as motos e as cidades

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BENJAMIN STEINBRUCH - As motos e as cidades DIAS ATRÁS, o Hospital das Clínicas de São Paulo, principal hospital público da cidade, revelou que metade das vítimas de acidentes de trânsito que chegam ao pronto- socorro da instituição são motociclistas. Em São Paulo, morrem três motoqueiros a cada dois dias. Há muitas outras estatísticas que mostram o impressionante número de mortes e incapacitações físicas decorrentes desse tipo de transporte, que avança de forma alucinada no país. Não é meu objetivo chocar leitores com números dessa mortandade. Nem condenar à extinção a indústria de motocicletas. O intuito é o de chamar a atenção para a necessidade urgente de busca de saídas para esse problema, que não depende apenas de leis federais. Prefeitos de grandes cidades precisam ter a mesma coragem revelada em São Paulo para limpar as ruas da poluição visual. Com a diferença de que esse tema exige muito mais pressa, porque se trata de poupar vidas. Estive na China há três meses e surpreendi-me com a inexistência de motos no trânsito caótico de Pequim. Elas são proibidas na capital chinesa e em várias outras metrópoles do país, como Xangai e Guangzhou. Só bicicletas e bicicletas elétricas podem circular nessas cidades, e jamais no meio dos veículos. Usam faixas exclusivas existentes em praticamente todos os grandes centros urbanos. Em alguns, a proibição já dura oito anos, e isso não atrapalha a indústria, que se concentra em bicicletas e motonetas elétricas. Segundo os chineses, a proibição de motocicletas nos grandes centros -elas podem circular no interior- se deu por três razões: segurança, porque elas se envolvem em muitos acidentes com vítimas; por uma questão ambiental, porque poluem muito mais do que os carros; e para melhorar o trânsito dos veículos. No Brasil, haveria uma quarta razão, a redução da criminalidade no trânsito, já que muitos assaltos são feitos por duplas de motociclistas.

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Artigo de BENJAMIN STEINBRUCH

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  • BENJAMIN STEINBRUCH - As motos e as cidades

    DIAS ATRS, o Hospital das Clnicas de So Paulo, principal hospital pblico da

    cidade, revelou que metade das vtimas de acidentes de trnsito que chegam ao pronto-

    socorro da instituio so motociclistas. Em So Paulo, morrem trs motoqueiros a cada

    dois dias.

    H muitas outras estatsticas que mostram o impressionante nmero de mortes e

    incapacitaes fsicas decorrentes desse tipo de transporte, que avana de forma

    alucinada no pas.

    No meu objetivo chocar leitores com nmeros dessa mortandade.

    Nem condenar extino a indstria de motocicletas. O intuito o de chamar a ateno

    para a necessidade urgente de busca de sadas para esse problema, que no depende

    apenas de leis federais. Prefeitos de grandes cidades precisam ter a mesma coragem

    revelada em So Paulo para limpar as ruas da poluio visual. Com a diferena de que

    esse tema exige muito mais pressa, porque se trata de poupar vidas.

    Estive na China h trs meses e surpreendi-me com a inexistncia de motos no trnsito

    catico de Pequim.

    Elas so proibidas na capital chinesa e em vrias outras metrpoles do pas, como

    Xangai e Guangzhou. S bicicletas e bicicletas eltricas podem circular nessas cidades,

    e jamais no meio dos veculos. Usam faixas exclusivas existentes em praticamente todos

    os grandes centros urbanos.

    Em alguns, a proibio j dura oito anos, e isso no atrapalha a indstria, que se

    concentra em bicicletas e motonetas eltricas.

    Segundo os chineses, a proibio de motocicletas nos grandes centros -elas podem

    circular no interior- se deu por trs razes: segurana, porque elas se envolvem em

    muitos acidentes com vtimas; por uma questo ambiental, porque poluem muito mais

    do que os carros; e para melhorar o trnsito dos veculos. No Brasil, haveria uma quarta

    razo, a reduo da criminalidade no trnsito, j que muitos assaltos so feitos por

    duplas de motociclistas.

  • Os chineses consideram falsa a ideia de que as motos facilitam o trnsito e a locomoo

    das pessoas. Ao circular entre os veculos, dizem, elas provocam mais problemas do que

    solues, porque do origem a muitos acidentes e incidentes que param ou retardam o

    trfego. O ideal seria segreg-las s faixas exclusivas, mas sua velocidade seria

    incompatvel com a das bicicletas. A soluo chinesa, ento, foi proibir as motos e

    restringir o uso das faixas para bicicletas e ciclomotores eltricos, que andam a baixa

    velocidade, mas representam um meio de transporte importante.

    No Brasil, caminhamos na direo oposta. O governo federal aprovou em julho o

    servio de mototxi no pas. A lei permite que cada prefeito possa decidir sobre a

    liberao do servio em sua cidade.

    A ideia de que a bicicleta no se adapta a cidades como So Paulo ou Rio, que tm

    muitas subidas, tambm no se sustenta depois do surgimento das eficientes bicicletas

    eltricas chinesas. O governador do Rio, Sergio Cabral, circulou com uma dessas

    bicicletas em ruas prximas ao Maracan recentemente, no Dia Mundial sem Carros (e

    Motos), e ficou encantado. Prometeu "tapete vermelho, casa, comida e roupa lavada" a

    quem instalar uma fbrica desses ciclomotores no Rio.

    Algum j pensou em proibir o uso de motos em cidades como So Paulo, Rio ou Belo

    Horizonte? Claro que no. Haveria uma "guerra civil" nas ruas. Isso, porm, no

    significa que a sociedade deva continuar aptica ao problema. Medidas educativas, por

    exemplo, so bem-vindas. Mas preciso muito mais do que isso. Mais arrojo e mais

    coragem. Para salvar vidas.