as formas de tratamento em japonês e português na perspectiva da
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ELISA AKIKO MARUYAMA NUNES
AS FORMAS DE TRATAMENTO EM JAPONÊS E PORTUGUÊS NA PERSPECTIVA DA TEORIA PRAGMÁTICA DA POLIDEZ
Monografia apresentada à Disciplina Orientação Monográfica II, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Letras, área de concentração Estudos Lingüísticos, Curso de Letras, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa. Dra. Ligia Negri
CURITIBA 2008
ii
iii
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Lígia Negri por todo o aprendizado, pelo voto de confiança e pelas
orientações que permitiram o direcionamento deste trabalho.
À Profa. Dra. Elena Godoi pelas valiosas contribuições na Banca de Defesa da
Monografia.
À Profa. Dra. Maria José Foltran pela observação em relação aos pronomes de
tratamento em língua portuguesa.
Aos professores do curso de Letras da Universidade Federal do Paraná por terem me
mostrado um outro universo.
Ao meu marido, Ricardo João Sonoda Nunes pelo amor, compreensão e auxílio em todos
os momentos.
Aos meus pais, pelos grandes esforços em proporcionar aos filhos um bom nível
educacional e às minhas irmãs e ao meu irmão pela confiança e apoio.
Às minhas sobrinhas e sobrinhos por me mostrarem que a alegria e a espontaneidade
devem estar presente em todos os momentos.
À minha nova família, Sonoda Nunes pelo acolhimento caloroso e a compreensão em
todos os momentos.
Aos amigos Sandra e Jorge, Ana Paula e Sérgio por terem acreditado e incentivado a
conclusão desse curso.
Aos amigos de turma ingressos em 2005 no curso de Letras Português, aos amigos que
conheci ao longo dos corredores da Universidade e aos amigos de trabalho pelo
companheirismo e apoio.
iv
Dedico este trabalho às minhas avós (in memorian) Ito Maruyama e Mitsuko Fukuyama, por terem me ensinado desde cedo os caminhos da polidez.
v
SUMÁRIO
RESUMO .......................................................................................................................... vi
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1
1. PRAGMÁTICA .............................................................................................................. 4
1.1.1 O que é a pragmática ...................................................................................... 4
1.1.2 O campo da pragmática .................................................................................. 6
1.1.3 Objeto de estudo da pragmática ..................................................................... 7
2. REFERENCIAL TEÓRICO SOBRE A POLIDEZ .................................................................... 8
2.1 Noção de polidez ................................................................................................ 8
2.2 O princípio de Grice e os seus desdobramentos ............................................... 8
2.3 O conceito de Face de Goffman ........................................................................ 10
2.4 Teoria de Polidez de Brown e Levinson ............................................................. 11
3. FORMAS DE TRATAMENTO EM LÍNGUA JAPONESA E EM LÍNGUA PORTUGUESA .................. 16
3.1 Expressões de tratamento na língua japonesa .................................................. 16
3.1.1Formas das expressões de tratamento ........................................................... 19
3.2 Pronomes de tratamento na língua portugesa .................................................. 22
4. TRABALHOS SOBRE AS EXPRESSÕES DE TRATAMENTO EM JAPONÊS .............................. 27
4.1 O estudo de Mayumi Usami ................................................................................ 27
4.1.1 Análise dos dados de Usami............................................................................ 29
4.1.2 Conceituação dos termos utilizados em Usami .............................................. 29
4.1.3 Projeto e resultados de Usami......................................................................... 31
4.2 A análise de Yoshiko Matsumoto ....................................................................... 34
5. REPRESENTAÇÃO DAS FORMAS DE TRATAMENTO EM JAPONÊS E PORTUGUÊS ................. 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 43
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 46
ANEXOS........................................................................................................................... 49
Anexo 1 – Ensaio da Revista Veja (19/02/1992) - “Você, tu e o senhor” ....................... 50
vi
RESUMO O objetivo deste trabalho é estudar as expressões de tratamento em língua japonesa, enfocando também os pronomes de tratamento em língua portuguesa, através de uma perspectiva pragmático-lingüística e uma possível aplicabilidade da Teoria de Polidez de Brown e Levinson. Para alcançar essa finalidade, abordaremos o conceito de pragmática, os princípios de Grice, o conceito de Face de Goffman e a Teoria de Polidez de Brown e Levinson. Em seguida, explicaremos o que são as expressões de tratamento em língua japonesa, os conceitos existentes sobre os pronomes de tratamento no português brasileiro e os estudos realizados por Mayumi Usami e Yoshiko Matsumoto. Finalmente, efetuaremos uma representação da utilização das formas de tratamento em língua japonesa e portuguesa através da Teoria de Polidez de Brown e Levinson. Palavras-chave: Pragmática, Polidez lingüística, Face, Expressões de tratamento em língua japonesa, Pronomes de tratamento em língua portuguesa.
1
INTRODUÇÃO
“Na cerimônia, que reuniu cerca de 5.000 pessoas, o príncipe Naruhito voltou a
quebrar o protocolo, como já havia feito em São Paulo, e cumprimentou o público
[grifo nosso]. O imigrante Haruo Toketomi, 89, foi um dos que receberam um aperto de
mão do príncipe. Para ele, cumprimentar o futuro imperador japonês foi ‘uma coisa
inesperada e emocionante’”. 1
Em comemoração ao Centenário da Imigração Japonesa, o príncipe Naruhito,
herdeiro do trono japonês, comoveu os milhares de imigrantes e descendentes de
japoneses na visita que fez ao Brasil. O gesto de humildade do príncipe, ao cumprimentar
os pioneiros da imigração, além de emocioná-los, também os transformou em súditos
privilegiados. Para os padrões ocidentais, o aperto de mãos realizado por um chefe de
estado é uma prática comum, porém, em um país como o Japão, no qual a família
imperial é sagrada, e onde inexiste essa prática, os cumprimentos realizados por Naruhito
impressionaram todos que assistiram as comemorações.
A integração do futuro imperador do Japão com os pioneiros da imigração,
simbolizado pela quebra (por parte do príncipe) de uma conduta esperada e milenarmente
ritualizada, parece ser o reverso de um choque cultural (vivenciado nessa ocasião pelos
pioneiros da imigração) quanto à questão da polidez. Esse choque cultural repete-se
quando brasileiros interagem com os japoneses, com a diferença que a constatação que
se forma, do ponto de vista dos japoneses é, “brasileiro rude/japonês cortes” e, em
relação aos brasileiros, “japonês frio, indiferente/brasileiro cortes”.
Conforme BENEDICT (2002, p. 47):
“O Japão, com toda a sua recente ocidentalização, é ainda uma sociedade aristocrática. Cada cumprimento, cada contato deve indicar a espécie e grau de distância social entre os homens. Cada vez que um homem diz para outro “Coma” ou Sente-se”, usa palavras diferentes, conforme esteja se dirigindo familiarmente a alguém ou falando com um inferior ou superior. Existe um “você” diferente que deve ser usado em cada caso e o verbos têm radicais diferentes. Os japoneses têm, em outras palavras, o que se chama uma “linguagem de respeito”, tal qual muitos outros povos do Pacífico, acompanhada de mesuras e genuflexões apropriadas.”
Os procedimentos expostos na citação acima refletem uma sociedade governada
por regras e convenções (culturais, lingüísticas, comportamentais, sociais), forjadas
1 MASCHIO, J. Visita do príncipe Naruhito reúne 75 mil no interior do Paraná. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 de jun. 2008
2
através dos séculos, em meio à forte presença de rígidos padrões hierárquicos,
devotamento filial, e diferenças de classe, sexo e idade.
Assim sendo, não é apenas necessário saber qual a expressão de tratamento2
correta a ser utilizada, mas também a quem é feita e qual o seu papel na sociedade
japonesa. Uma reverência correta para uma determinada visita pode ser considerada uma
falta de educação por outra visita, em uma mesma ocasião.
Sendo assim, é necessário saber harmonizar a reverência, formular perguntas:
quem é o falante; quem é o ouvinte? São indivíduos que pertencem a extratos sociais
diferenciados, há entre eles uma relação simétrica ou assimétrica? Certamente essas são
apenas algumas das questões que se apontam, em um cenário no qual falar, é uma forma
de conduta governada por regras sociais.
Conforme BENVENISTE (2005, p. 286), “É na linguagem e pela linguagem que o
homem se constitui como sujeito...”, e ele o faz quando se coloca como eu, em relação a
outro, colocado como tu. Na sociedade japonesa, essa capacidade de tornar-se sujeito e
desempenhar um papel, o de protagonista, acarreta uma série relações complexas entre
indivíduo-meio-visão de mundo-recorte de realidade.
A relação sui generis entre as expressões de tratamento na língua japonesa e o
seu uso ocasiona uma distensão do campo puramente lingüístico para a pragmática. No
interior do campo da pragmática da linguagem, a Teoria de Polidez de Brown e Levinson
(1987) parece explicar as diversas estratégias de utilização dessas expressões de
tratamento.
O objetivo principal desta monografia é realizar, através de uma perspectiva
lingüístico-pragmática, uma análise da Teoria de Polidez de Brown e Levinson e sua
possível aplicabilidade nas utilizações das expressões de tratamento da língua japonesa,
enfocando também a relação com os pronomes de tratamento na língua portuguesa.
Devido às distinções efetuadas acima, acreditamos que esse contraponto entre as línguas
evidenciará as diferenças e permitirá novas compreensões.
Como objetivos específicos, há a intenção em contribuir para o desenvolvimento
dos estudos sobre as expressões de tratamento da língua japonesa a partir de um
2 Doravante utilizaremos o termo “expressões de tratamento”, essa expressão foi consagrada por Tae Suzuki no livro: “As expressões de tratamento da língua japonesa”.
3
enfoque pragmático; analisar os estudos feitos por Mayumi Usami3 em relação às
expressões de tratamento da língua japonesa e a conexão destes com os estudos de
Brown e Levinson; verificar o posicionamento de Yoshiko Matsumoto4 frente à questão;
auxiliar os estudantes brasileiros a compreenderem as formas de utilização das
expressões de tratamento; e, em certa medida, ao apresentarmos os pronomes de
tratamento da língua portuguesa, auxiliar os estudantes japoneses que estudam a língua
portuguesa e vice-versa.
A questão que se coloca, portanto, é a seguinte: na oralidade a escolha na
utilização de uma expressão de tratamento na língua japonesa está relacionada, não aos
fatores sócio-culturais (que pré-determinam a escolha) e normatizadas na norma padrão,
mas a uma escolha regulada pelo falante. A hipótese inicial é a de que o falante tem
várias possibilidades de veicular na fala as suas intenções, marcando o tipo de relação
existente, mesmo em uma sociedade tão regulada por valores de deferência e hierarquia
como a japonesa.
O presente trabalho divide-se em cinco capítulos: no primeiro, encontra-se a
caracterização da pragmática para a lingüística, bem como quais são os campos de
estudo e objetivos da pragmática; no segundo capítulo serão expostas noções sobre a
polidez, a Teoria de Grice e seus desdobramentos, o conceito de “Face” formulado por
Goffman, e por fim, a Teoria de Polidez de Brown e Levinson; o terceiro capítulo irá
apresentar as expressões de tratamento em língua japonesa e os pronomes de
tratamento na língua portuguesa; o quarto capítulo tem como objetivo expor o trabalho
realizado pela professora Mayumi Usami no livro “Discourse Politeness in Japanese
Conversation” e apresentar os resultados obtidos; bem como, a análise de Yoshiko
Matsumoto no artigo intitulado “Reexamination of the universality of Face: Politeness
Phenomena in Japanese”; no quinto capítulo será apresentada a comparação da
representação das formas de tratamento em língua japonesa e língua portuguesa; e, por
último, nas considerações haverá uma descrição dos resultados obtidos, assim como
novas propostas para estudos futuros.
3 Mayumi Usami é professora da “Tokyo University of Foreign Studies”. 4 Yoshiko Matsumoto é professora da “Stanford University, Department of Asian Languages”.
4
1. Pragmática
1.1.1 O que é a Pragmática
Atualmente, a maior parte dos fenômenos lingüísticos denominados como
“pragmáticos” há algumas décadas, eram pouco conhecidos para a imensa maioria dos
lingüistas. Os estudos pragmáticos, à medida que se desenvolviam, revelaram novos
aspectos, por vezes insuspeitados, da comunicação humana e da significação lingüística.
Para BORGES NETO (2004, p. 32), “Ao escolher o objetivo fazer ciência, a
lingüística propõe de fato um modo de construir seu objeto, a linguagem”. A partir dessa
nova orientação do objetivo, que procura se estabelecer no final do século XIX e início do
século XX, há uma reorientação dos objetivos históricos relacionados à lingüística,
anteriormente influenciados pelos objetivos: fazer filosofia, ou, fazer crítica literária.
