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1 AVALIAÇÃO DE ESTRAGOS CAUSADOS POR AVES E DE DOIS MEIOS DE LUTA PARA O SEU CONTROLE, EM VINHAS DA CASTA VERDELHO NA REGIÃO DOS BISCOITOS Relatório interno final Paula Cordeiro 1* , Lucas López 2 , Fábio Raposo 1 , Manuel Aguiar 3 & João Amaral 3* 1 Serviço de Ambiente da Terceira 2 Universidade dos Açores 3 Serviço de Desenvolvimento Agrário da Terceira *Para correspondência: [email protected]; [email protected] DEZEMBRO DE 2015

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1

AVALIAÇÃO DE ESTRAGOS CAUSADOS POR AVES E DE DOIS

MEIOS DE LUTA PARA O SEU CONTROLE, EM VINHAS DA CASTA

VERDELHO NA REGIÃO DOS BISCOITOS

Relatório interno final

Paula Cordeiro1*, Lucas López2, Fábio Raposo1, Manuel Aguiar3 & João Amaral3*

1Serviço de Ambiente da Terceira 2Universidade dos Açores 3Serviço de Desenvolvimento Agrário da Terceira

*Para correspondência: [email protected]; [email protected]

DEZEMBRO DE 2015

2

RESUMO

1. Através da realização deste estudo foi obtido um valor médio de estragos diretos

provocados por vertebrados de 2,6%, com limites que variaram entre 0 e 8,7%. Não se

avaliaram os estragos indiretos. Estes valores ficam aquém do expectável, admitindo que

em zonas muito localizadas (bordaduras, junto a terrenos abandonados) se podem

observar valores mais elevados.

2. As produtividades médias das vinhas estudadas foram de 2773 kg/ha, com limites entre

1249 e 3919 kg/ha.

3. Não foram observadas diferenças significativas entre os vários tratamentos (rede anti-

aves, repelente Sairen e testemunhas), quer na avaliação de estragos, quer na

produtividade.

4. De acordo com as projeções económicas efetuadas, o repelente Sairen tem custos que

tornam impeditivo o seu uso. Por outro lado, a rede poderá ser economicamente viável

para vinhas com estragos muito elevados, muito produtivas e/ou preço da uva elevado.

Para as produtividades médias actuais da casta verdelho, só é economicamente rentável

em estragos previsíveis de 100% e com preços de uva superiores a 1,2 €/kg.

5. De acordo com os registos das câmaras, foram observados atos de depredação de uvas

praticados pelas seguintes espécies (por ordem decrescente do número de registos de

vídeo e fotografia): melro (Turdus merula azorensis), canário-da-terra (Serinus canaria

canaria), lagartixa (Lacerta dugesii), toutinegra (Sylvia atricapila atlantis), pardal (Passer

domesticus), tentilhão dos Açores (Fringilla coelebs moreletti) e verdilhão (Carduelis

chloris). Não foram registados quaisquer atos de consumo por parte do pombo-torcaz

(Columba palumbus azorica), espécie considerada pelos viticultores como uma das

principais pragas da vinha.

6. Na avaliação da abundância das espécies pombo-torcaz (Columba palumbus azorica),

melro (Turdus merula azorensis) e pombo-das-rochas (Columba livia atlantis), verificou-

se que apenas o pombo-das-rochas (Columba livia atlantis) aumentou em número ao

longo da época de maturação e que no local Canada das Vinhas a abundância de melro

(Turdus merula azorensis) e pombo-torcaz (Columba palumbus azorica) é

significativamente superior aos restantes locais.

INTRODUÇÃO

Os estragos causados por aves selvagens têm sido motivo de preocupação por parte dos

viticultores da Área de Paisagem Protegida das Vinhas dos Biscoitos, Parque Natural da Terceira,

com perdas significativas nas produções anuais de uva. Consequentemente tem aumentado a

pressão sobre a administração regional no sentido de ser autorizado o abate de espécimes das

espécies pombo-torcaz (Columba palumbus azorica) e melro (Turdus merula azorensis),

subespécies endémicas dos Açores, protegidas pelo Regime Jurídico das Conservação da

Natureza e da Biodiversidade, Decreto Legislativo regional nº 15/2012/A, de 2 de Abril.

Consequentemente torna-se pertinente a avaliação de novos métodos de controlo das aves,

procurando dar resposta a este problema da viticultura.

O objetivo principal deste projecto visavam a avaliação de dois meios de luta: rede anti-aves e

um dispositivo de afugentamento por odor (Sairen). À medida que se avançou na sua realização,

foi possível associar estudos com recurso a câmaras fotográficas para identificar as espécies de

vertebrados responsáveis pelos estragos e ainda um censo de aves para as três espécies

3

mencionadas pelos viticultores como as mais prejudiciais – pombo-torcaz (Columba palumbus

azorica), melro (Turdus merula azorensis) e pombo-das-rochas (Columba livia atlantis).

MATERIAL E MÉTODOS

Caracterização da área de estudo

Os ensaios implementados localizaram-se na Área de Paisagem Protegida das Vinhas dos

Biscoitos, que no total abrange 165ha de uma faixa costeira a Norte da Ilha Terceira (Fig.1). A área

é relativamente homogénea no que se refere à presença de ocupação com vinha, estando a

construção de habitação e adegas situada junto às vias de comunicação. No entanto, fruto do

decréscimo da produção e abandono das vinhas das últimas décadas, nem toda a área com

potencial produtivo se encontra em produção: nalguns terrenos a vinha encontra-se abandonada,

noutros, aproximadamente ¼ da área produtiva, os terrenos estão cobertos de matos (embora

em muitos casos mantenham a estrutura de curraletas). A vinha dos Biscoitos desenvolve-se sobre

um campo de lava basáltica pouco espesso, com solo muito incipiente, no qual se construiu uma

rede de muros de pedra – curraletas - resultante da despedrega dos terrenos e que garantem a

proteção das videiras contra o vento e a ressalga, e retêm e regulam a temperatura. É no meio

desta teia de muros que se desenvolvem as videiras.

