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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
AS MULHERES E A COMUNA DE PARIS DE 1871
Camila Valle1
Resumo: A pesquisa analisa a participação das mulheres na Comuna de Paris de 1871 e, em especial, na guerra
revolucionária francesa. Em 1870 e 1871, as mulheres participaram e organizaram diferentes manifestações,
denunciando a situação de fome e miséria pela qual o povo passava. Atuaram no 18 de março, evitando que os
canhões fossem apreendidos pelo governo nacional francês. Participaram dos debates em diferentes clubes e nas
ações revolucionárias, entretanto, foram excluídas das eleições do Conselho da Comuna, não podendo atuar
diretamente no principal espaço decisório do governo revolucionário. Em 11 de abril de 1871, é fundada a
“União das Mulheres pela Defesa de Paris e pelo Cuidado aos Feridos”. Nos últimos dias de guerra
revolucionária, um batalhão de mulheres atuou na defesa de Paris. Relatos policiais apontam para a “histeria”
das mulheres, que se mostraram mais revoltadas e intransigentes que os homens. Muitas mulheres foram
fuziladas, assassinadas, deportadas e presas em locais em péssimas condições. Louise Michel, Nathalie Le Mel,
André Léo, Elisabeth Dmitrieff, entre outras lutadoras, escreveram a história da Comuna de Paris.
Palavras-chave: Comuna de Paris. Mulheres. Guerra Revolucionária.
As trabalhadoras tiveram participação central na Comuna de Paris, a guerra
revolucionária que ocorreu na França, em 1871. Muitas mulheres trabalhavam na capital e,
especialmente, na produção industrial. Em 1870, a indústria de Paris empregava 600.000
pessoas mas, no início de 1871, foi para 114.000, sendo 62.000 mulheres. A “matéria-prima”
não entrava na Paris invadida pelos prussianos e muitos patrões abandonaram suas fábricas.
As mulheres trabalham entre 12 e 14 horas por dia por um salário quotidiano de 50 centimes à
2,50 francos, metade do salário dos homens. Nessa época, um quarto para ser alugado custava
100 a 200 francos o ano, conforme dados trazidos pelos Amigos da Comuna de Paris (2006).
Muitas vezes a prostituição se tornava uma parte da jornada das mulheres. O casamento legal
e o religioso não estavam regrados.
A guerra Franco-Prussiana piorou as condições de vida. Frente à situação de miséria,
fome e desemprego, o povo revoltou-se. A pesquisa analisa a atuação da mulher trabalhadora,
tendo como foco as manifestações que ocorreram a partir de 1870, a atuação no governo
revolucionário da Comuna de Paris e a organização da “União das Mulheres pela Defesa de
Paris e pelo Cuidado aos Feridos”, destacando a luta armada das mulheres na guerra
revolucionária francesa.
1 _ Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil.
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As manifestações populares
As mulheres organizaram e participaram de distintas manifestações populares, revoltas
e ações de rua durante os meses que antecederam a Comuna de Paris. No dia 18 de setembro,
uma manifestação é organizada por mulheres em frente ao Hôtel-de-ville, uma das sedes
administrativas, para servir de ajuda aos moradores de Estrasburgo. Muitas professoras
estavam presentes. Louise Michel e André Léo são delegadas para falar com o governo, que
recusa qualquer ajuda. Louise Michel (1999) afirma que elas formavam “une petite armée”,
totalmente disposto a lutar. Elas foram interrogadas e presas por alguns momentos, mas logo
foram soltas. Nesse mesmo dia, Estrasburgo capitula diante de Prússsia.
Em 31 de outubro ocorre uma tentativa de ocupação do Hôtel-de-ville. Dias depois,
Blanqui, Tridon, Eudes, Ranvier, Lefrançais, Jaclard e Flourens são presos. No início de
novembro de 1870, Louise Michel, que participa de uma manifestação de mulheres no
Hôtel-de-ville para propor diferentes tipos de defesa, também é presa. Mas os protestos em
Paris continuam. As mulheres, entre elas Louise Michel, André Léo, Béatrix Excoffon e
Sophie Poirier, participam ativamente da jornada do dia 22 de janeiro, quando alguns grupos
armados vão ao Hôtel-de-ville após mais derrotas na guerra. Para o povo, é visível a traição
do governo combinada com a atuação heróica dos guardas nacionais, traídos pelos homens da
ordem. Havia muitas mulheres, crianças e alguns destacamentos de guardas nacionais, ainda
que não houvesse um grande número de pessoas. Uma comissão é recebida pelo assessor do
maire. Alguém do povo exige a Comuna. Os batalhões reacionários atiram contra os
manifestantes, alguns guardas nacionais respondem e eles conseguem fugir. Serão 30 mortos
ou feridos entre os manifestantes. Somado a isso, o governo vai prender os militantes e
aumentar a censura. Jornais são proibidos.
