas a cabo
em todo país, novos padrões de urbanismo acabaram surgindo,
confrontando, inclusive, o urbanismo funcionalista, ortogonal e impositivo
(MARICATO, 2000). A configuração espacial das áreas invadidas ou
ocupadas de forma ilegal relembra em muito a organização da cidade
medieval, comparação esta que reflete, atualmente, um retrocesso
urbanístico.
A compreensão do que pode ser interpretado como um problema
urbano ultrapassa, em muito, a idéia inicial que o atrelava,
predominantemente, aos grandes centros. Considerando-se uma
16
concentração urbana de 80% da população brasileira, pode-se afirmar,
conforme Villaça (2003, p. 28) que “falar em problemas urbanos deixou de
ter sentido, já que eles passaram a ser problemas brasileiros”.
Partindo-se, então, da necessidade cada vez maior de intervenções
em assentamentos espontâneos, torna-se pertinente considerar as formas
pelas quais estas têm sido desenvolvidas e executadas, além dos resultados
obtidos. As práticas adotadas pelos diversos órgãos responsáveis pela
elaboração de programas habitacionais costumam focar a necessidade de
reposição ou recuperação de moradias, em detrimento do entorno em que
as mesmas estão inseridas.
Cabe, portanto, rever determinados conceitos quanto ao que vem a
ser uma ocupação irregular, tomando-se como base caracterizações
socioeconômicas, culturais e ambientais. A partir do conhecimento da
realidade, é possível investigar as formas mais coerentes de intervenção,
contando com respaldo jurídico e urbanístico para a devida incorporação
de tais porções não reconhecidas das cidades formais.
A segregação espacial urbana é um fenômeno evidente e que não
deve retroceder enquanto novas políticas tanto estruturais quanto micro-
localizadas não forem elaboradas em conformidade com os conceitos de
habitabilidade urbana. Desta forma, o tema que se propõe na presente
pesquisa é a incorporação da percepção ambiental na metodologia
projetual para intervenções em ocupações irregulares dos grandes centros
urbanos. Conseqüentemente, busca-se gerar subsídios para a própria gestão
das cidades.
Como hipóteses a serem avaliadas, têm-se:
1. A incorporação da leitura sócio-espacial, englobando a
percepção ambiental na concepção de projetos urbanos em
ocupações urbanas irregulares, pode resultar em intervenções
17
urbanísticas de melhor qualidade, envolvendo, portanto, aspectos
relativos à habitabilidade urbana.
2. Mediante o emprego de estudos de percepção, os projetos
urbanos propostos para ocupações irregulares podem se tornar
mais condizentes, tanto com os objetivos das intervenções,
quanto com as realidades e necessidades manifestadas em
âmbito local.
Conhecer a morfologia dos espaços em estudo pode permitir a
criação de vínculos dos usuários para com os mesmos, ou levar à
compreensão das dificuldades de apreensão e apropriação espaciais.
Malard et al (2002, p. 248) reforçam esta possibilidade, afirmando que:
[...] conhecendo a forma de uma comunidade no espaço, poderíamos projetar, para ela, espaços com os quais ela se identificasse. Na base desse raciocínio estava o entendimento de que o espaço é o mediador das relações sociais e atua sobre elas, na medida em que sugere, facilita, dificulta e até condiciona os acontecimentos. Assim, o espaço arquitetônico não é neutro perante o fato social. Ao contrário, é intencional. Oferece possibilidades de apropriações ou, melhor dizendo, de espacializações.
Castello (1998, p. 9 e 10) reforça esta idéia quando afirma que “os
projetos e políticas podem se tornar aptos a antecipar e até a prevenir
problemas, ao incorporarem, já em suas bases, as instruções de cunho sócio-
ambiental viabilizadas pela percepção do ambiente”.
Kohlsdorf (1996) também contribui no sentido de enfatizar a origem
para conceitos como melhoria e problema, ambos abordados nesta
introdução. Segundo a autora, o conceito tanto do primeiro quanto do
segundo são determinados socialmente e variam em função do conjunto de
pessoas envolvidas.
Considerando, então, a possibilidade de mudanças tanto dos espaços
urbanos quanto das demandas geradas pela população, entende-se que a
cidade apresenta uma característica metamórfica. Em assim sendo, por
meio do planejamento urbano, busca-se “que os lugares respondam cada
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vez mais adequadamente às expectativas daqueles que, como habitantes
ou visitas, tornam-se seus cidadãos, pela conquista do direito de exigir”
(KOHLSDORF, 1996, p. 59).
O planejamento é um reflexo dos conceitos da sociedade que
mudam com o tempo e com o governo. A participação social é importante
uma vez que, na sua ausência, o processo torna-se tecnocrata e burocrático,
não atendendo à demanda da população. Cidadania é uma expressão que
vem ao encontro aos anseios de quem constrói diariamente a realidade das
cidades. É a necessidade de pertinência, de reconhecimento como agente
construtor que remete ao sentimento de dignidade e civilidade.
Habitar torna-se, portanto, uma necessidade de primeira grandeza. A
forma de condução de políticas públicas referentes à habitação de caráter
social precisa ser entendida não por meio de práticas assistencialistas e sim
como intervenções urbanísticas complexas, cujo impacto transcende a
fronteira virtual entre a cidade formal e a informal.
Por fronteira virtual entende-se uma barreira que não necessariamente
se constitui fisicamente. Em termos de continuidade da malha da cidade, a
dicotomia espacial formal e informal torna-se mais evidente ao olhar em
função das disparidades estéticas e de ocupação do solo.
Como objetivo geral desta dissertação, tem-se:
Investigar até que ponto a incorporação da leitura sócio-espacial,
englobando a percepção ambiental na metodologia projetual para
intervenções em ocupações irregulares, pode agregar valor
qualitativo, ou seja, maior habitabilidade urbana a tais espaços da
cidade.
O objeto de estudo corresponde aos projetos urbanísticos
desenvolvidos na área de habitação, considerando a ocorrência de
ocupações irregulares na Região Metropolitana de Curitiba.
19
As ocupações irregulares fazem parte de uma realidade já
consolidada nos grandes centros urbanos brasileiros, sobretudo no caso da
área de estudo aqui apresentada. Apesar dos movimentos migratórios no
sentido campo-cidade já terem perdido a força, ainda é notável uma
movimentação intra-regional no âmbito metropolitano de Curitiba (LIMA,
2004).
A produção do espaço ocorre muito além do fenômeno demográfico.
Os movimentos migratórios podem ser vistos “como um processo social, em
que se dá a transferência de conjuntos sociais com seus valores e normas de
um espaço para outro” (DESCHAMPS, 2004, p. 21).
Em função de uma série de fatores, principalmente sociais e
econômicos, o número de ocupações irregulares continua a crescer,
igualmente ampliando os problemas urbanos, sobretudo de caráter
metropolitano. Questões imobiliárias e de valorização de glebas apresentam
um peso significativo na configuração e dinâmica de tais espaços (LIMA,
2004).
Também pode ser apontada a “grande instabilidade sócio-ambiental
compostas por uma população carente e usualmente localizada em áreas
de sensibilidade ambiental” (SZUCHMAN, HARDT, OBA, 2006, p. 10).
Apesar da existência de políticas habitacionais de grande escala, é no
nível municipal que muitas questões buscam ser equacionadas, se não
minimizadas. A forma mais específica, porém, de se intervir em determinadas
situações é mediante a execução de um projeto.
Pretende-se demonstrar que o projeto pode ser entendido e
empregado como uma ferramenta metodológica para intervenções,
visando o atendimento de demandas locais. No caso em estudo, aquelas
presentes em ocupações irregulares.
A fim de verificar a pertinência de tal investigação, foram definidos os
seguintes objetivos específicos:
20
1- Determinar os procedimentos metodológicos e os critérios
adotados na leitura sócio-espacial da área em estudo,
associando a percepção ambiental como um novo enfoque
deste processo;
2- Desenvolver estudo de caso com avaliação qualitativa sobre o
projeto de intervenção urbanística em ocupação irregular da
Região Metropolitana de Curitiba;
3- Avaliar a pertinência da leitura sócio-espacial, com subsídios da
percepção ambiental, como uma possível variável do
planejamento urbano associado à recuperação de áreas
degradadas sob a forma de ocupações irregulares.
4- Gerar subsídios à gestão urbana.
Por gestão urbana, entende-se a gestão da cidade. Segundo Rezende
e Castor (2005, p. 27):
Está relacionada com o conjunto de recursos e instrumentos de administração aplicados na cidade como um todo, visando à qualidade da infra-estrutura e dos serviços urbanos, propiciando melhores condições de vida e aproximando os cidadãos nas decisões e ações de governança pública municipal.
Em função da natureza, dos problemas, obstáculos e possibilidades
inerentes à gestão urbana, Fernandes (2003) ainda agrega a este conceito
três dimensões inter-relacionadas, evidenciando seu caráter multidisciplinar:
gestão político-institucional, gestão político-social e gestão político-
administrativa.
Neste sentido, fica evidente a importância de se gerir todos os
espaços da cidade, mas com especial atenção àqueles que fogem dos
padrões urbanísticos convencionais, exigindo, por conseguinte, ações mais
específicas para a mediação de conflitos sociais, ambientais e urbanos.
No caso das grandes metrópoles, poder-se-ia falar em sub-existência,
não como necessidade, e sim como condição. A metropolização tomou
21
rumos que culminaram em uma dicotomia sócio-espacial: a cidade formal
versus a cidade informal. Mais do que um problema de caráter
socioeconômico, tornou-se um problema de caráter estrutural.
Por esta razão, tem-se nas ocupações irregulares existentes da região
metropolitana de uma grande capital o principal tema para embasamento
desta pesquisa: Vila Zumbi dos Palmares, município de Colombo, Região
Metropolitana de Curitiba.
A experiência profissional adquirida na área de habitação e o contato
travado com a área de estudo suscitaram as questões que introduzem esta
apresentação. A forma de intervenção era o projeto urbano, ou seja, por
meio deste instrumento mudanças significativas na qualidade de vida local
poderiam ser implementadas.
Entendeu-se, no entanto, que este projeto poderia ser avaliado
segundo uma ótica alternativa àquela representada pelo urbanismo
técnico-setorial convencional, englobando o fator que se julgava relevante
para o alcance de melhores condições de habitabilidade: a percepção
ambiental.
O capítulo 2 traz os aspectos conceituais e teóricos entendidos como
fundamentais para melhor compreensão do tema. Aborda a percepção
ambiental – eixo da pesquisa apresentada – e suas implicações nos estudos
relativos à cidade; questões referentes aos projetos urbanos, incluindo
aspectos relativos à técnica de avaliação pós-ocupação; e discussão sobre
a informalidade urbana: seu contexto nesta pesquisa; tipologias de
assentamentos espontâneos; a questão do risco, vulnerabilidade social e
possibilidades de intervenção; e sua repercussão na habitabilidade urbana.
O capítulo 3 abrange os procedimentos de pesquisa científica
adotados e o desenvolvimento do método da leitura sócio-espacial de
projetos urbanos em ocupações irregulares com vistas à avaliação
22
qualitativa do espaço produzido, principal contribuição desta dissertação
em termos metodológicos.
O capítulo 4 corresponde à caracterização do estudo de caso
escolhido para aplicação da leitura sócio-espacial. Para tanto, são feitas
algumas considerações sobre: a problemática habitacional na Região
Metropolitana de Curitiba; quadro situacional da Vila Zumbi dos Palmares no
município de Colombo e os objetivos que nortearam a concepção projetual;
leitura sócio-espacial do projeto urbano implantado e os resultados
subseqüentes.
O capítulo 5 apresenta as conclusões obtidas com a análise do estudo
de caso e a verificação dos objetivos inicialmente propostos. Aborda,
igualmente, algumas limitações da pesquisa, suas influências na gestão
urbana e recomendações para pesquisas futuras. Evidencia-se que
realidades diferentes merecem ser analisadas de maneiras igualmente
diversas, pois aí está o viés do planejamento urbano em ocupações
irregulares.
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2 ASPECTOS CONCEITUAIS E TEÓRICOS
Uma demanda projetual que objetiva o acesso à
comunicação da cidade, ou seja, a construção de
relações entre a instituição urbana e os cidadãos,
deve ancorar-se em diferentes pressupostos onde o
cidadão (sua maneira de ver e apropriar-se da
cidade e do ambiente) constitua-se como elo
principal em todo processo de projetação. Assim, o
desenho urbano poderá vir a se constituir no
desenho da urbanidade, esta entendida como
lócus e qualidade essencial para o exercício da
cidadania. Para isto, tornar-se-á essencial articular
percepção ambiental, memória cultural e práticas
cotidianas, no sentido de garantir sua legitimação
social (CASTELLO; ANDRADE, 1998, p. 11).
24
2.1 PERCEPÇÃO AMBIENTAL
A percepção ambiental é um importante campo de estudo para
melhor entender as inter-relações entre o homem e o seu meio.
Manifestações de insatisfação para com o ambiente construído da cidade
são constantes em função da baixa qualidade dos espaços urbanos,
sobretudo nas áreas periféricas (DEL RIO; OLIVEIRA, 1996).
Muitos autores brasileiros têm abordado a questão da percepção
ambiental de forma metodológica, possibilitando um aprofundamento cada
vez maior dentro desta vertente de pesquisa que pode e deve ser
incorporada aos processos de planejamento urbano (DUARTE, 2006;
CASTELLO, 1998; DEL RIO, OLIVEIRA, 1996; FERRARA, 1993).
Kevin Lynch e Gordon Cullen foram os pioneiros neste campo de
estudo, desenvolvendo metodologias projetuais com base em estudos de
percepção ambiental. A qualidade ambiental e a imageabilidade da
cidade são atributos valorizados por ambos, com o diferencial de que, Lynch
buscava responder a ideais qualitativos enquanto Cullen focava mais as
questões sensoriais e topológicas. (DEL RIO; OLIVEIRA, 1996)
Para Cullen (1983), o primeiro aspecto a ser considerado sobre a
abordagem da percepção está intimamente ligado ao sentido da visão.
Através do olhar, inicia-se o processo de apreensão acerca de qualquer
objeto. O mais interessante é que a observação daquilo que rodeia o ser
humano nunca acontece de forma pontual, com enfoques específicos, mas
de maneira muito mais global, aglutinando uma série de características que
forma o todo.
A visão apresenta um poder muito grande e extremamente particular
de evocar determinadas sensações, que podem inclusive remeter a
25
experiências e emoções prévias a partir de uma espécie de memória,
ativada de forma praticamente instantânea. Várias situações podem ser
criadas culminando com fruições muito mais intensas do espaço circundante
(CULLEN, 1983).
Segundo Lynch (1997), o design da cidade é uma arte temporal; ou
seja, como obra arquitetônica, é uma construção no espaço de grande
escala e que só pode ser percebida no decorrer de longos períodos de
tempo.
Del Rio (1990, p. 3) afirma que:
A percepção pode ser compreendida como um processo mental de interação do indivíduo com o meio ambiente que se dá através de mecanismos perceptivos propriamente ditos e, principalmente, cognitivos.
Castello (1996), após desenvolver pesquisas na área de percepção,
afirma que a análise ambiental fornece um diagnóstico bastante preciso
que integra a visão de especialistas com a experiência vivencial dos
usuários. Segundo o autor (CASTELLO, 1998, p. 4):
A base para os estudos e pesquisas em percepção ambiental se fundamenta no entendimento de que a vivência dos seres humanos com seu ambiente está instruída pela percepção. As pessoas, tanto em ambientes urbanos como em ambientes não urbanizados, exercitam um reconhecimento das condições ambientais através de seus processos perceptivos. [...] Passam a processar em suas mentes aquilo que é percebido através de suas sensações e progressivamente passam a adquirir uma compreensão sobre o ambiente que as cerca, encaminhando-se então o registro de suas percepções para o nível cognitivo.
Com isso, o autor define o termo cognição ambiental, que trata
basicamente da compreensão sobre a antropização da natureza, ou seja,
“a ocupação de um território natural pelo ser humano, transformando-o em
uma paisagem cultural” (CASTELLO, 1998, p. 4).
Para que uma paisagem seja passível de imageabilidade, deve-se
exigir uma nova atitude por parte do morador da cidade e uma
reformulação do meio em que vive. As novas formas resultantes deste
processo devem ser agradáveis ao olhar, organizar-se em diferentes níveis no
26
tempo e no espaço e funcionar como símbolos da vida urbana. A forma
deve ser adaptável aos objetivos e às percepções de seus cidadãos.
Assim, pode-se afirmar que as formas devem ser manipuladas para
permitir a existência de continuidade entre as imagens múltiplas de um
grande núcleo urbano. A cidade contemporânea apresenta uma dualidade
interessante, pois além da necessidade dessa continuidade, há, igualmente,
o contraste e a especialização das características individuais (SOUZA, 2006).
A discussão entre forma e função é recorrente na literatura. Santos
(1992, p. 55) entende que:
Se a forma é primariamente um resultado, ela é também um fator social. Uma vez criada e usada na execução da função que lhe foi designada, a forma frequentemente permanece aguardando o próximo movimento dinâmico da sociedade, quando terá toda a probabilidade de ser chamada a cumprir nova função.
O meio urbano muda num ritmo que acompanha as transformações
técnicas e funcionais, o que acaba dificultando a criação de uma imagem
perceptiva por parte dos cidadãos em relação à cidade. A boa
imaginabilidade seria algo que, rapidamente, permitiria ao cidadão sentir-se
em casa uma vez que se instalasse num novo entorno.
Segundo Ferrara (1993), as imagens da cidade despertam as
percepções na medida em que marcam o cenário cultural da rotina e a
identificam como urbana: o movimento, os adensamentos humanos, os
transportes, o barulho, o tráfego, a verticalização, a vida fervilhante; uma
atmosfera que assinala um modo de vida e certo tipo de relações sociais.
Na visão de Kohlsdorf (1996), o processo de apreensão dos lugares tem
seu ponto de partida na forma física da cidade e também nos mecanismos
cognitivos. Segundo a autora, existem as seguintes características de
configuração que merecem ser destacadas:
a) A noção de composição como conjunto, sistema ou organização
de elementos de configuração físico-espacial, com relações
regidas por certas leis. Não se trata de uma noção estática, visto
27
que admite mudanças que fazem da composição um objeto
dinâmico;
b) A capacidade de serem geometricamente representáveis;
c) A vinculação às dimensões socioculturais nos seus aspectos
simbólicos.
Ainda assim, segundo Okamoto (2002, p. 249), é preciso ressaltar as
diferentes categorias quanto à necessidade de territorialidade:
Todo homem tem necessidade de espaço territorial, e a utilização desse espaço influencia seu relacionamento com os outros. Para se uniformizarem os estudos da ciência proxêmica, três categorias se destacam: espaço íntimo, espaço social, espaço público.
A consideração de repertórios de imagens e expectativas
compartilhadas pela população, assim como a sua operacionalização
consciente por meio de políticas e programas urbanísticos, é fundamental
para nortear a ação pública. Só assim as transformações suscitadas serão
capazes de gerar impactos verdadeiramente positivos, tanto no
desenvolvimento econômico e sociocultural da área e de suas comunidades
residente e usuária, como naquele da cidade como um todo.
Outro conceito a ser explorado neste contexto é o que Nasar e Stamp
III (1997) chamam de design review, uma espécie de revisão do desenho
urbano vigente também denominada análise de impacto visual (no caso de
escalas maiores). Trata-se de um procedimento governamental comum em
cidades americanas, cujo objetivo é “promote the orderly and harmonious
growth of a community in a manner that reflects public determination of
what the city or county should look like in the future3” (SCHIFFMAN, 1989 apud
STAMP III; NASAR, 1997, p. 11).
3 “promover o crescimento ordeiro e harmônico de uma comunidade de maneira a refletir a determinação pública sobre como a cidade ou condado deveria parecer no futuro”. (Tradução da autora)
28
O interessante a respeito do design review é que comissões são criadas
de forma a analisar aspectos arquitetônicos referentes à determinada
vizinhança. A maioria dos membros destas comissões não vem da área de
arquitetura ou engenharia, o que torna as decisões tomadas mais sensíveis e
próximas dos reais interesses da maioria de moradores de dado bairro
(STAMP III; NASAR, 1997).
Pode-se observar uma relação direta entre design review e psicologia
ambiental, visto que se trata de preferências por efeitos e componentes que
refletem na forma urbana. Para tanto, as informações obtidas afetam
diretamente no direcionamento de determinados projetos, levando em
consideração efeitos ou componentes que possuem mais apelo junto à
comunidade local. No caso do estabelecimento de referencias, é mais uma
forma de ajustar a forma urbana à demanda da comunidade local.
2.1.1 Processo cognitivo
Segundo Castello (1998), três recortes podem ser identificados entre os
estudos de percepção ambiental, a saber: percepção cosmológica,
percepção do natural e percepção do cultural.
A percepção cosmológica está associada a uma visão mais filosófica
da natureza, ou seja, à forma como a sociedade estabelece sua
cosmovisão e associações com o ambiente em que habita.
A percepção do natural está relacionada e condicionada a eventos
essencialmente biofísicos, ou seja, a avaliação das características ambientais
quase exclui, de certa forma, o ser humano.
29
A percepção do cultural se contrapõe à anteriormente citada, pois se
refere à “percepção das potencialidades para a vivência, a convivência e
a sobrevivência de uma sociedade em seu ambiente natural modificado.”
(CASTELLO, 1998, p. 12)
O homem se comunica por meio de um processo cognitivo, que é a
construção do sentido ao nível da mente. Este processo possui três fases:
percepção, seleção e atribuição de significados. Nas palavras de Okamoto
(2002, p. 67), o homem “se vale da linguagem simbólica para a
representação da realidade”. Desta maneira, “pode-se dizer que o
comportamento humano é um comportamento simbólico, ou seja, o homem
age em função dos significados que imprime à realidade” (OKAMOTO, 2002,
p. 70).
Em se tratando do processo cognitivo, admite-se que o espaço urbano
é passível de conhecimento. Para tanto, Demo (2000) estabelece três
processos de conhecimento:
a) o senso comum, que é realizado a partir de experiências
vivenciadas e de natureza empírica;
b) a ideologia, que entende a realidade por meio de certas visões de
mundo;
c) a ciência, que objetiva a explicação dos fenômenos reais pelas
teorias.
É um processo permanente de aproximação entre os indivíduos e os
fenômenos objetivos. Segundo a teoria de Piaget 4, a cognição significa as
adaptações das ações do organismo do sujeito aos objetos no meio, as
quais representam, por um lado, assimilação e, por outro, acomodação,
quando o indivíduo adapta-se ao que é identificado. A assimilação
4 Sua teoria chamada de Epistemologia Genética ou Teoria Psicogenética é a mais conhecida concepção construtivista da formação da inteligência. Jean Piaget, em sua teoria, explica como o indivíduo, desde o seu nascimento, constrói o conhecimento.
