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Rocha Pombo AS REGÊNCIAS, A MAIORIDADE E AS ÚLTIMAS REVOLTAS A abdicação não era esperada pelos partidos e foi um acontecimento que encheu de apreensões os patriotas mais ilustres. No entanto, os sucessos que se seguiram de imediato, mostram como, naquele momento difícil da vida nacional não faltaram homens que, acima lutas das facções, sentiam sempre o interesse supremo da ordem política. Os exaltados, porém, aproveitaram-se daquele pasmo em que ficara a população ante a anormalidade dos fatos e foram agitando o espírito popular com a propaganda de ideias subversivas. Teriam lançado o país, e principalmente a capital do Império, em completa anarquia, se um grupo de senadores e deputados não tivesse assumido a direção da política nacional em tão grave conjuntura. Reunidos no paço do Senado, aqueles representantes da nação, em número de sessenta e dois (26 senadores e 36 deputados) resolveram, naquela manhã de 7 de abril de 1931, nomear uma Regência Trina provisória, que governasse o país, em nome do Imperador, ainda menor [D. Pedro de Alcântara, filho de Pedro 1º, tinha apenas 6 anos de idade]. Essa primeira Regência foi composta do marquês de Caravelas, do general Francisco de Lima e Silva e de Campos Vergueiro. Esse governo desenvolveu intensos esforços, prestando grandes serviços à nação, naquela dolorosa emergência.

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Rocha Pombo

AS REGÊNCIAS, A MAIORIDADE

E AS ÚLTIMAS REVOLTAS

A abdicação não era esperada pelos partidos e foi um acontecimento que

encheu de apreensões os patriotas mais ilustres. No entanto, os sucessos que

se seguiram de imediato, mostram como, naquele momento difícil da vida

nacional não faltaram homens que, acima lutas das facções, sentiam sempre o

interesse supremo da ordem política.

Os exaltados, porém, aproveitaram-se daquele pasmo em que ficara a

população ante a anormalidade dos fatos e foram agitando o espírito popular

com a propaganda de ideias subversivas. Teriam lançado o país, e

principalmente a capital do Império, em completa anarquia, se um grupo de

senadores e deputados não tivesse assumido a direção da política nacional em

tão grave conjuntura.

Reunidos no paço do Senado, aqueles representantes da nação, em número

de sessenta e dois (26 senadores e 36 deputados) resolveram, naquela manhã

de 7 de abril de 1931, nomear uma Regência Trina provisória, que governasse

o país, em nome do Imperador, ainda menor [D. Pedro de Alcântara, filho de

Pedro 1º, tinha apenas 6 anos de idade].

Essa primeira Regência foi composta do marquês de Caravelas, do general

Francisco de Lima e Silva e de Campos Vergueiro. Esse governo desenvolveu

intensos esforços, prestando grandes serviços à nação, naquela dolorosa

emergência.

- 178 –

Regência Trina Provisória

Logo no dia seguinte, formou-se o Ministério, sendo chamados de volta todos

os ministros que D. Pedro havia demitido.

A Regência publicou um manifesto ao país, explicando os acontecimentos e

aconselhando prudência, espírito de ordem e união de todos os brasileiros.

O estado de exaltação não se circunscrevia ao centro onde se desdobravam

os sucessos extraordinários a que nos vamos referindo. Por todo o país,

reinavam dissensões, estimuladas pela demagogia. No Pará, no Maranhão, na

Bahia, no Ceará, em Pernambuco, em Minas Gerais, repetiam-se distúrbios,

principalmente conflitos entre brasileiros e portugueses. Sobretudo na Bahia e

em Pernambuco, cometiam-se atentados da maior gravidade, sem que o

governo pudesse reprimi-los.

Naquela terrível contingência, cuidou-se, antes de tudo, de normalizar a

situação política, elegendo-se a Regência Trina efetiva, o que ocorreu em 17

de junho de 1931, a qual se compôs do general Francisco de Lima e Silva, José

da Costa Carvalho (Marquês de Monte Alegre) e João Bráulio Muniz.

- 179 -

Regência Trina Permanente

Empossada a Regência efetiva, continuaram os mesmos tumultos e as

mesmas desordens, tanto na corte como nas províncias, e as dificuldades

pareciam aumentar de dia para dia.

Os descontentamentos do povo e a insubordinação das tropas eram os

maiores tropeços em toda a parte, principalmente na capital do Império.

Pode-se dizer, naquele doloroso período da vida política, o mais acidentado

de nossa História [isto foi escrito em 1915] a cidade do Rio de Janeiro vivia num

estado de permanente desordem. Três partidos principais, além dos

republicanos, exploravam a situação, produzindo dissídios intermináveis. Eram

os moderados, os liberais intransigentes e os restauradores (caramurus). A

Regência teve, pois, de assumir uma atitude digna daquele perigoso transe.

A par com as lutas entre os partidos, havia também sedições militares nas

províncias mais importantes e também na corte, sendo de admirar como pôde o

governo resistir a elas.

Na restauração da ordem legal no Rio de Janeiro, destaca-se, então, o vigor

e sabedoria do ministro da Justiça, padre Diogo Antônio Feijó, que teve

oportunidade de revelar suas grandes qualidades de homem público.

- 180 -

De toda a guarnição da capital (Rio de Janeiro), só o batalhão de artilharia

da Marinha havia se conservado na ordem. As outras corporações militares já

haviam sido dissolvidas quando, surpreendentemente, até esse batalhão já

referido se revolta, na ilha das Cobras.

