as regÊncias, a maioridade e as Últimas revoltas - … · rocha pombo as regÊncias, a maioridade...
TRANSCRIPT
Rocha Pombo
AS REGÊNCIAS, A MAIORIDADE
E AS ÚLTIMAS REVOLTAS
A abdicação não era esperada pelos partidos e foi um acontecimento que
encheu de apreensões os patriotas mais ilustres. No entanto, os sucessos que
se seguiram de imediato, mostram como, naquele momento difícil da vida
nacional não faltaram homens que, acima lutas das facções, sentiam sempre o
interesse supremo da ordem política.
Os exaltados, porém, aproveitaram-se daquele pasmo em que ficara a
população ante a anormalidade dos fatos e foram agitando o espírito popular
com a propaganda de ideias subversivas. Teriam lançado o país, e
principalmente a capital do Império, em completa anarquia, se um grupo de
senadores e deputados não tivesse assumido a direção da política nacional em
tão grave conjuntura.
Reunidos no paço do Senado, aqueles representantes da nação, em número
de sessenta e dois (26 senadores e 36 deputados) resolveram, naquela manhã
de 7 de abril de 1931, nomear uma Regência Trina provisória, que governasse
o país, em nome do Imperador, ainda menor [D. Pedro de Alcântara, filho de
Pedro 1º, tinha apenas 6 anos de idade].
Essa primeira Regência foi composta do marquês de Caravelas, do general
Francisco de Lima e Silva e de Campos Vergueiro. Esse governo desenvolveu
intensos esforços, prestando grandes serviços à nação, naquela dolorosa
emergência.
- 178 –
Regência Trina Provisória
Logo no dia seguinte, formou-se o Ministério, sendo chamados de volta todos
os ministros que D. Pedro havia demitido.
A Regência publicou um manifesto ao país, explicando os acontecimentos e
aconselhando prudência, espírito de ordem e união de todos os brasileiros.
O estado de exaltação não se circunscrevia ao centro onde se desdobravam
os sucessos extraordinários a que nos vamos referindo. Por todo o país,
reinavam dissensões, estimuladas pela demagogia. No Pará, no Maranhão, na
Bahia, no Ceará, em Pernambuco, em Minas Gerais, repetiam-se distúrbios,
principalmente conflitos entre brasileiros e portugueses. Sobretudo na Bahia e
em Pernambuco, cometiam-se atentados da maior gravidade, sem que o
governo pudesse reprimi-los.
Naquela terrível contingência, cuidou-se, antes de tudo, de normalizar a
situação política, elegendo-se a Regência Trina efetiva, o que ocorreu em 17
de junho de 1931, a qual se compôs do general Francisco de Lima e Silva, José
da Costa Carvalho (Marquês de Monte Alegre) e João Bráulio Muniz.
- 179 -
Regência Trina Permanente
Empossada a Regência efetiva, continuaram os mesmos tumultos e as
mesmas desordens, tanto na corte como nas províncias, e as dificuldades
pareciam aumentar de dia para dia.
Os descontentamentos do povo e a insubordinação das tropas eram os
maiores tropeços em toda a parte, principalmente na capital do Império.
Pode-se dizer, naquele doloroso período da vida política, o mais acidentado
de nossa História [isto foi escrito em 1915] a cidade do Rio de Janeiro vivia num
estado de permanente desordem. Três partidos principais, além dos
republicanos, exploravam a situação, produzindo dissídios intermináveis. Eram
os moderados, os liberais intransigentes e os restauradores (caramurus). A
Regência teve, pois, de assumir uma atitude digna daquele perigoso transe.
A par com as lutas entre os partidos, havia também sedições militares nas
províncias mais importantes e também na corte, sendo de admirar como pôde o
governo resistir a elas.
Na restauração da ordem legal no Rio de Janeiro, destaca-se, então, o vigor
e sabedoria do ministro da Justiça, padre Diogo Antônio Feijó, que teve
oportunidade de revelar suas grandes qualidades de homem público.
- 180 -
De toda a guarnição da capital (Rio de Janeiro), só o batalhão de artilharia
da Marinha havia se conservado na ordem. As outras corporações militares já
haviam sido dissolvidas quando, surpreendentemente, até esse batalhão já
referido se revolta, na ilha das Cobras.
Feijó, imperturbável e seguro, reprime o levante e castiga os sediciosos. Foi,
em seguida, criada a Guarda Nacional, para apoiar o governo contra o espírito
indisciplinado e turbulento das tropas regulares
Batalhão de fuzileiros da Guarda Nacional (Wikipedia)
Regente Feijó - A guerra dos Farrapos
A Regência Trina efetiva fizera uma obra de alta relevância, entregando a
direção da política nacional aos moderados, pois estes senhores eram maioria
em todo o país.
- 181 -
Em 24 de setembro de 1834 falecera o ex-imperador D. Pedro I do Brasil
(D. Pedro IV de Portugal) e, por consequência, os restauradores, não tendo
mais como pedir a volta do seu rei, passaram a apoiar a ala moderada, de cujas
ideias mais se aproximavam, e cuja fortaleza evitava o crescimento dos
exaltados.
Com muita habilidade, o governo regencial foi neutralizando as maquinações
dos exaltados, ao passo que procurava vencer a resistência do Senado às
reformas constitucionais iniciadas na Câmara. O Ato Adicional aparecia, ao cabo
de longa e porfiada campanha, como a grande obra da Regência, exprimindo o
definitivo triunfo dos moderados.
