avaliaÇÃo dos efeitos das mudanÇas climÁticas sobre …
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE ECOLOGIA
DEPARTAMENTO DE OCEANOGRAFIA E LIMNOLOGIA
MARCELLE STEPHANNE BARBOSA DA SILVA
AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS SOBRE A
MACROALGA Gracilaria birdiae – IMPLICAÇÕES PARA A AQUICULTURA
NATAL/RN
NOVEMBRO, 2019
MARCELLE STEPHANNE BARBOSA DA SILVA
AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS SOBRE A
MACROALGA Gracilaria birdiae – IMPLICAÇÕES PARA A AQUICULTURA
Monografia apresentada ao Departamento de Ecologia, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito
para obtenção do título de Bacharel em Ecologia.
Orientadora: Profª. Drª. Eliane Marinho Soriano
Coorientadora: Drª. Marcella Araújo do Amaral Carneiro
Natal - RN
201
Barbosa-Silva, Marcelle Stephanne. Avaliação dos efeitos das mudanças climáticas sobre amacroalga Gracilaria birdiae: implicações para a aquicultura /Marcelle Stephanne Barbosa da Silva. - Natal, 2019. 33 f.: il.
Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grandedo Norte. Centro de Biociências. Graduação em Ecologia. Orientadora: Profa. Dra. Eliane Marinho Soriano. Coorientadora: Dra. Marcella Araújo do Amaral Carneiro.
1. Aquecimento global - Monografia. 2. Temperatura -Monografia. 3. Salinidade - Monografia. 4. Cultivo de macroalga- Monografia. I. Soriano, Eliane Marinho. II. Carneiro, MarcellaAraújo do Amaral. III. Universidade Federal do Rio Grande doNorte. IV. Título.
RN/UF/BSE-CB CDU 504.7
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Leopoldo Nelson - Centro de Biociências - CB
Elaborado por KATIA REJANE DA SILVA - CRB-15/351
MARCELLE STEPHANNE BARBOSA DA SILVA
AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS SOBRE A
MACROALGA Gracilaria Birdiae – IMPLICAÇÕES PARA A AQUICULTURA
Monografia apresentada ao Departamento de Ecologia, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito para obtenção do título de Bacharel em Ecologia.
Aprovada em: 29/11/ 2019
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
Profª. Drª. Eliane Marinho Soriano (Orientadora)
Departamento de Oceanografia e Limnologia (DOL) – Centro de Biociências
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Graco Aurélio Câmara de Melo Viana (Membro)
Departamento de Oceanografia e Limnologia (DOL) – Centro de Biociências
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_____________________________________________________________
Me. Felipe de Oliveira Fernandes (Membro externo)
Departamento de Ecologia (DECOL) – Centro de Biociências
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Dedico aos meus avôs Veleyda de Brito Barbosa e
Josimar Benigno de Sousa por todo carinho, apoio e
incentivo
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte por me proporcionar a oportunidade
de realizar a graduação em Ecologia.
À minha orientadora, a Profª. Drª. Eliane Marinho Soriano, pela compreensão,
paciência, carinho e pelo conhecimento compartilhado ao longo de sua orientação.
À minha co-orientadora, Marcella Araújo do Amaral Carneiro, pelo carinho, amizade,
paciência, conselhos e por todo tempo que dedicou a me ajudar para realização deste trabalho.
A meus amigos do Laboratório de Macroalgas, Felipe, Júlia, Ana Beatriz e Henrique,
pela amizade, risadas, companheirismo, conselhos e ajuda em cada etapa desse trabalho.
Aos professores Juliana Dias e Adriano Caliman pelo auxílio nas dúvidas sobre as
análises estatísticas.
Ao professor Fúlvio Freire e a Bruno pela imensa ajuda na construção do conhecimento
sobre funções matemáticas, que foram usadas para a realização das curvas de luz.
À minha família pelo carinho e apoio nessa jornada, em especial aos meus avôs, Veleyda
de Brito Barbosa e Josimar de Souza, por sempre acreditarem em mim e terem sido parte
fundamental para a realização do sonho da graduação.
