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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS DA TERRA E DO MAR – CTTMar
CURSO DE OCEANOGRAFIA
AVALIAÇÃO MORFODINÂMICA DA PRAIA DE PIÇARRAS UTILIZANDO
MODELAGEM NUMÉRICA
JOÃO LUIZ DIAS DOS SANTOS
Itajaí, 2013
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS DA TERRA E DO MAR – CTTMar
CURSO DE OCEANOGRAFIA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
AVALIAÇÃO MORFODINÂMICA DA PRAIA DE PIÇARRAS UTILIZANDO
MODELAGEM NUMÉRICA
JOÃO LUIZ DIAS DOS SANTOS
Monografia apresentada como parte dos
requisitos pra obtenção do grau em Bacharel
em Oceanografia da Universidade do Vale
do Itajaí.
Orientador: João Thadeu de Menezes, Dr.
Itajaí, 2013
3
A tentativa é o primeiro passo para o
fracasso.
Homer J. Simpson
4
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8
2. OBJETIVOS ........................................................................................................................ 10
2.1 Objetivo Geral ................................................................................................ 10
2.2 Objetivos Específicos ...................................................................................... 10
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................................... 11
3.1 Morfodinâmica praial ..................................................................................... 11
3.2 Ondas e correntes ......................................................................................... 12
3.3 Modelagem numérica e Delft3D ..................................................................... 13
3.3.1 Delft3D-FLOW ............................................................................................ 14
3.3.2 Delft3D-WAVE e MOR ................................................................................ 15
4. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................. 16
4.1 Área de Estudo ............................................................................................. 16
4.2 Casos de ondas ............................................................................................. 18
4.3 Malhas computacionais ................................................................................ 18
4.4 Batimetria e linha de costa ........................................................................... 20
4.5 Sedimento e MORFAC.................................................................................. 22
4.6 Fronteiras do modelo e demais condições de contorno ............................... 23
4.7 Ventos ........................................................................................................... 23
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................................... 24
5.1 Resultados para os casos de onda simulados ................................................. 24
5.2 Resultados para as correntes obtidas nas simulações numéricas .................. 29
5.2.1 Correntes geradas por ondas vindas de E ................................................... 29
5.2.2 Correntes geradas por ondas vindas de ENE .............................................. 34
5.2.3 Correntes geradas por ondas vindas de ESE .............................................. 39
5.2.4 Correntes geradas por ondas vindas de SE ................................................. 44
5.3 Variações Morfológicas .................................................................................. 49
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 56
7. REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 57
8. ANEXOS..............................................................................................................................59
5
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Área de Estudo. ............................................................................................. 16
Figura 2: Malhas de propagação de onda e de cálculo hidrodinâmico e morfológico
utilizadas. ...................................................................................................................... 19
Figura 3: Batimetria. ..................................................................................................... 21
Figura 4: Hs e direção de onda para o caso de ondas vindas de E. .............................. 25
Figura 5: Hs e direção de onda para o caso de ondas vindas de ENE. ......................... 26
Figura 6: Hs e direção de onda para o caso de ondas vindas de ESE. .......................... 27
Figura 7: Hs e direção de onda para o caso de ondas vindas de SE. ............................ 28
Figura 8: Correntes geradas pelas ondas vindas de Leste na enchente da maré de
sizígia. ........................................................................................................................... 30
Figura 9: Correntes geradas pelas ondas vindas de Leste na vazante da maré de sizígia.
...................................................................................................................................... 31
Figura 10: Correntes geradas pelas ondas vindas de Leste na enchente da maré de
quadratura. .................................................................................................................... 32
Figura 11: Correntes geradas pelas ondas vindas de Leste na vazante da maré de
quadratura. .................................................................................................................... 33
Figura 12: Correntes geradas pelas ondas vindas de ENE na enchente da maré de
sizígia. ........................................................................................................................... 35
Figura 13: Correntes geradas pelas ondas vindas de ENE na vazante da maré de
sizígia. ........................................................................................................................... 36
Figura 14: Correntes geradas pelas ondas vindas de ENE na enchente da maré de
quadratura. .................................................................................................................... 37
Figura 15: Correntes geradas pelas ondas vindas de ENE na vazante da maré de
quadratura. .................................................................................................................... 38
Figura 16: Correntes geradas pelas ondas vindas de ESE na enchente da maré de
sizígia. ........................................................................................................................... 40
Figura 17: Correntes geradas pelas ondas vindas de ESE na vazante da maré de sizígia.
...................................................................................................................................... 41
Figura 18: Correntes geradas pelas ondas vindas de ESE na enchente da maré de
quadratura. .................................................................................................................... 42
6
Figura 19: Correntes geradas pelas ondas vindas de ESE na vazante da maré de
quadratura. .................................................................................................................... 43
Figura 20: Correntes geradas pelas ondas vindas de SE na enchente da maré de sizígia.
...................................................................................................................................... 45
Figura 21: Correntes geradas pelas ondas vindas de SE na vazante da maré de sizígia.
...................................................................................................................................... 46
Figura 22: Correntes geradas pelas ondas vindas de SE na enchente da maré de
quadratura. .................................................................................................................... 47
Figura 23: Correntes geradas pelas ondas vindas de SE na vazante da maré de
quadratura. .................................................................................................................... 48
Figura 24: Sedimentação/Erosão Acumuladas para o caso de ondas de E. .................. 51
Figura 25: Sedimentação/Erosão Acumuladas para o caso de ondas de ENE. ............ 52
Figura 26: Sedimentação/Erosão Acumuladas para o caso de ondas de ESE. ............. 53
Figura 27: Sedimentação/Erosão Acumuladas para o caso de ondas de SE. ................ 54
7
RESUMO
Há anos a praia de Piçarras apresenta um quadro erosivo que vem se agravando. Diversas
medidas já foram tomadas na tentativa de solucionar o problema, como a construção de
espigões e engordamentos artificiais, mas até o presente momento nada se mostrou efetivo. O
objetivo deste trabalho foi analisar a morfodinâmica da Enseada do Itapocorói a fim de prover
mais informações a respeito da erosão. Para tanto, utilizou-se como método de estudo a
técnica de modelagem numérica, possibilitada pela ferramenta Delft3D. Devido ao fato das
alterações morfológicas ocorrerem em escalas de tempo diferentes das alterações
hidrodinâmicas, um artifício de aceleração morfodinâmica (MORFAC) foi utilizado para
simular 365 dias de alterações morfológicas em apenas 15 dias de simulação de cálculo
hidrodinâmico. Com base nos dados inseridos em um modelo, foi possível prever o
comportamento e analisar a dinâmica costeira. Na Enseada do Itapocorói, ocorrem casos de
onda provenientes de Leste (E), Norte-Nordeste (ENE), Leste-Sudeste (ESE) e Sudeste (SE).
