ashcroft, f. a vida no limite - a ciência da sobrevivência

324

Upload: danielalves1

Post on 24-Nov-2015

299 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • A Vida no Limite um relato espetacular da cincia da sobrevivncia e dos desafios que enfrentamos em ambientes altamente hostis: em grandes altitudes, sob intensa presso, no calor e no frio extremos, na velocidade, no espao. Frances Ashcroft concentra-se principalmente na fisiologia (seu campo de trabalho), mas ponteia a argumentao com conhecimentos e curiosidades vindos de reas to variadas quanto medicina, histria da cincia, esporte e zoologia comparada.

  • NuncacessaremosdeexplorarEofimdetodanossaexplorao

    SerchegarondecomeamosEconhecerolugarpelaprimeiravez.

    T.S.ELLIOT,LittleGidding

  • introduo

    Emnovembrode1999,osjornaisforamdominadospelahistriadamortedocampeodegolfePayneStewartequatrooutraspessoasnumdesastredeavio.OjatoLearemqueestavamperdeucontatocomabaselogoapsterdecoladodeOrlando,naFlrida, aumaaltitudede cercade11.300m.Temendo que o aparelho pudesse cair numa rea povoada, autoridadesdosEUApuseramspressasdoisaviesdecaadaForaAreanoarparaabat-lo,senecessrio.Relataramquenohaviasinaldevidaabordodo jato e que as janelas estavam congeladas, o que sugere que o aviosofrera despressurizao e que o ar glido do lado de fora inundara acabine.Oaviocontinuousobopilotoautomticoantesdeinalmenteicarsem combustvel e cair em South Dakota, mas seus ocupantes teriammorridomuitoantesporfaltadeoxignio.Nofoiaprimeiravezqueumatragdiacomoessaaconteceuenoprovvelquesejaaltima,poisemaltitudestograndessimplesmentenohoxigniobastanteparamantera vida e uma avaria na vedao de uma porta ou janela pode terconseqnciasfatais.Como Stewart e seus colegas, muitos de ns vivemos no limite, com

    freqnciasemsequernosdarmoscontadisso.Voamosrotineiramenteaoredor do mundo em altitudes grandes demais para permitir a vida,velejamos em guas glidas, expomo-nos aos perigos da doena dedescompresso mergulhando comscuba nas frias, ou simplesmentemoramosem lugaresemqueo inverno to rigorosoquenopossvelsobreviverumanoitedoladodeforasemauxlio.Extremosambientaisnoso privilgio de um punhado de aventureiros com a ajuda datecnologia, todos ns somos capazes de tolerar condies severas comequanimidade.Semproteoadequada,noentanto,aquestototalmentediferente e a cada anomilharesdepessoas comunsmorrempor excessodefriooucalor,ousucumbemaomal-das-montanhas.Noentanto, apesar (ou talvezpor causa)doperigo, aspessoas sempre

    se sentiram atradas pela vida nos extremos. Oitocentos milhes depessoasem59naesdiferentesassistiramaNeilArmstrongpropna

  • Lua, e as proezas de exploradores dos plos, montanhistas e outrosaventureiroscontinuamanosfascinar.Participamosdeforadosriscosqueeles enfrentam, e quanto mais temerariamente desaiam a morte, maiornossa emoo. H mesmo um fascnio terrvel na tragdia. A histriacomovente de um alpinistamorrendo sozinho no alto de umamontanha,impedidodereceberqualquerajudapelaseveridadedoclima,masaindaassim capaz de usar seu telefone celular para dizer adeus mulher nostocamaisdoqueadecentenasdemortosporinundaesouterremotos.Os perigos dos invernos glaciais, das guas glidas e dos veres

    escaldantes eram reconhecidos nos tempos clssicos, mas no inal dosculoXIXenoinciodoXXoadventodosbales,aeroplanos,submarinose mergulho submarino de profundidade, assim como a intensiicao daexplorao dos plos e das montanhas, acarretou novos perigos cujasuperao exigiu uma compreensomais profunda da isiologia humana.Paramuitaspessoas,comomergulhadoresdeprofundidadeeastronautas,esses riscos constituem parte inevitvel de seu trabalho. Outras, porm,pem suas vidas em perigo por prazer. Homens e, cada vez mais,mulheres buscam constantemente novos desaios sicos. Nossasprprias vidas so to resguardadas do perigo e damorte que ansiamospor aventura. Em vez de frias tradicionais, sentados na praia, muitospreferema injeodeadrenalinadeesportescomoesqui foradaspistas,excurses pelos altos Andes, mergulho comscuba,bungee-jumping e asa-delta.Nossa capacidadedeenfrentaresses riscos comrelativa seguranaevoluiuapartirdeumaparceriaentrefisiologistasinteressadosemcomoocorpohumano funcionae intrpidosaventureiros empenhadosem foraraindamaisoslimites.Estelivrodescrevearespostaisiolgicadocorpoaambientesextremos

    e explora os limites da sobrevivncia humana. Considera o que acontecequandonosvemostrancadosnofreezer,aprisionadosnogeloouperdidosno deserto sem gua. Tambm responde a perguntas como: por que umalpinista de elite capaz de escalar o Everest sem oxignio suplementarenquanto os ocupantes de um avio que sofresse despressurizao namesma altitude perderiam a conscincia em segundos? Por queastronautas podem ter diiculdade de icar de p semdesfalecer quandoretornam Terra? Por quemergulhadores submarinos de profundidadesofremdedoenassea?Eoutrosenigmassemelhantes.Asoluodessesproblemas apresentou muitos desaios para a isiologia, tanto sicosquantointelectuais.

  • O ilsofoHerclitoobservoucertavezque aguerraamede todasascoisas.Noquedizrespeitoisiologiadosambientesextremos,eletemrazo. Soldados so rotineiramente expostos a condies adversas snosltimosanos,vimosguerrasacontecendonoglidoinvernodosBlcs,nocalortrridododesertodoKuwaitenoselevadosdesiladeirosentreandiaeoPaquisto.Muitaspesquisassobreosefeitosdocalor,do frio,dapresso e da altitude em seres humanos foram iniciadas, direta ouindiretamente, em conseqncia desse imperativo militar. salutartambmcompreenderquenofoibasicamenteporrazescienticas,massimpor causadaGuerra Fria, que os seres humanos se aventuraramnoespao.Oesporteformamuitomaisaceitveldecompetioentreasnaes

    do que a guerra tambm estimulou grande interesse pela isiologiahumana e, nos ltimos anos, a isiologia esportiva se desenvolveu comouma disciplina distinta. Muitos de ns praticamos alguma forma deexerccio, aindaqueapenasa corridaocasionalparapegaronibus.Mash um limite para a velocidade a que podemos correr, mesmo comtreinamento,eoexerccio impesuasprprias cargasaocorpo.Esse tipodelimitaomuitodiferente,masrelacionado,discutidonocaptulo5.O estudo cientico da isiologia humana se baseia no experimento

    controlado.Comoosperigospotenciaismalpodemsercompreendidoseoslimites para a sobrevivncia so desconhecidos, freqentemente seutilizam animais em experimentos iniciais para identiicar os tipos deperigos envolvidos e obter uma indicao dos limites de segurana parauma pessoa. Em ltima instncia, contudo, no h substitutos para sereshumanos, e os isiologistas muitas vezes izeram experincias consigomesmos e ainda o fazem. Alguns chegaram a utilizar os ilhos. Oeminente cientista J.B.S. Haldane comentou certa vez que seu pai o haviausado como cobaia desde que ele tinha quatro anos (embora ele noparea ter icado desencorajado por essa experincia, pois seguiu ospassosdopaiefezumabrilhantecarreiracomofisiologista).Hboasrazesparaosisiologistasusaremasimesmoseaseuscolegas

    como sujeitos experimentais.Muitas vezes mais fcil compreender algoexperimentando-opessoalmentequeporumadescriodesegundamo;e, especialmente no passado, como o trabalho era freqentementeperigosoeimprevisvel,muitoscientistaspreferiamcorrerelesprpriosorisco em vez de pedir a um voluntrio que o izesse. Era mais rpidotambm encontrar um voluntrio requer tempo. Os primeiros

  • isiologistas precisavam de considervel coragem, bem comohabilidade ecuriosidadecientica.Ficar sentadonumacmaradeaoexguacheiadeoxignio puro enquanto a presso elevada, sabendo que estamoscondenados a entrar em convulses que podem nos causar danospermanentes, mas no sabendo exatamente quando isso vai acontecer,est longe de ser uma experincia agradvel. Mas, como discutido nocaptulo 2, esses experimentos foram vitais para a segurana dosmergulhadoressubmarinosdeprofundidade.As pessoas podem reagir de maneiras muito diferentes ao estresse

    sico, e seu comportamento em condies normais no d nenhumaindicaododesempenhoquevo ter sobestresse: fortespra-quedistaspodemsucumbirrapidamenteaomal-das-montanhas,enquantosuasmaisfrgeiscompanheirasdosexofemininonosofremnenhumaindisposio.Assim, embora isso possa no ser essencial para a compreenso dosprincpioscienticosenvolvidos,quandosetratadeaplicaesprticasosexperimentosdevemserrepetidoscomumgrandenmerodevoluntrios.Lamentavelmente, nem todas as cobaias humanas foram voluntrias. Halgunscasosfamigeradosemqueserealizaramexperimentoscompessoassem seu consentimento. Os nazistas usaram os prisioneiros de Dachau,supe-se em geral que os russos usaram prisioneiros de guerra, osjaponeses izeram experimentos com a populao da Manchria ecriminosos condenados foramusados por governos ocidentais at pocasrecentes.Emboraestesltimospudessemser teoricamentevoluntrios, aescolhaentreaexecuoouoadiamentodapenamedianteaparticipaonum experimento possivelmente perigoso no realmente uma escolha.Ademais, em muitos casos as pessoas no eram plenamente informadasdosriscos.Muitosdessesexperimentoseramrelacionadostestagemdosefeitosqumicosdaradiao.Masnemtodos.Algunseramprojetadosparaampliarnossacompreensodecomosereshumanosenfrentamcondiesextremas.Comoveremos,tambmnoestudodavidahumladoobscuro.Experimentos com seres humanos continuam sendo necessrios, pois

    novos tipos de roupas de sobrevivncia para imerso em gua geladaprecisam ser testados constantemente e trajes espaciais ainda so umatecnologia em desenvolvimento. Hoje, contudo, os experimentos soconduzidossobcondiesrigorosasdesegurana,eoslimitesparaavida,obtidosapartirdeacidenteseexperimentos,estobemdocumentados.Oestudoda isiologiahumanatemaplicaesprticasbvias,maspara

    muitoscientistas(talvezamaioria)averdadeiramotivaoacuriosidade;

  • elesso movidos pelos seis servidores honestos de Kipling pelo OQue eOnde eQuando, e Como e PorQue eQuem. Conseqentemente, avida do isiologista, como a de muitos cientistas experimentais, umacuriosa combinao de entusiasmo e frustrao entusiasmo quandoumahiptesedefendidaserevelacorreta,efrustraoquando,porrazestcnicas,umexperimentonofuncionaeaperguntaqueeleforaprojetadoparatestarnopodeserrespondida.Commuitafreqncia,parecehavermuito pouco do primeiro e demais da segunda. Masmontar um quebra-cabea, solucionarumdesaio intelectualoudescobrirum fatonovopodeser muito compensador, e a intensa emoo da descoberta umasatisfao no igualada por nenhuma outra que experimentei. essaeuforia que nos sustenta durante as longas horas necessrias para aobtenodosresultados.Emboraparamuitaspessoaspossaparecerdicil apreciarosprazeres

    davidacientica,amaioriavaicompreenderaexultaodeatingirocumedeumamontanhaeasensaoderealizaoquesetemapscorrerumamaratona. Alguns isiologistas so felizes porque conseguem combinaraventurasicaeespiritual.Osquebuscavamresponderaquestessobreo funcionamento do corpo, por exemplo, tiveram muitas vezes de ir aextremos os cumes das montanhas, as profundezas do mar, asbanquisas antrticas, ou at o espao para encontrar as respostas. Oconhecimento que adquiriram tem sido inestimvel, pois, como este livroirmostrar,aisiologianoapenasumacinciadelaboratrio,masalgoaplicvel vida cotidiana. Em nossa batalha para sobreviver nos limites,algumconhecimentodefisiologia,algicadavida,crucial.