30
significaria uma ação do sujeito sobre a realidade, e a acomodação, a
ação inversa, do meio sobre o indivíduo (KOHLSDORF, 1996).
Kohlsdorf (1996) define a composição do aprendizado em três etapas
essenciais:
a) Análise: consiste na dinâmica de trazer à luz as determinações
essenciais de um dado fenômeno, sem implicar no parcelamento
do todo. O objetivo é revelar regras de constituição e
comportamento da realidade como uma hipótese simplificadora
que será verificada na seqüência;
b) Síntese: aborda um conjunto de operações mentais, através das
quais é possível transpor conceitos abstratos obtidos pela análise
cujo objetivo é propor explicações para os fenômenos
observados. Não deve ser confundido com a reunião das partes
do todo parcelado. Trabalha sobre o produto da análise, que são
os conceitos;
c) Verificação: a incorporação desta etapa significa questionar, de
certa forma, a validade das observações obtidas nas duas fases
anteriores. Aceitando-se a impotência das afirmações por si
mesmas, é necessário testá-las, para que sejam confirmadas ou
negadas. Também implica reconhecer o caráter de hipótese dos
resultados das sínteses, os quais só poderão ser aceitos quando
verificados. Conduz à concepção do conhecimento como um
processo que nunca se esgota e cujos produtos caracterizam-se
por serem parciais.
Os dois níveis cognitivos anteriormente mencionados tendem a se
manifestar de maneira preponderante um em relação ao outro, conforme a
etapa de desenvolvimento da inteligência do indivíduo até a fase adulta;
em outras palavras, um sempre influencia o outro.
31
Kohlsdorf (1996) reforça que a chave classificatória dos níveis de
apreensão deve ser o tipo de informação utilizado, significando que
qualquer dos níveis (sensorial-empírico ou teórico-prático) pode conduzir à
explicação dos fenômenos.
Desta forma, mais importante do que a natureza dos dados, é a teoria
responsável pela transformação de informações difusas numa totalidade
globalizante. Portanto, as trajetórias de conhecimento que envolve a análise,
a síntese e a verificação fazem parte de um ciclo em constante
retroalimentação, o que leva à hipótese da sucessão dos níveis de
apreensão, que será abordado na seqüência.
2.1.2 Apreensão do espaço urbano
Conforme exposto no item anterior, para que o espaço urbano suscite
a possibilidade de ser apreendido pelo usuário, é preciso que existam,
inicialmente, manifestações externas que desencadearão o processo
cognitivo, ou seja, a etapa de aprendizagem e tomada de conhecimento
acerca de determinada realidade. Nesta etapa, várias informações e dados
serão objetivados a partir da submissão à inteligência através de reflexões.
O fenômeno urbano se manifesta por meio do espaço urbano real
que, por sua vez, apresenta uma série de características que constituem
uma totalidade complexa, embora ainda assim perceptível. Outro aspecto
inerente a este fenômeno está intimamente relacionado com a definição
social dos lugares que esta contém.
32
A apreensão pode ser considerada a etapa inicial do processo
cognitivo e está vinculada às informações de caráter sensível. Como exposto
por Kohlsdorf (1996, p. 52):
A apreensão ocorre no senso comum, na ideologia e no conhecimento científico, e seu mecanismo constitui-se, portanto, em possível momento de encontro entre sujeitos e produtos de diferentes modos de conhecimento.
Neste ponto, é imprescindível salientar o quanto a apreensão dos
lugares da cidade pode influir nos processos de planejamento urbano e
desenho da cidade. Se esta apreensão está relacionada a diversos modos
de conhecimento, então é fundamental que os espaços reais sejam
trabalhados de forma a transmitir empiricamente a leitura que se pretende
seja feita pelo usuário (SOUZA, 2006).
Del Rio (1990) coloca que, ao se evitar conflitos de percepção entre os
sistemas cognitivos de planejadores, empresários, grupos de usuários e
público em geral, a ação ambiental estará sendo direcionada para
resultados mais satisfatórios e de maior qualidade.
A linguagem do senso comum, acessível à maior parte da população
é o que deverá permitir que os processos de planejamento e os projetos
implementados sejam mais democráticos, e possam ir de encontro aos
anseios da população. Na atualidade, esta prática é quase que
desconhecida dos cidadãos.
O fator cultural é um importante aspecto na percepção, e não se
trata exclusivamente de uma nacionalidade propriamente dita. Alva (1997,
p. 25) entende que:
As metrópoles são culturalmente heterogêneas. Dentro de uma grande cidade, os bairros são a territorialização de subculturas urbanas que possuem características específicas. (...) Para cada uma dessas subculturas, existem leituras diferentes da cidade e, portanto, diferentes percepções da qualidade ambiental. Assim, seria difícil estabelecer uma qualidade ambiental urbana média, sendo necessário aceitar diferentes expressões de qualidade ambiental para cada bairro ou conjunto de bairros similares.
33
Para Okamoto (2002), é por meio da estrutura espacial, linguagem
arquitetônica, significado e valores culturais que são empregados no espaço
e no meio-ambiente que a qualidade de vida dos habitantes pode ser
orientada e favorecida.
Ainda assim, alguns aspectos são imprescindíveis para a leitura em si.
Segundo Ferrara (2004, p. 23):
[...] é necessário tornar heterogêneos os ambientes através de uma operação da mente capaz de provocar um valor, um predicado, um juízo que atraia nossa atenção para fragmentos espaciais específicos e os imponha à nossa percepção, ou seja, que projete uma imagem valorativa desses fragmentos, a fim de que possam valer pelo ambiente como um todo e atuem como um prolongamento, um índice dele.
Trata-se, pois, da associação de aspectos como a sensação e
atenção na leitura pretendida, lembrando que esta determina a relação
entre as sensações e as imagens fixadas pela atenção (FERRARA, 2004).
2.1.3 Leitura urbana
Em se tratando de uma avaliação mediada pela leitura espacial de
um assentamento urbano, faz-se necessário discorrer brevemente a respeito
do que Ferrara (2004, p. 13) denomina de leitura e texto não-verbais.
Segundo a autora:
O texto não-verbal é uma experiência quotidiana; a leitura não-verbal é uma inferência sobre esta experiência. Da natureza do texto, a leitura faz brotar suas aspirações e ambições metodológicas, mas dela própria, leitura, depende apreender aquela manifestação quotidiana.
34
A cidade torna-se, portanto, um meio propenso à disseminação de
informações em função da pluralidade de estímulos e, consequentemente,
de diversas formas de percepção, uma vez que corresponde a um texto
não-verbal (FERRARA, 2004).
A leitura urbana é algo que implica, num primeiro momento, na
interpretação físico-espacial e morfológica, ou seja, consiste em uma
competência da arquitetura. Na seqüência, outros fatores podem ser
considerados para complementar esta leitura, podendo-se, então, ser
citados o levantamento de fatores políticos, econômicos, sociais e culturais.
Em linhas gerais, existem três níveis organizativos básicos através dos
quais a cidade pode ser compreendida (DEL RIO, 1990): o coletivo, o
comunitário e o individual. A lógica estruturadora é uma característica da
dimensão coletiva, apesar de sua percepção acontecer de forma
inconsciente; a dimensão comunitária traz consigo elementos e uma lógica
que são pertinentes para apenas uma parte restrita da população; do ponto
de vista da dimensão individual, pode-se afirmar que é o nível em que mais
rapidamente se observam as mudanças, em virtude da liberdade de
expressão e de significados.
As possibilidades de leitura sobre o meio urbano são múltiplas, em
função dos vários instrumentos e esquemas que podem ser aplicados para a
sua análise. É o cruzamento de várias leituras que poderá elucidar de
maneira mais satisfatória os fenômenos e significados a respeito de um
objeto tão complexo quanto a cidade. Ainda assim, existem determinados
fenômenos que se sobressaem e acabam, de certa maneira, funcionando
como caráter determinante da forma da cidade.
Convém, ainda, mencionar a questão das dimensões espaciais, até
como forma de tornar possível a percepção de espaços com diferentes
escalas. Segundo Lamas (1990), são essencialmente três: setorial, urbana e
territorial.
35
A dimensão setorial, ou a escala da rua, corresponde à menor
unidade do espaço urbano. A apreensão é possível sem que para isso sejam
necessários grandes deslocamentos ou intervenções de larga amplitude no
desenho da cidade. Os elementos morfológicos que se enquadram nesta
dimensão são os edifícios, o traçado, as estruturas verdes, o parcelamento
do solo e o mobiliário urbano.
A dimensão urbana, ou a escala do bairro, abrange porções maiores
da área da cidade, geralmente denominadas de “bairros”, em que as
partes que os constituem apresentam características relativamente
homogêneas em função dos parâmetros de uso e ocupação do solo
previstos para tais regiões. Em algumas cidades, estas peculiaridades podem
ser facilmente identificáveis, enquanto que em outras os bairros nada mais
são do que divisões administrativas. Podem ser citados os seguintes
elementos morfológicos como facilitadores desta percepção: o traçado, as
praças, os quarteirões, os monumentos e as áreas verdes.
A terceira e última dimensão é a territorial, ou a escala da cidade,
onde ocorre a articulação de diferentes bairros, e o movimento passa a ser
necessário para que se possa visualizar a cidade no conjunto das dimensões
anteriores. Neste caso, os elementos morfológicos de destaque seriam os
bairros, as grandes infra-estruturas viárias e as extensas zonas verdes. Com
isso, fica evidente que a leitura da cidade pode ocorrer em diferentes
escalas de abordagem e em diferentes ritmos.
A abordagem da percepção ambiental implica determinar formas de
quantificá-la a fim de se analisar elementos concretos da cidade. Por este
meio, é possível contemplar não apenas as apreensões de tais elementos,
como também projeções e vivências que os moradores fazem sobre o
urbano (DUARTE, 2006).
Neste contexto, cada cidadão tem vastas associações com alguma
parte de sua cidade, e a imagem de cada um está impregnada de
lembranças e significados. As pessoas, bem como as atividades que
36
desempenham, podem ser consideradas elementos móveis tão importantes
quanto as partes físicas estacionárias. A análise da qualidade ambiental é
algo que pode ser mensurado pela imagem mental que os habitantes
possuem de sua cidade.
A imagem perceptiva da cidade está associada ao uso e ao hábito,
aspectos estes que se sobrepõem ao projeto urbano em si. Como
conseqüência da configuração de uma imagem habitual, tem-se uma
homogeneização que não corrobora com a decodificação do espaço
urbano. É neste momento que se faz necessário projetar elementos de
predicação e qualificação, que podem ser viabilizados mediante a geração
e retenção de informações sobre a cidade. Esta operação pode ser
denominada de percepção ambiental (FERRARA, 1993).
Segundo Ferrara (2004, p. 33):
A eleição de uma dominante desperta a atenção para o ambiente espacial, para o texto que nos envolve, porém ela é estratégica e metodologicamente ambiciosa. Em outras palavras, é operacional, porque dela depende a despast eurização do habitual, ou seja, tornar heterogêneo o homogêneo pela ênfase atenta a determinados índices estimulados pela dominante. Hierarquiza-se a textura indicial e isto nos permite estranhar o ambiente e colocar em crise o hábito de ver, perceber ou usar.
A legibilidade é um dos aspectos mais valorizados por Lynch (1997) em
sua obra, entendido, inclusive, como elemento crucial para o cenário
urbano, cujo princípio funcional possui uma forte conotação social. Diz
respeito à facilidade com que as partes de determinado espaço podem ser
reconhecidas e organizadas num modelo coerente.
Um ambiente ordenado é composto, em sua essência, de um vasto
sistema de referências. Portanto, no processo de orientação, o elo
estratégico é a imagem ambiental, o quadro mental generalizado do
mundo físico exterior de que cada indivíduo é portador.
Some-se à legibilidade, identidade, estrutura e significado. A
identidade funciona como uma diferenciação ou reconhecimento
37
enquanto entidade de separação, significando individualidade ou
unicidade. Com relação ao significado, Nasar (2001, p. 1822) aponta duas
possibilidades:
The meaning of a place may take a denotative or a connotative form. Denotative meanings are the same as identity; they refer to judgments of what the place is. Connotative meanings refer to inferences about the quality and character of the place or its users5.
Apesar de ter apontado o significado como um importante atributo da
imagem da cidade, Lynch compreendeu que se tratava de um aspecto
difícil de ser manipulado, visto que as preferências são variáveis de indivíduo
para indivíduo. Portanto, concentrou-se mais nas questões que envolvem a
estrutura e a identidade. A imagem avaliativa é importante neste processo
(NASAR, 2001).
A imageabilidade é a característica de um objeto físico que lhe
confere alta probabilidade de evocar uma forte imagem em qualquer
observador. Nasar (2001) associa a esta característica outra fundamental, a
seu ver, para a compreensão da imagem da cidade: linkability ou
vínculação6. É a probabilidade de o ambiente evocar respostas favoráveis
por parte dos observadores
A configuração da imagem é, portanto, reflexo do papel decisivo que
a forma do ambiente desempenha. Certas características apresentam uma
importância particular na paisagem urbana, como os espaços abertos, a
vegetação, o sentido de movimento na rede viária, os contrastes visuais,
dentre outros.
A aplicação de entrevistas permite o cruzamento de informações que
apontarão para as imagens públicas identificadas por meio da referência a
5 O significado de um lugar pode tomar uma forma denotativa ou conotativa. Significados denotativos são o mesmo que identidade; eles se referem a julgamentos sobre o que o lugar é. Significados conotativos se referem a inferências sobre a qualidade e o caráter do lugar ou de seus usuários. (Tradução da autora).
6 Tradução interpretada pela autora.
38
elementos urbanos. No design urbano, a forma deve ser usada para reforçar
o significado, e não para negá-lo.
Nasar (2001), existem sete características ambientais proeminentes
para a percepção humana e a avaliação de lugares: naturalidade, ordem,
complexidade, novidade, manutenção, abertura e significância histórica.
De uma forma ou de outra, todos sempre tem uma impressão ou
sensação causada pelo ambiente que os cercam e por meio da aplicação
de perguntas chaves é possível observar o que os moradores de uma
determinada comunidade entendem como referências.
2.2 PROJETOS URBANOS
A discussão sobre a questão urbana tem evoluído com o passar dos
anos na mesma medida em que os problemas urbanos têm se desenvolvido
e multiplicado. Consequentemente, as abordagens urbanísticas também
tenderam a sofrer modificações, visando formas mais efetivas de promover
melhorias em todos os aspectos que envolvem a cidade.
Segundo Courson (1993) várias questões podem ser levantadas para
justificar uma situação tão dinâmica e com impactos tão imediatos:
a) Questões históricas, relativas a ideologias dominantes tanto no
urbanismo quanto no meio político e as formas como os conceitos
têm evoluído;
39
b) Questões de horizonte, ou seja, previsão quanto a possíveis
mudanças em prazos mais curtos de forma a antever ou contornar
eventuais impactos negativos7;
c) Questões de perímetro, ou seja, o estabelecimento de limites
geográficos de intervenção tornou-se um método mais seguro efetivo
para o alcance de objetivos, em detrimento da adoção da macro-
escala urbana8;
d) Questões de condução, momento em que se somam esforços
governamentais e civis na tomada de decisões;
e) Questões de conteúdo, relacionadas ao se enfatizar mais o
urbanismo pragmático;
f) Questões de atores, por uma maior mobilização e engajamento da
sociedade como um todo;
g) Questões inerentes ao urbanismo, cujos desafios não estão mais
exclusivamente relacionados com a expansão urbana, mas às formas
que permitirão gerenciar o urbano.
Com base neste contexto, Courson (1993) definiu o seguinte esquema-
resumo (Quadro 1) sobre a evolução dos problemas urbanos:
ONTEM HOJE Afetação de usos Zoneamento Diversidade Levantamento de
necessidades Quantitativo Qualitativo
Escolha de operações Operações novas Sítios estratégicos Planificadores Estado Cidade
Agências de urbanismo Operadores Estado Cidade e Terceiro Setor
Tomada de decisões Estado Cidade Documentos Plano Projeto
QUADRO 1 – EVOLUÇÃO DOS PROBLEMAS URBANOS
Fonte: Courson (1993, p. 30). Traduzido pela autora.
7 Com este respeito, Courson (1993) faz alusão à chegada do Terceiro Milênio e as expectativas em torno desta transição na história da humanidade.
8 Em contrapartida à assertiva do “agir localmente e pensar globalmente”.
40
Observa-se, então, que o projeto assumiu, com o passar dos anos, um
papel mais do que estratégico no planejamento de cidades. Não
corresponde mais a um detalhamento e sim a um motor para o plano, uma
vez que permite a adequação do mesmo conforme diferentes realidades e
objetivos.
Trata-se de uma ferramenta de grande importância, pois seu sucesso
pode ser medido, em termos de gestão e implantação, mediante a
compreensão das diferenças sociais existentes em determinada região e as
suas respectivas apreensão e incorporação no imaginário dos habitantes
(DUARTE, 2006).
Em termos de definição, pode-se conceituar o projeto como (LACAZE,
1993, p. 22):
[...] a conduta intelectual que permite propor uma realização, justificando de antemão, por um conjunto de planos e cálculos, a coerência do objeto a ser construído e sua adequação ao programa definido a princípio pelo arquiteto responsável pelo projeto.
Os projetos de urbanização de favelas costumam ser desenvolvidos
segundo quatro etapas fundamentais (ABIKO, 1995 apud ABIKO; SILVA, 2003):
a) Estudo preliminar: etapa em que decisões serão tomadas de forma
a viabilizar determinada intervenção e os primeiros contatos com a
população local serão travados.
b) Cadastramento: registro do número de moradores da área, como
forma de evitar o aumento da população residente e definir
quantas famílias serão atendidas pelo programa de urbanização.
c) Projeto: conforme o levantamento das necessidades locais faz-se o
loteamento de forma a atender o maior número possível de
famílias, igualmente beneficiadas em termos de serviços e
equipamentos urbanos.
41
d) Execução: conforme aspectos relativos às condições topográficas,
disponibilidade financeira e de participação da comunidade, tem-
se uma idéia acerca do prazo de implantação e finalização do
projeto.
A necessidade de Intervenções urbanísticas em ocupações irregulares
surge em função de problemas urbanos de caráter socioambiental. Social
porque envolvem parcela significativa da população vivendo em áreas de
riscos e muitas vezes em condições subnormais. Ambiental porque, na
maioria dos casos, tais assentamentos se encontram em áreas de proteção
ambiental ou inadequadas para o assentamento humano.
Portanto, o propósito de um projeto neste sentido é o de promover
melhores condições de vida, levando-se em conta os seguintes tipos de
viabilidade para sua concretização:
a) Urbanística: está relacionada com as leis de uso e ocupação do
solo, bem como sua integração com o plano diretor do município
em questão;
b) Programática: diz respeito mais diretamente às definições de
projeto, ou seja, de que forma a intervenção física deverá atender
às necessidades apresentadas pela comunidade;
c) Financeira: por se tratar de intervenção com respaldo
governamental, é preciso que a realização da mesma esteja de
acordo com o previsto no orçamento público, seja na esfera
municipal, estatal ou governamental;
d) Jurídica: no caso das ocupações irregulares, este é um viés
importante em função da condição de ilegalidade dos
assentamentos. Portanto, conforme o tipo de intervenção haverá
necessidade de tratar os aspectos legais, principalmente
relacionados com a propriedade da terra e regularização fundiária;
42
e) Social: como mencionado anteriormente, o propósito de um projeto
urbano tem respaldo inicial no atendimento de uma demanda
social. No caso em estudo, esta demanda está atrelada à
disponibilização de infra-estrutura e serviços urbanos como forma
de promover a urbanização e habitabilidade do ambiente em si;
f) Físico-territorial: em função do tipo de ocupação, normalmente em
áreas ambientalmente frágeis ou de risco, faz-se o estudo quanto à
maneira mais adequada de promover a requalificação da área de
intervenção, levando-se em consideração a sua tipologia.
O esquema representado na Figura 1 serve como referência para os
aspectos anteriormente expostos relacionando-os segundo a definição aqui
proposta para projetos urbanos em ocupações irregulares:
FIGURA 1 – VIABILIZAÇÃO DE UM PROJETO URBANO
Fonte: Desenvolvido pela autora.
Em termos de projetos para intervenções urbanas em áreas
degradadas, observa-se certo distanciamento entre o programa imposto
pelos órgãos responsáveis e as reais necessidades da população local.
Como ilustra Castello e Andrade (1998, p. 4):
PROJETOS URBANOS
DEMANDAS SOCIAS
PROBLEMAS URBANOS
VIA
BILI
DA
DES
URBANÍSTICA
PROGRAMÁTICA
FINANCEIRA
JURÍDICA
SOCIAL
FÍSICO-TERRITORIAL
CONCEPÇÃO
EXECUÇÃO IMPLANTAÇÃO
ALC
AN
CE
DE
OBJ
ETIV
OS
- FE
EDBA
CK
43
Projeto é uma coisa. O uso do que é projetado é o que importa. Dentro desta perspectiva, o projeto dos espaços da cidade – o design urbano – necessita dar uma atenção cuidadosa ao que os usuários vêem como qualidade em seus ambientes. Ou, em outros termos, à percepção que os usuários têm sobre o ambiente. E, nisto, estão enquadrados tanto os atributos do ambiente, como os conflitos nele presentes.
Faz-se necessário criar formas de identificar conflitos e necessidades,
visto que a leitura de um determinado ambiente nunca será realizada da
mesma forma, considerando-se técnicos e moradores. O cruzamento destas
percepções é o que poderá gerar espaços de melhor qualidade em termos
de habitabilidade urbana.
Torna-se evidente que, após a implantação do projeto, é preciso
verificar o atingimento, ou não, dos objetivos inicialmente propostos. Por isso,
é constante a necessidade de retroalimentação do processo, mediante
avaliação contínua da intervenção.
Para tanto, muitos estudos têm sido conduzidos no campo das
Relações Ambiente Construído – Comportamento Humano, também
conhecido como RAC’s. O que existe em relação a isto não são
especificidades metodológicas, mas especificidades teóricas e conceituais,
principalmente na área das ciências sociais aplicadas nos sistemas
ambientais ( ORNSTEIN, 2005).
2.2.1 Avaliação pós-ocupação
Neste âmbito se enquadra a chamada Avaliação Pós-Ocupação, ou
simplesmente APO. Trata-se de uma das áreas da Psicologia Ambiental (ou
44
do campo ambiente e comportamento) que se tornou, nos últimos tempos,
um dos mecanismos mais eficientes de retroalimentação de projetos.