Destas, a que apresenta maior ocorrência é a ESE (54%), caracterizando-se assim como a que
mais contribui com o quadro erosivo da localidade. O caso que menos contribui com tal
quadro são as ondas provenientes de Sudeste (SE). A deriva litorânea segue no sentido de Sul
para Norte, resultado de uma corrente que se forma em todos os casos de onda. Observou-se
também que a Ponta da Penha cria uma zona de sombra, protegendo a Praia Alegre da ação
das ondas – o que faz com que essa praia apresente quadro erosivo atenuado. Com base nestas
e demais informações disponíveis, foi possível inferir que a Praia de Piçarras tende a adotar
um perfil praial mais refletivo ao longo do tempo.
Palavras-chave: Modelagem numérica, Delft3D, morfodinâmica, Enseada do Itapocorói.
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1. INTRODUÇÃO
De acordo com Bird (2008), mais da metade do mundo vive em áreas costeiras e
muitos as visitam frequentemente. Tais regiões estão entre os ambientes mais dinâmicos do
planeta. Situadas em uma estreita faixa que separa os continentes dos oceanos, são áreas de
intensa troca de matéria e energia entre a terra e o mar. Inerentes às regiões costeiras, estão as
praias que Short (1999) define como ambientes que sofrem constantemente com alterações
morfodinâmicas resultantes de variações no regime energético incidente. Tais trocas
energéticas são promovidas pelo movimento das ondas, marés e correntes (na água e no ar).
São esses movimentos que dão forma ao perfil costeiro, produzindo formações terrestres
erosivas e deposicionais (VILES; SPENCER, 1995).
Short (1999) segue afirmando que a grande maioria das praias do planeta está sofrendo
processo de erosão, muitas vezes ocasionado por ação humana. Como exemplo à afirmação,
serve para estudo de caso a praia do Balneário de Piçarras, localizada no litoral centro-norte
do Estado de Santa Catarina – Brasil. Araújo (2008) analisa a situação explicando que ao
longo das últimas décadas a região sofre com sucessivos problemas decorrentes da erosão
costeira, sobretudo nas áreas onde se verificam as maiores taxas de desenvolvimento urbano.
De acordo com o autor, muitos estudos já foram realizados à medida que o processo erosivo
foi se agravando, no entanto, nenhuma medida tomada foi capaz de conter o avanço da
erosão. Na década de 1990, a situação tornou-se crítica a ponto da região sul da enseada,
próxima à desembocadura do rio Piçarras, apresentar praticamente toda a sua porção emersa
de praia erodida ao longo de 2 km de extensão. A partir disso, o governo municipal, em
parceria com a iniciativa privada, executou entre 1998 e 1999 a realização de um aterro
hidráulico. De acordo com Araújo, a obra serviu para restabelecer a linha de costa existente
anteriormente ao início do processo erosivo, porém, não conseguiu interromper a
continuidade do mesmo. Conforme análise do autor, ainda se verifica uma forte erosão
localizada principalmente nas adjacências da desembocadura do rio Piçarras, o que indica que
a região continua instável do ponto de vista da dinâmica sedimentar (ARAÚJO, 2008).
Assim como o estudo de caso realizado por Araújo (2008), muitas pesquisas já foram
realizadas tendo como objeto o Balneário de Piçarras e seus processos erosivos. No entanto,
ainda hoje, não há nada de conclusivo sobre o assunto. O presente trabalho visa desta forma,
propor um diferente olhar sobre a situação, tendo como ponto de partida a utilização do
Delft3D que, assim como outros modelos numéricos, pode ser utilizado na discretização dos
processos físicos que regem a morfodinâmica de praias arenosas e outros ambientes costeiros.
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Desenvolvido pela Deltares Hydraulics, o Delft3D pode ser utilizado como uma ferramenta
para a simulação de ambientes costeiros, estuarinos e fluviais (DELTARES, 2010a).
Uma das opções para o melhor entendimento da hidrodinâmica de uma praia é o seu
modelamento numérico. Devido à complexidade matemática, os modelos exigem esforço para
o cálculo de seus resultados e por isso são normalmente realizados com o auxílio de
computadores. Com a evolução da tecnologia, a modelagem computacional vem sendo uma
importante ferramenta para a solução de modelos numéricos, com especial aplicação em
ambientes complexos, reduzindo consideravelmente os custos e tempo implicados
(ANDRADE; ROSMAN, 2001).
Em suma, esta pesquisa pretende lançar um olhar colaborativo junto à discussão
científica que circunda o processo erosivo do Balneário de Piçarras, a partir da modelagem
numérica do local, levando em consideração dados de batimetria, ondulação e vento, além de
dados sedimentológicos.
O modelo Delft3D executa cálculos que resolvem as equações dos fenômenos do
transporte e do fluxo não estacionário geradas por forçantes meteorológicas e maregráficas
(DELTARES, 2010a), através dos quais é possível calcular a quantidade e direção do fluxo de
sedimentos dentro da célula sedimentar litorânea. Em linguagem simplificada, a modelagem
numérica consiste em uma maneira de olhar para o provável futuro da praia, prever danos e –
a partir de tal previsão – decidir por medidas mais eficazes no combate à erosão. Este trabalho
se justifica, neste caso em particular, na percepção de que todas as medidas tomadas até então
tiveram caráter meramente paliativo, não sobrevivendo à ação do tempo.
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2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Analisar a morfodinâmica da Praia de Piçarras utilizando modelagem numérica.
2.2 Objetivos Específicos
Implementar o Delft3D-flow para a enseada do Itapocorói considerando forçantes de
longo termo.