É nesse contexto que se estabelecem as descrições lingüísticas, inicialmente
limitadas à distinção saussuriana entre língua (“langue”) e fala (“parole”). Os estudos da
fonética e da morfologia foram progressivamente se recentralizando em torno da sintaxe,
consolidando as disciplinas que tratavam de níveis formais do objeto teórico,
consolidando um centro em relação ao objeto teórico. Segundo NEGRI (2006), a
semântica possuía lugar garantido e definido nessa arquitetura, devido à tradição
filosófica dispensada à significação, fosse de uma perspectiva aristotélica, ou
posteriormente, com os trabalhos como os de Frege.
Porém, verificou-se rapidamente que um tratamento satisfatório de numerosos
dados semânticos e sintáticos dependia, de modo crucial, de fatores situacionais e
subjetivos que não estavam inseridos no interior da semântica, tampouco na sintaxe.
Assim sendo, tudo o que dizia respeito à significação, mas de difícil formalização foram
postos de lado e colocados no que ficou então conhecido como a pragmática, conforme
NEGRI (2006, p. 8), “... a lata de lixo da lingüística (expressão cunhada por Bar-Hillel,
1971)”.
Segundo o Dicionário de Linguagem e Lingüística5, a pragmática é “O ramo da
lingüística que estuda como os enunciados comunicam significados num contexto”.
Devido à abrangência dessa definição, apontaremos abaixo as definições propostas pelos
estudiosos da lingüística.
5 TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e lingüística. Tradução Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004. p. 232.
5
Para NEGRI (2006), a concepção moderna sobre a pragmática fundamenta-se na
proposta formulada por MORRIS6 , na qual essa divisão é apresentada em relação à
sintaxe e a semântica. Esses três ramos de caracterização, sintaxe (estudo da relação
formal entre os signos), semântica (estudo da relação entre os signos e objetos a que
estes signos são aplicados) e pragmática (estudo da relação entre os signos e intérpretes)
são mencionados pelos lingüistas sempre que se almeja uma delimitação da pragmática.
Em “Pragmática”, STALNAKER (1972) delineia a pragmática iniciando-se pela
apresentação da semântica, pois apenas a partir da delimitação da fronteira entre esses
dois campos, seria possível demarcar a pragmática. Para o autor, os problemas centrais
da semântica relacionam-se com a definição de verdade, ou condições de verdade, para
sentenças de certas línguas. Sendo as as condições de verdade representadas/expressas
pelas proposições, o autor considera a semântica como o estudo das proposições.
Definido o campo da semântica, afirma que a pragmática é o estudo dos atos lingüísticos
e dos contextos nos quais eles são executados.
NEGRI (2006) expõe que nesse artigo, Stalnaker relaciona à pragmática e à
semântica funções de interpretação: à primeira, caberia relacionar proposições e
contextos, à segunda, conduzir mundos possíveis a valores de verdade. Assim sendo,
“.... à pragmática têm sido legadas questões relacionadas à intencionalidade do falante
(aqui intencionalidade com c), à significação relacionada às instâncias enunciativas e
relações contexto culturais” (Op. cit., p. 11).
Conforme LEVINSON (1983), a distinção tripartite de MORRIS traz a
possibilidade de se contrapor um estudo “puro” da linguagem (sintaxe e semântica) de um
estudo “descritivo” (pragmática). A pragmática abrangeria o estudo dos usos dos signos
pelo usuário.
PINTO (2006), mesmo admitindo a diversidade presente nos estudos atuais
relativos à pragmática, admite que há certos pressupostos em comum. Com o intuito de
ratificar essa afirmação, cita que Haberland e Mey, na primeira edição do “Journal of
Pragmatics”, afirmam que a pragmática analisa, em uma via, o uso concreto da linguagem
na prática lingüística, e em outra, estuda as condições que governam esse uso. Assim, a
6 MORRIS, C. Signs, language and behaviour, 1933, trad. italiana Silvio Ceccato, Segni, Linguaggio, Comportamento. Milão: Longanesi, 1963.
6
pragmática pode ser apontada como a ciência do uso lingüístico, levando em conta
também a fala, em interação com a produção social.
1.1.2 O campo da pragmática
No artigo “Os caminhos da Pragmática no Brasil”7, Kanavillil Rajagopalan aponta
que a grande dificuldade para averiguar como andam as pesquisas relativas à pragmática
no Brasil deve-se principalmente à dificuldade em definir o que é a pragmática. Ou seja, a
indefinição quanto à demarcação da linha fronteiriça entre os domínios da semântica e da
pragmática, dificultam a análise. Não obstante, o autor expõe que o crescente número de
estudos relacionados à pragmática e a variedade de assuntos provam que a pragmática
mantém vínculos com muitas outras disciplinas, como análise do discurso, análise
conversacional, lingüística de texto, sociolingüística, lingüística aplicada, e, nesse sentido,
a pragmática poderá vir a ser um meio para estabelecer diálogos frutíferos com as
disciplinas conexas.
Essas possibilidades de inter-relação parecem estar relacionadas ao fato de a
pragmática ser uma área genericamente definida por pesquisar sobre o uso lingüístico,
aumentando assim, a abrangência dos temas para análise.
Por sua vez, CHOMSKY (2002, p. 233), afirma: “É possível que a linguagem
natural tenha apenas sintaxe e pragmática; ela tem uma “semântica” apenas no sentido
do “estudo de como este instrumento, cuja estrutura formal e cujas potencialidades de
expressão estão sujeitas à investigação sintática, é, de fato colocado em uso em uma
comunidade de discurso””. A capacidade de falar e comunicar na linguagem natural
estaria relacionada a conexões entre computações internalistas e sistemas de
desempenhos, associados com diversas informações e crenças em formas particulares.
Partindo das perspectivas expostas acima, observamos que existe uma grande
discussão a respeito dos limites e conexões entre os campos de estudo. Esse debate
também está presente não apenas nas delimitações, mas no interior da própria
pragmática, conforme VERSCHUEREN8, apud VICENZI (2006), a pragmática deve ser
entendida como uma perspectiva de análise de qualquer um dos níveis da linguagem no
interior da lingüística, e não como um integrante da lingüística (do mesmo modo que a
7 Artigo web, disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php> Acesso em 13 out. 2008. 8 VERSCHUEREN, J. Para entender la pragmática. Madri: Gredos, 2002.
7
sintaxe, a semântica, a fonética, entre outras). Dessa forma, a pragmática engloba e
ultrapassa a própria lingüística, utlizando-se de outras áreas de estudo, como a
sociologia, antropologia, psicologia, com o intuito de aumentar o campo de estudo.
As publicações relativas aos estudos da pragmática, segundo PINTO (2006), são
amplas e variadas, em uma tentativa de delimitar as diferentes correntes de estudos,
define que são três: O pragmatismo americano, influenciado pelos estudos semiológicos
de Wiliam James; os estudos de atos de fala de Austin; e os estudos de comunicação,
voltados para as relações sociais, de classe, gênero, de raça e de cultura.
1.1.3 Objeto de estudo da Pragmática
Em geral, os pesquisadores que lutam pelo pluralismo na lingüística concordam
sobre a possibilidade de convivência pacífica e harmoniosa entre abordagens diferentes.
BORGES NETO (2004, p. 69) defende a tese de complementaridade entre as diferentes
abordagens da seguinte forma: "Dado o grande número de relações que a linguagem
mantém, não temos condições de decidir por onde é que vamos começar a abordá-la.
Toda abordagem proposta vai sempre parecer parcial e arbitrária. A palavra de ordem
aqui é escolher. E escolher implica em deixar algo de fora". Nesse sentido, uma
abordagem pragmática é uma escolha, uma concepção de fazer ciência que edifica um
objeto teórico no qual se exprime o sentimento de que a linguagem comporta aspectos
que não podem ser descritos satisfatoriamente na ausência da interação entre
falante/ouvinte e das condições de sua utilização.
Searle define que “do lado do falante, dizer e querer significar alguma coisa está
estreitamente ligado como a intenção de produzir certos efeitos no ouvinte. Do lado do
ouvinte, entender a enunciação do falante está fortemente ligado ao reconhecimento das
suas intenções” (1981, p. 66). Para o autor, as intenções do falante serão compreendidas
pelo ouvinte se este entender as regras que comandam os elementos da enunciação e a
significação da frase.
Em uma perspectiva pragmática, o entendimento dessas regras está interligada
intrinsecamente à expressão lingüística, e resulta da interação entre essa expressão e o
contexto. Nesse sentido, a pragmática estuda a linguagem em uso, toda vez que há uma
alteração no contexto, também muda o que é comunicado. Existe dessa forma, uma
relação variável entre o que se diz e aquilo que se comunica, dependendo do contexto.
8
2. Referencial teórico sobre a polidez na pragmática
2.1 A noção de Polidez
Na Idade Média, a polidez referia-se ao padrão de “bom comportamento” adotado
pela nobreza. Para ELIAS (1994), a autoconsciência e o comportamento socialmente
aceitáveis apareceram em francês como courtoisie, em inglês como courtesy, em italiano
como cortezia, e todos esses conceitos referiam-se diretamente a um lugar na sociedade
e distinguia, através de códigos específicos de comportamento, desde os círculos
cortesãos que gravitavam em torno dos grandes senhores feudais aos estratos mais
amplos. Segundo o autor, durante a Renascença, todas as questões relacionadas ao
comportamento assumiram um novo caráter e a exigência de bons modos uma outra
importância. Vagarosamente, em conjunto com as novas relações de poder há também
um acréscimo em relação ao grau de consideração esperado dos demais, e o senso entre
o que fazer e o que não pode ser feito, torna-se muito mais sutil.
A polidez era, dessa forma, fundamental para a criação e a manutenção de uma
estrutura social hierarquizada e elitista, criando um indivíduo polido e agradável, fato que
contrastava com as outras classes da sociedade, que conseqüentemente eram vistas
como rudes e mal educadas.
Em português, o termo polidez está associado a noções como cortesia, civilidade,
atenção; ou associado a noções de limpeza, uma superfície lisa, lustrosa, envernizada.
Independentemente dessa rede de conexões semânticas, a polidez deve ser entendida
como algo que evoluiu e foi construída historicamente. A existência de especificidades ou
de regularidades em relação à polidez será dependente de cada sociedade, e não pode
ser compreendida sem um contexto e a inserção em um grupo. Ao mencionarmos o
contexto e o grupo, salientamos que este está relacionado aos fatores socioculturais,
históricos e mentais e aquele aos socioculturais, mentais e físicos.
2.2 O princípio de cooperação de Grice e os seus desdobramentos
Segundo GRICE (1982), a linguagem natural permite o surgimento de conteúdos
que não estão convencionalmente ligados aos enunciados, mas são deduzidos pelos
participantes, as implicaturas conversacionais. Através delas, Grice tenta explicar frases
nas quais o locutor parece querer dizer mais do que realmente diz. Partindo desse ponto
9
de vista e da convicção de que a finalidade da linguagem é a comunicação, postulou um
Princípio de Cooperação, “Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida, no
momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que
você está engajado.” (GRICE, 1982, p. 86). Esse Princípio tem um papel altamente
explicativo, capaz de manter o equilíbrio social que nos permite presumir que os nossos
interlocutores estão sendo cooperativos. As máximas relacionadas ao Princípio de
Cooperação, formuladas por Grice, são:
Máxima de Quantidade: a) Faça com que sua contribuição seja tão informativa
quanto requerida; b) Não faça sua contribuição mais informativa do que é
requerido.
Máxima de Qualidade: a)Tente informar sempre a verdade - não diga o que
acredita ser falso; não diga senão aquilo que você possa fornecer evidência
adequada.
Máxima de Relevância: Seja relevante.
Máxima de Modo: a) Seja claro - evite expressões obscuras; evite a
ambigüidade; seja breve; seja organizado.
Grice sugere que além das máximas acima, existem outras, tais como: “seja
polido”. Foi exatamente essa sugestão que levou outros lingüistas como Robin Lakoff a
formular o que não foi determinado por Grice.
Segundo MEIRELES (1999, p. 51), em 1.973 Lakoff9 sugere que duas regras de
comportamento pragmático, denominadas Regras de Competência Pragmática, têm
precedência sobre as Máximas de Conversação de Grice. Uma delas é “Seja claro” e a
outra “Seja e ducado”. Quando houver um conflito entre as duas regras, a preferência por
uma, ou por outra, dependerá das intenções do falante. Caso essa intenção seja apenas
transmitir a informação, a escolha será pela primeira, por outro lado, se a manutenção das
relações sociais for o objetivo, o falante tenderá a sacrificar a clareza em favor da
educação.
Dessa forma a autora, formula as “Regras de Polidez”: Não imponha; Dê opções;
Faça com que “A” sinta-se bem – seja amável. Antecipando-se a uma possível crítica
relativa aos diferentes padrões de polidez nas culturas, e até mesmo no interior de uma
9 LAKOFF, R. “The logic of Politeness: or; minding your P’s nd Q’s. In: Papers fromm the 9th Regional Meeting of the Chicago Linguistic Society, p. 292-305. Chicago: Chicago Linguistic Society, 1973.