Figura 1. Localização dos estudos efetuados.

4

Foi nestas curraletas que se selecionaram os talhões a sujeitar ao ensaio dos diferentes métodos

em análise, tendo-se procurado talhões homogéneos, distribuídos por quatro proprietários e

numa área relativamente próxima.

Avaliação dos estragos e meios de luta

Delineamento experimental. Para avaliar os estragos provocados pelas aves e seu efeito na

produtividade, e os dois meios de luta selecionados – Saiten e rede anti-aves, foram usados dois

delineamentos experimentais: blocos casualizados e completamente aleatório.

O delineamento com blocos casualizados foi efetuado em três vinhas distintas (Vinhas 1, 2 e 3 -

Fig. 1 e Quadro 1). Em cada vinha foram selecionados quatro talhões correspondentes aos quatro

tratamentos: Sairen, rede, testemunha junto ao Sairen e testemunha.

Foto 1. Dispositivo repelente Saiten Foto 2. Cobertura da vinha com rede

Sairen (Foto 1) é um produto comercial, indicado como afugentador de aves. De acordo com as

informações do rótulo, a sua composição é constituída por gardénia, cera de abelha, pimenta

preta, pericarpium zanthoxyli, polibuteno e óleo de silicone. Em cada talhão foram colocados os

aplicadores deste produto, numa densidade média de aproximadamente um para cerca de 8 m2

(1250 aplicadores/ha). A rede (com malha de 6x6 mm) (Foto 2) foi colocada de forma a cobrir

todas as cepas de cada curraleta, presa nos seus extremos com pedras de forma a impedir a

introdução de aves lateralmente. Nos tratamentos testemunha não foi efetuado qualquer meio

de luta contra vertebrados. Como o Sairen atua através do seu odor, pretendíamos, num caso,

medir o seu possível efeito imediatamente próximo dos locais de aplicação, e no outro, evitar que

o seu efeito interferisse nos tratamentos com rede e testemunha. Assim optámos pela realização

de dois tratamentos testemunha. Um deles imediatamente adjacente ao tratamento com Sairen,

sujeitando-se à sua eventual influência, e o outro localizado de modo a manter uma distância

mínima de 20 metros aos talhões com Sairen. Esta distância mínima também foi respeitada para

o tratamento com rede. Cada talhão corresponde a três curraletas contíguas cujas áreas médias

se apresenta no Quadro 1.

5

Quadro 1. Características das vinhas onde foram realizados os ensaios.

O delineamento completamente aleatório foi realizado na vinha 4 (Figura 1 e Quadro 2.1). Foi

escolhida uma área o mais homogénea possível, com 12 curraletas contíguas. Cada uma destas

curraletas corresponde a um talhão nas quais foi aleatoriamente efetuado um dos três

tratamentos: Sairen, rede e testemunha. Os tratamentos foram idênticos ao descrito no

delineamento com blocos casualizados.

Avaliação de estragos. A avaliação de estragos foi efetuada de modo semelhante em cada talhão

de ambos os delineamentos. Semanalmente foram efetuadas observações de uma amostra de

cachos em cada talhão. Nos cachos observados foram contados os bagos arrancados e debicados

e o número total. Com base nestes valores, foi calculada a percentagem de estragos.

Na escolha dos cachos foi definida uma estratégia de aleatorização para evitar um enviesamento,

nomeadamente devido à seleção dos mais visíveis. Inspirados no sistema adotado por Tracey &

Saunders (2009) para sistemas de condução com armação, a escolha dos cachos foi feita através

de réguas de madeira seccionadas em intervalos de 10 cm. Em cada curraleta, estas réguas foram

estendidas ao longo do comprimento e da largura, fornecendo-nos deste modo um sistema de

coordenadas em dois eixos. Com números aleatórios para os dois eixos, foi gerada uma sucessão

de coordenadas que localizaram os cachos a amostrar. Quando não existia nenhum cacho nessa

coordenada escolheu-se o cacho mais próximo.

O número de cachos amostrado por talhão foi escolhido de acordo com a estratégia de

amostragem progressiva proposta por Tracey & Saunders (2009). De acordo com estes autores,

para obter uma estimativa da percentagem de estragos com um erro padrão de 5% o número

mínimo de amostras a colher depende do nível de estragos, sendo maior o número de amostras

para um intervalo entre os 30 e 70% de estragos. Como a percentagem de estragos por nós

observados rondou os 5% ou menos, não foi necessário ultrapassar a número mínimo por ele

sugerido. Assim, foram sempre amostrados quatro cachos por talhão. Após a sua seleção, foram

assinalados com uma etiqueta e sujeitos a observações semanais durante o período de

maturação.

Produtividade. Na data da vindima, efetuou-se a pesagem dos cachos de cada talhão. Como os

talhões não têm exatamente a mesma área, foi efetuada a sua medição e a produção foi

convertida em produtividade (kg/ha) de modo a permitir a comparação dos dados.

Análise estatística. Os dados dos estragos e da produtividade foram utilizados para comparar os

tratamentos através de análises de variância recorrendo ao software Statistica vs. 7.1.