  • SubindooKilimandjaro

    OKilimandjarovistodoAmboseliPark,noQunia

  • O Kilimandjaro uma das mais belas montanhas do mundo. Um conevulcnicoperfeito,eleenforquilhaafronteiraentreoQuniaeaTanznia,elevando-se5.896macimadasplanciesafricanas.Aseuspsseestendeareserva de caa Amboseli, com prolicos bandos de gnus, antlopes eelefantes. Seu cume coroado por banquisas de beleza arrebatadora.Apesar de sua grande altura, no so necessrias quaisquer habilidadesdealpinistaparaseatingirotopodoKilimandjaro;dabaseaocume,umacaminhada que leva menos de trs dias e meio. Infelizmente, a rapidezdessasubidacheiadeperigosparaosincautos.Comeamos a atravessar a loresta pluvial de manh bem cedo. O ar

    estavamorno,pesadoemido,comoaromadostrpicos.Cheiravacomoaestufa de palmeiras do Jardim Botnico de Kew. Nossos ps quase noproduziam som sobre a terra mida e fofa do solo da loresta. Macacosbalanavam-se guinchando nas copas das rvores, muito acima de ns.Enquantoavanvamospelasombraescuraefrescadaloresta, tnhamosdiiculdade emnosdar contadeque estvamos subindoodia inteiro.Noimdatarde,emergimosdasrvoresparaencontrarumapequenacabanatriangular aninhada contra a vertente damontanha emmeio a campinasque lembravam as dos Alpes. O sol se ps e a noite caiu quaseinstantaneamente,poisoKilimandjaroestsituadonoequador.Nodiaseguintesubimosatumaaltitudedecercade3.700m,cruzando

    capinzais altos e passando por uma vegetao caracterstica dessasaltitudesnafricaenaAmricadoSul.Osenciogigante,umparentedatasneirinhacomum,pairavasobrenossascabeas.Floresdelobliafaziamsentinelabeiradocaminhocomoenormesvelasazuis.Oarmaisrarefeitoera estimulante, convencendo-me de que eu estava imune ao mal-das-montanhas.Amanh seguinte foimuito fria.Ao avanarmos, deixamos a vegetao

    paraatrseentramosnumelevadovalerochosoqueseencontravaentreosdoispicosgmeosdoKilimandjaro.nossadireitaerguia-seoMawenzienossaesquerda,oUhuru,maisalto,nossametainal.Emboraoterrenofossemuitoplano, senti-mecansada.Ocaminhoatravsdovale,emesmodepois, at as cabanas de lata situadas no sop da subida inal umgigantescoconedecinzaspareceumuitolongo.Passamosumaterceiranoite,friaedesconfortvel,a4.600mdealtitude.

    Foi impossveldormir.Minhacabeadoaeomundogiravaminhavoltaquando fechavaosolhos.Apesarda faltade apetite, forara-mea engolir

  • umacomidamornaeumchtpido(nessaaltitude,agua fervea80C),conscientedequeiriaprecisardeenergiaparaaescaladaiminente.Agorame sentia mal. A respirao de meus companheiros vinha em arfadasdesordenadas,interrompidasporsilnciostolongosqueeutinhavontadedesacudi-los,commedodequetivessemparadoderespirarparasempre.Esperei,tremendo,queotempopassasse.Levantamo-nos s duas horas da madrugada para iniciar a longa

    jornadaatocume,poisnossoguianospersuadiradevermosoalvorecersobre o pico Mawenzi. Agora sei que sua verdadeira razo para essapartidademadrugadaerabemmaisprosaica:subiramosnoescuroparanovermosaenormidadeda tarefaque tnhamospela frente.Ocaminhosubia num ziguezague raso por um cone de 1.200m de cinza ina,pardacenta, e de pequenas pedras, at as proximidades da borda dacratera.Mesmono nvel domar, galgar dunas de areia rduo; naquelaaltitude, era uma tortura. Para cada trs passos adiante dados a duraspenas,euescorregavadoisparatrs.Minhasbotasicaramcheiasdoinop abrasivo. Sentia as pernas bambas e descontroladas, de modo quecaminhavacambaleando,oquecomprometiaaindamaisomeuprogressopela areia instvel. Um de meus companheiros prostrou-se, incapaz deseguir em frente. No fcil prever quem vai sucumbir ao mal-das-montanhas;eleeraprovavelmenteoqueestavaemmelhorformasicaeomais forte de nosso grupo,mas agora ali estava sentado, ofegando comoum peixe encalhado, s lhe restando descer. Continuamos, o guiailuminando o caminho nossa frente com uma lanterna que seguravabaixaaseulado.Noerafcilavanar.Eulutavapararespirareparadaralgunspassosentreosdescansoscadavezmaislongos.Scustadepuraforadevontadeedadeterminao(bastanteinsensata)denomedeixarvencer consegui transpor os ltimos 100m.Desabei no topo da borda dacratera, coma sensaode estar levando facadasna cabea,minhavisogirandocompontospretos.Uma miscelnea de imagens danava na minha mente. Eu estava

    sentada num empoeirado aniteatro de Cambridge, dardos de sol caindosobreascarteiras,ouvindoumapalestrasobremal-das-montanhas.Oquedissera exatamente o conferencista? Parecia importante, mas escapou,quando ziguezagues brilhantemente coloridos marcharammajestaticamente diante dos meus olhos. O ar tremia e um leopardo danevemovia-sefurtivamenteemtornodabordadasbanquisasdegeloquesemovem dentro da cratera do Kilimandjaro. Eleme encarou com olhos

  • amarelos e contraiu a cauda. Levantei a vista e o sol surgiu, inundandoocu de um brilho suave rosa e laranja,matizando de dourado as bordasdas nuvens inas; o pico Mawenzi era uma silhueta negra e ntidarecortada contra um cu de Botticelli. Sentei-me no topo da cratera doUhuru, o vento frio ouriando-me os cabelos, e compreendi que asmiragens eram um aviso. Meu crebro estava parando de funcionarlentamenteporfaltadeoxignio.Eramaisquehoradepartir.Escorreguei e deslizei como uma bbada pela encosta ngreme abaixo,

    tomadasubitamentepelomedodeumedemacerebrale,aomesmotempo,receandotombarpara frenteedesceraostrambolhesse fossedepressademais. A cada passo, medida que oxignio lua pelo meu crebro,sentia-memais viva. Corri pelo cascalho, deslizandomontanha abaixo emgrandes escorreges, ziguezagueando para me esquivar de pedras emataces.Spreciseidemeiahoraparapercorreradistnciaque levaramaisdecincohorasparasubirtopenosamente.Tive sorte; na semana anterior duas pessoas haviammorrido de mal-

    das-montanhas na mesma empreitada. Minha breve experincia do malno teve efeitos permanentes, mas eu fui insensata. Havamos subidodepressa demais: 5.896m em trs dias e meio. Talvez os altos picos noestejamreservadosparaosdeuses,masdevemsertratadoscomrespeito.

  • 1AVidanasAlturas

    MonteEverest

    Grandescoisassofeitasquandohomensemontanhasseencontram.WilliamBlake,GnomicVerses,1

  • Com8.848mdealtura,omonteEverestamaisaltamontanhadaTerra.SenosfossepossvelsertransportadosinstantaneamentedonveldomarparaocumedoEverest,perderamosaconscinciaemergulharamosnumcomaemsegundosporcausadafaltadeoxignio.Noentanto,em1978,osalpinistas austracos Peter Habeler e ReinholdMessner atingiram o topodoEverestsemajudadeoxigniosuplementar;e,dezanosdepois,maisde25 outros haviam feito o mesmo. Qual a explicao para sua faanhaaparentemente impossvel? A histria de detetive cientica da decifraodesseenigma,asvoltasedesviosao longodocaminho,osentusiasmos,asfaanhas extraordinrias de resistncia e os interessantes personagensenvolvidossooassuntodestecaptulo.As montanhas fascinaram e desaiaram os homens durante sculos.

    Belas mas amedrontadoras, foram inicialmente vistas como a casa dosdeuses. O panteo grego residia no cume do monte Olimpo, a mais altamontanhadaGrcia;osindianosacreditavamqueoHimalaiaeraamoradadosdeuses;e indciosdesacriciohumano,provavelmenteaosdeusesdamontanha, foram encontrados nos Andes. At hoje, muitas culturascontinuam reverenciando montanhas sagradas Tenzing Norgayenterrou chocolate e biscoitos no cume do Everest durante a primeiraescaladabem-sucedidaaseucume,comoumpresenteparaosdeusesquealivivem.Asmontanhassemantmenvoltasemmitoselendas,seuspicose penhascos imaginariamente so povoados no s por deuses como pormonstrosmisteriososcomooYetihimalaioeotraucodosuldoChile(quese alimenta de sangue humano). At seus nomes tm um efeito deencantamento:Chimborazo,Cotopaxi,elesroubaramaminhaalma! 1 Noentanto, apesar, ou talvez por causa, dessas histrias, as pessoas semprese sentiram atradas pelas montanhas, seja para alvio espiritual, pelapromessa de um tesouro escondido, comoummeiodeescapara regimesopressivos, pela emoo de explorar um novo territrio ou, de maneiramais mundana, para encontrar um caminho para o outro lado; ousimplesmente,naexpressomemorveldeGeorgeMallorysobreomonteEverestporqueestl.2Assim, o mal-das-montanhas conhecido h sculos. Sua causa

    permaneceuummistrioparaosantigos,queoatribuampresenadosdeuses (que enlouqueciam os homens), ou o viam como efeito deemanaes venenosas de plantas o que levou viso europia antigadas montanhas como perigosas e misteriosas. Em algum momento na

  • segundametadedo sculoXIX, porm, omontanhismoemergiu comoumesporteehomensdesaiaramoselementos,passandoadisputarentresiaglria de ser o primeiro a atingir os picos mais altos. Os isiologistascomearamaseinteressarcadavezmaispelosefeitosdaaltitudesobreocorpoeaconhecercadavezmaissuascausas,eseusestudoscontriburamenormementeparaosucessodaprimeiraexpedioachegaraocumedoEverest.Noentanto, repetidamente eles se assombramcoma capacidadeexibida pelos montanhistas de chegar a alturas maiores que as por elesprevistas.Altitude elevada , por uma deinio um tanto arbitrria, aquela

    superiora3.000macimadonveldomar.Muitagente,provavelmenteemtorno de 15 milhes de pessoas, vive acima desse nvel nas reasmontanhosasdomundo,osnmerosmaioresseconcentrandonosAndes,noHimalaia e nos planaltos etopes. Um nmeromuitomaior de pessoasvisitaaltitudessuperioresa3.000mtodososanosparaesquiar,acamparefazer turismo. As habitaes humanas permanentes mais elevadas sopovoados demineiros nomonte Aucanquilcha, nos Andes, numa altitudede5.340m.Emboraasminasdeenxofresesituema5.800m,osmineirospreferemsubiros460madicionais todososdiaspara trabalharadormirnuma altitude maior. Consta que o exrcito indiano mantm tambmtropas a 5.490m de altitude durante muitos meses para vigiar suafronteira com a China, mas esse provavelmente o limite em que sereshumanos so capazes de viver por um perodo prolongado, pois a vidanessas altitudes repleta de diiculdades. A principal a reduo naconcentrao de oxignio do ar, mas o frio, a desidratao e a radiaosolarintensatambmsoproblemassignificativos.A reduo da densidade do ar com a altitude signiica que ele contm

    menos oxignio, o que acarreta considerveis problemas para a maioriados organismos, inclusive os dos seres humanos, que precisam suprirtodasassuasclulasdeoxignioconstantemente.Dentrodecadaclula,ooxignio queimado, juntamente com alimentos como os carboidratos,paraproduzir energia.Clulasque fazemgrandequantidadede trabalho,como as musculares, precisam proporcionalmente de mais oxignio, e oexerccio torna suas necessidades ainda maiores. O oxignio foidescoberto em 1775, como relatado no captulo 7, e seus efeitosbenicos foram imediatamente compreendidos. Mais cem anos foramnecessrios, porm, para que fosse reconhecido, pelo francs Paul Bert,que a falta de oxignio (hipoxia) era a principal causa do mal-das-

  • montanhas. Um tempo ainda mais longo foi preciso para que essa idiaganhasseaceitaogeral.

    PaulBert(1833-86)aclamadocomoopaidaisiologiadaaltitudeedamedicinadaaviao.DiscpulodofamosoisiologistafrancsClaudeBernard,montouemseulaboratrionaSorbonneumacmaradedescompresso grande o suiciente para permitir a um homem sentar-se confortavelmente em seuinterior para simular os efeitos da altitude. Sua famosa obra La pression baromtriqueapresentadados que sustentam sua idia de que os efeitos deletrios das grandes altitudes se devem falta deoxignio.Foitambmoprimeiroamostrarqueadoenadedescompresso(emboliagasosa)decorredaformaodebolhasnosangue(vercaptulo2).