Os pareceres técnicos, funcionais, econômicos, estéticos e
comportamentais de um dado ambiente são levados em consideração
tanto por parte dos técnicos quanto dos usuários. O objetivo é identificar
“patologias” e propor “terapias” durante o “processo de produção e uso de
ambientes construídos (ORNSTEIN, 1992, p. 23)
A APO está intimamente relacionada com o ambiente construído.
Neste sentido, cabe lembrar que este conceito abrange mais do que o
edifício em si, estando relacionado tanto com micro quanto
macroambientes; considera-se desde uma intervenção arquitetônica
pontual até a própria cidade em que a mesma se insere.
No caso das ocupações irregulares, entendidas como comunidades
marginais, Dias (1994, p. 20) afirma que:
Os padrões de interação Homem-Ambiente das comunidades marginais ainda são mal conhecidos. Torna-se imperativa a compreensão dos processos adaptativos, desenvolvidos pelos indivíduos humanos, para sobreviverem nas condições de marginalidade psicossocial; afinal, moram ao lado dos benefícios da cidade, mas passam por toda sorte de privações.
A especificidade do lugar em que dada realidade se insere também é
apontada por Santos (1992, p. 10) “como uma valorização específica de
cada variável”. Esta questão é pertinente para o estudo das ocupações
irregulares, pois ainda que a forma de atuação acerca deste problema
urbano costume ser, de certa forma, padronizada, os diferentes resultados
finais refletem a natureza específica de cada assentamento, ou seja, do
lugar em si.
Torna-se pertinente contemplar a questão do comportamento dos
usuários em relação ao lugar. Segundo Okamoto (2002, p. 27):
Temos a sensação do ambiente pelos estímulos desse meio, sem se ter consciência disso. Pela mente seletiva, diante do bombardeio de estímulos, são selecionados os aspectos de interesse ou que tenham
45
chamado a atenção, e só aí é que ocorre a percepção (imagem) e a consciência (pensamento, sentimento), resultando em uma resposta que conduz a um comportamento.
A palavra comportamento tem, aqui, um sentido bastante pertinente
quando se aborda a questão da percepção ambiental e a forma como os
usuários se apropriam dos espaços. Mais do que a subjetividade do sentir,
trata-se da reação diante da paisagem cotidiana, bem como a maneira
como ela é incorporada e aceita.
Barreira (2000, p. 60) acrescenta outros aspectos condicionantes do
comportamento dos usuários em relação a uma determinada intervenção:
O suposto é que nas situações de intervenção social o significado político, ideológico, isto é, o conjunto de idéias, atitudes, pautas culturais, tem forte influência no comportamento das pessoas e dos grupos sociais, resultando em maior adesão ou resistência à intervenção social programada. A aferição estatística de resultados não permite captar a influência destas variáveis contextuais e portanto não traz a tona elementos fundamentais para explicar a eficácia ou ineficiência de programas sociais.
A APO tem sido mais empregada no âmbito da arquitetura. No
entanto, para o que se pretende nest e trabalho, tornou-se conveniente para
o estudo de intervenções urbanísticas em ocupações irregulares,
considerando-se as devidas adaptações.
Quanto às recomendações que se buscam definir, são citadas
aquelas que minimizam ou corrigem problemas detectados no ambiente
submetido à avaliação. Programas de manutenção e de conscientização
do público usuário, bem como relativos a mudanças comportamentais, são
igualmente propostos. Os resultados das avaliações sistemáticas dos estudos
de caso permitem realimentar o processo de produção e uso de ambientes
semelhantes, ou seja, interferem na otimização e desenvolvimento de
projetos futuros (ORNSTEIN, 1992).
O fuxograma a seguir (Figura 2) permite visualizar o funcionamento
desta metodologia.
46
FIGURA 2 – APO – CICLO DE REALIMENTAÇÃO DO PROCESSO DE PRODUÇÃO E USO
Fonte: ORNSTEIN (1992, p. 23).
Desta forma, são duas as principais metas quando do emprego desta
metodologia de avaliação: promover a ação (ou a intervenção em si) e
gerar informação. A ação visa à melhoria da qualidade de vida dos usuários
de um dado ambiente; já a informação, na forma de banco de dados,
busca produzir conhecimento sistematizado sobre o ambiente e as relações
ambiente-comportamento.
Várias são as vantagens apresentadas mediante o emprego da APO.
Considerando-se esta metodologia na avaliação de ambientes construídos
com funções sociais, podem ser mencionados (ORNSTEIN, 1992, p. 4):
a. Propor recomendações sobre problemas técnico-construtivos, funcionais e comportamentais para o objeto de estudo; b. Envolver projetistas, clientes e usuários no próprio processo de avaliação e de decisão, sejam elas de caráter físico ou organizacionais; c. Conscientizar os principais agentes (usuários-chave) envolvidos no uso, operação e manutenção do ambiente objeto de avaliação, no sentido da conservação e otimização do desempenho do patrimônio imóvel, pois este fator está associado ao bem-estar e á produtividade dos ocupantes; d. Controlar a qualidade do ambiente construído no decorrer de seu uso, minimizando custos de manutenção e de intervenções físicas propostas; e. Desenvolver manuais de manutenção e operação para ambientes construídos em uso;
• PLANEJAMENTO • DESENVOLVIMENTO
DE PROGRAMAS
ESTUDO PRELIMINAR
ALT
ERN
ATI
VA
S
CONSTRUÇÃO USO
OPERAÇÃO MANUTENÇÃO
Detalhamento Especificações de projeto
FASE 1 - PRODUÇÃO FASE 2 - USO
• IDENTIFICAÇÃO DO ESTUDO DE CASO
• COLETA DE DADOS • ORGANIZAÇÃO DE
INFORMAÇÕES
47
f. Desenvolver plano diretor de rearranjo, flexibilização e/ou expansão dos espaços de ambientes construídos já em uso, para maior adequação destes a funções diferenciadas e a avanços tecnológicos na área de comunicação e informática; g. Desenvolver manuais/diretrizes de projeto, critérios, padrões e normas para projetos futuros de ambientes construídos semelhantes.
Ferrara (2004) supõe que, em função da escala macro da cidade, faz-
se necessário segmentar a percepção da imagem urbana, a fim de
identificar a transformação de um espaço em lugar. Os seguintes aspectos
podem ser mencionados para justificar esta segmentação (FERRARA, 2004, p.
38):
1) o recorte seletivo de um fragmento de espaço entre espaços;
2) por ser impossível controlar esse espaço no decorrer de sua história, é necessário flagrar imagens instantâneas que funcionem como amostragem de um espaço e sugiram o próprio modo de sua percepção;
3) do espectador para o usuário urbano há uma evolução; de um para outro, há menos uma questão de desenho da cidade ou de sua comunicação visual do que uma questão de imagem perceptiva, de um juízo valorativo sobre a cidade; em outras palavras, esse juízo supõe a leitura e a interpretação daquele fragmento urbano selecionado a partir da “dominante” estrutural escolhida para nortear a leitura.
Em seu estudo sobre a comunidade da Mina d’Água, Dias (1994)
definiu um diagrama conceitual9 em que algumas variáveis foram
levantadas de forma a verificar os processos de interação homem-ambiente
por meio da experiência humana, ou seja, a adoção da percepção como
um fator cultural pertinente nesta avaliação.
As variáveis neste estudo eram, basicamente, o ambiente total e a
experiência humana. O ambiente total foi analisado em relação à
população, atividades humanas e cultura. A análise da experiência
humana, com vistas a identificar a qualidade de vida, baseava-se nas
condições de vida locais e no estado biopsíquico. O objetivo do estudo era
(DIAS, 1994, p. 32 e 33):
9 Desenvolvido pelo autor com base em Boyden, S.; Millar, S. Newcombe, K. & O’Neil, B. The ecology of a city and its people. Australian National University Press, Canberra, Austrália, 1981. 437 p.
48
[...] mostrar como as condições sociais (organização e estrutura da sociedade humana e seu ambiente artificial) afetam tanto o ambiente natural como a qualidade da Experiência Humana (condições de vida e estado biopsíquico), e como o ambiente natural (todos os componentes abióticos e dos ecossistemas locais, regionais e mundiais sobre os quais as atividades humanas podem influenciar, excluindo-se os componentes feitos pelo homem), também afeta as condições sociais e a Experiência Humana.
A APO serve, portanto, de subsídio para a averiguação das condições
de vida após dada intervenção, seja esta arquitetônica ou urbana. Embora
esteja mais focada no projeto, pode facilitar a interpretação dos usos e da
apropriação espacial por parte dos moradores, mediante realização de
leitura do espaço produzido.
Com este respeito, pode-se dizer que a leitura da cidade formal já
apresenta algumas dificuldades. Quando se projeta esta mesma atividade
para as áreas informais, a tarefa torna-se mais confusa, em virtude mesmo
da identificação de elementos que caracterizem e possibilitem a
compreensão destes espaços. Na seqüência, é abordada a questão da
leitura urbana e das possíveis formas de realizá-la em função do objeto de
estudo a que é submetida.
2.3 CONTEXTUALIZANDO A INFORMALIDADE URBANA
Em primeiro lugar, é pertinente uma breve discussão sobre o termo
informalidade ou ilegalidade urbana. Normalmente, vinculam-se estes
termos às áreas conhecidas como invasões ou ocupações irregulares. No
entanto, convém lembrar que a informalidade ou ilegalidade assume
diversas formas, não estando restrita exclusivamente às camadas menos
favorecidas da população.
49
Segundo De Souza (2002), este debate no âmbito da habitação é
igualmente relativo, já que muitas vezes os termos informalidade e
ilegalidade são empregados de maneira intercambiável. Neste sentido,
existe uma controvérsia ao associar-se a necessidade de legalizar o que está
irregular do ponto de vista urbanístico aos investimentos na área de
habitação. De Souza (2002, p. 2) afirma que:
However, this can be a misleading argument, since individuals living in these settlements have developed a sense of security (albeit informally, as well as illegal - in most cases - at present) that do not necessarily relate to the legal debate on rights to land, for instance10.
Já Fernandes (2003, p. 71) sugere a existência de certa tolerância em
relação à informalidade:
Hay otros aspectos de ese proceso que necesitan ser brevemente mencionados: en primer lugar, y a juzgar por las reacciones de las autoridades y de la propia opinión pública, parece ser que existen en Brasil “grados de ilegalidad”; es decir, algunas prácticas de ilegalidad urbana son más toleradas y más justificables que otras, las cuales provocan la acción represiva del Estado11.
O Brasil passou por um processo muito intenso de urbanização num
curto espaço de tempo. A falta de estruturação para lidar com a
aglutinação demográfica nos grandes centros econômicos do país
ocasionou um expressivo descompasso entre as teorias de planejamento
utilizadas até então e as práticas adotadas de forma concreta, não
permitindo controlar o surgimento de diversos problemas, sobretudo os de
caráter socioambiental. À centralidade econômica das metrópoles
agregou-se a periferização da miséria, fato evidente nos países de Terceiro
Mundo (SOUZA, REZENDE, HARDT; 2007).
10 No entanto, este pode ser um argumento enganoso, uma vez que os indivíduos morando nestes assentamentos desenvolveram um senso de segurança (ainda que informalmente, e igualmente ilegal – na maioria dos casos – no momento) que não necessariamente se refere ao debate legal sobre o direito à propriedade, por exemplo. (Tradução da autora)
11 Existem outros aspectos desse processo que necessitam ser brevemente mencionados: em primeiro lugar, e a julgar pelas reações das autoridades e da própria opinião pública, parece que existem no Brasil “graus de ilegalidade”; ou seja, algumas práticas de ilegalidade urbana são mais toleradas e mais justificáveis que outras, as quais provocam a reação repressiva do Estado. (Tradução da autora)
50
Santos (1988, p. 16) sintetiza bem a situação imposta quando do
rápido processo de urbanização:
Deixados à revelia, os pobres se viram mesmo muito ocupados com os problemas prementes que diziam respeito à sua sobrevivência e, por extensão, ao processo de urbanização. Tiveram de enfrentar como puderam a necessidade de inventar empregos, lugares de moradia, transporte, saneamento, opções de lazer. Não se saíram tão mal: mantiveram vivas áreas centrais, desprezadas por ocupantes anteriores; construíram, de qualquer maneira, favelas em sítios impossíveis e proibidos; foram para periferias e para cidades-novas e frentes pioneiras.
A periferização apresenta dois vieses: um urbanístico e outro social. Do
ponto de vista urbanístico, corresponde a áreas com baixa densidade de
ocupação do solo, mas com alta velocidade de expansão. Socialmente, as
periferias concentram uma população de baixa renda, carente de serviços
e infra-estrutura urbanos, reforçando, por sua vez, o ciclo de pobreza
(ULTRAMARI; MOURA, 1994).
Uma vez definido este contexto, deve-se considerar a análise da
pobreza não apenas como a insuficiência de renda da população, mas
também a ocorrência de necessidades básicas insatisfeitas, fator que
remete à consideração dos bens e serviços entendidos como mínimos. Em
outras palavras, aponta-se para uma noção de múltiplas carências a serem
atendidas. Dentre estas necessidades, merece especial atenção a
demanda por habitação, compreendida dentro de um contexto amplo, que
inclui moradia, infra-estrutura e serviços públicos.
Em linhas gerais, pode-se dizer que as políticas que objetivam resolver
problemas urbanos associados aos assentamentos ilegais buscam superar as
condições de pobreza aí instauradas, tanto que até formas de quantificá-la
têm sido desenvolvidas12 (BRAKARZ, 2002).
12 Duas modalidades podem ser citadas. Uma leva em consideração as estimativas de renda e de capacidade de consumo comparadas com um nível de consumo médio e considerado mínimo para um padrão básico de bem-estar. Outra modalidade baseia-se em indicadores sociais, cujos fatores estão relacionados com a expectativa de vida ao nascer, mortalidade infantil, nutrição, consumo de alimentos, taxas de analfabetismo e acesso de serviços de saneamento (BRAKARZ, 2002).
51
Deste ponto de vista, busca-se desenvolver modelos que possam ser
replicáveis nas mais diversas situações. Embora seja senso comum que o
objetivo das invasões é o acesso a uma propriedade ou moradia, De Souza
(2002, p. 5) defende que esta visão não é suficiente para compreender a
moradia informal, concluindo que:
Therefore, it can be false to conclude that there is a positive relationship between tenure security perceptions and housing consolidation processes. The latter can be determined by external factors such as personal security issues and comfort, since these are the rationale used by individuals to invest in the housing markets (albeit illegally). 13
O vínculo culturalmente criado entre a necessidade de posse, ou seja,
titulação da terra como condição essencial para melhoria de vida e
segurança. De acordo com Fernandes (2003, p. 67):
Además, argumentar que en el orden jurídico brasileño existe un concepto único de derecho de propiedad es una falacia: son muchas las formas de derecho de propiedad –inmóvil, móvil, pública, privada, rural, urbana, intelectual, financiera, industrial, etc.–, así como son diversas las relaciones sociales establecidas en torno a ellas, siendo cada forma específica tratada de manera diferente por el orden jurídico14.
Muitos autores têm difundido uma associação direta entre
degradação ambiental e pobreza, realidade das diversas ocupações
irregulares brasileiras (MENDONÇA, 2004; BRAKARZ, 2002; AZEVEDO, 1996).
O discurso da preservação ambiental se sobrepôs por algum tempo
em relação à necessidade de regularização de loteamentos informais,
gerando conflitos no estabelecimento de políticas. Segundo Fernandes
(2005, p. 17):
13 Portanto, pode ser falso concluir que existe uma relação positiva entre percepções de segurança de posse e processos de consolidação de moradia. Estes podem ser determinados por fatores externos, tais como questões de segurança e conforto pessoal, uma vez que estes são os fundamentos utilizados por indivíduos para investir no mercado de moradia (ainda que ilegalmente). (Tradução da autora)
14 Além disso, argumentar que na ordem jurídica brasileira existe um conceito único de direito de propriedade é uma falácia: são muitas as formas de direito de propriedade – imóvel, móvel, pública, privada, rural, urbana, intelectual, financeira, industrial, etc. – assim como são diversas as relações sociais estabelecidas em torno delas, sendo cada forma tratada de maneira diferente pela ordem jurídica. (Tradução da autora)
52
Placing emphasis on the notion of “environmental deficit”, such arguments have not allowed for a broader discussion, certainly more adequate to the Brazilian reality, which is that of the “socioenvironmental deficit”15.
Deschamps (2004, p. 82) faz alusão à desvantagem social decorrente
das condições de pobreza:
A desvantagem social possui diversos componentes, que podem expressar-se por meio da desigualdade socioeconômica. Assim, a pobreza pode se constituir num fator de desvantagem social, pelas limitações que ela impõe aos indivíduos, mas também pode ser resultado de tais desvantagens.
Como conseqüência, coloca-se em questão a situação de
irregularidade, improviso e insegurança, na mesma medida em que a
clandestinidade torna-se um meio de sobrevivência.
Tavares (2004) entende que a apropriação informal do território urbano
foi resultado de algumas variáveis diretamente relacionadas com as forças
de mercado e a ação elitista e excludente do Estado. A principal
conseqüência foi a configuração de cidades fragmentadas, onde grande
parcela da população menos favorecida acabou se concentrando em
assentamentos inadequados, tanto do ponto de vista urbanístico quanto
ambiental. Disto, resulta outra dicotomia evidente no âmbito das regiões
metropolitanas: a questão do central e do periférico.
Existem relações entre centro e periferia que vão muito além da
localização geográfica, evidenciando o forte grau de interdependência.
Ações planejadas ou não reforçam as relações de ação e reação
estabelecidas neste âmbito. Os problemas existentes em municípios
periféricos não estão excluídos daqueles enfrentados pelo município central,
em função mesmo da forte atratividade deste quanto ao desenvolvimento
de atividades de caráter econômico (OLIVEIRA, 2005).
15 Ao colocar ênfase na noção de “déficit ambiental”, tais argumentos não possibilitaram discussões mais abrangentes, certamente mais adequadas à realidade brasileira, que é a do “déficit socioambiental”.
53
Deschamps (2004) reforça que a configuração do que chama de
desenho metropolitano está relacionada às várias dinâmicas que se
articulam de maneira a promover a ocupação de diversos espaços. Dentre
estas dinâmicas podem ser citadas aquelas de caráter social, econômico,
cultural, político e até mesmo ambiental.
Cria-se um sistema composto de vários elementos atrelados aos
serviços e à infra-estrutura urbanos, tais como água, transporte, drenagem,
saúde, educação, habitação, etc. A sua espacialidade acontece de
maneira variável, assim como os municípios envolvidos com estes sistemas
também costumam atuar de maneiras distintas e com soluções alternativas
para o que o pretendem de fato. Portanto, fica evidente que cada sistema
urbano possui lógicas próprias e a forma como se distribuem no território
metropolitano não significa que seja atribuição de todos os municípios que o
constituem ( ROLNIK; SOMEKH, 2000).
Planejamento e espaço urbanos podem ser entendidos como faces
diferentes de uma mesma moeda, visto que o primeiro costuma ser
idealizado e desenvolvido em função do segundo. A contradição entre a
teoria e a prática fica evidente quando se observa que (MARICATO, 2000, p.
122):
[...] o urbanismo brasileiro (entendido aqui como planejamento e regulação urbanística) não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade, apenas. [...] Para a cidade ilegal não há planos, nem ordem. Aliás, ela não é conhecida em suas dimensões e características. Trata-se de um lugar fora das idéias.
Abordar um tema que envolve a questão habitacional com foco nas
ocupações irregulares sem vislumbrar os impactos que estas ocasionam para
muito além de suas delimitações físicas é algo pouco viável, principalmente
quando o objeto de estudo (ocupações irregulares, invasões, favelas ou
loteamentos clandestinos) está intimamente relacionado com suas
repercussões no espaço urbano da região em que se insere.
54
Da mesma forma, tem-se o meio ambiente como catalisador de todo
e qualquer tipo de intervenção urbanística, ocorra esta nos moldes formal
(planejado) ou informal (“espontâneo”). A instauração deste quadro social e
urbano cria duas situações simultâneas: expansão urbana e deterioração
ambiental.
O olhar sobre a questão da cidade legal é um dos principais pontos
fortemente criticados por Maricato (2000) em relação ao ainda vigente
planejamento modernista/funcionalista. Segundo a autora (MARICATO, 2000,
p. 123):
Em se tratando de países da semiperiferia, como é o caso do Brasil e de outros países da América Latina, esse modelo, definidor de padrões holísticos de uso e ocupação do solo, apoiado na centralização e na racionalidade do aparelho do Estado, foi aplicado a apenas uma parte das nossas grandes cidades: na chamada cidade formal ou legal. A importação dos padrões do chamado “primeiro mundo”, aplicados a uma parte da cidade (ou da sociedade) contribuiu para que a cidade brasileira fosse marcada pela modernização incompleta ou excludente.
No caso da intensa proliferação de ocupações irregulares, torna-se
compreensível associar esta extensão do problema à situação econômica
do país e à mercantilização do solo urbano nos moldes capitalistas, o que
naturalmente gera este intenso e crescente processo de segregação social.
A busca pela sobrevivência num ambiente extremamente competitivo
e socialmente desigual faz com que o destino das camadas menos
favorecidas seja sempre o mesmo: áreas vulneráveis do ponto de vista
ambiental ou com valor de terra mais condizente com suas condições
financeiras. A forma ilegal de apropriação de tais espaços ocorre resulta na
degradação da paisagem urbana e no reforço da segregação espacial.
A atual situação dos grandes centros urbanos é interpretada por
Campos Filho (1999, p. 84) da seguinte forma:
O caos urbano instalou-se através de uma lógica da desordem. Isso se deu através de um quase total descontrole público sobre o crescimento horizontal e vertical das cidades, aumentando dia a dia o número de terrenos invadidos, públicos e privados. As anistias
55
se rotinizaram naquelas cidades, preocupadas em legalizar, mesmo que a posteriori.
Estas “anistias” a que o autor faz alusão correspondem aos processos
de regularização fundiária, apontada neste caso como uma forma tardia de
remediar o praticamente irremediável, ou seja, o surgimento de ocupações
irregulares.
Segundo Brakarz (2002, p. 9):
[...] são imprescindíveis ações multissetoriais, coordenadas entre si, que possam dar solução tanto ao problema de carência de ordem ambiental e habitacional da população de baixa renda quanto às necessidades sociais específicas dos grupos mais vulneráveis.
Vários podem ser os impactos a que estão submetidos o ambiente em
que os assentamentos se encontram a população residente. Ribeiro (2006, p.
