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Turma e Ano: Flex A (2014)
Matéria / Aula: Direito Tributário / Aula 15
Professor: Mauro Luís Rocha Lopes
Monitora: Mariana Simas de Oliveira
AULA 15 CONTEÚDO DA AULA: Imunidades Específicas (cont.). – ITBI. – ITD. – Taxas. – Contribuições. Lei
Complementar Tributária.
LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR
Imunidades tributárias
Imunidades específicas (cont.)
As imunidades específicas são aquelas que atuam no campo de incidência de
tributos especificamente considerados:
ITBI – art.156, §2º, I, CF
§Art.156. 2º - O imposto previsto no inciso II:
I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa
jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente
de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a
atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação
de bens imóveis ou arrendamento mercantil; (...)
Assim, não incide o ITBI (regra):
(i) Sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de
pessoa jurídica em realização de capital.
Exemplo: na criação de uma sociedade alguns sócios integram o capital com
dinheiro, mas outros com imóveis. Há a transmissão onerosa de bem imóvel
do patrimônio da pessoa física para a jurídica, mas não cabe incidência de
ITBI.
(ii) Sobre transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação ou
cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Cuidado, pois na extinção da pessoa jurídica deve-se atentar para um
detalhe: a desincorporação do imóvel do patrimônio da pessoa jurídica para
o patrimônio do sócio só será imune se esse imóvel estiver voltando para o
patrimônio do sócio que o utilizou para integrar o capital da sociedade.
Note-se que no caso da extinção parcial da sociedade também é possível a
imunidade.
Veja-se o art.36, parágrafo único, do CTN:
Art.36. Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos
alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em
decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram
conferidos.
Exceção: não importa qual seja a situação inicialmente consagrada pela imunidade,
ela não estará presente quando a atividade preponderante da pessoa física ou jurídica seja
a compra e venda de bens e direitos, locação de imóveis ou arrendamento mercantil (parte
final do inciso I do §2º do art.156 da CF).
Considera-se atividade preponderante, a teor do art.37 do CTN:
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha
como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de
direitos relativos à sua aquisição.
§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando
mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos
2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de
transações mencionadas neste artigo.
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2
(dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando
em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§ 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos
termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando
realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.
Ainda sobre o ITBI, importante observar o art.184, §5º, da CF:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização
em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo
de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em
lei.
5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de
transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.
Essa imunidade alcança propriamente que tipo de atividade?
R.: Logicamente, a disposição do art.184, §5º, da CF, não afasta a incidência de
impostos sobre a desapropriação, pois é um modo originário de aquisição da propriedade e
não há hipótese de incidência tributária admitida na Constituição envolvendo a
desapropriação. Então, não seria propriamente a desapropriação em si que o constituinte
estaria livrando da tributação, mas sim da operação seguinte, a transmissão do imóvel para o
“sem terra”. Ademais, pretende a Constituição proibir que a União crie imposto residual que
recaia sobre essa situação; que o Estado tribute ainda que se trate de transmissão a título
gratuito; que o Município tribute ainda que se trate de transmissão a título oneroso. A
imunidade do art.184, §5º, da CF, diz respeito tanto ao ITBI quanto ao ITD.
Quanto às taxas
O art.5º da Constituição contém diversas imunidades relativas a taxas, todas
cláusulas pétreas que não podem ser abolidas por emendas constitucionais (art.60, §4º, IV,
CF):
Art.5º. XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou
abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal;
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
Custas judiciais têm natureza de taxa, não podendo o Poder Público cobrar taxa nas
ações populares, salvo se comprovada a má-fé do postulante.
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos;
É uma imunidade subjetiva, sendo necessário o preenchimento de requisitos para que
o cidadão goze dessa imunidade.
No caso da ação popular a imunidade é sempre condicionada à boa-fé do
postulante?
R.: Não, pois comprovada a condição de miserável do autor da ação não pode
haver cobrança de taxa referente ao processo, ainda que a ação popular tenha sido ajuizada
de má-fé, uma vez que a imunidade do miserável decorre do inciso LXXIV do art.5º. Nada
impede, no entanto, a aplicação de multa por litigância de má-fé.