    DESCRIESANTIGASDOMAL-DAS-MONTANHAS

    Oschinesesforamosprimeirosadocumentarosefeitosdaaltitudenumtextoclssico,oChienHanShu,quedescreveoitinerrioentreaChinaeoqueeraprovavelmenteoAfeganistoporvoltade37-32a.C.:Novamenteao passar pela montanha da Grande Dor de Cabea, pela montanha daPequenaDordeCabea,pelaTerraVermelhaepelaVertentedaFebre,oscorpos dos homens tornaram-se febris, eles perderam a cor e foramatacadospordorde cabea e vmito; osburros e gado icaram todos emigual condio. O eminente sinlogo Joseph Needham sugeriu queexperincias como essa convenceram os chineses de que estavamdestinados a permanecer dentro das fronteiras de seu pas. Demaneirasemelhante, os gregos, por constatarem que icavam sem ar no topo domonteOlimpo(cercade2.900m),supunhamqueocumeestavareservado

  • aosdeuses,foradoalcancedemerosmortais.Uma das primeiras descries claras do efeito do mal-das-montanhas

    agudo foi publicada em 1590 pelo padre Jos de Acosta, ummissionriojesuta espanhol que atravessou os Andes e passou algum tempo nochamado Altiplano. Muitos de seu grupo icaram doentes ao cruzar oestreito elevado de Pariacaca (4.800m). A seu prprio respeito, o padreconta: fui subitamente surpreendido por uma dor to cruciante eestranhaqueestiveprestesa caire considereique oarali to sutil edelicadoquenocompatvelcomarespiraodeumhomem.Escreveutambm que nesse estreito e ao longo das cristas das montanhascostumava-se encontrar estranhos excessos, embora mais em algumaspartesqueemoutrasemaisparaaquelesquesobemapartirdomardoquepara os que o fazema partir dos planos. Essa passagem foi tomadacomo indcio de que o padre Acosta estava ciente de que pessoas quehaviam se aclimatado a grandes altitudes passando algum tempo emplanaltos, como o Altiplano, sucumbiam menos rapidamente ao mal-das-montanhas do que as que subiam diretamente a partir do nvel domar.Mas estudiosos sugerem agora que provavelmente a inferncia noprocede, pois o texto espanhol original parece ter sido incorretamentetraduzido.A populao inca local, no entanto, conhecia muito bem os efeitos da

    altitudeeestavacientedequeaaclimataodemandavatempo.Sabiaquemuitosmoradoresdasplanciesmorreriamse fossem transportadosparagrandesaltitudesparatrabalharnasminas,emantinhadoisexrcitos,umque era conservado permanentemente em altitudes elevadas, paraassegurar que seus homens estivessem aclimatados, e um segundo queerausadopara lutarnasplanciescosteiras.Para fugirdadevastaodosConquistadores, os incas se retiraram cada vez mais em direo smontanhas,ondeeradicilparaosinvasoresespanhissegui-los.EmboraosespanhistenhamacabadoporfundarumacidadeemPotos(4.000m),tratava-sebasicamentedeumacidadede fronteiraeasmulheres tinhamde retornar para o nvel domar para dar luz e criar o ilho durante oprimeiroano;omesmoseaplicavaaogado.Afertilidadeefecundidadedasmulheres nativas no eram afetadas, mas, em grandes altitudes, ascrianasespanholasmorriamaonascerounasduasprimeirassemanasdevida.Somente53anosdepoisdafundaodacidade,navsperadoNatalde 1598, a primeira criana de origem espanhola sobreviveu eventoque foi aclamado como milagre de so Nicolau Tolentino.

  • Lamentavelmente, nenhuma das seis crianas frutos do milagresobreviveu at amaturidade. O problema, no entanto, resolveu-se por simesmo ao cabo de duas ou trs geraes, provavelmente por causa damiscigenaocomapopulaoindgenalocal.Ogadoeoscavalos,contudo,permaneceram relativamente estreis, e em conseqncia disso osespanhis acabaram por transferir a capital para Lima. O mal-das-montanhas infantil no umproblemado passado, pois alige os colonoschineseshans oriundos de terras baixas que esto hoje estabelecidos noTibete.Como os incas bem sabiam, o mal-das-montanhas menos severo em

    pessoas que se habituam gradualmente altitude. Os primeiros a sedepararemcomas conseqnciasdramticas, e com freqncia fatais,dasubida muito rpida para uma altitude elevada foram os pioneiros dobalonismo.Oprimeirovonumbalode arquente foi feito em1783porJean-Franois Piltre de Rozier e o marqus dArlandes num baloconstrudo pelos irmos Montgolier, Etienne e Joseph. Mais tarde nomesmoano,outrofrancs,JacquesCharles,inventouobalodehidrognioe chegouaumaaltitudede1.800memsua subida inicial, aparentementesem efeitos adversos. Os bales podem subir a alturas ainda maiores, oquenoentantopodeacarretarsriasconseqncias.Ossintomasdomaldaaltitudeassociadoaobalonismo foramdescritos,

    num relatrio famoso, por James Glaisher, um meteorologista queacompanhou o aerstata Henry Coxwell num vo partindo deWolverhampton, em 1862. Em menos de uma hora eles atingiram umaaltitudeemqueseubarmetro indicava247mmdemercriocercade8.850m.Continuaramasubir,masaaltitudeprecisaquealcanaramnoclara porque acima desse nvel Glaisher no foi mais capaz de ver obarmetrocomclareza,nemcertoqueoaparelhoestivessecorreto;masprovvelquetenhasidomenorqueos11.000mqueelerelatou.Glaisherdescreveuvividamentecomodescobriuqueseusbraosepernasestavamparalisados, viu-se incapaz de consultar seu relgio ou ver seucompanheirocomnitidez,tentoufalarmasdescobriuquenoconseguia,eemseguidaicoutemporariamentecego.Acabouporperderaconscincia.Felizmente Coxwell no icou completamente incapacitado e conseguiufazer o balo descer, embora com grande diiculdade, dando vazo aohidrognio.Comoseusbraosestavamparalisados,tevedepuxaracordaquesoltavaavlvuladeescapecomosdentes.Duranteadescida,Glaisherrecuperou a conscincia e voltou a ser capaz de fazer anotaes, numa

  • altitude que calculou como de cerca de 8.000m o que ilustra apossibilidadedeumarpidarecuperaoapsumahipoxiaaguda.

    O famoso vo de balo partindo deWolverhampton por James Glaisher e Henry Coxwell. A litograiamostra-osnopontomaisaltodesuasubidaumaaltitudeestimadadecercade11.000m.Glaisherestsemsentidos,prostradonacesta.Coxwell,queperdeuousodasmosporcausadahipoxiaedofrio,estlutando para fazer o gs escapar, puxando a corda que soltava a vlvula com os dentes. Emcontraposio,ospombos(nagaiolapenduradanoaro)parecemnoestarafetadospelaaltitude.

  • H.T. Sivel,G.Tissandier e J.E. Croce-Spinelli nobaloZenith. Sivel ( esquerda) estprestesa cortarascordasqueprendemolastroparaacelerarasubida.Tissandier(nocentro)lobarmetro.Croce-Spinellitemobocaldoequipamentodeoxignionasmos; esteest ligadoaobalo listrado,quecontmumamisturade72%deoxignioemar.

    Obalodecolouem15deabrilde1875,daperiferiadeParis,esubiuat7.500m.Nesseponto,Sivelperguntou a seus companheiros se deviam subirmais e, com o consentimento deles, soltou o lastro. Obalo subiu rapidamente a 8.600m.Os trs homens icaramparalisados e desmaiaramantes de sentirnecessidade de respirar oxignio. Tissandier e Croce-Spinelli logo recuperaram a conscincia, emmomento diferentes,mas, confusos em razo da hipoxia, soltarammais o lastro, o que s piorou suasituao,poisfezobalosubiraindamais.QuandoTissandieracordou,obaloestavaa6.000mecaindorapidamente,eseusdoiscompanheiroshaviammorrido.

    As primeiras mortes ocorreram alguns anos depois, em 1875, quandotrscientistas franceses,Sivel,TissandiereCroce-Spinelli,subiramamaisde8.000mnobaloZenith.Emborativessemumequipamentoprimitivodeoxignio,aquantidadequetransportavamerapequenaecombinaramnous-loatsentiremqueerarealmentenecessrio. 3 Infelizmente,oexcessode coniana e a sensao de bem-estar caracterstica da falta aguda deoxignio izeram com quenuncausassemooxignio, e todosperderama

  • conscincia. S Tissandier sobreviveu. Mais tarde ele contou que tentouusaroequipamentodeoxignio,masno conseguiumoverosbraos.Noentanto, longe de se sentir preocupado, ele escreveu: No se sofreabsolutamentenada;aocontrrio.Sente-seumaalegriainterior,comoquebanhado por um luxo radiante de luz. Todas as coisas se tornamindiferentesenosepensamaisnasituaoarriscadaounoperigo.

    AESCALADADOEVERESTCom o advento do montanhismo, os efeitos do mal-das-montanhas

    tornaram-se mais amplamente conhecidos e melhor compreendidos. Atmeadosdadcadade1920, considerava-sequeaspessoaspodiamsubirat uma altura de 8.000m e nela permanecer em segurana por algunsdias, desde que tivessem passado muitas semanas numa altitudeintermediria, aclimatando-se. Em contraposio, quando expostas a umapresso baromtrica semelhante numa cmara de descompresso,estavamsujeitasaperdadeconscinciaempoucosminutos.Aexpediobritnicade1953aomonteEverest, lideradaporSir (mais

    tardeLord)Hunt,estavaplenamentecientedaimportnciadaaclimatao.AlongamarchadeKatmanduaKumbu,nosopdamontanha,levouvriassemanaseimpsumperododeaclimataoforadoporqueamaiorpartedo percurso se d a 1.800m, chegando ocasionalmente a 3.600m. OutrasquatrosemanasforamentodedicadasaclimataonodistritodeKumbu(4.000m), antes de se tentar montar acampamentos mais acima namontanha. A equipe adotou tambm a diretriz de situar essesacampamentos em altitudes em que fosse possvel dormir e comer comfacilidade,ededescerparaaltitudesmenoresparaperodosdedescansodurante alguns dias para se restabelecer (procedimento que adotadopela maioria das expedies contemporneas e que, como veremos, temslidabasefisiolgica).Pelaprimeiravez,havia tambmuma linhadeaoabrangentequanto

    aousodeoxigniosuplementar;atentoelenoeraamplamenteusadoporqueamaioriadosmontanhistastinhapoucaconiananoequipamentorecm-inventado,almdeotipomaisprimitivosermuitopesado.Acimade6.500m, a expedio aoEverest usou oxignio, tanto para auxiliar o sono(numataxade1l/min)comoduranteasubida(4l/min).Mesmocomessavantagem,osefeitosdaaltitudecausaramumadeterioraosicagraduale todos perderam peso. Por vezes se viram gravemente incapacitados,

  • comoHuntdescrevevividamente:

    Nossoprogressoicoumaislento,maisexaustivo.Cadapassoeraumesforo,spossvelcomforadevontade.Apsvriospassosnumritmode funeral,eranecessrio fazerumapausapararecobrarasforasparacontinuar.EujcomeavaaarfarerespirarcomdiiculdadeMeuspulmespareciamprestesaexplodir; eugemiae lutavapara conseguirar suiciente;umaexperinciahorrvelnaqualeunotinhanenhumautocontrole.

    TenzingNorgay fotografadono cumedoEverestporEdmundHillarynodia29demaiode1953aprimeirasubidabem-sucedida

    Acausadessadiiculdadeextremafoidescobertamaistarde.Otuboqueconectava a mscara facial de Hunt s garrafas de oxignio estavainteiramentebloqueadopelogelo,demodoqueelenoestavarecebendooxignio! No s estava carregando o pesado equipamento de oxigniocomo isso no lhe estava sendo de nenhuma valia! Em seu relato daexpedioaoEverest,Huntescreveumaistarde:Euescolheriaooxigniopara uma meno especial isso, e somente isso, na minha opinio,garantiu o sucesso. No fosse pelo oxignio, certamente no teramos

  • chegadoaocume.AnotciadaconquistadoEverestporEdmundHillaryeSherpaTenzing

    Norgay no dia 29 demaio de 1953 chegou a Londres no dia 2 de junho,poucoantesdacoroaodaRainhaElizabeth,sendoanunciadapelosalto-falantes ao longo do trajeto do cortejo da coroao e saudada com umaovaofrenticapelamultido.NoCampodeBase,ogrupovitoriosoicouespantadoaoouviranotciadesuafaanhaanunciadapelaAllIndiaRadio,j que s no dia 30 de maio James Morris, reprter doTimes, deixara oCampo Avanado para enviar seu artigo. Para comemorar, deram 12salvasdemorteiro,presentedoexrcitoindiano,emdireoneve.OusodooxignionaconquistadoEverestlevoucrenadequenoera

    possvel sobreviver emseu cumesemesse recurso.De fato, odr.GrifithPugh, umisiologista que participou da primeira expedio ao cume doEverest, sustentou: S homens excepcionais podem subir acima de8.200m sem oxignio suplementar. Sua airmao foi corroborada poralguns acidentes trgicos em que montanhistas de elite, subindo sem oauxlio do oxignio, morreram, em geral da exausto provocada pelahipoxia, que os levava a ziguezaguear a esmo e deslizar para a morte.Como ocorreu tantas vezes na isiologia das grandes altitudes, porm, aresistnciaeadeterminaodosmontanhistasdesmentiramoscientistas,poisem1978PeterHabelereReinholdMessnerescalaramoEverestsemoxignio.Desdeentosuanotvel faanha foi repetidapormuitosoutros,entre os quais, em 1988, a primeira mulher, Lydia Bradey (seu feito contestado, j que, como subiu sozinha, no foi possvel provar querealmentechegouaopico).Ficaclaroapartirdessesrelatosqueprecisodistinguirentreosefeitos

    isiolgicosdeumasbitapassagemparaumaaltitudeelevada,comopodeocorrer num vo de balo ou quando a cabine de um avio sofre umadespressurizao repentina, e os efeitos de uma subida mais gradual,exempliicadapelalentaescaladaatocumedeumamontanha,emquesed tempo para a aclimatao. Os efeitos sofridos por quem vive emgrandesaltitudesavidainteiraconstituemumterceirocaso.