De acordo com a reforma constitucional decretada, em 7 de abril de 1835,
o padre Diogo Antônio Feijó foi eleito Regente do Império [Regência Una],
assumindo o governo em 12 de outubro.
Padre Antônio Feijó (Regência Una)
- 182 -
Logo de início, o padre Feijó tinha de enfrentar uma situação, talvez menos
complicada, mas bastante embaraçosa, que era a luta entre as facções, seja na
Câmara, seja na imprensa, a qual continuava forte como nos anos que se
seguiram à renúncia do primeiro Imperador, e que geravam discórdias em todas
as províncias.
No Pará, os motins que ensanguentavam a província desde 1832 reclamam
agora providências inadiáveis e decisivas. Felizmente, o brigadeiro Andréa,
investido ali com autoridade superior, conseguiu restabelecer a ordem, operando
em conjunto com as forças navais do comandante Mariath.
Para tornar ainda mais difícil a situação do Regente, no meio da balbúrdia
reinante, rebenta no Rio Grande do Sul, em setembro de 1835, uma revolução
de caráter francamente republicano, mais tarde conhecida como Revolução
Farroupilha..
O movimento começa em Porto Alegre, tendo à frente Bento Gonçalves da
Silva [apoiado por Bento Manuel Ribeiro e João Manuel de Lima e Silva], que
põe em fuga o presidente da Província e o comandante das armas.
Em poucos dias, os revolucionários ficaram senhores de toda a província,
tratando de organizar governo e administração.
- 183 -
Inicialmente, nem o padre Feijó fez ideia das proporções do levante, supondo
tratar-se de simples conflito entre os partidos e, por isso, limitou-se a nomear
novo presidente, em substituição ao que havia sido deposto.
O novo presidente, dr. Araújo Ribeiro, partiu para o sul e estabeleceu o
governo na cidade de Rio Grande [no extremo sul do Estado], um dos únicos
pontos que ainda se achava sob a autoridade legal. Dali, Araújo Ribeiro procurou
chamar a si alguns chefes da insurreição, contando então com o coronel Bento
Manuel Ribeiro e outros líderes que o auxiliaram.
Havendo reunido bons elementos, e amparado por uma esquadrilha, sob o
comando de Greenfell, apodera-se de Porto Alegre, obrigando os revolucionários
a se fixarem em Viamão, vizinha à capital, de onde recuaram ainda mais, até
serem atacados e vencidos na ilha do Fanfa pelo coronel Bento Ribeiro, em
outubro de 1836. Nessa ocasião, cai prisioneiro, além de outros caudilhos, o
próprio chefe revolucionário, Bento Gonçalves.
Os insurgentes, todavia, não se deixaram abalar com o desastre sofrido.
Privados do seu general (pois Bento Gonçalves e os demais prisioneiros foram
enviados ao Rio de Janeiro), os demais caudilhos se reuniram em congresso na
vila de Piratini [a 200 quilômetros de Porto Alegre] e, numa atitude mais
radical, decidiram romper todos os laços de união com o Império, proclamando
a República [República de Piratini].
- 184 -
Para a magistratura suprema do novo Estado, elegeram o próprio general
Bento Gonçalves e, na sua forçada ausência, deram posse a José Gomes de
Vasconcelos Jardim. Do outro lado, estimuladas pelas primeiras vitórias, as
armas imperiais foram reduzindo a rebelião a proporções mínimas e, após o
desbarato de uma forte coluna do coronel Netto, junto ao Candiota, a impressão
era que, muito breve, o movimento estaria desfeito.
Todavia, uma nova circunstância, com a qual não contavam os insurgentes,
vem mudar de súbito a sorte das armas no tremendo conflito do extremo sul.
Não se sabe por quais motivos - talvez para conter o aumento de prestígio do
presidente da província - o governo da Regência achou acertado dar ilimitados
poderes a um general de sua plena confiança, o qual ficou incumbido de
submeter os últimos focos rebeldes, que agitavam com guerrilhas diversos
pontos da província.
O general Antero de Brito, que foi o escolhido, começou de forma desastrada,
rompendo com o presidente da Província e fazendo uma forte política de reação
a este. Então, Araújo Ribeiro, cheio de desgosto, mas sempre sensato e patriota,
retirou-se da Província para não entrar em luta com seu imprudente sucessor.
Com sua imprudência e desorientação, o general Antero entrou em atrito com
outros chefes legalistas, até bater com Bento Ribeiro, a cujo valor e prestígio as
forças do governo tinham conseguido até aqui obter uma sucessão de vitórias
contra os insurretos.
Deu-se mal o general, pois, com este caudilho, a colisão foi mais grave.
Bento Ribeiro aceita desafrontadamente a luta com o representante da
autoridade imperial, após renunciar ao seu cargo de Comandante de Armas. Em
sua singular desfortuna, o general Antero cai, a seguir, prisioneiro de seu
adversário em Tapevi. Com isso, a legalidade estava, uma vez mais, posta em
risco.
Neste ponto, Bento Ribeiro não podia mais conter seu despeito contra o
Governo Imperial e ofereceu seus serviços, outra vez, aos revolucionários,
alterando o equilíbrio de forças a favor destes. Para incitar ainda mais a coragem
dos republicanos, eis que voltam ao Rio Grande do Sul os chefes que haviam
sido aprisionados na ilha do Fanfa, que fugiram da fortaleza de Santa Cruz.