As mulheres também tiveram grande participação na proteção das armas da guarda
nacional, quando o povo de Paris teve que salvar seus canhões do governo, após as eleições
de fevereiro de 1871. Os canhões da guarda nacional, pagos por ela, encontravam-se numa
zona reservada aos prussianos. Os guardas nacionais resolvem salvar seus canhões,
conduzindo-os até a Place de Vosges. Homens, mulheres e crianças foram buscar as peças que
lá se encontravam. A munição era passada de mão em mão, num símbolo de responsabilidade
e solidariedade. No dia 25 de fevereiro, as mulheres participam das marchas de guardas
nacionais, de mobiles e de soldados. O armistício iria se expirar no dia 26 e os jornais
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anunciavam a entrada dos prussianos, em Paris, para o dia 27. No dia 26 as manifestações
redobram.
Em março, o governo decide retirar os canhões da guarda nacional, cumprindo com a
ideia de voltar a “pôr ordem” na França. Lissagaray (2000) afirma que às 3h de 18 de março
as tropas, sem suas bolsas e alimentos, vão para todas as direções. Segundo as dépêches da
maire e da Préfecture de Police, às 7 horas o Buttes-Chaumont é tomado sem resistência
séria. Mas a cidade acorda. As mulheres agem primeiro, no XVIII arrondissement, onde atua
Louise Michel, que logo grita traição quando Turpin é atingido por um tiro. Elas dobram a
metralhadora dos soldados e interpelam os chefes. O chamado é feito. Às 8h, são 300 guardas
nacionais que aparecem. Soldados e guardas confraternizam, Lecomte comanda o fogo, os
soldados não obedecem e ele é preso. Muitos querem fuzilá-lo, mas ele é levado ao
Château-rouge, quartel general de Montmartre. Exige-se que ele ordene a evacuação das ruas
e, diante da situação que lhe é imposta, ele assina a ordem. A resistência ocorre em toda a
cidade. O governo foge para Versalhes e os guardas nacionais ocupam o Hôtel-de-ville, onde
se instalam. É o início da Comuna de Paris. No dia 3 de abril, após a Comuna ser atacada
pelos anticommunards, quinhentas mulheres estavam na Place de La Concorde para marchar
em direção a Versalhes. Setecentas mulheres estavam no Pont de Grenelle.
O governo revolucionário
As eleições para o Conselho da Comuna ocorreram em 26 de março e as listas usadas
para as votações do Conselho foram as listas do Império, o que não incluia as mulheres que,
na época, ainda não votavam na França. Apenas homens votaram e foram votados. Mas, além
do Conselho da Comuna, havia um segundo nível de governo, os comitês de vigilância, que se
formaram logo com a proclamação da república e por iniciativa da Associação Internacional
de Traballhadores (AIT) e da Chambre Syndicale de Sociétés Ovrières. Esses comitês de
vigilância passaram a funcionar como as mairies, ou seja, responsáveis pela administração em
cada arrondissement. Em 31 de março os comitês de vigilância rapidamente transformaram-se
de assembleias populares para corpos de governo, um processo verificado por alguns
revolucionários logo no início do movimento dos comitês de vigilância em setembro e
codificado na declaração de princípios de fevereiro. Quando a Comuna é instalada, a
organização no bairro sofre mudanças. As questões administrativas eram efetivamente
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4 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
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realizadas pelos bairros, onde os membros da Comuna eram cercados por uma comissão, dita
comissão municipal.
