autopsicografia e isto-análise
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Analise dos poemasTRANSCRIPT
Autopsicografia
Isto
Autopsicografia
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
Autopsicografia - título
AUTO Própria
PSICO Mente/ Análise GRAFIA Escrita
Explicação o processo psíquico que nele se passa, ao
elaborar um texto poético. “Descrição do estado de espírito
do próprio” sujeito poético.
Teoria do Fingimento Poético
Autopsicografia
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
O poeta é um fingidor.
POETA = FINGIDOR
(metáfora – molda, transfigura a
sensação)
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
O poeta é um fingidor.
POETA = FINGIDOR
(metáfora) Caracteriza-se pelo fingimento e finge
tão bem que consegue fingir a dor que sente na realidade.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.
a dor real, sentida,
experimentada
dor fingida, imaginária
Poeta = Fingidor
Poesia = FINGIMENTO
Autopsicografia
A poesia não está na dor experimentada, ou sentida
realmente, mas no fingimento dela. Isto é, a dor sentida,
a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser
fingida, imaginada, tem de ser expressa em linguagem
poética, o poeta tem que partir da dor real, “a dor que
deveras sente”.
Não basta, para haver poesia, a expressão
espontânea dessa dor real, tal como o faria, por
exemplo, um doente relatando a sua dor ao médico.
Não há poesia, não há arte, sem imaginação, sem
que o real seja imaginado de forma a exprimir-se
artisticamente, de forma a surgir como um objectivo
poético (artístico), de forma a concretizar-se em arte.
Autopsicografia
• A concretização da dor no poema opera na
memória do poeta o retorno à sua dor inicial,
parecendo-lhe a dor imaginada mais autêntica do
que a dor real.
• É a sobreposição do objecto artístico à realidade
objectiva que lhe serviu de base: “chega a fingir que
é dor/a dor que deveras sente”. Isto conduz-nos à
ideia de fruição artística, da parte do poeta.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
“os que leem o que escreve”
leitores
(perífrase) .
Autopsicografia
1 • Dor Real
2 • Dor Fingida
4 • Dor lida (intelectualizada)
Autopsicografia
• Na segunda parte do poema, o sujeito poético alude à
fruição artística da parte do leitor. Este não sente a dor
real (inicial), que o poeta sentiu, nem a dor imaginária
(dor em imagens) que o poeta imaginou, ao ser artífice do
poema, nem a dor que eles (leitores ) têm, mas só a que
eles não têm. Isto é, o que o leitor sente é uma quarta dor
que se liberta do poema, que é interpretado à maneira de
cada leitor. Trata-se de uma dor lida (dor intelectualizada
que provém da interpretação do leitor e que é objecto da
sua fruição.
Autopsicografia
na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva, cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.
José Luís Peixoto
PARA PERCEBER MELHOR
1 – dor real da perda
2 – dor fingida/lembrada no momento
da escrita
3 – dor efetiva de cada leitor
4 – dor que cada leitor tem no ato
de receção do texto
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Autopsicografia
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Autopsicografia
• A terceira parte do poema, como a própria expressão "E
assim" prenuncia, constitui uma espécie de conclusão: o
coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de
corda sempre a girar nas calhas da roda (que o destino
fatalmente traçou) para entreter a razão.
• Há aqui uma referência à função lúdica da poesia, que começa na fruição de que o próprio poeta goza, no ato da criação artística.
• São marcados os dois pólos em que se processa a criação do poema:
• o coração (as sensações donde o poema nasce)
• e a razão (a imaginação onde o poema é inventado).
Fecha-se neste fim do poema como que um círculo cuja linha limite marca uma pista sem fim em que nunca se esgota a dinâmica do jogo sensação-imaginação.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Os verbos, à exceção da forma
teve (pretérito perfeito), encontram-se
no presente, o que está de acordo com
a natureza teórica do poema, que é
anunciada pelo título "Autopsicografia"
(estudo que o poeta faz do fenómeno
psicológico que nele se passa, no acto
de criação artística, portanto no
presente).
A forma do perfeito "teve" explica-
se porque é exigida para marcar a
prioridade temporal em que o poeta
experimentou as suas dores em relação
ao tempo (presente) em que o leitor
experimenta a dor lida.
A expressão infinitiva "a entreter" apresenta-se
com um nítido aspecto durativo, insinuando a
repetição continuada do processo criativo.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Note-se a insistência do poeta no processo mais importante da criação poética :
o fingimento. Este processo é marcado pelas formas verbais "finge" e "fingir" e pelo
nome "fingidor".
O verbo fingir (do latim "fingere " = fingir, pintar, desenhar, construir) aponta
não apenas para o disfarçar, mas também para construir, modelar, envolvendo,
assim, todo o processo criativo desenvolvido pelo poeta na produção do poema: o
poeta é um artífice.