VinhaIdade

(anos)

Densidade de

plantas

(nº/ha)

Porta-enxerto

Dimensão média

das curraletas

(m2)

Data da primeira

avaliação de

estragos

Data da

vindima

1 > 25 1114 1103-P 37 22/jul 04/set

2 <10 2897 1103-P 52 22/jul 09/set

3 17-23 1656 R110/196-17 32 22/jul 28/ago

4 20-50 2222 Jacquez 30 22/jul 28/ago

6

Cálculos económicos dos meios de luta

Foram analisados alguns cenários para avaliar a viabilidade económica da utilização de rede como

meio de luta, tendo por base metodológica a que é referida numa publicação do Ministério da

Agricultura da Colúmbia Britânica, Canadá (BCMAFF, 2002). Os dados utilizados (tempos de mão

de obra, preços, taxas, etc.) foram medidos em diferentes fases deste trabalho ou estimados de

forma empírica com base em valores atuais.

Na utilização do Sairen, para as densidades utilizadas e aos preços atuais, só o custo anual de

aquisição deste produto é de 11.214 €/ha (1247 afugentadores x 9€). Este valor ultrapassa em

mais do dobro os proveitos calculados para a conta de cultura de verdelho estimados para uma

vinha média na região dos Biscoitos (Amaral, dados não publicados), de que resulta que, nas

circunstâncias atuais, esta cultura não pagará o seu uso. Razão pela qual não se efetuaram mais

análises económicas relativamente a este meio de luta.

Avaliação da abundância de aves

Conduziram-se censos sobre as espécies de aves consideradas pela generalidade dos viticultores

como as principais responsáveis pelos estragos: pombo-torcaz (Columba palumbus azorica),

pombo-das-rochas (Columba livia atlantis) e melro (Turdus merula azorensis). Quer o pombo-

torcaz, quer o melro são subespécies endémicas que, como acima referido, se encontram em

estado selvagem na RAA, e protegidas pelo disposto no Regime Jurídico da Conservação da

Natureza e da Biodiversidade – Decreto legislativo Regional nº15/2012/A.

Não foram efetuados censos de outros passeriformes devido às limitações metodológicas, aos

recursos disponíveis e à dificuldade para detetar e identificar inequivocamente as espécies de

menor tamanho.

Foram selecionados 5 pontos distribuídos pela área de vinhas da área de Paisagem Protegida das

Vinhas dos Biscoitos (Fig. 1) e afastados das zonas mais urbanizadas: dois pontos perto da linha

de costa e os outros três mais para o interior, e sempre em zonas identificadas pelos viticultores

como apresentando todos os anos evidências de estragos.

Os censos efetuaram-se por contagem direta de observação em local fixo, durante 10 minutos,

imediatamente após o nascer do sol. A periodicidade foi semanal, durante oito semanas, desde o

início da fase de pintor (maturação) até à vindima.

As condições atmosféricas variaram, com 4 dias de céu limpo, 3 dias de céu nebulado e apenas 1

dia de chuva, sendo que nunca se verificaram condições muito adversas.

Em 4 dias, dos 8 dias de contagens, os afugentadores sonoros utlizados pelos viticultores eram

audíveis em pelo menos um dos locais de observação. A distância do observador ao afugentador

foi variável, sendo que a maior proximidade foi no local “Ribeira Pamplona”, onde o afugentador

sonoro foi audível nos 4 dias mencionados.

Avaliação das espécies responsáveis pelos estragos com recurso a armadilhas fotográficas

Foram feitas duas experiências utilizando câmaras fotográficas:

Experiência 1: Durante o mês de agosto de 2015 foram colocadas um total de 15 câmaras

fotográficas (modelos Bushnell Trophy Cam e Moultrie 880i) (Foto 3), distribuídas equitativamente

em 3 vinhas separadas em pelo menos 750 metros para limitar a dependência das capturas. Cada

câmara foi instalada num poste de madeira, entre 0,5 e 0,8 metros acima do nível do solo,

7

permanecendo ativas durante 10 dias (Foto 4). Os dispositivos foram programados para tirar

fotografias durante as 24 horas do dia, com intervalos de 10 segundos, registando a hora e data.

Para efeito de amostragem, consideramos que cada câmara amostrou uma curraleta completa. A

localização das câmaras foi georreferenciada.

Foto 3. Instalação da máquina de captação de Foto 4. Instalação das máquinas nas curraletas

fotografias e vídeos

Experiência 2: Durante o mês de setembro de 2015, foram montadas um total de 5 estações de

armadilhas fotográficas de forma aleatória na área de estudo, que permaneceram ativas durante

um período de 5 dias. Cada estação de foto-armadilha era constituída por 3 câmaras: 1 câmara

configurada para tirar fotografias, com intervalos de 10 segundos; 2 câmaras configuradas para

gravar vídeos, com uma duração de 10 segundos. Todas as câmaras capturaram eventos (fotos e

vídeos) durante as 24 horas do dia, registando a hora e data de cada evento. Para efeito de

amostragem, cada estação amostrou um cacho de uvas. A localização das estações das armadilhas

fotográficas foi georreferenciada.

Análises dos dados. Para a análise dos padrões de atividade diária, os dados relativos aos valores

da abundância (nº de fotografias e vídeos da espécie) e consumo de uva (nº de fotografias e

vídeos com evidências de consumo de uvas da espécie) foram analisados mediante duas análises

estatísticas simples no programa SPSS: Correlações de Spearman e Regressão Linear Simples.