Feijó, imperturbável e seguro, reprime o levante e castiga os sediciosos. Foi,

em seguida, criada a Guarda Nacional, para apoiar o governo contra o espírito

indisciplinado e turbulento das tropas regulares

Batalhão de fuzileiros da Guarda Nacional (Wikipedia)

Regente Feijó - A guerra dos Farrapos

A Regência Trina efetiva fizera uma obra de alta relevância, entregando a

direção da política nacional aos moderados, pois estes senhores eram maioria

em todo o país.

- 181 -

Em 24 de setembro de 1834 falecera o ex-imperador D. Pedro I do Brasil

(D. Pedro IV de Portugal) e, por consequência, os restauradores, não tendo

mais como pedir a volta do seu rei, passaram a apoiar a ala moderada, de cujas

ideias mais se aproximavam, e cuja fortaleza evitava o crescimento dos

exaltados.

Com muita habilidade, o governo regencial foi neutralizando as maquinações

dos exaltados, ao passo que procurava vencer a resistência do Senado às

reformas constitucionais iniciadas na Câmara. O Ato Adicional aparecia, ao cabo

de longa e porfiada campanha, como a grande obra da Regência, exprimindo o

definitivo triunfo dos moderados.

De acordo com a reforma constitucional decretada, em 7 de abril de 1835,

o padre Diogo Antônio Feijó foi eleito Regente do Império [Regência Una],

assumindo o governo em 12 de outubro.

Padre Antônio Feijó (Regência Una)

- 182 -

Logo de início, o padre Feijó tinha de enfrentar uma situação, talvez menos

complicada, mas bastante embaraçosa, que era a luta entre as facções, seja na

Câmara, seja na imprensa, a qual continuava forte como nos anos que se

seguiram à renúncia do primeiro Imperador, e que geravam discórdias em todas

as províncias.

No Pará, os motins que ensanguentavam a província desde 1832 reclamam

agora providências inadiáveis e decisivas. Felizmente, o brigadeiro Andréa,

investido ali com autoridade superior, conseguiu restabelecer a ordem, operando

em conjunto com as forças navais do comandante Mariath.

Para tornar ainda mais difícil a situação do Regente, no meio da balbúrdia

reinante, rebenta no Rio Grande do Sul, em setembro de 1835, uma revolução

de caráter francamente republicano, mais tarde conhecida como Revolução

Farroupilha..

O movimento começa em Porto Alegre, tendo à frente Bento Gonçalves da

Silva [apoiado por Bento Manuel Ribeiro e João Manuel de Lima e Silva], que

põe em fuga o presidente da Província e o comandante das armas.

Em poucos dias, os revolucionários ficaram senhores de toda a província,

tratando de organizar governo e administração.

- 183 -

Inicialmente, nem o padre Feijó fez ideia das proporções do levante, supondo

tratar-se de simples conflito entre os partidos e, por isso, limitou-se a nomear

novo presidente, em substituição ao que havia sido deposto.

O novo presidente, dr. Araújo Ribeiro, partiu para o sul e estabeleceu o

governo na cidade de Rio Grande [no extremo sul do Estado], um dos únicos

pontos que ainda se achava sob a autoridade legal. Dali, Araújo Ribeiro procurou

chamar a si alguns chefes da insurreição, contando então com o coronel Bento

Manuel Ribeiro e outros líderes que o auxiliaram.

Havendo reunido bons elementos, e amparado por uma esquadrilha, sob o

comando de Greenfell, apodera-se de Porto Alegre, obrigando os revolucionários

a se fixarem em Viamão, vizinha à capital, de onde recuaram ainda mais, até

serem atacados e vencidos na ilha do Fanfa pelo coronel Bento Ribeiro, em

outubro de 1836. Nessa ocasião, cai prisioneiro, além de outros caudilhos, o

próprio chefe revolucionário, Bento Gonçalves.

Os insurgentes, todavia, não se deixaram abalar com o desastre sofrido.

Privados do seu general (pois Bento Gonçalves e os demais prisioneiros foram

enviados ao Rio de Janeiro), os demais caudilhos se reuniram em congresso na

vila de Piratini [a 200 quilômetros de Porto Alegre] e, numa atitude mais

radical, decidiram romper todos os laços de união com o Império, proclamando

a República [República de Piratini].

- 184 -

Para a magistratura suprema do novo Estado, elegeram o próprio general

Bento Gonçalves e, na sua forçada ausência, deram posse a José Gomes de

Vasconcelos Jardim. Do outro lado, estimuladas pelas primeiras vitórias, as

armas imperiais foram reduzindo a rebelião a proporções mínimas e, após o

desbarato de uma forte coluna do coronel Netto, junto ao Candiota, a impressão

era que, muito breve, o movimento estaria desfeito.

Todavia, uma nova circunstância, com a qual não contavam os insurgentes,

vem mudar de súbito a sorte das armas no tremendo conflito do extremo sul.

Não se sabe por quais motivos - talvez para conter o aumento de prestígio do

presidente da província - o governo da Regência achou acertado dar ilimitados

poderes a um general de sua plena confiança, o qual ficou incumbido de

submeter os últimos focos rebeldes, que agitavam com guerrilhas diversos

pontos da província.

O general Antero de Brito, que foi o escolhido, começou de forma desastrada,

rompendo com o presidente da Província e fazendo uma forte política de reação

a este. Então, Araújo Ribeiro, cheio de desgosto, mas sempre sensato e patriota,

retirou-se da Província para não entrar em luta com seu imprudente sucessor.

