avaliaÇÃo qualitativa por ana cristina souza … cristina souza castanheira da cruz.pdf · o...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOVIEMNTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSO
PROJETO "A VEZ DE MESTRE"
AVALIAÇÃO QUALITATIVA
por
ANA CRISTINA SOUZA CASTANHEIRA DA CRUZ
Professor Orientador: Diva Nereida Marques M. Maranhão
RIO DE JANEIRO
Agosto/2002
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOVIEMNTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSO
PROJETO "A VEZ DE MESTRE"
AVALIAÇÃO QUALITATIVA
Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós- graduação Lato senso em Supervisão Escolar para a disciplina de Metodologia da Pesquisa.
Por: Ana Cristina Souza Castanheira da Cruz
Professora Orientadora: Diva Nereida Marques M. Maranhão
RIO DE JANEIRO
Agosto/2002
AGRADECIMENTOS
Agradeço a:
Direção da Fundação Osório, que sempre me incentivou a buscar o auto-aperfeiçoamento.
Minha querida companheira de trabalho e estudo, professora Lillian Auguste, por compartilhar comigo os desafios da educação.
Carlos Luis, com meu amor, pelos desafios que enfrentamos juntos.
Minha filha Ana Luisa, por existir em minha vida.
Sobretudo à Deus, pela vida.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os professores,
que como eu, acreditam na educação
brasileira e buscam novos paradigmas.
EPÍGRAFE
“Haverá um dia – talvez este já seja uma
realidade – em que as crianças aprenderão
muito mais – e muito mais rapidamente – em
contato com o mundo exterior do que no
recinto da escola.”(M. MacLuhan)
RESUMO
Pôr que, após tantas discussões, propostas , seminários,
pesquisas, palestras, textos, livros, este continua sendo um tema
tão importante?
Entendemos que é importante continuar discutindo a avaliação
como parte de um processo mais amplo de discussão do fracasso
escolar, em prol da melhoria qualitativa das práticas educacionais.
Estabelecer alternativas para uma avaliação qualitativa através
da identificação dos pressupostos teóricos da avaliação. Esse
estudo poderá vislumbrar novos caminhos para uma avaliação
mais justa. A avaliação qualitativa vem de encontro com a nova
visão de educação onde o cidadão consciente é percebido como
um todo.
Para analisar o material pesquisado, será adotada, dentro de
uma postura dialética, o método indutivo/dedutivo, pois, tanto as
partes – o aluno, o professor – quanto o todo – o contexto
histórico-cultural da Educação serão considerados. Como
técnica, portanto, usarei levantamento de dados através de
pesquisa bibliográfica.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
10
CAPÍTULO II
QUALIDADE DA EDUCAÇÃO
14
CAPÍTULO III
PIAGET E A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO MENTAL
19
CAPÍTULO IV
PIAGET E AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
25
CAPÍTULO V
PIAGET E DESENVOLVIMENTO AFETIVO
32
CAPÍTULO VI
A AVALIAÇÃO NA PERSPECTIVA QUALITATIVA
36
CONCLUSÃO 42
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 45
ANEXOS 48
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa busca as origens dos paradigmas atuis da
educação, enfatiza a importante busca da qualidade do ensino,
partindo do princípio que é através do domínio da Teoria da
Epistemologia Genética de Jean Piaget, que a escola e seus
professores conseguirão entender o processo de desenvolvimento
das estruturas mentais das crianças e adolescentes e suas relações
com a aprendizagem de cada conteúdo escolar.
Adriana Lima afirma que:
“O ecletismo generalizado, os conteúdos burocraticamente definidos e compulsivamente reproduzidos, a falta de conhecimento da psicologia do desenvolvimento ou mesmo de uma teoria de aprendizagem, a falta de domínio da tecnologia do próprio instrumental que é empregado nas avaliações, a falta de uma filosofia, objetivos que se condensam na memorização de conteúdos, a crença na preleção e memória, a predominância do que é mecânico sobre o que é pensamento, reflexão e criação, crenças inatistas de que tudo depende da vontade do aluno demonstram a total falta de uma ordem pedagógica definida, implicando nas mais graves conseqüências.” (Lima, 1994, p. 145)
Procuramos abordar os elementos constitutivos da escola na busca
do objeto que nos conduzisse a tal discussão. Sem dúvida, a escola
hoje está tão reduzida ao processo de avaliação e tão vazia de
proposta pedagógica, que não vimos melhor objeto do que o estudo
do processo de avaliação.
Nelson Piletti, esclarece-nos à luz da nova lei de diretrizes e bases
da educação nacional (9394/96), que:
“Segundo a lei, na avaliação do aproveitamento deve-se dar mais ênfase aos aspectos qualitativos que aos quantitativos. Este ponto é importante, mas tem sido mal interpretado na maioria das escolas. Vejamos dois erros que podem levar ao não cumprimento da lei:
• Em muitas escolas leva-se em consideração o aspecto qualitativo, mas este não é preponderante sobre o quantitativo. Em outras palavras, a quantidade, entendida como acumulação de conhecimentos, continua a Ter mais peso que os aspectos qualitativos.
• Em muitas escolas, entende-se por aspecto qualitativo simplesmente o comportamento do aluno(...)
Evidentemente, não é assim que devem ser interpretados os aspectos qualitativos. Eles estão inteiramente relacionados aos próprios objetivos da educação e do ensino.”(Piletti, 1998, p. 95)
CAPÍTULO I
A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO
NA EDUCAÇÃO BRASILERIA
No Brasil, a educação teve suas bases fincadas na proposta de
educação jesuística. Os paradigmas educacionais brasileiros,
durante muito tempo sofreram a influência do pensamento que
privilegiava o dogma e a conservação da tradição, a educação mais
científica e moral do que humanista.
A catequese dos índios no início da colonização do Brasil serviu
como base para as escolas que começavam a surgir onde fincavam
as suas crenças e conceitos. Moacir Gadotti nos diz que :
“ Os jesuítas nos legaram um ensino de caráter verbalista, retórico, livresco, memorístico e repetitivo, que estimulava a competição através de prêmios e castigos. Discriminatórios e preconceituosos, os jesuítas dedicaram-se ‘a formação das elites coloniais e difundiram nas classes populares a religião da subserviência, da dependência e do paternalismo, características marcantes de nossa cultura ainda hoje. Era uma educação que reproduzia uma sociedade perversa , dividida entre analfabetos e sabichões, os “doutores”.” (Gadotti, 2002, p. 231)
Mais tarde, com o crescimento das cidades e com o surgimento da
economia agrícola, os senhores feudais tinham como verdade
absoluta acerca da formação cultural dos seus filhos, que deveriam
estudar fora do Brasil já que aqui só havia escolas de nível
elementar.