RESULTADOS

Avaliação de estragos e meios de luta

As estimativas dos estragos provocados por aves, imediatamente antes da vindima, apresentaram

uma média de 2,5% para o conjunto dos dois ensaios. Os estragos variaram consideravelmente

entre os vários talhões, com um máximo de 10,6% e um mínimo 0%. Considerando apenas os

estragos dos tratamentos testemunha, obtemos um estimador sem influência dos tratamentos e

assim temos uma média de 2,6% com um mínimo de 0% e um máximo de 8,7% de estragos.

8

Em ambos os ensaios, as médias dos estragos para os diferentes tratamentos não se revelaram

significativamente diferentes (Figs. 2 e 3). No entanto, apresentaram um padrão comum: os

estragos foram muito reduzidos com a rede, intermédios na testemunha e apresentando médias

mais elevadas no tratamento com Sairen.

Figura 2. Estragos (%) provocados por aves nos diferentes tratamentos no ensaio em blocos casualizados.

Todas as médias são não significativamente diferentes (F(3,8)=0,261; p=0,852).

Figura 3. Estragos (%) provocados por aves nos diferentes tratamentos no ensaio completamente aleatório.

Todas as médias são não significativamente diferentes (F(2,9)=1,600; p=0,254).

A produtividade média para o conjunto dos talhões dos dois ensaios foi de 2773 Kg/ha, com um

máximo de 3919 kg/ha e um mínimo 1249 kg/ha.

Mean

Mean±SE

Mean±0,95 Conf. Interval Testemunha Rede TestSairen Sairen

Tratamento

0

2

4

6

8

10E

str

agos (

%)

Mean

Mean±SE

Mean±0,95 Conf. Interval Testemunha Rede Sairen

Tratamento

0

2

4

6

8

10

12

Estr

ago

s (

%)

9

Em ambos os ensaios, as produtividades para os diferentes tratamentos não se revelaram

significativamente diferentes (Figs. 4 e 5). Também neste caso, apresentaram um padrão comum:

a média da produtividade foi superior no tratamento com Sairen, seguindo-se o tratamento com

rede e, por último, o tratamento testemunha.

Figura 4. Produtividade média (kg/ha) dos diferentes tratamentos no ensaio em blocos casualizados. Todas

as médias são não significativamente diferentes (F(3,8)=0,516; p=0,683).

Figura 5. Produtividade média (kg/ha) dos diferentes tratamentos no ensaio completamente aleatório.

Todas as médias são não significativamente diferentes (F(2,9)=1,676; p=0,241).

A correlação entre as variáveis estragos e produtividade foi não significativa (-0,26).

Mean

Mean±SE

Mean±0,95 Conf. Interval Testemunha Rede TestSairen Sairen

Tratamento

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000P

rodutiv

idade

(kg

/ha

)

Mean

Mean±SE

Mean±0,95 Conf. Interval Testemunha Rede Sairen

Tratamento

1200

1400

1600

1800

2000

2200

2400

2600

2800

3000

3200

3400

3600

3800

4000

4200

Pro

dutivid

ade

(kg

/ha

)

10

Cálculos económicos dos meios de luta

Os resultados obtidos indicam que o investimento em redes só se torna rentável quando o nível

previsto de estragos seja muito elevado, em vinhas muito produtivas e para preços de uva

também elevados. Para as produtividades médias atuais de verdelho nos Biscoitos (3000 kg/ha),

a utilização de redes só se verificou economicamente viável para níveis de estragos previsíveis de

100% e quando os preços da uva se situarem acima de cerca de 1,2 €/kg.

A título de exemplo, no Quadro 2 apresentam-se os acréscimos de rendimento bruto anual

devidos ao uso de redes para três níveis de estragos (40, 50 e 60%), em função da produtividade

das vinhas e dos preços de uva praticados no ano corrente. O preço depende da entidade que

compra e do grau alcoólico previsível. Na folha de cálculo que elaborámos, rapidamente se

podem simular, para outros valores de qualquer uma das variáveis apresentadas, os acréscimos

do rendimento bruto. Essa folha de cálculo poderá ser solicitada aos autores.

Quadro 2. Ponto de equilíbrio e acréscimo de rendimento bruto anual com a colocação de rede

anti-aves para três níveis de estragos, em função do preço das uvas e da produtividade das vinhas

(a cinzento escuro os acréscimos são negativos).

Avaliação da abundância de aves

Das três espécies recenseadas, a mais abundante foi o pombo-das-rochas (Columba livia atlantis),

seguindo-se o melro (Turdus merula azorensis) e, por último, o pombo-torcaz (Columba palumbus

azorica).

Embora abundante, aquando das contagens, o pombo-das-rochas (Columba livia atlantis) era

sempre observado em voo alto, muito raramente na proximidade das vinhas, ou mesmo pousado.

A abundância do pombo-torcaz (Columba palumbus azorica) e do melro (Turdus merula

azorensis) é significativamente superior para o local Canada das Vinhas. Contrariamente, o local

Caminho do Mar é o que apresenta menor presença das duas espécies referidas (Quadro 3).