Com sua imprudência e desorientação, o general Antero entrou em atrito com

outros chefes legalistas, até bater com Bento Ribeiro, a cujo valor e prestígio as

forças do governo tinham conseguido até aqui obter uma sucessão de vitórias

contra os insurretos.

Deu-se mal o general, pois, com este caudilho, a colisão foi mais grave.

Bento Ribeiro aceita desafrontadamente a luta com o representante da

autoridade imperial, após renunciar ao seu cargo de Comandante de Armas. Em

sua singular desfortuna, o general Antero cai, a seguir, prisioneiro de seu

adversário em Tapevi. Com isso, a legalidade estava, uma vez mais, posta em

risco.

Neste ponto, Bento Ribeiro não podia mais conter seu despeito contra o

Governo Imperial e ofereceu seus serviços, outra vez, aos revolucionários,

alterando o equilíbrio de forças a favor destes. Para incitar ainda mais a coragem

dos republicanos, eis que voltam ao Rio Grande do Sul os chefes que haviam

sido aprisionados na ilha do Fanfa, que fugiram da fortaleza de Santa Cruz.

- 185 –

Pouco depois, volta igualmente Bento Gonçalves, que conseguira escapar

do Forte do Mar, na Bahia

[conta-se, a respeito, que Bento Gonçalves pedira a seu carcereiro

que o deixasse dar umas "braçadas" no mar, porém, sendo bom

nadador e de porte físico, nadou para mar alto, onde o esperava

uma embarcação].

A chegada do herói gaúcho ao acampamento dos patriotas riograndenses

produziu delírio geral. A revolução achava-se, pois, mais forte do que nunca.

Desorientado, o governo da Regência nomeou outro presidente no lugar do

general Antero, recaindo a escolha sobre o dr. Feliciano Nunes Pires, que logo

se viu em crescentes complicações.

Na Regência do Império, o padre Feijó foi substituído por Pedro de Araújo

Lima. Investido do governo, o novo Regente achou indispensável tomar

providências enérgicas contra a revolução que, cada vez mais, ameaçava a

integridade do Império, com tendência a alastrar-se.

- 186 -

Nunes Pires, recém nomeado no Rio Grande do Sul, a esta altura, fora

substituído por um militar de prestígio e de qualidades valiosas para aquela

conjuntura, o marechal Antônio Elisiário de Miranda Brito, que, no início da

querela, já havia sido nomeado mas não chegou a assumir.

Apesar de sua notória capacidade, o general Elisiário não conseguiu impedir

os progressos assustadores da revolução, que ganhava força própria. As forças

legais continuaram sendo batidas e os republicanos, em sua ofensiva, vão

tomando os pontos que ainda se achavam sob a ordem constitucional.

A praça de Rio Pardo, à margem do rio Jacuí, tida entre as mais importantes

por sua posição estratégica e pelos recursos que o governo ali havia acumulado,

foi o alvo principal dos revolucionários. Achava-se, aquela vila, poderosamente

guarnecida pelos legalistas, mas, no dia 30 de abril de 1838, uma enérgica ação

combinada de diversos caudilhos destroçava-os completamente, caindo a praça

em poder dos republicanos, com enormes provisões de boca e de guerra.

Memorial, onde ocorreu a Batalha do Rio Pardo

- 187 -

Em princípios do ano seguinte, era o próprio marechal Elisiário forçado a

operar uma retirada que foi uma verdadeira derrota, enquanto os insurretos se

apoderavam de dois navios da esquadrilha imperial, no passo do Contrato.

Assim, ainda em 1839 [cinco anos depois], a revolução achava-se em pleno

vigor.

Pacificação no Sul

A Regência mostrou-se apreensiva e, por que não dizer, alarmada com os

triunfos que a insurreição alcançava, a despeito dos esforços empregados pelos

patriotas fiéis às instituições.

O marechal Elisiário já não podia continuar na presidência da Província. Na

imprensa e no parlamento, clamava-se contra a insuficiência das medidas que

eram tomadas no sentido de pôr termo àquela sangrenta campanha fratricida.

Então, foi nomeado para a presidência do Rio Grande do Sul, em substituição

ao marechal, o Dr. Saturnino de Sousa e Oliveira, entregando-se o comando das

armas ao general Manuel Jorge Rodrigues, ficando o vice-almirante Greenfell no

comando da esquadrilha legal.

Mas os republicanos cuidavam ativamente, não só de consolidar a sua vitória

na província do Rio Grande, como de estender a insurreição para as províncias

vizinhas.

Davi Canabarro e outros caudilhos invadem a província de Santa Catarina,

em 23 de julho de 1839, indo até Laguna, no litoral catarinense, onde

estabelecem governo provisório [República Juliana]. É aí que a revolução

ganha reforço com os cavaleiros do legendário Giuseppe Garibaldi, cujo valor

devia, mais tarde, torná-lo famoso também na Europa, na obra de unificação de

sua pátria, a Itália.

O glorioso aventureiro foi encarregado de defender a praça de Laguna, e de

propagar o movimento mais para o norte. A notícia da invasão de Santa Catarina

produziu na corte uma impressão imensa, agravada ainda pelo entusiasmo com

que os republicanos festejavam as vitórias da revolução.