Desses comitês de vigilância as mulheres fizeram parte. Louise Michel, por exemplo,
participou do comitê de vigilância de Montmartre. Segundo Serman (1986), o comitê de
viginância das mulheres de Montmartre reagrupou algumas das mais fortes personalidades
femininas da Comuna e, sem dúvida, as mais antigas e mais ardentes militantes do movimento
revolucionário. Sophie Poirier e Béatrix Excoffon, presidente e vice-presidente do Clube de la
Boule-Noire; Anna Korvina-Kroukovskaïa, filha de um general russo, que ao chegar em Paris
trabalhou em uma casa de impressão e foi companheira de um jovem militante blanquista
(Victor Jaclard); Léodile Champseix, conhecida como André Léo, redatora do Jornal La
Sociale, onde, de 31 de março a 17 de maio, ela escreve artigos em defesa da Comuna e,
sobretudo, Louise Michel. Entre as mais conhecidas oradoras das reuniões e encontros
públicos estão Louise Michel, Sophie Poirier, Béatrix Excoffon, Blanche Lefebvre,
Marie-Jeanne Bouquet, Paule Minck (jornalista que fundou uma escola de mulheres em
Montmartre e que é uma das principais agitadoras do Clube de la Victoire em Saint-Sulpice e
do Clube de Saint-Nicolas-des-Champs).
Além disso, as mulheres participavam dos debates nos clubes, que podem ser
considerados uma instância de base do governo revolucionário, ainda que alguns homens se
opusessem à sua participação. Quando o império é derrotado, os encontros públicos
imediatamente brotaram de novo. Em muitos cafés, os revolucionários se encontravam. Os
clubes podem ser vistos como governo, conforme indicou Marx, ao considerar que os clubes
operários formavam um governo revolucionário, ou como organizações de massa que
controlam o governo, segundo constatou Balibar (1975). Nesses clubes eram debatidas
inúmeras questões, desde as questões concretas e práticas até questões mais profundamente
teóricas, como o antagonismo entre capital e trabalho, a mulher vista pela Igreja e pela
revolução, a prostituição e a burocracia. Lejeune (2002) afirma que as sessões iniciavam com
uma série de informações sobre Versalhes, sobre os debates da Comuna e sobre a vida no
bairro. As decisões tomadas pela Comuna eram analisadas e criticadas. E constantemente uma
delegação era enviada no dia seguinte ao Hôtel-de-ville, portando moções ou proposições. Foi
graça às ações dos clubes que foram criados os açougues municipais.
Blanqui organizou o primeiro clube, o La Patrie en Danger, do qual Louise Michel
participou. Louise Michel afirma que os communards se reuniam nos comitês de vigilância e,
em seguida, íam para suas reuniões nos clubes. A autora conta que muitos clubes eram
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presididos por membros dos comitês de vigilância, ela mesma presidia o Club de la
Révolution. Mas muitas das mulheres que atuaram nos clubes não tem seu nome revelado.
Molinari (1871) narra distintos momentos de intervenção de mulheres nos debates. No clube
de la rue d’arras, em 27 de dezembro, uma mulher, cujo nome não é conhecido, chega com
informações de Jules Ferry, afirmando que os “carregadores” teriam recebido a instrução de
não carregar os soldados e de carregar apenas os oficiais feridos. Ela conta que as “irmãs de
caridade”, as freiras, levaram soldados feridos mas que estes teriam morrido de frio. Alguém
do clube chega a questionar a identidade dessa mulher, mas alguns membros presentes
confirmam seu envolvimento e comprometimento com as atividades.
No clube Favié, em 29 de dezembro, argumenta-se que as mulheres farão a defesa de
Paris caso os homens não o façam, após terem concluído que o governo não iria defender a
capital e terem debatido que faz parte do direito das gentes que uma cidade ocupada possa
usar todos os meios pra se proteger. Defende-se a utilização do fogo grego. A reunião do
clube Élysée-Montmartre, em 23 de dezembro, inicia com “Vive la commune!”. Em muitos
arrondissements, ela já começa a ser organizada. Discute-se a disciplina, se um soldado deve
obedecer, um orador defende que ele siga sua consciência, outro orador afirma a importância
da disciplina e são as mulheres que o aplaudem com mais vigor. Iniciam, então, a discutir o
que seria uma Comuna, o que ela deveria fazer: defesa, requisições etc. Em 16 de janeiro, no
clube Favié, um orador critica a covardia do povo, que não fez a Comuna quando pôde. Um
orador sustenta que ainda é a hora de fazer a Comuna, que em Belleville é onde está a maior
força, que quando o momento de agir chegar, eles terão muitos homens, e as mulheres gritam
afirmando que elas irão na frente.
