as crianças institucionalizadas - o outro lado da sociedade
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As Crianças InstitucionalizadasTRANSCRIPT
As crianças institucionalizadas O outro lado da sociedadeMaria de Fátima Oliveira e Cristina Camões2003
Idioma: português Palavraschave: Crianças de rua, comportamentos problemáticos, intervenção comportamental, família.
ResumoO presente trabalho objectiva verificar a realidade institucional e os motivos subjacentes ao ingresso das crianças nas instituições. Escolhemos estetema pela obscuridade social que existe, já que a sociedade evita falar deste lado social. O método que utilizamos foi a Investigação Qualitativa,visando uma descrição fiel da realidade existente no mundo institucional. O nosso alvo de investigação foi um grupo de crianças entre os cinco e osquinze anos, do Projecto de Apoio à Criança, em Braga.
As crianças institucionalizadas, são crianças que em muitos casos, não esperam por um colo, nem por uma família, esperam que o tempo os conduza aoutra instituição, onde uma outra fase da vida “as libertará”, em muitos casos, para as ruas.
Introdução
O presente trabalho visa descrever os comportamentos de crianças institucionalizadas. Para tal efectuamos uma investigação qualitativa, que nospermitiu observar esses mesmos comportamentos em contexto natural.
A pertinência do tema reside no facto de podermos estudar até que ponto a intervenção deste grupo multidisciplinar (PAC), provoca mudanças nocomportamento destas crianças em ambiente institucional.
Segundo Sareceno (1988), a família é bastante importante na vida do indivíduo: a família é uma construção social, cultural e económica da realidade.
A família é a primeira etapa de socialização da criança, é o contexto educativo onde aprende e sente as normas, valores sociais, culturais e valoresemocionais. A família é uma base de aprendizagem, que produzirá na criança um processo de desenvolvimento cognitivo, sensorial, motor e afectivo.Na medida em que “A vida familiar é a nossa primeira escola de aprendizagem emocional” (Goleman, 1995).
É através da família que é incutida à criança e ao jovem uma cultura que posteriormente construirá a sua identidade individual e social, contribuindodeste modo para a sua autonomia, ou seja, para uma “autonomia de valores” e responsabilidade pelas suas opções de vida.
Sereceno salienta a importância da identidade familiar como identidade pessoal. Existe assim um estilo educativo relacionado com o tipo de famílias efenómenos sociais.
Do grupo de crianças que estudamos, todas elas eram provenientes de famílias disfuncionais que apresentavam comportamentos autodestrutivos, ouseja, comportamentos de risco, relacionados com a toxicodependência, alcoolismo, prostituição, maustratos físicos e psicológicos.
Na maioria estes comportamentos estão associados aos problemas de pobreza, podendo ser tanto causas como consequências dessa situação.
Sendo assim, verificase que uma forma de exclusão pode ser consequência de outra forma de exclusão, por exemplo: o toxicodependente queabandona o lar de origem e cai na miséria. É um exemplo de um comportamento auto destrutivo que leva à exclusão do tipo psicossocial e económico,ou seja são crianças e jovens que à partida são rejeitados socialmente.
No entanto não excluindo o factor de insuficiência ou de falta de recursos, há situações que advém do estilo de vida familiar, da falta de serviços debemestar e de uma cultura individualista que é pouco sensível à solidariedade.
Esta instabilidade psicossocial provoca uma disfuncionalidade familiar, que já por si é frágil, prejudicando assim os membros do agregado,principalmente as crianças e jovens.
Como salienta Sebastião (1998), “A crença no papel que alguns papéis, fenómenos desencadeiam as situações de marginalidade (…) pobreza,desagregação familiar, baixa escolaridade e consumo de drogas (… )”.
Deste modo, as crianças e jovens adoptam mecanismos de defesa e sobrevivência passando a considerar a rua como sendo um espaço de socialização,na medida em que passam a maior parte do tempo e de modo permanente na rua, consequentemente leva ao fenómeno da delinquência juvenil. Nestesentido, importa meditarmos sobre o que serão “crianças de rua” e “crianças na rua”.
Pesquisa empírica e metodologia de investigação
A metodologia utilizada foi a Investigação Qualitativa, porque nos permite a descrição e a compreensão interpretativa na recolha e análise dos dadosdos actores intervenientes, na medida em que “Integram acontecimentos, eventos implícitos e verbalizados: percepções, representações, opiniões,discursos, gestos, práticas, experiências”, Lessard et al (1996).