- 188 -

Giuseppe Garibaldi

Em tão aflitiva conjuntura, o governo regencial, por fim, tomou uma atitude

acertada, enviando para o Sul, como presidente e comandante de armas de

Santa Catarina, o marechal Soares Andréa, o mesmo que, dois anos antes, havia

pacificado o Pará. O novo comandante chegou a Desterro [hoje Florianópolis]

em agosto de 1839, combinando com Mariath o ataque a Laguna. [a Batalha da

Laguna foi travada em 15 de novembro de 1839 e, apesar da bravura dos

homens de Davi Canabarro e Giusepe Garibaldi, os insurretos foram derrotados

e desalojados].

- 189 -

Reconquistada esta praça, não tardou que os guerrilheiros republicanos

fossem expulsos de toda a província.

- 190 -

Logo que restaurou a legalidade nesse pedaço, o marechal Andréa tratou de

cooperar com o general Rodrigues, enviando-lhe, por mar, alguns reforços.

Seguiu-se a vitória de Taquari, que reanimou o exército imperial.

Infelizmente, sobrevêm divergências entre o general Rodrigues e o dr.

Saturnino de Oliveira, presidente da província. Para resolver a situação, o

governo substituiu os dois, entregando ambos os cargos para o marechal

Andréa.

Em 1840, foi antecipada a maioridade do rei e, aos 14 anos de idade, assume

D. Pedro II, extinguindo-se o período das regências.

- 191 -

Seu primeiro gabinete tomou empenho em extinguir decisivamente o espírito

de desordem dominante em todo aquele período que se seguiu à Proclamação

Independência.

O deputado paulista Francisco Álvares Machado, incumbido de ir ao Sul

tentar a pacificação por meios suasórios, reconhece que o conflito só se poderia

resolver pelas armas e o governo, de novo, nomeou o Dr. Saturnino de Oliveira

presidente da província rebelada, colocando o conde de Rio Pardo como

comandante das armas.

Decorridos longos meses de contínuos combates, sem vantagens para

nenhuma das partes, em 24 de setembro de 1842, finalmente, se tomou uma

decisão de maior acerto, investindo de amplos poderes, políticos e militares, no

Rio Grande do Sul, Luís Alves de Lima e Silva, então com o título de barão de

Caxias.

Efígie de Caxias em nota de dois cruzeiros. Esta emissão, de 1955, tem a

assinatura do então ministro da fazenda Eugênio Goudin

Com a chegada de Caxias a Porto Alegre, coincidira a volta, ainda uma vez,

do caudilho Bento Ribeiro ao partido da legalidade

[lembre-se que ele se iniciou revolucionário, passou a legalista,

voltou à revolução e, agora, uma vez mais, retorna ao apoio das

forças legais].

- 192 -

A revolução começa, então, a declinar. Além dos prejuízos de várias

refregas, as derrotas de Ponche Verde, de Piratini e de Canguçu, em 1843,

produziram o completo esmorecimento dos republicanos.

Ao mesmo tempo que agia sem descanso contra os rebeldes, o barão de

Caxias, com prudência e tino político, procurava acalmar os ânimos e inspirar

confiança nas instituições juradas.

Sem condições de luta, os revolucionários pediram a paz, e o governo do

jovem monarca foi ao encontro de seus desejos com a anistia geral que havia

sido decretada.

No dia 28 de fevereiro de 1845 [mais de dez anos depois de iniciado o

movimento], o general Canabarro publicava uma proclamação, dando ordem a

todos os insurretos para que depusessem as armas, reconhecendo o governo

do Império. E no dia seguinte, o barão de Caxias publicava outra ordem,

assegurando aos submissos todos os direitos constitucionais, aconselhando à

família rio-grandense que buscasse o caminho da concórdia.

- 193 -

Regência de Araújo Lima

Durante o período de agitações subsequente à Independência, de cujos fatos

nos vamos ocupando, não eram só os motins contínuos e as revoluções mais ou

menos graves que assoberbavam aos patriotas daquela época.

Na esfera da política e da administração, os embaraços se multiplicavam e

avultavam, perturbando a ação dos governos, tornando-os instáveis ou

vacilantes e retardando, portanto, a obra de consolidação da autoridade e de

assentamento das instituições - a grande tarefa daquela gloriosa geração.

Contra a política do Regente Feijó, em todas as províncias, conseguiu-se

integrar elementos formidáveis em um único partido, mas lutas tremendas, tanto

nas duas casas do parlamento como na imprensa, não davam ao governo a

calma necessária para exercer a sua missão.

Símbolo da “Loja Maçônica Regente Feijó” (Cotia) – A maçonaria

exerceu papel importante no Império e na República

- 194 -

A guerra civil no Rio Grande do Sul agravou extraordinariamente a situação:

as hostes oposicionistas, a cuja frente se viam nomes de prestígio, como

Bernardo Pereira de Vasconcelos, Joaquim José Rodrigues Torres (mais tarde,

visconde de Itaboraí), Pedro de Araújo Lima (mais tarde, marquês de Olinda),

Honório Hermeto Carneiro de Leão (marquês do Paraná), Miguel Calmon

(marquês de Abrantes) e outros, deram, ao governo do regente, combates cada

vez mais violentos e tenazes, até que o padre Feijó se viu obrigado a renunciar,

nomeando Araújo Lima como ministro do Império e passando a este o governo,

em 19 de setembro de 1837.

De novo, estava no poder o partido conservador, cujo princípio capital era

reagir contra os excessos do partido democrático.

Contra o novo governo [de Araújo Lima], desencadeia-se a fúria dos liberais,

capitaneados pelos Andradas e outros. Combates violentos aconteceram tanto

no Congresso como nos jornais e nenhum momento de sossego se dava aos

homens que estavam na administração do país.