No dia 31 de janeiro, na salle de la redoute, a assembleia decide que os soldados de la
ligne poderiam assistir às reuniões sem pagar. As mulheres poderiam participar, pagando a
retribuição, mas sem ter o direito de participar das deliberações até que seja acordado os
direitos políticos relativos ao que elas podem decidir, o que evidencia que mesmo entre os
commmunards havia uma oscilação e mesmo oposição à intervenção das mulheres. Segundo
os Amigos da Comuna de Paris (2006), o clube de la Délivrance, na Igreja Trinité, presidido
pela Ladoïka Kawecka, antiga redatora do Jornal das Cidadãs, é frequentado por Le Mel que,
durante uma reunião, declara: “As oficinas que estamos organizando pertencem a vocês. As
ferramentas são de vocês.” Em 6 de maio, no Clube des libres penseurs, na Igreja
Saint-Germain-l’Auxerrois, quinhentas pessoas, entre centenas de mulheres, votaram a
proposição de Rondier, exigindo a emancipação completa das mulheres e o direito ao
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divórcio. No clube des prolétaires, em uma reunião, havia três mil mulheres em quatro mil
participantes. Ainda que elas não tivessem o direito de voto, em alguns lugares onde a
influência da AIT era preponderante, os clubes colocavam as mulheres na gestão dos bairros.
São fundados muitos comitês de bairro para organizar cooperativas, a fim de atender à
demanda urgente de trabalho.
A participação das mulheres nos clubes provocava irritação em Versalhes, o que
mostra o quão revolucionário era o governo da Comuna. Uma gestão democrática foi
instaurada nos clubes. Qualquer participante podia subir à tribuna improvisada e dar sua
opinião ou fazer uma proposição. Por outro lado, é a convivência do novo com o velho: as
mulheres, apesar de participar da base desse governo, estavam excluídas do sufrágio universal
que elegia os membros do Conselho.
Os clubes efetivamente serviram de base de sustentação do movimento e, ao mesmo
tempo, foram preparando seus militantes para exercer a função de administração da cidade.
Essa identidade é tal que Johnson (1996) chega a falar em “clubistas”, referindo-se aos que
participavam dos clubes como se fosse possível identificá-los como um grupo. Das 733
pessoas identificadas como clubistas, 198 tinham alguma posição oficial sob a Comuna. Uma
proporção de 27%. Entre eles, 2 mulheres (número bastante reduzido diante da atuação que as
mulheres tiveram durante todo o período, mas consequência da restrição à sua intervenção
política). Como as organizações populares tiveram muitos oficiais na administração da
Comuna, no Hôtel-de-ville e nos arrondissement-mairies, na prática a liderança dos clubes
locais administrava a guarda e assuntos civis nos arrondissements. Dos 733, 85% eram
homens e 113 mulheres. Mas pelas evidências existiriam mais mulheres. De 35.771 adultos
presos, 819 eram mulheres e só 115 “convictas”. Segundo Johnson, elas eram menos
identificadas porque eram menos oradoras e líderes. Dessas mulheres, um grande número era
de companheiras e de viúvas. Ainda, 20% dos clubistas eram solteiros enquanto 47% dos
communards eram solteiros. O autor afirma que os clubistas não derivam de uma classe ou
categoria. Sua atuação era vista pelos reacionários como vandalismo, já que destruíam a
propriedade e símbolos da antiga ordem. Quatro padrões de ação e análise caracterizavam a
ação dos clubistas durante a Comuna: 1) Rejeitavam conjunto de ideias inimigas; 2)
Identificavam-se com outros grupos; 3) Inverteram as normais relações sociais; 4)
Posicionavam-se na grande evolução histórica da luta revolucionária. Muitos clubes parecem
ter um grupo nuclear que organizou encontros, foram os principais oradores e fizeram
manifestos e artigos de jornais e isso pode ser visto no clube organizado pelo partido
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blanquista ou mesmo no clube do XVIII arrondissement, em que Louise Michel e Ferré
participavam. Para Michel, o que os communards faziam era “legal”. As sentenças impostas
aos clubistas foram mais duras que aquelas para os communards convictos. Segundo Johnson,
a profissão de 482 de 733 clubistas era conhecida (416 homens e 66 mulheres). Employés,
que incluía trabalhadores assalariados, balconistas, empregados de mais baixo nível de
governo eram maioria. Também havia negociantes, que incluíam os profissionais liberais
(advogados, médicos e professores); e os que trabalhavam com business. Ainda, dos 402
homens da AIT, 55% dos membros são classificados como workers, segundo a tabela
apresentada por Johnson. E 29% dos clubistas era worker.