Implementar o Delft3D-Wave para analisar a alteração das ondas em águas rasas para
a enseada do Itapocorói através de modelagem numérica.
Analisar hidrodinâmica e as variações morfológicas para enseada do Itapocorói através
da integração do modelo de fluxo e do modelo de ondas.
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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
No Brasil, 9.200 km da costa são de praias arenosas oceânicas. Mesmo que de maneira
total, as praias ocupem apenas uma parcela da superfície do planeta, é impossível ignorar a
importância econômica e sócio ambiental dessas regiões. De acordo com Hoefel (1998), do
ponto de vista socioeconômico, as praias representam importantes áreas, em torno das quais
se desenvolvem cidades, balneários, atividades turísticas, comerciais e industriais. Segundo a
autora, estas atividades envolvem não só um significativo número de pessoas, como também
altos investimentos financeiros na forma de empreendimentos diversos e construções. Não é
difícil perceber que muitas das cidades litorâneas, principalmente no Brasil, devido ao clima
privilegiado, possuem sua economia baseada no turismo gerado pelas praias.
Em decorrência disso, ao longo do tempo as praias começaram a sofrer diretamente
com os efeitos do crescimento populacional, que trouxe consigo o aumento da ocupação das
costas e a multiplicação do uso que as pessoas fazem de tais áreas. Hoefel (1998) ainda
explica que tais efeitos refletem-se em praias cada vez mais lotadas, na proliferação de
condomínios litorâneos e outras construções à beira mar. Considerando o Brasil como um país
em desenvolvimento, tais mudanças vieram acontecendo de maneira desordenada que, além
de comprometer a qualidade estética e ambiental destes sistemas, também implica no
comprometimento da manutenção da estabilidade da linha de costa. Deste modo o fator
humano age paralelamente ao próprio dinamismo do ambiente praial, tornando-o instável.
3.1 Morfodinâmica praial
Short (1999) define praia como o resultado da interação entre dois ingredientes
fundamentais: ondas e sedimentos. Para o autor, a maneira mais simples de definir uma praia
é dizê-la como sendo o acúmulo de sedimentos depositados entre a base modal de ondas e o
limite superior de espraiamento. A base modal de ondas é a profundidade a partir da qual o
tipo de onda mais incidente numa região é capaz de suspender e transportar sedimentos.
Conforme Calliari et. al.(2003):
Variações temporais do estado da praia dependem fundamentalmente do
regime ondulatório de águas profundas, ao passo que, mudanças espaciais
dependem principalmente das variações na modificação das ondas à medida
que as mesmas se propagam para águas rasas. Estas modificações são
controladas pela geologia e configuração da costa. Tanto a variabilidade
temporal como a espacial são dependentes do tipo e da disponibilidade do
material que compõe a praia (2003).
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Praias arenosas, como a de Piçarras, possuem singularidades que levam em conta a
mobilidade de sedimentos transportados através das ondas, marés, ventos e correntes
litorâneas. Tal dinâmica resulta em processos de acresção ou erosão praial que, segundo Simó
e Horn Filho (2004), pode estar relacionada à ação humana. Para melhor compreender esse e
demais processos, é preciso recorrer ao conceito de morfodinâmica praial, definido por
Calliari et. al. (2003) como o método de estudo que integra observações morfológicas e
dinâmicas numa descrição mais completa e coerente da praia e zona de arrebentação. A
morfodinâmica praial envolve o processo retroalimentado, no qual as correntes
hidrodinâmicas provocadas pelos movimentos dos fluidos e geradas por ondas, marés e
correntes, alteram a topografia, que por sua vez, altera todos os processos citados (SHORT,
1999).
Short (1999) define erosão como sendo um desequilíbrio no balanço sedimentar da
praia, que resulta do aporte de sedimentos menos as perdas sedimentares num determinado
período de tempo. O resultado desta equação precisa ser positivo ou nulo para que a praia se
mantenha estável. Quando o balanço sedimentar é negativo, ocorre a erosão parcial ou
completa da praia.
Segundo Calliari et. al. (2003), a utilização dos conceitos desenvolvidos através do
estudo da morfodinâmica praial colabora significativamente com o gerenciamento e solução
de problemas relacionados às praias arenosas, no sentido em que o conhecimento do
comportamento morfodinâmico de uma praia específica permite o acompanhamento espaço-
temporal de ciclos de erosão/deposição e de patamares esperados de variação morfológica. O
autor segue afirmando que esse tipo de avaliação aumenta consideravelmente o grau de
sucesso das diversas atividades relacionadas ao gerenciamento costeiro específico a praias.
3.2 Ondas e correntes
Ondas são formadas pela ação do vento sobre a água, um processo que se inicia nas
áreas de oceano profundo, nas quais o vento possui pista para se propagar e assim conseguir
transferir energia suficiente para água até que sejam formadas as ondas, que podem se
propagar até a costa, dissipando essa energia na costa (KOMAR, 1983). Ao chegar até a costa
e entrar em contatado com áreas de menor profundidade, a onda passa a sofrer alterações de
diversos processos. Entre estes, se destacam: difração, refração e empolamento.
A refração ocorre devido à fricção com o leito causa alteração na velocidade de
propagação da onda, freando as porções que estão em zonas mais rasas, o que faz com que a
onda se curve lentamente, tendendo a chegar a ângulo mais perpendicular à linha costeira.
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A difração se caracteriza por uma distribuição lateral da energia ao longo da crista da
onda, partindo de um ponto mais alto da onda e chegando num ponto mais baixo. Este
fenômeno geralmente ocorre quando a onda encontra um obstáculo e sua propagação é
abruptamente interrompida.
O empolamento é o aumento na altura da onda, resultante da sua interação com o
fundo. A redução da velocidade de propagação que ocorre quando a onda entra em uma área
rasa faz com que haja um aumento na energia de onda, que é expresso fisicamente com o
aumento da altura da onda (HOEFEL, 1998).
A energia conduzida pelas ondas se dissipa quando elas colapsam nas praias, o que
gera correntes inerentes à zona de surf. Estas correntes podem ser longitudinais ou
transversais à costa. As correntes longitudinais seguem paralelas à costa e têm sua velocidade
reduzida em direção ao oceano. Estas correntes podem transportar sedimentos por longas
distâncias ao longo da costa num fenômeno conhecido como deriva litorânea. Este tipo de
corrente pode se formar quando as ondas incidem obliquamente à praia.