- 185 –
Pouco depois, volta igualmente Bento Gonçalves, que conseguira escapar
do Forte do Mar, na Bahia
[conta-se, a respeito, que Bento Gonçalves pedira a seu carcereiro
que o deixasse dar umas "braçadas" no mar, porém, sendo bom
nadador e de porte físico, nadou para mar alto, onde o esperava
uma embarcação].
A chegada do herói gaúcho ao acampamento dos patriotas riograndenses
produziu delírio geral. A revolução achava-se, pois, mais forte do que nunca.
Desorientado, o governo da Regência nomeou outro presidente no lugar do
general Antero, recaindo a escolha sobre o dr. Feliciano Nunes Pires, que logo
se viu em crescentes complicações.
Na Regência do Império, o padre Feijó foi substituído por Pedro de Araújo
Lima. Investido do governo, o novo Regente achou indispensável tomar
providências enérgicas contra a revolução que, cada vez mais, ameaçava a
integridade do Império, com tendência a alastrar-se.
- 186 -
Nunes Pires, recém nomeado no Rio Grande do Sul, a esta altura, fora
substituído por um militar de prestígio e de qualidades valiosas para aquela
conjuntura, o marechal Antônio Elisiário de Miranda Brito, que, no início da
querela, já havia sido nomeado mas não chegou a assumir.
Apesar de sua notória capacidade, o general Elisiário não conseguiu impedir
os progressos assustadores da revolução, que ganhava força própria. As forças
legais continuaram sendo batidas e os republicanos, em sua ofensiva, vão
tomando os pontos que ainda se achavam sob a ordem constitucional.
A praça de Rio Pardo, à margem do rio Jacuí, tida entre as mais importantes
por sua posição estratégica e pelos recursos que o governo ali havia acumulado,
foi o alvo principal dos revolucionários. Achava-se, aquela vila, poderosamente
guarnecida pelos legalistas, mas, no dia 30 de abril de 1838, uma enérgica ação
combinada de diversos caudilhos destroçava-os completamente, caindo a praça
em poder dos republicanos, com enormes provisões de boca e de guerra.
Memorial, onde ocorreu a Batalha do Rio Pardo
- 187 -
Em princípios do ano seguinte, era o próprio marechal Elisiário forçado a
operar uma retirada que foi uma verdadeira derrota, enquanto os insurretos se
apoderavam de dois navios da esquadrilha imperial, no passo do Contrato.
Assim, ainda em 1839 [cinco anos depois], a revolução achava-se em pleno
vigor.
Pacificação no Sul
A Regência mostrou-se apreensiva e, por que não dizer, alarmada com os
triunfos que a insurreição alcançava, a despeito dos esforços empregados pelos
patriotas fiéis às instituições.
O marechal Elisiário já não podia continuar na presidência da Província. Na
imprensa e no parlamento, clamava-se contra a insuficiência das medidas que
eram tomadas no sentido de pôr termo àquela sangrenta campanha fratricida.
Então, foi nomeado para a presidência do Rio Grande do Sul, em substituição
ao marechal, o Dr. Saturnino de Sousa e Oliveira, entregando-se o comando das
armas ao general Manuel Jorge Rodrigues, ficando o vice-almirante Greenfell no
comando da esquadrilha legal.
Mas os republicanos cuidavam ativamente, não só de consolidar a sua vitória
na província do Rio Grande, como de estender a insurreição para as províncias
vizinhas.
Davi Canabarro e outros caudilhos invadem a província de Santa Catarina,
em 23 de julho de 1839, indo até Laguna, no litoral catarinense, onde
estabelecem governo provisório [República Juliana]. É aí que a revolução
ganha reforço com os cavaleiros do legendário Giuseppe Garibaldi, cujo valor
devia, mais tarde, torná-lo famoso também na Europa, na obra de unificação de
sua pátria, a Itália.
O glorioso aventureiro foi encarregado de defender a praça de Laguna, e de
propagar o movimento mais para o norte. A notícia da invasão de Santa Catarina
produziu na corte uma impressão imensa, agravada ainda pelo entusiasmo com
que os republicanos festejavam as vitórias da revolução.
- 188 -
Giuseppe Garibaldi
Em tão aflitiva conjuntura, o governo regencial, por fim, tomou uma atitude
acertada, enviando para o Sul, como presidente e comandante de armas de
Santa Catarina, o marechal Soares Andréa, o mesmo que, dois anos antes, havia
pacificado o Pará. O novo comandante chegou a Desterro [hoje Florianópolis]
em agosto de 1839, combinando com Mariath o ataque a Laguna. [a Batalha da
Laguna foi travada em 15 de novembro de 1839 e, apesar da bravura dos
homens de Davi Canabarro e Giusepe Garibaldi, os insurretos foram derrotados
e desalojados].
- 189 -
Reconquistada esta praça, não tardou que os guerrilheiros republicanos
fossem expulsos de toda a província.
- 190 -
Logo que restaurou a legalidade nesse pedaço, o marechal Andréa tratou de
cooperar com o general Rodrigues, enviando-lhe, por mar, alguns reforços.
Seguiu-se a vitória de Taquari, que reanimou o exército imperial.