    UMADIGRESSOSOBREAPRESSOBAROMTRICA

    EvangelistaTorricelli foi oprimeiro apensarqueo ar tempeso.Numa

  • carta a um colegadatadade1644, ele escreveu: Vivemos submersosnofundo de um oceano do elemento ar, que sabemos por experimentosinquestionveis ser dotado de peso. Atribui-se tambm a Torricelli,discpulodeGalileu,aconstruodoprimeirobarmetrodemercrioparaa mensurao da presso atmosfrica (a presso exercida pelo peso doprprioar).Odecrscimodadensidadedoarcomaaltitudesigniicaqueapresso

    atmosfricasereduzmedidaqueatingimosaltitudesmaiselevadas.Issofoi demonstradopelaprimeira vezporBlaisePascal noPuydeDme,noqueencantadoramentechamoudeOGrandeExperimento.Simpliicando,apressomenorquantomaisaltochegamos,porqueopesodoarquefazpressoparabaixosobrensmenor.At muito recentemente, as unidades usadas para medir a presso

    atmosfrica eram chamadas torr, em reconhecimento importantecontribuiodoitalianoTorricelli.Oicialmente,otorrfoiagorasubstitudopor uma nova unidadede presso cujo nome uma homenagem aofrancs Pascalumamudana que, como se pode imaginar, no deixoude suscitar controvrsias. Contudo, como grande parte da literaturamaisantigausaotorr,emuitosfisiologistascontinuamaempreg-lo,eutambmofizaqui.Aonveldomar, apressoatmosfrica (oubaromtrica) de cercade

    760 torr (milmetrosdemercrio).Ooxignioperfaz21%doar,0,04%dixidodecarbono,4eorestonamaiorpartenitrognio.Assim,aonveldo mar a presso produzida pelo oxignio, conhecida como a pressoparcialdeoxignio,159torr(21%de760torr).NocumedoEverest,oarcontm a mesma percentagem de oxignio, mas, como a pressobaromtrica cai a cerca de 250 torr, a presso parcial de oxignio proporcionalmentereduzida.Almdisso,odecrscimorelativodapressoparcialdeoxignionospulmesaindamaiordoquenaatmosfera.Essefato bastante surpreendente ocorre porque o corpo produz umaquantidade importante de vapor dgua. Sua presena nos alvolosospequenos sacos de ar onde se d a troca entre os gases presentes nospulmeseosqueestodissolvidosnosanguelimitaoespaodisponvelparaooxignio,fatocujarelevnciaaumentacomaaltitude.

  • Oefeitodaaltitudesobreapressoatmosfricaesobreapressoparcialdeoxignionoar.Aquedadapressoatmosfricacomaaltitudeno linearporqueoar,sendocompressvel,esmagadopelopesodoaracimadele.Assim,apressocrescemaisrapidamentenasproximidadesdosolo.

    Emqualquer altitude, o ar nospulmes est saturadode vapordguaproduzidopelocorpo.Issopodeservistoclaramentenumdiafrio,quandoo vapor dgua que expiramos se condensa no ar frio, formando umanuvenzinha. O vapor dgua tem uma presso parcial de 47 torr. Issosigniica que, quando a presso atmosfrica de 47 torr, o que ocorrenuma altitude de 19.200m, os pulmes esto inteiramente tomados porvapordgua,nodeixandonenhum lugarparaoxignioououtrosgases.Comoaquantidadedevapordguaaumentacomaaltitude,apressodosgasesnospulmesdecorrentedessevaporeleva-sede6%nonveldomarpara19%nocumedoEverest.

  • Blaise Pascal (1623-62) considerado a primeira pessoa a demonstrar cientiicamente que a pressoatmosfrica cai com a altitude. Em vez de realizar pessoalmente o experimento, Pascal convenceu seucunhadoevriosdignitrioslocaisasubiroPuydeDme,nocentrodaFrana,levandoumbarmetro,emedirseapressocaa.OutroinstrumentofoideixadonacidadedeClermontsobaguardadoreverendoChastin,comocontrole.Sseobservarammudanasnobarmetrolevadoaocume.

    A presena do vapor dgua nos alvolos ajuda a explicar por que apresso parcial de oxignio mais baixa nesses sacos de ar do que naatmosfera (o fato de esse oxignio ser extrado pelo corpo outro fatorque contribui). O vapor dgua limita tambm a altitude a que sereshumanos podem subir, mesmo respirando oxignio puro. A mais baixapresso baromtrica em que a concentrao normal de oxignio nospulmes (100 torr)podesermantidaquandorespirandooxigniopurode cerca de 10.400m, que aproximadamente a altitude de cruzeiro damaioriadosaviescomerciais.possvelsobreviveremaltitudesmaioresporque uma intensiicao da respirao expele parte do dixido decarbono armazenado nos pulmes, fornecendo assimmais espao para ooxignio. Acima de 12.200-13.700m, porm, o fornecimento de oxigniopodeserinsuiciente,ocorrendoperdadeconscincia.Acimade18.900m,o sangue ferve (na verdade, vaporiza-se) temperatura do corpo. Issoexplica por que necessrio um traje, ou uma cabine, pressurizado, comsuprimento independente de ar, para altitudesmuito grandes ou para aexploraodoespao(vercaptulo6).

  • OSPERIGOSDADESPRESSURIZAOSBITANo caso de uma sbita despressurizao da cabine, mscaras de

    oxignio cairo dos compartimentos acima de suas cabeas. O enormeaumentodasviagensareasnosltimos25anossigniicaqueamaioriadensconhecebemessaspalavras,emborafelizmentepoucosdenstenhamexperimentado uma emergncia como essa. A maior parte dos aviescomerciais viaja a uma altitude de cerca de 10.400m. Nessa altitude, seuma janela explodir, haver um grande estouro quando o ar escaparrapidamente da cabine e a presso se equilibrar com a do ar exterior.Objetossoltos,epessoascujoscintosdesegurananoestejamaivelados,podemsersugadosparafora,eacabineseencherdeumabrumainamedida que a temperatura cair at igualar-se do exterior e o vapordguasecondensar.Pramscaradeoxigniorapidamentevital,poisonveldeoxignionospulmescaiabruptamenteeaperdadeconscinciaocorreemmenosde30segundos.O tempotilemqueopilotocapazde tomar uma deciso corretiva ainda menor cerca de apenas 15segundos. Um piloto comercial morreu porque deixou carem os culosquando a cabine sofreu sbita despressurizao e se abaixou paraapanh-losantesdepr suamscaradeoxignio.Por sorte, seuco-pilotonocometeuomesmoerro.A presso parcial de oxignio nos pulmes a 10.400m, quando se est

    respirandoarno-pressurizado,decercade20torr,baixademaisparapermitir a vida. Quando se respira oxignio puro, porm, ela se eleva acercade95torr,osuicienteparaasobrevivnciadeumapessoasentadaquieta,mas no de uma que esteja fazendo esforo e essa uma dasrazesporqueatripulaodebordotreinadaparapermanecersentadaatqueoaviotenhabaixadoaumaaltituderazovel(aoutrarazoqueo aparelho levado a fazer um mergulho abrupto para perder alturarapidamente).A baixa capacidade de exerccio em altitudes elevadas foi ilustrada de

    maneirabastantedramticaduranteo inciodaSegundaGuerraMundial.Embora os contra-atiradores dos bombardeiros que voavam a 5.500micassem plenamente alertas quando permaneciam sentados em suastorresdetiro,muitosmorriamquandotentavamsearrastardevoltaparaocorpodaaeronave:ademandaaumentadadeoxigniodosmsculosemfuncionamentonopodia ser conquistadapormaior inspiraodear, eooxigniodisponvelparaocrebrocaaabaixodorequeridoparamantera

  • conscincia.Desdequeseestejasentadoquieto,porm,pode-sesubirat7.000m numa aeronave no-pressurizada antes de perder a conscincia;altitudeque,convmnotar,signiicativamentemaisbaixaqueocumedoEverest.Mais traioeira que uma despressurizao instantnea a lenta

    diminuio da presso da cabine, porque a reduo progressiva daconcentrao de oxignio pode no ser rapidamente perceptvel. O pilotopodenosedarcontadequehalgoerradoe,assim,deixardetomarumaprovidncia.Comoosprimeirospraticantesdobalonismodescreveramtovividamente,essaprivaogradualdeoxigniopodegerarumasensaodeeuforiaeconduzirperdadaconcentraoedodiscernimento.Porim,provoca a reduo da capacidademuscular, inconscincia, coma emorte.Esses so efeitos da incapacidade do corpo de se ajustar com suicienterapidezmenorconcentraodeoxigniodoarnasgrandesaltitudes.O limite legal para vo sem oxignio em cabines despressurizadas

    3.000m, embora geralmente se use oxignio acima de 2.400m paragarantir uma boa margem de segurana. Os avies comerciais sopressurizados para uma altitude de 1.500-2.400m e no para o nvel domar, porque o peso e o custo para semanter uma diferena de pressomaior atravs das paredes seriam proibitivos. Isso seria tambmdesnecessrio,porquenessaaltitudeapressoparcialdeoxignionoarsuiciente para garantir que o sangue esteja, em condies normais,completamente saturado de oxignio. Pessoas que sofram de doenacardacaoudospulmes,noentanto,podemnosercapazesdelidarcomosnveisdeoxignioreduzidosepodemprecisardeoxigniosuplementardurante o vo. O ajuste da presso da cabine presso no solo, e vice-versa,acausadoestaloqueospassageirosexperimentamnosouvidosdurante a aterrissagem ou na decolagem partindo do nvel domar (essefenmenoexplicadoemmaiordetalhenocaptulo2).Em contraste como que ocorre na aviao comercial,muitos avies de

    caadealtodesempenhonosopressurizados,ouosoapenasparaumaaltitude de 7.600m, porque o peso adicional produzido pela plenapressurizao da cabine os tornaria muito menos manobrveis.Conseqentemente, o piloto deve usar umamscara irmemente presa erespirarumamisturadeareoxigniopuro.Amisturaautomaticamenteajustada segundo a altitude, de modo a assegurar que o piloto recebaoxignio suiciente,mas no emnveis txicos (veja captulo 2). Acimade11.500mospilotosprecisamreceberoxigniopurosobpresso.Respirar

  • arpressurizadoestranho:emcontrastecomarespiraonormal,emquea inspiraoumprocessoativoeaexpiraosedquandoosmsculosdo trax relaxam, o ar pressurizado enche os pulmes passivamente eprecisa ser ativamente expelido. Assim, a respirao de ar pressurizadopoderepresentarumatarefabastanterdua.Umproblemaadicionalqueos pulmes podem explodir se a presso do gs subir muito, de modobastante parecido com o do sapo presunoso da fbula de Esopo, queestufou o peito at estourar. No entanto, se for fornecida umacontrapressoexternaparaseguraraparededopeito,ospulmespodemtolerarpressesmaiores.Porissopilotosdasforasareasusamumtrajede contrapresso em altitudes elevadas; este consiste basicamente numaroupa apertada que inla com o ar em torno do trax e do abdome sobpressoatmosfricabaixa.usadoporpilotosmilitaresacimade12.000mporcausadoperigodedescompressoexplosivaseacapotadoavio forrachada(porumfragmentodeumdispositivoexplosivo,porexemplo).UmtrajesemelhantefoiusadoporJudyLedenem1996,quando,emsuaasa-delta, se lanou de um balo 12.000m acima do deserto jordaniano,quebrandoorecordemundialdealtitudeparavosdeasa-delta.Os avies civis so projetados para que, em caso de avaria de uma

    janela, sejam necessrios muitos segundos para que o ar escape e apresso caia (esta uma das razes para que as janelas do Concordesejamtopequenas).Contudo,seumaviodecombateforatingidoporummssil, ou se seu piloto for obrigado a fazer uma sada de emergnciaejetando-se pela capota em altitude elevada, a descompresso podeocorrermuitorapidamente.Por issoospilotosso treinadosparaexpirardurantetodootempodadescompresso,demodoaevitarqueaexpansodoarconcomitanteestoureseuspulmes.Elestambmcorremoriscodaembolia gasosa que se produz quando gases dissolvidos nos luidos docorpoformambolhassobbaixapresso.Osproblemasdaexpansodogssob descompresso em grandes altitudes se parecem com osexperimentados por mergulhadores ao emergir das profundezas e somaisamplamenteconsideradosnocaptulo2.Diferentemente da maioria dos outros avies comerciais, o Concorde

    viaja a uma altura de 15-18.000m. Mesmo quando se est respirandooxignio puro sob presso, isso superamuito o limite em que possvelsobreviver (o teto est em torno de 14.000m). Como explicadoanteriormente, abaixapressobaromtricanessasaltitudes signiicaquesimplesmente no h lugar bastante nos pulmes para a quantidade

  • necessriadeoxignio.Est tambmpertodo limiteemqueos luidosdocorpocomeamasevaporizartemperaturadoprpriocorpo(18.900m).Portanto uma despressurizao sbita na altitude de cruzeiro de umConcordeserprovavelmentefataloquemuitospassageirosignoram.