Preço (€/ton) 600 650 700 800 1000 1100 1200 1300 1400 1500 1750

Colheita (€/ton) 350 350 350 350 350 350 350 350 350 350 350

Ganho após colheita (€) 250 300 350 450 650 750 850 950 1050 1150 1400

0,80 2,0 200 240 280 360 520 600 680 760 840 920 1120

1,00 2,5 250 300 350 450 650 750 850 950 1050 1150 1400

1,20 3,0 300 360 420 540 780 900 1020 1140 1260 1380 1680

1,40 3,5 350 420 490 630 910 1050 1190 1330 1470 1610 1960

1,60 4,0 400 480 560 720 1040 1200 1360 1520 1680 1840 2240

1,80 4,5 450 540 630 810 1170 1350 1530 1710 1890 2070 2520

2,00 5,0 500 600 700 900 1300 1500 1700 1900 2100 2300 2800

1,00 2,0 250 300 350 450 650 750 850 950 1050 1150 1400

1,25 2,5 313 375 438 563 813 938 1063 1188 1313 1438 1750

1,50 3,0 375 450 525 675 975 1125 1275 1425 1575 1725 2100

1,75 3,5 438 525 613 788 1138 1313 1488 1663 1838 2013 2450

2,00 4,0 500 600 700 900 1300 1500 1700 1900 2100 2300 2800

2,25 4,5 563 675 788 1013 1463 1688 1913 2138 2363 2588 3150

2,50 5,0 625 750 875 1125 1625 1875 2125 2375 2625 2875 3500

1,20 2,0 300 360 420 540 780 900 1020 1140 1260 1380 1680

1,50 2,5 375 450 525 675 975 1125 1275 1425 1575 1725 2100

1,80 3,0 450 540 630 810 1170 1350 1530 1710 1890 2070 2520

2,10 3,5 525 630 735 945 1365 1575 1785 1995 2205 2415 2940

2,40 4,0 600 720 840 1080 1560 1800 2040 2280 2520 2760 3360

2,70 4,5 675 810 945 1215 1755 2025 2295 2565 2835 3105 3780

3,00 5,0 750 900 1050 1350 1950 2250 2550 2850 3150 3450 4200

Uvas salvas pela rede

(ton/ha) para 60% de

estragos

Uvas salvas pela rede

(ton/ha) para 50% de

estragos

Custo adicional da

rede (custo/ha)

Produtividade

(ton/ha)2 300 €

Uvas salvas pela rede

(ton/ha) para 40% de

estragos

11

Quadro 3. Número total de aves observadas nos vários locais amostrados.

Local Melro Pombo-torcaz Pombo-das-rochas

Parque

Campismo 43 20 496

Canada Vinhas 112 70 371

Campo Futebol 65 13 270

Caminho Mar 19 2 235

Ribeira Pamplona 63 17 454

Total 302 122 1826

Ao longo da época de maturação das uvas, o pombo-das-rochas (Columba livia atlantis)

apresenta uma tendência para o aumento da sua abundância. Tal não se verificou para as outras

duas espécies observadas (Fig.6).

Figura 6. Evolução temporal das espécies de aves observadas.

Avaliação das espécies responsáveis pelos estragos com recurso a armadilhas fotográficas

Inventário de espécies detetadas. Foram obtidas um total de 759 fotografias e 391 vídeos,

registando-se 16 espécies: 7 espécies de mamíferos, 8 espécies de aves e 1 espécie de réptil

(Quadro 4).

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

14/jul 21/jul 28/jul 4/ago 11/ago 18/ago 25/ago 1/set

Melro-preto Pombo-torcaz Pombo da rocha

12

Quadro 4. Listagem de espécies detetadas nas vinhas durante a amostragem com

câmaras fotográficas.

Mamíferos

Canis lupus familiaris Cão

Mustela nivalis Doninha

Felis silvestris catus Gato

Erinaceus europaeus Ouriço-cacheiro

Oryctolagus cuniculus Coelho

Rattus spp. Rato

Mus musculus Morganho

Aves

Carduelis chloris Verdilhão

Columba livia atlantis Pombo-das-rochas

Columba palumbus azorica Pombo-torcaz

Fringilla coelebs moreletti Tentilhão dos Açores

Passer domesticus Pardal

Serinus canaria canaria Canário-da-terra

Sylvia atricapilla gularis Toutinegra

Turdus merula azorensis Melro-preto

Répteis

Lacerta dugesii Lagartixa-da-Madeira

As espécies que registaram um maior número de eventos (vídeos ou fotografias) foram Lacerta

dugesii (138 vídeos, 181 fotografias), Serinus canaria canaria (89 vídeos e 39 fotografias) e Turdus

merula azorensis (197 vídeos e 111 fotografias). As espécies que presentaram um número de

registos intermédio foram Felis silvestris (5 vídeos, 15 fotografias), Fringilla coelebs moreletti (17

vídeos, 2 fotografias), Passer domesticus (7 vídeos, 15 fotografias) e Sylvia atricapila atlantis (13

vídeos e 4 fotografias). As restantes espécies foram pouco registadas, sendo detetadas em menos

de 15 eventos (vídeos e fotografias) (Fig. 7).

13

Figura 7. Número de registos (vídeos e fotografias) das espécies detetadas na amostragem com câmaras.

Eventos de consumo de uvas. Analisando os eventos (vídeos e fotografias), foram quantificados

os registos de consumo de uvas.

Nas fotografias (Fig. 8), as seguintes espécies foram detetadas consumindo uvas: Fringilla coelebs

moreletti (1 fotografia), Lacerta dugesii (21 fotografias), Passer domesticus (3 fotografias), Serinus

canaria canaria (12 fotografias), Sylvia atricapila atlantis (2 fotografias) e Turdus merula azorensis

(12 fotografias).

Figura 8. Número de registos fotográficos de eventos de consumo das espécies detetadas na amostragem

com câmaras (a vermelho – registo com consumo; a azul – registos sem consumo).