Infelizmente, sobrevêm divergências entre o general Rodrigues e o dr.
Saturnino de Oliveira, presidente da província. Para resolver a situação, o
governo substituiu os dois, entregando ambos os cargos para o marechal
Andréa.
Em 1840, foi antecipada a maioridade do rei e, aos 14 anos de idade, assume
D. Pedro II, extinguindo-se o período das regências.
- 191 -
Seu primeiro gabinete tomou empenho em extinguir decisivamente o espírito
de desordem dominante em todo aquele período que se seguiu à Proclamação
Independência.
O deputado paulista Francisco Álvares Machado, incumbido de ir ao Sul
tentar a pacificação por meios suasórios, reconhece que o conflito só se poderia
resolver pelas armas e o governo, de novo, nomeou o Dr. Saturnino de Oliveira
presidente da província rebelada, colocando o conde de Rio Pardo como
comandante das armas.
Decorridos longos meses de contínuos combates, sem vantagens para
nenhuma das partes, em 24 de setembro de 1842, finalmente, se tomou uma
decisão de maior acerto, investindo de amplos poderes, políticos e militares, no
Rio Grande do Sul, Luís Alves de Lima e Silva, então com o título de barão de
Caxias.
Efígie de Caxias em nota de dois cruzeiros. Esta emissão, de 1955, tem a
assinatura do então ministro da fazenda Eugênio Goudin
Com a chegada de Caxias a Porto Alegre, coincidira a volta, ainda uma vez,
do caudilho Bento Ribeiro ao partido da legalidade
[lembre-se que ele se iniciou revolucionário, passou a legalista,
voltou à revolução e, agora, uma vez mais, retorna ao apoio das
forças legais].
- 192 -
A revolução começa, então, a declinar. Além dos prejuízos de várias
refregas, as derrotas de Ponche Verde, de Piratini e de Canguçu, em 1843,
produziram o completo esmorecimento dos republicanos.
Ao mesmo tempo que agia sem descanso contra os rebeldes, o barão de
Caxias, com prudência e tino político, procurava acalmar os ânimos e inspirar
confiança nas instituições juradas.
Sem condições de luta, os revolucionários pediram a paz, e o governo do
jovem monarca foi ao encontro de seus desejos com a anistia geral que havia
sido decretada.
No dia 28 de fevereiro de 1845 [mais de dez anos depois de iniciado o
movimento], o general Canabarro publicava uma proclamação, dando ordem a
todos os insurretos para que depusessem as armas, reconhecendo o governo
do Império. E no dia seguinte, o barão de Caxias publicava outra ordem,
assegurando aos submissos todos os direitos constitucionais, aconselhando à
família rio-grandense que buscasse o caminho da concórdia.
- 193 -
Regência de Araújo Lima
Durante o período de agitações subsequente à Independência, de cujos fatos
nos vamos ocupando, não eram só os motins contínuos e as revoluções mais ou
menos graves que assoberbavam aos patriotas daquela época.
Na esfera da política e da administração, os embaraços se multiplicavam e
avultavam, perturbando a ação dos governos, tornando-os instáveis ou
vacilantes e retardando, portanto, a obra de consolidação da autoridade e de
assentamento das instituições - a grande tarefa daquela gloriosa geração.
Contra a política do Regente Feijó, em todas as províncias, conseguiu-se
integrar elementos formidáveis em um único partido, mas lutas tremendas, tanto
nas duas casas do parlamento como na imprensa, não davam ao governo a
calma necessária para exercer a sua missão.
Símbolo da “Loja Maçônica Regente Feijó” (Cotia) – A maçonaria
exerceu papel importante no Império e na República
- 194 -
A guerra civil no Rio Grande do Sul agravou extraordinariamente a situação:
as hostes oposicionistas, a cuja frente se viam nomes de prestígio, como
Bernardo Pereira de Vasconcelos, Joaquim José Rodrigues Torres (mais tarde,
visconde de Itaboraí), Pedro de Araújo Lima (mais tarde, marquês de Olinda),
Honório Hermeto Carneiro de Leão (marquês do Paraná), Miguel Calmon
(marquês de Abrantes) e outros, deram, ao governo do regente, combates cada
vez mais violentos e tenazes, até que o padre Feijó se viu obrigado a renunciar,
nomeando Araújo Lima como ministro do Império e passando a este o governo,
em 19 de setembro de 1837.
De novo, estava no poder o partido conservador, cujo princípio capital era
reagir contra os excessos do partido democrático.
Contra o novo governo [de Araújo Lima], desencadeia-se a fúria dos liberais,
capitaneados pelos Andradas e outros. Combates violentos aconteceram tanto
no Congresso como nos jornais e nenhum momento de sossego se dava aos
homens que estavam na administração do país.
Nem dá para compreender bem, no meio de tantos reveses, como é que
ainda se pôde salvar a obra da Independência, pois, além das complicações da
alta política na capital do Império, a guerra no Sul incendiava os ânimos e todo
tempo e atenção da regência tinham de ser dedicados na tarefa de reprimir o
espírito de indisciplina e de revolta que lavrava por toda a parte.