76) acredita que a lógica da configuração física da cidade é marcada
pelos interesses restritos de um pequeno segmento social, “que às vezes, até
consegue localmente algum bom efeito cenográfico, mas que, no conjunto,
o que se registra é uma fragmentação de soluções espaciais”.
O desenvolvimento do Direito Urbanístico brasileiro merece destaque
em função dos problemas urbanos acima mencionados. A política urbana
do país sofreu um considerável impacto a partir da promulgação do Estatuto
da Cidade16. Para a gestão urbana, tornou-se um instrumento jurídico útil e
condizente com a complexidade das questões que envolvem o processo de
uso, ocupação e parcelamento do solo urbano.
O debate sobre ocupações irregulares versus gestão urbana também
se torna mais aprofundado. Conforme Fernandes (2003, p. 64):
Por la misma razón, por más fundamental que sea el estudio formal e integral de las leyes, principios e instrumentos jurídicos urbanísticos, la debida comprensión del Derecho Urbanístico, su naturaleza y sus posibilidades, requiere también de una reflexión crítica respecto del proceso de producción de tales leyes, las condiciones para que eso
16 Lei Federal No. 10.257 de 10 de julho de 2001.
56
ocurra y los obstáculos para su cumplimiento, así como su relación con el proceso de producció social de la ilegalidad urbana17.
Devido à necessidade de enfrentamento do problema, algumas
alternativas têm sido desenvolvidas. Considerando a forte relação entre as
regras do mercado imobiliário formal, o valor da terra e a localização de
loteamentos informais, criou-se o conceito das ZEIS’s, ou seja, Zonas Especiais
de Interesse Social ou zonas residenciais especiais destinadas à habitação
social.
Esta é uma iniciativa de âmbito municipal, já que é regulamentada
segundo parâmetros urbanísticos definidos no plano diretor. De certa forma,
é como destinar áreas da cidade às classes menos favorecidas, facilitando o
acesso das mesmas à moradia nos moldes legais.
2.3.1 Faces da informalidade urbana
A definição de tipologias de assentamentos urbanos informais está
relacionada com o conceito de déficit habitacional. Segundo o IBGE
(FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2001) o conceito de necessidades
habitacionais abrange o déficit habitacional enquanto necessidade de
reposição total de unidades precárias e atendimento da demanda não
solvável nas condições de mercado; some-se a isto a inadequação, que
aponta para a necessidade de melhoria das unidades habitacionais com 17 Pela mesma razão, por mais fundamental que seja o estudo formal e integral das leis, princípios e instrumentos jurídicos urbanísticos, a devida compreensão do Direito Jurídico, sua natureza e suas possibilidades requerem também uma reflexão crítica a respeito do processo de produção de tais leis, as condições para que isso ocorra e os obstáculos para seu cumprimento, assim como sua relação com o processo de produção social da ilegalidade urbana. (Tradução da autora)
57
determinados tipos de precarização. Pode-se acrescentar que, no caso das
ocupações irregulares, mais pertinente do que identificar tipologias
habitacionais precárias, cabe ressaltar o número de famílias sobrevivendo
nestas condições.
Prado e Pelin (1993), em seu estudo sobre o problema habitacional
brasileiro, entenderam que o déficit total é na verdade resultado do
somatório dos seguintes subitens:
a) Déficit por moradia conjunta: corresponde à diferença entre o
número total de famílias existentes em determinado local e o
número total de domicílios aí registrados, conforme pesquisa do
IBGE.
b) Déficit por moradia precária: corresponde à soma do número de
moradias improvisadas com o número de imóveis rústicos, mais o
número de quartos ou cômodos que eram utilizados como
habitação na data da pesquisa.
c) Déficit por moradia deficiente: corresponde a moradias
desprovidas de canalização interna de água e rede de esgoto,
ainda que possa parecer razoavelmente boa ou decente.
Os mesmos autores chegam a definir o que chamaram de déficit alvo,
ou seja, definição do déficit que pode ser efetivamente objeto de oferta de
habitações, uma vez que em sua totalidade dificilmente poderia ser
equacionado. Esta é uma postura mais prática em termos de tentativa de
atendimento da demanda, uma vez que os recursos destinados a este fim,
bem como os mecanismos para sua obtenção, ainda são escassos diante
da amplitude desta problemática.
Lorenzetti (2001, p.7) entende que:
[...] o termo ‘déficit’ sugere a idéia de um quantitativo neutro, o que não corresponde à realidade das necessidades habitacionais, que diferem em função dos diversos segmentos sociais envolvidos, bem como variam e transformam-se com a dinâmica da sociedade.
58
Cumpre registrar, a propósito, que a falta da casa própria não deve ser confundida com a definição de déficit habitacional.
Pretende-se, para fins de estudo no presente trabalho, compreender
déficit habitacional como um somatório de precariedade e inadequação
nas condições de sobrevivência de uma determinada família, considerando-
se o ambiente em que ela está inserida. Por esta razão, segue-se uma breve
discussão sobre as principais tipologias de assentamentos urbanos informais,
pontos das grandes cidades onde praticamente se concentra o déficit
habitacional: favelas e loteamentos clandestinos.
A ocupação do espaço urbano tem acontecido de forma
relativamente esporádica e desorganizada, levando à criação de vazios em
áreas privilegiadas em termos de infra-estrutura e à alta densidade das áreas
mais afastadas e consideradas como de risco. Em termos urbanísticos, pode-
se dizer que (MORETTI, 2004, p. 213):
Tem-se hoje uma situação paradoxal, pois convivem uma enorme produção habitacional, um elevado déficit habitacional (quantitativo e qualitativo) e um significativo montante de habitações vazias nas áreas centrais e mais bem servidas da cidade.
Maricato (2000) afirma que o loteamento ilegal pode assumir
diferentes variantes. A mais comum está associada à transgressão de normas
urbanísticas, como diretrizes de ocupação do solo, dimensionamento dos
lotes, arruamento e caráter público ou privado da área ocupada. Mas
também existe a questão da irregularidade na documentação da
propriedade.
Desta forma, diversas situações são criadas diariamente em função da
necessidade de preenchimento de certas normas que se tornam
impraticáveis para a maioria da população, seja por questões financeiras,
por falta de informações, pelo excesso de burocracia, pela especulação
imobiliária ou pela má fé de determinados loteadores.
Jacobi (2004, p. 171) define loteamentos periféricos como:
[...] territórios irregulares que não atendem aos parâmetros urbanísticos estabelecidos e ficam oficialmente excluídos do acesso
59
aos serviços e investimentos públicos, e as melhorias são conseguidas por intermédio de obras pontuais e corretivas.
Uma vez delineada a condição urbana de tais assentamentos, são
abordados na seqüência os conceitos para as tipologias mais utilizadas para
caracterizar ocupações irregulares: favela e loteamento clandestino.
Na concepção de Valladares (2005, p. 22), apesar de serem
reconhecidas atualmente como um fenômeno tipicamente urbano, “as
favelas foram consideradas durante a primeira metade do século XX um
verdadeiro ‘mundo rural na cidade’”. Cabe lembrar que nesta época,
acentuou-se a migração do campo para os grandes centros urbanos,
fazendo com que a população rural se instalasse nas favelas.
Para Maricato (2000, p. 80), “o que define a favela é a completa
ilegalidade da relação do morador com a terra. Trata-se de áreas
invadidas.” A autora defende que a evolução deste fenômeno
acompanhou o processo de urbanização da sociedade brasileira.
De acordo com Pandolfi e Grynszpan (2003, p. 21) as favelas
delimitam:
[...] um espaço com características próprias, que as distinguem de seu entorno. São essas características físicas, suas marcas externas mais aparentes que, em primeiro lugar, dão base à sua identificação como ocupações irregulares do espaço urbano, cujas construções são toscas e feitas de forma desordenada.
Segundo estes autores, o entendimento generalizado sobre o que vem
a ser uma favela parece ter se cristalizado no senso comum, em virtude da
visibilidade crescente dada pela mídia e do próprio reconhecimento e
assentimento em relação a esta realidade. O fenômeno se tornou concreto
e observável.
Outras formas de apropriação do espaço urbano podem surgir
estimuladas tanto pela especulação imobiliária quanto pela própria
população. É o caso dos chamados loteamentos clandestinos que acabam
sendo reflexo de desmembramentos, loteamentos e arruamentos irregulares.
60
É sabido que, assim como algumas ocupações irregulares acabam se
proliferando de maneira espontânea (em função direta da ocupação de
espaços vagos na malha urbana, mesmo que inapropriados para moradia),
outras surgem de forma induzida. Esta indução tem como objetivo manipular
não apenas interesses particulares (leia-se, de caráter não coletivo), como a
própria configuração territorial do espaço urbano, o que certamente reforça
a segregação social e aumenta as disparidades sociais.
O esquema apresentado no Quadro 2 apresenta os problemas sociais
e jurídicos relacionados ao parcelamento irregular do solo urbano (LEHFELD,
1988, p. 39 e 40).
Nas várias situações mencionadas abaixo, é possível obter o título de
propriedade em função do instrumento da usucapião, previsto pelo Estatuto
da Cidade (BRASIL, 2005). Ainda assim, a inadequação na implantação
destes loteamentos gera uma série de problemas urbanísticos, arquitetônicos
e sociais em função do mau aproveitamento do espaço físico.
61
TIPO DE LOTEAMENTO PROBLEMAS SOCIAIS E JURÍDICOS
LOTEAMENTOS E DESMEMBRAMENTOS NÃO
REGISTRADOS
O proprietário ou mandatário do proprietário que faz os
parcelamentos do solo muitas vezes não espera que se
conclua o processo do parcelamento com o registro no
Cartório de Registro de Imóveis. Em decorrência da falta
de registro, não será possível implantar os
melhoramentos urbanísticos básicos nem aprovar
projetos de edificação de casas. Aqueles que se
atrevem a construir clandestinamente em tais glebas
não podem adquirir financiamento e têm os seus
imóveis desvalorizados.
ARRUAMENTOS E LOGRADOUROS IRREGULARES
Mesmo sobre terrenos regularmente registrados ou sobre
loteamentos e desmembramentos regularizados existem
muitas vezes remanejamentos de fato, isto é, troca de
posição dos lotes, passagens e verdadeiras caricaturas
de ruas e praças implantadas em terrenos de terceiros.
POSSE SOBRE TERRENO DE DOMÍNIO ALHEIO
São os denominados posseiros que se instalam em imóvel
alheio, seja com o objetivo de se instalarem
provisoriamente enquanto arranjam recursos para
construir, seja para explorar terrenos, existentes no
perímetro urbano, não edificados. Esses terrenos podem
tanto pertencer a particulares quanto ao Estado e suas
autarquias.
LOTEAMENTOS E DESMEMBRAMENTOS
CRIMINOSAMENTE EXECUTADOS
Este é o caso em que estelionatários que não são os
titulares de domínio de glebas ou terrenos que
agindo às vezes isoladamente ou sob a proteção
de empresas legalmente constituídas vendem
terrenos e promovem loteamentos e
desmembramentos de terrenos que não são seus.
QUADRO 2 – TIPOLOGIAS DE LOTEAMENTOS INFORMAIS
Fonte: Lehfeld (1988). Adaptado pela autora.
O fato é que a natureza da relação estabelecida entre a cidade
formal e as ocupações irregulares teve seu enfoque alterado com o passar
do tempo, conforme expõem Soares e Soares (2005, p. i):
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Throughout this period of expansion, the nature of the relationship between the formal city and the favelas likewise changed, going from initial indifference, to rejection, to a more sympathetic and tolerant attitude. These changes in perception were accompanied by a dynamic response to the urbanization challenges mentioned above, with different administrations promoting policies that ranged from eradication and forced removal to urbanization and inclusion18.
Com o passar dos anos e em função do maior interesse sobre a favela
como objeto de estudo, Valladares (2005) alerta para a definição de três
dogmas em relação a este espaço urbano segregado da metrópole.
O primeiro dogma trata da especificidade da favela, em função de
sua história particular e de seu crescimento diferente dos demais bairros. O
segundo está associado com a idéia amplamente compartilhada quanto à
sua natureza, ou seja, corresponde ao lócus da pobreza. Por fim, o terceiro
dogma afirma a unidade da favela, quer seja na análise científica ou no
plano político. Embora esta seja pensada no singular, corresponde a uma
realidade múltipla.
2.3.2 Risco, vulnerabilidade social e intervenções urbanas
Cabe abordar o conceito do termo risco, já que é uma expressão
recorrente quando se trata de ocupações irregulares. Três conceitos estão
relacionados (IPEA/PNUD, 1985 apud COHEN, 2004, p. 33):
18 Durante este período de expansão, a natureza da relação entre a cidade formal e as favelas mudaram igualmente, indo de uma inicial indiferença, para a rejeição, para uma atitude mais simpática e tolerante. Estas mudanças de percepção foram acompanhadas por uma resposta dinâmica aos desafios de urbanização mencionados acima, com diferentes administrações promovendo políticas que variavam da erradicação e remoção forçada à urbanização e inclusão. (Tradução da autora)
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a) Risco direto: seria a probabilidade de que um determinado
evento ocorra multiplicado pelos danos causados por seus efeitos;
b) Risco de acidentes de grande porte (catástrofes): seria um caso
especial em que a probabilidade de ocorrência do evento seria
baixa, mas suas conseqüências seriam muito prejudiciais;
c) Risco percebido pelo público: quando a percepção individual
poderia ser cognitiva ou emocional. Por outro lado, a percepção
viria com o reconhecimento de que o risco envolveria questões
culturais e que a percepção social interagiria com a percepção
individual de uma forma complexa. A percepção mudaria com o
tempo, com a queda da crença de valores administrativos,
técnicos e mesmo científicos, baseados em inúmeros fracassos.
Os riscos até então apresentados podem ser associados ao conceito
de vulnerabilidade. Trata-se de um termo empregado em diversas áreas do
conhecimento, mas que tem recebido especial atenção das ciências
sociais. Segundo Deschamps (2004, p. 19):
[...] a vulnerabilidade social se encontra diretamente relacionada com grupos socialmente vulneráveis, ou seja, indivíduos que, por determinadas características ou contingências, são menos propensos a uma resposta positiva mediante algum evento adverso. Nesses termos, a noção de risco torna-se fundamental para o desenvolvimento do estudo da vulnerabilidade.
Deschamps (2004) reforça ainda que a produção de um risco, dano
ou fragilidade pode ter um caráter endógeno ou exógeno, estando
igualmente atrelado à incapacidade de resposta a determinadas
contingências.
Ribeiro (2006) propôs a seguinte classificação19 (Quadro 3).
19 Tais riscos foram identificados em comunidades carentes de João Pessoa (Paraíba). No entanto, correspondem a realidades comuns nas periferias das grandes metrópoles brasileiras.
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CATEGORIAS DE RISCO DESCRIÇÃO MOTIVOS
RISCOS AMBIENTAIS
a. Inundações b. Contaminações por
via hídrica c. Desabamentos
- Ocupações de várzeas de rios - Falta de saneamento e inundações - Ocupações junto a barreiras e pendentes acentuadas
RISCOS OPERACIONAIS
a. Risco de acidentes b. Exposições
ambientais de risco ou insalubres
- Ocupação de faixas ferroviárias ou rodoviárias - Ocupações sob linhas de transmissão elétrica de alta tensão
RISCOS HABITACIONAIS
a. Vulnerabilidade e
fragilidade habitacional
b. Insalubridade das habitações
- Estrutura e materiais construtivos frágeis ou inflamáveis - Estruturas instáveis - Dificuldade de acesso de salvamento e resgate - Precárias condições habitacionais, infra-estruturais e de lavabilidade de suas envoltórias..
RISCOS MOTIVADOS POR FALTA DE RECURSOS BÁSICOS
a. Risco de insuficiência alimentar
b. Tensões na luta pela sobrevivência
- Dificuldade de acesso à aquisição de alimentos adequados e suficientes / Desnutrição - Dificuldades de acesso às necessidades mínimas - Dificuldade de acesso a tratamentos de saúde adequados
RISCOS SOCIAIS
a. Violência b. Reduzidas
oportunidades e possibilidades de formação
c. Indignação e tensões d. Redução de auto-
estima
- Alto nível de exposição a riscos e vitimação - Baixíssimo nível de atendimento público (Infra-estrutura, equipamentos e serviços públicos) - Preconceito social e segregação
QUADRO 3 – CATEGORIAS DE RISCO
Fonte: Ribeiro; Silva, Ribeiro (1994 apud RIBEIRO, 2006, p. 89)
O que fica evidente é a estreita relação entre degradação ambiental
e localização de comunidades carentes e informais, o que apesar de ocorrer
em pontos geográficos específicos, afeta sensivelmente a cidade como um
todo. Em função da situação em que determinada ocupação irregular se
encontra, vários são os riscos que estão submetidos os moradores locais.
Quando se trata de intervir fisicamente em áreas degradadas ou de
risco, algumas soluções podem ser empregadas de acordo com a realidade
65
local. A seguir, apresenta-se um “menu técnico” sugerido por Figueiredo
(1994, p. 37) elencando macrotipos de intervenções e suas características.
a) Assentamento: Quando as obras são realizadas sem remoções e
permitem a ocupação ordenada da área resultante por unidades
habitacionais.
b) Reassentamento: Idem ao anterior, mas com remoções. Neste
caso, a ocupação é feita pelos próprios moradores que foram
removidos.
c) Urbanização: A área resultante destina-se ao uso comum, isto é,
praça, quadra de esportes, construção de equipamentos públicos
etc.
d) Reurbanização: Idem ao anterior, com a diferença de que a área
resultante retornará a sua função original.
e) Recuperação: Quando as obras apenas “consertam” os estragos,
sem haver ocupação ordenada ou uso comum.
Neste panorama, também pode ser acrescentada a questão da
desapropriação. Segundo Silva (1999, p. 256), este termo:
Derivado do verbo desapropriar (tirar a propriedade de alguém sobre certa coisa), é de aplicação, na terminologia jurídica, para indicar o ato, emanado do poder público, em virtude do qual declara desafetado (desclassificado) ou resolvido o domínio particular ou privado sobre um imóvel, a fim de que, a seguir, por uma cessão compulsória, o senhor dele o transfira para o domínio público.
No Estatuto da Cidade (2005), a desapropriação é prevista com o
objetivo de promover a reforma urbana, ou seja, a transformação da
cidade. Portanto, constitui “um instrumento destinado a garantir o
cumprimento da função social da propriedade” (BRASIL, 2005, p. 104).
A valoração da propriedade é diretamente proporcional à oferta de
infra-estrutura e serviços urbanos. Segundo Romanelli (2007), neste processo
de valoração, os tipos de planejamento e de gestão urbana adotados por
66
parte do município podem resultar em duas situações antagônicas: a
garantia de maior qualidade de vida em tais assentamentos, e elevação
considerável do custo e do valor dos empreendimentos imobiliários. A
conseqüência é o estabelecimento de um mercado dual caracterizado por
ser formal e informal.
De acordo com Cabrita (2001), no caso de uma intervenção, alguns
princípios gerais devem regê-la:
a) Considerar as dinâmicas sociais e econômicas, próprias dos locais
de intervenção, e compreender a transformação de tais bairros,
inicialmente, do ponto de vista físico, mas com objetivos a longo
prazo de desenvolvimento urbano;
b) Conduzir as transformações segundo três níveis convergentes e
harmonizados pelo planejamento técnico e pela estratégia social:
b.1) Transformações ao nível das habitações;
b.2) Construção de infra-estruturas e espaços exteriores da vizinhança
próxima;
b.3) Introdução das principais infra-estruturas e espaços públicos,
realizada pela promoção pública como fruto das lutas urbanas.
c) Dinamizar a economia local;
d) Dignificar na construção popular a autonomia e a
responsabilidade dos profissionais e sua capacidade de realizar o
projeto, participando na racionalização e otimização do processo
de projeto em geral e de cada uma de suas fases;
e) Adaptar as inovações técnicas e tecnológicas promovidas em
outros domínios da construção e que possam melhorar a eficácia
da produção social do habitat popular por via auto-gestionária
na sua complexidade.
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Conforme Yanes (2001), para que os processos de reordenamento
urbano e reabilitação física de bairros permitam difundir e aplicar, de
maneira maciça, inovações tecnológicas no setor construtivo, alguns
aspectos devem ser levados em consideração:
a) A vontade da população de levar adiante programas de
investigação e desenvolvimento tecnológico, em acordo com
suas necessidades e capacidades;
b) O potencial de organização das comunidades, permitindo sua
participação na construção e produção de seu habitat;
c) A disponibilidade de recursos materiais, humanos e financeiros
que, conjugados, propiciarão o desenvolvimento tecnológico.
Se uma determinada intervenção tem como objetivo reintegrar
assentamentos ilegais ao tecido urbano, novas concepções devem ser
adotadas de forma a promover inovações tanto quanto ao modelo de
desenvolvimento urbano preconizado como ao modelo tecnológico na
execução das obras (CAMPOS, 2001).
Paradigmas urbanísticos devem ser revistos, pois o que se verifica na
atualidade é a falência dos modelos convencionais de intervenção, razão
pela qual não se obtêm êxitos sociais e urbano-ambientais desejados e nem
se promove a reintegração espacial de ocupações urbanas irregulares.
2.3.3 Habitação e habitabilidade urbana
Essencialmente, são dois os sistemas que configuram o ambiente
urbano: o sistema natural (meio físico e biológico) e o sistema antrópico
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(intervenções humanas no meio físico e biológico). Desta forma, pode-se
dizer que (MOTA, 1999, p. 27):
[...], uma cidade não funciona como um ambiente fechado, onde o homem possa encontrar tudo que necessita. Assim, a cidade deve ser entendida como um sistema aberto, funcionando de forma dependente de outras partes do meio ambiente geral.
Com relação ao sistema antrópico, Mendonça (2004) denomina de
subsistema social o responsável pela dinâmica do sistema em si, por meio de
ações humanas em conjunto com fenômenos da natureza e supra-humanos,
ou seja, questões que fogem ao controle da sociedade em função do seu
grau de impacto. Trata-se de um sistema aberto e complexo, que pode
gerar ainda vários outros subsistemas.
É evidente que os elementos20 que constituem o espaço interagem de
forma contínua e interdependente. No entanto, Santos (1992, p. 8) levanta a
questão sobre a distinção entre o meio ecológico e as infra-estruturas:
Na medida em que as infra-estruturas se somam e colam ao meio ecológico, e se tornam na verdade uma parte inseparável dele, não seria uma violência considerá-los como elementos distintos? Ademais, a cada momento da evolução da sociedade, o homem encontra um meio de trabalho já constituído sobre o qual ele opera e a distinção entre o que se chamaria de natural e não natural se torna artificial.