Nem dá para compreender bem, no meio de tantos reveses, como é que

ainda se pôde salvar a obra da Independência, pois, além das complicações da

alta política na capital do Império, a guerra no Sul incendiava os ânimos e todo

tempo e atenção da regência tinham de ser dedicados na tarefa de reprimir o

espírito de indisciplina e de revolta que lavrava por toda a parte.

Na Bahia, a tropa e a facção liberal exaltada levantam-se contra o presidente

da Província, Sousa Paraíso, sendo, então, proclamada a República Baiense,

em novembro de 1837, episódio histórico que ficou melhor conhecido com

Sabinada [durando de novembro de 1837 a março de 1838, a revolta foi

chefiada por Francisco Sabino da Rocha Vieira, pretendendo transformar a

Bahia em república independente, enquanto durasse a menoridade de D. Pedro

Derrotado, Sabino foi deportado para Goiás e depois para Mato Grosso, onde

ficou até a morte]. Felizmente, a sabinada se limita a Salvador e, embora o

movimento tenha durado poucos meses, muitas vidas foram sacrificadas.

- 195 -

Mal se acabava de dominar o levante da Bahia e já se complicaram os

negócios no Maranhão. As divergências entre as duas facções acabou gerando

conflito armado, em novembro de 1838 e muitas povoações do interior cairam

nas garras de bandos desalmados que, durante dois anos, deixaram alarmados

o Maranhão e as províncias vizinhas. Foi o general Luiz Alves de Lima e Silva

[Caxias] que, em janeiro de 1841, conseguiu bater os revoltosos e promover a

pacificação.

A 22 de abril de 1838, tinha já sido eleito Regente efetivo o dr. Pedro de

Araújo Lima, a cujo tino e patriotismo, pode-se dizer que o Brasil deve, em

grande parte, a sua unidade política, ressalvada daquelas vicissitudes e

tormentas.

Os serviços que ele prestou à pátria foram de alta relevância. Mesmo no

meio dos estorvos que se multiplicavam em torno do governo, Araújo Lima não

descuidou dos reclamos de nossa civilização, encaminhando o espírito nacional,

prudentemente, em direção ao futuro, estimulando as forças nascentes da jovem

nação.

A maioridade

Formidável oposição se organizou, pois, com os liberais, contra o governo

de Araújo Lima. Os ministros se sucediam um ao outro e embaraços cada vez

mais temerosos se acumulavam, assoberbando a ação dos homens que se

punham ao lado da Regência.

- 196 -

Reiterados e incessantes ataques tinham eles de rebater na imprensa e no

parlamento. O liberalismo da oposição tornava-se radical, e até exagerado e

intolerante, à medida em que a prudência e discrição do governo lhes iam

frustrando os planos forjados contra a sua força e independência.

Por fim, a atitude da oposição tornava-se facciosa e tremenda, resultando

num verdadeiro desencadear de paixões, em vez de conflito legítimo de ideias e

sentimentos. Era, talvez, o instante decisivo daquela penosa crise.

Com a entrada de Antônio Carlos - o impetuoso e desafrontado tribuno - o

recinto da Câmara converteu-se em arena de disputas tempestuosas e quase

permanentes.

O grande empenho dos liberais era derribar os adversários, para impedir que

se fortalecessem no poder e viessem a dominar a opinião nacional.

A oposição, vendo os seus golpes aparados valorosamente pelo Ministério,

recorreu a um expediente que tornou a situação mais aguda, levantando a ideia

de antecipar, por um decreto, ou mesmo por revolução, a maioridade do

imperador.

Deste modo, era como se os liberais estivessem se aliando ao monarca

infante, obtendo com essa ilusão uma grande soma de prestígio aos olhos do

povo. Chegaram até a manter entendimentos com o soberano menor, para

conquistar seu consentimento às manobras planejadas.

No Senado, o projeto de maioridade caia por uma diferença de dois votos

mas, na Câmara, ao cabo de longos debates, os Andradas conseguiram fazê-lo

triunfar. Numa situação tão especial, na previsão de um desastre iminente, a

Regência não recuou do seu posto e decretou o adiamento da Assembleia Geral

para 20 de novembro de 1839.

Era temerária, sem dúvida, aquela coragem do governo, batido em

tormentas!

- 197 -

A surpresa e indignação dos oposicionistas não tiveram limites. Em nome do

próprio imperador, acusaram a Regência de rasgar a Constituição do Império e,

reunidos tumultuariamente no edifício do Senado, enviaram ao paço uma

comissão das duas Câmaras, encarregada de pedir a D. Pedro, em nome do

povo brasileiro que, para salvar o país da anarquia, assumisse imediatamente o

exercício da magistratura suprema, sem esperar pela época marcada pela

Constituição.

O Regente, avaliando todos os perigos daquela emergência, consultou

formalmente os sentimentos do jovem monarca, de quem recebem as históricas

palavras: "Quero já" - o que confirmava o acordo em que se achava ele com os

liberais. Neste ponto, a Regência julgou que já tinha cumprido sua missão e que

era tempo de entregar a alta responsabilidade da política nacional àqueles que

a reclamavam.

No mesmo dia 22, foram convocadas as Câmaras. No dia seguinte, 23 de

julho de 1940, era solenemente proclamada pelo presidente da Assembleia

Geral, a maioridade do Sr. D. Pedro II, Imperador do Brasil. Nesse mesmo dia,

algumas horas depois da proclamação, prestava Sua Majestade, perante as

câmaras, o juramento constitucional.