As correntes transversais, também chamadas de correntes de retorno ou ainda rip
currents, são fluxos estreitos e velozes e correm ortogonal ou obliquamente a costa passando
pela zona de surf em direção ao oceano. São geradas normalmente pelo empilhamento de
água na costa, fazendo com que haja necessidade de vazão para que esta massa retorne ao
oceano. As correntes de retorno são muito efetivas no transporte de sedimento devido a sua
velocidade (SHORT, 1999).
3.3 Modelagem numérica e Delft3D
Os primeiros modelos computacionais que simulam a evolução temporal dos sistemas
costeiros começaram a ser desenvolvidos na década de 1970. De acordo com Martinez e
Harbaugh (1993), até o início da década de 1990, eram utilizados procedimentos
computacionais que combinavam relações empíricas e a teoria clássica da hidrodinâmica das
ondas a fim de prever o comportamento da praia em resposta à ação humana ou alterações
ambientais. No entanto, tais previsões eram ainda muito simplistas. Os autores sugerem a
inclusão de novas e mais detalhadas variáveis, servindo de parâmetro para as ferramentas de
modelagem numérica que foram desenvolvidas a partir de então, e evoluíram juntamente com
a tecnologia. Através da modelagem numérica, tal qual como a concebemos hoje, é possível
simular e prever propagação de ondas, sistema de correntes e transporte sedimentar em
diferentes escalas espaciais e temporais.
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Rosman (2009) explica a necessidade da aplicação de modelos numéricos na gestão de
recursos hídricos devido à complexidade ambiental dos corpos de água naturais. Os modelos
numéricos são ferramentas integradoras, através das quais se obtém uma visão dinâmica dos
processos em sistemas complexos.
Uma ferramenta de modelagem numérica cada vez mais utilizada na área é o Delft3D.
O software, desenvolvido pela Deltares Hydraulics – em conjunto com a Delft University of
Technology –, é capaz de realizar simulações computacionais bidimensionais e
tridimensionais para os ambientes costeiros, lóticos e estuarinos. Ele simula fluxos, transporte
de sedimentos, ondas, desenvolvimento morfológico, entre outros processos.
O Delft3D é composto por um conjunto de módulos, dentre os quais os que serão
utilizados nesse trabalho: Delft3D-FLOW, Delft3D-WAVE, Delft3D-MOR, RGFGRID,
QUICKIN e QUICKPLOT.
3.3.1 Delft3D-FLOW
Deltares (2010a) explica que o aumento da conscientização sobre os problemas
ambientais fez com que cientistas e engenheiros se voltassem para a tentativa predizer o fluxo
em sistemas aquáticos. Segundo a empresa, modelos matemáticos adequados são capazes de
fornecer informações confiáveis sobre fluxo de fluidos, ondas, qualidade da água, transporte
de sedimentos e morfologia. No entanto, de forma geral, o primeiro passo para obter todas
estas informações reside em modelar o fluxo propriamente dito. A simulação do fluxo,
portanto, é a base da investigação, independentemente de o problema estar relacionado à
estabilidade de uma obra costeira, dispersão de poluente ou transporte de sedimentos.
O programa de simulação hidrodinâmica e de transporte multidimensional (2D e 3D)
calcula os fenômenos de fluxo produzidos pelas forçantes meteorológicas e maregráficas. O
módulo possui diversas áreas de aplicação, dentre as quais se destacam:
- Fluxos gerados por maré e/ou ventos.
- Transporte de sedimento e morfologia.
O módulo Delft3D-FLOW ainda fornece e simula a base hidrodinâmica para os
módulos de onda e de morfologia, resolvendo as equações de fluxo não estacionário em águas
rasas em duas ou três dimensões, a partir de uma malha retangular ou curvilínea de diferenças
finitas. Deste modo, o módulo resolve as equações: de quantidade de movimento horizontal e
vertical, da continuidade, do transporte de constituintes conservativos.
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3.3.2 Delft3D-WAVE e MOR
O Delft3D-WAVE utiliza a terceira geração do modelo SWAN (Simulating Waves
Nearshore) para simular ondas próximas à costa, em estuários e lagos entre outros ambientes.
O modelo SWAN leva em consideração a propagação de ondas devido a corrente e a
profundidade e representa os processos de geração de ondas pelo vento e dissipação originada
na quebra das cristas das ondas, fricção com o fundo e a quebra das ondas propriamente ditas.
O bloqueio das ondas por correntes também estão discretizadas pelas fórmulas utilizadas no
modelo. O SWAN é capaz de calcular a interação de ondas vindas de todos os ângulos e em
diferentes frequências. Com o Delft3D-WAVE é possível utilizar malhas curvilíneas o que
viabiliza a junção com o Delft3D-FLOW (DELTARES, 2010b).
Por sua vez, o módulo MOR do Delft3D integra os efeitos das ondas, correntes e
transporte de sedimento para estimar o desenvolvimento morfológico. Ele foi elaborado para
simular o comportamento morfodinâmico de rios, estuários e áreas costeiras em escalas de
tempo que podem variar de dias a anos devido às complexas interações entre todos os
processos que regem a morfodinâmica de um determinado ambiente. Esses processos são
calculados pelos diferentes módulos listados acima. Na versão do Delft3D que foi utilizada
neste trabalho, o módulo morfológico foi acoplado ao módulo hidrodinâmico (Delft3D-
FLOW), e deixou de ser um programa à parte (DELTARES, 2010a).
16
4. MATERIAL E MÉTODOS
4.1 Área de Estudo
A cidade de Balneário de Piçarras está localizada no litoral centro-norte catarinense,
onde se encontra a praia de Piçarras, objeto de estudo do presente trabalho (Figura 1). Com
aproximadamente 8,8 km, a praia se limita ao norte pelo promontório de Itajuba e ao sul pela
desembocadura do rio Piçarras. Ao sul da desembocadura e até a Ponta da Penha, encontra-se
a praia Alegre, pertencente ao município de Penha. Esta, por sua vez, tem aproximadamente 1
km de extensão. As duas praias compõem a enseada do Itapocorói. Nos meses de verão, a
região se torna um importante balneário para a realização de atividades relacionadas ao
turismo.