Autopsicografia
Além da reiteração (repetição), já apontada, do
verbo "fingir", há ainda a do verbo ("sente",
"sentem"), que não se deve desligar da repetição
do substantivo "dor" (três vezes), além de outras
três vezes que se repete por intermédio de
pronomes, ou expressões ("que", "as duas", "a
que"). A insistência na "dor" e no "sentir" está
de acordo com o facto de o poeta ter tomado a
dor como tema exemplificativo da criação
poética e pelo facto de as sensações (o sentir)
serem o ponto de partida dessa criação.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Advérbios: "Finge tão completamente" (poeta); "...deveras
sente" (poeta); "...sentem bem" (leitores). Estes advérbios
sugerem a veemência, o rigor com que a sensação da dor se
impõe, quer ao poeta, quer aos leitores. Os advérbios estão, pois,
a marcar a intenção do autor: expor a sua teoria poética com
rigor. O ato de fingir é tão importante que o poeta o superlativou
não apenas pela expressão adverbial "tão completamente", mas
também por meio da subordinada consecutiva "...que chega a
fingir...".
Autopsicografia
E assim nas calhas de roda RAZÃO
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda SENSIBILIDADE / EMOÇÃO
Que se chama coração.
Duas metáforas, de valor altamente simbólico,
que se encontram na última estrofe: "calhas de
roda" e "comboio de corda".
Esse comboio de corda (o coração), ultrapassando o significado denotativo de
brinquedo, aponta sobretudo para um sentido simbólico relacionado com a função lúdica
da poesia., e assim, gira nas calhas de roda. Também essas calhas de roda ultrapassam
o significado de carris (correspondente ao sentido de comboio de corda) para apontarem
simbolicamente para um rumo necessário, marcado pelo destino, qualquer coisa que
sucede por fatalidade, na vida (na roda da vida).
Fingir é também possibilitar "sentir as coisas de todas as maneiras",
como dizia o heterónimo Campos. Só se pode sentir tudo de todas as
maneiras, se não se sentir nada de maneira nenhuma - ou seja, se não
estivermos presos pelo sentir as coisas, é possível descobrir (talvez) a
verdade por detrás delas.
Isto é sobretudo um processo filosófico (gnosiológico), ligado ao
conhecimento humano através da linguagem. Mas de maneira simples,
diremos que Pessoa nem tem de se defender de fingir, pois fingir não é
para ele uma fraqueza, mas antes um método de conhecer (e alcançar) a
verdade das coisas, não se envolvendo demasiado nelas. Afastando-se,
Pessoa observa, e apenas afastado consegue ver mais claramente tudo o
que o rodeia. Ele deixa o "sentir" para os outros, para "quem lê".
A defesa do poeta…
ISTO
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
ISTO
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
Assunto: o fingimento e a criação artística;
a racionalização dos sentimentos (sentir com a
imaginação, não usando o coração).
ISTO
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
argumentação de que ao escrever se distancia
da realidade, intelectualizando os sentimentos
e elaborando uma nova realidade - a arte.
negação de que finge ou mente; justificação de
que o que faz é a racionalização dos
sentimentos na busca de algo mais belo mas
inacessível;
ISTO
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
reconhecimento do que dizem e negação de
que finge ou mente "sinto com a
imaginação/ Não uso o coração" - expressão
da intelectualização do sentimento.
o mundo real ("terraço") é reflexo de ("Sobre
outra coisa ainda") um mundo ideal ("essa
coisa é que é linda" - conceito oculto ou
platónico, mundo que fascina o sujeito
poético).
ISTO
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Todo os passos da poesia Pessoana - há que
compreendê-lo - são terraços (como ele diz),
são passos intermédios entre uma coisa e o seu
significado.
Pessoa quer acima de tudo a verdade das
coisas, mas para a alcançar, e sabendo como é
difícil, ele desenha degraus, pouco a pouco,
para a atingir. Deste modo se pode perceber
um pouco o porquê do afastamento das coisas,
e sobretudo do fingimento.
ISTO
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
há um acto de fingimento de pura
elaboração estética e o leitor que sinta o
que ele comunica apesar de não sentir
("Sentir? Sinta quem lê!")
ISTO
O poema "Isto" apresenta-se como uma espécie de esclarecimento em relação
à questão do fingimento poético enunciada em "Autopsicografia" - não há
mentira no ato de criação poética; o fingimento poético resulta da
intelectualização do "sentir" da racionalização.
Aqui, o sujeito poético vai mais longe já que, negando o "uso do coração",
aponta para a simultaneidade dos actos de "sentir" e "imaginar",
apresentando-nos a obra poética como uma espécie de síntese onde a sensação
surge filtrada pela imaginação criadora.
A comparação presente na 2ª estrofe (vv.6-9) evidencia o facto de a realidade
que envolve o sujeito poético ser apenas a "ponte" para "outra coisa": a obra
poética, expressão máxima e absoluta do Belo.
Na 3ª estrofe, introduzida pela expressão "Por isso" de valor conclusivo/
explicativo, o sujeito poético recusa a poesia como expressão imediata das
sensações. O sentir, no sentido convencional do termo, é remetido para o
leitor.
ISTO
"Fingir" não é o mesmo que "mentir" é a tese defendida. Não há mentira no acto
de criação poética; o fingimento poético resulta da intelectualização do "sentir",
da racionalização dos sentimentos vividos pelo sujeito poético.
O sujeito poético vai mais longe já que, negando o "uso do coração", aponta para
a simultaneidade dos actos de "sentir" e "imaginar", apresentando-nos a obra
poética como uma espécie de síntese onde a sensação surge filtrada pela
imaginação criadora.