10
mesma cultura, reafirma que no caso de divergências de concepção de polidez entre duas
culturas, existe a manutenção das regras, porém ocorre uma diferença na ordem de
preferências, enquanto algumas culturas utilizam como estratégia padrão de cortesia ou
distanciamento, outras preferem a aproximação (Op. cit.,1999, p. 53).
2.3 O conceito de Face de Goffman
Erving Goffman em 1967, no livro “Interaction rituals”, apresenta a sua idéia de
Face, a partir da expressão inglesa “to lose Face”. Para o autor, as pessoas relacionam-
se e, nesse processo, ao mesmo tempo em que respeitam a auto-imagem dos outros,
esperam que os seus interlocutores respeitem as suas.
Assim como existe a proteção da Face, durante a interação, segundo GOFFMAN10,
apud MEIRELES (1999, p. 56), existe a possibilidade de o falante atacar as Faces do
interlocutor e fortalecer, dessa forma, a sua própria Face, tal comportamento é
denominado como “uso agressivo de Trabalho da Face”. Como técnica de trabalho da
Face, cita os processos evasivos, uma forma de evitar as situações constrangedoras, e os
processos corretivos, uma maneira de compensar o dano causado à Face utilizando
comportamentos ritualísticos (Op. cit., p. 56). Esses processos serão posteriormente
ampliados e detalhados por Penélope Brown e Sthephen Levinson a partir de 197811.
Erwing Goffman já havia realizado um estudo12, em 1959, no qual utiliza a metáfora
da ação teatral como base, tratando do comportamento humano em uma situação social e
do modo como aparecemos aos outros.
“A sociedade está organizada tendo por base o princípio de que qualquer indivíduo que
possua certas características sociais tem o direito moral de esperar que os outros o
valorizem e o tratem de maneira adequada”. (GOFFMAN, 2007, p. 21).
Assim sendo, quando um indivíduo pretende, implícita ou explicitamente, projetar
uma definição da situação, automaticamente exerce uma exigência moral, obrigando as
10 GOFFMAN, E. Interaktionsrituale: Über Verhalten in direkter Kommunikation. Frankfurt: A.M. Suhrkamp, 1986. 11 BROWN, P.; LEVINSON, S. “Universals in language usage: politeness phenomena”. In: GODOY, E. N. (Org.): Questions and politeness – Strategies in social interaction. Cambridge: Cambridge University Press, 1978. 12 GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Trad. Maria Célia Santos Raposo. 14. ed.RJ: Vozes, 200
11
pessoas a valorizá-lo. Conjugada a isso, há também uma renúncia a toda pretensão de
ser o que não aparenta ser. Os outros entendem, então, que o indivíduo é realmente o
que ele aparenta ser. O autor cria também o conceito de práticas preventivas (utilizadas
para evitar embaraços) e práticas corretivas (empregadas para evitar as práticas
desabonadoras). Associado ao emprego dessas estratégias para proteger suas próprias
ações, o autor cria o termo práticas defensivas e quando empregadas para salvaguardar
a definição da situação projetada por outro, denomina de práticas protetoras ou
diplomacia (Op. cit., p. 22). Em síntese, a utilização dessas práticas em conjunto são
maneiras do indivíduo salvaguardar uma auto-imagem diante de outros.
2.4 Teoria de Polidez de Brown e Levinson
Os pesquisadores Penélope Brown e Stephen Levinson formulam sua Teoria de
Polidez, a partir da noção de Face, elaborada por Gofman. Para os autores, em nosso
dia-a-dia elaboramos mensagens com o intuito de proteger a Face e, nesse contexto, a
polidez seria a expressão do desejo do falante em suavizar as ameaças à Face,
ocasionadas por certos atos ameaçadores da Face (FTAs)13 em direção ao seu ouvinte
(BROWN e LEVINSON, 1987, p. 61). Assim, a polidez consiste basicamente na tentativa
de salvar a Face do outro.
Brown e Levinson utilizam a idéia de “pessoas modelo” (MP), indivíduos racionais
que pensam estrategicamente, são conscientes de suas escolhas lingüísticas e dotados
de Face negativa e positiva:
- A Face negativa é a necessidade de cada “membro adulto competente” de que
suas ações não sejam impedidas pelo demais, o desejo de auto-afirmação, de não querer
receber imposições, ter liberdade de ação.
- A Face positiva é a necessidade de cada membro do grupo de que suas
necessidades sejam desejáveis ao menos para alguns outros, o desejo de ser aprovado,
aceito, apreciado pelo(s) parceiro(s) da atividade comunicativa.
Para os autores há atos que são intrinsecamente ameaçadores à Face,
chamados atos de ameaça à Face (FTAs). Os autores distinguem quatro categorias de
atos de ameaça à Face:
13 Em inglês “FaceThreatening Acts”– FTAs).
12
1) atos que ameaçam a Face positiva do ouvinte: desaprovação, críticas, insultos,
acusações;
2) atos que ameaçam a Face negativa do ouvinte: pedidos, ordens, sugestões, conselhos,
avisos;
3) atos que ameaçam a Face positiva do falante: pedidos de desculpa, aceitação de
elogio, humilhação, confissão, extravasar emoções (perda de controle);
4) atos que ameaçam a Face negativa do falante: aceitação de ofertas e de
agradecimentos.
Brown e Levinson alegam que a escolha de estratégia de polidez depende do peso
do FTA, que é determinado por três fatores:
1) o poder do ouvinte sobre o falante (P);
2) a distância social entre o ouvinte e o falante (D);
3) o ranking do grau de imposição do ato (R).
Quanto mais peso os FTAs tiverem, mais mitigadas as estratégias devem ser. Os
autores representam a relação entre as variáveis que podem ser usadas para calcular o
grau de um FTA conforme abaixo (BROWN e LEVINSON, 1987:76):
Wx: O peso do FTA x
D (F, O): A distância social entre Falante e Ouvinte
P (O, F): O Poder do Ouvinte sobre o Falante
Rx: O grau no qual o FTA x é classificado como imposição naquela cultura.
A fórmula de Brown e Levinson considera que “a função que determina um valor
para Wx na base dos três parâmetros sociais faz isso numa base aditiva (“summative”) e
a função deve compreender o fato de que todas as três dimensões P, D e R contribuem à
seriedade de um FTA, e deste modo determinam o nível de polidez com o qual um FTA
será comunicado” (BROWN e LEVINSON, 1987, p. 76).
Enfatizam que P, D e R são dimensões pan-culturais muito genéricas, apesar de
admitir que essas variáveis provavelmente possuem correlação. Assim, o principal
objetivo não é especificar quais fatores são compostos para calcular esses parâmetros
complexos, porque tais fatores são certamente específicos de uma cultura, mas mostrar o
mecanismo básico para selecionar uma expressão lingüística (Op. cit., 1987, p. 76).
13
Mais especificamente, eles assim descrevem esses fatores: D é uma dimensão
social simétrica de similaridade⁄diferença dentro da qual falante e ouvinte significam os
propósitos deste ato; P é uma dimensão social assimétrica de poder relativo, isto é P (O,
F) é o grau para o qual o ouvinte pode impor seus próprios planos e sua própria auto
avaliação (Face) às custas dos planos e da auto avaliação do falante; e, R é um ranking
de classificação de imposições definidas cultural e situacionalmente pelo grau no qual são
considerados interferentes os desejos de auto determinação ou de aprovação do agente
(seus desejos nas Faces positiva e negativa). (Op. cit., 1987, p. 75-77.).
Na estrutura de Brown e Levinson, a “polidez lingüística” é considerada como o
complexo de estratégias racionais e voluntárias disponíveis a um falante para expressar
um FTA, conforme BROWN e LEVINSON, 1987, p. 68:
1. diretamente, sem ação de retificação
diretamente (on record) 2. polidez positiva
Faça o FTA Com ação de retificação
3. polidez negativa
4. Implicitamente (off record)
5. Não Faça o FTA
O esquema pode ser entendido da seguinte forma: caso o falante opte por fazer o
FTA, pode escolher fazer diretamente (1, 2, 3), implicitamente (4), ou não fazer (5).
A primeira opção, em que o falante opta por fazer o ato diretamente, envolve 3
possibilidades: (1) é a estratégia direta, sem retificação, não há tentativa de minimizar a
ameaça à Face do ouvinte. Normalmente, um FTA é realizado dessa forma no caso em
que o falante e o ouvinte concordam tacitamente que a urgência/necessidade do caso
dispensa as ações retificadoras; quando o perigo à Face do ouvinte é muito pequeno,
como em ofertas, pedidos, sugestões; quando o poder (P) do falante é muito maior em
relação ao ouvinte, ou pode conseguir suporte suficiente da audiência para destruir a
Face do ouvinte sem perder a sua.
A segunda possibilidade é a polidez positiva (2), orientada para a Face positiva do
ouvinte, baseada na aproximação entre os participantes. A ameaça potencial à Face é
14
minimizada pela segurança de que, geralmente o falante considera-o como igual a ele, ou
que o aprecia, dessa forma, o FTA não significa uma avaliação negativa da Face do
ouvinte. Agindo dessa forma, o falante diminui a ameaça à Face do ouvinte, assegurando
que partilha das necessidades do ouvinte.
A terceira possibilidade é a polidez negativa (3), orientada principalmente para
satisfazer parcialmente a Face negativa do ouvinte, seu desejo básico de manutenção
das reivindicações de território e autodeterminação. É baseada essencialmente na
manutenção de distanciamento, e a realização de suas estratégias consiste em
afirmações de que o falante reconhece e respeita as necessidades da Face negativa do
ouvinte. A utilização dessa estratégia demonstra respeito e deferência; evita que o falante
incorra em débitos, mantém distância social e evita excessiva familiaridade.
Uma segunda opção é a não explícita/não oficial, feita implicitamente (off record)
item (4) no quadro acima. Nesse caso, há mais de uma intenção atribuível, assim, um
pedido poderá ser realizado como uma sugestão, ou insinuação, dessa forma, não se
pode atribuir ao falante o comprometimento com uma intenção específica. Realizações do
tipo 4 incluem metáforas e ironia, perguntas retóricas, atenuações, tautologias. O uso
desta estratégia garante ao falante crédito por seu tato e disposição de não coerção,
também evita a uma interpretação única, que pode ser danosa à Face.
E, finalmente, não efetuar determinada ação, item (5), utiliza-se essa opção
quando o falante verifica que o ato ameaçaria gravemente o ouvinte, como por exemplo,
insultos e críticas.
As estratégias de polidez positiva são definidas como qualquer esforço para
suprir os desejos da Face positiva. Brown e Levinson criam 15 super-estratégias e várias
sub-estratégias. As 15 super-estratégias são:
1) perceber, atender o ouvinte (tais como seus interesses e necessidades);
2) exagerar (Interesse, aprovação, etc.);
3) intensificar interesse para o ouvinte;
4) usar marcadores de identidade dentro do grupo;
5) procurar acordo;
6) evitar desacordo;
7) pressupor⁄levantar⁄afirmar uma base comum;
8) fazer piadas;
15
9) afirmar ou pressupor o conhecimento do falante e preocupação com as necessidades
do ouvinte;
10) fazer promessas;
11) ser otimista;
12) incluir tanto o ouvinte quanto o falante na atividade;
13) dar (ou pedir) razões;
14) assumir ou afirmar reciprocidade ;
15) suprir os desejos do ouvinte para algum X.
Similarmente, as estratégias de polidez negativa são definidas como qualquer
esforço para suprir os desejos da Face negativa. As 10 super estratégias são:
1) ser convencionalmente indireto;
2) perguntar, precaver-se;
3) ser pessimista;
4) minimizar a imposição Rx;
5) ser deferente;
6) pedir desculpas;
7) impessoalizar ouvinte e falante;
8) mencionar o FTA como regra geral;
9) nominalizar;
10) ir diretamente como incorrendo uma dívida, ou não endividando o ouvinte.
Segundo Brown e Levinson, cabe ao falante selecionar a estratégia mais
adequada às suas finalidades, levando em conta as variáveis sociológicas, o contexto e a
situação de comunicação.
16
3. Formas de tratamento em língua japonesa e em língua portuguesa
3.1 Expressões de tratamento na língua japonesa
Ao longo da história do Japão, as expressões de tratamento evoluíram assim
como a sociedade japonesa apresentava algumas transformações. Segundo SUZUKI
(1995), não existe uma descrição precisa do surgimento dessas expressões na língua
japonesa, embora já houvesse no século III d.c, distinção de classes, respeito aos
superiores, que poderiam sugerir a existência de expressões lingüísticas de tratamento,
não confirmada devido à inexistência da escrita, uma vez que a grafia foi assimilada da
China por volta do século IV d.c.. Conforme a autora, as expressões de tratamento podem
ser confirmadas apenas a partir do século VII d.c, devido às inscrições encontradas em
duas imagens de Buda na cidade de Nara.