Podemos extrair daí um importante paradigma : a formação no
exterior é sempre melhor ou mais considerada do que a educação
brasileira.
O pensamento positivista que norteou a prática pedagógica no
início do século, consolidou através do pragmatismo que só
considerava válida a formação utilizada praticamente na vida
presente, no imediato.
A expressão do positivismo, no Brasil, inspirou a Velha República e
o golpe de 1964. Seu lema era “O amor como princípio, a ordem
como base, e o progresso como fim; eis... o caráter fundamental do
regime definitivo que o positivismo vem inaugurar”,(Auguste Comte,
1798-1957, Sistema de Política Positivista), acreditando que para
progredir, era preciso ordem e que a pior ordem é sempre melhor
do que qualquer desordem. Destacamos aqui a noção de
paradigma disciplinar que acompanhou as escolas brasileiras
durante muitos anos e que eram afirmadas através da disciplina
lecionada sobre o nome de Moral e Cívica.
No Brasil, o positivismo influenciou o primeiro projeto de formação
do educador, no início do século passado.
Apesar de pouco entusiasmo que os educadores progressistas
brasileiros demonstraram por este pensamento, devido a suas
implicações político-ideológicas , ele muito contribuiu para o avanço
da educação, principalmente pela crítica que provocou sobre o
pensamento humanista cristão.
Desta discussão, nasce o pensamento da Escola Nova que trazia a
proposta da renovação geral que valorizava a autoformação e a
atividade espontânea da criança. A teoria escolanovista propunha
que a educação fosse investigadora da mudança social e, ao
mesmo tempo, se transformasse porque a sociedade estava em
mudança.
O desenvolvimento da sociologia da educação e da psicologia
educacional também contribuiu para essa renovação da escola.
Podemos verificar que, neste momento estabelecesse-se uma
quebra nos paradigmas que antes norteavam a educação, abrindo
espaços para uma nova proposta educacional.
As dúvidas levantadas pela a Escola Nova abre uma brecha na
filosofia da educação brasileira. Segundo Moacir Gadotti:
“ A influência do pensamento pedagógico escolanovista tem sido enorme. Muitas são as escolas que , sob diferentes nomes, revelam a mesma filosofia educacional: as classes nouvelles francesas que deram origem, na década de 60, no Brasil, aos ginásios vocacionais, as escolas ativas, as escolas experimentais, aos colégios da aplicação das universidades, as escolas piloto, as escolas livres, as escolas comunitárias, aos lares-escolas, as
escolas individualistas, as escolas do trabalho, as escolas não-diretivas e outras.”( Gadotti, 2002, p.147)
CAPÍTULO II
QUALIDADE DA EDUCAÇÃO
A maior polêmica que se cria, hoje, em relação a uma tentativa
inovadora de avaliação, se relaciona à questão melhoria da
qualidade da educação.
Muitas situações dificultam a superação da prática tradicional, já tão
criticada, mas que retrata a crença dos educadores dos diversos
graus de ensino na manutenção da ação avaliativa classificatória
como garantia de um ensino qualitativo. Essa concepção não é só
do professor, mas também da sociedade que se incumbe de
reproduzi-la de tempos em tempos.
As escolas justificam o medo da mudança a partir da resistência
das famílias quanto a inovações, pelo número reduzido de
matrículas ou mesmo o descrédito dos professores.
Na verdade, o que acontece mesmo é um grande descrédito com
relação às escolas inovadoras, e os sistemas de avaliação são o
alvo das críticas da sociedade, uma vez que se constituem
elemento chave na questão resultados, ou seja, produto obtido, em
educação.
É interessante também, observar como os professores reagem a
situações de mudança quando se trata de metodologia tradicional
de aplicação de provas e atribuições de notas / conceitos.
Em 1992, Jussara Hoffmann participou de um Seminário promovido
pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, relatado
em seu livro Avaliação Mediadora,(1993) afirmando que :“o princípio
que venho defendendo de que qualquer proposta pedagógica de
não-reprovação no ensino fundamental não pode ser entendida
pelos professores como uma proposta de não-avaliação.”
(Hoffmann, 1993, p.21)
Edmar Rabelo, afirma que:
“ De fato, falar de avaliação qualitativa, é falar do
compromisso ético e formal do professor em garanti
condições para a melhor aprendizagem possível. (..)
Por isso, se a avaliação se restringir apenas a
função de controle, sua função ficará
descaracterizada. Passaremos a avaliar para atribuir
um resultado e o aluno passará a estudar, apenas
para obter uma nota.” (Rabelo, 1998, p.80)
Professores reagem a situações de mudança quando se trata de
metodologia tradicional de aplicação de provas e atribuições de
notas / conceitos. É preciso desmitificar os vários aspectos da
avaliação na escola.
Segundo Pedro Demo :
“Toda avaliação qualitativa supõe no avaliador qualidade metodológica. Isto significa de partida que não faz nenhum sentido desprezar o lado da quantidade, desde que bem-feito. Só tem a ganhar a avaliação qualitativa que souber cercar-se inteligentemente de base empírica, mesmo porque qualidade não e a contradição lógica da quantidade, mas a face contrária da mesma moeda.(...) Mais do que nunca pesa sobre avaliações qualitativas o desafio do discurso rigoroso, meticulosamente medido, logicamente plantado. A diferença esta em que este rigor, para os que buscam qualidade a serio, não passa de instrumentação.” (Demo, 1999, p.36,37)
Durante muitos anos educadores buscaram respostas objetivas,
receitas de bolo para resolverem os problemas de aprendizagem de
seus alunos. Pouco se falou “não sei” às situações complicadas
enfrentadas e muitas justificativas para certas decisões tomadas
com esses alunos foram buscadas em manuais ditos educativos.