Art.5º. (...)
LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:
a) o registro civil de nascimento;
b) a certidão de óbito;
LXXVII - são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da lei, os
atos necessários ao exercício da cidadania.
Exemplo de ato necessário ao exercício da cidadania é a emissão de titulo de eleitor.
Não há condicionamento acerca de má-fé ou boa-fé.
Cuidado, pois o mandado de segurança não está no rol das imunidades do inciso LXXVII.
Quanto às contribuições para a seguridade social
As contribuições sociais que financiam a seguridade social encontram-se no art.195
da Constituição e a imunidade, com relação a elas, está no §7º do mesmo artigo:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta,
nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
§ 7º - São isentas (leia-se: são imunes) de contribuição para a seguridade social as
entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em
lei (Lei 12.101\09).
O objetivo da imunidade é não onerar a entidade que atua no seguimento da
assistência social de forma beneficente, sem espírito lucrativo, já que está auxiliando o
Estado através do exercício de atividade no campo social.
Embora a imunidade diga respeito à entidade de assistência social, o Supremo
interpretou a previsão do §7º para estender a imunidade para toda a entidade beneficente
que atue no campo social, ainda que não se trate de assistência propriamente dita (lar de
idosos, centro de tratamento de drogados, creches, amparo aos portadores de deficiência),
valendo também para o campo da saúde e da educação, desde que forem beneficentes (ADI
2028, Relator Ministro Moreira Alves).
A Lei 12101\09 elenca os requisitos necessários para que a entidade seja
considerada beneficente de assistência social. Dentre os requisitos ali apontados, encontram-
se os seguintes:
(i) A necessidade de previsão em seus atos constitutivos de que na dissolução
ou extinção da sociedade o seu patrimônio remanescente irá reverter para
outra entidade congênere ou uma entidade de Direito Público (art.3º);
(ii) Universalidade de atendimento, ou seja, é vedado que a entidade dirija suas
atividades exclusivamente a seus associados ou categoria profissional
(art.2º).
(iii) No caso de entidade atuante na área de saúde, 60% dos serviços devem ser
prestados ao SUS (art.4º, III);
(iv) No campo de educação, a entidade deve oferecer, no mínimo, uma bolsa
integral para cada nove alunos pagantes (ou duas de 50%) – art.13, §1º, III,
“a”.
(v) No plano da assistência social propriamente dita, cabe a entidade prestar
serviços ou realizar ações assistenciais de forma gratuita, sem qualquer
distinção entre usuários ou necessitados de suas atividades (art.18).
Preenchidos os requisitos da lei, a entidade recebe um certificado, denominado
CEBAS (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social) e, de acordo com o STJ,
“a obtenção ou renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social
(Cebas) não exime a entidade do cumprimento dos requisitos legais supervenientes” –
súmula 352. O Supremo tem jurisprudência na mesma linha. Assim, em última análise, a
posse do CEBAS, ainda que válido, não gera direito adquirido à imunidade, pois os
requisitos são de preenchimento continuado e a fiscalização tem que ser constante ao
longo do tempo.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE DE ENTIDADE BENEFICENTE.
CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE - CEBAS EMITIDO E PRETENSAMENTE
RECEPCIONADO PELO DECRETO-LEI 1.752/1977. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 195, § 7º
DA CONSTITUIÇÃO. DISCUSSÃO SOBRE O QUADRO FÁTICO. ATENDIMENTO OU NÃO
DOS REQUISITOS LEGAIS. 1. Nenhuma imunidade tributária é absoluta, e o reconhecimento
da observância aos requisitos legais que ensejam a proteção constitucional dependem da
incidência da norma aplicável no momento em que o controle da regularidade é executado,
na periodicidade indicada pelo regime de regência. 2. Não há direito adquirido a regime
jurídico relativo à imunidade tributária. A concessão de Certificado de Entidade Beneficente -
Cebas não imuniza a instituição contra novas verificações ou exigências, nos termos do
regime jurídico aplicável no momento em que o controle é efetuado. Relação jurídica de trato
sucessivo. 3. O art. 1º, § 1º do Decreto-lei 1.752/1977 não afasta a obrigação de a entidade
se adequar a novos regimes jurídicos pertinentes ao reconhecimento dos requisitos que
levam à proteção pela imunidade tributária. 4. Não cabe mandado de segurança para discutir
a regularidade da entidade beneficente se for necessária dilação probatória. Recurso
ordinário conhecido, mas ao qual se nega provimento. (RMS 26932, Relator(a): Min.
JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 01/12/2009, DJe-022 DIVULG 04-02-
2010 PUBLIC 05-02-2010 EMENT VOL-02388-01 PP-00015 LEXSTF v. 32, n. 374, 2010, p.
178-183)
Quanto às contribuições previdenciárias
Dispõe o art.195, II, da CF:
Art.195. II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo
contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de
previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20,
de 1998)
Trata-se de imunidade que favorece o aposentado e o pensionista do regime geral
de previdência social (RGPS).
No âmbito da previdência estatutária do servidor público é possível recair a
tributação?
R.: Por isonomia ao art.40, §18, da CF, a imunidade é parcial, pois a imunidade
alcança os proventos de aposentadoria e pensão apenas até o limite máximo (teto)
estabelecido em lei para os beneficiários do RGPS. Acima desse limite, a tributação é válida.
Quanto às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico
Prevê o art.149, §2º, I, da Constituição:
Art.149. § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que
trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 33, de 2001)
A pretensão do constituinte é a seguinte: além das contribuições que incidem sobre
faturamento e receita (PIS e CONFINS, basicamente), não pode o Poder Público criar outras
que recaiam sobre receita de exportação.
Sobre o tema, foi levada ao Judiciário a seguinte questão: contribuintes entenderam
que a imunidade deveria recair sobre o lucro decorrente da exportação, pois se a
Constituição imuniza a receita proveniente da exportação, ela também está imunizando o
lucro que, nada mais, é do que a receita depurada (receita menos despesa). Também se
discutiu sobre a CPMF, afirmando os contribuintes que a movimentação financeira da receita
decorrente da exportação não poderia ser tributada. Todavia, o Supremo negou ambos os
pleitos, interpretando restritivamente o art.149, §2º, I, da CF. Afirmou o Tribunal que para o
constituinte a receita e o lucro são distintos, tanto que existem duas contribuições: uma para
cada. Por isso, se a Constituição imunizou apenas a receita vinda da exportação, não queria
imunizar o lucro. Pela mesma razão afastou a imunidade no tocante a CPMF, que deve incidir
sobre a movimentação financeira independentemente da origem da receita correspondente.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 149, § 2º, I, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTENSÃO DA IMUNIDADE À CPMF INCIDENTE SOBRE
MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS RELATIVAS A RECEITAS DECORRENTES DE
EXPORTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO ESTRITA DA NORMA. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. I - O art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal é claro
ao limitar a imunidade apenas às contribuições sociais e de intervenção no domínio
econômico incidentes sobre as receitas decorrentes de exportação. II - Em se tratando
de imunidade tributária a interpretação há de ser restritiva, atentando sempre para o
escopo pretendido pelo legislador. III - A CPMF não foi contemplada pela referida
imunidade, porquanto a sua hipótese de incidência - movimentações financeiras - não
se confunde com as receitas. IV - Recurso extraordinário desprovido. (RE 566259,
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2010,
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-179 DIVULG 23-09-2010 PUBLIC 24-09-2010
EMENT VOL-02416-05 PP-01071)
***
Recurso extraordinário. 2. Contribuições sociais. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL) e Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de
Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF). 3. Imunidade. Receitas decorrentes de
exportação. Abrangência. 4. A imunidade prevista no art. 149, § 2º, I, da Constituição,
introduzida pela Emenda Constitucional nº 33/2001, não alcança a Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL), haja vista a distinção ontológica entre os conceitos de
lucro e receita. 6. Vencida a tese segundo a qual a interpretação teleológica da
mencionada regra de imunidade conduziria à exclusão do lucro decorrente das receitas
de exportação da hipótese de incidência da CSLL, pois o conceito de lucro pressuporia
o de receita, e a finalidade do referido dispositivo constitucional seria a desoneração
ampla das exportações, com o escopo de conferir efetividade ao princípio da garantia
do desenvolvimento nacional (art. 3º , I, da Constituição). 7. A norma de exoneração
tributária prevista no art. 149, § 2º, I, da Constituição também não alcança a Contribuição
Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de
Natureza Financeira (CPMF), pois o referido tributo não se vincula diretamente à operação de
exportação. A exação não incide sobre o resultado imediato da operação, mas sobre
operações financeiras posteriormente realizadas. 8. Recurso extraordinário a que se nega
provimento. (RE 474132, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
12/08/2010, DJe-231 DIVULG 30-11-2010 PUBLIC 01-12-2010 EMENT VOL-02442-01 PP-
00026)
Outra questão importante chegou ao STF, mas ainda não foi decidida, referente às
receitas com exportações realizadas por empresas intermediárias (trading company). Em
setembro de 2013, o Supremo reconheceu a repercussão geral da matéria discutida no RE
759244.