As primeiras obras escritas em japonês e que registram as expressões de
tratamento, datam do século VIII. A obra que mais consegue expressá-los é a coletânea
poética Man’yoshu, compilada provavelmente por volta de 760 do século anterior. Para
WAKISAKA (1992), além de ser a vereda do poema clássico japonês, Man’yoshu
contribuiu para a implantação da ideologia de divinização dos imperadores japoneses e a
distinção entre as classes, ou seja, a noção de veneração a pessoas elevadas em
oposição ao desprestígio das classes baixas, levando ao emprego das expressões de
respeito, ou de modéstia.
O desembarque dos primeiros portugueses em terras japonesas teria ocorrido em
1.543, conforme KUNIYOSHI14, citada por KUNIYOSHI (1998, p. 31). Segundo a autora,
existe uma incerteza em relação à data da chegada, mas o que se sabe é que o comércio
entre os mercadores foi praticado livremente até por volta de 1.550, período em que a
Coroa Portuguesa instituiu o monopólio da Viagem ao Japão. Kuniyoshi relata que entre
1.543 a 1.639, um ano antes do fechamento dos portos e do início do isolamento do
Japão, os lusitanos enriqueceram no próspero comércio com o Japão.
14 KUNIYOSHI, C. “Descoberta” da América e “redescoberta” do Japão: o “outro” como sentido de si-mesmo. Comunicação apresentada ao Congresso América 92: Raízes e Trajetórias. São Paulo, 1992.
17
Durante o período relatado acima, segundo SUZUKI (1995, p. 61-64), o jesuíta
português João Rodriguez editou o primeiro estudo sistemático em língua portuguesa
sobre o tratamento da língua japonesa. Com o intuito de propagar a fé cristã, Rodriguez
analisou a língua falada, e formulou considerações fundamentais. Listou as partículas e
os verbos de tratamento segundo o grau de honra, ressaltou a importância da situação de
discurso, a noção de interioridade/exterioridade. Para SUZUKI (1995), “Rodriguez aponta
para os três elementos essenciais para sua realização (quem fala, para quem e de quem
se fala)”.
Na língua japonesa, a palavra “keigo” refere-se ao que diz respeito às palavras de
cortesia e ao tratamento. O Dicionário Universal Japonês-Português15 traz “keigo” como:
O termo (Palavra) honorífico; a linguagem (o termo) cortês/de respeito.
No presente trabalho, para nos referirmos ao “keigo”, doravante utilizaremos o
termo - expressões de tratamento - formulado por Tae Suzuki16. Para a autora, essas
expressões operam em níveis diferentes, no discurso japonês:
• Tratamento do enunciado: Expressões de respeito, em japonês “sonkeigo”,17 –
Formas lingüísticas atribuídas pelo falante a um ouvinte hierarquicamente superior
em um dado contexto de situação, através de sua pessoa, de pessoas ou objetos a
ele referentes;
• Tratamento do enunciado: Expressões de modéstia (em japonês “kenjogo”)18 –
Formas lingüísticas atribuídas pelo falante a um ouvinte hierarquicamente superior
em um dado contexto da situação. Também através de sua pessoa, ou objetos a
ele referentes. Ressalva-se que entre as expressões de modéstia existem
situações na qual o falante emprega como marca de modéstia ou humildade sua,
independentemente de qualquer relação hierárquica;
• Tratamento da enunciação: Expressões de polidez (em japonês “teineigo”)19 –
Formas lingüísticas empregadas pelo falante, expressando a maneira polida de
15 COELHO, J.; HIDA, Y. Shogakukan Dicionário Universal Japonês-Português. Tókio: Shogakukan, 1998, p. 569. 16 SUZUKI, T. As expressões de tratamento da língua japonesa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995, p. 12. 17 “sonkeigo” é traduzido no Dicionário Universal Japonês-Português como: O termo cortês [de cortesia/de respeito]. 18 “kenjogo” é traduzido no Dicionário Universal Japonês-Português como: A palavra [expressão] cortês. 19 “teineigo” é traduzido no Dicionário Universal Japonês-Português como: A palavra [expressão] cortês.
18
transmitir a palavra ao ouvinte. Não implica em si, nenhuma relação de forças entre
as pessoas do discurso.
Para SUZUKI (1995), as expressões denominadas de respeito e de modéstia, nada
mais são do que formas diferentes de expressar uma mesma deferência para alguém que
o falante considera superior ou inferior, a si, ou a uma outra pessoa, em um dado
contexto. Dessa forma, a autora afirma que existem apenas o tratamento do enunciado,
que estabelece e determina a distância que o falante acredita existir entre as pessoas do
enunciado (após verificar os fatores extralingüísticos), e o tratamento da enunciação, que
remete à vontade do falante em se endereçar polidamente, independente da existência,
ou não, de relação de forças.
Os fatores extralingüísticos mais relevantes no uso das expressões de tratamento
em língua japonesa, segundo Suzuki, são os seguintes:
1) Sexo: As expressões de tratamento são normalmente, iguais para ambos os sexos,
mas há formas reservadas aos homens, basicamente, um linguajar mais rude e
“masculino” (que podem denotar mais intimidade) para os homens e outro mais
polido e “feminino” para as mulheres. Assim, quando estudantes estão
conversando, normalmente a mulher utiliza a norma padrão, diria por exemplo
“watashi” (pronome pessoal de 1° pessoa e significa eu), por outro lado, o homem
utiliza “ore”, “boku” que também são pronomes pessoais de 1° pessoa e possuem o
mesmo significado que “watashi”.
2) Status: Diferenças hierárquicas estabelecem que os inferiores na escala social
devem utilizar expressões de modéstia para si e de respeito para o outro. Por
exemplo, em uma empresa, um gerente e seu subordinado conversam sobre a
família, nessa situação, o subordinado ao referir-se ao pai do gerente vai
perguntar: “Otoosan-wa ogenki desu-ka (O senhor seu pai está bem?), porém ao
falar sobre o seu pai, utiliza: “Chichi-wa genki desu” (O meu pai está bem).
3) Idade: Os mais jovens são considerados inferiores às pessoas mais idosas; é
norma o mais jovem dirigir-se mais respeitosamente ao mais velho. Em uma
biblioteca a pessoa mais jovem pergunta ao mais idoso o seguinte: “xxsan-wa
haikai-wo kakaremasu-ka” (O senhor escreve haikai?), caso a mesma pergunta
fosse feita pela pessoa mais idosa: “Haikai-wo kakimasu-ka” (Escreve haikai?).
19
4) Anterioridade no tempo: As pessoas antigas em um determinado espaço devem
ser mais consideradas do que as novatas. Considere-se um exemplo: na escola,
esse universo costuma ser transportado para fora, é comum tratarem-se por
sempai “veterano” e kohai “calouro”, mesmo depois de formados, ainda que o
“calouro” exerça uma ocupação considerada superior em termos socioculturais.
5) Exterioridade/interioridade: Há uma oposição bem demarcada entre o universo
pessoal do eu (interior) e o universo pessoal do outro (exterior). O universo pessoal
refere-se não apenas a pessoa em si, mas a tudo o que diz respeito a ela, desde
bens materiais e imateriais até pessoas (parentes, amigos, entre outros). Assim,
quando a pessoa coloca-se diante de seus amigos e familiares trata-os com as
devidas considerações, porém, diante de terceiros, deve referir-se a eles utilizando
expressões de modéstia. Assim, ao falar de sua própria mãe em ambiente externo
o falante utiliza a expressão “Haha” (mãe), em casa pode utilizar expressões
variadas como “okaasan”, “mama”, entre outras. Ao referir-se a mãe de outras
pessoas em um ambiente externo, utiliza sempre a expressão “okaasan”.
SUZUKI (1995) ressalva que a utilização das expressões de tratamento não se dá
de modo absoluto e constante, e freqüentemente, um mesmo contexto de situação
comporta diferentes fatores socioculturais conexos.
3.1.1 Formas das expressões de tratamento
A) Tratamento atribuído às pessoas do enunciado (expressões de modéstia e respeito),
segundo SUZUKI (1995):
a) Modéstia: O falante utiliza pronomes de modéstia com o intuito de estabelecer a
distância em relação a um superior. Por exemplo, o pronome pessoal eu watashi altera-se
para watakushi quando eu falo com o meu gerente, meu professor, entre outros.
b) Respeito:
- Com o desaparecimento do auto-respeito (reservado para o imperador, alta nobreza),
atualmente há apenas pronomes de respeito para as 2° e 3° pessoas: Para a 2° pessoa
utiliza-se otaku (você), quando não há uma relação hierárquica presente, em casa ou
entre amigos, utiliza-se a forma plana/neutra anata.
20
- A utilização de sufixos pospostos a nomes próprios, mais comumente a sobrenomes:
san/sama – usado para adultos de ambos os sexos (2° e 3° pessoas), corresponde
aproximadamente ao “senhor/senhorita”. San é o tratamento menos formal do que sama e
é usado para todas as pessoas. Por sua vez, sama é utilizado em situações de maior
reverência. Por exemplo, ao perguntar sobre a alta hospitalar do pai da professora, utiliza-
se “Otoosama-wa gotaiinnasaimashita-ka” (O senhor seu pai já recebeu alta?); caso seja
do pai de uma amiga “Otoosan-wa taiinshimashita-ka” (O senhor seu pai já recebeu
alta?).
- Termos que indicam a profissão, ocupação ou cargo da pessoa: é a forma mais comum
de tratamento de respeito de 2° e 3° pessoas, substituindo os pronomes pessoais. Assim,
utiliza-se “sensei-wa ikaremasuka” (o professor vai?) do que “otaku-wa ikaremasuka”
(você vai?).
B) Tratamentos atribuídos a ações (verbos) inseridas no enunciado:
a) Modéstia: há uma alteração de cada verbo. Por exemplo, “iku” (ir) para “mairu” (ir).
Um exemplo de utilização dos verbos de modéstia está exposto abaixo, ao falar em um
ambiente íntimo, entre amigos ou familiares, utiliza-se a forma (1), por sua vez, em um
contexto no qual o ouvinte seja o professor da universidade, utiliza-se a forma (2).
1) Watashi-ga iku (Eu vou) 2)Watakushi-ga mairimasu (Eu vou)
Verbo de tratamento na forma neutra
(iku) é empregado em contextos que
não exijam distinções tratamentais.
Nesse caso acrescentar a partícula de
polidez (masu=>ikimasu) é opcional.
Alteração para eu de modéstia (watakushi), com o
verbo ir (iku) para a forma de modéstia (mairu),
adicionando-se a partícula formativa de polidez
(masu)..
b) Respeito: Além da alteração do verbo da forma neutra para forma de respeito, por
exemplo, “iru” (estar, vir) para “irassharu” (estar, vir), ocorre também a incorporação da
partícula formativa de respeito reru, rareru aos verbos como, por exemplo, “kimeru”
(decidir) em sua forma neutra, tranforma-se em “kimerareru” na forma de respeito.
21
Para exemplificar as alterações do verbo de respeito, uma possibilidade está exposta a
seguir, quando dois universitários estão sozinhos e falam sobre o professor utilizam a
forma (1), caso os dois universitários estejam no interior de um elevador e verifiquem que
existem outros professores e alunos que conhecem o professor Matsumoto, podem
utilizar a forma (2).
1) Matsumoto sensei-ga kimeru (O
professor decide)
2) Matusmoto sensei-ga kimeraremasu (O
professor decide)
Verbo de tratamento neutro (kimeru) é
empregado em contextos que não exijam
distinções tratamentais. Nesse caso
acrescentar a partícula de polidez
(masu=>kimemasu) é opcional.
Verbo (kimeru) altera-se para a forma de respeito
(kimerareru), adicionando-se a partícula formativa de
polidez (masu=> kimeraremasu).
C) Tratamentos concedidos a pessoas, objetos, fatos em relação ao outro (conforme
SUZUKI (1995)):
a) Modéstia: Formas atribuídas pelo falante para se referir àquilo que pertence ao seu
interior, ao seu universo, em oposição ao que pertence ao universo do outro:
Haha (mãe)/minha mãe Okaasan (mãe) / do outro
Chichi (pai)/meu pai Otoosan (pai)/ do outro
Termos usados pelo falante para
se referir às pessoas de seu círculo
pessoal, perante terceiros.
Termos usados pelo falante para se referir às
pessoas do círculo do outro. Utilizado também no
interior de sua família, como uma forma de
respeito ao outro.
b) Respeito: Utilização de prefixos de respeito como o, go. Assim, “namae” (nome)
transforma-se em “onamae”, e “kekkon” (casamento) em “gokekkon”. Por exemplo, ao
perguntar como é o nome da amiga da filha, utiliza-se “namae-wa” (qual é o seu nome?);
por sua vez, caso seja o nome de alguém exterior ao universo do falante, ou o nome da
filha da professora, utiliza-se “onamae-wa” (qual é o seu nome?).