    MAL-DAS-MONTANHASAGUDOEmbora provavelmente poucas pessoas tenham experimentado a

    despressurizaoda cabinedeumavio, a facilidade cada vezmaiordasviagenseapopularidadedasfriasaventureirasnosltimosanossigniicaqueestamosagorafamiliarizadoscomosefeitosdomal-das-montanhas.AcaminhadaatabasedoEveresttornou-seumpercursotursticorotineiro,milharesdepessoas inexperientes foramatoAcampamentoBaseeumamaratona disputada regularmente pelos lancos da montanha abaixo.Nos Andes, grande nmero de pessoas a cada ano toma a trilha inca deCusco antiga cidade de Machu Pichu, que serpenteia por desiladeirosespetaculares de at 4.500mde altura. Como possvel chegar aos AltosAndesdiretamentepor tremouavio,omal-das-montanhas comum.OsqueviajamdeavioparaLaPaz,acapitaldaBolvia,situadaa3.500m,soaconselhadosanofazermuitoesforonachegada,masvrioshomensdenegcios morrem todos os anos de ataque cardaco ou tromboseprecipitadospelaaltitudeelevada.Os sintomas do mal-das-montanhas se manifestam usualmente em

    moradores de terras baixas que sobem acima de 3.000m, mas, se tivertempo, a maioria das pessoas capaz de se ajustar. Acima de 4.800-6.800m, a altura mxima em que h comunidades estabelecidas noHimalaia e nos Andes, no entanto, a aclimatao adicional se tornaimpossveleocorpoeamentesedeterioramgradualmente.Mesmoparaos indivduosmais aclimatados, a subida acimade7.900mperigosa e apermanncianessaaltitudedeveserlimitadaapoucashoras.Osalpinistasse referem a essa altitude como a zona da morte, porque umapermanncia prolongada causa rpida deteriorao sica. por isso queasexpediesacampamemaltitudesmenoresefazemumainvestidainalat o topo, no intuito de permanecer o menor tempo possvel acima de7.900m.O mal-das-montanhas comea dentro de oito a 48 horas aps uma

    subidarpidaparaumaaltitudeelevada.Deincioapessoasesentetonta,muitas vezes eufrica, como se estivesse embriagada pelo ar rarefeito.

  • Depois de algumas horas, porm, isso desaparece e ela se senteinexplicavelmente cansada; andar exige um esforo descomunal e corrersimplesmente no uma opo. A diiculdade para andar exacerbadapor sensaes de vertigem que podem lev-la a perder o equilbrio. dicil dormir e ela acorda abruptamentemuitas vezes ao longo da noite,freqentemente com a sensao desagradvel de estar sufocando. Temfortedorde cabea,perdeo apetite, sentenuseasepodeatvomitar. Ahemorragia dos pequenos vasos sanguneos da retina comum,mas emgeralsecura,nodeixandodanopermanente.Namaioriadaspessoas,essessintomasdesagradveisdesaparecemao

    cabo de alguns dias. Vez por outra, porm, podem progredir para umedemapulmonar potencialmente fatal, emque os pulmes se enchemdeluido. Mais raramente ainda o crebro incha, doena conhecida comoedema cerebral, em que a vtima se queixa de intensa dor de cabea,perdadoequilbrio eumenormedesejode sedeitar eno fazernada;ocoma e a morte se seguem rapidamente. Embora o oxignio possa serbenicoaomal-das-montanhas,emcasosdeedemapulmonarecerebralanica cura real a descida rpida para altitudesmenores. Pagar algumpara carreg-lo mais acima pela montanha, como se sabe que algunsturistasfizeramnoHimalaia,umerrofatal.Um vvido relato em primeiramo dos efeitos debilitantes domal-das-

    montanhasfoidadoporEdwardWhymper.DuranteaprimeirasubidadoChimborazo,em1879,eleeseusguias,Jean-AntoineeLouisCarrel,foramincapacitadospeloarrarefeitonumaaltitudedecercade5.000m:

    Em cerca de uma hora vi-me deitado de costas, ao lado dos dois Carrels, posto fora decombateeincapazdefazeromnimoesforo.Sabamosqueoinimigoestavasobrensequeestvamosexperimentandonossoprimeiroataquedomal-das-montanhas.Estvamosfebris,tnhamosintensadordecabeaenoconseguamossatisfazernossodesejodear,anoserrespirandocomabocaaberta. IssonaturalmenteressecavaagargantaAlmdeternossoritmonormalderespiraomuitoacelerado,descobrimosserimpossvelmanteravidasematodoinstantedartragosespasmdicos,exatamentecomopeixestiradosdagua.

    Cercade40%daspessoasquevo fazercaminhadasacimade4.000mdealtitudeexperimentamalgumgraudomal-das-montanhas,emboranotoseveramentequantoWhympereosCarrel.Nofcilpreverquemirsucumbir, pois no tem relao com a forma sica pra-quedistas deelite podem icar incapacitados enquanto suas frgeis avs escapaminclumes. A causa do mal-das-montanhas agudo no conhecida, mastanto a baixa concentrao de oxignio no sangue quanto a reduo da

  • acidez do sangue (ver adiante) so consideradas importantes. Algunsinvestigadoresacreditamqueambosocasionamdeslocamentosdosluidosdo corpo e um edema cerebral brando.Mensuraes do luxo de sanguenocrebro,feitasemaltitudesdeat5.300m,corroboramessaidia.O edema pulmonar, que acontece quando os pulmes se enchem de

    luido, parece resultar da reao dos vasos sanguneos pulmonares aosbaixosnveisdeoxignionopulmoqueocorrememaltitudeselevadas.Aonvel do mar, uma baixa concentrao de oxignio num nico alvologeralmente signiicaqueo luxode ar estobstrudo.Como claramenteineicienteencheressealvolo,osvasossanguneos locaissecomprimem,interceptando o luxo de sangue e desviando-o para outras regies,maisbem ventiladas. Infelizmente, no podem distinguir uma baixaconcentraodeoxignioalveolarresultantedeummenor luxodeardeuma baixa concentrao de oxignio decorrente de uma diminuio napresso parcial de oxignio no ar inspirado. Por conseguinte,inevitavelmenteosvasossanguneospulmonaressecontraememaltitude.No entanto, como alguns vasos so mais sensveis ao baixo nvel deoxignio que outros, a vasoconstrio desigual, o que empurra maissangue pelos capilares que permanecem abertos, produzindo umaelevao da presso sangunea pulmonar que faz com que luido escapedeles e se acumule dentro dos alvolos ou entre eles. A situao semelhante que ocorre quando alguns furos de um chuveiro icamobstrudos por cal a presso da gua que sai pelos furos nobloqueados muito mais alta. Como nenhum luido vaza dos capilareshipersensveis (queobviamente esto fechados), o edema desigual como um especialista observou, memoravelmente: como se o pulmoestivessecheiodebalasdecanho.

  • Ospulmesconsistemdeumasriedetubosqueseramiicam,tornando-secadavezmaisinosacadadivisoeterminandoempequenossacosdearchamadosalvolos.Hcercade150milhesdealvolosemcadapulmo.Suasparedessomuitoinaseenvoltasporumarededosmaisinosvasossanguneos(chamadoscapilares),de talmodoqueo luxodo sanguenasparedesdosalvolos foi comparadocomum lenol de sangue em luxo. nessa interface que se d a permuta gasosa entre o ar contido nosalvolos e o sangue contido nos capilares. A rea de supercie dos alvolos imensa, quase 70m 2, otamanhoaproximadodeumaquadradetnis.

    A presena de luido nos alvolos interfere na troca de gs. Respirartorna-se trabalhoso e podem se ouvir estalos na base dos pulmes,possivelmente causados pelo esparramamento de luido nos pulmesdurante a respirao. A menos que prontamente tratada, a vtima naverdadeseafogano lquidoqueproduz.Pessoasquesobemrapidamentea3.000meemseguidadesempenhamumaatividadesicavigorosaestoespecialmente sujeitas ao edema pulmonar: ele raramente ocorre se asubidaforgradualeseoesforofsicoforinicialmenteevitado.De considervel importncia para os montanhistas, e para os que

    moram e trabalham permanentemente em altitudes elevadas, suacapacidade de trabalho. Claramente, quanto mais arduamente nosesforamos (quanto mais rapidamente escalamos), de mais oxignionecessitamos. Para os que vivem em baixas altitudes, a capacidade detrabalho cai rapidamente com a altitude: a 7.000m, no chega a 40% daquesepossuinonveldomar.Semoxignio,oritmodaescaladapodeserrealmente muito lento: em 1952 Raymond Lambert e Tenzing Norgay

  • precisaramdecincohorasemeiaparasubirapenas200mnocolosuldoEverest; e no cume da montanha Reinhold Messner constatou que ele ePeterHabelerdesabavamnanevecadavezquedavamunspoucospassos,demodoqueosltimos100mdemandarammaisdeumahora:

    Apsalgunspassos,invariavelmentedebruvamo-nossobrenossaspiquetasdegelo,abocaescancarada, lutando por alento suiciente para manter nossos msculos funcionando.numaaltitudede8.800m,noramosmaiscapazesdedescansardep.Caamosdejoelhos,agarrandonossaspiquetasAcadadezou15passosdesabvamosnaneveparadescansar,depoisnosarrastvamosdenovo.

    Pessoas no-aclimatadas experimentam diiculdades semelhantes emaltitudes menores. Moradores permanentes, porm, tm notvelcapacidade de trabalho. Quem chega a La Paz de avio sente-seinstantaneamente exausto por causa do ar rarefeito, e ica surpreso (emortificado)aoencontraroslocaisdisputandoumamaratona!