Na Bahia, a tropa e a facção liberal exaltada levantam-se contra o presidente
da Província, Sousa Paraíso, sendo, então, proclamada a República Baiense,
em novembro de 1837, episódio histórico que ficou melhor conhecido com
Sabinada [durando de novembro de 1837 a março de 1838, a revolta foi
chefiada por Francisco Sabino da Rocha Vieira, pretendendo transformar a
Bahia em república independente, enquanto durasse a menoridade de D. Pedro
Derrotado, Sabino foi deportado para Goiás e depois para Mato Grosso, onde
ficou até a morte]. Felizmente, a sabinada se limita a Salvador e, embora o
movimento tenha durado poucos meses, muitas vidas foram sacrificadas.
- 195 -
Mal se acabava de dominar o levante da Bahia e já se complicaram os
negócios no Maranhão. As divergências entre as duas facções acabou gerando
conflito armado, em novembro de 1838 e muitas povoações do interior cairam
nas garras de bandos desalmados que, durante dois anos, deixaram alarmados
o Maranhão e as províncias vizinhas. Foi o general Luiz Alves de Lima e Silva
[Caxias] que, em janeiro de 1841, conseguiu bater os revoltosos e promover a
pacificação.
A 22 de abril de 1838, tinha já sido eleito Regente efetivo o dr. Pedro de
Araújo Lima, a cujo tino e patriotismo, pode-se dizer que o Brasil deve, em
grande parte, a sua unidade política, ressalvada daquelas vicissitudes e
tormentas.
Os serviços que ele prestou à pátria foram de alta relevância. Mesmo no
meio dos estorvos que se multiplicavam em torno do governo, Araújo Lima não
descuidou dos reclamos de nossa civilização, encaminhando o espírito nacional,
prudentemente, em direção ao futuro, estimulando as forças nascentes da jovem
nação.
A maioridade
Formidável oposição se organizou, pois, com os liberais, contra o governo
de Araújo Lima. Os ministros se sucediam um ao outro e embaraços cada vez
mais temerosos se acumulavam, assoberbando a ação dos homens que se
punham ao lado da Regência.
- 196 -
Reiterados e incessantes ataques tinham eles de rebater na imprensa e no
parlamento. O liberalismo da oposição tornava-se radical, e até exagerado e
intolerante, à medida em que a prudência e discrição do governo lhes iam
frustrando os planos forjados contra a sua força e independência.
Por fim, a atitude da oposição tornava-se facciosa e tremenda, resultando
num verdadeiro desencadear de paixões, em vez de conflito legítimo de ideias e
sentimentos. Era, talvez, o instante decisivo daquela penosa crise.
Com a entrada de Antônio Carlos - o impetuoso e desafrontado tribuno - o
recinto da Câmara converteu-se em arena de disputas tempestuosas e quase
permanentes.
O grande empenho dos liberais era derribar os adversários, para impedir que
se fortalecessem no poder e viessem a dominar a opinião nacional.
A oposição, vendo os seus golpes aparados valorosamente pelo Ministério,
recorreu a um expediente que tornou a situação mais aguda, levantando a ideia
de antecipar, por um decreto, ou mesmo por revolução, a maioridade do
imperador.
Deste modo, era como se os liberais estivessem se aliando ao monarca
infante, obtendo com essa ilusão uma grande soma de prestígio aos olhos do
povo. Chegaram até a manter entendimentos com o soberano menor, para
conquistar seu consentimento às manobras planejadas.
No Senado, o projeto de maioridade caia por uma diferença de dois votos
mas, na Câmara, ao cabo de longos debates, os Andradas conseguiram fazê-lo
triunfar. Numa situação tão especial, na previsão de um desastre iminente, a
Regência não recuou do seu posto e decretou o adiamento da Assembleia Geral
para 20 de novembro de 1839.
Era temerária, sem dúvida, aquela coragem do governo, batido em
tormentas!
- 197 -
A surpresa e indignação dos oposicionistas não tiveram limites. Em nome do
próprio imperador, acusaram a Regência de rasgar a Constituição do Império e,
reunidos tumultuariamente no edifício do Senado, enviaram ao paço uma
comissão das duas Câmaras, encarregada de pedir a D. Pedro, em nome do
povo brasileiro que, para salvar o país da anarquia, assumisse imediatamente o
exercício da magistratura suprema, sem esperar pela época marcada pela
Constituição.
O Regente, avaliando todos os perigos daquela emergência, consultou
formalmente os sentimentos do jovem monarca, de quem recebem as históricas
palavras: "Quero já" - o que confirmava o acordo em que se achava ele com os
liberais. Neste ponto, a Regência julgou que já tinha cumprido sua missão e que
era tempo de entregar a alta responsabilidade da política nacional àqueles que
a reclamavam.
No mesmo dia 22, foram convocadas as Câmaras. No dia seguinte, 23 de
julho de 1940, era solenemente proclamada pelo presidente da Assembleia
Geral, a maioridade do Sr. D. Pedro II, Imperador do Brasil. Nesse mesmo dia,
algumas horas depois da proclamação, prestava Sua Majestade, perante as
câmaras, o juramento constitucional.
- 198 -
Não foi muito auspiciosa a ascensão do jovem príncipe ao trono, em
momento tão crítico e tão explorado pelas facções. Enquanto os homens do
liberalismo se mostravam triunfantes, retraiam-se os elementos que se haviam
dedicado a consolidar a ordem pública.
Isso não impediu que, de um ou outro lado, se destacassem os que
obedeciam a um partidarismo mais radical e tenaz e, impacientes uns,
desgostosos e desiludidos outros, esses elementos foram se multiplicando.