LEI COMPLEMENTAR TRIBUTÁRIA
A lei complementar é um veículo normativo dependente de um processo legislativo
mais árduo do que o da lei ordinária, de quórum qualificado (maioria absoluta), e de âmbito
material pré-determinado na Constituição.
No tocante à hierarquia, a lei ordinária e a complementar estão no mesmo
patamar?
R.: Evidentemente, ambas estão acima de um Decreto e abaixo da Constituição,
mas é possível afirmar que uma lei ordinária que pretenda alterar um dispositivo de lei
complementar que trate de matéria reservada a ela, seria ilegal? Alguns afirmam que sim,
mas essa é a posição da minoria. Para quem defende essa tese, a hierarquia se daria em
razão do quórum (o da lei ordinária é de maioria simples). O STJ chegou a defender essa
tese durante um período.
No entanto, no Brasil, adota-se a linha de Kelsen, segundo a qual a hierarquia é
estabelecida a partir do fundamento de validade de uma norma, isto é, uma norma é
hierarquicamente superior a outra quando ela é seu fundamento de validade: o Decreto é
inferior à lei porque a validade de um Decreto é aferida sob a luz da lei. A lei é inferior à CF
porque a sua validade é analisada sob o prisma da Constituição.
Tanto a lei complementar como a lei ordinárias têm a sua validade apreciada sob a
ótica da Constituição. Logo, elas estão no mesmo plano hierárquico. Não há, desse modo,
hierarquia entre elas. O que há é o âmbito material pré-determinado na CF reservado à lei
complementar. Significa dizer que se uma lei ordinária atenta contra norma contida na lei
complementar que tratou efetivamente de matéria reservada a ela, a lei ordinária não é ilegal,
mas inconstitucional por vício de forma. Às vezes há vício até de competência, como um
Município tratando de ISS de maneira contrária ao que lhe é reservado pela Lei
Complementar\2003, invadindo competência que não lhe pertence.
Note-se que a lei complementar que trata de matéria não reservada não é
inconstitucional, pois nenhum prejuízo será causado à sociedade, uma vez que o quórum
exigido para a lei ordinária foi obedecido (e até superado). O que se debateu por algum tempo
no Brasil foi se uma lei ordinária posterior poderia alterar a lei complementar que tratou de
matéria não reservada a ela. O STF entendeu que com base no princípio da hierarquia, a
questão se resolve à luz da norma constitucional. Se uma lei complementar tratou de matéria
não reservada a ela, ela é complementar apenas na forma, mas na essência é como se fosse
lei ordinária e outra lei ordinária poderá alterá-la.