    NOARRAREFEITOA primeira coisa que percebemos ao chegar a uma altitude elevada

    que respiramosmais depressa. Essa intensiicao da respirao 5 umaresposta imediata e importante reduoda pressoparcial de oxigniono ar, e permite que mais oxignio seja liberado para os tecidos. Essaalterao causada por quimiorreceptores (os corpos cartidos)localizados nas artrias cartidas, que detectam o nvel reduzido deoxignionosangueeenviamsinaisaocentrorespiratrionocrebroparaaintensiicaodarespirao.Oscorposcartidossituam-senumaposioimportante,porquemonitoramaconcentraodeoxigniodosanguequeentranocrebro.6Omecanismopeloqualdetectamamudananonveldeoxignioaindaacaloradamentedebatido.A intensiicao inicial da respirao nunca muito grande no vai

    almde1,65vezesmaisquenonveldomar,mesmoparaaltitudesdeat6.000m.Issosedporqueahiperventilaodospulmesnosaumentaaabsorodeoxigniocomofazcomquemaisdixidodecarbonosepercadurante a expirao. O dixido de carbono produzido pelo corpo comoresduo do metabolismo, em quantidades muito considerveis. Ele sedissolveemsoluo,resultandoemcidocarbnico,eaquantidadedegsexpirado equivalente a 12,5l de cido forte industrial por dia (ou,mais

  • corretamente, 12,5mols de ons de hidrognio)! O dixido de carbono transportado pelo sangue de seu local de fabricao nos tecidos para ospulmes,deondeexpelidonoar.Porissosuaconcentraonosalvolosvaria com o ritmo da respirao:maiores taxas respiratrias vo expelirmais dixido de carbono e reduzir as concentraes do gs tanto nosalvolosquantonosangue.O dixido de carbono um poderoso regulador da respirao (atua

    sobre um conjunto diferente de quimiorreceptores, encontrados nocrebro)esesuaconcentraonosanguecai,arespiraoinibida.Vocpode demonstrar isso para si mesmo. Ver que consegue prender arespiraopormais tempo se, antes, respirarmuito rapidamenteporumbreveinstante.(Noofaapormaisdeumminuto,oupodeicartonto.)Arazo pela qual voc deixa de ser capaz de conter o flego no ademanda de oxignio, mas sim a crescente concentrao de dixido decarbononoseusangue.Quandoessaconcentraoatingeumnvelcrtico,ela estimula a inspirao. A hiperventilao antes de prender o ar faz ocorpoexpelirumaquantidademaiordedixidodecarbonoepermitequeumperodomaiortranscorraantesqueeleseacumuleemnvelsuicientepara estimular a respirao. Os impulsos antagnicos gerados pelooxignio e o dixidode carbono explicamporque a respiraono sofrenenhumamudanaemaltitudesmenoresque3.000m.A passagem da respirao controlada pelo oxignio para aquela

    controlada pelo dixido de carbononem sempre suave e pode resultaremvibraesouoscilaesanlogassqueacontecememsistemasdeaquecimento central mal ajustados. Isso se manifesta com perodosalternados de respirao e sustao da respirao que podem serperturbadores e alitivos para quem est perto. Ocorre maisfreqentementenoite.Aexplicaodessepadropeculiarqueondicemaiorderespiraoocasionadopelabaixaconcentraodeoxigniodoarproduzaperdadedixidodecarbonopelocorpo,eporissoarespiraosustada.Segue-seumperodovarivelde tempoduranteoqualodixidodecarbonovoltaaseacumularnosangue,aliviandoassimessainibio,aomesmotempoemqueademandadeoxigniosetornacadavezmaisforte.A parada na respirao encerrada por um arquejo sbito, s vezessuicientementeviolentoparaacordarapessoaadormecida,eemseguidao ciclo se repete.As constantes interrupesdo sono contribuempara asdiiculdades da vida em altitudes elevadas e explicam a mxima dosmontanhistas:Chegueemcima,durmaembaixo.

  • Areduodaconcentraodedixidodecarbononosangueresultanteda respirao intensiicada tem o efeito de reduzir a concentraosangunea de ons de hidrognio (tambm referida como reduo daacidez do sangue, elevao do pH do sangue ou aumento da suaalcalinidade). Isso ocorre porque o dixido de carbono se combina comgua para produzir ons de bicarbonato e de hidrognio, numa reaocatalisadaporumaenzimachamadaandrasecarbnica.Supe-sequesoos onsdehidrognioproduzidosporessareaoquerealmenteregulamo ritmo da respirao, e no o prprio dixido de carbono. Osquimiorreceptores que detectam amudana na concentrao de ons dehidrognio esto localizados na base do crebro, numa regio conhecidacomobulboraquiano.Porquearespiraonossereshumanosreguladaprincipalmentepelo

    dixidodecarbonoenopelooxignio?Arazopareceserqueevolumosnonvel domar e, de umponto de vista evolutivo, s nos aventuramos asubir as montanhas altas muito recentemente. Ao nvel do mar, aconcentrao de oxignio nos pulmes muito maior que o necessrio,mesmo que a respirao se reduza substancialmente. Por outro lado, oritmo da respirao tem um efeito pronunciado sobre a concentrao dedixido de carbono nos pulmes e nos tecidos, sendo por isso muitoimportanteharmonizar a taxa respiratria coma concentraodo gsnocorpo. Por essa razo o dixido de carbono atua como o principalcontroladordarespirao.

    VOANDOALTO

    UmapessoaspodesobreviversemoxignionocumedoEverestseestiveremboaformasicaetiverpassadoporumtempodeadaptao.Emesmoassimmovimenta-selentamenteecomdiiculdade.Emcontraposio,avescomoogansoAnser indicusmigramregularmentepelo Himalaia, voando em altitudes iguais oumaiores. Alm disso, podem alar seu vo nonveldomareatingiraltitudesde9.000memmenosdeumdia,notendoportantonenhumtempoparaseaclimatar.Mesmoumpardal comumpermanecealertaeativosobapressode6.000m,situaoemqueohomem,emcontrapartida,entrariaemcoma.Entooqueestportrsdaextraordinriacapacidadedasavesdetolerarbaixosnveisdeoxignio?

    Umarazopareceserqueopulmodasavesprojetadodemododiferentedopulmohumano e capaz de extrair mais oxignio do ar inspirado e de expirar mais dixido decarbono.Ospulmesdeumaavesopequenosecompactos,massecomunicamcomamplosespaos de ar que se estendem entre os rgos internos e pelos ossos do crnio e doesqueleto.Essesespaosdearatuamnocomosuperciesrespiratrias,mascomosacosdearmazenamento.Os inos tubosqueconectamosespaosdearposterioreseanterioresso

  • oslugaresondeapermutadegsocorre(isto,essessoospulmes).Sonecessriasduasinspiraesplenasparaqueoaratravesseporcompletoospulmes

    deumaave.Ainspiraoprimeiroencheossacosdearposteriores.Duranteaexpirao,enainspiraoseguinte,essearpassaentoparaossacosdearanterioreseooxignioextradoenquanto se move atravs dos pulmes. Finalmente, o ar expelido dos sacos de aranterioresnaexpiraoseguinte.Essaadaptaosigniicaqueoarluicontinuamentesobreas supercies respiratrias, permitindo ave extrair muito mais oxignio do que ummamfero.Nesseltimo,osalvolossemsadasigniicamqueoar,emvezdeserforadopelasuperfciedetrocadegs,deveserlentamentedifundidoparaela.

    Outro fator que ajuda as aves a voar at grandes altitudes que elas somuitomenossensveis queda na concentrao sangunea de dixido de carbono e concomitantereduo na acidez do sangue do que os mamferos. Assim, mantm uma taxa respiratriaelevadamesmoquandoosnveisdedixidodecarbononosanguecaem.Almdissoasavestm coraes maiores, que bombeiam mais sangue por batida que o de um mamfero detamanhocomparvel,eahemoglobinadasavesquevivememaltitudeselevadassecombinacomoxigniomaisavidamente,demodoquemaisoxignioextradodoar.

    ACLIMATAOEmbora a intensiicaoda respirao quando se chega a uma altitude

    elevada seja relativamente modesta, ao longo de aproximadamente umasemanaelaseintensiicaaindamais,chegandoinalmente,depoisdeduasa trs semanas, a ser cinco ou sete vezes maior que a normal. Esseaumento secundrio da respirao a mais importante adaptao altitude e determina at que altura um indivduo ser capaz de subir;quantomaisrpidaeprofundamenteelerespirar,maisoxignioinalare

  • maisaltopoderchegarnamontanha.A aclimatao impe a remoo do freio imposto inicialmente

    respirao pelo nvel reduzido de dixido de carbono no sangue e odecrscimoconcomitantedaacidezsangunea.Comcerteza,arestauraodaacidezsanguneabenicaparaaclimatao,erealizadapelosrins. 7Mas, emboraessa compensao renal seja semdvida importanteparaaaclimataoa longoprazo, elanopode ser anica responsvelpor isso,pois o ritmo emque ocorre lento demais, e seu efeito pequenodemais,para explicar o aumento na respirao observado durante os primeirosdiasemaltitudeelevada.Umprocessoadicional,atagoranoidentiicado,deve portanto estar envolvido (tanto uma sensibilidade aumentada doscorpos cartidos ao baixo nvel de oxignio quanto uma restauraogradualdaacidezdo luidoqueenvolveosquimiorreceptoresnocrebroforam propostos como explicao). 8 Dada a sua importncia, talvezsurpreendasaberqueomecanismoresponsvelpeloaumentosecundriodarespiraoaindanoestclaramenteelucidadomasproporcionaaosisiologistas um excelente pretexto para expedies aos cumes dasmontanhasparatentartirarissoalimpo.A hiperventilao a chave de por que um montanhista aclimatado

    conseguesobrevivernotopodomonteEverestsemoxigniosuplementar.Como Reinhold Messner expressou memoravelmente, quando chegou aocume ele nada mais era que um pulmo arfante. Quanto maisrapidamenteserespira,maisdixidodecarbonoseexpele,oquebaixaapressoparcialdedixidodecarbononospulmesefornecemaisespaopara o oxignio. O que se constata que, medida quemontanhistas deelite sobem cada vez mais, a presso parcial de dixido de carbono emseuspulmescaidrasticamente,atque,nocumedoEverest,deapenas10 torremvezdos40veriicadosaonveldomar.Nemtodasaspessoassocapazesdeseaclimatarsuicientementeparageraroenormeaumentoda respirao necessrio para reduzir tanto seu nvel de dixido decarbono, tampouco so capazes de tolerar a queda da acidez do sangueque a acompanha.Essas pessoas nunca chegaro ao topo, pois suaincapacidade de expelir suiciente dixido de carbono signiica que noteroespao suicienteparaooxignioemseuspulmes.Mesmoparaosquetmxito,umperodoconsiderveldeaclimataonecessrioantesque seus corpos sejam capazes de tolerar esses nveis baixssimos dedixidodecarbono.

  • HEMOGLOBINA

    A hemoglobina uma molcula globular composta de quatro subunidades. Cada umadessassubunidades,porsuavez,compostadeumaporoheme ligadaaumpolipeptdioglobina.Nocernedoaneldehemeresideumtomodeferro,aqueooxignioseliga.hemearesponsvelpelacordosangue.Quandoligadaaoxignio(oxiemoglobina),ahemoglobinadeumvermelhobrilhante, oqueexplicaa cordo sanguearterial e tambma cor rosadados seres humanos brancos, que tm uma pele translcida. A desoxiemoglobina aresponsvel pela cor escura azul-arroxeado caracterstica do sangue venoso. Essa cor tambmconhecidacomocianodaapalavracianose,otermotcnicoparaacorazuladadoslbiosedasextremidadesdepessoasquesofremdesanguedeicientementeirrigado.Acor castanha do sangue seco, ou da carne velha, deve-se metemoglobina, hemoglobinaoxidada(emoposiooxiemoglobina).Ocorrequandootomode ferroqueestnocernedamolculadehemoglobinaoxidado,passandodesua forma ferrosanormal (Fe 2+)aumonfrrico(Fe3+),quenosecombinacomooxignio.Ashemciaspossuemumaenzimaqueconverte uma pequena quantidade demetemoglobina, que se forma espontaneamente, notiponormaldehemoglobina.Umsanguecerejavivosigniicaenvenenamentopormonxidodecarbono,estadoemqueumamolculademonxidodecarbonousurpaolugarnocentroda hemoglobina normalmente reservado para o oxignio. Respiradores mal ajustados, quegerammonxidodecarbono,podemreduzirnotavelmente,oumesmoabolir,acapacidadedetransportedeoxigniodo sangue.Nessas circunstncias,onico remdiodaraopacienteoxignio puro para respirar. Melhor ainda p-lo numa cmara hiperbrica, pois a umapressode3atmosferas(atm)dissolve-senosangueoxigniosuicienteparamanteravidaatqueomonxidodecarbonosejadeslocadodesuaposionamolculadehemoglobina.Porcausadoriscodefogoenvolvidopelousodeoxignio,opacienteorecebeatravsdeumamscaranumacmaraquefoipreenchidadear.

    Ahemoglobina umamolcula famosa, que exibeuma srie de primeiros lugares. Foiuma das primeiras protenas a ser cristalizada, a ter seu pesomolecular determinado compreciso e a ter sua funo isiolgica especica demonstrada (transporte de oxignio). Foitambm, em 1959, a primeira protena a ter sua estrutura tridimensional determinada,medianteanlisederaioXdocristaldehemoglobina,porMaxPerutz.