Refletir e discutir como acontece o conhecimento não era uma
prática muito utilizada. Mas, hoje muitos são os educadores que
param para questionar os ditames da avaliação tradicional.
Segundo Jussara Hoffmann:
“O que está difícil é acreditar que existem muitos caminhos possíveis para essa prática, desde que tenham significados lógicos . Não se trata de buscar respostas únicas para as várias situações enfrentadas, mas construir uma prática que respeite o princípio de confiança máxima na possibilidade de o educando vir a aprender”. (Hoffmann, 1993, p. 40)
Considerando que aprender não é copiar, nem reproduzir a
realidade, o papel da aprendizagem torna-se de fundamental
importância, pois a mesma contribui muito para o desenvolvimento
da criança. Segundo Isabel Solé e César Coll:
“Para a concepção construtivista, aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender. Essa elaboração implica aproximar-se de tal objeto ou conteúdo com a finalidade de apreendê-lo; não se trata de uma aproximação vazia, a partir do nada, mas a partir das experiências, interesses e conhecimentos prévios que, presumivelmente, possam dar conta da novidade.”(Solé e Coll, 1998, p. 19/20)
Para compreender melhor esse novo perfil da aprendizagem,
Teresa Mauri afirma que :
“A aprendizagem, entendida como construção de conhecimento, pressupõe entender tanto sua dimensão como produto quanto sua dimensão como processo, isto é, caminho pelo qual os alunos elaboram pessoalmente os conhecimentos. Ao aprender, o que muda não é apenas a quantidade de informação que o aluno possui sobre um determinado tema, mas também sua competência (aquilo que é capaz de fazer, de pensar,
compreender), a qualidade do conhecimento que possui e as possibilidades pessoais de continuar aprendendo.”(Mauri, 1998,p.88)
É importante ressaltar que o ensino precisa levar o aluno a
aprender a aprender, não se limitando apenas no conteúdo , que é
objeto de aprendizagem, mas sim na forma como a criança se
organiza e atua para aprender.
Consciente de que a escola, apesar das políticas educacionais
vigentes, precisa refletir e definir a qualidade de seu processo
pedagógico, Adriana Lima destaca três princípios do paradigma do
sistema pedagógico de extrema importância:
“ 1. O conhecimento dos estágios de desenvolvimento pelo quais passam as crianças e os adolescentes: biológicos, afetivos e cognitivos.
2. Reordenamento e atualização dos currículos e programas, dentro das premissas anteriores coletadas, para uma perfeita adequação destes aos estágios do desenvolvimento cognitivo e aos interesses (afetivos) progressivos (determinados pela característica da estrutura mental adquirida em cada momento do desenvolvimento) das crianças e jovens.
3. A observância dos progressos das ciências, das artes etc., na perspectiva da contínua capacitação dos professores para a conquista da harmonia entre o conteúdo escolar, a realidade do educando, a realidade social em que se insere o processo educativo e, finalmente, o contínuo progresso do conhecimento humano que está em permanente transformação.”(Lima, 1994, p. 118, 119)
CAPÍTULO III
PIAGET E A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO MENTAL
Piaget pesquisou e elaborou uma teoria sobre os mecanismos
cognitivos da espécie (sujeito epistêmico) e dos indivíduos (sujeito
psicológico). Voltou-se para o desenvolvimento da espécie humana,
do nascimento até a idade adulta. Sua vasta obra nos ajuda a
compreender o processo que o indivíduo vivência ao construir seu
conhecimento.
Para Rabelo, Piaget enquanto epistemólogo:
"Dedicou-se a investigar a formação e o desenvolvimento do conhecimento e, ao fazê-lo, inaugurou a Epistemologia Genética, definindo-a como pesquisa essencialmente interdisciplinar que se propõe estudar a significação dos conhecimentos, das estruturas operatórias ou de noções, recorrendo, de uma parte, à sua história e ao funcionamento atual em uma ciência determinada ( sendo os dados fornecidos por especialistas dessa ciência e da sua epistemologia) e, de outro ao seu aspecto lógico ( recorrendo aos lógicos) e, enfim, à sua forma psicogenética ou às suas relações com as estruturas mentais esse aspecto
dando lugar às pesquisas de psicólogos de profissão, interessados também em Epistemologia.”( Rabelo, 1998, 51)
C. M. Charles apresenta um apanhado das idéias chaves de Piaget
sobre a aprendizagem e o crescimento intelectual das crianças:
"1. As crianças têm estruturas mentais diferentes das dos adultos. (..) Elas têm seus próprios caminhos distintos (...). 2. O desenvolvimento mental infantil progride através de estágios definidos. Estes estágios ocorrem numa seqüência fixa - uma seqüência que é a mesma para todas as crianças. 3. Embora os estágios do desenvolvimento mental ocorram numa ordem, crianças diferentes passam de um estágio para outro em idades diferentes. (...) 4. O desenvolvimento mental é influenciado por quatro fatores inter-relacionados: Maturação ( amadurecimento físico), Experiência ( manipulação, movimento e pensamento sobre objetos concretos), Interação Social ( jogo, conversa e trabalho com outras pessoas), Equilibração (o processo de reunir maturação, experiência e socialização de modo a construir e reconstruir estruturas mentais). (Charles, 1975, p. 1 e 2)
Assim se explica o fato de que Piaget tenha recorrido à Psicologia
como instrumento de pesquisa para melhor conhecer como o sujeito
epistêmico constrói conhecimento. Ao elaborar a Teoria
Psicogenética, tentou mostrar quais a transformações qualitativas
pelas quais passa a criança, desde o período sensório-motor, até o
pensamento formal, lógico-dedutivo, a partir da adolescência.
"Ele se interessou especialmente pela psicogênese do conhecimento como forma de completar a sociogênese. Trabalhou no sentido de buscar elementos para dar sustentação ao que ele qualificou como idéia central de sua teoria : o conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas. (Rabelo, 1998, p. 51)
Sobre o conhecimento, Piaget afirma que, “o mesmo resulta de uma
interelação entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido,
sejam eles do mundo físico ou cultural.” (Piaget, 1969, p.41) Nesse
sentido, o conhecimento não está nem na mente do sujeito nem no
objeto, mas resulta da interação de ambos. O ponto de partida não
é o objeto nem o sujeito, mas a periferia dos dois, proporcionando
construções sucessivas sem oposição dos dois termos.