De qualquer forma, os elementos apresentados a seguir configuram o
que Santos denominou de estrutura espacial, ou seja, (SANTOS, 1992, p. 17):
[...] uma combinação localizada de uma estrutura demográfica específica, de uma estrutura de produção específica, de uma estrutura de renda específica, de uma estrutura de consumo específica, de uma estrutura de classes específica e de um arranjo específico de técnicas produtivas e organizativas utilizadas por aquelas estruturas e que definem as relações entre os recursos presentes.
A tensão existente entre os diversos elementos que compõe a estrutura
de uma cidade é uma condição necessária e, em certa medida, desejável
para sua existência (SANTOS, 1988).
20 Segundo Santos (1992), podem ser enumerados os seguintes elementos constituintes do espaço: homens, firmas, instituições, meio-ecológico e infra-estruturas.
69
A qualidade do ambiente onde se desenvolvem as atividades
humanas pode ser avaliada com base em indicadores muito claros. Tais
indicadores costumam, no entanto, apontar muita mais as deficiências ou
carências ambientais do que as potencialidades. (CASTELLO, 1998)
Como exemplos de indicadores, podem ser citados aqueles relativos
às condições habitacionais nas regiões metropolitanas produzidos pela
Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílios (PNAD’s), tais como: tipo de
domicílio, condições de saneamento, número de cômodos do domicílio e
condição de ocupação. (LAGO; RIBEIRO, 1996)
Da mesma forma, costuma-se fazer referência ao Índice de Pobreza
Urbana (IPU), desenvolvido pelas Nações Unidas, e a partir do qual a
pobreza pode ser analisada em múltiplas dimensões. Na mesma linha,
existem os indicadores relativos ao atendimento das necessidades básicas,
conhecido como Necessidades Básicas Insatisfeitas (NBI), ainda que estes
variem de acordo com níveis mínimos de provisão exigidos em circunstâncias
diversas (BRAKARZ, 2002).
Passando da escala do ambiente para a escala da unidade
habitacional, dois conceitos podem ser abordados: habitação e moradia.
Para Santos (1999, p. 10), a habitação é entendida como um bem que
possui as seguintes especificidades:
(1) A habitação é um bem muito caro, de modo que sua comercialização depende muito de esquemas de financiamento de longo prazo aos demandantes finais.
(2) A habitação é uma necessidade básica do ser humano, de modo que toda família é uma demandante em potencial do bem habitação.
(3) A habitação responde por parcela significativa da atividade do setor de construção civil, que, por sua vez, responde por parcela significativa da geração de empregos e do PIB da economia.
Cohen (2004) entende que existe uma diferença conceitual entre os
termos habitação e moradia. A habitação corresponderia à (COHEN, 2004,
p. 101):
70
ação de habitat de um espaço, no qual a moradia consiste no elemento estático da habitação (habitat-ação). Dessa forma a rua, a escola, o local de trabalho, o lugar do lazer, o hospital, entre outros, são consideradas também habitações temporárias, onde os seres humanos passam a maior parte do dia.
À habitação poderiam ser atribuídas algumas funções, visto que se
trata de uma questão cuja dimensão em termos sociais é significativa.
Segundo Cohen (1993 apud COHEN, 2004), são as seguintes:
a) Função física: associada à noção de abrigo, proteção contra
intempéries e outras pessoas;
b) Função técnico-sanitarista: obediência a normas técnicas e
provimento de serviços de infra-estrutura e equipamentos urbanos;
c) Função sociocultural: lugar de respeito à cidadania e exercício do
direito de morar com qualidade, criando-se laços de identidade com
o lugar; e
d) Função psíquica: habitação entendida como respeito à
individualidade, privacidade e sociabilidade.
Considerando-se os conceitos acima expostos, o tema habitação
poderia (ou deveria) ser entendido como parte integrante do que se
classifica como serviço urbano, cuja necessidade de ser acessível à maioria
da população é premente.
Serviço urbano pode, então, ser compreendido como o atendimento
de demandas sociais geradas em relação a necessidades como:
saneamento (abast ecimento de água e rede de coleta de esgoto), energia
elétrica, drenagem pluvial, coleta de lixo, telecomunicações, saúde e
educação. Na visão de Santos (1988, p. 135), “os serviços de infra-estrutura
urbana e os equipamentos públicos são tão determinantes da estrutura das
cidades quanto o sistema viário ou o uso do solo”.
A moradia e seu déficit têm sido interpretados como necessidade de
reposição de unidades habitacionais inadequadas ou precárias. Neste
71
sentido, torna-se mais pertinente adotar o termo moradia. No entanto, uma
vez feita tal reposição é preciso conectar as unidades habitacionais aos
demais sistemas, o que invariavelmente gera custos significativos para
grande parcela da população.
Com este respeito, Maricato (2000, p. 82) argumenta:
O fato de o mercado legal não atingir as rendas médias inviabiliza as políticas públicas voltadas para as faixas de menor renda – cinco salários mínimos para baixo, onde se concentra o déficit habitacional brasileiro. [...] Salta aos olhos a irracionalidade de dar prioridade à baixa renda, quando camadas situadas mais acima não têm acesso à moradia.
Os serviços urbanos em linhas gerais normalmente são classificados
como públicos, ou seja, uma atribuição primordial do governo. De acordo
com Werna et al (2001, p. 28):
[...] entende-se que o serviço/bem público deve atender às necessidades coletivas, as quais variam consideravelmente entre os diversos países, entre as diversas realidades sociais, entre os vários períodos históricos.
No Brasil, a questão que envolve a atribuição de competências nas
diversas esferas do poder - principalmente desde a Constituição Federal de
1988, momento em que se reconheceu o município como sendo a menor
entidade da federação – tem aproximado de maneira crescente o setor
público e o setor privado, ainda mais quando diversos componentes21 dos
serviços urbanos encontram-se desarticulados.
Segundo Campos Filho (1999, p. 75):
Para que todos os cidadãos, mesmo os mais pobres, tenham possibilidade de acesso aos bens e serviços urbanos, especialmente e principalmente a uma moradia digna, é possível e necessário desenvolver uma nova política urbana de implementação imediata para o país.
O autor sugere a adoção de algumas medidas com o objetivo de
levar a cabo uma política preventiva. Em suas palavras, “passar do curativo
21 Segundo Werna et al (2001), tais componentes associados aos serviços urbanos correspondem ao planejamento, financiamento, execução e avaliação.
72
ao preventivo é um salto qualitativo na política nacional” (CAMPOS FILHO,
1999, p. 72). As medidas neste sentido seriam:
a) Deselitização dos padrões urbanísticos adotados, o que permitiria
baixar custos de serviços urbanos e facilitar o acesso aos mesmos
por parte da maior parcela da população;
b) Oferta mínima de serviços urbanos indispensáveis mediante
subsídio governamental nos casos em que a renda do usuário for
insuficiente para usufruto dos mesmos;
c) Combate às diversas formas de especulação imobiliária
existentes, tais como especulação derivada de: investimentos
públicos; alteração de zoneamento ou nos gabaritos das
edificações, permitindo maior verticalização; retenção de imóveis
vazios; não obediência à legislação urbanística, oferecendo
vantagens indevidas para o loteador e empreendedor imobiliário
ilegal; e leis fiscais imobiliárias (IPTU, por exemplo), que beneficiam
apenas algumas áreas da cidade;
d) Descentralização dos recursos públicos destinados ao urbano;
e) Repriorização do modelo econômico nacional de
desenvolvimento, do mercado externo e bens de luxo para o
mercado interno e bens populares, que são na sua maioria parte
da produção do espaço urbano;
f) Estabilização dos mercados imobiliários para dar-lhes condições
de desenvolvimento tecnológico.
Trata-se, portanto, do emprego de seis metas-meio, sendo as duas
primeiras “curativas” e “preventivas” e as quatro últimas “preventivas”. Desta
forma, atuariam como condições preliminares para “a obtenção de sucesso
na melhoria das condições de vida e da produtividade econômica das
cidades brasileiras” (CAMPOS FILHO, 1999, p. 79).
73
Considerando a condição em que se encontram as áreas ocupadas
ilegalmente, devem-se preconizar os aspectos relativos à saúde, tanto da
população residente quanto do próprio ambiente que a circunda, como
forma de avaliar a qualidade deste último em termos de habitabilidade.
Segundo Bonduki (2002 apud COHEN, 2004, p. 27):
O conceito Habitabilidade Urbana parte do pressuposto de que a habitação seria entendida em seu sentido macro, conjugando-se ao direito à cidade, ou seja, de estar inserida na malha urbana, baseada em sua relação com a rede de infra-estrutura e a possibilidade de acesso aos equipamentos públicos. Este conceito diz respeito à questão do pertencimento ao território urbano e da inclusão dentro de um amplo contexto urbano. Por meio do desenvolvimento deste conceito, também poderia se dar visibilidade ao pleno exercício de fruir, usufruir e construir um espaço com qualidade de saudável / habitável.
O que se depreende é que existe uma estreita ligação entre os
conceitos de habitabilidade, sustentabilidade e acessibilidade aos bens e
serviços públicos. Some-se a isso a própria noção de cidadania, quando se
coloca a questão do pertencimento em detrimento da segregação sócio-
territorial vigente.
O conceito de sustentabilidade no caso dos programas de
urbanização de favelas pode ser entendido, de acordo com Bueno (2002, p.
321):
A sustentabilidade é a conservação e constante sustentação das condições (físicas, sociais e políticas) que possibilitam que a urbanização seja realizada. Diz respeito, portanto, às estruturas de operação/manutenção e educação sanitária/ambiental criadas, à divisão de papéis e responsabilidades entre órgão público e a população moradora (diretamente e por suas comissões, representantes, etc.) e obviamente também à durabilidade física e bom funcionamento das instalações e equipamentos.
Numa escala menor de atuação, tem-se o conceito de habitabilidade
da unidade habitacional. Neste quesito, são abordados aspectos relativos à
qualidade de vida e conforto dos moradores, e atendimento de
necessidades físicas, psicológicas e socioculturais (BONDUKI, 2002 apud
COHEN, 2004).
74
Entende-se que para atingir um grau adequado de habitabilidade
urbana, faz-se necessário que a inserção de unidades habitacionais
aconteça de forma a atender requisitos mínimos. É evidente que a
demanda que se visa atender transcende os aspectos meramente
construtivos ou meramente de reordenamento territorial.
A extensão de serviços e infra-estrutura à população faz parte do que
se entende por direito à cidade. Mais do que isso, poder-se-ia acrescentar o
direito a viver na cidade com qualidade, de modo que se possa melhor
usufruir de espaços construídos ou requalificados. A noção de pertencimento
é uma importante variável deste processo, por permite, de certa forma, a
inclusão social, relacionando-se diretamente com a habitabilidade urbana.
Portanto, é evidente a necessidade de se criar padrões que associem
os usuários com as criações físicas do entorno, de forma a promover,
mediante o conjunto em integração, o alcance dos objetivos propostos
(OKAMOTO, 2002).
A urbanidade também pode ser associada à habitabilidade. Para
Kohlsdorf (1996, p. 15), a urbanidade baseia-se numa relação em que:
[...] cidadania está para a cidade, assim como urbanidade está para o urbano: possuem radicais comuns que, no encontro de seus significados, nos proporcionam os conceitos de dignidade e civilidade.
Mais do que isso, é possível enfatizar a própria relação com a forma da
cidade e das edificações, assim como envolve aspectos relativos à
acessibilidade de espaços públicos, por exemplo. Segundo Pereira (2003, p.
3):
As questões da urbanidade referem-se ao espaço como uma dimensão social, bem como as emoções, casualidade e oportunidade, complexidade e diferença, irresolvibilidade existencial de importantes contradições, e pensamento em cadeia versus pensamento linear e hierárquico.
Em se tratando de forma da cidade, alguns indicadores de
urbanidade foram levantados por Pereira (2003, p. 8 e 9):
75
a) Diversidade de usos do solo urbano;
b) Existência contínua de esquinas;
c) Flexibilidade no uso das edificações;
d) Densidade mínima necessária de pessoas;
e) Continuidade dos caminhos dos pedestres e continuidade das construções;
f) Existência de diferentes classes sociais utilizando um mesmo espaço.
Observa-se, portanto, que os conceitos de habitabilidade e
urbanidade se aproximam no sentido do conjunto de relações estabelecidas
na cidade de forma a caracterizá-la como um espaço de qualidade, em
todos os aspectos.
76
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Metodologia: são modalidades de ação para a
solução de problemas em um determinado campo
de investigação. Não tem um fim em si própria, mas
é ou deve ser apenas um instrumento de ação
adaptada a cada objeto de pesquisa ou estudo,
sem qualquer intenção de rotina ou receita
(FERRARA, 2004, p. 67).
77
3.1 MÉTODOS & TÉCNICAS DA PESQUISA
Método pode ser entendido como a opção por determinados
procedimentos sistemáticos que visam à descrição e explicação de uma
realidade. Desta forma, conforme a natureza do estudo seleciona-se o
método mais adequado. Sua validade está relacionada a dois aspectos: a
natureza do objeto a que se pretende aplicar e o objetivo da pesquisa
(FACHIN, 2003).
Neste sentido, o método utilizado neste trabalho foi o dedutivo, pois se
apoiou em teorias e leis de caráter mais amplo para então justificar a
ocorrência de fenômenos particulares. Neste caso, trata-se da ineficiência
dos padrões convencionais de planejamento urbano como uma das causas
da segregação urbana, consequentemente configurando a cidade
informal.
Trata-se de uma pesquisa de natureza aplicada, visto que objetiva a
geração de conhecimentos que possam ser aplicados na prática. Neste
caso, o foco é a problemática das ocupações irregulares.
Metodologicamente, a fase inicial melhor se enquadra na linha de
pesquisa exploratória, cujo objetivo é “proporcionar maior familiaridade com
o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses”
(GIL, 1991, p. 45). É neste momento que se levantam aspectos pertinentes
para justificar a investigação sobre o tema.
O tipo de pesquisa adotado é a revisão bibliográfica, apoiando-se em
literatura já consagrada como forma de embasar a discussão sobre a
problemática habitacional e o surgimento da periferia degradada, com
foco nas ocupações irregulares inseridas no contexto de uma metrópole.
78
Num segundo momento, parte-se para a fase descritiva mediante o
emprego da pesquisa documental, ou seja, “coleta, classificação, seleção
difusa e utilização de toda espécie de informações, compreendendo
também as técnicas e métodos que facilitam sua busca e sua identificação”
(FACHIN, 2003, p. 136).
Nesta fase também são estabelecidos os fatos e variáveis observáveis.
Por variável entende-se “um aspecto ou dimensão de um fenômeno – ou
propriedade desse aspecto ou dimensão – que em dado momento da
pesquisa pode assumir diferentes valores” (FACHIN, 2003, p. 73).
As variáveis ditas situacionais e suas respectivas interferências na
implementação, execução e resultados esperados de um dado programa
precisam ser consideradas. Neste sentido, as pesquisas de caráter qualitativo
oferecem uma nova forma de avaliar políticas e programas sociais,
enfatizando com maior expressividade o processo de uma ação
programada e sua relação com os diversos autores envolvidos (BARREIRA,
2000).
O estabelecimento dos fatos e variáveis observáveis levou em
consideração a metodologia projetual atualmente empregada por órgãos
atuantes no setor da habitação. Neste caso, a Companhia de Habitação do
Paraná - COHAPAR.
Posteriormente, definiu-se um método para desenvolver a leitura sócio-
espacial de projetos urbanos em ocupações irregulares, ou seja, a
configuração de um esquema simplificado em que as variáveis e fatos
observáveis foram estruturados e devidamente inter-relacionados segundo
critérios que se julgaram relevantes na concepção de intervenções
urbanísticas em ocupações irregulares. A incorporação de aspectos relativos
à percepção ambiental é entendida como uma forma de agregar
qualidade ambiental em tais empreendimentos.
79
A últ ima fase da pesquisa é avaliativa e pretende averiguar a
pertinência de se adotar a percepção ambiental, mediante leitura dos
espaços urbanos propostos neste estudo, como componente do processo
de planejamento urbano.
Segundo Ornstein (1992, p. 18):
As pesquisas avaliativas, no campo das ciências sociais, objetivam coletar, analisar e interpretar sistematicamente informações a propósito da implementação e eficiência de quaisquer intervenções humanas, para otimizar condições sociais e comunitárias.
Dois tipos de avaliações neste sentido podem ser identificados
(ORNSTEIN, 1992):
a) Avaliação técnica: Abrangem ensaios em laboratório ou in loco, ou
seja, com ou sem o controle das condições ambientais de
exposição.
b) Avaliação comportamental: Trata-se da avaliação técnica somada
ao ponto de vista dos usuários. Avalia as expectativas
psicocomportamentais dos usuários.
No caso desta pesquisa, optou-se pela avaliação comportamental
mediante a realização de entrevistas com os moradores da Vila Zumbi dos
Palmares. Existem duas vertentes em relação à forma como a expressão
avaliação participativa tem sido abordada. Num primeiro caso, busca-se
legitimar a utilização prática de determinada avaliação, aumentando sua
relevância junto aos envolvidos no processo; numa segunda instância, a
avaliação pode ser encarada como um instrumento de transformação da
realidade, visando rebater modelos que negligenciavam as reais
necessidades sociais e econômicas das populações menos favorecidas
(BARREIRA, 2000).
O estudo de caso é utilizado como forma de promover a avaliação
pretendida. Os propósitos, neste sentido, são (GIL, 2002):
80
a) Explorar situações da vida real cujos limites não estão claramente
definidos;
b) Descrever a situação do contexto em que está sendo feita
determinada investigação;
c) Formular hipóteses;
d) Explicar as variáveis causais de determinado fenômeno em
situações muito complexas que não possibilitam a utilização de
levantamentos e experimentos.
Importante lembrar que a pesquisa desenvolvida abrange aspectos
concernentes à arquitetura e ao urbanismo, mas igualmente aborda
aspectos relativos às ciências sociais. Existem algumas diferenças
fundamentais entre as demandas de cada campo. No primeiro caso, a
primazia é dada à síntese enquanto resultado final, ao passo que no
segundo caso buscam-se, sobretudo, processos de análise. Portanto,
segundo Ornstein (2005, p. 160):
Quando se consegue romper ou minimizar estas diferenças de procedimentos entre ciências sociais e a arquitetura, o urbanismo e o design num processo comum de atividades interdisciplinares, o impacto no desenvolvimento de projetos ambientais mais conseqüentes em termos da intervenção física, do ponto de vista da sustentabilidade e do homem a quem se destina, é visivelmente positivo.
Neste sentido, fez-se a avaliação de projeto desenvolvido e
implantado em uma ocupação irregular na RMC, realizada no âmbito
estatal (COHAPAR), mediante averiguação dos procedimentos
metodológicos adotados e resultados alcançados em cada situação.
81
3.2 MÉTODO DA LEITURA SÓCIO-ESPACIAL
A intervenção urbana em assentamentos irregulares pode ser dividida
em duas etapas. Na primeira, faz-se o levantamento padrão de informações
a respeito do local e das condições em que os mesmos se encontram. Como
mencionado anteriormente, a definição do projeto segue as etapas de
estudo preliminar, cadastramento, concepção do projeto e execução, em
conformidade com as viabilidades urbanísticas, programáticas, financeiras,
jurídicas, sociais e físico-territoriais.
Algumas necessidades urbanas são prementes, ou seja, não cabe
serem questionadas sobre a pertinência de serem implantadas ou não, caso
dos serviços e infra-estrutura urbanos entendidos como essenciais. No
entanto, compreender as necessidades da comunidade local num sentido
mais amplo é um processo muito mais complexo tanto para os técnicos
quanto para os moradores.
A segunda etapa corresponde, portanto, à avaliação da forma como
o espaço produzido foi apreendido pelas pessoas residentes. Por questões
diversas, este acompanhamento torna-se quase inexistente, muito
provavelmente em função do seu grau de complexidade e pela
necessidade de multidisciplinaridade.
Com base na metodologia desenvolvida por Malard et al (2002), tem-
se o seguinte diagrama (Figura 3).
82
FIGURA 3 – METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO QUALITATIVA DO MEIO AMBIENTE POR
INTERMÉDIO DA LEITURA ESPACIAL.
Fonte: Malard et al (2002). Adaptado pela autora.
Segundo esta metodologia, a leitura espacial é intermediada pela
realização de observações sistemáticas in loco, como forma de verificar
conflitos existentes. Os conflitos identificados são analisados de modo a criar
novas espacializações, ou seja, estabelecimento de novos usos.
Neste sentido, avaliar o modo de ser de um dado fato social no
espaço, ou seja, avaliar espacializações torna-se um instrumento efetivo na
busca pela apreensão dos espaços arquitetonicamente produzidos. A
identificação de conflitos arquitetônicos denuncia a necessidade de revisão
das espacializações criadas (MALARD ET AL, 2002).
É neste momento que deve ser considerada a viabilização da
participação comunitária no projeto, ou até que ponto ela deveria fazer
parte da sua concepção. Segundo Malard et al (2002, p. 247):
A literatura que trata do assunto geralmente se restringe a discutir a participação dos usuários nos processos decisórios, no âmbito do planejamento e gestão urbanos. Trata-se, portanto, de uma participação nas decisões sobre políticas a serem adotadas. O caso do projeto arquitetônico participativo demanda a participação dos usuários nas decisões sobre as soluções técnicas e projetuais. São, portanto, níveis diferentes de participação, os quais implicam em inserções diferenciadas dos atores.
Existem técnicas diferenciadas de APO que podem ser aplicadas
conforme o caso em estudo. No Quadro 4 é possível identificar conceitos
OBSERVAÇÕES SISTEMÁTICAS
VERIFICAÇÃO DE CONFLITOS
CRIAÇÃO DE NOVAS
ESPACIALIZAÇÕES
AVALIAÇÃO
QUALITATIVA DO MEIO AMBIENTE
ANÁLISE DE CONFLITOS
LEITURA ESPACIAL
83
relativos a três técnicas levantadas (PREISER, 1989 apud ORNSTEIN, 1992) e
que estão diretamente relacionadas com os prazos de avaliação.
TÉCNICAS DE APO
INDICATIVA (curto prazo)
INVESTIGATIVA (médio prazo)
DIAGNÓSTICO (longo prazo)
Proporciona, através de rápidas visitas exploratórias do ambiente em questão e entrevistas selecionadas com usuários-chave, indicação dos principais aspectos positivos e negativos do objeto de estudo.
Trata-se do nível anterior acrescido de explicitação de critérios referenciais de desempenho.