- 198 -

Não foi muito auspiciosa a ascensão do jovem príncipe ao trono, em

momento tão crítico e tão explorado pelas facções. Enquanto os homens do

liberalismo se mostravam triunfantes, retraiam-se os elementos que se haviam

dedicado a consolidar a ordem pública.

Isso não impediu que, de um ou outro lado, se destacassem os que

obedeciam a um partidarismo mais radical e tenaz e, impacientes uns,

desgostosos e desiludidos outros, esses elementos foram se multiplicando.

Não demorou que as fronteiras dos dois partidos [liberais e conservadores]

se confundissem, e que não mais se reconhecessem as respectivas bandeiras.

Em breve, em sua grande maioria, a opinião nacional se reduz a duas hostes

que se combatem: uma governa, a outra quer governar. Só muito depois é que

se delimitaram em verdadeiros partidos, sem, entretanto, perder os vícios de

origem.

Revoltas em São Paulo e Minas

- 199 -

Os homens que se aproximaram do jovem monarca fizeram grandes

esforços no sentido de instalar uma nova era de paz com o reinado que se

iniciava, mas as paixões geradas durante as lutas da Regência tinham-se

tornado muito violentas, e continuavam a dificultar todas as tentativas de

conciliação geral.

O primeiro ministério organizado por D. Pedro II, a 24 de julho de 1840, e que

ficou conhecido por Ministério da maioridade, teve existência efêmera. No

próprio seio do gabinete, manifestaram-se dissensões entre os Andradas e

alguns colegas, terminando com o predomínio do altivo e imperioso ministro

Aureliano Coutinho. Formou-se, em seguida, o Ministério de 23 de março de

1841, no qual se procurou, ainda, reunir elementos de concórdia.

As dissensões que reinavam na corte refletiam-se nas províncias, em algumas

das quais tais desentendimentos partiram para o conflito armado, principalmente

em São Paulo e em Minas Gerais.

Sob o pretexto de impedir a execução de algumas leis votadas em 1841,

alguns chefes paulistas assumiram atitude de arrogância desusada ante o

governo imperial. A Assembleia Legislativa de São Paulo não trepidou em

mandar uma comissão de seu seio à corte, para representar perante Sua

Majestade, o Imperador, contra os últimos atos da Assembleia Geral.

O Ministério, por sua parte, mostrou-se enérgico e firme, e declarou que a

comissão não podia ser recebida pelo soberano. Pode-se imaginar o efeito que

semelhante decepção teve sobre os ânimos da altiva província.

Ao mesmo tempo, aproximava-se a época da abertura da Assembleia Geral,

e tempestades tão grandes se prenunciavam que o governo foi ao extremo de

decretar a dissolução da Câmara de Deputados, antes de sua instalação.

Esta medida excitou ainda mais o espírito público em todo o país, sobretudo

nas duas províncias indicadas [São Paulo e Minas], onde era mais ativo o

fermento da discórdia. Poucos dias depois de conhecido o decreto da dissolução,

rebentava em Sorocaba um movimento revolucionário, a cuja frente se pusera o

coronel Rafael Tobias de Aguiar, homem de grande prestígio em toda a

província.

- 200 -

“Casa da Marquesa” (Sorocaba) onde morava o coronel Tobias de Aguiar,

casado com a marquesa de Santos. (óleo de J. C. da Silva)

O governo imperial tomou prontas medidas, fazendo partir para São Paulo,

por terra e mar, as forças que havia disponíveis. Em 21 de maio de 1940,

chegava a São Paulo, pelo porto de Santos, o general Lima e Silva (já Barão de

Caxias), incumbido de reprimir a rebelião.

A 7 de junho, os rebeldes eram batidos no primeiro encontro. No dia 20 de

junho, as forças legais ocupavam Sorocaba. No dia 24 de junho, o major Morais

Rego derrotava as forças de Anacleto Ferreira. Este valente caudilho, apesar de

estar quase abandonado, tentou ainda resistir por alguns dias, valendo-se do

recurso de emboscadas e guerrilhas, até que, em 12 de julho foi completamente

destroçado pelo coronel Manuel Antônio da Silva. De sorte que, em menos de

dois meses, o barão de Caxias tinha conseguido pacificar a província.

Os revolucionários paulistas ainda se achavam em armas quando, na

província de Minas, rompeu um protesto armado contra o decreto de dissolução

das Câmaras.

- 201 -

Os revolucionários mineiros, que logo ficaram senhores de Barbacena,

trataram de apoderar-se da capital da província. mas o Barão de Caxias, que

partira contra eles, chegou em tempo de ocupar e defender Ouro Preto [que era,

na época, a capital de Minas].

Havendo reunido forças respeitáveis, os rebeldes ofereceram combate aos

legalistas. No arraial de Santa Luzia, travou-se a luta, violenta e disputada,

ficando esse lugar famoso, por terem ali sido batidos os revolucionários.

Entre os chefes mais notáveis desses movimentos estavam: no de São

Paulo, o padre Diogo Feijó; no de Minas, Teófilo Otoni, grande espírito liberal,

que se tornou figura legendária naquela terra.

A Revolução Praieira em Pernambuco

Prestigiado com a pronta repressão dos movimentos de São Paulo e de

Minas, o governo imperial voltou a sua solicitude para o Rio Grande do Sul, onde

indômitos gaúchos ainda continuavam em armas [era a Guerra dos Farrapos, já

descrita minuciosamente em tópico anterior].