Mas o ser humano é um sujeito ativo, que vive a procura de
conhecimentos e busca compreender o que ocorre a sua volta. Isso
não ocorre de forma imediata. Suas possibilidades, a cada
momento, decorrem do que Piaget chamou de esquemas de
assimilação, ou seja, esquemas de ação (agir, sugar, balançar) ou
operações mentais (reunir, separar, classificar, estabelecer
relações) que são ações que se realizam no plano mental. Nas
palavras de Rabelo:
"A assimilação e a acomodação são dois processos distintos e indissociáveis, que possibilitam a equilibração ou adaptação. Na relação dialética sujeito/objeto a assimilação consiste na incorporação de um novo elemento ‘a estrutura cognitiva, aos sistemas conceituais pois o sujeito age sobre o objeto.” (Rabelo, 1998, p. 53)
Como resultado do processo de experiências, de transmissões
culturais, de trocas interpessoais e de maturação biológica ocorrem
mudanças nestes esquemas. Por outro lado, os objetos do
conhecimento apresentam particularidades e propriedades que nem
sempre são incorporadas (assimiladas) pelos esquemas já
organizados no sujeito. Este fato pode ocorrer por dois motivos,
primeiro porque o esquema assimilado é muito geral e não se aplica
a um fato particular ou, porque é ainda insuficiente para dar conta
de um objeto mais complexo. Um esquema de assimilação pode
ampliar ou modificar. A esse mecanismo Piaget chamou de
acomodação. De acordo com Rabelo:
" Com a acomodação acontece um movimento inverso: a acomodação ocorre, quando o objeto exerce influência sobre os esquemas mentais do sujeito. Piaget diz que a acomodação defini-se como toda modificação dos esquemas de assimilação, por influência de situações exteriores. Toda vez que um esquema não for suficiente para responder a uma situação e resolver um problema, surge a necessidade do esquema modificar-se em função da situação.” (Rabelo, 1998, p. 53)
O conteúdo das assimilações e acomodações variará ao longo do
processo de desenvolvimento cognitivo, mas a atividade inteligente
é sempre um processo ativo e organizado de assimilação do novo
ao já construído, e de acomodação do construído ao novo.
Estabelece-se então a relação do sujeito conhecedor e do objeto
conhecido, articulando assim, assimilações e acomodações,
completando o processo a que Piaget chamou de adaptação.
Regina Haydt analisa:
"Portanto, como exemplos de formas de assimilação, podemos citar a manipulação dos objetos, a pesquisa, a coleta de dados. Por outro lado, o ensaio e erro, a reflexão e a reelaboração ou reorganização de dados são procedimentos de acomodação. (..) o processo de adaptação ocorre à medida que o indivíduo assimila novas experiências, acomodando-as às estruturas mentais já existentes. Nesse sentido, a adaptação é o equilíbrio entre assimilação e acomodação, e acarreta uma mudança no indivíduo"(Haydt, 1997, p. 33 e 34)
A frente de um estímulo, de um desafio, o sujeito se “desequilibra”
intelectualmente, fica motivado, curioso e, através de assimilações
e acomodações, busca restaurar o equilíbrio que é sempre
dinâmico, pois é alcançado por meio de ações físicas e/ou mentais.
Assim o sujeito vai elaborando pensamentos mais complexos e
abrangentes, interagindo com objetos do conhecimento sempre
mais abstratos e diferenciados. Piaget afirma que:
"A cada instante, a ação é desequilibrada pelas transformações que aparecem no mundo, exterior ou interior, e cada nova conduta vai funcionar não só para restabelecer o equilíbrio, como também para tender a um equilíbrio mais estáveis que o estágio anterior a esta perturbação. A ação humana consiste neste movimento contínuo e perpétuo de reajustamento ou de equilibração."(Piaget, 1969, p. 14)
Piaget constatou, através de pesquisas, que a inteligência é uma
construção e que o conhecimento é construído a partir do
intercâmbio entre o indivíduo e sua realidade. Por isso, é uma
elaboração própria de cada pessoa. Rabelo esclarece que :
"De acordo com Piaget, a maneira como uma pessoa representa o mundo – as estruturas mentais internas ou esquemas – muda, sistematicamente, com o desenvolvimento, pois se as estruturas não mudassem, não poderia haver desenvolvimento, porque não haveria crescimento no conhecimento.” (Rabelo, 1998, p. 53)
CAPÍTULO IV
PIAGET E AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO
Considerar o desenvolvimento, conforme Piaget, como um processo
de equilibração progressiva que tende a uma forma final, qual seja a
aquisição das operações formais, indica que o equilíbrio se refere à
forma que o indivíduo lida com a realidade na tentativa de
compreendê-la, como organiza seus conhecimentos em sistemas
integrados de ações, com a finalidade de adaptação.
Durante sua vida, Piaget, constatou na criança a existência de
estágios do desenvolvimento mental ou seja, observou que existem
formas diferentes de interagir com o ambiente nas diversas faixas
etárias. Segundo Clara Regina Rappaport :
“Assim, o desenvolvimento, para Piaget, irá seguir determinadas etapas (fases, períodos ou estágios) caracterizadas pela aparição de estruturas originais e de uma determinada forma de equilíbrio, que dependem das construções anteriores, mas dela se distinguem. (Rappaport, 1981,p. 64)
Assim sendo, a criança é vista como agente de seu próprio
desenvolvimento. Ela irá construí-lo a partir dos quatro
determinantes básicos ( maturação, experiência, interação social e
equilibração); e este processo é observado em todas as crianças.
Para Rabelo:
"As mudanças progressivas na estrutura cognitiva variam, em intensidade, entre pessoas, seguindo uma seqüência invariável, sempre se movimentando na mesma ordem. As diferenças qualitativas do modo de cognição, ao longo do desenvolvimento intelectual, se relacionam ‘a teoria de estágios. Segundo Piaget, para cada idade temos um modo típico de nos relacionarmos com o meio, determinado por uma estrutura mental característica, que determina uma forma particular de raciocínio.” (Rabelo, 1998, p. 51)
Os estágios estão baseados em dois aspectos da vida cognitiva:
estrutura (como o indivíduo representa o mundo) e operações
(como o indivíduo pode atuar sobre esta representação). Portanto, a
seqüência de estágios representa estrutura de conhecimento
progressivamente, aprimorada, acompanhada de operações
cognitivas mais elaboradas.