Figura 1: Área de Estudo.
Fonte: Araújo (2008).
A parte norte da enseada apresenta-se praticamente retilínea, ao passo que a porção sul
assume uma forma recurvada que a protege das ondulações provenientes dos quadrantes
sudeste e sul. Na isóbata de 20 metros encontra-se a Ilha Feia, adjacente à Ponta da Penha. A
17
partir da desembocadura do rio na direção norte a morfologia da praia se apresenta mais
variável devido ao regime energético incidente, enquanto que a porção da praia Alegre, mais
abrigada, apresenta menor variabilidade da linha de costa. O estágio morfodinâmico da praia
foi definido como refletivo – a ausência de bancos de sedimentos na região e a granulometria
relativamente grossa fazem com que as ondas quebrem próximas à costa com tipo de
arrebentação mergulhante (KLEIN e MENEZES, 2001; HOEFEL, 1998; ARAÚJO, 2008).
No que diz respeito à erosão, as praias em questão servem de exemplo da interferência
humana na morfologia praial. De acordo com Araújo (2008), a desembocadura do rio
Piçarras, corpo d'água que deságua no balneário em questão, foi fixada no ano de 1974,
fazendo com que o quadro erosivo começasse a ser percebido.
O crescimento populacional e o consequente incremento nas atividades de turismo,
com novas obras de infraestrutura próximas à região costeira, além da canalização de esgotos
domésticos e águas pluviais em direção à praia começaram a gravar visivelmente o processo
erosivo, principalmente após eventos de tempestade ou períodos chuvosos (ARAÚJO, 2008).
O autor destaca uma série de obras que foram realizadas com o intuito de reverter ou conter a
erosão desde então:
1989: São construídos cinco gabiões com espaçamento de cerca de 100m entre si a
partir de 50m ao norte do início da Av. Beira-Mar.
1994: É construído um espigão com 25m, localizado 400m ao norte do Rio Piçarras.
1999: É feita a recuperação da faixa de areia através da reposição de 880.000m³ de
sedimento em 2.1km de praia.
2008: Piçarras novamente apresenta diminuição visível no pacote sedimentar,
evidenciando o processo erosivo.
2011: Inicia-se a construção de dois espigões em forma de T. O espigão localizado ao
norte possuindo 125m de comprimento e 60m de largura e o localizado ao sul
possuindo 160m de comprimento e 60m de largura. A distância entre ambos sendo de
800m.
2013: É concluída a reposição de cerca de 785.989,51m³ de areia à 2km a partir do
molhe do Rio Piçarras até o espigão norte.
O que a linha do tempo do processo erosivo de Piçarras e das ações tomadas para
revertê-lo mostra é que, até o momento, nenhuma obra foi capaz de resolver em definitivo o
problema enfrentado na localidade. Deste modo, cabe seguir investigando a morfologia do
local através de modelagem numérica a fim de aumentar o volume de informações. Vale
18
destacar que o modelo proposto neste trabalho utiliza batimetria e linha de costa anteriores ao
início das obras de 2011.
4.2 Casos de ondas
Os dados necessários para alimentar o modelo de ondas Delft3D-WAVE foram
extraídos de Ribas de Almeida (2013). A autora utilizou um modelo numérico (SMC) e dados
de ventos da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration). Com uma série
temporal de 60 anos, simulou-se a propagação de ondas do mar profundo até a costa da praia
de Piçarras num ponto localizado a 20 metros de profundidade, a partir do qual a altura
significativa, período e direção de ondas foram obtidos. Após a análise estatística, a autora
concluiu que aproximadamente 93% das ondas incidentes na região provinham de 4 direções,
sendo estas: E (leste), SE (sudeste), ESE (leste-sudeste) e ENE (leste-nordeste). A altura
significativa de onda (Hs), período de pico (Tp), direção e probabilidade de ocorrência
encontram-se na Tabela 1:
Tabela 1 – Direção, probabilidade, Hs e Tp utilizados no trabalho.
Direção Direção (Graus) Probabilidade Hs (m) Tp (s)
E 90⁰ 23,22% 1,14 7,44
SE 135⁰ 9,71% 1,20 7,04
ESE 112,5⁰ 53,98% 1,25 7,26
ENE 67,5⁰ 5,9% 1,07 7,28
4.3 Malhas computacionais
As malhas utilizadas neste trabalho foram confeccionadas no módulo RGFGRID do
Deldft3D, possuindo um espaçamento máximo de 60 x 60 metros nas maiores células, de 20 x
20 metros nas menores células da malha utilizada para o modelo hidrodinâmico e morfológico
e 90 x 90 metros na malha utilizada para propagar ondas. Para reduzir o ruído e aumentar a
confiabilidade do resultado gerado a partir de uma malha computacional, esta necessita
atender a alguns requisitos descritos no manual do RGFGRID, como por exemplo,
ortogonalidade e número de Courant. As malhas em questão atendem a estes parâmetros. Na
Figura, podem-se visualizar as malhas utilizadas neste trabalho:
19
Figura 2: Malhas de propagação de onda e de cálculo hidrodinâmico e morfológico utilizadas.
20
4.4 Batimetria e linha de costa
A batimetria detalhada foi coletada em atividades de campo realizadas pelo
Laboratório de Oceanografia Geológica da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), em
2011, e disponibilizada pelo Laboratório de Geoprocessamento e ainda foram adicionados os
dados batimétricos de cartas náuticas. Estes foram tratados e interpolados utilizando o módulo
QUICKIN do Delft3D. Os resultados podem ser observados na Figura 3. A linha de costa foi
composta no programa ArcGIS, a partir dos dados de batimetria e, posteriormente, convertida
para o formato de arquivo aceito pelo Delft3D (.ldb) através do programa Global Mapper. O
ponto de referência foi a isóbata de 0 metros.
21
Figura 3: Mapa Batimétrico
22
4.5 Sedimento e MORFAC
A partir do trabalho de Araújo (2008), determinou-se a utilização de um tamanho de
grão de 0,32 mm, sendo esta a média do tamanho de grão encontrado na área onde o processo
erosivo é mais acentuado. Os demais dados de entrada do modelo referentes ao sedimento
incluem a densidade específica do material, neste caso o quartzo com 2.650 kg/m³.