Define detalhadamente critérios de desempenho, utilizando técnicas sofisticadas de medidas e correlacionando aquelas físicas com as respostas dos usuários, tendo-se em mente a estrutura organizacional da entidade. Exige recursos bem maiores do que os níveis anteriores.
QUADRO 4 – TÉCNICAS DE APO
Fonte: Preiser, 1989 apud Ornstein, 1992. Adaptado pela autora.
Para a definição da metodologia de avaliação aqui proposta,
considerou-se a técnica indicativa, mediante a realização de entrevistas
visando observar as condições físicas pós-intervenção e travar contato com
os moradores, a fim de averiguar a forma como os mesmos responderam às
mudanças implementadas pelo projeto.
Optou-se pela consideração do antes e do depois como a forma de
investigar a percepção que os moradores têm do local onde moram. Esta
comparação também possibilita levantar o foco de atenção dos moradores
em relação às melhorias mais significativas.
Inicialmente, previu-se a abordagem das seguintes perguntas junto aos
moradores:
1. Antes da intervenção, o que era bom e o que era ruim na
Vila?
2. Depois da intervenção, o que melhorou e o que piorou na
Vila?
84
Logo no início da aplicação teste, observou-se que os moradores não
conseguiam apontar nenhum aspecto positivo sobre a comunidade, antes
da intervenção urbana. Da mesma forma, nada piorou significativamente
em relação ao que já existia, visto que as condições anteriores eram
demasiadamente precárias. A execução do projeto em si foi vista como a
grande melhoria. Portanto, as perguntas sobre os pontos positivos de antes e
o que piorou posteriormente foram excluídas da entrevista.
Evidentemente que, apesar das melhorias obtidas, os moradores ainda
não estavam totalmente satisfeitos com o bairro em que moram. Desta
forma, foram acrescentadas duas perguntas, como forma de investigar
necessidades ainda não preenchidas pelo programa:
3. O que ainda falta na Vila Zumbi dos Palmares para torná-la
melhor?
4. Se você pudesse se mudar para qualquer outro bairro,
independente da sua condição financeira, qual seria? Quais as
características deste bairro?
A última indagação surgiu não diretamente relacionada à área em
estudo, e sim como forma de identificar o que os moradores poderiam
mencionar como referência de bairro de qualidade e as características
valorizadas no local de destino.
A definição do universo de abrangência e validade da amostra teve
como base a consideração da seguinte fórmula estatística para populações
finitas (até 10.001 habitantes), caso da área de estudo que possui um total
de 6.649 pessoas:
n = (? 2xpxqxN) / (e2x(N-1)+ ? 2xpxq)
Sendo:
? – nível de confiança escolhido (1= 68%, 2 = 95% e 3 = 99%)
p – porcentagem com a qual o fenômeno deve se verificar
q – porcentagem complementar (100-p)
85
e – erro máximo permitido (de 3% a 5%, em pesquisas sociais)
N – universo
n – amostra
Optou-se pelo número mínimo de respondentes (percentagem mínima
de 10% para verificação do fenômeno), até em função da repetição de
respostas verificadas logo no início da pesquisa de campo. Desta forma, o
número necessário de entrevistas a serem realizadas foi de 140.
De modo a viabilizar a leit ura, fez-se necessário definir variáveis
passíveis de observação, considerando a realidade local e o não
convencionalismo de sua estruturação. Com base em conceitos
desenvolvidos por autores como Pereira (2003), Malard et al (2002), Lynch
(1997) e Ornstein (1992), chegou-se ao esquema de leitura espacial
apresentado pela Figura 4.
A leitura está essencialmente baseada na relação que se estabelece
entre o ambiente construído e o comportamento humano (RAC’s). Portanto
estas seriam as variáveis de partida e que foram desdobradas segundo
outros critérios pertinentes à investigação. A consideração da componente
ambiental está atrelada à qualidade de vida local, portanto, entendeu-se a
percepção como fonte de informações importante neste sentido.
86
FIGURA 4 – ESQUEMA DE LEITURA SÓCIO-ESPACIAL PARA PROJETOS URBANOS Fonte: Desenvolvido pela autora.
O grande objetivo na definição deste método de leitura sócio-espacial
é avaliar o espaço urbano em estudo de forma qualitativa, ou seja, analisar
dados levantados na pesquisa por meio do que se convencionou chamar
de leitura vivenciada. É importante ressaltar que se busca associar duas
visões diferenciadas: a do técnico e a do morador.
Ao caracterizá-las de maneira separada não se pretende fortalecer
contrastes ou incongruências de pontos de vista. Ao contrário, a intenção é
comprovar que a sua complementaridade é o fator de agregação de
qualidade na proposição de programas e implantação de projetos
AMBIENTE CONSTRUÍDO
COMPORTAMENTO HUMANO
Aspectos físico-espaciais e morfológicos
Aspectos psico-sociais e culturais
HABITABILIDADE
URBANIDADE
IMAGEABILIDADE
ANÁLISE DE CONFLITOS
ANÁLISE DE NECESSIDADES
ESPACIALIZAÇÕES EXISTENTES Leitura
Vivenciada
Identificação de abordagens urbanísticas
Geração de novas espacializações
Avaliação qualitativa do espaço urbano
FEEDBACK DO
PROJETO URBANO
SUBSÍDIOS PARA
NOVAS INTERVENÇÕES
URBANAS
87
urbanísticos em ocupações irregulares. Some-se a isto a intenção de facilitar
a descrição do processo de leitura, por meio de uma simplificação didática.
A primeira grande variável corresponde ao ambiente construído.
Valorizam-se seus aspectos estruturais, englobando, portanto, características
físico-territoriais e morfológicas. Associam-se a esta variável habitabilidade,
urbanidade e imageabilidade.
No caso da habitabilidade, são analisados os requisitos mínimos em
qualquer assentamento urbano, tais como a existência de infra-estrutura,
serviços e equipamentos, e habitação que interferem na qualidade de vida
dos moradores. A acessibilidade é inerente a este quesito.
A urbanidade é empregada no sentido de verificar as seguintes
questões, conforme Pereira (2003): diversidade de uso do solo urbano;
flexibilidade no uso das edificações; e continuidade dos caminhos dos
pedestres e das construções.
A imageabilidade vincula-se à capacidade de se gerar estrutura,
significado e identidade com o lugar, buscando-se criar referências locais
que venham a facilitar a apreensão do espaço urbano por parte de quem o
utiliza. De acordo com Kashiwagi (2004, p. 78):
As transformações no espaço ocorrem diariamente, surgem locais de referência, que se transformam em pontos de referência à medida que se tornam espaços de identificação e de expressão urbana, ou seja, à medida que esses locais relacionam-se com o homem pelos sentimentos e vivências. Dessa forma, o urbano da cidade se constrói.
A segunda grande variável corresponde ao comportamento humano,
analisado sob as seguintes óticas: conflitos existentes; necessidades a serem
preenchidas; e espacializações existentes, ou seja, a forma como
determinados espaços são utilizados de fato no momento da leitura
espacial.
A variável mediadora desta relação é a percepção ambiental. Do
cruzamento das percepções acerca do ambiente construído e do
88
comportamento humano, segundo os critérios de análise adotados em cada
caso, estabelecem-se duas leituras: uma técnica e outra vivenciada.
A leitura técnica é entendida como a visão do planejador urbano
segundo investigação de elementos que estruturam dado espaço. A leitura
vivenciada parte da percepção e das experiências dos moradores em
relação ao bairro. Neste momento são levantadas incompatibilidades
quanto ao uso e quanto ao hábito, cujos objetivos são:
a) Identificar possíveis abordagens urbanísticas, ou seja, apontar
novos rumos ou corrigir os já implementados na intervenção de
forma a se aproximar das reais necessidades locais;
b) Gerar novas espacializações, como forma de corrigir maus usos
ou subutilização de espaços com potencial de apropriação por
parte dos moradores;
c) Avaliar qualitativamente o espaço urbano resultante do projeto
urbano, apontando melhorias significativas na qualidade de vida.
Essencialmente, dois aspectos podem ser apontados como metas-fins
no processo de leitura espacial de determinada área de estudo. O primeiro
aspecto relaciona-se com a APO, ou seja, visa promover a retroalimentação
do projeto urbano inicialmente proposto, redefinindo formas de se alcançar
resultados mais satisfatórios. O segundo aspecto é o que pode ser
determinante na otimização de novas intervenções similares, uma vez que se
buscam gerar subsídios de gestão urbana.
Esta metodologia proposta pode ser utilizada para leituras de projetos
urbanos com diferentes escalas de abordagem, conforme aquelas
apresentadas por Lamas (2004) e que são apresentadas no Quadro 5.
89
ESCALAS DE ABORDAGEM EM PROJETOS DIMENSÃO SETORIAL
(ESCALA DA RUA) DIMENSÃO URBANA
(ESCALA DO BAIRRO) DIMENSÃO TERRITORIAL (ESCALA DA CIDADE)
• Edificações • Traçado • Parcelamento do
solo • Estruturas verdes
• Traçado • Praças • Quarteirões • Monumentos • Áreas verdes
• Bairros • Grandes infra-
estruturas viárias • Zonas verdes
QUADRO 5 – ESCALAS DE ABORDAGEM EM PROJETOS
Fonte: Lamas (2004). Adaptado pela autora.
No caso da Vila Zumbi dos Palmares, a escala de abordagem
escolhida é a correspondente à dimensão setorial, ou escala da rua. Por
abranger elementos primordiais na reest ruturação espacial de uma
ocupação irregular, é o que pode ser mais facilmente reconhecido pelo
morador já que é uma influência imediata em seu cotidiano. Também
poderia ser entendido como uma dimensão de base para a apreensão do
espaço urbano.
Evidente que conforme a escala de intervenção e o grau de
consolidação e uma determinada área de estudo, a mesma metodologia
pode ser aplicada, porém considerando as devidas adaptações.
Uma vez consideradas as variáveis passíveis de serem observadas,
atingiu-se o primeiro objetivo específico que era:
Determinar os procedimentos metodológicos e os critérios adotados na
leitura sócio-espacial da área em estudo, associando subsídios da
percepção ambiental neste processo.
A aplicação desta metodologia de leitura sócio-espacial desenvolvida
neste capítulo visa avaliar o estudo de caso proposto nesta dissertação,
referente ao projeto urbano implementado na Vila Zumbi dos Palmares,
município de Colombo na Região Metropolitana de Curitiba.
4 ESTUDO DE CASO
91
4.1 REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA E A QUESTÃO HABITACIONAL
Curitiba é uma cidade cuja notoriedade se deu principalmente pela
forma de condução de seu planejamento e desenvolvimento urbano.
Tornou-se uma referência tanto nacional quanto internacional, mérito
atribuído ao sistema de transportes, às políticas ambientais e à própria
gestão urbana.
Como toda metrópole, apresente potencialidades e deficiências,
sobretudo em função do seu poder de atração e concentração de
significativas atividades e serviços como núcleo da mais importante região
metropolitana do estado do Paraná.
A Região Metropolitana de Curitiba (RMC) foi criada no início dos anos
7022, contando, então, com a disponibilização de incentivos provenientes do
governo federal que visavam melhoramentos em infra-estrutura.
Com o crescimento explosivo e desordenado da malha urbana,
surgem em torno da metrópole, cinturões de pobreza, que ficam expostos a
todas as conseqüências geradas pela falta de infra-estrutura, sendo a
violência o fenômeno que se acentua a cada ano. Aliado à escassez de
investimentos públicos, este fenômeno compromete progressivamente e às
vezes de maneira dramática as condições de vida da população periférica,
com reflexos negativos no tecido urbano como um todo e no meio
ambiente, em particular, onde se desenha um quadro de degradação e
irreversibilidade. 22 A Região Metropolitana, como tal, passou a existir nos contextos jurídico e urbanístico brasileiro a partir de 1973, sendo fruto da Lei Complementar Federal n° 14 que, além de instituir as primeiras regiões metropolitanas brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza), estabeleceu igualmente seu modelo de organização administrativa. O objetivo em torno de sua instituição estava atrelado à execução de serviços públicos de interesse comum aos municípios integrantes, sendo que o perfil de gestão adotado era bastante centralizador.
92
O impacto desta alta taxa de crescimento sobre o espaço urbano
intensificou-se a partir da década de 80, quando a extinção do BNH diminuiu
drasticamente a oferta de habitação popular. Aliados ao agravamento da
situação econômica do país, estes fatos geraram um intenso processo de
sub-habitação em ocupações irregulares, caracterizados como focos de
degradação, violência e risco para a população ali assentada e para a
cidade como um todo.
Na seqüência (Figura 5), é possível verificar a intensa expansão da
mancha urbana configurando a RMC no período de 10 anos.
FIGURA 5 – EVOLUÇÃO DA MANCHA URBANA NA RMC
Fonte: COMEC (2000) apud Deschamps 2004, p. 54.
Em comparação com outras regiões metropolitanas, verifica-se um
comportamento atípico em termos de concentração populacional. Mesmo
quando a comparação se faz no cenário estadual, a situação se repete,
refletindo a exacerbação do movimento concentrador nos arredores de
Curitiba.
Segundo Ultramari e Moura (1994), dois fatores podem ser apontados
como justificadores da intensidade do processo de ocupação do espaço
metropolitano. Um deles corresponde à presença de atividades produtivas e
geradoras de emprego (tais como a CIC, Araucária, São José dos Pinhais e
Rio Branco do Sul); o outro está relacionado com o custo da terra e as
93
restrições de planejamento urbano, aspectos que estimularam a ocupação
de áreas contíguas à metrópole.
A análise desta situação permite afirmar que os novos habitantes da
região metropolitana estão, proporcionalmente, cada vez menos dentro dos
limites político-administrativos de Curitiba e cada vez mais no aglomerado
metropolitano23. O padrão migratório também é diferenciado daquele
iniciado nos anos 70, momento em que a agricultura paranaense passou por
um processo de modernização.
Fica, então, evidente a razão das piores situações envolvendo
assentamentos irregulares estarem concentradas nas áreas conurbadas e
periféricas. Essa mobilidade intra-regional é responsável pela ocupação de
áreas anteriormente menos valorizadas comercialmente e que dispunham
de serviços e infra-estrutura urbanos mais precários.
Com o passar do tempo, e com o maior grau de ocupação, alguns
serviços passaram a ser disponibilizados e a proximidade dos mesmos
despertou a atenção do mercado imobiliário, fator determinante no
processo de periferização de Curitiba.
Infere-se, portanto, que deve ser desenvolvida uma política
habitacional específica para a RMC, de forma a acelerar a proposição de
soluções eficazes para a questão das diversas ocupações irregulares aí
existentes. Neste sentido, podem ser apontados os seguintes objetivos como
de maior relevância: inclusão social, por meio dos processos de
regularização fundiária e extensão de serviços e infra-estrutura urbanos
mínimos e necessários, bem como desenvolvimento ambientalmente
sustentável.
Ao longo das décadas de 80 e 90 o município atuou de forma
intensiva e constante na consolidação da maioria destes assentamentos, por 23 Por aglomerado metropolitano entende-se o núcleo central da RMC, ou seja, Curitiba e os municípios conurbados (adjacentes à capital). A denominação RMC é institucional e, portanto, faz-se esta distinção geográfica quanto às espacialidades geradas.
94
meio da implantação de infra-estrutura, serviços e equipamentos
comunitários. Em algumas destas áreas, no entanto, pela especificidade de
sua localização a consolidação, apresenta-se como alternativa inviável,
exigindo assim ações diferenciadas. Muitas vezes, chega a ser necessária a
remoção de famílias do assentamento ou a flexibilização dos critérios de Uso
e Ocupação do Solo do espaço físico onde estão inseridos.
As interferências de uma ocupação irregular presente nos municípios
da RMC em relação à capital são claras, já que a maioria de seus habitantes
desenvolve atividades e depende de serviços e oportunidade de empregos
disponíveis em Curitiba.
4.2 JUSTIFICATIVA PARA ESCOLHA DA ÁREA DE ESTUDO
A pesquisa realizada teve como estudo de caso uma ocupação que
se enquadra no perfil do aglomerado urbano da RMC, do ponto de vista de
suas características de ocupação. O município de Colombo faz parte deste
núcleo urbano, apresentando algumas ocupações irregulares de
significativo impacto socioambiental.
Destas, a Vila Zumbi dos Palmares é a que merece mais destaque em
função do seu porte e do seu grau de consolidação. Há mais de 20 anos
esta invasão faz parte da paisagem urbana da RMC e sempre esteve
atrelada à pobreza, precariedade e violência. Agrega as características de
um assentamento urbano localizada em área de fragilidade ambiental, em
função do Rio Palmital, somado à área não-edificável à margem da BR-116.
95
Uma das questões levantadas nos aspectos conceituais e teóricos
desta dissertação fazia referência ao impacto social de áreas invadidas e
desprovidas de infra-estrutura urbana mínima. Mais do que intervir
fisicamente num determinado espaço, faz-se necessário considerar o
número de famílias que o habitam. Remover assentamentos inteiros muitas
vezes é inviável, não só em função dos custos para sua viabilização como
pela importância de se manter vínculos sociais já enraizados.
No caso da Vila Zumbi dos Palmares, o universo a ser considerado é de
mais de seis mil pessoas, ou seja, mais de mil famílias que aí residem. Por isso a
importância de se buscar requalificar espaços degradados como as
ocupações irregulares, e estudar formas de viabilizá-los segundo normas
urbanísticas e sociológicas mais coerentes com realidades específicas.
Dentre os órgãos governamentais responsáveis pela atuação no setor
da habitação, existem aqueles de caráter municipal e estadual. No caso da
RMC, duas instituições atuam neste sentido: COHAB–CT e COHAPAR.
A Companhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB-CT) é
responsável pela condução da política habitacional na capital, estendendo
sua ação para a região metropolitana e Paranaguá. A Companhia de
Habitação do Paraná (COHAPAR) tem a mesma atribuição, porém na
escala estadual. Seu objetivo é atuar de forma ampla na problemática
habitacional, visando à execução de programas neste sentido e o
equacionamento de seu déficit.
Cabe lembrar que em função das diferentes nuances políticas na
condução do governo, conforme as diferentes escalas (municipal, estadual
e federal), podem ser verificadas incompatibilidades quanto às linhas de
ação e definição de objetivos, sobretudo em relação ao município e ao
estado.
A intervenção na área de estudo foi desenvolvida pela COHAPAR,
com implantação do programa Direito de Morar. Esta modalidade tem
96
ganhado maior destaque em função das necessidades de regularizar,
urbanizar e até mesmo relocar famílias instaladas em ocupações irregulares,
áreas degradadas, insalubres, de preservação ambiental ou de risco,
especialmente localizadas na RMC.
O objetivo desta dissertação é averiguar se mediante a execução de
tais projetos, há influências diretas e significativas na habitabilidade urbana.
Portanto, a análise da Vila Zumbi dos Palmares se justifica pela
complexidade da intervenção executada, tanto dos pontos de vista
urbanísticos e ambientais, como sociais.
4.3 CONCEPÇÃO DE PROJETO NA VILA ZUMBI DOS PALMARES
A Vila Zumbi dos Palmares corresponde a uma das maiores ocupações
irregulares da RMC. Situada no município de Colombo, integra a bacia
hidrográfica do Rio Palmital, estende-se sobre uma área de 501.125 m2,
englobando além da margem esquerda do rio, a margem direita da rodovia
BR-116 (Figura 6).
97
FIGURA 6 – CONTEXTUALIZAÇÃO GEOGRÁFICA VILA ZUMBI DOS PALMARES
Fonte: COHAPAR (2005)
Com uma população oriunda de outros municípios da RMC e também
do interior do Paraná, seu processo de ocupação data de 13 de maio de
1991 e ocorreu sobre quatro propriedades: uma gleba não parcelada, e três
loteamentos aprovados e não implantados: Centro Industrial Mauá, Jardim
Graciosa e Planta Palmital.
Segundo dados levantados pela Cohapar, em maio de 2004, residem
na área 1.797 famílias, dentre as quais, 227 se encontravam, na época, em
situação precária. Esta população está distribuída da seguinte forma (Tabela
1).
98
TOTAL DE FAMÍLIAS ÁREA CONSOLIDADA
ÁREA INVADIDA
SITUAÇÃO IRREGULAR
1.570 x
137
x Margem esquerda do rio Palmital (faixa não-edificável de 75 m)
90
x
Faixa de domínio da BR 116 (faixa não-edificável de 50 m), ou no traçado de vias públicas da área consolidada.
TABELA 1 – DISTRIBUIÇÃO DE FAMÍLIAS E CONDIÇÃO DE OCUPAÇÃO NA
VILA ZUMBI DOS PALMARES.
Fonte: Baseado em COHAPAR (2005).
Segundo esta tabela, área invadida deve ser entendida como a
ocupação da beira do Rio Palmital e da margem da BR-116. A área
consolidada corresponde à porção restante, cujas instalações já não são
tão precárias.
A Vila Zumbi dos Palmares foi fruto de uma invasão que se deu de
forma relativamente organizada, respeitando parcialmente algumas
diretrizes viárias e áreas destinadas a uso comum. Pode-se afirmar que foi
uma invasão “organizada”, pois contou com serviços topográficos e
jurídicos. Na Figura 7 é possível localizar as áreas relativas à faixa não-
edificável da rodovia (cor roxa), de preservação rio (cor verde) e necessárias
para vias de circulação (cor vermelha).
99
FIGURA 7 – OCUPAÇÃO VILA ZUMBI DOS PALMARES ANTERIOR À INTERVENÇÃO URBANA
Fonte: COHAPAR (2005)
100
Em termos socioeconômicos, o perfil da população residente foi
levantado conforme a situação da família na área de intervenção, ou seja,
se moradora da área consolidada ou das áreas invadidas.
Para o caso da área consolidada, tem-se (Tabela 2):
PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS 1.570 FAMÍLIAS NA ÁREA CONSOLIDADA (em %) Até 4 pessoas 71,40
No. Pessoas/família Até 5 ou mais pessoas 28,6
Até 1 s.m. 37,52
De 1 a 2 s.m. 39,11
Renda familiar
mensal24 De 2 a 3 s.m. 14,78
Imóvel próprio 85,35
Imóvel cedido 7,39
Titularidade do
imóvel
Imóvel alugado 5,73
1ª. a 4ª. série 33,21
5ª. a 8ª. série 26,03
2º. Grau 7,89
Escolaridade25
Analfabetizadas 2,6
Até 1 ano 30,19 Tempo de residência Mais de 6 anos 47,08
Madeira 33,12
Alvenaria 48,60
Tipo de edificação
Mistas 6,43
TABELA 2 – PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS FAMÍLIAS NA ÁREA CONSOLIDADA
Fonte: Elaborado com base em COHAPAR (2005).