• Período sensório-motor - do nascimento aos dois anos de idade.
Criança centrada em si mesma e as relações feitas são em função
de seu próprio corpo. Nesse período distinguimos três fases:
1. primeira fase - até os dois meses de vida da criança e se
caracteriza pelos reflexos ou mecanismos hereditários.
2. segunda fase - dos três a seis meses de vida e se caracteriza pela
organização das percepções e pelo desenvolvimento dos primeiros
hábitos motores.
3. terceira fase - dos sete meses aos dois anos e se carateriza pela
"inteligência prática" ou sensório-motora.
Segundo Regina C. C. Haydt:"(...) esse período tem início com a
construção progressiva das categorias básicas de objeto, espaço,
causalidade e tempo e culmina com a diferenciação entre o "eu" e o
mundo exterior. (...) "(Haydt, 1997, p. 41)
• Período pré-operatório ou do pensamento intuitivo - dos dois
aos sete anos. É marcado pelo surgimento da linguagem. Esse
período é marcado por duas etapas:
1. primeira etapa - começa por volta dos dois anos e vai até os quatro
anos e se caracteriza pelo surgimento da função simbólica ou
semiótica, onde a criança interioriza a ação imediata,
desenvolvendo o pensamento representativo.
2. segunda etapa - vai dos quatro aos sete anos e se caracteriza pelo
raciocínio intuitivo, que é uma maneira de pensar pré-operatória.
Para Charles, neste período:
“ As crianças pensam e dão explicações na base de intuição (..) em vez de lógica. Elas são muito fracas em: expressar a ordem dos eventos; explicar relações, especialmente de causa e efeito; compreender com precisão o que as outras pessoas falam; compreender e relembrar regras. (Charles, 1975, p. 3)
• Período operatório - inicia-se por volta dos sete anos e é marcado
pela formação das operações mentais. Neste período a criança
forma estrutura de conjuntos e adquire uma nova propriedade
estrutural: a reversibilidade. Regina C. C. Haydt afirma que:
“Reversibilidade é a capacidade de fazer e desfazer mentalmente uma ação, o que possibilita realizar uma ação determinada em sentido contrário àquela realizada normalmente.(...) Portanto, uma operação mental é um conjunto de ações interiorizadas, móveis e reversíveis,
coordenadas entre si e formando um sistema de conjunto. (Haydt, 1997, p. 44)
• Período das Operações Concretas - começa por volta dos sete
anos e é marcado pelo surgimento das operações concretas, nesta
etapa a criança só consegue operar sobre os objetos figurativos e
manipuláveis. Charles afirma que no período das:
“Operações Concretas ( 7 a 11 anos ) - As crianças estão desenvolvendo conceitos de número, relações, processos e assim por diante. Elas estão se tornando capazes de pensar através de problemas, mentalmente, mas sempre pensam em objetos reais (concretos), não em abstrações. Estão desenvolvendo habilidade maior de compreender regras.” (Charles, 1975, p. 3)
• Período das operações abstratas ou formais - esta etapa
começa por volta dos 11 anos e caracteriza-se pelo surgimento das
operações intelectuais formais ou abstratas, que por volta dos
quinze anos atinge um nível de equilíbrio novo. Neste período, o
adolescente vai aos poucos se liberando do concreto e combinando
todas as operações que tem. Ele então atinge o pensamento
hipotético-dedutivo, ou seja raciocina a partir de proposições sem
relação com o real, como afirma Charles:
“Operações Formais ( 11 a 15 anos ) - Os estudantes podem pensar usando abstrações.
Formulam teorias sobre qualquer coisa distinta do real. Estão atingindo o nível de pensamento adulto." ( Charles, 1975, p. 3)
Nas palavras de Adriana Lima:
“Este é o último dos estágios do desenvolvimento cognitivo (inteligência) descrito por Jean Piaget. Nele, o jovem conquista a plenitude das estruturas lógicas elementares, organiza o espaço, coloca-se simultaneamente em diversos pontos de vista, compreende e discute temas sociais (pelos quais tem profundo interesse). “( Lima, 1994, p. 58)
Piaget não se preocupou em estabelecer cronologia, as idades que
destacam cada estágio são apenas médias aproximadas, sujeitas a
amplas diferenças individuais. Rabelo afirma que:
"De acordo com a teoria piagetiana, o importante é a ordem dos quatro períodos, que é fixa e é nessa ordem que os seres humanos evoluem. (...) Piaget fez questão de lembrar que esses limites é uma realidade de um presente e do ponto de vista psicogenético, pois a perspectiva sociogenética abre possibilidades de geração para geração.” (Rabelo, 1998, p. 54)
Piaget e seus colaboradores também destacaram e distinguiram os
três tipos de conhecimentos, assim denominados: Conhecimento
Físico, Conhecimento Lógico-Matemático e Conhecimento Social ou
Convencional. Quanto ao Conhecimento Físico, é o conhecimento
que se refere aos objetos, cuja fonte é externa ao sujeito. Com
relação ao Conhecimento Lógico-Matemático, cuja fonte é interna
ao sujeito, é fruto de estabelecimento de relações que um indivíduo
pode criar ao comparar objetos, através de abstrações reflexivas.
Segundo Rabelo:
"O Conhecimento Lógico-Matemático, consiste na criação e coordenação de ações e relações mentais do sujeito sobre o objeto, através de abstrações empíricas e reflexivas, não sendo, portanto, algo inato ou elaborado apenas pela observação e, sim uma estrutura interna, construída pelo próprio indivíduo, não podendo, portanto, ser ensinado.” (Rabelo, 1998, p. 55)
Já o Conhecimento Social ou Convencional, diz respeito às
convenções construídas pelas pessoas, cuja fonte também é
externa ao sujeito. Sua principal característica é que possui uma
natureza amplamente arbitrária. Rabelo esclarece:
"Portanto, para que a criança adquira o conhecimento social é indispensável a interferência de outras pessoas, da sociedade. Isto é uma condição necessária, mas, ao mesmo tempo, insuficiente, porque um conhecimento social também requer uma estrutura lógico-matemática para a sua assimilação e organização.” (Rabelo, 1998, p. 56)
CAPÍTULO V
PIAGET E O DESENVOLVIMENTO AFETIVO
Na teoria de Piaget, o desenvolvimento intelectual é considerado
como tendo dois componentes: um cognitivo e outro afetivo. Afeto
inclui sentimentos, interesses, desejos, tendências, valores e
emoções em geral. Todo comportamento tem ambos os elementos:
o afetivo e o cognitivo. Segundo Lauro de Oliveira Lima :
“ Piaget mostrou como a “disciplina” (condutas morais) da criança muda em cada estádio de seu desenvolvimento, exigindo comportamento diferenciado dos adultos que lidam com ela. O mesmo ocorre com a “socialização”, que vai “da anomia, pela heteronomia, para a autonomia”.