Nos vídeos (Fig. 9), as seguintes espécies foram detetadas consumindo uvas: Carduelis chloris (2

vídeos), Fringilla coelebs moreletti (8 vídeos), Lacerta dugesii (2 vídeos), Passer domesticus (7

vídeos), Serinus canaria canaria (75 vídeos), Sylvia atricapila atlantis (12 vídeos) e Turdus merula

azorensis (81 vídeos).

14

Figura 9. Número de vídeo-registros de eventos de consumo das espécies detetadas na amostragem com

câmaras (a vermelho – registo com consumo; a azul – registos sem consumo).

Os mamíferos, assim como Columba spp., não foram detetados consumindo uvas em nenhum

evento (vídeo ou fotografia).

Comparando ambos os tipos de evento, observamos que o vídeo registou uma maior quantidade

de eventos de consumo (187 vídeos e 51 fotografias com eventos de consumo), e que espécies

como Carduelis chloris só foram detetadas com este tipo de evento (Fig. 10). Unicamente a Lacerta

dugessi apresentou um maior número de eventos de consumo nos registros fotográficos.

Figura 10. Comparação entre o número de registos de eventos de consumo direto em vídeos e fotografias,

obtidos com as câmaras.

Tipologia dos estragos. As espécies causam diferentes tipos de danos nas vinhas, dependendo

do grupo taxonómico, do comportamento e do tamanho da espécie. As espécies de maior

15

tamanho (p.ex. Turdus merula azorensis) foram registadas consumindo entre 1 e 4 uvas inteiras,

principalmente de tamanho médio-grande. Os passeriformes de pequeno tamanho (p.ex. Passer

domesticus, Sylvia atricapila atlantis ou Serinus canaria canaria) foram registados consumindo

uvas de pequeno tamanho ou picando numerosas vezes várias uvas de maior tamanho. Os

indivíduos de grande tamanho da espécie Lacerta dugessi foram registados picando as uvas, não

sendo registados eventos de consumo direto (Fig. 11).

Figura 11. Fotografia exemplificando os estragos causados por diferentes espécies num cacho de uvas. Parte

das uvas foram retiradas por consumo direto (1) e outras foram picadas por pequenos passeriformes e

lagartixas, que posteriormente secaram com o sol (2).

Padrões de atividade diária - Análise de abundância e consumo. Com base no número de

fotografias capturadas de cada espécie e o número de eventos de consumo, foram representados

os padrões de atividade diária, por hora, das espécies mais frequentes: Turdus merula azorensis,

Serinus canaria canaria, Lacerta dugesii, Fringilla coelebs moreletti e Passer domesticus.

a) Turdus merula azorensis

Turdus merula azorensis apresentou uma correlação significativa (p=0.001) entre os valores de

abundância relativa (nº de fotografias e vídeos da espécie) e os valores de consumo (nº de eventos

de consumo) e um valor do coeficiente de determinação (R2) de 0,9176. As horas do dia em que

a espécie permanece mais ativa são das 7:00h às 11:00h da manhã, sendo o intervalo das 8:00h

às 11:00h o período de maior número de eventos de consumo registados (Fig. 12).

16

Figura 12. Padrões diários (por hora) de abundância relativa e consumo da espécie Turdus

merula azorensis.

b) Serinus canaria canaria

Serinus canaria canaria apresentou uma forte correlação significativa (p<0.001) entre os valores

de abundância relativa (nº de fotografias e vídeos da espécie) e os valores de consumo (nº de

eventos de consumo) e um valor do coeficiente de determinação (R2) de 0.9509. As horas do dia

em que a espécie permanece mais ativa são das 7:00h às 18:00h, registando picos de abundância

e consumo nos intervalos das 8:00 às 9:00h, das 11:00 às 12:00h e das 15:00 às 17:00h (Fig. 13).

Figura 13. Padrões diários (por hora) de abundância relativa e consumo da espécie Serinus

canaria canaria.

c) Lacerta dugesii

Lacerta dugesii apresentou uma correlação significativa (p<0.001) entre os valores de abundância

relativa (nº de fotografias e vídeos da espécie) e os valores de consumo (nº de eventos de

consumo) e um baixo valor do coeficiente de determinação (R2 = 0.5811). As horas do dia em que

a espécie permanece mais ativa são das 9:00h às 18:00h, particularmente das 13:00h às 16:00h. O

17

período de maior número de eventos de consumo registados foi às 10:00h e das 12:00 às 16:00h

(Fig. 14).

Figura 14. Padrões diários (por hora) de abundância relativa e consumo da espécie Lacerta

dugesii.

d) Passer domesticus

Passer domesticus apresentou uma correlação significativa (p=0,01) entre os valores de

abundância relativa (nº de fotografias e vídeos da espécie) e os valores de consumo (nº de eventos

de consumo) e um baixo valor do coeficiente de determinação (R2 = 0,2632). As horas do dia em

que a espécie permanece mais ativa são das 9:00h às 17:00h, particularmente das 12:00h às

16:00h. O período de maior número de eventos de consumo registados foi às 9:00h, às 11:00 e às

16:00h (Fig. 15).

Figura 15. Padrões diários (por hora) de abundância relativa e consumo da espécie Passer

domesticus.

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e) Fringilla coelebs moreletti

Fringilla coelebs moreletti apresentou uma forte correlação significativa (p<0,001) entre os valores

de abundância relativa (nº de fotografias e vídeos da espécie) e os valores de consumo (nº de

eventos de consumo) e um valor do coeficiente de determinação (R2 = 0,9022). As horas do dia

em que a espécie permanece mais ativa são das 7:00h às 10:00h e às 16:00h. O período de maior

número de eventos de consumo registados foi das 8:00h às 10:00 (Fig. 16).