De forma geral o modelo morfodinâmico consiste em um processo que utiliza
sequencialmente os resultados do modelo hidrodinâmico de transporte de sedimentos e os
resultados quanto às atualizações no nível do leito, e os inclui na iteração seguinte. Contudo,
as escalas temporais de alterações morfológicas são muito maiores do que as escalas
temporais das alterações hidrodinâmicas. Então, para evitar cálculos desnecessários e com
isso melhorar o desempenho computacional do modelo, o módulo morfodinâmico só é
atualizado após algum tempo de processamento (time steps) do módulo hidrodinâmico. A
abordagem do MORFAC (Fator de Aceleração Morfológico) parte deste princípio, utilizando
um fator que multiplica as alterações morfodinâmicas otimizando o processo e permitindo
períodos de simulação computacional mais longos em menos tempo (RANASINGHE, 2011).
Entretanto, o módulo de ondas não pondera a probabilidade de ocorrência de cada caso de
onda, e os simula com uma ocorrência de 100%, o que demanda que certos ajustes sejam
feitos para que o modelo simule situações mais próximas da realidade. Para tanto, o
MORFAC foi calculado utilizando a porcentagem de ocorrência para cada caso de onda, o
que originou um fator de multiplicação que simula alterações morfológicas ao longo de 1 ano
em apenas 15 dias de cálculo hidrodinâmico. O cálculo parte da seguinte lógica: se um caso
de onda ocorre apenas 6% ao ano, ele ocorreria em apenas 21,9 dos 365 dias do ano, neste
caso particular o período de simulação foi de 15 dias, o que requer um fator que multiplique
as alterações morfodinâmicas para que se alcancem os 21,9 dias, este fator é 1,46 para este
caso específico (LESSER, 2009). Deste modo:
MORFAC = Período Real * % Ocorrência de Onda (em decimal)
Período de Simulação
Abaixo, segue a fórmula para o cálculo do fator de aceleração morfológico e a tabela
com cada caso de onda e seus respectivos fatores (as porcentagens de ocorrência foram
arredondadas):
23
Caso de Onda % de Ocorrência Período Real Período de Simulação MORFAC
E 23 365 15 5,60
SE 10 365 15 2,43
ESE 54 365 15 13,14
ENE 6 365 15 1,46
4.6 Fronteiras do modelo e demais condições de contorno
As fronteiras do modelo hidrodinâmico são fechadas nos limites continentais e abertas
nos limites oceânicos, o que requer uma forçante hidrodinâmica que represente a influência
do universo não modelado e estenda ao modelo parâmetros iniciais e diretrizes para o
comportamento dos processos ao longo do tempo de simulação (DELTARES, 2010a). Neste
caso, as fronteiras oceânicas são do tipo “nível da água” e são regidas por forçantes
astronômicas, ou seja, a maré. Para simular de forma adequada o fenômeno de maré, utilizou-
se das constantes harmônicas que a compõem, especificamente para o local mais próximo da
área de estudo que possui e disponibiliza esta informação, a estação maregráfica localizada na
cidade de Penha (Anexo 1).
Para modelar o rio Piçarras, responsável pelo maior aporte de água doce na região,
também se utilizou de uma fronteira aberta, mas seu tipo foi “descarga total”, tipo este que
simula um influxo no modelo. A forçante foi uma série temporal constante que simula uma
vazão de 3m³/s. Esta vazão foi estimada por Paim (2012) que para tanto, utilizou o modelo
SWAT (Soil and Water Assessment Tool) acoplado ao sistema de informações geográficas
ArcGIS em condições normais de precipitação.
O valor de salinidade utilizado foi de 0 psu já que o modelo foi executado em 2D. A
densidade foi de 1025 kg/m³ para simular a densidade da água salgada.
4.7 Ventos
Os dados de vento foram coletados no site do INMET e referem-se às condições
observadas de 02 de Fevereiro de 2013 a 21 de Fevereiro de 2013, pela estação meteorológica
automática localizada na cidade de Itajaí. As informações utilizadas no modelo referem-se à
velocidade e direção dos ventos a cada uma hora, interpoladas de forma linear pelo Delft3D-
Flow.
24
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste capítulo são descritos os resultados obtidos referentes à altura significativa de
onda (Hs), direção de onda, correntes e variações morfológicas para cada um dos quatro casos
de estudados.
É impotante ressaltar que o modelo aqui descrito não foi validado e nem calibrado, e
que todos os resultados aqui descritos têm caráter qualitativo.
5.1 Resultados para os casos de onda simulados
Para o caso de onda E (Figura 4), a maior altura significativa foi de 1,13 metros e estas
ocorrências estão localizadas em pontos mais distantes da costa. Já nas proximidades da linha
de costa, as alturas significativas ficaram entre 0,3 metros (mais ao sul) e 0,9 metros (mais ao
norte). As ondas mantiveram a sua direção até a chegada à linha de costa na porção norte. Na
porção sul, devido aos fenômenos de refração e difração, as ondas tiveram sua direção
bastante alterada, chegando à Praia Alegre com direção de aproximadamente 115⁰.
Para o caso de onda ENE (Figura 5), a maior Hs foi de 1,15 metros. , para o caso de
onda ESE (Figura 6), a maior Hs foi de 1,06 metros, para o caso de onda SE (Figura 7), a
maior Hs foi de 0,86 metros. A distribuição das alturas significativas e direções para todos os
casos foram semelhantes ao caso de ondas de Leste.
25
Figura 4: Hs e direção de onda para o caso de ondas vindas de E.
26
Figura 5: Hs e direção de onda para o caso de ondas vindas de ENE.
27
Figura 6: Hs e direção de onda para o caso de ondas vindas de ESE.
28
Figura 7: Hs e direção de onda para o caso de ondas vindas de SE.
29
5.2 Resultados para as correntes obtidas nas simulações numéricas
Para todos os casos de onda, os dados de correntes foram obtidos durante as enchentes
e vazantes das marés de sizígia e quadratura. Deste modo, as velocidades e direções das
correntes correspondem à somatória da interação entre as correntes geradas por maré e as
correntes geradas por cada caso de onda. Para melhor visualização e discussão dos
resultados, cada caso de onda será tratado separadamente.