Piaget distingue dois tipos de “socialização”: uma das crianças entre si, e outra das crianças com a sociedade adulta; o que mostra que não é tão simples, como se pensa, a inserção da criança na sociedade...” (Lima, 1994, p. 40)
O aspecto afetivo tem uma profunda influência sobre o
desenvolvimento intelectual. Ele pode diminuir ou mesmo acelerar o
ritmo de desenvolvimento. De acordo com Piaget, o aspecto afetivo,
em si, não pode modificar as estruturas cognitivas (esquemas),
embora possa influenciar quais estruturas modificar.
Não há comportamento cognitivo puro, como não existe
comportamento afetivo puro. A criança que “gosta” de português faz
rápidos progressos, mas a criança que “não gosta” de português
não consegue fazer rápidos progressos. Em cada caso, o
comportamento é influenciado pela afetividade.
Iris Barbosa Goulart afirma que para Piaget:
“O aspecto cognitivo das condutas consiste na sua estruturação e o aspecto afetivo na sua energética. Esses dois aspectos são, ao mesmo tempo, irredutíveis, indissociáveis e complementares; não é, portanto, muito para admirar que se encontre um notável paralelismo entre as suas respectivas evoluções.”(Goulart, 2000, p. 56)
Do ponto de vista pedagógico, Adriana Lima destaca em cada
estágio pontos marcantes no desenvolvimento social da criança:
• Nível Intuitivo ( 5 a 7 anos aproximadamente)
1. “A criança sai do “caos” simbólico para uma necessidade de explicar o funcionamento do mundo, as causalidades, os porquês...
2. Pergunta sobre tudo, o tempo todo. Não se satisfaz mais com um simples “porque sim”. Insiste nas explicações e ela própria pensa explicações para o mundo.
3. Compreende muitas regaras e inicia um período de legalismo. Conta, denuncia o que os outros fizeram de errado.(...)
4. Seu nível de linguagem é a informação adaptada, que consiste em pequenos diálogos com companheiros, com um encadeamento entre perguntas e respostas (entre frases)
5. Sua auto-referência, seu egocentrismo, não a impede de Ter relações sociais muito mais complexas que os “monólogos” dos primordes do simbolismo.”(Lima, 1994, p. 53 e 54)
• Nível Operatório Concreto ( 7 a 11/12 anos
aproximadamente)
1. “A socialização é constituída por um salto de qualidade bastante significativo, pois surgem os bandos, o que significa os primeiros agrupamentos com ordem.
2. Estes bandos caracterizam-se pela existência de chefias,, em que uma criança lidera o “grupo”. Raramente está sozinha. Gosta de andar nestes “grupos”(bandos), onde quase tudo ocorre, havendo, inclusive, um certo distanciamento da família (gostam de estar na rua).
3. A heteronomia é própria desta idade, o que a leva a procurar atividades que envolvam ordem e regras. (...)
4. Na Segunda etapa, passa a perceber as injustiças (dos adultos em geral, dos pais em
particular) e começa a transitar para formas mais elevadas de justiça, moral e dever. Busca compreender as leis que regem o mundo. (...)
5. No final do período, passa a compreender melhor as intenções de uma ação e a fazer seus julgamentos baseados mais nos aspectos qualitativos das intenções do que nos quantitativos”(Lima. 1994, p. 56 e 58)
• Nível Operatório Abstrato ( 11/12 a 15/16 anos
aproximadamente)
1. “Seu interesse pelo social torna-se maior por sua vivência em grupo, levando-o a profundas reflexões sobre o mundo.
2. Na linguagem conquista a capacidade de discutir, o que consiste na argumentação em torno de um tema. É preciso convencer o outro de sua “razão”.(...)
3. No desenvolvimento da moral e da justiça demonstra alto interesse nos juízos, nos valores. (...) O conflito (“conflito de gerações”) é típico deste momento, pois é fundamentalmente um questionador de tudo e de todos.
4. Na socialização, constrói os sentimentos mais belos da humanidade: a cooperação, a solidariedade, a amizade.(...)
5. Sua noção de justiça torna-se extremamente complexa.(...)” (Lima, 1994, p. 59 e 60)
CAPÍTULO VI
A AVALIAÇÃO NA PERSPECTIVA QUALITATIVA
Ana Maria Saul (1998) para rever os diferentes momentos do pensamento a respeito da avaliação, buscou uma mudança paradigmal na maneira de abordar a questão.
A avaliação da aprendizagem foi o primeiro “foco de atenção”
identificado por Saul. Nela o objeto é a aprendizagem do aluno.
Esta corrente predominou no Brasil até os meados da década de
70, quando outros objetos foram incluídos no processo avaliativo
Vários sistemas avaliativos foram desenvolvidos sob este
enfoque, onde o controle do currículo e do planejamento era o
principal objetivo, e o que se buscava era a medida, uma
manipulação matemática de dados. De acordo com Adriana Lima:
“Quando Saul fez referência a uma invasão destas idéias no pensamento educacional brasileiro, na década de 70, reporta-se ao ideário pragmático behaviorista americano, que subordina a avaliação a uma série de quesitos comportamentais que se desdobram em tecnologias diversas, entre as quais a instrução programada e a prova objetiva.” (Lima, 1994, p. 69)
O segundo enfoque apontado por Saul é o curricular, que apenas
agregou mais um ponto de vista, não deixando de lado o controle
curricular e o planejamento. Pode-se dizer, que a avaliação que
se igualava à medida do rendimento do aluno, numa tentativa de
mensurar o comportamento, centrada no aluno, passa a abordar
o currículo como elemento do processo avaliativo.