Figura 16. Padrões diários (por hora) de abundância relativa e consumo da Fringilla coelebs

moreletti.

DISCUSSÃO

Avaliação de estragos e meios de luta

Antes do início destes trabalhos, a perceção era de que os estragos médios provocados por aves

nas vinhas dos Biscoitos seriam mais elevados. A média de estragos estimados de 2,63%, com

valores máximos de 8,7%, fica aquém do expectável e um pouco abaixo de valores registados

noutras regiões (Anderson et al., 2013; Fuller-Perrine & Tobin, 1993; Stevenson & Virgo, 1971).

Saliente-se que os estragos aqui avaliados são os diretos, não tendo sido avaliados os estragos

indiretos, nomeadamente através do aumento de incidência de doenças criptogâmicas e de um

possível impacte na qualidade dos mostos. Sublinhe-se também que, pelo facto destes valores

médios serem baixos, não significa que outros fatores não possam condicionar estes valores

significativamente. Por exemplo, numa vinha isolada, situada no Porto Judeu, em 2012, com uma

casta tinta (Alfrocheiro) foi observada uma perda total devida a depredação por aves (Amaral, não

publicado). Assim, fatores como o ano, a localização das vinhas e as castas utilizadas podem

influenciar grandemente o valor dos estragos (Stevenson and Virgo, 1971). Somers & Morris (2002)

verificaram que os estragos provocados por aves: (1) são mais elevados nas bordaduras das

vinhas, decrescendo para o seu interior; (2) são estratificados na vertical, apresentando mais

estragos os cachos localizados no topo das vinhas; (3) e que aumentam em alturas específicas da

maturação. Por isso, será de prever que nos Biscoitos os estragos sejam muito superiores nas

bordaduras das vinhas que se encontrem junto a terrenos abandonados.

19

Neste trabalho, não se verificaram diferenças significativas quer nos estragos quer nas diferenças

de produtividade entre os meios de luta testados (o repelente Sairen e a rede anti-aves). No

entanto, o baixo nível de estragos, a variabilidade das vinhas e de outros fatores impossíveis de

controlar nestes estudos, poderão estar a condicionar a variância, impossibilitando a deteção de

diferenças significativas entre os tratamentos. Mas, tornam-se evidentes algumas conclusões.

Mesmo que o repelente Sairen se demonstre eficaz para níveis de estragos mais elevados, devido

ao seu preço, torna-se impraticável o seu uso. Apesar de não se terem detetado diferenças

significativas entre os talhões com rede e os talhões testemunha, julgamos que para níveis de

estragos mais elevados a rede é um método de luta eficaz. Os estragos verificados com este

tratamento foram unicamente provocados em bagos que se encontravam junto à rede e

acessíveis pelas aves do seu exterior.

O facto de não termos verificado uma correlação entre os estragos provocados e a produtividade

pode ser justificado pelo baixo nível de estragos e pela grande variação entre os vários talhões e

vinhas, fatores que foram impossíveis de controlar.

Cálculos económicos dos meios de luta

Os cálculos económicos apresentados evidenciam que o uso de redes só se justifica em vinhas

com estragos elevados, muito produtivas e/ou com preços de uva elevados. Numa fase em que

implementação da proteção integrada é obrigatória em Portugal, necessário se torna a

monitorização das pragas e a definição de níveis económicos de ataque, para a tomada de decisão

na aplicação dos meios de luta. A metodologia usada poderá servir de base para uma futura

definição dos métodos oficiais.

Avaliação da abundância de aves

A realização de censos em três das espécies, que inicialmente se julgavam como as principais

responsáveis pelos estragos, pretendia avaliar a metodologia utilizada e ter uma ideia preliminar

da sua distribuição espacial e temporal. De facto, parece haver uma abundância diferente em

função do local de observação. Para a única espécie que foi observada a consumir uvas, melro

(Turdus merula azorensis), poderia ser considerada a hipótese de um aumento da abundância ao

longo da época de maturação das uvas. Alguns fatores físicos e fisiológicos como a maturidade,

o tamanho e coloração das uvas e o aumento do teor de açucares (Stevenson & Virgo, 2002)

poderiam, temporalmente, estar relacionadas com um aumento da população desta espécie. Tal

não aconteceu, tendo mesmo sido registado uma ligeira diminuição no número observado.

Efetuaram-se também algumas correlações entre o número de aves observadas e alguns fatores

relacionados com o dia da observação (dados não apresentados), não se tendo verificado

qualquer influência entre a permanência de dispositivos sonoros e a abundância observada.

Por outro lado, a maior abundância de pombo-torcaz (Columba palumbus azorica) e melro

(Turdus merula azorensis) no local Canada das Vinhas pode estar relacionada com fatores como:

diferentes castas; presença de hortas; variabilidade dos matos na envolvente, etc.

Todas as questões acima mencionadas requerem a realização de estudos mais aprofundados e

mais específicos.

20

Avaliação das espécies responsáveis pelos estragos com recurso a armadilhas fotográficas

As câmaras revelaram ser um método adequado para detetar eventos de predação e ter

informação da abundância relativa das espécies, o que permite comparar estes dados com

posteriores amostragens, e ter uma ideia dos padrões ecológicos e tendências populacionais das

espécies existentes nas vinhas.