5.2.1 Correntes geradas por ondas vindas de E
As ondas provenientes de E correspondem a aproximadamente 23% de todas as ondas
que chegam a costa da Enseada do Itapocorói. Este tipo de onda gera uma corrente que vem
de norte e curva-se para leste em direção ao oceano, independente da situação de maré, com
velocidade variando de 0,30 a 0,84 m/s. Nas enchentes de sizígia (Figura 8) e de quadratura
(Figura 10) há ocorrência de uma corrente que contorna a Ponta da Penha e corre paralela à
praia de Piçarras até a porção central desta, e então afasta-se costa se dirigindo para o oceano,
e no caso de sizígia, formando diversos vórtices. Já nas vazantes de sizígia (Figura 9) e de
quadratura (Figura 11) a corrente que antes passava ao norte da Ponta Penha agora une-se as
correntes geredas pelas vazantes da maré e segue rumo ao oceano.
30
Figura 8: Correntes geradas pelas ondas vindas de Leste na enchente da maré de sizígia.
31
Figura 9: Correntes geradas pelas ondas vindas de Leste na vazante da maré de sizígia.
32
Figura 10: Correntes geradas pelas ondas vindas de Leste na enchente da maré de quadratura.
33
Figura 11: Correntes geradas pelas ondas vindas de Leste na vazante da maré de quadratura.
34
5.2.2 Correntes geradas por ondas vindas de ENE
As correntes geradas por ondas vindas de ENE, que representam apenas 6% do total
de ondas, são, de forma geral, ligeiramente mais rápidas que as correntes formadas por ondas
provenientes de Leste. Já as direções das correntes são bastante semelhantes. Duas correntes
se destacam: a que vem de norte e curva-se para oeste em direção ao oceano, independente da
situação de maré, e a corrente que nos casos de enchente de sizígia (Figura 12) e de
quadratura ( Figura 14) vence a Ponta da Penha chegando à porção central da praia de
Piçarras e que nas vazantes de sizígia (Figura 13) e de quadratura ( Figura 15) faz uma curva à
leste seguindo em direção ao oceano.
35
Figura 12: Correntes geradas pelas ondas vindas de ENE na enchente da maré de sizígia.
36
Figura 13: Correntes geradas pelas ondas vindas de ENE na vazante da maré de sizígia.
37
Figura 14: Correntes geradas pelas ondas vindas de ENE na enchente da maré de quadratura.
38
Figura 15: Correntes geradas pelas ondas vindas de ENE na vazante da maré de quadratura.
39
5.2.3 Correntes geradas por ondas vindas de ESE
As ondas provenientes de ESE são predominantes, representando cerca de 54% do
total de ondas. Sob esse regime, diversas zonas de turbulência e vórtices ocorrem
principalmente em condições de sizígia. É possível observar na enchente de quadratura
(Figura 18) e na enchente de sizígia (Figura 16) a deriva litorânea através da corrente que vai
de Sul para Norte, paralela à costa. Pode-se também observar na Figura 18 que há a formação
de um vórtice em frente à Praia Alegre. Já nas vazantes de quadratura (Figura 19) e de sizígia
(Figura 17) vórtices se formam à sudoeste e sul da Ilha feia e ao redor da Laja do Jaques. A
corrente que nos casos de sizígia seguia de sul para norte deixa de existir, e como apontam os
vetores, as correntes de maré afastam a água da costa, seguindo na direção leste rumo ao
oceano.
40
Figura 16: Correntes geradas pelas ondas vindas de ESE na enchente da maré de sizígia.
41
Figura 17: Correntes geradas pelas ondas vindas de ESE na vazante da maré de sizígia.
42
Figura 18: Correntes geradas pelas ondas vindas de ESE na enchente da maré de quadratura.
43
Figura 19: Correntes geradas pelas ondas vindas de ESE na vazante da maré de quadratura.
44
5.2.4 Correntes geradas por ondas vindas de SE
As ondas vindas de SE representam aproximadamente 10% do total de ondas que
chega a costa da Enseada do Itapocorói. As enchentes de sizígia (Figura 20) e de quadratura
(Figura 22) apresentam um padrão de correntes semelhantes, em ambos os casos há uma
corrente que vem de norte para sul, e divide-se nas proximidades da Ponta da Penha, a partir
daí parte do fluxo segue para leste rumo ao oceano e parte segue para oeste formando outra
corrente que vai agora de sul para norte margeando a praia de Piçarras e formando alguns
vórtices. Nas vazantes de sizígia (Figura 21) e de quadratura (Figura 23) as correntes
formadas fluem de oeste para leste afastando-se da costa. Em ambos os casos de quadratura,
ocorre a formação de um vórtice ao leste da Ilha Feia.
45
Figura 20: Correntes geradas pelas ondas vindas de SE na enchente da maré de sizígia.
46
Figura 21: Correntes geradas pelas ondas vindas de SE na vazante da maré de sizígia.
47
Figura 22: Correntes geradas pelas ondas vindas de SE na enchente da maré de quadratura.
48
Figura 23: Correntes geradas pelas ondas vindas de SE na vazante da maré de quadratura.
49
5.3 Variações Morfológicas
As variações morfológicas são apresentadas em relação a taxa sedimentação e/ou
erosão acumuladas para a Enseada do Itapocorói no fim do período de simulação de 365 dias
para cada caso de onda, na forma de metros de profundidade de sedimento (15 dias de
simulação hidrodinâmica multiplicado pelo MORFAC). De forma geral, todos os cenários
mostram a erosão de porções adjacentes à praia e a consequente deposição, contudo este fato
não pode ser interpretado de maneira positiva, já que na maioria dos casos os volumes
erodidos são superiores aos volumes depositados, o que gera um balanço sedimentar negativo
caracterizando assim o processo erosivo.
Para o caso de ondas E, as correntes geradas causaram um padrão de erosão e
sedimentação que se estende por toda a costa (Figura 24), aumentando a profundidade nas
regiões adjacentes à costa de 0,21 a 1,31 metros de profundidade, e depositando de 0,23 a
1,34 metros de sedimento em direção ao continente.