Adriana Lima nos que:
“ Poder-se-ia pensar que o professor passa a ser elemento da avaliação, mas, na verdade, a mudança não é assim tão estrutural; apenas significa que o professor é objeto de materiais instrucionais para levar a bom termo a avaliação do aluno.
Proliferam, assim, os materiais pedagógicos para o aluno, acompanhados dos manuais instrucionais para os professores. Os manuais de construção de instrumentos de avaliação vão ter papel preponderante no cenário da formação de professores.: (Lima, 1994, p. 70, 71)
Em 1978, Saul apresenta o terceiro enfoque com uma ótica qualitativa onde demonstra a grande necessidade de uma transformação estrutural, de um novo olhar, de novos paradigmas:
“ A proliferação de trabalhos nessa vertente dependerá de uma mudança nas crenças dos avaliadores, de uma disposição para esposar um novo paradigma alternativo, com todos os compromissos que ele envolve, bem como enfrentar, com competência, dificuldades para adentrar um campo apenas inicialmente explorado.”(Saul, 1988, p.42)
Para analisar os processos avaliativos, Saul utilizou as categorias
quantitativo e qualitativo. A categoria quantitativa foi considerada
de abordagem positivista, nos moldes da ciência experimental.
Para Adriana Lima:
“ As correntes quantitativas buscaram, e de fato produziram, vasto material instrumental para proceder à avaliação, de modo a manter-se o mais próximo possível da objetividade e, ao mesmo tempo, fornecer dados mais seguros no que tange à eficiência/eficácia da aprendizagem. Tem por objetivo mudanças comportamentais observáveis e mensuráveis, que por sua vez têm como meta a tomada de decisão, estes materiais encontraram receptividade graças à inexistência de instrumental para processos qualitativos. (Lima, 1994, p. 71, 72)
Em se tratando da categoria qualitativa, é preciso reconhecer sua
complexidade, tendo em vista o seu caráter relativo, intencional e
valorativo. Segundo Adriana Lima:
“ As correntes qualitativas, ao contrário, passaram a questionar precisamente as limitações dos testes padronizados para se ter compreensão daquilo que
o professor ensina e o que o aluno aprende. A idéia de mensuração de comportamento é extremamente estática, contraditória com a dinâmica psicológica e social dos indivíduos.” (Lima, 1994, p. 72)
Sobre este aspecto qualitativo, Cipriano Carlos Luckesi nos dá
importante contribuição:
“ (...) dificilmente os professores definem com clareza, no ato do planejamento de ensino, qual é o padrão de qualidade que se espera da conduta do aluno, após ser submetido a uma determinada aprendizagem.”(Luckesi, 1988, p. 44)
Se um mínimo necessário fosse estabelecido, Luckesi
complementa:
“ Deste modo, a aprovação ou reprovação numa unidade de ensino não estaria a depender da arbitrariedade do professor, mas sim do fato do aluno ter apresentado em sua conduta de aprendizagem os caracteres mínimos necessários. Ou seja, o juízo de qualidade estaria fundado no real..”(Luckesi, 1988, p. 45)
Luckesi propõe e organiza uma mudança de paradigmas na
perspectiva de uma avaliação qualitativa, voltada para o ensino
básico. Nesta momento, a questão da avaliação é relacionada com
a democratização do ensino, buscando construir uma proposta de
avaliação diagnóstica. Adriana Lima aponta três quesitos
defendidos por Luckesi:
“ 1. A democratização do acesso à educação escolar (que independe da avaliação, pois é definida pela política educacional)
2. A permanência do aluno na escola e a conseqüente terminalidade escolar; e
3. A qualidade do ensino (apropriação ativa dos conteúdos)”(Lima, 1994, p. 73)
A permanência e terminalidade do aluno são processos internos da
escola, que para Luckesi, a avaliação desempenha papel
importante:
“ Uma avaliação escolar conduzida de forma inadequada pode possibilitar a repetência e esta tem conseqüências na evasão. Testes mal elaborados, leitura inadequada e uso insatisfatório dos resultados, autoritarismo, Tc... são tantos fatores que tornam a avaliação um instrumento antidemocrático no que se refere à permanência e terminalidade educativa dos alunos, que tiveram acesso à escola.”(Luckesi, 1988, p. 39)
Luckesi não se deteve nas análises da história dos processos
avaliativos. Seu objetivo era propor, analisar criticamente a
realidade e buscar alternativas. Adriana Lima esclarece afirmando
que :
“A avaliação teria uma função de qualificação do educando e não a de classificação. Teria, pois, um papel de diagnóstico da aprendizagem, no sentido de construir um lugar de sentenciar.”(Lima, 1994, p. 74)
Buscando conceituar a avaliação com um enfoque qualitativo, Ana
Maria Saul considera:
“A avaliação, em seu sentido amplo, apresenta-se como atividade associada à experiência cotidiana de ser humano. Freqüentemente nos deparamos analisando e julgando a nossa atuação e a dos nossos
semelhantes, os fatos de nosso ambiente e as situações das quais participamos. Esta avaliação, que fazemos de forma assistemática, por vezes inclui uma apreciação sobre adequação, eficácia e eficiência de ações e experiências, envolvendo sentimentos e podendo se verbalizada ou não. Essas ações avaliativas diferem, no entanto, daquelas que estamos acostumados a ver, sofrer ou executar no cenário educacional. Estas costumam ter um caráter deliberado, sistematizado,(...) variam em complexidade e servem a múltiplos propósitos.”(Saul, 1988, p.25)
Os dois aspectos analisados por Saul demonstram que os
processos por ela chamados assistemáticos são objeto de
sucessivos acertos, na construção da experiência de vida dos
indivíduos, ao passo que os sistemáticos, vividos principalmente na
escola, através da formalização do processo avaliativo, possuem
resultados obscuros pela diversidade de seus pressupostos e de
seus propósitos.
CONCLUSÃO
Após essa análise, podemos afirmar que para um sistema ser
qualitativo, no âmbito da prática escolar, deverá constituir-se, em
sua essência, de mecanismos estimuladores.