  • A presso parcial de oxignio nos pulmes de um montanhista bemaclimatadonotopodoEverestcercade36torreestbemnolimiteparaavidahumana.umacoincidnciaextraordinriaqueomaisaltopicodaTerra esteja tambmprximodopontomais alto emque seres humanospodem sobreviver sem recursos externos. De fato, o Everest est toprximo da altitudemxima que podemos atingir que variaesmnimasna presso baromtrica, como as causadas pela estao do ano, podemsigniicar a diferena entre o sucesso ou o fracasso de uma subida semoxigniosuplementar.Outra maneira bvia de obter mais oxignio para os tecidos seria um

    aumento da capacidade de transporte de oxignio do sangue. Em algunsanimais,ooxigniotransportadonosanguesimplesmenteemsoluo.Aquantidade que pode ser transportada desse modo, no entanto, muitopequena, e a maioria dos animais, entre eles os seres humanos, usaprotenascomotransportadoresdeoxignio.Comoemgeralsocoloridas,essasprotenassochamadasdepigmentosrespiratrios.Namaioriadosmamferos,oresponsvelpelotransportedooxignioahemoglobina.Elacompostadequatrosubunidades idnticas,cadaumadasquais temumtomo de ferro em seu cerne. Uma molcula de oxignio se ligareversivelmente a cada tomo de ferro. A hemoglobina pequena osuiciente para ser iltrada na urina pelos rins e est contida dentro dosglbulos vermelhos do sangue, ou hemcias, o que lhes d sua coloraocaracterstica;urinavermelhaumsinal reveladordehemoglobinria (amenos,claro,quevoctenhacomidobeterrabarecentemente).Uma adaptao de longo prazo altitude, de fato a primeira que foi

    registrada,umaacentuadaelevaodonmerodehemcias(eportantotambm na concentrao de hemoglobina). Isso desencadeado pelohormnio eritropoetina, que secretado em resposta a baixos nveis deoxignio no sangue. Surpreendentemente talvez, esse hormnio produzido pelos rins. provvel que a manifestao do gene daeritropoetina, com a conseqente fabricao do hormnio, seja acionadapor uma queda no nvel de oxignio. O mecanismo ainda no foiplenamente compreendido, mas acredita-se que o prprio gene (o DNA)possui um elemento de controle que detecta diretamente a concentraode oxignio naclula. O aumento no nmero de hemcias circulantesdesencadeado pela eritropoetina comea dentro de trs a cinco dias apartirdachegadanaaltitudeelevadaeprossegueenquantooindivduoalipermanece. O volume do sangue ocupado pelas hemcias (chamado

  • hematcrito) ica em torno de 40% nummorador de terras baixas, maspode se elevar a at 60% aps a aclimatao. Os atletas com freqnciatreinamemaltitudeselevadasparaaumentaronmerodesuashemciase melhorar a capacidade de transporte de oxignio de seu sangue emborahoje emdia alguns preiram respirar ar combaixa concentraode oxignio enquanto dormem, ou tomar eritropoetina produzida porengenharia gentica (ver captulo 5). Pessoas com doenas crnicas depulmo, com diiculdade para respirar (sofrendo por isso de hipoxia),tambmtmcomfreqnciaumnmeroelevadodehemcias,mesmononveldomar.Emboraaumenteacapacidadedosanguedetransferiroxignioparaos

    tecidos, o maior nmero de hemcias produz tambm um aumentoconcomitante da viscosidade do sangue, o que torna mais dicil para ocorao bombe-lo pelo corpo. Considera-se hoje que a elevao dohematcrito de pouca valia (talvezalgum deva contar isso para osatletas), idia apoiada pelo fato de que as lhamas e outros animaisadaptados vida em altitudes elevadas tm um nmero de hemciassemelhanteaodosanimaisdasplancies.Defato,umagrandeelevaodadensidade de hemcias pode ter conseqncias deletrias. CarlosMongefoioprimeiroanotar,em1925,quealgunsindivduosquetinhampassadoavidainteiraemaltitudeselevadasdesenvolviamsintomassemelhantesaodomal-das-montanhasagudo.Queixavam-sededoresdecabea,tonteiras,sonolncia,fadigacrnicae,emalgunscasos,exibiamsinaisdedeicinciacardaca ou sofriam acidentes cerebrais. O ndice de hematcritos dessaspessoas chegava a 80%. At hoje possvel observar nativos de cidadescomoLaPaz (3.500m)que tmos lbios e asunhas azulados e osdedosunidos, caractersticas da doena deMonge. Esses sintomas decorremdodepsito de hemcias nos capilares, que reduz drasticamente a taxa doluxo sanguneo e com isso tambm o suprimento de oxignio. A descidapara nveis mais baixos alivia o problema, e pessoas com a doena deMonge esto fadadas a um exlio permanente ao nvel do mar. Por queseus corpos teriam perdido a capacidade de se adaptar altitude e porque isso mais comumemhomens do que emmulheres continua sendoummistrio.

  • Os glbulos vermelhos do sangue, ou hemcias, esto repletos de hemoglobina. So cerca de cincomilhespormililitrodesangueecontmcercade150miligramasdehemoglobina.Sodesprovidosdencleo, tm uma forma discide bicncava e tal capacidade de distenso que podem atravessarfacilmenteosmais inoscapilares.Ashemciastmumavidamdiade120diasnacirculaoenovasclulasestosendoconstantementefabricadaspelamedulassea.

    Oextraordinrio aumentodo ritmoedaprofundidadeda respirao, aregulaorenaldaacidezdosangueeasensibilidadereduzidaaosefeitosdodixidodecarbonoconstituemosmais importantesajustesdocorpoaltitude elevada. Eles explicam nossa capacidade no s de sobrevivercomo de empreender exerccio vigoroso no cume do Everest sem usaroxigniosuplementar.Nativos de terras baixas que se mudam para as montanhas elevadas

    quando adultos nunca alcanam o nvel de aclimatao encontrado empessoasquealipassaramsuasvidasinteiras,mesmoquemoremnelaspormuitos anos.Osnativosdas altitudes elevadas tm caixas torxicasmuitomaiores,emformadebarril,compulmesproporcionalmentemaiores;sotambmmais baixos, demodo que a razo entre o volumepulmonar e otamanho do corpo maior. Seus coraes so maiores que os doshabitantesdas terrasbaixas,permitindo-lhesbombearsanguepelocorpocommais eicincia, e seus pulmes e tecidos tmmais capilares, o quefacilitaaabsoroeotransportedooxignio.Essasadaptaesanatmicasexplicamporqueacapacidadedetrabalhodessaspessoastomaiorque

  • a dos oriundos das terras baixas, mesmo quando estes esto bemaclimatados. Jovenseuropeusemboa forma sicaqueescalamas alturasdo Himalaia icam muitas vezes espantados (e constrangidos) ante ascargas enormes que velhos carregadores ou jovenzinhas sherpas levamcomo se nada fossecargasqueeles teriamdiiculdadeemerguer,quedircarregarpormuitosquilmetros.Asadaptaesexibidaspelosnativosdasaltitudeselevadasparecemser

    empartegenticaseempartedesenvolvidas,porquecrianasderaasdeterras baixas nascidas e criadas nessas altitudes desenvolvem pulmesmaiores,masnuncaatingemopeitodebarrildecertopovosandinos.

    LIESDOSESTUDOSDASGRANDESALTITUDESAlarmes falsosalastram-sepor todaahistriada isiologiadasgrandes

    altitudes. Repetidas vezes, isiologistas airmaram que a subida acima dedeterminado nvel seria impossvel, s para se verem desconcertadosquandomontanhistastrataramdeprovarqueestavamerrados.Esseumquadroreveladordecomoacinciaefetivamentetrabalha.Os primeiros erros surgiram com relao estimativa da presso

    baromtricano cumedoEverest.Osprimeiros investigadoresmostraramque apressobaromtrica varia coma temperaturado ar e se eleva emtemperaturas crescentes (isso ocorre porque a presso de um gsdepende da velocidade comque suasmolculas bombardeiamos objetoscircundantes). Com o advento da aviao, tornou-se necessriodesenvolver ummtodopadropara calibrar altmetros e, por razes deconvenincia,essemtodopresumiuumatemperaturapadroaonveldomareumataxapadrodedecrscimocomaaltitude.Assim,noselevouemcontaoefeitodasvariaessazonaissobrea temperatura,nemo fatode que a densidade da atmosfera varia com a latitude, sendo maior noequador e menor nos plos.9 Conseqentemente, clculos que usavam omtododaatmosferapadropreviamparaocumedomonteEverestumapresso baromtricamenor (236 torr) do que a de fato ocorre e algunscientistas concluram que era improvvel que algum fosse capaz desobreviverali semoxignio suplementar.Osmaisastutos sedavamcontadequeapressobaromtricaestimadaerabaixademais,masaindaassimno sabiam qual era ela na realidade. Foi apenas com a Expedio dePesquisa Mdica americana ao Everest, em 1981, que a pressobaromtrica de seu cume foi realmente medida, pelo dr. Chris Pizzo,

  • revelando-se ser de 253 torr. Essa histria ilustra a importncia dadeinio to precisa quanto possvel de cada varivel quando se faz umclculo,eoserrosquepodemsurgirquandoessasvariveissoestimadasem vez de medidas. interessante observar tambm que, se o Everestestivessesituadonumdosplos,apressobaromtricanoseucumeseriadefatobaixademaisparapermitirasobrevivnciasemoxignioadicional.Outra fonte de erro surgiu quando se estimou a concentrao de

    oxignio nos pulmes no topo do Everest. Um dos primeiros estudosabrangentes dos efeitos da adaptao de longo prazo altitude foirealizado por Mabel Purefoy FitzGerald durante uma expedio daUniversidadedeOxfordaopicoPikes,noColorado,em1911,lideradapeloilustre isiologista JohnScottHaldane.FitzGeraldestudou isiologianasuagraduaoemOxford.Naquelapocaasmulherestinhampermissoparafazerasprovas(oqueeraumaconcessorecente),masno tinhamseusnomes nas listas de classe nem colavam grau. Mabel se distinguiu porobter notas excelentes. Permaneceu em Oxford trabalhando noDepartamento de Fisiologia, quando realizou alguns estudos sobrerespirao.Em1911,comHaldane,GordonDouglas(tambmumeminenteisiologista)eoutros,MabelparticipoudaexpedioaopicoPikes,umdosmaisaltosdosEstadosUnidos,a4.302m.Oobjetivoeraestudarosefeitosdaaltitudesobreocorpohumano(seusprprioscorpos,naverdade).Nofoi uma expedio excessivamente rdua: um funicular movido a vaportransportou-os diretamente para o topo da montanha, que era coroadocomumacabaninhachamadaSummitHouse.Alioshomensse instalaramcomrelativoconforto.Mabel,noentanto,foiexcludatalvezporcausadadiiculdadedaorganizaodoesquemaparaanoite.Foidespachadanumamula para altitudes menores, para examinar o teor de hemoglobina nosangue da populao local e a concentrao de dixido de carbonono arporelaexpirado.

  • Presso baromtrica mensal mdia a 8.848m, medida por bales de gua soltados em Nova Delhi. OasteriscoassinalaumamensuraoobtidaapartirdocumedomonteEverest(8.848m)nomesmoano.A presso baromtrica varia consideravelmente com a estao, sendo mais alta no vero, quando atemperatura se eleva. mais fcil, portanto, atingir o cume do Everest no vero, quando a pressobaromtricamaisaltasigniicaqueaconcentraodeoxignionoarsermaior.Noinverno,apressobaromtrica mais baixa e o nvel conseqentemente mais baixo de oxignio so exacerbados pelascondiesclimticasmaisseveras.Foiapenasem1987queSherpaAngRigafezaprimeirasubidasemoxignio suplementar no inverno. Ele continua sendo o nico a t-lo feito e possvel que seu sucessotenhasidoauxiliadopeloclimaexcepcionalmenteamenoquemarcouomsdedezembronaqueleano.

    Mabel FitzGerald com outros membros da expedio anglo-americana de 1911 ao pico Pikes (daesquerdaparaadireita:J.S.Haldane,M.P.FitzGerald,E.C.Schneider,Y.HendersoneC.G.Douglas)

  • Seusesforosforamrecompensados.Conirmouobservaesanterioresdequeo teordehemoglobinanosanguehumanoe,conseqentemente,onmero de hemcias, maior em indivduos aclimatados. Seus dadosmostraram tambmuma relaonotavelmente linear entre a altitude e apressoparcialdedixidodecarbononoarexpiradodosalvolos.Quandoessa relao foi extrapolada para 8.848m, a altura do cume do monteEverest,apressoparcialdedixidodecarbonoalveolar foiestimadaemcercade15torr. 10Nessenveldedixidodecarbono,apressoparcialdeoxignionospulmesseriadeaproximadamente20torr,muitoabaixodolimiteparaasobrevivnciahumana.Durantemuitosanos,issodeulugaridia errnea de que no seria possvel atingir o cume do Everest semoxignio suplementar. Em retrospecto, fcil ver por que esse erroocorreu.Acimade5.500m,arelaoentreaaltitudeeapressoparcialdedioxide de carbono nos alvolos deixa de ser linear, em decorrncia doenorme aumento da respirao; conseqentemente, a presso parcial deoxignio nos alvolos no topo do Everest muito mais alta do que oprevisto (35 em vez de 20 torr) e realmente possvel sobreviver, comomuitos montanhistas demonstraram. Devemos aprender que semprearriscadoextrapolarapartirdosdadosdequesedispe(Mabelparouem4.270m),porquenadagarantequearelaopermaneceramesma.

  • Arelaoentreapressoatmosfricaeaconcentraodedixidodecarbono(CO2),oudeoxignio(O2), nos pulmes de uma pessoa aclimatada linear at cerca de 5.500m, altitude em que a pressoatmosfricade400torr.Depoisdisso,arelaosedesviada linearidade,porqueoaumentonataxaena profundidade da respirao faz comquemais dixido de carbono seja expelido dos pulmes e comisso abre mais espao para o oxignio. A linha pontilhada indica os nveis de dixido de carbono eoxignioprevistosquandosesupequearelaopermanecelinear;oscrculosindicamosdadosobtidosporMabel FitzGerald na expedio ao pico Pikes e emoutros lugares; os asteriscos so dados obtidospelodr.ChrisPizzonocumedoEverest(verilustraonapginaseguinte).