Para o caso de ondas ENE (Figura 25), o processo erosivo foi mais intenso em toda a
parte central e norte da praia de Piçarras e logo ao norte da desembocadura do rio Piçarras,
com uma redução na profundidade variando de 0,14 a 1,36 metros na porção mais profunda e
deposição de 0,10 a 1,20 metros nas partes mais rasas.
O caso de ondas ESE é o mais frequente na região, este fato se reflete nas condições
morfológicas resultantes após um ano de ocorrência deste tipo de onda (Figura 26). Erodindo
entre 0,33 e 3,72 metros e depositando apenas de 0,45 a 3,76 metros na área que apresenta um
quadro crítico de erosão. Área esta que se localiza imediatamente ao norte da desembocadura
do rio Piçarras e se estende por cerca de dois quilômetros (Araújo, 2008). Mais ao norte da
praia, o processo erosivo não foi tão intenso, já que as porções de sedimento removidas se
localizam mais afastadas da costa e as taxas de sedimentação foram maiores.
O caso de ondas SE foi o que menos retrabalhou o sedimento, como pode ser
observado na Figura 27. O máximo erodido foi de 2,6 m em alguns pontos mais ao norte da
praia. De acordo com o resultado obtido, as correntes geradas por esse tipo de onda não são as
responsáveis pela zona de erosão acentuada na praia de Piçarras. Isso se deve ao fato de a
Ponta da Penha criar uma criar uma zona de sombra maior para essa direção de onda. Em
resultado disso, a praia Alegre se encontra totalmente dentro da zona sombreada e pouco
sofreu modificações, apresentando células erosivas próximas a costa de cerca de 0,12 a 2,56
metros e sedimentação de 0,08 a 2,67 metros, e isto apenas imediatamente ao sul da
50
desembocadura do rio Piçarras, o restante do perímetro da linha de costa não sofreu alterações
significativas.
51
Figura 24: Sedimentação/Erosão Acumuladas para o caso de ondas de E.
52
Figura 25: Sedimentação/Erosão Acumuladas para o caso de ondas de ENE.
53
Figura 26: Sedimentação/Erosão Acumuladas para o caso de ondas de ESE.
54
Figura 27: Sedimentação/Erosão Acumuladas para o caso de ondas de SE.
55
De forma geral e de acordo com o modelo, a praia de Piçarras assumirá um perfil mais
refletivo após um ano de alterações morfológicas sob o regime das ondas analisadas. Isso se
deve ao fato de que para todos os casos de onda, com exceção apenas para as ondas vindas de
sudeste (que representam apenas 10% do total de ondas incidentes), quadros erosivos se
estabeleceram por toda orla da Enseada do Itapocorói, seguidos por quadros deposicionais
localizados mais próximos à costa, o que tende a aumentar o ângulo de inclinação do perfil
praial conferindo assim as características refletivas mencionadas. Ao assumir essas
características, as ondas passam a incidir com maior energia, já que não dispõem de pista para
quebrar e se recompor porque não há mais um gradiente batimétrico suave. Ao chegar à costa
com maior energia, as ondas geram correntes mais fortes, fazendo com que o sedimento seja
resuspenso e então levado para norte pela corrente que margeia a linha de costa da praia de
Piçarras em todos os casos de onda e maré modelados.
A Praia Alegre sofreu menos com o processo erosivo em comparação às outras áreas
que compõem a Enseada do Itapocorói. Isto pode se dar devido a zona de sombra que ocorre
no local, consequência da posição da Ponta da Penha em relação ao ângulo de incidência de
ondas, que faz que estas tenham sua energia reduzida através dos processos de refração e
difração.
Nas condições simuladas, o rio Piçarras não expressou nenhuma importância no
transporte de sedimentos ou formação de corrente, devido à baixa vazão atribuída a ele em
períodos normais de precipitação.
56
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o término das simulações realizadas durante este trabalho de pesquisa, algumas
informações puderam ser obtidas. Pôde-se observar que o caso de onda que mais contribui
para o quadro erosivo na Enseada do Itapocorói é o Sul-Sudeste (ESE), por ser o que possui
maior probabilidade de ocorrência. O caso que menos contribui com tal quadro são as ondas
provenientes de Sudeste (SE). A deriva litorânea segue no sentido de Sul para Norte,
resultado de uma corrente que se forma no caso de onda mais incidente (ESE).
Observou-se também que a Ponta da Penha cria uma zona de sombra, protegendo a
Praia Alegre da ação das ondas – o que faz com que essa praia apresente quadro erosivo
atenuado. Com base nestas e demais informações disponíveis, é possível inferir que a Praia de
Piçarras tende a adotar um perfil praial mais refletivo ao longo do tempo.
É de conhecimento geral que a Enseada do Itapocorói já serviu como área de estudo
para uma gama de trabalhos acadêmicos. No entanto, o interesse da academia se justifica no
sentido em que se trata de uma condição singular e que clama por soluções que tanto a
comunidade científica quanto as instituições governamentais vêm tentando prover. Este
trabalho não tem a pretensão de oferecer tal solução. Trata-se de mais um acréscimo no
volume de informações já existentes. Fica claro que novas pesquisas precisam ser
desenvolvidas no interesse de prover uma solução eficaz para o problema de erosão na praia
de Piçarras.
Neste tipo de trabalho científico, por mais técnico que seja, é impossível desconsiderar
o fator humano. Existem muitas pessoas que residem e têm vários aspectos de suas vidas
diretamente relacionados a tal área de estudo. No curso de oceanografia, são ensinadas
questões relacionadas às inter-relações entre os processos físicos, químicos e biológicos que
ocorrem nos oceanos e seus limites. Porém, vale destacar que o fim maior de qualquer
formação acadêmica reside no aprimoramento da qualidade da vida humana enquanto
sociedade e, especificamente neste caso, nas suas relações com o meio ambiente que a cerca.
Em suma, o que se espera após a conclusão deste trabalho é contribuir – ainda que
brevemente – com uma questão que ainda precisa permanecer na pauta da comunidade
científica.
57
7. REFERÊNCIAS
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59
ANEXOS
Anexo1: Constituintes harmônicas da maré.