Não demorou que as fronteiras dos dois partidos [liberais e conservadores]
se confundissem, e que não mais se reconhecessem as respectivas bandeiras.
Em breve, em sua grande maioria, a opinião nacional se reduz a duas hostes
que se combatem: uma governa, a outra quer governar. Só muito depois é que
se delimitaram em verdadeiros partidos, sem, entretanto, perder os vícios de
origem.
Revoltas em São Paulo e Minas
- 199 -
Os homens que se aproximaram do jovem monarca fizeram grandes
esforços no sentido de instalar uma nova era de paz com o reinado que se
iniciava, mas as paixões geradas durante as lutas da Regência tinham-se
tornado muito violentas, e continuavam a dificultar todas as tentativas de
conciliação geral.
O primeiro ministério organizado por D. Pedro II, a 24 de julho de 1840, e que
ficou conhecido por Ministério da maioridade, teve existência efêmera. No
próprio seio do gabinete, manifestaram-se dissensões entre os Andradas e
alguns colegas, terminando com o predomínio do altivo e imperioso ministro
Aureliano Coutinho. Formou-se, em seguida, o Ministério de 23 de março de
1841, no qual se procurou, ainda, reunir elementos de concórdia.
As dissensões que reinavam na corte refletiam-se nas províncias, em algumas
das quais tais desentendimentos partiram para o conflito armado, principalmente
em São Paulo e em Minas Gerais.
Sob o pretexto de impedir a execução de algumas leis votadas em 1841,
alguns chefes paulistas assumiram atitude de arrogância desusada ante o
governo imperial. A Assembleia Legislativa de São Paulo não trepidou em
mandar uma comissão de seu seio à corte, para representar perante Sua
Majestade, o Imperador, contra os últimos atos da Assembleia Geral.
O Ministério, por sua parte, mostrou-se enérgico e firme, e declarou que a
comissão não podia ser recebida pelo soberano. Pode-se imaginar o efeito que
semelhante decepção teve sobre os ânimos da altiva província.
Ao mesmo tempo, aproximava-se a época da abertura da Assembleia Geral,
e tempestades tão grandes se prenunciavam que o governo foi ao extremo de
decretar a dissolução da Câmara de Deputados, antes de sua instalação.
Esta medida excitou ainda mais o espírito público em todo o país, sobretudo
nas duas províncias indicadas [São Paulo e Minas], onde era mais ativo o
fermento da discórdia. Poucos dias depois de conhecido o decreto da dissolução,
rebentava em Sorocaba um movimento revolucionário, a cuja frente se pusera o
coronel Rafael Tobias de Aguiar, homem de grande prestígio em toda a
província.
- 200 -
“Casa da Marquesa” (Sorocaba) onde morava o coronel Tobias de Aguiar,
casado com a marquesa de Santos. (óleo de J. C. da Silva)
O governo imperial tomou prontas medidas, fazendo partir para São Paulo,
por terra e mar, as forças que havia disponíveis. Em 21 de maio de 1940,
chegava a São Paulo, pelo porto de Santos, o general Lima e Silva (já Barão de
Caxias), incumbido de reprimir a rebelião.
A 7 de junho, os rebeldes eram batidos no primeiro encontro. No dia 20 de
junho, as forças legais ocupavam Sorocaba. No dia 24 de junho, o major Morais
Rego derrotava as forças de Anacleto Ferreira. Este valente caudilho, apesar de
estar quase abandonado, tentou ainda resistir por alguns dias, valendo-se do
recurso de emboscadas e guerrilhas, até que, em 12 de julho foi completamente
destroçado pelo coronel Manuel Antônio da Silva. De sorte que, em menos de
dois meses, o barão de Caxias tinha conseguido pacificar a província.
Os revolucionários paulistas ainda se achavam em armas quando, na
província de Minas, rompeu um protesto armado contra o decreto de dissolução
das Câmaras.
- 201 -
Os revolucionários mineiros, que logo ficaram senhores de Barbacena,
trataram de apoderar-se da capital da província. mas o Barão de Caxias, que
partira contra eles, chegou em tempo de ocupar e defender Ouro Preto [que era,
na época, a capital de Minas].
Havendo reunido forças respeitáveis, os rebeldes ofereceram combate aos
legalistas. No arraial de Santa Luzia, travou-se a luta, violenta e disputada,
ficando esse lugar famoso, por terem ali sido batidos os revolucionários.
Entre os chefes mais notáveis desses movimentos estavam: no de São
Paulo, o padre Diogo Feijó; no de Minas, Teófilo Otoni, grande espírito liberal,
que se tornou figura legendária naquela terra.
A Revolução Praieira em Pernambuco
Prestigiado com a pronta repressão dos movimentos de São Paulo e de
Minas, o governo imperial voltou a sua solicitude para o Rio Grande do Sul, onde
indômitos gaúchos ainda continuavam em armas [era a Guerra dos Farrapos, já
descrita minuciosamente em tópico anterior].
- 202 -
O barão de Caxias, que já havia pacificado três províncias, era o homem
para cujo valor e patriotismo se volviam os olhares e a confiança do governo. O
benemérito soldado seguiu, pois, para o Sul e, como já vimos, em 1845,
conseguiu restaurar a autoridade imperial naquela província.