As técnicas utilizadas foram: observação directa e participante, através dos contactos na participação das actividades diárias das crianças. Este tipode observação é um método que determina que o investigador realize observações fazendo parte de um grupo ou de uma organização. O investigadorinserese no contexto do tema que vai estudar.
Segundo Patton, existem cinco dimensões de observação: Utilizamos uma observação totalmente participante, o que nos permitiu partilhar de forma muito íntima a vida e as actividades das crianças nocontexto em que elas se encontravam. O nosso objectivo foi desenvolver uma perspectiva do ponto de vista das crianças observadas ou seja, não nos limitamos a ver o que acontece, mas
também sentimos o que é fazer parte daquele contexto. A imagem que passamos para as crianças foi totalmente aberta, uma vez que logo na primeira observação fomos apresentados como estudantes depsicologia, tendo lhes sido explicado o nosso objectivo. Quanto à duração da investigação consistiu em observações múltiplas (cinco manhãs), sendo o foco da nossa observação alargado, o que nospermitiu obter um estudo holístico do PAC. Recorremos às conversas informais, que foram importantes para os primeiros contactos com as crianças de modo a estabelecer empatia, com ointuito de promover a sua cooperação e participação no nosso trabalho. Achamos pertinente utilizar junto do pessoal técnico o tipo de entrevistaaberta com guião geral, pois assim, permitiunos obter maior flexibilidade nas questões formuladas. O registo fotográfico foi utilizado como uminstrumento de investigação, captando deste modo, a importância das emoções, atitudes, participação e cooperação com as crianças.
O PAC é uma valência do Centro Cultural de Santo Adrião, em Braga. O espaço físico é constituído por: oito quartos (quatro para meninas e quatropara meninos), cada quarto são compartilhados por dois elementos, existindo também quatro casas de banho. Os almoços são servidos numa sala quecomporta cozinha e copa. Existia uma sala de estar com televisão e ao lado uma sala estudo, com secretárias e estante de biblioteca.
O grupo é constituído por oito crianças com idades compreendidas entre os cinco e os quinze anos, que se encontram numa situação de risco, demarginalidade, de abandono escolar, de ruptura familiar e com dificuldades de integração social.
Resultados
O registo fotográfico realizado evidencia a preocupação dos técnicos em incutir às crianças valores humanos, tais como: Alegria; Amor; Sonhos;Amizade; Fantasia. Esta categorização de valores é totalmente estranha na vida destas crianças, já que a realidade vivida por estas antes de chegarem àinstituição era bem diferente. Todos estes valores são uma antítese às suas realidades de vida, estas crianças conhecem um malestar psicológicoconstante provocado pelo abandono familiar, pela negligência, violência física e psíquica, pela falta de afecto, amor, atenção, problemas deprostituição, alcoolismo. Actualmente, é unanimemente aceito por profissionais da área educacional, clínica e da saúde que a habilidade de interagiradequadamente e com os adultos significativos é um aspecto importante no desenvolvimento infantil e adolescente (Caballo, 1987; Del Prette & DelPrette, 1999; Harralson & Lawler; 1992). Se a interacção com os elementos significativos (família e afins) vivida por estas crianças durante a infânciaé problemática, acarretará no futuro acções e desvios comportamentais.
O papel da família é relevante para um bom desenvolvimento infantil, o que se assiste é que os pais destas crianças passam modelos decomportamento que irá influenciar ou condicionar o comportamento das mesmas.
Adicionalmente, variáveis perturbadoras estão correlacionadas à prática inadequada das atitudes parentais: história de conduta antisocial em outrosmembros da família, desvantagens no status sócioeconómico e stressores como desemprego, violência familiar, conflitos conjugais e divórcio.
Numa segunda fase da investigação pedimos às crianças, que elaborassem um desenho e uma composição à sua escolha, que incluímos em “Anexos”.
Pela análise dos desenhos, constatamos que, existem duas variáveis comuns a todos; a casa e a figura humana. Hipoteticamente a casa poderásimbolizar o lar e a falta de afecto e protecção, que todas estas crianças precisariam, por outro lado a figura humana representaria a figura parental,que muitas vezes é disfuncional e ausente.