22
D) Tratamento da enunciação (expressões de polidez), conforme SUZUKI (1995)
Após o falante observar todas as formas de tratamento necessárias, ou
desejadas, há a opção em usar, ou não, as expressões de polidez, cuja função principal é
endereçar polidamente o discurso do falante. Porém, sua presença torna-se uma forma
indireta do falante tratar o ouvinte com respeito. As partículas de polidez são as expostas
abaixo:
a) Masu aposto a verbos: kimemasu (decidir)= kimeru+masu.
b) Desu ou degozaimasu apostos a nomes e predicativos de qualidade (degozaimasu
possui uma carga maior de polidez do que desu): Por exemplo: watashi-wa senseidesu
(eu sou professor), kyô-wa atsuidesu (hoje está quente). Segundo ONO (1973, p. 33),
desu possui uma função de cópula, conectando as duas partes de uma sentença, sendo
que as conjugações de desu são: desu (presente/futuro); deshita (passado);
de(wa)arimasen (presente/futuro negativo); de(wa)arimasendeshita (passado negativo).
3.2 Pronomes de tratamento na língua portuguesa
Historicamente, os pronomes de tratamento estão vinculados às relações que se
estabeleciam na corte e nas sociedades feudais, e o seu uso determinava o status social
de cada membro no interior de seu grupo. Segundo LYONS (1982, p. 289), os pronomes
de tratamento podem ser relacionados como pronomes familiares (T) e pronomes polidos
(V), sendo que o significado social de cada um depende de cada cultura, da estrutura
gramatical de cada língua e inserem-se no escopo de conhecimento social.
Nas gramáticas tradicionais brasileiras, as explicações relativas aos pronomes de
tratamento não apresentam conceitos muito claros.
BECHARA (2004, p. 135-136), define pronomes de tratamento como “as formas
de reverência que consistem em nos dirigirmos às pessoas pelos seus atributos ou
posições que ocupam”. Afirma também que existem formas substantivas de tratamento
indireto de 2° pessoa, ou, formas pronominais de tratamento (nesses casos o verbo vai
para 3° pessoa): você e vocês (utilizado no tratamento familiar) e o Senhor, a Senhora (no
tratamento cerimonioso).
CUNHA e CINTRA (1985, p. 282), apresentam os pronomes de tratamento como
“certas expressões que valem por verdadeiros pronomes pessoais, como você, o senhor,
Vossa Excelência”.
23
CEGALLA (199, p. 152), estabelece que os pronomes de tratamento incluem-se
entre os pronomes pessoais, sendo que são utilizados no trato cortês e cerimonioso com
as pessoas. Após relacionar as formas de tratamento com as abreviaturas e tipos de uso,
observa que você é usado em ambiente familiar e íntimo, oriundo da contração de
vosmecê, que por sua vez, deriva de Vossa Mercê.
Assim sendo, não há condições efetivas de uso em relação aos pronomes de
tratamento, pois as gramáticas tradicionais efetuam uma apresentação em sua maioria
baseada apenas em quadros explicativos, nesse sentido, o uso real e as condições dessa
utilização não podem ser apreendidos.
NEVES (2000, p. 458), apesar de não apresentar um tópico específico para os
pronomes de tratamento, ao falar sobre os empregos dos pronomes pessoais, faz
referência ao tema, “as formas VOCÊ e VOCÊS se referem a 2° pessoa, mas levam o
verbo para a 3° pessoa, do mesmo modo como ocorre com os pronomes de tratamento,
como VOSSA SENHORIA, VOSSA EXCELÊNCIA, O(A) SENHOR (A)20”. Um diferencial
da autora, é que, ao falar sobre os pronomes pessoais, realiza uma abordagem mais
abrangente do tema, ampliando a explicação “pronome pessoal como substituto do
nome”, verifica quais são as funções que desempenham no nível da oração, no nível do
sintagma e no nível do texto.
Para Neves, uma das funções básicas dos pronomes pessoais é construir
expressões referenciais, estabelecer que a primeira pessoa é a de quem parte o discurso
e surge apenas quando há uma auto-referência; a segunda pessoa é aquela a quem se
dirige o discurso, só aparece quando o falante dirige-se a ela e a terceira pessoa é aquela
sobre a qual é feito o discurso. As implicações dessas distinções são dois eixos: um eixo
subjetivo que contêm as pessoas da interação verbal (falante e ouvinte); e um eixo não-
subjetivo, que abriga as pessoas que não participam da interação verbal, a terceira
pessoa a quem se faz referência na interação verbal (Op. cit., p. 457).
CÂMARA (1999, p. 119) ao falar sobre o sistema de pronomes em português,
constata alterações no quadro de pronomes pessoais, como a substituição do pronome
vós (dirigido ao ouvinte), por uma forma de tratamento e verbos em terceira pessoa, como
Vossa Alteza, Vossa Senhoria. Especifica que no português europeu, um sistema menos
formal está inserido no dialeto social culto de Lisboa, no qual o ouvinte é tratado por um
20 Grifos da autora.
24
nome ou locução referente à profissão ou status social (senhor doutor, doutor). Já no
dialeto culto do Rio de Janeiro, o autor observa a utilização da forma verbal em terceira
pessoa dirigida ao ouvinte, seguida da distinção feita pelo falante, em tratar o ouvinte
através de um tratamento mais íntimo (você) e para um tratamento mais cerimonioso
(senhor/senhora).
ILARI, FRANCHI & NEVES (1996, p. 90-91), afirmam que as gramáticas
tradicionais adotam um esquema que mantém uma perfeita correspondência entre
pessoas de pronome e pessoas do verbo, porém, a adoção do pronome você em lugar de
tu (fato verificado na maioria das variedades do português brasileiro), alteram esse
esquema. Ou seja, um pronome de segunda pessoa (você) leva o verbo para a terceira
pessoa. Os autores ressalvam que a forma você é considerada um pronome de
tratamento nas gramáticas brasileiras, e que realmente permuta com o senhor, ou Vossa
Senhoria, levando o verbo para a terceira pessoa. Devido ao fato de o pronome você
suplantar a forma tu no português brasileiro, um quadro de pronomes pessoais menos
inexato referente à segunda pessoa seria formado por: você, o, a lhe, se, si, (com)si(go),
tu, te, ti, (con)ti(go). Nesse sentido, os autores colocam que talvez o tratamento
considerado respeitoso, o senhor/a, também devesse ser incluído nessa segunda pessoa
(Op. cit., p. 93).
Após verificar as diferentes abordagens dos estudiosos citados acima, verifica-se
a existência de uma relação entre os pronomes pessoais e os pronomes de tratamento,
que ambos efetuam uma ligação entre o falante e o ouvinte e são formas que o falante
utiliza para dirigir-se a uma segunda pessoa, ou para efetuar uma referência a uma
terceira pessoa.
Nesse sentido, PRETI (2000, p. 92) coloca de uma maneira clara que o sistema
de tratamento em português pode ser descrito através de três formas:
“1) por formas pronominais, ou seja, pelos pronomes pessoais (tu,vós); 2) por formas pronominalizadas, isto é, com valor de pronomes pessoais (você, o senhor, Vossa Excelência, Vossa Senhoria e suas variações); 3) por formas nominais, constituídas por nomes próprios, prenomes, nomes de parentesco ou equivalentes,antecedidos de artigo, uso praticamente restrito ao português de Portugal21
21 PRETI (2000, p. 92) coloca a seguinte citação, designada como “1: Ainda hoje, em Portugal, as pessoas mais velhas da família (pais, avós, tios, etc) são tratadas na terceira pessoa, pela palavra que indica parentesco. Da mesma forma, quando há intimidade entre os falantes, usa-se a mesma pessoa, antecedida
25
ou, ainda, por uma grande variedade de nomes empregados como vocativos ou formas de chamamento.”
Segundo Preti, a utilização dessas variantes de tratamento são utilizadas segundo
as inúmeras relações existentes na sociedade, pautadas pela diversidade de status social
e dos papéis existentes (Op. cit., 2000, p. 92).
Entende-se, então, que saber utilizar as denominações corretas como Vossa
Eminência (para cardeais) ou Vossa Reverendíssima (para sacerdotes), indica a
preservação do status e poder hierárquico do ouvinte e, também, que o falante domina as
regras normativas impostas pela gramática. Porém, por outro lado, apenas decorar as
normas gramaticais, ou seja, as diversas formas de tratamento e abreviaturas não são
suficientes, existem fatores que não estão relacionados nos quadros explicativos dos
pronomes de tratamento, tão comuns nas gramáticas brasileiras.
A primeira observação que deve ser feita é a de que o uso de certo tratamento
normatizado como respeitoso, pode originar no ouvinte um sentimento inverso: como por
exemplo, chamar uma pessoa de Senhora pode ser mal-interpretado, justamente pelo fato
de existir uma interpretação estigmatizada das formas Senhor e Senhora na sociedade
brasileira, entre outros sentidos, relacionada à “pessoa de idade avançada”. Por outro
lado, o próprio falante pode ter a intenção de provocar uma situação, ao utilizar os
pronomes de tratamento de uma forma irônica, como por exemplo, chamar o marido de
“Vossa Excelência”; dirigir-se à síndica do condomínio através da expressão “Vossa
Senhoria”, entre outros.
A segunda consiste no fato de as formas de tratamento excederem àquelas
normalmente mencionadas, como Vossa Majestade (para reis, imperadores), Vossa
Magnificiência (para reitores de universidade), Vossa Alteza (para príncipes, duques). Um
exemplo seria o recurso à utilização de formas relacionadas às profissões, nomes
próprios que designam cargos22 (doutora, professora, entre outros).
A terceira observação é a utilização das formas você e senhor/a. Como a
sociedade brasileira efetua a distinção de uso dessas duas formas? CUNHA e CINTRA
(1985, p. 284) efetuam a seguinte classificação: “o senhor, a senhora (e a senhorita, no
pelo nome ou apelido do interlocutor: o pai está zangado? O Rodrigues está a brincar comigo? (cf. Cuesta & Mendes da Luz, 1971, p. 483)”. 22 CAMARA JR. (1999, p. 119) comenta que essa forma de utilização ocorre “no dialeto social culto da área de isboa”.
26
Brasil, a menina, em Portugal, para a jovem solteira) como formas de respeito ou
cortesia”. Em oposição a essas formas, a utilização de tu e você em Portugal, e a forma
você, na maior parte do Brasil.
As reais delimitações de uso dessas formas de tratamento parecem ser mais
complexas do que o exposto pelos gramáticos. O tratamento senhor/senhora é realmente
uma forma de respeito, mas também uma maneira de demarcar o poder relativo e a
distância social entre o falante e o ouvinte.
Por sua vez, a forma você além de servir como uma oposição ao senhor/senhora,
é a forma comum de tratamento na maior parte do Brasil, é utilizada também como uma
marca de ironia, dependendo da entonação, ou mesmo de agressividade.
27
4. Abordagens sobre as expressões de tratamento na língua japonesa
4.1 O estudo de Mayumi Usami
Em 2002, Mayumi Usami lançou o livro denominado “Discourse Politeness in
Japanese Conversation”. Segundo ela, estudos recentes sobre polidez conduzidos por
pesquisadores ocidentais têm sido direcionados para a construção de uma teoria
universal focando o “uso estratégico da língua”, ao passo que estudos feitos por lingüistas
tradicionais japoneses focaram o uso de expressões de tratamento23 como aspectos
gramaticais a partir de uma visão normativa. Em sua opinião, ambas as orientações são
de escopo limitado, pois lidam somente com um aspecto da polidez pragmática. Seu
estudo, em contraste, considera tanto o uso estratégico quanto o uso normativo da
linguagem, assim como a interação entre os dois. Conforme a autora, isso é possível com
a introdução do conceito de Polidez de Discurso (PD). Usami define Polidez de Discurso
como “o conjunto dinâmico de funções de qualquer elemento em ambos, as formas
lingüísticas e fenômenos no nível do discurso que atuam na polidez pragmática de um
discurso”24.
Para Usami, os estudos das expressões de tratamento realizados pelos
gramáticos japoneses focam quase que exclusivamente a descrição das expressões de
tratamento como aspectos gramaticais e concentram-se em explicar como os contextos
sócio-cultural e psicológico determinam a escolha do nível de fala num ato de fala
especifico na sentença. Ressalva, também, que a maior parte desses estudos conta
principalmente com as intuições do falante nativo e dados auto relatados. Dessa forma,
tendem a formar uma visão normativa das expressões de tratamento e a tratá-los como
simplesmente uma reflexão de fatos sociais, ao invés de investigar como essas
expressões de tratamento podem ser manipulados pelo falante em conversas reais (Op.
cit., p. 6).