Não obstante, aqueles primeiros tempos do segundo reinado, tinham de
correr penoso caminho. Junto às complicações internas, havia embaraços de
toda a ordem, pondo à prova, continuamente, o tino e a energia dos homens que
dirigiam a política nacional.
Enquanto a nossa diplomacia se encontrava com a impostura de alguns, e
com a má vontade e pretensão de outros, principalmente com as discórdias
reinantes na política do Prata - as paixões e partidos nas diversas províncias não
deixavam descanso ao governo para normalizar os negócios da administração.
Ainda não estavam bem esquecidos os sucessos de São Paulo, de Minas e
do Rio Grande do Sul e já, no Norte do país, foram se acumulando dificuldades
criadas por interesses de grupos.
Em Pernambuco, por questões de natureza local, os ânimos foram se
exacerbando, desde os tempos da regência. Por último, as demissões em
massa, feitas por um presidente de Província conservador, deram lugar a um
protesto coletivo da representação liberal na Câmara, em 1848.
O manifesto desses deputados insuflou ainda mais os ânimos, e a reação
entrou no terreno da luta armada. Havendo tomado vulto em diversas povoações
do interior, em fevereiro de 1849, o movimento, contrário à ordem legal,
estendeu-se logo à capital da Província, ameaçando-a seriamente.
O governo, entretanto, portou-se ali com muita energia, e a resistência que
ofereceu, com a derrota estrondosa infligida aos rebeldes, deu golpe de morte
na Revolução Praieira, como ficou conhecida na história. No ataque do Recife,
entre outros chefes, pereceu o desembargador Nunes Machado.
- 203 -
Parecia que o Brasil entrava, agora, num período de paz, quando no Sul,
além-fronteiras, os interesses do império são ameaçados pela situação
excepcional em que se achavam, desde muito, as repúblicas platinas, dando
lugar a apreensões muito sérias contra emergências futuras que viessem a
comprometer a própria integridade e o sossego da pátria.
. [Adendo: falta, nesta narrativa um movimento revolucionário
também importante, ocorrido entre 1838 e 1841, que ficou sendo
conhecido como a Balaiada. Havendo se iniciado no Maranhão, a
rebelião alastrou-se pelo Ceará e Piauí. Revolta de caráter popular,
seus chefes principais foram o vaqueiro Raimundo Gomes Vieira
Jutaí, o Cara Preta, Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio
e o Preto Cosme, escravo. O movimento, que contou com apoio
maciço de pobres e humildes, tinha um caráter nitidamente racial,
voltando-se contra brancos escravagistas, portugueses e seus
descendentes. Com a morte dos chefes, houve um
enfraquecimento da rebelião que foi vencida pelas tropas
legalistas, comandadas por Caxias. O grande vencedor, na
verdade, foi o próprio Caxias, que recebeu o título de Barão e ainda
foi promovido ao generalato.
Guerras cisplatinas
Desde os tempos da Independência, reinavam certas prevenções e
animosidades entre a República Argentina, o Estado Oriental e o Paraguai.
Havendo firmado seu domínio absoluto no interior de seu país, o ditador de
Buenos Aires, Manuel Rosas, pretendeu lançar-se a aventuras no exterior,
ameaçando a independência das duas outras repúblicas, antigas províncias do
vice-reinado do Prata.
- 204 -
As vistas de Rosas voltaram-se primeiro sobre o Uruguai, e um exército, que
se põe sob as ordens de Oribe, estabelece o cerco de Montevidéu, em 1842.
Durante o longo período que se vai seguir, de situação excepcional no Estado
limítrofe, a província do Rio Grande do Sul se viu constantemente alarmada
pelas correrias de bandos em sanha, que arrasavam fazendas e traziam sempre
em risco a tranquilidade dos habitantes.
Não tendo dado resultado as reclamações do governo imperial, o recurso
extremo foi aceitar-se a única solução possível, que era a das armas.
Felizmente, a esta altura, a ditadura de Rosas se tornava odiosa até mesmo
dentro da Argentina. O general Urquisa, governador de Entre-Rios, levanta-se
contra o ditador e, a 29 de maio de 1851, é firmado um pacto entre o referido
general, o governo do Uruguai e o império, no sentido de se pôr termo àquele
doloroso estado de coisas que impunha a três nações o despotismo alucinado
de um homem.
Foi posto à frente de nossas forças de terra o já conhecido conde de Caxias
e o comando da esquadra imperial foi confiado ao almirante Greenfell.
- 205 -
Em meados de 1851, o general Urquisa invade o Estado Oriental, onde é
aclamado entusiasticamente como um libertador. Operando de acordo com as
forças de mar sob o comando de Greenfell, os aliados obrigam Oribe a render-
se, em 11 de outubro de 1851.
As complicações do Prata
O Estado Oriental estava, pois, livre de Rosas. Mas os aliados não podiam
dar por finda a sua missão, deixando o tirano, ali, insubmisso, a preparar-se para
nova arrogância. O convênio de maio de 1851 foi ratificado em novembro na
capital uruguaia, comprometendo-se, os aliados, a libertar os argentinos da
tirania de Rosas.
Uma divisão da esquadra imperial subiu o rio Paraná, conduzindo forças de
desembarque que iam se reunir às de Urquiza. A 17 de dezembro, foi transposto
o famoso passo de Tonelero, a despeito da resistência heróica dos argentinos e,
em princípios de 1852, os exércitos reunidos entraram em campanha. Rosas
concentrara 22 mil homens junto a Caseros, travando-se ali uma decisiva
batalha, com a estrondosa derrota do tremendo caudilho.