De acordo com os resultados obtidos: melro (Turdus merula azorensis), canário-da-terra (Serinus

canaria canaria), lagartixa (Lacerta dugesii), serão as principais pragas de vertebrados nas vinhas

dos Biscoitos. Foram também observadas em atos de consumo as seguintes espécies: melro

(Turdus merula azorensis), canário-da-terra (Serinus canaria canaria), lagartixa (Lacerta dugesii),

toutinegra (Sylvia atricapila atlantis), pardal (Passer domesticus), tentilhão dos Açores (Fringilla

coelebs moreletti) e verdilhão (Carduelis chloris).

Os dados de abundância relativa (número de registros) estão significativamente correlacionados

com os eventos de consumo das aves, o qual sugere que este grupo é o mais problemático em

relação às perdas de uva por consumo por parte de vertebrados.

Apesar de não terem sido detetados mamíferos a consumir uvas, nomeadamente ratos, é provável

que a sua presença nas vinhas esteja ligada ao consumo de uvas, carecendo de confirmação em

posteriores estudos.

O pombo-torcaz (Columba palumbus azorica) é apontado por uma grande maioria dos viticultores

como o mais importante depredador de uvas. No entanto, os resultados obtidos não confirmaram

esta hipótese, dado que os indivíduos detetados nunca foram observados a consumir uvas.

A foto-armadilhagem tem um elevado potencial no estudo dos impactos dos vertebrados

frugívoros nas culturas, devido principalmente à quantidade de informação que fornecem (24

horas o dia), à possibilidade de estudar aspetos ecológicos das espécies alvo, à facilidade de

complementaridade com outras técnicas e ao reduzido trabalho de implementação em campo.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

1. A percepção transmitida pelos viticultores dos estragos provocados por aves é muito

superior aos resultados obtidos neste trabalho (2,6%). Apesar do objetivo principal deste

trabalho não visar uma avaliação de estragos a nível de toda a região dos Biscoitos, os

resultados obtidos são o único estimador, com base em dados mensuráveis, conhecido

até ao presente. Como referido no texto, o nível de estragos poderá variar em função de

diversos fatores. Assim, propomos que seja delineado um estudo que avalie de forma

mais específica esta questão.

2. Nas circunstâncias estudadas nenhum dos dois meios de luta no controle das aves

testados se revelou eficaz. No entanto, de acordo com as projeções económicas

efetuadas a utilização da rede foi a única que se verificou economicamente viável para

vinhas com estragos muito elevados, muito produtivas e/ou preços de uva elevados.

Necessário se torna avaliar outros meios de luta que permitam, economicamente, ser uma

alternativa à rede para a situação média das vinhas dos Biscoitos, nomeadamente os que

são atualmente utilizados de forma empírica.

3. Atualmente os viticultores encontram-se obrigados à implementação dos métodos de

proteção integrada. Assim, torna-se necessário o estabelecimento de métodos de

monitorização das pragas e o estabelecimento de níveis económicos de ataque. A

21

metodologia aqui utilizada poderá servir de base para a definição dos métodos a definir

pelos serviços oficiais.

4. Neste trabalho, confirma-se que as espécies melro (Turdus merula azorensis), canário-da-

terra (Serinus canaria canaria), lagartixa (Lacerta dugesii), toutinegra (Sylvia atricapila

atlantis), pardal (Passer domesticus), tentilhão dos Açores (Fringilla coelebs moreletti) e

verdilhão (Carduelis chloris) são depredadores de uvas e indicia que eventualmente as

mais importantes, em quantidade de uva consumida, serão as três primeiras. Resultados

que não estão exatamente em consonância com o percecionado pelos viticultores,

nomeadamente na importância que é atribuída aos pombos. Assim, sugerimos que sejam

fomentados os estudos relativos à clarificação pragas de vertebrados, nomeadamente de

âmbito bio-ecológico, de impacte na cultura e de meios de luta específicos para as que

se revelem mais importantes.

5. De salientar a eficácia do método da foto-armadilhagem na obtenção de dados e seu

potencial na implementação dos estudos a desenvolver no futuro.

AGRADECIMENTOS

Aos senhores Francisco Godinho, José Machado de Sousa, Manuel Rufino Simas e Manuel Ficher

pela cedência das suas vinhas para a realização dos ensaios. Aos Senhores Bruno Moniz, João

Rocha, Rui Guitas, José Henrique Teixeira, Paulo Medina e Vigilantes da Natureza Marina Lima,

Paula Gil e Rui Oliveira, pelo auxílio em alguns dos trabalhos de campo realizados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Anderson, A., C. A. Lindell, K.M. Moxcey, W.F. Siemer, G.M. Linz, P.D. Curtis, J.E. Carroll, C.L. Burrows,

J.R. Boulanger, K.M.M. Steensma, & S.A. Shwiff. 2013. Bird damage to select fruit crops: the cost

of damage and the benefits of control in five states. Crop Protection 52:103–109.

BCMAFF. 2002. Netting for bird control in grapes – a decision-making guide. Abbotsford.

Fuller-Perrine, L. D. & M. E. Tobin. 1993. A method for applying and removing bird-exclusion

netting in commercial vineyards. Wildlife Society Bulletin, 21:47-51.

Somers, C.M. & R.D. Morris. 2002. Birds and wine grapes: foraging activity causes small-scale

damage patterns in single vineyards. Journal of Applied Ecology, 39:511-523.

Stevenson, A.B. & BB. Virgo. Damage by robins and starlings to grapes in Ontario. Canadian

Journal of Plant Science, 51:201-210.

Tracey, J.P. & Saunders G.R. 2010. A technique to estimate bird damage in wine grapes. Crop

Protection, 29: 435-439.