Já no caso das áreas invadidas, ou seja, margem do Rio Palmital e da
BR-116, o perfil é traçado conforme abaixo (Tabela 3):
24 Quanto à renda mensal, verifica-se que 91,41% das famílias possuem renda até 3 salários mínimos. 25 Considerado um total de 5.821 pessoas na área consolidada.
101
PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS 227 FAMÍLIAS NA ÁREA INVADIDA (em %) Até 4 pessoas 70,05
No. Pessoas/família Até 5 ou mais pessoas 29,95
Até 1 s.m. 64,76
De 1 a 2 s.m. 28,63
Renda familiar
mensal26 De 2 a 3 s.m. 3,96
Imóvel próprio 74,01
Imóvel cedido 5,29
Titularidade do
imóvel
Imóvel alugado 1,76
1ª. a 4ª. série 33,7
5ª. a 8ª. série 19,08
2º. Grau 1,93
Escolaridade27
Analfabetismo 5,8
Até 1 ano 45,81 Tempo de residência Mais de 6 anos 20,27
Madeira 48,9
Alvenaria 22,03
Tipo de edificação
Mistas 8,37
TABELA 3 – PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS FAMÍLIAS NA ÁREA INVADIDA
Fonte: Elaborado com base em COHAPAR (2005).
Comparando-se os dois perfis – da área consolidada e da área
invadida – é possível afirmar que as diferenças mais significativas são
referentes à renda familiar mensal, escolaridade, tempo de residência e tipo
de edificação construída. O número de pessoas por famílias e a titularidade
do imóvel são semelhantes, apesar de tratar-se de duas áreas com perfis
diferenciados de ocupação, do ponto de vista de reconhecimento legal.
Além destes dados, também foi levantada a necessidade de
melhorias em moradias consideradas precárias (cerca de 400 unidades no
total), além da urbanização de toda área e de atividades de apoio
objetivando desenvolvimento socioeconômico e ambiental.
26 Quanto à renda mensal, verifica-se que 97,35% das famílias possuem renda até 3 salários mínimos. 27 Considerado um total de 828 pessoas na área invadida.
102
A seguir, são apresentados dados relativos ao número de famílias em
relação às necessidades de urbanização, regularização fundiária e
habitação, em função da localização e condições habitacionais (Tabela 4).
NÚMERO DE FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS POR
SUBPROJETO NA ÁREA CONSOLIDADA
LOCALIZAÇÃO E CONDIÇÕES HABITACIONAIS Regularização
Fundiária e Urbanização
Regularização Fundiária
Habitação - Construção
Faixa de preservação permanente - 137
Faixa de domínio da rodovia BR-116 ou traçado da via pública
- 90
Área consolidada - -
Edificações extremamente precárias - 45
Edificações em condições de habitabilidade, em lotes com dimensões que atendam os parâmetros urbanísticos
1.525
-
SUBTOTAL 1.525 272
TOTAL 1.797
TABELA 4 – NÚMERO DE FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DOS SUBPROJETOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E HABITAÇÃO – MELHORIA OU CONSTRUÇÃO
Fonte: COHAPAR (2005, p. 13)
Em suma, os objetivos do plano de reassentamento desenvolvido pela
COHAPAR foram:
a) promover a regularização fundiária;
b) realizar a urbanização (sistemas de drenagem de águas pluviais,
esgotamento sanitário, pavimentação e paisagismo de áreas
públicas);
c) recuperar ambientalmente a margem esquerda do rio Palmital;
d) melhorar a condição das instalações de parte das moradias
existentes na área consolidada;
e) edificar 281 unidades habitacionais;
f) construir e instalar equipamentos comunitários (2 creches, 1 centro
comunitário e 1 barracão para a cooperativa de reciclagem).
103
Devido à necessidade de relocação de um número significativo de
famílias, foram levantados lotes vagos ou com moradias precárias na área
consolidada de forma a otimizar o aproveitamento da mesma. Desta forma,
buscou-se preservar os vínculos locais familiares, sociais e econômicos ao se
evitar a relocação de famílias para outros loteamentos.
Uma tipologia arquitetônica (Figura 8) foi desenvolvida para que a
demanda por novas moradias pudesse ser atendida dentro da
disponibilização de áreas vagas, anteriormente mencionada. O sobrado
proposto e implantado possui área de 40 m2, sendo composto por sala,
cozinha, banheiro no piso inferior e 2 quartos no piso superior. Todas as
unidades habitacionais foram implantadas de forma geminada, com recuo
frontal e quintais, permitindo o reassentamento de 281 famílias no total. A
construção das novas moradias foi realizada sob o sistema de Gestão
Comunitária28.
FIGURA 8 – TIPOLOGIA ARQUITETÔNICA IMPLANTADA NA VILA ZUMBI DOS PALMARES
Fonte: COHAPAR (2005)
28 Sistema por meio do qual a construção das unidades habitacionais ocorre com a participação efetiva da comunidade, junto à Associação de Moradores. Este sistema tem permitido minimizar as perdas financeiras comuns aos sistemas de autogestão, decorrentes do pouco conhecimento dos futuros moradores sobre a administração da obra e aplicação correta de recursos.
104
Quanto à provisão de infra-estrutura e serviços urbanos básicos e
comunitários, a intervenção contou com subprojetos de urbanização e
recuperação ambiental (Figura 9). No plano de reordenamento territorial,
foram definidos: arruamentos, dimensão das caixas das vias (faixa de
rolagem e calçadas), alinhamento predial, relocação das famílias das áreas
impróprias para moradias e habitações precárias, recuperação da faixa de
preservação do rio Palmital, reserva de áreas para implantação de
equipamentos coletivos e compatibilização do parcelamento com as
legislações das três esferas de governo.
105
FIGURA 9 – INTERVENÇÃO FÍSICA PROPOSTA PARA VILA ZUMBI DOS PALMARES
Fonte: COHAPAR (2004)
106
O desenvolvimento de programas sociais, com vistas para o
fortalecimento econômico e social da comunidade, teve como objetivo
principal propor alternativas de enfrentamento da pobreza, e a promoção
de relações interpessoais e interinstitucionais.
Foi neste âmbito que se deu a divulgação de informações e
estratégias de participação da comunidade. A seguir, podem ser
identificadas as etapas e objetivos deste processo (Quadro 6).
ATIVIDADE OBJETIVO 1. Identificação pela COHAPAR de lideranças comunitárias, instituições governamentais e não-governamentais.
Envolver a comunidade em todas as etapas de implantação do projeto.
2. Reuniões entre lideranças comunitárias, instituições governamentais e não-governamentais e COHAPAR.
Criar a Comissão Paritária como canal permanente de comunicação entre a comunidade e COHAPAR. Expor, discutir e aprovar a proposta integral do Projeto Básico.
3. Reuniões entre as famílias beneficiárias do projeto (organizadas por setores), Comissão Paritária e COHAPAR.
Expor, discutir e aprovar a proposta integral do Projeto Básico – plano de relocação, regularização fundiária e projeto das unidades habitacionais.
4. Reuniões periódicas mensais (ou de acordo com a necessidade/solicitação das famílias beneficiárias) entre comunidade, Comissão Paritária e COHAPAR.
Acompanhar e repassar informações sobre o andamento das obras/regularização. Esclarecer dúvidas.
5. Reuniões da Comissão Paritária. Encaminhar as questões levantadas pela comunidade em relação à implementação do Projeto, incluindo a solução de conflitos.
QUADRO 6 – ATIVIDADES E OBJETIVOS DO PROCESSO DE DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES E ESTRATÉGIAS DE PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA VILA ZUMBI DOS
PALMARES.
Fonte: Elaborado com base em COHAPAR (2005).
A avaliação posterior à implantação do projeto foi prevista pela
COHAPAR, sendo que os seguintes fatores serão levados em consideração:
1. Permanência ou não das famílias relocadas nos novos lotes;
2. Participação da população nos cursos ofertados pelas instituições
locais;
107
3. Ampliação e fortalecimento das iniciativas empreendedoras de tipo
associativistas e cooperativistas na região;
4. Redução do descarte de lixo nas margens do Rio Palmital;
5. Melhoria da qualidade de água do Rio Palmital;
6. Aumento da renda familiar.
Em linhas gerais, podem ser identificados, no projeto, objetivos
relacionados com aspectos sociais, econômicos e ambientais, além,
evidentemente, daqueles de caráter urbanístico.
4.4 LEITURA SÓCIO-ESPACIAL
A realização da leitura sócio-espacial ocorreu essencialmente em 3
etapas:
1a – Entrevistas com os moradores para levantamento de dados sobre
a intervenção urbana;
2a – Realização da leitura sócio-espacial propriamente dita, por meio
da interpretação das informações geradas pelos moradores e
análise estrutural do ambiente construído (leitura vivenciada).
3ª – Avaliação do projeto urbano desenvolvido.
Na primeira etapa, foram entrevistadas 140 pessoas, todas residentes
da Vila Zumbi dos Palmares. Destas, 38 homens e 102 mulheres, com idade
entre 15 e 95 anos. A maioria de respondentes mulheres provavelmente se
deve ao fato das entrevistas terem sido realizadas no período da manhã,
108
durante a semana, momento em que a maioria dos moradores se encontra
em horário de trabalho. Muitas das entrevistadas eram donas de casa.
Quanto ao tempo de residência no local, a maioria dos entrevistados,
64.3%, se encontra no local há mais de 11 anos; 22.9% aí residem entre 6 e 10
anos; e 12.8% há menos de 5 anos. O projeto urbano foi executado há dois
anos, ou seja, a maioria tem respaldo suficiente para identificar aspectos
positivos e negat ivos anteriores e posteriores à implantação do mesmo.
As interpretações das informações obtidas com as entrevistas e a
análise estrutural do ambiente construído correspondem à segunda etapa,
apresentada a seguir de acordo com o método de leitura sócio-espacial
proposto no Capítulo 3.
Primeiramente, discutem-se os aspectos referentes à habitabilidade,
urbanidade e imageabilidade. Trata-se de uma leitura de elementos
constituintes da organização espacial que interferem na percepção dos
moradores, entretanto, não de maneira consciente por parte dos mesmos. A
análise resultante da consideração destas três variáveis visa estabelecer a
leitura do ambiente construído.
Em 2004, foi realizada pela COHAPAR uma caracterização da Vila
Zumbi dos Palmares junto aos moradores da área invadida antes da
execução do projeto, já que este era o foco de atuação mais imediata para
relocação. Na época, eram apontados como principais problemas:
freqüentes inundações (76%); lama nas ruas (71,7%); poeira das ruas (65%);
mau-cheiro proveniente dos rios (55,7%); presença de animais vetores de
doenças (55%); mau-cheiro proveniente do lixo não recolhido (45%); e riscos
de acidentes de trânsito na rodovia BR-116 (25,5%).
Deve-se, no entanto, lembrar que o resultado das entrevistas realizadas
pela COHAPAR em 2004, antes da intervenção, estava restrito às opiniões
dos moradores da margem do rio, cujos problemas enfrentados divergiam
daqueles da área consolidada. Mesmo assim, grande parte das pessoas
109
entrevistadas pós-intervenção para realização desta pesquisa, eram ex-
moradoras da margem do rio Palmital, beneficiados com as novas moradias.
Quanto à habitabilidade, entram em questão os requisitos entendidos
como mínimos em termos de infra-estrutura, serviços e equipamentos
urbanos e habitação. Conforme as entrevistas realizadas, o acesso à energia
elétrica, água tratada, drenagem pluvial e esgoto influenciou diretamente
na qualidade de vida, sobretudo na saúde da população. O que ainda
deixa a desejar são os equipamentos urbanos nas áreas de lazer e
recreação, saúde e educação.
Com relação ao antes da intervenção, verificou-se que os pontos
negativos mencionados estavam mais relacionados à precariedade dos
serviços e infra-estrutura urbanos inexistentes até então, bem como às
condições de segurança (Tabela 5). O lixo e os constantes alagamentos
também receberam destaque. Referências a barro e lama foram
computadas como relativas à precariedade das ruas.
ANTES DA INTERVENÇÃO
O QUE ERA RUIM NA VILA? No. de referências
%
Ruas não asfaltadas ou ausência de arruamento adequado 105 75 Valetas a céu aberto 39 27.8 Alagamentos por causa da chuva 27 19.3 Falta de abastecimento de água 25 17.8 Falta de energia elétrica 25 17.8 Violência e falta de segurança 23 16.4 Falta de sistema de esgoto 19 13.6 Lixo 19 13.6
TABELA 5 – ASPECTOS NEGATIVOS ANTES DA INTERVENÇÃO URBANA SEGUNDO 140 MORADORES
Fonte: Elaborado pela autora.
Dos itens mencionados na pesquisa recente, apenas a questão das
ruas não asfaltadas, cheias de barro, foi recorrente e reforçada como
principal aspecto negativo. As dificuldades não eram apenas de
locomoção, mas, sobretudo, relacionadas à higiene da própria casa e à
necessidade de manter uma aparência adequada para se chegar ao local
110
de trabalho. A própria sociabilidade ficava prejudicada, visto que na
ausência de equipamento urbanos para recreação e lazer, cabia às ruas
cumprir este papel.
Quando perguntados sobre as melhorias pós-projeto, verificou-se a
repetição dos pontos apontados como negativos, no entanto, desta vez
como mudanças significativas na qualidade de vida dos moradores (Tabela
6). As questões referentes ao saneamento básico, à pavimentação das ruas
e à construção dos sobrados receberam o maior destaque. A diminuição da
violência também foi visível para uma boa parcela dos entrevistados, visto
que a “vizinhança ruim” não foi mais mencionada.
DEPOIS DA INTERVENÇÃO
O QUE MELHOROU NA VILA? No. de
referências (Total de 140)
%
Pavimentação das ruas 120 85.7 Sobrados e demais moradias 52 37.1 Sistema de esgoto 29 20.7 Energia elétrica 27 19.3 Sistema de água 24 17.1
TABELA 6 – MELHORIAS APÓS INTERVENÇÃO URBANA SEGUNDO MORADORES Fonte: Elaborado pela autora.
No que se refere ao fator acessibilidade, uma das maiores dificuldades
levantadas pela população, após o projeto, é manter as contas de luz e
água em dia. Talvez a novidade que o acesso ao serviço representa acabe
gerando custos que a maioria desconhecia. O preço de ser regularizado, de
existir legalmente, começa a ser sentido em função da baixa renda e do
comprometimento com a quitação dos imóveis adquiridos. Mesmo assim, a
realização do sonho da casa própria ainda mantém a maioria na Vila.
Poucas foram as menções em relação à venda da casa devido à
incapacidade de arcar com as futuras despesas.
Apesar da melhoria na oferta de serviços, percebe-se que um grande
problema da Vila Zumbi dos Palmares é a falta de funções variadas.
Essencialmente, é como se a principal função do bairro fosse a de ser
111
dormitório, já que a maioria das pessoas trabalha e desenvolve outras
atividades em outros locais. Neste sentido, chega-se à urbanidade.
Merecem destaque observações realizadas quanto ao visual e
organização do bairro, embora não se tenha feito questionamento mais
específico em relação a isto. As referências neste sentido não foram muitas,
mas mostram que do ponto de vista estético e de estruturação já se notam
mudanças por parte de alguns moradores.
A flexibilidade de uso das habitações é algo que se observou nas
novas moradias. A construção de sobrados foi a alternativa institucional
encontrada para atender a demanda por relocação de famílias em área
inadequada para moradia. No entanto, em alguns casos, criaram-se, extra-
oficialmente, anexos ou ampliações como forma de melhor atender o
número de pessoas por família e o perfil da mesma.
A necessidade de recreação também foi manifestada por meio da
criação de churrasqueiras e alpendres ou abrigos nos recuos frontais,
ampliando o espaço coberto para desenvolver outras atividades. Outro
ponto evidente foi a necessidade de personalizar a casa, já que os sobrados
são geminados. A construção de muros, colocação de portões, plantação
de pequenas hortas e jardins quebram a homogeneidade das construções.
A rua representa um forte elemento estruturador, mas a continuidade
dos caminhos ainda merece atenção. As calçadas são inexistentes, salvo
exceções em que os moradores improvisaram algo em frente as suas
residências. Portanto, veículos e pedestres ainda dividem a circulação.
Por meio da imageabilidade, busca-se gerar estrutura, significado e
identificação com o lugar. A Vila Zumbi dos Palmares sempre esteve
associada a um bairro violento e degradado. Durante as entrevistas, uma
moradora se mostrou favorável à mudança porque acreditava sofrer
preconceito em relação ao local onde mora desde criança. Em sua opinião,
o próprio nome da Vila deveria ser modificado, já que as pessoas de fora
112
não conseguem associá-la com algo positivo. Embora a situação atual
tenha se modificado consideravelmente em termos de segurança, a
imagem que ficou foi extremamente negativa para quem não convive no
local.
No que se refere à segunda grande variável da leitura, o
comportamento humano em relação ao ambiente construído, muitas
informações foram levantadas com base nas entrevistas, sobretudo a análise
de necessidades, por meio da indagação sobre o que ainda falta na Vila
Zumbi dos Palmares.
Quanto à análise de conflitos existentes, verificou-se que existe uma
área mais conturbada no parecer dos moradores que a chamam de
“fervo”. Esta denominação se deve à concentração de atividades noturnas
em bares e ao tráfego de drogas na “parte alta” do bairro29. Corresponde
ao local que encerra a maioria dos sobrados construídos e cuja distribuição
por sorteio não agradou alguns dos contemplados. Por esta razão, algumas
pessoas têm realizado trocas extra-oficiais de sobrados e, em menor grau,
têm colocado seus imóveis a venda, mesmo não tendo regularizado sua
posse.
Outro ponto levantado pelos moradores é a forma de distribuição de
vagas em creches e escolas próximas, que acabam atendendo a demanda
de outros bairros. A questão das tarifas sociais de água e luz também é um
conflito, visto que nem todos foram incluídos nestes programas sociais. A
resolução destes conflitos não está relacionada ao projeto em si, mas à
forma de condução do governo em relação às políticas sociais inerentes
pós-intervenção.
As espacializações, ou seja, a avaliação do modo de ser de um fato
social merece um destaque importante na leitura vivenciada, porque pode
reforçar o que Ferrara (1993) definiu como homogeneização do espaço em
que se vive. Além de afirmarem que gostam de viver na Vila Zumbi dos 29 A parte baixa corresponde às margens do Rio Palmital.
113
Palmares, muitos moradores alegaram que não se mudariam porque “se
acostumaram” com o local.
Este é um dos riscos do habituar-se a algo, ou seja, fica difícil visualizar
usos diferenciados e mais apropriados quando a paisagem é desprovida de
elementos de predicação. O hábito dificulta ler e decodificar o espaço
urbano (FERRARA, 1993).
4.5 RESULTADOS
A intervenção foi muito bem recebida pela comunidade local, mas
era evidente que ainda existiam necessidades a serem preenchidas. Por
meio das entrevistas, foi possível levantar pontos que ainda precisam ser
trabalhados.
Para a pergunta sobre o que ainda faltava na vila a fim de torná-la
ainda melhor, obtiveram-se as seguintes respostas (Tabela 7).
DEPOIS DA INTERVENÇÃO
O QUE AINDA FALTA NA VILA? No. de
referências (Total de 140)
%
Locais de recreação e lazer 66 47.1 Creches 45 32.1 Posto de saúde 39 27.8 Segurança 36 25.7 Iluminação pública 25 17.8 Coleta de lixo 24 17.1
TABELA 7 – EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS URBANOS QUE AINDA FALTAM NO BAIRRO SEGUNDO MORADORES
Fonte: Elaborado pela autora.
114
Importante enfatizar, também, a referência feita a pontos de
encontro, parque e áreas verdes. Ainda não foi desenvolvido nenhum
trabalho mais específico de requalificação paisagística, mas a observação
da criação de pequenos quintais, hortas e jardins individuais é um indicativo
de que as pessoas sentem falta deste tipo de tratamento.
Embora os requisitos mínimos de saneamento tenham sido
implementados (água, esgoto, energia elétrica e rede de drenagem pluvial),
existem serviços básicos que ainda são precários, como a iluminação
pública e a coleta de lixo. No primeiro caso, os moradores pagam pela taxa
do serviço do qual não usufruem, reforçando a sensação de insegurança no
período da noite.
A coleta de lixo também é bastante irregular, tornando-se um foco de
disseminação de vetores de doenças, já que existem muitos cachorros
perambulando pela Vila. Além disso, algumas pessoas ainda insistem em
despejar seus resíduos sólidos em lugares inapropriados.
Ainda assim, recreação e lazer foi o tema mais recorrente quanto às
necessidades dos moradores. É grande o número de crianças e
adolescentes que muitas vezes ficam sozinhos enquanto os pais trabalham.
Uma preocupação, principalmente das mães, é a falta de atividades
educativas e esportivas que poderiam manter seus filhos afastados de
problemas e igualmente mais seguros.
A implantação de uma escola e de uma creche na própria
comunidade também facilitaria neste sentido. A falta de vagas nas escolas e
creches mais próximas acaba reforçando a ociosidade das crianças e a
falta de tranqüilidade dos pais.
A pergunta referente à possibilidade de mudança de bairro tinha
como objetivo investigar indiretamente quão satisfeitos os moradores
estavam com seu bairro, e ao mesmo tempo aferir características que
115
influenciariam na qualidade do mesmo, caso inexistissem no momento da
entrevista.
Esta indagação era também uma forma de verificar a intenção de
permanecer na Vila Zumbi dos Palmares. Deste ponto de vista, uma parcela
significativa não tem intenção de se mudar (Tabela 8). A maioria das pessoas
entrevistadas reside no bairro há muitos anos e considerando tudo que já
passaram em comparação com as recentes conquistas, só conseguem
imaginar que mais melhorias virão.
DEPOIS DA INTERVENÇÃO
VOCÊ SE MUDARIA? No. de referências
%
Não 96 68.6 Sim 44 31.4
TABELA 8 – INTENÇÃO DE MUDANÇA DE BAIRRO, CIDADE OU PAÍS APÓS INTERVENÇÃO URBANA
Fonte: Elaborado pela autora.
Quanto a este tema, é oportuno comentar que nos casos em que os
moradores não se mudariam, houve situações em que mudanças até já
ocorreram, por vezes mais de uma vez. No entanto, as pessoas optaram por
voltar para a Vila Zumbi dos Palmares, pois a consideravam um lugar bom de
morar, mesmo antes das melhorias implementadas pela intervenção.
É interessante mencionar que, a princípio, as condições de
precariedade não interferem de maneira preponderante sobre a escolha de
continuar morando na Vila, já que muitos criam vínculos sociais na
comunidade.