Segundo a autora, Brown e Levinson fazem uma importante contribuição na
procura de uma teoria universal, ao formularem uma teoria na qual a polidez é vista como
estratégias interativas empregadas por um falante para alcançar alguns objetivos. Dessa
23 Usami utiliza a expressão em inglês “honorifics”, como já utilizamos a expressão “expressões de tratamento”, formulada por Suzuki, traduzimos “honorifics” como “expressões de tratamento”.
28
forma, os autores proporcionam um terreno comum para estudos sobre a polidez em
línguas com e sem expressões de tratamento, incorporando as características de línguas
com expressões de tratamento e seus usos, levando ao desenvolvimento de uma teoria
de polidez mais compreensiva e dinâmica, menos anglo-saxã e eurocêntrica.
Devido a esses fatores, Usami utiliza a teoria de polidez de Brown e Levinson e
uma das principais perguntas que ela apresenta é se a teoria deles é realmente aplicável
em línguas não ocidentais, particularmente as que possuem expressões de tratamento
(Op. cit., p. 10).
Para Usami, no interior da Teoria de Brown e Levinson, o conceito de polidez
positiva é um dos aspectos importantes, pois permite que uma pessoa compare as
estratégias de polidez em um nível cultural mais específico, e também que mecanismos
de suporte sejam elucidados a partir de uma perspectiva universal.
Em relação à estratégia de polidez negativa, conforme sua avaliação, nas línguas
que elaboraram um sistema de expressões de tratamento, preservar o seu uso normativo
pode servir para resguardar a Face negativa do ouvinte, funcionando deste modo como
uma forma de polidez negativa. Em outras palavras, o desvio do uso normativo das
expressões de tratamento pode ser intrinsecamente ameaçador da Face com qualquer
significado proposicional. A razão disso é que o uso das expressões de tratamento
funciona para reconhecer o contexto social, especialmente a idade e status social de cada
pessoa, que já estão inseridos nos princípios do uso das expressões de tratamento. Logo,
contanto que os falantes manipulem o uso de acordo com esses princípios, as pessoas
pelo menos não infringem a Face negativa do ouvinte (Op. cit., p. 14-15).
Usami afirma que de acordo com essa suposição, os japoneses devem preservar
os princípios de utilização das expressões de tratamento em cada ato de fala. Caso os
estudos examinem somente o uso das expressões de tratamento como polidez negativa,
eles não apreendem o fato de que na língua japonesa ela torna-se mais uma obrigação,
não uma estratégia, como proposto por Brown e Levinson. Portanto, considera que o
conceito de Brown e Levinson de polidez positiva proporciona uma maneira inovadora de
examinar a polidez em japonês a partir de uma visão pragmática. Isto é, o conceito de
24 Na versão original, Polidez de Discurso é definido como (USAMI, 2002, p 4): “the dynamic whole of functions of any element in both linguistic forms and discourse-level phenomena that play a part in pragmatic politeness of a discourse”.
29
polidez positiva poderia ajudar na expansão do escopo dos estudos de polidez em
japonês (Op. cit.,p. 15).
4.1.1 Análise dos dados de Usami
O trabalho de Usami analisa dados de conversação espontânea japonesa, no
qual foi utilizado um sistema complexo de expressões de tratamento, com foco nas
variáveis de idade e gênero. Segundo ela, o projeto experimental do estudo é baseado na
suposição de que na sociedade japonesa atual, a idade e o status social podem ser
considerados um tipo de variável de poder na fórmula de Brown e Levinson;
especialmente entre recém-conhecidos sem nenhuma relação preexistente, tal como a de
empregado⁄empregador, visto que no sistema de hierarquia da sociedade japonesa, a
idade e o status social são geralmente altamente correlatos. Dessa forma, os informantes
foram recrutados primeiramente de acordo com a idade.
A pesquisadora selecionou no total, 23 mulheres e 11 homens: 12 informantes
femininas (a idade média foi de 34,8 anos); 4 ouvintes femininas mais velhas (a idade
média de 45,7 anos); 5 ouvintes femininas da mesma idade (idade média de 34,9 anos) e
4 ouvintes femininas mais novas (idade média de 23,7 anos). A idade média dos 4
ouvintes masculinos mais velhos foi 43,8 anos; 4 ouvintes masculinos da mesma idade
(idade média de 34,5 anos) e 3 ouvintes mais novos (idade média de 24,5 anos).
Todos são universitários graduados de classe média, trabalhadores que falam o
japonês padrão. Como uma forma de controlar os dialetos regionais, selecionou pessoas
que vivem e trabalham em, ou perto de, Tóquio.
4.1.2 Conceituação dos termos utilizados em Usami
Usami utiliza os seguintes padrões para diferenciar o uso das expressões de
tratamento durante as entrevistas:
30
- Super-polido: Representado por (SP) e abrangem “sonkeigo” e “kenjogo”25
Formas de respeito Formas de modéstia
Verbos: irassharu, kudasaru, nasaru, etc. Verbos: itadaku, itasu, mairu, etc.
Verbos auxiliares: ~reru, ~rareru, etc. Pronomes: watakushi, watakushidomo, etc.
Prefixos: go~(goyukkuri), o~(ohayameni), etc.
Pronomes: anokata, sonokata, etc.
- Polido: Representado por (P) e abrange o “teineigo”26
Cópula: ~desu
Sufixo: ~masu e derivativos
- Formas não-polidas: Representado por (N), são as formas planas, as formas de
dicionário.
- Forma não marcada: Representado por (NM), expressões que não incluem as formas
lingüísticas de polidez, como “backchannels” e palavras como “Ee, ee” (Uh-hun) e
“Taihen” (Muito, sério, grave, imenso), etc.
Os tópicos de conversação utilizados nas entrevistas foram classificados em 5
tipos: 1) local de residência; 2) local de trabalho e ocupação; 3) nome/sobrenome e tipo
de escrita do ideograma do nome/sobrenome; 4) sobre o local da entrevista, ou coisas na
sala da entrevista; 5) tópico específico que o falante preparou para a conversação, como
“Você gosta de festas?”.
No projeto de Usami existem três categorias no nível de oração: 1) nível de fala
ou enunciado; 2) nível de final de fala de cada enunciado; e 3) tipo de enunciado. Ela
considera que dois fenômenos diferentes indicam o nível de polidez nas formas
lingüísticas em japonês. Primeiro, a escolha que o falante faz do nível de marcadores
lingüísticos: super-polido, polido e formas não-polidas. Segundo, a escolha do falante em
25 “sonkeigo”: Expressões de respeito, “kenjogo”: Expressões de modéstia. Os contextos de utilização estão explicados no capítulo 3.1.1, páginas 19-22. 26 “teineigo”: Expressões de cortesia/polidez. Contexto de utilização pode ser visto no capítulo 3.1.1.
31
terminar, ou não, uma oração utilizando uma forma polida (desu/masu), o que também
marca o nível de polidez das formas lingüísticas.
A pesquisadora codifica também os níveis de fala sob dois pontos de vista
diferentes: (1) se enunciado inclui ou não marcadores de nível de polidez (nível de fala); e
(2) se a expressão vocal termina ou não com "formas de desu/masu" (nível de final de
fala). Com essa divisão, pretende examinar a mudança do nível de fala, ou seja, a
mudança da forma super polida ou polida para a não polida (mudança lingüística da
categoria superior para a inferior (super-polido=>polido=>não polido)). Ou a mudança da
forma não polida para a forma super polida ou polida (mudança lingüística da categoria
inferior para a categoria superior (não polido=> polido=> super-polido)).
4.1.3 Projeto e resultados de Usami
Nesse estudo, a autora analisou 72 conversas (pares) entre japoneses
desconhecidos, de variadas idades e gêneros. As análises foram feitas com relação à
escolha das expressões de tratamento e dois fenômenos em termos de nível de discurso:
mudanças de nível de fala e a proporção de iniciação de tópicos.
O estudo de Usami revelou que o uso por um falante de formas super polidas e
polidas reflete suas escolhas estilísticas mais do que o grau real de respeito para com o
ouvinte ou a relação entre os falantes.
As mulheres usam significativamente mais formas super polidas do que os
homens e os homens usam significativamente mais formas polidas em relação à idade e
status social, apesar de a classificação dos ouvintes ser quase a mesma.
Segundo a autora, a conclusão mais importante é que o uso da forma não polida,
configurada como um desvio pequeno do nível de polidez dominante ou normativo das
formas lingüísticas num certo contexto social, reflete a relação de poder e distância social
entre falante e ouvinte, isto é, a pessoa que possui mais poder é menos inibida quanto ao
uso de formas não polidas, indicando uma forma de desvio do uso normativo da língua.
Assim sendo, esse aspecto do uso da forma não polida foi desvendado somente
com a análise do percentual de cada utilização das expressões de tratamento nos
enunciados. A autora observou também que o percentual de uso da forma não polida ou o
grau de desvio do uso da língua normativa podem ser obtidos somente após a
identificação do nível de fala dominante dentro de todo o discurso num evento específico.
32
Ao conduzir este tipo de análise global de discurso em conversações reais, Usami
acredita que o presente estudo revelou que o uso de formas não polidas é um elemento
na polidez de discurso que indica a relação de poder entre os falantes.
Além disso, em contraste com o uso de formas não polidas, as conclusões sobre
enunciados não marcados sugerem que esses enunciados indicam a distância social
entre os falantes. Funciona para evitar o reconhecimento de relações humanas verticais
ao mitigar o reconhecimento explicito da relação entre os falantes. Esses enunciados
tiveram uma freqüência mais significativa em conversas com participantes de idades
assimétricas do que naquelas com idades simétricas.
Essas conclusões gerais não seguem os princípios normativos das expressões de
tratamento, que prescrevem que as pessoas devem usar formas super polidas para com
um superior, nem a teoria de Brown e Levinson, que também prevê que as formas super
polidas e as formas polidas sejam usadas na proporção do poder do ouvinte. Ademais,
nenhuma dessas abordagens considerou em momento algum o uso de expressões vocais
não marcadas.
A correlação significativa do uso de formas não polidas com as classificações
mais altas das bases de naturalidade da conversação sugere que as mudanças para nível
inferior funcionam como um tipo de estratégia de polidez positiva, que demonstra empatia
ou um sentimento de proximidade. Porém, apesar das mudanças para nível inferior
funcionarem como uma estratégia de polidez positiva, elas têm mais probabilidade de
ocorrer com ouvintes mais novos e têm menos probabilidade de ocorrer com ouvintes
mais velhos. Assim, o uso desta estratégia no japonês é ainda influenciado pelo poder do
ouvinte sobre o falante. Os resultados das mudanças de nível de fala seguem a previsão
de Brown e Levinson. A saber, os autores descrevem que o poder (P) é uma dimensão
social assimétrica, a partir da qual o ouvinte pode impor os seus próprios planos e a sua
própria Face.
É interessante notar que apesar de as mudanças para nível inferior e superior
serem manipuladas dependendo da idade do ouvinte, as mudanças para nível inferior
refletem o uso estratégico da língua do falante que desvia ligeiramente do uso normativo
da língua, ao passo que as mudanças para nível superior refletem a aderência do falante
ao uso normativo da língua. Em outras palavras, as mudanças para o nível inferior
33
funcionam como polidez positiva e mudanças para nível superior funcionam como polidez
negativa na polidez de discurso.
Além disso, os resultados do comportamento de discurso também sustentam a
ordem das estratégias estimadas por Brown e Levinson. Isto é, as estratégias de polidez
negativa têm mais probabilidade de ser aplicadas em situações de FTAs relativamente
mais altos (conversa com uma pessoa mais velha), e as estratégias de polidez positiva
têm mais probabilidade de ser aplicadas em situações com FTAs mais baixos (conversas
com pessoas mais novas).
Tanto as formas não polidas quanto as mudanças para nível inferior e a
proporção de iniciações de tópicos tenderam a aumentar em freqüência em proporção
inversa à idade do ouvinte. Assim, pode-se considerar que refletiram o poder (P) do
ouvinte sobre o falante formulado por Brown e Levinson.
O presente estudo revela que a teoria de polidez de Brown e Levinson
proporciona uma explicação satisfatória do comportamento de discurso em japonês, como
a manipulação da forma não polida, as porcentagens de mudanças para nível inferior,
mudanças para nível superior e a proporção de iniciação de tópicos. Logo, pode-se
concluir que a teoria de Brown e Levinson funciona melhor na explicação da dinâmica do
uso da língua em conversas reais, do que nos princípios normativos de uso das
expressões de tratamento.
Por outro lado, para Usami dois pontos podem ser considerados como fracos na
teoria de polidez de Brown e Levinson. Primeiro, o escopo de polidez é limitado a atos
específicos de fala e falha em incorporar totalmente as funções de comportamento na
oralidade; não há consideração de unidades de discurso maiores do que atos de fala.
Segundo, sua teoria de polidez é muito inclinada para o uso estratégico da língua do
falante e falha em considerar o potencial do uso da língua como meio de conformidade a
normas e convenções sociais.