Categorização
Falta de Afecto Constatamos que a mãe foi a figura mais citada nas conversas informais que obtivemos junto destas crianças, já que esta era muitas vezes projectadapara a directora da instituição. Seleccionamos uma redacção que achamos pertinente para ilustrar o sentimento de dependência emocional e de cuidados básicos da vida diária. “Estou aqui no Centro Cultural Social de Stº Adr. Com a sua ajuda (… )” “Não sei como agradecer por isso peço. Obrigado”
Abuso Sexual Para preservar a integridade das crianças, não citaremos casos em concreto, contudo foinos relatado, que o abuso sexual praticado pelas figurasparentais existia naquela realidade.
Abandono familiar (não necessariamente físico) Muitas vezes as famílias delegam para a “rua” a responsabilidade de educar estas crianças. Sem horários para refeições, escola, sem disciplina, semcuidados básicos de higiene pessoal. Uma das composições analisadas é bem ilustrativa do previamente citado. “Aqui no centro terei pequenoalmoço, almoço, lanche, jantar e antes de me deitar, se eu quiser também tenho um copo de leite com Cola Cau(…)de manhã tomo um banho(…)evou para a escola(…)” “Aqui sempre estou melhor que estar na rua ou noutro sítio qualquer(…)”.
Negligência Institucional Numa das conversas informais que efectuamos, verificamos que a negligência institucional é uma realidade presente. Verificase muitas vezes, que aspróprias instituições não cumprem o seu papel de protecção social, já que muitas vezes comportamentos ou atitudes desviantes dão origem a que aspróprias instituições expulsem as crianças.
Toxicodependência Na nossa investigação contactamos que a droga, constitui um dos principais motivos para a exclusão social destas crianças. Numa das observaçõesefectuada, foinos relatado pela directora o caso de uma jovem que fugiu da instituição para se juntar a outros toxicodependentes. “Confessounos que no dia anterior tinha ido para sua casa apenas às vinte e três horas, uma jovem F., de 15 anos, tinha fugido nessa semana dainstituição. Desencaminhada por traficantes, foi levada para um bairro degradado, “Já estava cansada e exausta, não sabia se ia conseguir encontrala”.Explicounos que andara dias pelo bairro a procurala, acompanhada pela Dr.ª Cristina (psicóloga da instituição), após largas horas e depois de veremdiversas carrinhas da instituição a passar no bairro, decidiram deixar a F. telefonar para a instituição a dizer que estava bem.”
Discussão
Os resultados são mais significativos do que aquilo que estávamos à espera, uma vez que, a realidade do dia–adia é mais cruel e dura do que aquelaevidenciada pela literatura existente. Um dos padrões comportamentais possíveis de causar falhas importantes no curso do desenvolvimento infantil éo comportamento antisocial das famílias das crianças, cuja a etiologia está basicamente acentada em relações familiares e formas de educaçãoinfantil, que não só possibilitam o seu aparecimento como reforçam a ocorrência do mesmo.
Futuramente estas crianças, tenderão a repetir os padrões comportamentais dos seus familiares. Assistese a uma circularidade social, já que o idealseria a existência de uma vida em forma de espiral. Urge mudar o sistema e reforçar as equipas de intervenção social, já que o suporte social e aintervenção junto destas crianças são cruciais na sua reabilitação, esta realidade ficou bem visível nas entrevistas ao corpo técnico da instituição.
Assim sendo, uma das opções para a prevenção e intervenção frente a problemas de incompetência social decorrentes destes comportamentos, seriaorientar pais em pautas de educação infantil avaliada na literatura como passíveis de produzir comportamento prósocial, e actuar junto aos própriosjovens de forma a possibilitar aprendizagem de tais comportamentos.
Reflectindo sobre o tema levanos a achar que as crianças institucionalizadas são privadas do seu espaço subjectivo, dos seus conteúdos individuais,da realidade dos vínculos afectivos. São despojadas de experiências sóciopsicológicas da normalidade infantil. A sensação é de vazio, a dor, às vezesa indiferença, ou a perplexidade. São filhos da solidão…o sonho destas crianças é terem uma mãe e um pai.
E por não entenderem bem as angústias do mundo, a sua personalidade está cheia de contradições.
Referências Bibliográficas
Caballo, V.E. (1997), Manual de evolución y entrenamiento de las habilidades sociales.
Del Prette, A., & Del Prette, Z.(1999), Psicologia das habilidades sociais –Terapia e Educação.
Harralson. , T. L., & Lawler, K.A. (1992) The relationship of parenting styles and social competency to type behaviour in children.
Saraceno, (1998).
Sebastiao, (1998)
Lessard et al, (1996)
Goleman, (1995), Inteligência Emocional.