Sobre o tema:
EMENTA: I. Recurso extraordinário e recurso especial: interposição simultânea: inocorrência,
na espécie, de perda de objeto ou do interesse recursal do recurso extraordinário da entidade
sindical: apesar de favorável a decisão do Superior Tribunal de Justiça no recurso especial,
não transitou em julgado e é objeto de RE da parte contrária. II. Recurso extraordinário contra
acórdão do STJ em recurso especial: hipótese de cabimento, por usurpação da competência
do Supremo Tribunal para o deslinde da questão.C. Pr. Civil, art. 543, § 2º. Precedente: AI
145.589-AgR, Pertence, RTJ 153/684. 1. No caso, a questão constitucional - definir se a
matéria era reservada à lei complementar ou poderia ser versada em lei ordinária - é
prejudicial da decisão do recurso especial, e, portanto, deveria o STJ ter observado o
disposto no art. 543, § 2º, do C. Pr. Civil. 2. Em conseqüência, dá-se provimento ao RE da
União para anular o acórdão do STJ por usurpação da competência do Supremo Tribunal e
determinar que outro seja proferido, adstrito às questões infraconstitucionais acaso
aventadas, bem como, com base no art. 543, § 2º, do C.Pr.Civil, negar provimento ao RE do
SESCON-DF contra o acórdão do TRF/1ª Região, em razão da jurisprudência do Supremo
Tribunal sobre a questão constitucional de mérito. III. PIS/COFINS: revogação pela L.
9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão pela LC 70/91. 1. A norma
revogada - embora inserida formalmente em lei complementar - concedia isenção de
tributo federal e, portanto, submetia-se à disposição de lei federal ordinária, que outra
lei ordinária da União, validamente, poderia revogar, como efetivamente revogou. 2.
Não há violação do princípio da hierarquia das leis - rectius, da reserva constitucional
de lei complementar - cujo respeito exige seja observado o âmbito material reservado
pela Constituição às leis complementares. 3. Nesse sentido, a jurisprudência sedimentada
do Tribunal, na trilha da decisão da ADC 1, 01.12.93, Moreira Alves, RTJ 156/721, e também
pacificada na doutrina. (RE 419629, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira
Turma, julgado em 23/05/2006, DJ 30-06-2006 PP-00016 EMENT VOL-02239-04 PP-00658
RTJ VOL-00201-01 PP-00360 RDDT n. 132, 2006, p. 220-221)
***
Súmula 508 do STJ: A isenção da Cofins concedida pelo art. 6º, II, da LC n. 70/1991 às
sociedades civis de prestação de serviços profissionais foi revogada pelo art. 56 da Lei n.
9.430/1996.
Prosseguindo, sobre o papel da lei complementar em matéria tributária, observe-se
os artigos 146 e 146-A da CF:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
Exemplo: art.14 do CTN quando trata dos requisitos para que as instituições de
educação e de assistência social sejam consideradas sem fins lucrativos e possam
gozar de imunidade.
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as
empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto
previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da
contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de
19.12.2003)
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um
regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42,
de 19.12.2003)
I - será opcional para o contribuinte; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de
19.12.2003)
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por
Estado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos
pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou
condicionamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes
federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o
objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União,
por lei, estabelecer normas de igual objetivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42,
de 19.12.2003)
Observação sobre o IPVA: recentemente o Supremo reconheceu repercussão
geral na discussão se o IPVA é devido no Estado onde é licenciado o veículo ou naquele
onde reside o proprietário. Essa é uma discussão típica que decorre da ausência de lei
complementar de normas gerais.
Além do papel geral da lei complementar, atribuído no art.146 e 146-A da CF, a
Constituição também impõe atribuições específicas, dentre as quais se destacam:
(i) A instituição de empréstimos compulsórios (art.148);
(ii) A instituição do imposto sobre grandes fortunas, ou, ao menos, a
definição de “grande fortuna” (art.153, VIII);
(iii) A instituição do chamado “imposto residual” da União (art.154, I);
(iv) A instituição da chamada “contribuição residual” para a seguridade social,
também de competência da União (art.195, §4º c\c art.154, I);
(v) A definição de critérios para a fixação da competência relacionada ao
impostos estadual de transmissão de bens (ITD), na hipótese em que o
doador tenha domicílio ou residência no exterior ou se o de cujus possuía
bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado
no exterior (art.155, §1º, III);
(vi) O trato das matérias atinentes ao ISS arroladas no art.156, §3º;