Segundo Usami, essas descobertas sugerem que cada elemento do discurso
funciona de diferentes maneiras, mas a dinâmica dessas funções constitui a Polidez de
Discurso como um todo. A autora ainda argumenta que este conceito capacitará os
pesquisadores a comparar o comportamento da polidez em línguas com e sem
expressões de tratamento e a desenvolver uma teoria universal de polidez mais
34
compreensiva. Ao longo do livro ela argumenta que qualquer teoria de polidez deve ser
construída levando-se em conta os usos efetivos.
4.2 A análise de Yoshiko Matsumoto
No artigo “Reexamination of the universality of Face”, Yoshiko Matsumoto (1988),
faz uma análise crítica da Teoria de Brown e Levinson. Segundo ela, a noção universal de
Face não pode ser aplicada à sociedade japonesa, visto que a divisão em Face negativa
e positiva não é apropriada para uma cultura, na qual o individual é menos importante que
o grupo social.
Assim sendo, para Matsumoto, o que é de preocupação suprema para um
japonês não é o seu próprio território, mas a posição em relação aos outros e a sua
aceitação nesse grupo. Perde-se a Face quando os outros integrantes percebem que a
pessoa não compreendeu e não reconheceu a estrutura e a hierarquia do grupo.
Segundo Matsumoto, a noção de Face atribuída à pessoa modelo (MP) de Brown
e Levinson, é muito estranha à cultura japonesa. Postulado como um dos dois aspectos
da Face da pessoa modelo, o desejo de não ser impedido da Face negativa pressupõe
que a unidade básica de sociedade seja o indivíduo. Tal suposição, porém, é quase
impossível para a cultura japonesa. Para a autora, um japonês geralmente tem que
entender qual é a sua posição em relação a outros membros do grupo, e tem que
reconhecer a sua dependência em relação aos outros. O reconhecimento e a manutenção
da posição relativa de outros, em lugar da preservação do próprio território individual,
governa toda a interação social.
Matsumoto explica que a sociedade e a cultura japonesa foram estudadas por
vários investigadores. Cita NAKANE27 (1967, 1970), que descreveu os japoneses em sua
estrutura social como uma sociedade vertical, na qual as relações primárias são formadas
entre pessoas hierarquicamente relacionadas, em um certo agrupamento social, em lugar
de relações entre pessoas que têm a mesma posição (Op. cit., p. 408).
27 NAKANE, C. Tate-shakai no ningen-kankei: tan-istu-shakai no riron (Personal relations in a vertical society: a theory of a homogeneous society). Tokyo: Kodansha, 1967; Japanese Society. Berkley, CA: University of Califórnia Press, 1970.
35
Conforme a autora, o Japão é descrito freqüentemente como uma cultura de
deferência típica, alguns linguistas manifestaram isso claramente (Robin Lakoff; Brown e
Levinson e outros).
Em relação à Teoria de polidez de Brown e Levinson, Matsumoto afirma que os
autores consideram a cultura japonesa como uma “cultura de polidez negativa” e, a partir
desse princípio questiona a validade em categorizar como culturas de polidez negativa
juntamente o japonês, o inglês e o indiano, visto que evidências sociológicas e
antropológicas demonstram diferentes conceitos de individualidade e composição de
Face, entre essas culturas (Op. cit., p. 408).
Segundo Matsumoto a deferência e o reconhecimento do direito à imunidade
relativa de imposição são analisados por Brown e Levinson como: "a deferência serve
para desativar atos ameaçadores de Face potenciais (FTAs) indicando que são
reconhecidos os direitos do ouvinte em relação à imunidade relativa de imposição e, além
disso, que o falante não está certamente em uma posição de coagir a complacência do
ouvinte de qualquer forma " (BROWN e LEVINSON, 1978, p. 183). Observa que embora a
conexão entre deferência e minimização das ameaças de Face seja de algum modo
inegável, torna-se claro que a deferência pode ser comparada com o fato de o falante
respeitar o direito de um indivíduo, através da não-imposição.
Segundo a autora, “Seja deferente” é, de acordo com Brown e Levinson, uma
estratégia de polidez negativa, para proteger a Face negativa do ouvinte. Ressalva,
entretanto, que em japonês há expressões convencionalizadas que demonstram
deferência e não podem ser consideradas derivadas da estratégia de polidez negativa em
minimizar a imposição ao ouvinte, como no exemplo a seguir:
(1) Doozo yoroshiku onegaishimasu28(Gostaria de obter os seus préstimos; espero que a nossa relação seja boa)
(2) Musume o doozo yoroshiku onegaishimasu (Peço que cuide bem da minha filha).
Matsumoto considera que em (1) o falante apresenta-se para o ouvinte e quer que
o relacionamento seja amigável; em (2) o falante efetua uma saudação para o(a)
28 Em japonês, quando somos apresentados a alguma pessoa, normalmente dizemos o sobrenome, o nome e, em seguida, utilizamos a expressão: “Doozo yoroshiku onegaishimasu”.
36
professor(a) da filha, ou para um(a) amigo(a) da filha. Ela considera os dois exemplos
como imposições na liberdade de ação do ouvinte, sendo que o falante em (2), refere-se à
filha que deve ser cuidada pelo ouvinte e, dessa forma, coloca-se em posição inferior,
dando origem, segundo a autora, a um típico comportamento deferente. Matsumoto
afirma que o ato de fala em (2) é um pedido direto, uma imposição e, portanto, seria
contraditório considerar essa deferência uma estratégia de polidez negativa. Para
Matsumoto, a contradição desaparece caso haja o abandono do conceito da
universalidade da Face negativa, relacionada a uma motivação primária para a polidez.
(Op. cit., p. 410)
Para Matsumoto na sociedade japonesa o reconhecimento de interdependência é
encorajado, assim, os calouros demonstram respeito pelos veteranos e, por sua vez, são
protegidos pelos veteranos. Considerando que essa interdependência é esperada na
sociedade, torna-se uma honra ser protegido por alguém hierarquicamente superior.
Assim, afirma que imposições de deferência podem aumentar a auto-imagem do
ouvinte e, nesse sentido, serem vistas como uma estratégia de polidez positiva. Porém,
isso não é feito consensualmente, mas através de imposição. Por outro lado, a autora
analisa que é distinta da polidez positiva porque não é uma manifestação de intimidade,
conforme Brown e Levinson que consideram a polidez positiva como "em muitos aspectos
um comportamento lingüístico normal entre íntimos...." (BROWN e LEVINSON, 1978, p.
106).
Conforme Matsumoto, a deferência exibe um grau de diferença entre os
participantes, ou é um reflexo preciso da verdadeira relação, ou um exagero polido.
Dessa forma, ao proferir os exemplos (1) e (2) ou as suas variantes, o falante
demonstra competência e aceitabilidade na sociedade. Ela conclui que nesse sentido, o
falante preserva sua própria Face, porque o não-reconhecimento da interdependência
refletiria adversamente, criando uma impressão de ignorância ou falta de autocontrole.
Para Matsumoto o conceito japonês de deferência tem que incluir não somente o
falante em posição de humildade, mas o de elevação do nível do ouvinte. Isso está de
acordo com a importância de Face negativa, como definido por Brown e Levinson, porém,
para a sociedade japonesa, a liberdade de imposição é menos potente do que a dinâmica
da polidez que é a da preservação da posição social (Op. cit., p. 413).
37
Portanto, as pessoas escolhem estratégias de polidez de acordo com suas
expectativas culturais e exigências, assim como, de acordo com restrições ligadas ao
contexto.
Um falante japonês sempre deve observar a relação social e sua extensão, por
conseguinte, cada expressão vocal pode causar embaraços e perda de Face. Segundo a
autora, pode-se dizer que todas as expressões vocais da língua japonesa podem ser
consideradas ameaças de Face, sendo que, até certo ponto, o mesmo pode ser dito de
qualquer cultura: a comunicação interpessoal pode ser uma ocasião de ameaça de Face.
Observa, entretanto, que em japonês isso é muito ampliado, visto que contextos
sociais são codificados diretamente em marcas morfológicas e léxicas. Desse ponto de
vista, o sistema de expressões de tratamento em japonês se parece muito mais como
uma estratégia de polidez negativa para mitigar a coerção do ouvinte. (Op. cit., p. 419)
Matsumoto explica que a expressão: - Ue ni mairimasu (Vamos subir),
geralmente utilizada pelos operadores de elevador, pode aborrecer algumas pessoas,
visto que parece uma informação desnecessária, ou pode ser visto como uma humildade
excessiva. No entanto, explica que em um contexto japonês nenhuma outra expressão
seria tão apropriada. A ascensorista (normalmente uma mulher) demonstra a sua
deferência como empregada da loja em relação aos clientes. Ela está representando o
seu papel como o esperado, ao reconhecer a relação entre ela e os clientes.
Na cultura japonesa, espera-se que as pessoas ajam corretamente, de acordo
com a sua posição relativa, ou tratem com respeito os outros membros do grupo, e é essa
posição relativa que eles querem manter quando empregam estratégias de polidez (Op.
cit., 1988, p. 422-423).
Para a autora a cultura japonesa é descrita freqüentemente como uma cultura de
deferência, e na estratégia de deferência está seu modo convencional de polidez. Porém,
o que se nota é que a deferência na língua japonesa origina implicações diferentes da
deferência na cultura ocidental. Cita que de acordo com Robin Lakoff, a deferência é a
estratégia baseada nas máximas: “Não imponha”; “Dê opções”. Porém, em termos de
cultura japonesa, a deferência baseia-se na diferença de posição social entre os
participantes, enquanto que a deferência na cultura ocidental é uma estratégia que ocorre
provavelmente entre iguais. Ressalva que o tipo ocidental de deferência, que consiste em
38
dar opções, também é observável no Japão, mas normalmente apenas entre pessoas
com mesmo nível hierárquico.
A autora acredita que a base para a construção de um conceito universal de
polidez incluiria uma noção geral de Face, ou auto-imagem socialmente determinada, que
postularia o desejo de manter a Face como o fator dinâmico do sistema de polidez. A
base também compreenderia certo espectro de estilos que podem ser escolhidos, de
acordo com a cultura e a situação. Para a aplicação dessa base, seria necessário o
conhecimento do funcionamento da sociedade antes de se determinar os componentes
de Face naquela cultura.
Matsumoto afirma que a abordagem de Brown e Levinson permite a variabilidade
cultural, mas consideram os componentes de Face como conceitos universais. No
entanto, a autora afirma que a Teoria de Polidez de Brown e Levinson pode ser aplicada
satisfatoriamente ao sistema de polidez no Japão, caso haja uma diminuição da ênfase no
que os autores chamam de Face negativa. Matsumoto conclui que uma modificação na
exigência da universalidade da Face parece conduzir a uma teoria mais simples e
proporciona um acordo melhor entre teoria e prática.
39
5. Representação das formas de tratamento em japonês e português
A utilização das formas de tratamento sempre esteve relacionada aos papéis
sociais que os falantes representam na sociedade. Segundo PRETI (2000, p.88), nas
sociedades antigas, o indivíduo desempenhava poucos e bem definidos papéis e nas
sociedades contemporâneas, há uma maior número de papéis sociais exercidos por um
mesmo indivíduo. Assim, naquelas sociedades, o comportamento do servo, do padre,
entre outros, estavam determinados e eram realizados com precisão. Por outro lado, nas
sociedades contemporâneas, um operário pode ser um líder sindical, um político e
transitar em círculos sociais diferentes.
As normas comportamentais que regulam os diversos papéis sociais são criadas
pelas sociedades, que classificam as atitudes como adequadas ou não. DHOQUOIS
(1993) afirma que um dos modos de regulação das relações humanas que sempre foi e
será necessário é a polidez. Para a autora, a polidez representa uma multiplicidade de
contradições, a “sociabilidade e espontaneidade, hipocrisia e autenticidade, boa e má
educação, que opera classificações sociais definitivas entre aqueles que sabem e ...os
outros.” (Op. cit., p. 8).
HAVERKATE (1994, p. 68) afirma que no micro-nível do ato de fala, a polidez
manifesta-se, entre outros fatores, pela seleção de pronomes de tratamento.
Assim, uma sociedade historicamente hierarquizada como a japonesa estabeleceu
uma variedade de expressões de tratamento através das quais o falante demonstra as
suas boas maneiras, assim como deferência e educação em relação ao ouvinte e ao
grupo social a que pertence.
Segundo PRETI (2000, p. 93), a sociedade portuguesa também era fortemente
hierarquizada, com status atribuído ao nobre/plebeu, sendo que os resquícios
permaneceram, originando dessa forma, sociedades modernas baseadas na semântica
do poder. Por outro lado, o autor expõe que em sociedades com status social adquirido,
as formas de tratamento tendem para uma simetria, como nos ideais democráticos da
América. Para o autor, no Brasil, um índice da transformação “está em algumas formas de
tratamento, como você e seu uso ampliado em relação a o senhor, numa evidente quebra
de formalismo.” (Op. cit., p. 94).