Nos casos de insatisfação, foram mencionadas mudanças não apenas
de bairro, como de cidade e até mesmo país30 (Tabela 9). As justificativas
para a mudança de bairro estavam baseadas em fatores como:
30 Neste caso, existe um maior número de referências (52) em relação ao número de pessoas com intenção de se mudar (44), visto que alguns moradores citaram mais de uma possibilidade de destino.
116
proximidade de serviços, transportes e facilidades; proximidade de familiares
e amigos; lugares mais organizados e bonitos; status; maior segurança e
tranqüilidade.
LOCAIS DE DESTINO EM CASO DE RESPOSTA AFIRMATIVA À MUDANÇA ESTADO CIDADE No. DE REFERÊNCIAS
Curitiba 23 Colombo 14
PARANÁ
Interior do estado 11 SANTA CATARINA Florianópolis 1
SÃO PAULO São Paulo 1 OUTROS PAÍSES
PARAGUAI 1 URUGUAI 1
TABELA 9 – LOCAIS DE DESTINO DA POPULAÇÃO QUE SE MUDARIA DA VILA ZUMBI DOS PALMARES APESAR DA INTERVENÇÃO URBANA
Fonte: Elaborado pela autora.
No caso de mudança de cidade e país, foram alegadas: melhores
condições de vida; maior oferta de empregos; vínculos sentimentais com a
cidade natal; e paisagem bucólica (referências a sítio, cachoeira, rio,
liberdade, tranqüilidade e agricultura). Os locais citados correspondem a
estados ou países vizinhos ao Paraná, e podem ter sido mencionados pela
facilidade de acesso.
O que as pessoas sentem falta é da vivacidade e da dinâmica de
bairro, aspectos apontados como positivos em outras localidades quando
da intenção de mudança. Existe apenas uma rua principal na Vila, porém
esta denominação parece estar mais associada à sua condição de única
rua asfaltada antes do projeto do que à variedade de serviços
disponibilizados. Atividades simples, como pagar contas, ainda requerem
deslocamentos.
A não intenção de mudança para outros locais responde pela
satisfação para com o ambiente proporcionado pelo projeto urbano. Mas
mais importante do que as condições de sobrevivência, está a questão da
convivência e do hábito como justificativa para aí permanecer.
117
A maioria da população afirmou gostar da Vila, sobretudo pelo grau
de sociabilidade e convivência com a vizinhança. Este é um importante
aspecto a ser considerado e que poderia reverter uma imagem de violência
em imagem de união, já que vínculos com o lugar existem e só precisam ser
reforçados. O que também contribuiria neste sentido seria criar referências
ou marcos no bairro.
Interessante notar que muitas áreas vizinhas à Vila Zumbi dos Palmares,
no município de Colombo, foram mencionadas como melhores, sobretudo
do ponto de vista de oferta de atividades e serviços. Inclusive uma das
favelas mais antigas da própria capital, a Vila Torres, também foi
reverenciada como um bairro melhor estruturado e de possível destino.
Curitiba ainda é vista pela maioria dos que optariam pela mudança
como uma referência de cidade de qualidade, seja por questões de maior
acesso a facilidades, seja pelo aspecto estético, já que foram mencionadas
a organização e o visual como sinônimos de qualidade.
A diversidade de uso é um aspecto importante e que deve ser
estimulado na concepção de projetos, mediante a criação de uma unidade
de vizinhança. A dispersão de serviços e equipamentos pode, inclusive,
corroborar com a segurança viária, uma vez que evita a concentração do
tráfego numa área central. A necessidade de sinalização e lombadas foi
mencionada, sobretudo na rua principal.
O cruzamento das leituras acima realizadas teve como objetivos
principais: identificar potenciais abordagens urbanísticas, gerar novas
espacializações e avaliar qualitativamente o espaço urbano. Este
diagnóstico visa averiguar o atendimento do terceiro objetivo proposto nesta
pesquisa:
Avaliar a pertinência da percepção ambiental como uma possível
contribuição ao processo de planejamento urbano associado à
118
recuperação de áreas degradadas sob a forma de ocupações
irregulares.
Segundo Kashiwagi (2004, p. 81): “Novos olhares criam e recriam novas
paisagens, invisíveis aos nossos olhos, mas que são reveladas através das
experiências e vivências dos moradores”.
Neste sentido, recomendam-se as abordagens urbanísticas potenciais:
a) Requalificação paisagística da margem do Rio Palmital, criando-
se um parque linear como elemento estruturador da nova
paisagem. Desta forma, além de assegurar a integridade da faixa
de preservação, provê um novo espaço de uso comum para os
moradores, servindo inclusive de referência na Vila Zumbi dos
Palmares;
b) Criação de uma praça central concentrando áreas de lazer e
recreação em terreno disponível na rua principal, com canchas
esportivas e creche, já que estaria localizado próximo ao ponto
de ônibus do bairro, facilitando o acesso dos pais na ida e na
volta do trabalho;
c) Criação da sede da associação dos moradores junto a uma
unidade representativa institucional e um centro de convivência.
A presença de órgãos do governo reforça o reconhecimento
existência da comunidade junto às autoridades, facilitando a
comunicação neste sentido. Além disso, o centro de convivência
sedimentaria os vínculos sociais que já existem no bairro e, por
conseguinte, a identidade local, estimulando atividades diversas
entre os moradores, bem como a realização de cursos de
capacitação profissional previstos no projeto desenvolvido pela
COHAPAR.
119
d) Conceber a comunidade segundo unidades de vizinhança, ou
seja, pela diversidade de usos e dispersão de atividades e serviços
em áreas diversas estimula-se a vitalidade e dinamicidade local.
Essas possíveis abordagens urbanísticas têm como objetivo gerar novas
espacializações na medida em que devem redirecionar usos e hábitos da
população, alterando o fato social, ou seja, seu modo de ser atual. Com isso,
a intervenção passa da reorganização do espaço urbano para a
concepção de um lugar.
A avaliação do projeto urbano executado na área de estudo serve
como um instrumento de transformação da realidade, segundo Barreira
(2000). Em linhas gerais, pode-se afirmar que a habitabilidade urbana local
sofreu melhorias significativas. No entanto, o levantamento das informações
obtidas junto aos moradores servirá de norte nas próximas ações pretendidas
na própria localidade, atendendo àquilo que no momento eles consideram
mais urgentes.
O levantamento destas necessidades é que servirá de
retroalimentação do projeto, ao mesmo tempo em que pode estabelecer
diretrizes para novas intervenções semelhantes, possibilitando otimização
tanto da concepção quanto da execução do projeto.
A indagação sobre intencionalidade de mudança de bairro, quando
realizada anteriormente à execução do projeto, funciona como referência
do que os moradores entendem como melhores locais para se viver.
Portanto, a reprodução das características da área de destino no bairro
onde a pessoa já mora possivelmente agregará valor ao mesmo. Desta
forma, aumenta-se a taxa de retenção de moradores em detrimento de
novas migrações.
Como mencionado anteriormente, o condicionamento cultural
imposto pelo hábito dificulta extrair dos moradores usos mais adequados
conforme suas necessidades em relação ao ambiente em que vivem. A
120
proposição de novos elementos deve ocorrer, num primeiro momento, de
forma experimental, a fim de se investigar possíveis referenciais locais. À
medida que estes elementos sejam incorporados pelos moradores, maior
serão suas contribuições no sentido de agregar valor aos espaços produzidos
ou recriados.
121
5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Assim, ao alinharmos os significados,
percebemos que, para se intervir num espaço
e obter bons resultados, o conhecimento e
compreensão da essência dos lugares é de
fundamental importância (KASHIWAGI, 2005,
p.79).
122
O estudo abordado nesta dissertação está associado à questão dos
projetos urbanos com foco nas ocupações irregulares, colocando-se a
seguinte questão como problema inerente:
Em que medida a incorporação da percepção ambiental na
concepção de projetos que visem intervir em ocupações irregulares
poderá aperfeiçoar a leitura sobre a realidade e as necessidades
locais, gerando impactos positivos na habitabilidade urbana de tais
espaços?
Para tanto, foram apresentados nos aspect os teóricos e conceituais
três grandes temas que embasam o problema acima mencionado:
percepção ambiental, projetos urbanos e considerações sobre a
informalidade urbana.
No caso do projeto como objeto de estudo, tornou-se igualmente
pertinente abordar a avaliação pós-ocupação, como metodologia de
análise de intervenções urbanas já executadas. Verificou-se que a
possibilidade de inter-relacionar estes itens culminaria no desenvolvimento
de um método de leitura sócio-espacial para ocupações irregulares,
conforme apresentado no capítulo 3, sobre procedimentos metodológicos.
A realização do estudo de caso possibilitou averiguar uma das
hipóteses inicialmente colocadas:
Mediante o emprego de estudos de percepção, os projetos urbanos
propostos para ocupações irregulares podem se tornar mais
condizentes, tanto com os objetivos das intervenções, quanto com as
realidades e necessidades manifestadas em âmbito local.
Os resultados apresentados tiveram como base a realização das
entrevistas junto aos moradores, de forma que a simples leitura técnica não
seria suficiente para determinar as principais necessidades locais.
123
Observou-se que além dos elementos físicos, existem aspectos culturais
e sociais de considerável relevância para viabilização de melhores
condições de habitabilidade urbana, objetivo preconizado na execução da
intervenção na Vila Zumbi dos Palmares.
O caminho para se chegar à resposta estava na mediação entre a
leitura técnica do planejador urbano e a leitura vivenciada dos moradores.
Neste sentido, questiona-se até que ponto a participação popular poderia
ser efetivamente empregada no planejamento urbano, sobretudo na
concepção de projetos voltados para urbanização de ocupações
irregulares.
Atualmente, tem cabido à população um papel muito mais passivo do
que ativo na produção do espaço da cidade. Os atos de planejar e projetar
tornaram-se, com o tempo, processos unilaterais do ponto de vista de
tomadas de decisões entre os agentes envolvidos. Com isso, ao intercâmbio
entre planejadores e gestores urbanos e os moradores de determinada
comunidade coube um caráter mais informativo do que participação. Esta
situação pode se justificar em função de curtos prazos decorrentes da
disponibilização de investimentos para concretização de projetos e as
dificuldades de comunicação entre os atores envolvidos.
Durante o desenvolvimento deste trabalho, ficaram evidentes a
pertinência e a relevância da abordagem de conceitos relat ivos à
percepção ambiental. Sua consideração permite que determinadas ações
estejam de acordo com as realidades em que se inserem.
Além disso, a leitura vivenciada pode ser utilizada como ferramenta
facilitadora da participação popular nos projetos urbanos, uma vez que as
informações são extraídas dos moradores e não repassadas a eles.
Trata-se, portanto, de um instrumento de planejamento urbano
relevante, uma vez que a leitura dos espaços aqui definidos como
ocupações irregulares seja realizada respeitando configurações espaciais e
124
sociais específicas. Por conseguinte, o projeto urbano proposto torna-se mais
adequado, permitindo transformações de caráter qualitativo.
O saber ver e o saber ler um espaço urbano são fundamentais para a
compreensão do modo de ser de um determinado grupo social. Neste
sentido, trabalhar os olhares tanto do planejador quanto do morador é de
fundamental importância no estabelecimento do diálogo urbano.
O método de leitura aqui utilizado visa aproximar os dois lados
diretamente envolvidos no enfrentamento de problemas urbanos. Mas para
que isso ocorra e o método possa ser aperfeiçoado, faz-se necessário uma
reestruturação da forma como os órgãos governamentais relacionados à
problemática habitacional concebem seus projetos.
Trata-se de um processo interdisciplinar que mereceria a criação de
um setor específico para tratar, principalmente, da avaliação pós-
ocupação, com vistas à retroalimentação de projetos já implantados,
sobretudo os de grande porte e complexidade, como é o caso da Vila
Zumbi dos Palmares.
Durante a realização das entrevistas, os moradores se mostraram
interessados em colaborar e ficou evidente que a concretização da
principal etapa do projeto, ou seja, atendimento aos requisitos mínimos de
urbanização e recuperação ambiental, só ampliou as expectativas locais
por mais melhorias.
Importante reforçar o papel de duas variáveis mencionadas método
elaborado para leitura espacial: a urbanidade e a imageabilidade. Por mais
que estejam associadas à estruturação física de elementos no ambiente
construído, precisam ser levantadas junto à população, uma vez que o
espaço criado deve corresponder ao sentido de lugar e à identidade local.
Quanto ás contribuições à gestão urbana pode ser mencionado:
125
1. A metodologia de leitura espacial aqui proposta pode ser
aplicada a todo e qualquer projeto urbano, bastando, para isso,
que se façam as devidas adaptações quanto às diferentes
realidades locais;
2. A transformação de uma ocupação irregular em bairro
propriamente dito promove maior inclusão destas áreas à malha
urbana, mediante a criação de novos referenciais locais;
3. Cria-se mais um mecanismo de participação e envolvimento
popular, tendo no morador o ponto de partida para o
atendimento de demandas geradas, em conformidade com as
reais necessidades e anseios locais;
4. A extensão de infra-estrutura e serviços urbanos reforça a
cidadania, reduzindo a marginalidade e aumentando o
sentimento de pertencimento. Com isso, menos áreas
degradadas devem proliferar em função da maior satisfação
com o bairro.
Existe, no entanto, um fator muito significativo e que pode influenciar
na manutenção deste estado de satisfação: o custo da regularização. Neste
quesito, o esforço para garantir o sucesso de um empreendimento deve ser
multi-setorial e a fiscalização do cumprimento das condições asseguradas
antes da intervenção em termos financeiros deve ser uma constante.
Variações nos valores das parcelas dos terrenos e das moradias, bem
como a não inclusão da população nos programas de tarifas sociais de
água e luz devem gerar descontentamento, e, até mais do que isso,
frustração. A concretização da casa própria ainda é a maior conquista
advinda de projet os de urbanização e regularização fundiária, porque
garante maior segurança às famílias.
Conclui-se, portanto, que a adoção de conceitos relativos à
percepção ambiental na concepção de projetos urbanos contribui para a
126
identificação das relações que se estabelecem entre o meio ambiente
construído e o comportamento humano. Na medida em que possibilita a
intersecção entre demandas urbanísticas e demandas sociais, agrega valor
qualitativo ao espaço recriado.
Diante da inevitável inter-relação entre os diversos elementos que
compõe o sistema urbano, e da capilaridade do tecido da cidade para
absorver mazelas sociais e ambientais, negar a margem “pejorativa” da
metrópole não apenas está fora de questão como coloca em xeque sua
própria sustentabilidade.
Como forma de solução pontual, o projeto é o ponto de partida para
o atingimento de melhorias na habitabilidade urbana em curto prazo. Desta
forma, a principal contribuição desta pesquisa é fornecer mais uma
metodologia que subsidie a concepção de projetos urbanos em
conformidade com as especificidades locais. Independente da
denominação que se queira dar a uma área invadida, é inviável a mera
replicação de modelos desconexos da realidade.
Por esta razão, entende-se que os estudos sobre ocupações irregulares
e as formas de intermediar intervenções urbanísticas neste sentido têm forte
impacto na gestão urbana. Como tal, são de suma importância, visto que o
impacto da informalidade urbana não atua em longo prazo.
A execução desta pesquisa possibilitou o contato com uma realidade
diversa e cuja essência pode ser facilmente corrompida por pré-conceitos
culturais. É, sem dúvida, um grande desafio para o pesquisador estabelecer
contato e realizar análises de maneira imparcial.
Ficou evidente a dificuldade imposta pelo uso da técnica do tipo
entrevista aberta. A forma de questionamento pode ser tendenciosa ou de
difícil compreensão por parte do entrevistado. O uso da linguagem verbal,
ainda que bastante usual, também pode ser um agravante na obtenção de
informações, pois nem sempre as pessoas dominam este meio de expressão.
127
Neste caso, poderiam ser associadas outras técnicas de mais fácil
compreensão para a população pesquisada, tais como o uso de fotografias
ou desenhos de mapas mentais. De qualquer forma, a experiência foi válida,
pois reforçou a necessidade de se criar meios que facilitem a comunicação
entre o técnico (gestor ou planejador urbano) e o morador.
Foi exposto anteriormente que essas duas visões costumam ser
colocadas de lados diametralmente opostos, como se a cidade fosse uma
grande torre de Babel. Estas disparidades ideológicas mais acentuam do
que revertem problemas urbanos, visto que estabelecem certa hierarquia de
valores, ainda que subliminarmente.
Um dos entraves colocados à gestão urbana está diretamente
relacionado com a questão da segregação sócio-espacial, sobretudo no
âmbito das grandes metrópoles brasileiras. A segregação física pode ser
reforçada pelas distinções conceituais, na medida em que as nomenclaturas
utilizadas sempre reforçam esta dicotomia: legal e ilegal; regularizado e
clandestino; central e periférico.
Com relação a esta última contraposição, observa-se que, com o
passar dos anos, o termo periferia se tornou pejorativo no caso brasileiro. O
estar à margem apenas por uma questão de localização, se tornou o estar à
margem do urbanamente reconhecido.
Com isto, o desafio que se impõe na pesquisa científica é o de estar
constantemente superando esta fronteira de conhecimento que ainda
persiste em relação à realidade das ocupações irregulares. O exercício da
projeção de olhares e de vivências é o que fica como recomendação para
pesquisas futuras.
128
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138
Anexo I
Tabelas
139
ANTES DA INTERVENÇÃO
O QUE ERA RUIM NA VILA? No. de referências
%
Ruas não asfaltadas ou ausência de arruamento adequado 105 75 Moradias ruins 3 2.1 Valetas a céu aberto 39 27.8 Falta de energia elétrica 25 17.8 Falta de iluminação pública 2 1.4 Risco de incêndio por ligações elétricas clandestinas 10 7.1
Falta de abastecimento de água 25 17.8 Alagamentos por causa da chuva 27 19.3 Falta de sistema de esgoto 19 13.6 Falta de saneamento básico 4 2.8 Mau cheiro 5 3.6 Vetores de doenças (pernilongos, ratos, baratas) 8 5.7 Lixo 19 13.6 Violência e falta de segurança 23 16.4 Banhados 7 5 Vizinhança ruim (traficantes e bandidos) 6 4.3 Não soube especificar por entender que tudo era ruim 11 7.8 TABELA 1 – ASPECTOS NEGATIVOS ANTES DA INTERVENÇÃO URBANA SEGUNDO MORADORES Fonte: Elaborado pela autora.
140
DEPOIS DA INTERVENÇÃO
O QUE MELHOROU NA VILA? No. de referências
%
Sistema de esgoto 29 20.7 Pavimentação das ruas 120 85.7 Energia elétrica 27 19.3 Sobrados e demais moradias 52 37.1 Sistema de água 24 17.1 Rede pluvial 6 4.3 Saneamento básico 6 4.3 Linha de ônibus 4 2.8 Serviços 5 3.6 Posto de saúde 6 4.3 Creche 3 2.1 Escola 6 4.3 Segurança 15 10.7 Limpeza 3 2.1 Organização do bairro 2 1.4 Visual do bairro 4 2.8 Sociabilidade 3 2.1 Não soube especificar por entender que a melhoria foi geral 16 11.4 TABELA 2 – MELHORIAS APÓS A INTERVENÇÃO URBANA SEGUNDO MORADORES Fonte: Elaborado pela autora.
141
ANTES DA INTERVENÇÃO
O QUE AINDA FALTA NA VILA? No. de referências
%
Praças 15 10.7 Campo de futebol 7 5 Parque 4 2.8 Creches 45 32.1 Calçadas 9 6.4 Escola 10 7.1 Parquinho para crianças 15 10.7 Esportes 5 3.6 Pontos de encontro 8 5.7 Locais de recreação e lazer 66 47.1 Iluminação pública 25 17.8 Áreas verdes 1 0.7 Posto de saúde 39 27.8 Correio 2 1.4 Limpeza pública 3 2.1 Carrocinha 3 2.1 Coleta de lixo 24 17.1 Projetos sociais 5 3.6 Áreas verdes 2 1.4 Segurança 36 25.7 Sinalização nas ruas e lombadas 10 7.1 Mais linhas de ônibus 5 3.6 Mais serviços, atividades e eventos 4 2.8 Arrumar casas que ainda são precárias 1 0.7 Melhorar o visual do bairro 1 0.7 Regularizar terrenos 4 2.8 Passarela na BR -116 para facilitar acesso ao outro lado 4 2.8 Organização do bairro 3 2.1 Não soube especificar 10 7.1 TABELA 3 – EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS URBANOS QUE AINDA FALTAM NO BAIRRO SEGUNDO MORADORES Fonte: Elaborado pela autora.
142
LOCAIS DE DESTINO EM CASO DE RESPOSTA AFIRMATIVA ESTADO CIDADE BAIRRO No. de referências
Alphaville 2 Bacacheri 2 Boa Vista 2
Cajuru 2 Campo Cumprido 1
Capão Raso 1 Centro 5
Jardim Social 2 Santa Cândida 1
Santa Felicidade 1 São Braz 1
Vila Oficinas 2
PARANÁ
CURITIBA
Vila Torres 1 Eugênia Maria 1
Guareituba 1 Jardim Claudia 2
Jardim das Graças 2 Jardim Mauá 1
Maracanã 3 São Gabriel 2
Timbú 1
PARANÁ
COLOMBO
Vila Sabará 1
ESTADO CIDADE No. de referências CAMPO MAGRO 1
CERRO AZUL 1 IRATI 1
LARANJEIRAS DO SUL 1 PINHAIS 1
PIRAÍ DO SUL 1 PIRAQUARA 1
REGIÃO NORTE DO ESTADO 2 TRÊS BARRAS 1
PARANÁ
TUNAS DO PARANÁ 1 SANTA CATARINA FLORIANÓPOLIS 1
SÃO PAULO SÃO PAULO 1 OUTROS PAÍSES 1
PARAGUAI 1 URUGUAI 1
TABELA 4 – LOCAIS DE DESTINO DA POPULAÇÃO QUE SE MUDARIA DA VILA ZUMBI DOS PALMARES APESAR DA INTERVENÇÃO URBANA
Fonte: Elaborado pela autora.
143
Anexo II
Formulário Entrevista
144
ENTREVISTA COM MORADORES DA VILA ZUMBI DOS PALMARES Data: No.
DADOS PESSOAIS
Nome completo: Idade: Profissão: Há quanto tempo é morador da Vila?
1. Antes da intervenção, o que era ruim na Vila?
2. Depois da intervenção, o que melhorou e o que piorou na Vila?
3. O que ainda falta na Vila Zumbi dos Palmares para torná-la melhor?
4. Se você pudesse se mudar para qualquer outro bairro, independente da sua
condição financeira, qual seria? Quais as características deste bairro?
COMENTÁRIOS ADICIONAIS