Destroçado, Rosas tentou, ainda, reorganizar suas legiões em Buenos Aires.
Vendo, porém, o porto bloqueado pela esquadra brasileira, e sentindo-se na
iminência de um cerco inevitável por terra, o ditador perdeu a esperança de
prolongar a sua agonia. Acolhido a bordo de um navio inglês, deixou a América
para sempre, indo residir na Inglaterra com sua família, onde veio a falecer
muitos anos depois.
Por certo que, ali, o insensato tirano deve ter aprendido lições mais exatas
e proveitosas de um liberalismo que não vive de palavras desleais, nem se
contenta com a ilusão de formas sedutoras, mas se revela na supremacia das
leis e no respeito sagrado devido aos homens.
No entanto, aquela vitória não significava que os horizontes ficassem
desanuviados lá para as bandas do Sul.
- 206 -
Primeiro, o governo imperial, teve de enfrentar a célebre questão Christie,
motivada pela prepotência com que a Inglaterra exigia indenizações indébitas a
súditos seus, bem como desculpas por supostos desacatos à marinha inglesa.
[Adendo - Questão Christie: Após o naufrágio do navio "Prince of
Wales", no Rio Grande do Sul, em 1861, o diplomata inglês Willian
Dougal Christie (nada diplomatico) acusou o Brasil, afirmando que,
antes do afundamento, os tripulantes do navio inglês foram
assassinados e a carga saqueada por brasileiros. Após
negociações infrutíferas, em 1863, uma esquadra, sob o comando
do almirante Warren, bloqueou o Rio de Janeiro. A população do
Rio ameaçou represálias contra propriedades inglesas no Brasil e,
então, a Inglaterra aceitou o arbitramento do Rei Leopoldo da
Bélgica. O Brasil exigiu indenização por perdas e danos, bem como
a reparação pelo atentado à nossa soberania. Diante da recusa,
nesse mesmo ano, o Brasil rompia relações com a Inglaterra. Só
em 1865 a questão foi resolvida pelo rei belga, que arbitrou a favor
do Brasil.]
Questão Christie – Estudo de Pedro Américo para a realização
de um quadro a óleo sobre o tema
- 207 -
Depois, os brasileiros residentes no Estado Oriental começaram a se
queixar contra violências que sofriam por parte de autoridades uruguaias. Sem
resultado, o governo imperial dirigiu insistentes reclamações ao presidente
Aguirre. Convencido de que nada conseguiria por vias diplomáticas, resolveu
mandar para o Prata um representante especial, que foi o conselheiro José
Antônio Saraiva e, ao mesmo tempo, aumentou a esquadra ali estacionada,
reforçando, também, os corpos que guarneciam as fronteiras.
O plenipotenciário brasileiro, depois de algumas negociações frustradas,
apresentou um ultimato ao governo oriental, marcando-lhe um prazo
improrrogável para atender as reclamações do governo imperial e, desde esse
instante, se reconheceu que a situação, por ali, tocava seu extremo de
gravidade.
O partido "blanco", desde o desastre de Oribe, não dissimulava suas
antipatias e seu ódio contra o Brasil. Foi assim que Aguirre, confiante em acordos
clandestinos que mantinha com o déspota do Paraguai, Solano López, devolveu
a nota do ministro brasileiro. Então, o conselheiro Saraiva declarou ao governo
uruguaio e ao corpo diplomático que, nessa situação, o governo imperial se via
forçado a lançar mão de recursos extremos contra a nação vizinha. Em fins de
1864, as tropas brasileiras invadem o território oriental. Na disputa anterior,
como já vimos, Oribe havia solicitado a proteção do ditador argentino Rosas.
- 208 -
Nesta guerra, é Venâncio Flores ["colorado"] que solicita a proteção do Brasil.
Apoiado fortemente pelas armas imperiais, Flores vai se apoderando de diversas
povoações, até fazer o cerco de Paissandu.
É neste momento que chega ao Rio de Janeiro a notícia da insólita e hostil
atitude do ditador do Paraguai, entrando na disputa pela região. Só então, os
homens do império se apercebiam da audácia temerária de Solano López que,
isolado de seus vizinhos, aventurava-se a travar conflito com eles.
[Entenda a situação: O Uruguai era dominado por dois partidos: o
dos "blancos"(conservadores) e o dos "colorados" (progressistas).
Oribe, segundo presidente do Uruguai, do partido "blanco", havia
sido derrotado na guerra anterior, abandonando a vida política. Em
seu lugar assumiu Aguirre, igualmente um "blanco", ao qual se
opôs Venâncio Flores, um "colorado". Flores fez um pacto com o
Brasil: nosso país o ajudaria a derrotar Aguirre. Ele, em troca,
assumindo o poder, nos auxiliaria no embate que se prenunciava,
contra o Paraguai. A Batalha do Paissandu (imagem abaixo)
ocorreu a 2 de janeiro de 1865, comandada em terra pelo general
brasileiro Mena Barreto e pelo próprio Venâncio Flores, tendo apoio
em mar da esquadra do almirante Tamandaré. Flores assumiu o
poder, mas, em 1868 foi assassinado.]