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O barão de Caxias, que já havia pacificado três províncias, era o homem

para cujo valor e patriotismo se volviam os olhares e a confiança do governo. O

benemérito soldado seguiu, pois, para o Sul e, como já vimos, em 1845,

conseguiu restaurar a autoridade imperial naquela província.

Não obstante, aqueles primeiros tempos do segundo reinado, tinham de

correr penoso caminho. Junto às complicações internas, havia embaraços de

toda a ordem, pondo à prova, continuamente, o tino e a energia dos homens que

dirigiam a política nacional.

Enquanto a nossa diplomacia se encontrava com a impostura de alguns, e

com a má vontade e pretensão de outros, principalmente com as discórdias

reinantes na política do Prata - as paixões e partidos nas diversas províncias não

deixavam descanso ao governo para normalizar os negócios da administração.

Ainda não estavam bem esquecidos os sucessos de São Paulo, de Minas e

do Rio Grande do Sul e já, no Norte do país, foram se acumulando dificuldades

criadas por interesses de grupos.

Em Pernambuco, por questões de natureza local, os ânimos foram se

exacerbando, desde os tempos da regência. Por último, as demissões em

massa, feitas por um presidente de Província conservador, deram lugar a um

protesto coletivo da representação liberal na Câmara, em 1848.

O manifesto desses deputados insuflou ainda mais os ânimos, e a reação

entrou no terreno da luta armada. Havendo tomado vulto em diversas povoações

do interior, em fevereiro de 1849, o movimento, contrário à ordem legal,

estendeu-se logo à capital da Província, ameaçando-a seriamente.

O governo, entretanto, portou-se ali com muita energia, e a resistência que

ofereceu, com a derrota estrondosa infligida aos rebeldes, deu golpe de morte

na Revolução Praieira, como ficou conhecida na história. No ataque do Recife,

entre outros chefes, pereceu o desembargador Nunes Machado.

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Parecia que o Brasil entrava, agora, num período de paz, quando no Sul,

além-fronteiras, os interesses do império são ameaçados pela situação

excepcional em que se achavam, desde muito, as repúblicas platinas, dando

lugar a apreensões muito sérias contra emergências futuras que viessem a

comprometer a própria integridade e o sossego da pátria.

. [Adendo: falta, nesta narrativa um movimento revolucionário

também importante, ocorrido entre 1838 e 1841, que ficou sendo

conhecido como a Balaiada. Havendo se iniciado no Maranhão, a

rebelião alastrou-se pelo Ceará e Piauí. Revolta de caráter popular,

seus chefes principais foram o vaqueiro Raimundo Gomes Vieira

Jutaí, o Cara Preta, Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio

e o Preto Cosme, escravo. O movimento, que contou com apoio

maciço de pobres e humildes, tinha um caráter nitidamente racial,

voltando-se contra brancos escravagistas, portugueses e seus

descendentes. Com a morte dos chefes, houve um

enfraquecimento da rebelião que foi vencida pelas tropas

legalistas, comandadas por Caxias. O grande vencedor, na

verdade, foi o próprio Caxias, que recebeu o título de Barão e ainda

foi promovido ao generalato.

Guerras cisplatinas

Desde os tempos da Independência, reinavam certas prevenções e

animosidades entre a República Argentina, o Estado Oriental e o Paraguai.

Havendo firmado seu domínio absoluto no interior de seu país, o ditador de

Buenos Aires, Manuel Rosas, pretendeu lançar-se a aventuras no exterior,

ameaçando a independência das duas outras repúblicas, antigas províncias do

vice-reinado do Prata.

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As vistas de Rosas voltaram-se primeiro sobre o Uruguai, e um exército, que

se põe sob as ordens de Oribe, estabelece o cerco de Montevidéu, em 1842.

Durante o longo período que se vai seguir, de situação excepcional no Estado

limítrofe, a província do Rio Grande do Sul se viu constantemente alarmada

pelas correrias de bandos em sanha, que arrasavam fazendas e traziam sempre

em risco a tranquilidade dos habitantes.

Não tendo dado resultado as reclamações do governo imperial, o recurso

extremo foi aceitar-se a única solução possível, que era a das armas.

Felizmente, a esta altura, a ditadura de Rosas se tornava odiosa até mesmo

dentro da Argentina. O general Urquisa, governador de Entre-Rios, levanta-se

contra o ditador e, a 29 de maio de 1851, é firmado um pacto entre o referido

general, o governo do Uruguai e o império, no sentido de se pôr termo àquele

doloroso estado de coisas que impunha a três nações o despotismo alucinado

de um homem.

Foi posto à frente de nossas forças de terra o já conhecido conde de Caxias

e o comando da esquadra imperial foi confiado ao almirante Greenfell.

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Em meados de 1851, o general Urquisa invade o Estado Oriental, onde é

aclamado entusiasticamente como um libertador. Operando de acordo com as

forças de mar sob o comando de Greenfell, os aliados obrigam Oribe a render-

se, em 11 de outubro de 1851.

As complicações do Prata

O Estado Oriental estava, pois, livre de Rosas. Mas os aliados não podiam

dar por finda a sua missão, deixando o tirano, ali, insubmisso, a preparar-se para

nova arrogância. O convênio de maio de 1851 foi ratificado em novembro na

capital uruguaia, comprometendo-se, os aliados, a libertar os argentinos da

tirania de Rosas.