    Mabel desapareceu da vida cientica por volta de 1920. Muitos anosdepois, descobriu-se quemorava em Oxford, separada do Departamentode Fisiologia apenas pelo Parque da Universidade, e, em 1972, quandoestavacom100anos,aUniversidadedeOxfordinalmentelheconcedeuograuaquefizerajustantosanosantes.

    Dr. Chris Pizzo colhendo uma amostra de gs alveolar no cume do Everest durante a Expedio dePesquisaMdica americana em 1981. Aps a luta para chegar ao topo, e uma pausa para admirar avista,elepsmosobracolhendoamostrasdoardosseusprpriosalvolos.Aisiologiapodesersvezesumdesafiotantointelectualquantofsico!

    AVIDANOALTOEmbora a baixa concentrao de oxignio seja a diiculdade essencial

    enfrentadaporumapessoaqueestejanotopodeumamontanhaelevada,

  • outros fatores, como o frio, a desidratao e as queimaduras de sol,tambm representamproblemas. A radiao solar extraordinariamenteintensa porque o ar mais rarefeito prov menor proteo e, sendoexacerbadapelosrelexosemitidospelaneveeogelo,podelevaragravesqueimaduras. A umidade tambm decresce em grandes altitudes, namedida em que a reduo da temperatura e da presso atmosfricasigniicaqueaquantidadedevapordguanoarmenor.Adesidratao,que agravadapela respiraoaumentada, portantoumproblema, e essencial tomar muito lquido para substituir a gua que evapora dospulmesnarespiraooquenemsempremuito fcilquandose temde carregar gua ou combustvel suiciente para derreter a neve.Omaisgrave de tudo o frio. A temperatura cai aproximadamente 1C a cada100mdeaumentodaaltitudeporque, coma crescente rarefaodoar,oefeito isolador da atmosfera menor e, conseqentemente, mais calorescapaparaoespaopelaradiao.Areduodatemperaturasecombinacomventos fortesqueproduzemum fator adicional de esfriamentopelovento. Vriosmontanhistas perderam as pontas dos dedos dasmos oudospsemconseqnciadaulceraopelofrio;naexpediode1988aofamosolancoKangshungdoEverest,porexemplo,SteveVenablesperdeutrsdedosemeiodop,enquantoEdWebstertevedetertrsdedosdosps e a falange distal de oito dedos das mos amputados. Outrosmorreram.Porqueissoocorreuecomoocorpoenfrentaextremosdefriootemadocaptulo4.

  • ArriscandoumMergulho

  • QuandochegueiaPortoRico,nuncatinhaabertoosolhosdebaixodgua,muitomenosmergulhado sozinha no fundo domar. Tudo isso ia mudar.Quando parti, tinha feito meu primeiro mergulho comscuba sobre umrecifedecoralemeviciadoparaorestodavida.MeudestinoerauminstitutodepesquisaemSanJuan,acapitaldePorto

    Rico, instaladonumantigo forte depedra, numpenhascomuito acimadomar. Seus cientistas estavam envolvidos em estudos sobre ofuncionamento das clulas nervosas, pesquisando se h ou no conexoentreosnervoseossistemasimunolgicosdasrarasebelascriaturasquevivemnailhaenasreascircundantes.Almdelaboratrios,haviavriosdormitrios para cientistas visitantes como eu. Passei a maior parte demeu tempo no instituto, mas em duas ocasies fui levada aos recifes decoralquemargeiamailha.Na minha primeira excurso, meus amigos me equiparam com um

    tanquedegseumreguladorecaminharamameuladonaguarasaquecircundava um atol de coral, enquanto eu me acostumava com oequipamento. Absorta na contemplao dos peixinhos, que passavamrpidosobreaareia,descobri-mederepentesem flego (diiculdadenoaliviada por meu companheiro, que insistia em empurrar minha cabeapara dentro dgua). Fiquei indignada o gs tinha acabado! No fazmal,foiarespostadele.Vamosusarossnorkels.EassimfuiintroduzidaaoParaso.Meu cabelo lutuava horizontalmente em torno da minha cabea,

    balanandoparacepara lquandoeumemovia,numbalsubaquticoem cmara lenta. Milhares de peixes ornados com cores brilhantes depedras preciosas enxameavam minha volta. Uns pequenos, com vvidaslistras amarelas e azuis, e com corpos chatos que os ajudavam adesaparecer quando vistos de frente. Bandos de outros, torcendo-se evirando-se em sincronia em seu caminho sinuoso pelas fendas do recife.Peixescommanchaspretaseroxas;comolhosarregaladosnacauda;combarbatanas dorsais que se arrastavam atrs deles como bandeirolas;peixes adornados de prata e azul ou usando casacos empatchworkespalhafatosamente coloridos. Um cardume de garoupas gradas comfaceslgubres,emtonssbriosdecinzaemarrom,passounavegandopormim.Umpeixecoralpintadodecor-de-rosaeverde-olivamergulhouparase esconder. Eu segurava namo um saquinho de plstico commigalhasdequeijo;quandoabriaumabeiradinhadele,umanuvemdepeixesvidos

  • mecercavade repente, atradospelocheiro.Comoestranhoquepeixestenhamtalpaixoporqueijo!Algumacoisabeijoumeupeolhandoparabaixo vi um peixinho, os lbios lexveis esticados, mordiscando meutornozelo. Estava to absorta naquele mundo subaquticoexuberantemente belo quemalme dava conta de que tinha de ir tonapararespirardetempoemtempo.Trsdiasmaistarde,oalvorecerfoicinzaenublado,umprenncionada

    auspicioso para meu primeiro mergulho com scuba. Enquanto seguamosno carro meus companheiros no cessavam de repetir instrues.Mantenha-sepertodensaqualquerproblema,subaparaasupercie lembre-se, expire quando estiver subindo no se deixe icar gelada.Eu ouvia diligentemente. Quando chegamos doca, chuviscava. Saltamospor sobre as ondas em direo ao recife, ancorando no abrigo de umailhotacobertadervores.Obarcosubiaedesciacomasondas,enquantolemcimanuvensdetempestadeseacumulavam.Olheibemparao lado,tentandoverorecife,masavisibilidadeestavaruimporqueatempestadedavspera levantaramuitaareia.Entrei cuidadosamentenaguaescura,ajeitei as pesadas garrafas de gs nas costas e aivelei o cinto de lastro.Esperavamergulhar,mas,surpreendentemente,boiava.No tenha medo, disseram-me. Trate s de agarrar a corrente da

    ncora e v descendo sempre ao longo dela. Estaremos com voc numinstante.Tenteiseguiressasinstrues,mas,pormaisquequisesseafundar,uma

    mo aps a outra, usando a corrente da ncora, continuava subindomisteriosamentesuperfcie.Eparecianoestarrecebendoarnenhumdemeutanque.Umdemeuscompanheirosnotouminhasdificuldades.Qualoproblema?Estcommedo?Estou, disse suavemente, pois, de repente, percebi que estava

    aterrorizada. Aquelas advertncias todas sobre a necessidade de expirardurante uma subida de emergncia para evitar estourar os pulmestinhamtidoumefeitoprofundo.Tudo bem, ele respondeu, entre no barco. No pode mergulhar se

    estapavorada.MasNo,sintomuito.Volteparaobarco.Arrastei-memiseravelmentesobreabordadobarco,escorregandopara

    frente de bruos, como uma foca encalhada na praia. Meus amigos sereuniram, izeram sinais de assentimento uns para os outros, e se

  • inclinaram de costas sobre a borda do barco. A primeira onda, e tinhamdesaparecido.Sentei-menacabineaosprantos,achuvaassobiandonomar minha volta. Senti-me excluda sentimento no aliviado pelaconscincia de que tudo fora culpa minha, pois me fora dada aoportunidadeeeusimplesmentetiveramedodeagarr-la.Fui despertada do meu devaneio por um grito. Uma forma negra

    emergiupingandodomar,tirouobocalefalou:Estprontaagora?Aindamerestaumahoradear.Noquervireverorecife?Dessa vez foi fcil. No tive nenhum problema para mergulhar, nem

    experimentei a mesma diiculdade para respirar. Agora sei queanteriormente, nomeumedo, tinha enchido os pulmes de ar,mas tinhaesquecidodeexpirar.Assim,atendnciaalutuareramuitogrande;enoconseguia respirar, no porque no houvesse ar no meu tanque, massimplesmenteporquemeuspulmesjestavamcheios.Mergulheiabaixodasupercie,eorecifeseabriuantemeusolhos.Para

    uma pessoa com formao em zoologia, como o meu caso, foi umaexperinciaempolgante.Eupodiapassarhorassimplesmenteobservandoum pedacinho do recife e com meu prprio suprimento de ar erapossvel faz-lo. Poliquetas, estendendo e retraindo indeinidamente seuscorpos, abrindo e fechando os frgeis leques em forma de lor em suasextremidades para peneirar a gua em busca dasminsculas formas devida de que se alimentam. Entre elas havia um caranguejinho quaseimperceptvel, s o lampejodos seus olhos o denunciando.Anmonas-do-mar, seus tentculos movendo-se lenta e gravemente na corrente atseremestimuladospor algumencontro casual a se enroscar em tornodadesventurada vtima. Um resplandecente bodio laranja e brancoprotegido pelos braos delas. E o prprio coral, milhares de pliposparecendoloresapesardeseremnaverdadeanimais,amarradosentresiporrodoviasprotoplsmicasqueatravessamacarapaaprotetoraqueacolniasecreta.Dentrodassuasclulas,ospliposdecoralabrigamalgasunicelularesfotossintticasazuiseverdesqueixamodixidodecarbonoatmosfrico, fornecendo assim nutrientes para seuhospedeiro, masimpondo aos dois uma vida nas camadas superiores do mar iluminadaspelosol.Umcasamentodeplantaeanimal,parceirosparaavidatoda,que importante para o ciclo de carbono da Terra, pois o plipo de coralaprisiona o dixido de carbono, convertendo-o em carbonato de clcio edepositando-o para formar o recife. Colnias de tunicados em roupagemamarela e malva escuro; vigorosos e com um sistema nervoso bem

  • desenvolvido quando jovens, na meia-idade desistem de uma existnciaativa,ancoram-senumarochaenuncamaissemovem.Nesseestadosssil,perdemseusistemanervosoporqueele jnonecessrio.Umaterrveladvertnciaparaaquelesquenofazemexerccioobastante!

  • 2AVidasobPresso

    AlegendriadescidadeAlexandreMagnonosestreitosdoBsforonumbarrildevidro

    Osqueseaventuramnomaremnavios,quefazemnegciosemmeiosgrandesguas;

    EssesvemasobrasdoSenhorEsuasmaravilhasnasprofundezas.

    Salmo107

  • Vista do espao, a Terra uma linda bola azul iridescente, suspensa naescurido.Aovernossoplanetadessamaneira,percebemosquevivemosnummundodegua.Amassadeterraqueohomemocupacobreapenaspequenaparte, cercade1/4da superciedoglobo, e amaiorpartedelaest concentrada de um lado do planeta. Mesmo que nunca tenhamospostoospsno litoral, osoceanosafetamnossasvidas,pois aquiqueoclimaurdidoeosfuracesnascem.MudanasnascorrentesocenicasamaisfamosadelasoElNioestendemsuainlunciaportodoglobo,criando seca e fomeemalgumas reas e chuvas torrenciais emoutras.AInglaterra,ondemoro,umaterraverdeeagradvelcomclimamoderadoeestaes longasporcausadacorrentedoGolfoqueaquecesuascostas.Noentanto,apesardavastidodosoceanos260milhesdequilmetrosquadrados da supercie do planeta e de sua importncia, aindasabemos pouco sobre eles. A maior parte de nosso conhecimento estrestrita a plataformas rasas na beira dos continentes, e at hoje, quandohomens j caminharam na supercie da Lua, as regies mais profundasdosoceanospermanecememgrandeparteinexploradas.A 10.914m, a fossa das Marianas no oceano Pacico a parte mais

    profundado solo ocenico, to profunda que poderamos pr l dentro omonteEveresteaindaterumafolgade2.000mdeguaacimadens.Elafoiraramentevisitadapelohomem.Mesmoaprofundidademdiadomar,cerca de 4.000m, est distante demais para ser atingida por ns excetonum submarino. Ainda assim, talvez precisamente por causa dessainacessibilidade, sempre houve entre as pessoas uma fascinao peloabismo.Histrias de criaturasmticas que vivemmuito abaixo das ondasabundam em mui