O que tentamos demonstrar é que a escola precisa apresentar
indicadores de que possui uma proposta pedagógica articulada. A
escola que se reduz à avaliação, por conseqüência, organiza-se em
torno de conteúdos e não de propostas mais globalizadas de uma
concepção pedagógica.
Nas palavras de Moacir Gadotti:
“A escola que temos: elitista, vazia, controlada, discriminatória, insegura, desvalorizada, fechada ao diálogo, vítima da interferência político-partidária e indefinida. A escola que queremos: participativa, crítica, integrada à realidade, sem interferência, democrática, com recursos, preocupada com o desenvolvimento sócio-político e cultural do aluno, com classe de alfabetização e sem turno intermediário, digna e competente.” (Gadotti, 1990, p. 40)
Para Carlos Cipriano Luckesi: “a escola virou avaliação”.
Tentando romper amarras, Luckesi consegue ter uma visão ampla,
que aborda questões mais abrangentes das políticas, sem deixar de
debruçar-se sobre mais específicas questões da pedagogia:
“O novo nasce do velho e o supera por
incorporação. A criatividade não é pura espontaneamente. Para haver criação há que ter um suporte nas capacidades desenvolvidas(...) (Luckesi, 1991, p. 82)
Felizmente, críticas como esta têm encontrado eco em muitas
escolas, induzindo à busca de alternativas incentivando o
pensamento reflexivo. As discussões sobre a interdisciplinaridade e
o aperfeiçoamento nas práticas de planejamento participativo, bem
como a preocupação com a construção de projetos político-
pedagógicos que confiram identidade e coerência às práticas
escolares, são sintomas desta revolução que vem ocorrendo no
modo de conceber o ensino, a organização curricular e as relações
pedagógicas.
Buscando um novo paradigma para o ofício de professor,
Perrenoud define esse novo momento afirmando:
“ Para serem profissionais de forma integral, os professores teriam de construir e atualizar as competências necessárias para o exercício, pessoal e coletivo, da autonomia e da responsabilidade. A profissionalização do ofício de professor exigiria uma transformação de funcionamento dos estabelecimentos escolares e uma evolução paralela dos outros ofícios relacionados ao ensino : inspetores, diretores, formadores...” (Perrenoud. 2002,p.12)
Perrenoud lança um novo paradigma na formação do
educador : paradigma reflexivo e esclarece que o professor só
poderá alcançar o paradigma reflexivo se seguir o mesmo itinerário
critico, na reflexão constante de sua prática formando um habitus
que se integrará a sua formação.
Desta forma, criar-se-iam professores capazes de evoluir
através de uma prática reflexiva., de aprender de acordo com suas
experiências , sobretudo criando modelos de maneira a exercer sua
prática reflexiva.
Trata-se, portanto, da busca de um paradigma de “qualidade”
para a educação, voltada para a construção do conhecimento e que
reconhece a importância deste para a emancipação dos sujeitos e o
exercício da cidadania. Os autores citados no corpo do texto
alertam para essa questão. Segundo Demo, a qualidade buscada
deve “educar o conhecimento” (Demo,1994, p. 14).
E Edmar Rabelo alerta:
“Um processo de avaliação deve se preocupar tanto com o aspecto técno-formal quanto com o político do processo educativo. O objetivo maior deve ser o bom desempenho do aluno. Se ele não aprende com boa qualidade formal e também política, este desempenho é questionável. Um aluno deve aprender o melhor possível a reconstruir conhecimentos em seu sentido formal, como também deve tornar-se cidadão crítico, participativo e responsável politicamente. Senão, para que ir à escola. “(Rabelo, 1998, p. 75)
BIBLIOGRAFIA
CHARLES, C. M. Piaget ao alcance dos professores. Rio de
Janeiro, Editora Ao Livro Técnico, 1975
DEMO, Pedro, Avaliação Qualitativa. Campinas: Editora Autores
Associados, 1999.
ESTEBAN, Maria Teresa. Avaliação: uma prática em busca de
novos sentidos. Rio de Janeiro, Editora DP&A, 2001.
----------------------------------. O que sabe quem erra? Reflexões
sobre a avaliação e o fracasso escolar. Rio de Janeiro, Editora
DP&A, 2001.
GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo,
Ática, 8ª Edição, 2002.
------------------------Uma só escola para todos. Vozes, 1990.
GOULART, Iris Barbosa. Piaget: Experiências básicas para
utilização pelo professor. Petrópolis, Editora Vozes, 2000.
HADJI, Charles. Avaliação Desmistificada. Porto Alegre, Editora
ArtMed, 2001.
HAYDT, Regina Célia C. Curso de Didática Geral. São Paulo,
Editora Ática, 1997.
HOFFMANN, Jussara, Avaliação Mediadora: uma pratica em
construção da pré escola a universidade. Porto Alegre:
Educação & Realidade, 1993.
...................................., Avaliação: Mito & Desafio: uma
perspectiva construtivista. . Porto Alegre: Educação &
Realidade, 1994.
...................................., Pontos & Contrapontos de pensar ao
agir em avaliação. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.
LIMA, Adriana de Oliveira, Avaliação Escolar: Julgamento X
Construção. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1998.
LIMA, Lauro de Oliveira. Pôr que Piaget? A educação pela
aprendizagem. . Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1998
LUCKESI, Carlos Cipriano. Avaliação da Aprendizagem escolar.
Apontamentos sobre a pedagogia do exame. Revista de
Tecnologia Educacional, ABT ano XX, n.º 101, 1991.
PIAGET, Jean. Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro,
Editora Forense, 1969.
PILETTI, Nelson. Estrutura e funcionamento do Ensino
Fundamental. São Paulo, Editora Ática, 1998.
PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício do
professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegra,
ArtMed, 2002.
RABELO, Edmar Henrique, Avaliação: Novos Tempos, Novas
Praticas. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1998.
RAPPAPORT, Clara Regina. Psicologia do Desenvolvimento.
(v. 1), São Paulo, EPU, 1981.
SANT”ANNA, Ilza Martins, Por que avaliar? Como avaliar?
Critérios e instrumentos. . Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1995.
SAUL, Ana Maria. Avaliação emancipatória. Desafio à teoria e à
prática de avaliação e reformulação de currículo. Editora Cortez
e Editora Autores Associados, 1988.
ANEXOS