Uma divisão da esquadra imperial subiu o rio Paraná, conduzindo forças de

desembarque que iam se reunir às de Urquiza. A 17 de dezembro, foi transposto

o famoso passo de Tonelero, a despeito da resistência heróica dos argentinos e,

em princípios de 1852, os exércitos reunidos entraram em campanha. Rosas

concentrara 22 mil homens junto a Caseros, travando-se ali uma decisiva

batalha, com a estrondosa derrota do tremendo caudilho.

Destroçado, Rosas tentou, ainda, reorganizar suas legiões em Buenos Aires.

Vendo, porém, o porto bloqueado pela esquadra brasileira, e sentindo-se na

iminência de um cerco inevitável por terra, o ditador perdeu a esperança de

prolongar a sua agonia. Acolhido a bordo de um navio inglês, deixou a América

para sempre, indo residir na Inglaterra com sua família, onde veio a falecer

muitos anos depois.

Por certo que, ali, o insensato tirano deve ter aprendido lições mais exatas

e proveitosas de um liberalismo que não vive de palavras desleais, nem se

contenta com a ilusão de formas sedutoras, mas se revela na supremacia das

leis e no respeito sagrado devido aos homens.

No entanto, aquela vitória não significava que os horizontes ficassem

desanuviados lá para as bandas do Sul.

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Primeiro, o governo imperial, teve de enfrentar a célebre questão Christie,

motivada pela prepotência com que a Inglaterra exigia indenizações indébitas a

súditos seus, bem como desculpas por supostos desacatos à marinha inglesa.

[Adendo - Questão Christie: Após o naufrágio do navio "Prince of

Wales", no Rio Grande do Sul, em 1861, o diplomata inglês Willian

Dougal Christie (nada diplomatico) acusou o Brasil, afirmando que,

antes do afundamento, os tripulantes do navio inglês foram

assassinados e a carga saqueada por brasileiros. Após

negociações infrutíferas, em 1863, uma esquadra, sob o comando

do almirante Warren, bloqueou o Rio de Janeiro. A população do

Rio ameaçou represálias contra propriedades inglesas no Brasil e,

então, a Inglaterra aceitou o arbitramento do Rei Leopoldo da

Bélgica. O Brasil exigiu indenização por perdas e danos, bem como

a reparação pelo atentado à nossa soberania. Diante da recusa,

nesse mesmo ano, o Brasil rompia relações com a Inglaterra. Só

em 1865 a questão foi resolvida pelo rei belga, que arbitrou a favor

do Brasil.]

Questão Christie – Estudo de Pedro Américo para a realização

de um quadro a óleo sobre o tema

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Depois, os brasileiros residentes no Estado Oriental começaram a se

queixar contra violências que sofriam por parte de autoridades uruguaias. Sem

resultado, o governo imperial dirigiu insistentes reclamações ao presidente

Aguirre. Convencido de que nada conseguiria por vias diplomáticas, resolveu

mandar para o Prata um representante especial, que foi o conselheiro José

Antônio Saraiva e, ao mesmo tempo, aumentou a esquadra ali estacionada,

reforçando, também, os corpos que guarneciam as fronteiras.

O plenipotenciário brasileiro, depois de algumas negociações frustradas,

apresentou um ultimato ao governo oriental, marcando-lhe um prazo

improrrogável para atender as reclamações do governo imperial e, desde esse

instante, se reconheceu que a situação, por ali, tocava seu extremo de

gravidade.

O partido "blanco", desde o desastre de Oribe, não dissimulava suas

antipatias e seu ódio contra o Brasil. Foi assim que Aguirre, confiante em acordos

clandestinos que mantinha com o déspota do Paraguai, Solano López, devolveu

a nota do ministro brasileiro. Então, o conselheiro Saraiva declarou ao governo

uruguaio e ao corpo diplomático que, nessa situação, o governo imperial se via

forçado a lançar mão de recursos extremos contra a nação vizinha. Em fins de

1864, as tropas brasileiras invadem o território oriental. Na disputa anterior,

como já vimos, Oribe havia solicitado a proteção do ditador argentino Rosas.

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Nesta guerra, é Venâncio Flores ["colorado"] que solicita a proteção do Brasil.

Apoiado fortemente pelas armas imperiais, Flores vai se apoderando de diversas

povoações, até fazer o cerco de Paissandu.

É neste momento que chega ao Rio de Janeiro a notícia da insólita e hostil

atitude do ditador do Paraguai, entrando na disputa pela região. Só então, os

homens do império se apercebiam da audácia temerária de Solano López que,

isolado de seus vizinhos, aventurava-se a travar conflito com eles.

[Entenda a situação: O Uruguai era dominado por dois partidos: o

dos "blancos"(conservadores) e o dos "colorados" (progressistas).

Oribe, segundo presidente do Uruguai, do partido "blanco", havia

sido derrotado na guerra anterior, abandonando a vida política. Em

seu lugar assumiu Aguirre, igualmente um "blanco", ao qual se

opôs Venâncio Flores, um "colorado". Flores fez um pacto com o

Brasil: nosso país o ajudaria a derrotar Aguirre. Ele, em troca,

assumindo o poder, nos auxiliaria no embate que se prenunciava,

contra o Paraguai. A Batalha do Paissandu (imagem abaixo)

ocorreu a 2 de janeiro de 1865, comandada em terra pelo general

brasileiro Mena Barreto e pelo próprio Venâncio Flores, tendo apoio

em mar da esquadra do almirante Tamandaré. Flores assumiu o

poder, mas, em 1868 foi assassinado.]