Graças à democracia direta, as mulheres, organizadas, impuseram suas reivindicações
aos eleitos da Comuna. A Comuna organizou uma escola para as mulheres, abrindo o
primeiro estabelecimento profissional para as mulheres, na rua Dupuytren, no VI
arrondissement: a escola de arte industrial para as jovens mulheres. A Comuna baniu a
prostituição, “forma de exploração comercial de humanos por humanos”, fechando os bordéis.
Ela instaurou o direito ao divórcio e o reconhecimento da união livre. A pensão dos guardas
nacionais caídos em combate era entregue à mulher, casada ou não, e a seus filhos,
reconhecidos ou não.
União de Mulheres pela Defesa de Paris e pelo Cuidado aos Feridos
Durante o siège de Paris, Jules Allix, que foi membro do Conselho da Comuna, teve a
iniciativa de criar um Comitê de Mulheres, onde Allix, sua esposa, era secretária. Segundo
Kerbaul (2009), a tendência era reformista. Em 18 de março, existia sub-secretarias nos
arrondissements e 160 comitês de bairro. O comitê organizou a abertura e gestão de oficinas
de mulheres, desenvolveu a instrução e, a partir de 22 de abril, atuou na organização das
mulheres que trabalham nas ambulâncias e nas cantinas. Teve ao menos 1800 participantes,
das quais algumas chegaram a participar da União de Mulheres. A participação das mulheres
nos comitês de bairro contribuiu para destruir a ideia conciliadora que algumas mulheres
possuíam.
Em 8 de abril aparece sobre os muros de Paris um cartaz assinado por um grupo de
mulheres, incluindo Nathalie Le Mel. O Jounal Officiel fazia uma convocação para o dia 11
de abril, às 8 horas da noite, a fim de organizar um movimento de mulheres para realizar a
defesa de Paris. Chamavam as mulheres às armas, indicando que a pátria estava em perigo e
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que os inimigos eram os privilégios da ordem social atual e todos aqueles que enriquecem da
miséria das mulheres. “Não mais exploradores! Não mais patrões!”. Em 11 de abril foi
criada a “União de Mulheres pela Defesa de Paris e pelo Cuidado aos Feridos”, coordenada
por Nathalie Lemel e Elisabeth Dmitrieff.
O voto, em assembleia geral, do estatuto orientava a ação no sentido da resistência
armada. Elas decidiram que em cada arrondissement deveria haver um comitê de onze
membros encarregados de registrar as cidadãs dedicadas a servir seja nas ambulâncias ou
cantinas, seja nas barricadas. As delegadas de cada arrondissement se constituiriam em
Comitê Central, que iria designar uma comissão executiva de sete membros. A comissão foi
composta por Dmitrieff, Aglaé Jarry, Colin e quatro operárias: Le Mel, Blache Lefèvre (caída
em combate em 23 de maio, em uma barricada), Marie Leloup e Aline Jacquier. De acordo
com o estatuto da Union de Femmes, o Comitê é formado por onze membros, que se reúnem
todos os dias e se encarregam de registrar as mulheres que querem defender Paris. Segundo
Kerbaul, o Comitê Central dava prioridade aos esforços de guerra e já não é composto
essencialmente por mulheres burguesas, havendo operárias como Le Mel, Aline Jacquier,
Octavie Tardif, etc. A Comissão executiva era encarregada de manter contato com as
comissões governamentais. Le Mel era responsável, especialmente, pelas questões sociais e
Dmitrieff, da orientação política. O jornal La Sociale publicou, em 12 de abril, o estatuto da
União.