MONTEIRO (1994, p. 153) afirma que, na língua portuguesa, o surgimento do
pronome você foi decisivo para uma série de modificações no sistema pronominal, tais
40
como: a ocupação do lugar deixado pela extinção do sujeito vós (e conseqüentemente do
objeto vós e do adjunto vosso) e a desvalorização do tu. Portanto, para o autor, um novo
panorama firma-se nas relações de tratamento resumidas pelas expressões formais: você
e o senhor, sendo que este é mais utilizado pelos mais idosos e aquele pelos mais jovens.
O uso da forma você em substituição ao senhor demonstra uma tendência à
evolução da sociedade brasileira, pautada pelas idéias de liberdade ou autonomia, porém,
ao mesmo tempo em que atenua a rigidez das relações assimétricas entre pai e filho,
patrão e empregado, professor e aluno, causa hesitações em relação à utilização efetiva
dessas duas formas de tratamento.
Um exemplo desse tipo de impasse é o episódio envolvendo o ex-presidente do
Brasil, Fernando Collor e um repórter do jornal Folha de São Paulo, em 1992. Segundo
Roberto Pompeu de Toledo, no ensaio da revista Veja intitulado “Você, tu e o senhor” (A-
nexo1), o repórter utilizou a forma de tratamento você ao dirigir-se ao ex-presidente “Os
jornais estão dizendo que você vai tirar férias. É verdade?”, indignado, em resposta
Fernando Collor disse um palavrão “Você é o .....”.
Concordamos com o ensaísta no fato de que, nesse caso, é difícil verificar qual dos
dois, o ex-presidente, ou o repórter merece o troféu de más maneiras. No entanto, não
resta dúvida: a confusão na utilização das formas você e o senhor é generalizada, apesar
das gramáticas especificarem que senhor/a é uma forma mais cerimoniosa e você uma
forma mais íntima.
Ao analisarmos esse exemplo, através de uma perspectiva pragmático-lingüística,
utilizando a Teoria de Polidez de Brown e Levinson:
• Segundo MEIRELES (1999, p. 159-161), Brown e Levinson consideram que
a super estratégia de polidez negativa “Seja deferente” possui dois lados:
“em um, o falante eleva o interlocutor frente a si mesmo; no outro, o falante
se diminui frente ao interlocutor”. E, dentre as possibilidades de realização
dessa super estratégia, existe a utilização de formas de tratamento. Para a
autora, dessa maneira, as formas de tratamento servem para o falante
demonstrar que reconhece, de alguma forma, a superioridade do ouvinte
(Op. cit., 1999). No exemplo acima, pode-se dizer que a Face negativa do
ex-presidente foi danificada (devido a não utilização da estratégia de polidez
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negativa) e não houve a intenção do repórter em minimizar a ameaça à
auto-imagem pública de Fernando Collor.
• Por outro lado, HAVERKATE (1994, p. 221) afirma que “Brown y Levinson –
véase la nota 1129 -, optan por considerarla como una clase particular de
cortesía positiva que corresponde al deseo del oyente de verse tratado como
um interlocutor socialmente superior.” Para Haverkate, Brown e Levinson
incluem no interior da estratégia de polidez negativa “Seja deferente” uma
classe particular de polidez positiva, que se justifica pelo desejo do ouvinte
em ser tratado como superior. Nesse sentido, no exemplo acima, houve uma
danificação da Face positiva do ex-presidente, visto que o repórter não
atendeu aos interesses e às necessidades do ouvinte de, nesse caso, ser
tratado como superior.
A partir dos comentários acima, verificamos que as estratégias de polidez podem
ser expressas por uma combinação de vários elementos lingüísticos e extralingüísticos
em um determinado contexto, até mesmo pela interação entre as estratégias de polidez
criadas por Brown e Levinson. Torna-se necessário, porém, constatar que o repórter ao
utilizar a forma de tratamento você realizou a interrupção de um equilíbrio social
preexistente, visto que segundo as normas estabelecidas, nesse caso o tratamento
convencional seria “Vossa Excelência” ou no mínimo o “Senhor”. E, da mesma forma, o
ex-presidente, ao verificar que sua Face foi desrespeitada, além de danificar a Face do
repórter, utilizando a expressão “você é o .....”, ratifica a tendência da sociedade brasileira
em utilizar os pronomes de tratamento como uma forma de caracterizar as diferenças de
classe, mas, mais do que isso, exige a marcação dessa assimetria social e da deferência
devida ao cargo manifestada através da forma de tratamento respeitoso.
Como observado no item 3.1.1, na língua japonesa o equivalente ao pronome
você é anata (na forma neutra) e otaku (forma de respeito), porém, não são muito
29 HAVERKATE (1994, p. 217), cita BROWN e LEVINSON (1987, p.178): “There are two sides to the coin in the realization of deference: one in which S humbles and abases himsself, and another where S raises H (pays him positive Face of a particular kind, namely that which satisfies H’s want to be treated as superior)”. Tradução: “[La realización de deferência es una medalla con dos caras: por una parte, el hablante se humilla y se desprecia, por outra eleva al oyente a un nível más elevado (manifiesta una forma de cortesia positiva particular, esto es, cumple con el deseo del oyente de ser tratado como una persona de rango superior)]”.
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utilizados30, a forma mais usual de tratamento são os termos que indicam a profissão ou
cargo da pessoa.
Assim, caso um repórter faça uma entrevista com o atual Primeiro Ministro do
Japão, Taro Aso, ou com uma dona de casa, jamais utilizará o pronome otaku (apesar de
ser uma forma de respeito), mas Soori Daijin (Primeiro Ministro), ou Aso Soori Daijin
(Primeiro Ministro Aso); para a dona de casa, a forma convencional, caso seu nome
completo seja Elisa Maruyama: Maruyama Elisasan(sama) (Senhora Elisa Maruyama),
ou, shufusan(sama) (senhora dona de casa).
A partir da Teoria de Polidez de Brown e Levinson, nesse contexto, as utilizações
dessas expressões de tratamento servem para proteger a Face negativa do ouvinte. Por
outro lado, conforme discutido no item 4.2, Matsumoto afirma que esse conceito de Face
negativa não pode ser aplicado à sociedade japonesa, devido à diferença na concepção
de Face e às imposições culturais e sociais pré-estabelecidas que regulam a utilização
das expressões de tratamento.
Por sua vez, os resultados obtidos por Usami, item 4.1, demonstram que na
oralidade existem opções para o uso voluntário de mudanças estratégicas de nível de fala
em japonês. Segundo a autora, as mudanças do nível super polido ou polido para a forma
não polida servem como um indicador de polidez positiva; as estratégias de polidez
negativa têm maior probabilidade de serem aplicadas em situações de FTAs
relativamente mais altos (conversa com pessoas mais velhas) e as estratégias de polidez
positiva em FTAs mais baixos (conversa com pessoas mais novas); tanto as formas não
polidas, quanto as mudanças para nível inferior e a proporção de início de tópicos
tenderam a aumentar em freqüência na proporção inversa à idade do ouvinte. Assim,
pode-se considerar que refletiram o poder (P) do ouvinte sobre o falante formulado por
Brown e Levinson.
30 Anata é um pronome de 2° pessoa utilizado para os íntimos (relações de interioridade), conforme Capítulo 3; otaku é o seu equivalente na forma de respeito (relações de exterioridade).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na introdução desse trabalho, falamos sobre a relevância da família imperial no
Japão, o sentimento de reverência dos imigrantes japoneses, apesar dos 100 anos de
imigração. Segundo BENEDICT (2002, p. 259), após a rendição do Japão, em 1.945, o
plano de ação dos Estados Unidos foi a conservação do Imperador, devido a sua
importância perante a sociedade, porém, ao sugerirem que o Imperador rejeitasse a sua
divindade, este teria protestado que seria um embaraço pessoal privar-se do que não
tinha. Ele teria declarado que os japoneses não o consideravam um deus no sentido
ocidental, mas concordou em fazer um discurso através do rádio, em rede nacional. Pela
primeira vez na história, no dia 15/08/1945, os japoneses ouviram a voz do Imperador,
imbuída de modéstia, respeito e cortesia.
Em um país de longa tradição feudal, cujas aldeias, cidades e regiões eram
tradicionalmente voltadas para elas próprias, cada comunidade elaborou diferentes
códigos, fundadores de uma identidade local e instrumentos para reconhecer o outro
como um ser próximo ou distante.
A natureza elaborada do sistema de expressões de tratamento da língua
japonesa ultrapassa o conceito de tratamento respeitoso. No Brasil, esse conceito remete-
nos quase sempre aos pronomes de tratamento. No Japão, há vários fatores que devem
ser levados em consideração. A questão que se colocou no início desse trabalho é se
nesse contexto, a escolha feita pelos falantes da língua japonesa, enfocando também os
pronomes de tratamento em língua portuguesa, ao utilizarem uma das formas das
expressões de tratamento praticam uma estratégia de preservação da Face, tal como
descrita na Teoria de Polidez de Brown e Levinson.
Para realizarmos esse trabalho, utilizamos a documentação indireta através da
pesquisa bibliográfica como ferramenta metodológica para a coleta de dados e
informações. Segundo LAKATOS e MARCONI (1991, p. 183), a pesquisa deve abranger
a bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, dessa forma, analisamos
os livros, as publicações avulsas, as teses, e as revistas especializadas relacionadas à
pragmática, à polidez lingüística, às expressões de tratamento em língua japonesa e aos
pronomes de tratamento em língua portuguesa.
A questão da polidez é tema de vários estudos lingüísticos desde a década de 70
do século passado. A matriz pragmática da polidez foi tema de abordagem dos teóricos,
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como Paul Grice, Robin Lakoff, Erving Goffman, Penélope Brown e Stephen Levinson,
para citar apenas alguns. Esse extenso material produziu reflexos aqui no Brasil, mas até
o momento não são muitos os trabalhos relacionados ao estudo da polidez. Os objetos
aos quais se aplicam a nossa análise são as expressões de tratamento da língua
japonesa e os pronomes de tratamento da língua portuguesa.
Apesar de entenderem a polidez de um modo diferenciado, verificamos que os
autores citados acima concordam que a polidez desempenha um papel fundamental na
comunicação. Sendo responsável pelas relações cordiais e pela cooperação mútua entre
os indivíduos, a polidez se faz essencial aos propósitos com os quais uma interação
verbal é inicialmente proposta.
Ao analisarmos as expressões de tratamento em língua japonesa sobre a
perspectiva pragmático-lingüística da polidez, verificamos que os estudos merecem
complementações. Citamos apenas alguns pontos que transformam as expressões de
tratamento em um campo enorme e ainda inexplorado pelas pesquisas ocidentais: as
relações sui generis entre os tratamentos do enunciado e enunciação; as relações de
respeito e modéstia; as alterações morfológicas e léxicas; os resultados obtidos na
pesquisa de Usami Mayumi e as considerações de Yoshiko Matsumoto.
Da mesma forma, as condições de uso dos pronomes de tratamento em língua
portuguesa ainda não estão bem delimitadas, sendo que a confusão na utilização não é
uma exceção relacionada apenas ao repórter da Folha de São Paulo e ao episódio com o
ex-presidente, mas parece ser generalizada.
Torna-se importante citar que conforme PRETI (2000, p. 92),
“É preciso pensar, por exemplo, que, nas relações entre status, não se passa, de repente, de um tratamento mais formalizado como o senhor para você (e muito menos para tu), sem marcar a mudança de papéis sociais. A todo momento, vemos o embaraço que sentimos, dialogando com uma pessoa de status superior ao nosso, as passarmos de um tratamento que indica autoridade e poder (como o senhor) para outro de intimidade e solidariedade (como você) que inclui o interlocutor em nosso grupo social, ainda que haja estímulo na situação de comunicação, para que tal ocorra.” Constatamos que a “polidez” é um aspecto do uso da língua que reflete
fortemente as diferentes perspectivas culturais; por isso expressões polidas na primeira
língua podem não ser diretamente traduzidas numa segunda língua. Esperamos que esse
trabalho contribua para um melhor entendimento das expressões de tratamento em língua
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japonesa e sobre a utilização dos pronomes de tratamento em língua portuguesa. À
medida que fronteiras nacionais se tornam menos visíveis e mais pessoas se engajam na
comunicação inter-cultural, pessoas de um grupo cultural podem facilmente violar as
regras de cortesia de outro grupo e isso pode causar conflito, desentendimento e
estereotipia.
Após a conclusão deste trabalho, temos uma certeza: para entender o fenômeno
da polidez primeiramente temos que apreender o contexto no qual ele ocorre, devemos
apontar a lente para a sociedade, o grupo social, para então ajustar o foco para as
interações Face a Face.
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ANEXOS
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Anexo 1 - Ensaio da Revista Veja (19/02/1992) - “Você, tu e o senhor”