O programa da União de Mulheres foi fortemente marcado pela guerra, destacando-se
a ajuda ao trabalho das comissões da Comuna responsáveis pelo combate, o serviço de
ambulâncias, o recrutamento de mulheres para atuar nas ambulâncias, a compra de petróleo
etc. Era uma oficina de mulheres que fazia os sacos para as barricadas onde não havia
dinheiro para pagar operários. Bruhat, citado por Kerbaul, escreve que a preocupação
dominante da União de Mulheres foi a organização das mulheres, a melhora de sua condição
de vida, a luta contra o desemprego e a luta contra os versalheses, precisamente porque ela era
composta por operárias. Foi nesse domínio que Le Mel atuou. São, também, objetivos da
União de Mulheres a necessidade da participação das mulheres nos clubes, nas reuniões de
bairro, nos cargos públicos. Entre as questões, estavam os cuidados com os filhos durante o
trabalho das mães, o ensino profissional das mulheres ligado à emancipação das mulheres e a
um trabalho qualificado e a igualdade de salários entre homens e mulheres. Era uma exigência
e foi conquistado o fim da distinção entre filhos nascidos fora e dentro do casamento, da
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mesma forma o pagamento da pensão. Em 22 de abril, elas decidiram que as mulheres de
Montmartre estariam dispostas a participar da formação de ambulâncias.
A União de Mulheres vai ser formada por mulheres dos comitês de vigilância, dos
clubes, das seções da Internacional. Ela tem base operária e perspectiva revolucionária. As
mulheres da União participam das reuniões dos clubes, inclusive, dos clubes mistos. O Clube
da rua d’Arras, criado por Allix, consegue trezentas inscrições para a “Legião de Mulheres”,
que buscava se armar, da qual Élisabeth Dmitrieff e André Léo fizeram parte.
A Comuna indicava que os delegados de bairro disponibilizassem um local à
disposição da União de Mulheres em cada mairie. Havia, portanto, um tipo de oficialização.
A União vai usar de meios que aumentam sua possibilidade de ação. O movimento tinha
como base central a mairie do X arrondissement. Possuia muitos comitês d’arrondissement,
dirigidos por operárias. A União atuava juntamente à Comissão du Travail, de l’Industrie et
des Échanges, que organiza os trabalho públicos, o comércio e o desenvolvimento industrial.
Entre seus membros estava Leo Fränkel, da AIT, com quem as mullheres dialogavam
diretamente. A União enviou uma mensagem a essa comissão, informando que, no estado
atual, a miséria aumenta em grandes proporções. O texto descreve o risco de que as mulheres
retornem ao estado passivo e mais ou menos reacionário, retorno funesto e perigoso para os
interesses revolucionários. A Comissão adota as proposições da União de Mulheres. Segundo
a União, trata-se de assegurar os produtos aos produtores. Fränkel pede às municipalidades
para dar uma ajuda de 2 francos por dia às mulheres encarregadas da organização das
cooperativas de bairro. A Comuna encaminha, também, as proposições que indicavam a
organização de cooperativas. Era necessário fabricar produtos. Ao final de abril, as dirigentes
da União de Mulheres Dmitrieff, Le Mel e Jacquier são chamadas pela comissão da
organização do trabalho. Elas reivindicam o voto do orçamento.
Em 15 de abril a assembleia geral da União outorga o título de cidadã à Dmitrieff,
russa, da AIT, em função das suas atividades na Comuna. No dia 16 de abril, um decreto
prevê que as trabalhadoras associadas fiquem responsáveis pelos ateliers abandonados pelos
patrões. Essas oficinas são organizadas desde os primeiros dias de maio. As mulheres dos
comitês de bairro realizam um grande trabalho: registram as desempregadas, as oficinas
abandonadas e preparam quem irá trabalhar nessas oficinas. Um relatório de 13 de maio fixa o
valor da jornada e acorda a preferência das oficinas cooperativas.
Segundo o Manifesto do Comitê Central da União de mulheres, datado de 6 de maio e
assinado pela Comissão executiva do Comitê Central, indicando os nomes de Le Mel,
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Jacquier, Lefèvre, Leloup e Dmitrieff, em nome da revolução social, da reivindicação dos
direitos do trabalho, da igualdade, da justiça, a União de Mulheres protesta contra a
proclamação de um grupo anônimo de reacionárias que afirma que as mullheres de Paris
chamam à “generosidade de Versalhes” e pedem a paz a qualquer preço. Recusando a
conciliação entre a liberdade e o despotismo, a União de Mulheres afirma que é a guerra que
os trabalhadores desejam. As mulheres denunciam a traição do governo e indicam que a luta
atual é pelo triunfo da causa popular. Convencidas de que a Comuna é a representante dos
princípios internacionalistas e revolucionários do povo, portadora da revolução social, as
mulheres de Paris provam à França e ao mundo que elas também saberão, nas barricadas, se a
reação invadir Paris, dar, como seus irmãos, seu sangue e sua vida pela defesa e pelo triunfo
da Comuna, ou seja, do povo. Terminam o manifesto com as expressões “Viva a República
Social e universal!”, “Viva o Trabalho!” e “Viva a Comuna!”. Em uma reunião do clube de la
Délivrance, em 12 de maio, na Igreja de la Trinité, Le Mel proclamou que chegou um
momento que era necessário morrer pela pátria. “Todos ao combate!”, “É preciso destruir
Versalhes”, disse a communarde.
Em outro cartaz, o Comitê Central da União, encarregado pela Comissão do Trabalho
da Comuna da organização do trabalho das mulheres em Paris, da constituição des Chambres
syndicales et fédérales de trabalhadoras unificadas (central sindical), fez um chamado às
trabalhadoras para um encontro em 17 de maio, a fim de nomear as delegadas de cada
categoria para constituir sindicatos que indicariam duas delegadas para a formação da uma
federação de trabalhadoras. O cartaz é assinado por Fränkel, como delegado da Comissão de
Trabalho da Comuna, e por Le Mel, Jacquier, Leloup, Lefèvre, Collin, Jarry e Dmitrieff,
como Comissão executiva do Comitê Central da União de Mulheres. Em 20 de maio, a
Comissão executiva do Comitê Central da União assina um chamado onde o Comitê central
convida as trabalhadoras de todas as categorias a se reunir em 21 de maio, para constitui des
Chambres syndicales et fédérales. A reunião de 21 de maio não ocorreu porque os
anticommunards invadiram Paris e foi necessário ir às barricadas. Segundo Kerbaul, desde o
26 de março as mulheres combateram ao lado dos guardas nacionais. A partir de 22 de maio,
não era mais nos fortes que ocorriam os combates mais severos, mas nas ruas de Paris, onde
os versalheses agiam contra as barricadas.
Segundo um cartaz, encontrado nos Arquivos do Ministério da Defesa da França,
pelotões de mulheres se organizaram para lutar pela Comuna, passando inclusive pela
oposição de alguns homens. As mulheres formam uma legião que irá lutar organizadamente e
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com armas. Em um cartaz de 14 de maio de 1871 assinado pelo coronel comandante da 12
legião, Jules Montrels, direcionado aos guardas nacionais, afirma-se que as mulheres pediram
armas ao Comité de Salut Public para defender a Comuna e a república. Com isso, o coronel
da 12 legião decide que a companhia de Cidadãs Voluntárias será organizada e armada e que
essa companhia irá marchar contra o inimigo junto com a 12 legião. O coronel decide que
todos os refratários, ou seja, todos que não aceitarem a atuação das mulheres, serão
desarmados publicamente em seus batalhões pelas cidadãs voluntárias; depois de terem sido
desarmados, esses homens, indignos de servir à república, serão conduzidos à prisão pelas
cidadãs que os desarmaram. O cartaz termina afirmando que a primeira decisão desse tipo
ocorrerá na avenue Daumesnil.
Em 23 de maio, com em torno de 120 mulheres, Le Mel esteve na barricada da Place
Blanche. Durante quatro horas, elas enfrentaram as tropas do general Clinchant. Le Mel
começou nos Batignolles, à oeste, então já possuía mais experiência com esse tipo de
enfrentamento. Aquelas que escaparam do massacre, como Le Mel, foram para as barricadas
da Place Pigalle. Em um relatório policial, indica-se que, dirigindo um batalhão de em torno
de cinquenta mulheres, Le Mel conduzia a barricada da Place Pigalle. Ela levava uma
bandeira vermelha. Em um depoimento no tribunal militar, afirma-se que a figura de Le Mel
foi marcante porque ela era mais velha no meio de um grupo de jovens mulheres, armadas de
fuzil e portando braceletes de ambulancières e écharpes vermelhas. Ela e outras mulheres
conseguiram escapar quando cai essa barricada. Segundo Lissagaray, em torno de cento e
vinte mulheres lutaram na barricada da Place Blanche. Em torno de cinquenta estavam com
Le Mel, na place Pigalle. André Léo (Amigos da Comuna de Paris, 2006) escreve que durante
a Semana Sangrenta, milhares de mulheres lutaram na barricadas, entre elas, Louise Michel e
Victorine Rouchy (batalhão dos Turcos), Léontine Suetens (cantineira do 13 batalhão, ferida
duas vezes), Marguerite Lachaise (cantineira do 66, que lutou no Châtillon), Eulalie
Papavoine (combateu em Neuilly, Issy, Vanves e Levallois), Madame David. Elas
combateram até o último dia. André Léo na barricada des Batignolles, Louise Michel na
barricada da entrada de Clignancourt, com Marguerite Diblanc. Elisabeth Retiffe, cantineira
do 135 batalhão, na rua de Lille. Adèle Chignon, combatente de 1848, na barricada do
Panthéon. Elisabeth Dmitrieff na Bastilha. Malon e Michel citam a cifra de dez mil
combatentes.
Em estudos sobre as mulheres participantes da Union de Femmes, verifica-se que 62%
trabalhava no comércio de roupa e vestuário, o que se relaciona com o fato de a Union de
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12 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Femmes organizar mulheres para prover uniforme para a guarda nacional. Serman afirma que,
após a Comuna, 1051 mulheres foram presas, sendo 71% trabalhadoras.
As mulheres da Comuna
As mulheres da Comuna enfrentaram os anticommunards, com seu ódio de gênero e
de classe, mas também tiveram que enfrentar a oposição de muitos communards que se
recusaram a aceitá-las em seu meio, decidindo, debatendo e votando. Em que pese todas as
dificuldades, as mulheres estiveram à frente das manifestações, da recusa à paz a qualquer
preço – que onerava o povo francês -, dos levantes populares, do governo da Comuna e das
barricadas. Organizaram sua associação e seu espaço decisório, seu batalhão e sua
intervenção. Lutaram na guerra revolucionária francesa e construíram o que foi considerado o
primeiro governo operário da história.
Referências
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1975.
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les barricades. Paris : Gallimard, 1978.
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Omega. Volume 3.
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Légal. Septembre, 2006.
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organizations in the Paris Commune of 1871. Michigan: The University of Michigan Press,
1996.
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PROSPER-OLIVIER LISSAGARAY. Histoire de la Commune de Paris de 1871. Paris: La
Découverte/Poche, 2000.
WILLIAM SERMAN. La Commune de Paris (1871). Paris : Fayard, 1986.
The Women and the Paris Commune of 1871
Astract: The research analyzes the participation of women in the Paris Commune of 1871,
and in particular in the French Revolutionary War. In 1870 and 1871, the women participated
and organized different demonstrations, denouncing the situation of hunger and misery by
which the French people passed. They had an active participation on March 18, preventing the
cannons from being seized by the French national government. They participated in the
debates in different clubs and in the revolutionary actions, however, were excluded from the
elections of the Council of the Commune, and can not act directly in the main decision space
of the revolutionary government. On April 11, 1871, the "The Union of Women for the
Defense of Paris and Aid to the Wounded" was founded. In the last days of revolutionary war,
a battalion of women acted in defense of Paris. Police reports point to the "hysteria" of
women, who were more angry and uncompromising than men. Many women were shot,
murdered, deported and held in priceless conditions. Louise Michel, Nathalie Le Mel, André
Léo, Elisabeth Dmitrieff, among other fighters, wrote the history of the Paris Commune.
Keywords: Paris Commune. Women. Revolutionary War.