Aos meus três cachorros, Elvis, Sirius e Loki, por todos os momentos de carinho, por
me darem amor incondicional e serem a alegria dos meus dias.
Às minhas amigas, Nathália, Geovanna, Júlia, Cássia, Valéria e Scarlett, pelo
companheirismo durante esses quatro anos de graduação, apoio nos momentos mais difíceis e
por todos os momentos maravilhosos que tivemos nessa dura jornada.
A meu namorado, Jonas, pela compreensão, carinho, afeto e apoio nos momentos
difíceis nessa reta final.
RESUMO
No momento atual, muito se pergunta como as mudanças climáticas irão afetar os organismos
e ecossistemas, principalmente nos ambientes marinhos costeiros. Considerando essa
perspectiva, fica a dúvida de como essas alterações no clima irão impactar setores da economia
que tem como base organismos marinhos, como a aquicultura. Diante desse cenário, este estudo
teve como objetivo avaliar a resposta fisiológica da agarófita Gracilaria birdiae, espécie nativa
com maior potencial de cultivo no Brasil, frente às alterações de temperatura e salinidade
ocasionadas pelas mudanças climáticas. A macroalga estudada foi coletada na praia de
Cotovelo, Parnamirim, RN. Os tratamentos escolhidos para compor esse estudo foram
elaborados com base nos cenários RCP 2.6 e RCP 4.5, previstos pelo IPCC 2014
(Intergovernmental Panel on Climate Change). De acordo com esses cenários, foram
elaborados quatro tratamentos: T1 (28 °C e 36 PSU); T2 (28 °C e 34 PSU); T3(29 °C e 36 PSU)
e T4 (29 °C e 34 PSU). Todos os tratamentos foram realizados com quatro réplicas. A
determinação da biomassa, TCR e fluorescência in vivo da clorofila foi realizada a cada 2 dias,
durante o período de 12 dias. Em todos os tratamentos, G. birdiae apresentou valores positivos
de biomassa e TCR ao longo do experimento. Tanto biomassa quanto a TCR apresentarão
valores mais elevados no tratamento com maior temperatura e menor salinidade (T4). Para o
ETRmáx, Ik e Yield, a alga demonstrou melhor desempenho nos tratamentos com menor
salinidade (T2 e T4). Entre todos os tratamentos avaliadas, o T3 foi o cenário em que G. birdiae
apresentou menores valores. Diante desses resultados, podemos observar que G. birdiae, por
ser considerada uma espécie eurialina e euritérmica, que está presente em um ambiente com
grande estresse ambiental, pode não vir a sofrer influências negativas em decorrência das
mudanças climáticas previstas para os cenários RCP 2.6 e 4.5. Mostrando-se assim uma alga
com grande potencial para cultivos diante da situação climática do planeta. Entretanto, devem
ser realizados experimentos com maior tempo de duração, bem como cenários mais críticos de
temperatura, para, de fato, comprovarmos os resultados sobre essa espécie.
Palavras-Chaves: Aquecimento global; Temperatura; Salinidade; Cultivo de macroalga.
ABSTRACT
At the moment, much has been asked how climate change will affect organisms and ecosystems,
especially in coastal marine environments. Given this perspective, it is uncertain how these
climate changes will impact sectors of the economy that are based on marine organisms such
as aquaculture. Concerning this scenario, this study aimed to evaluate the physiological
response of the agarophyte Gracilaria birdiae, a native species with the highest cultivation
potential in Brazil, regarding alteration in temperature and salinity caused by climate change.
The seaweed studied was collected at Cotovelo beach, Parnamirim, RN. The treatments chosen
to comprise this study were developed based on the RCP 2.6 and RCP 4.5 scenarios, predicted
by IPCC 2014 (Intergovernmental Panel on Climate Change). According to these scenarios,
four treatments were tested: T1 (28 °C and 36 PSU); T2 (28 °C and 34 PSU); T3 (29 °C and 36
PSU) and T4 (29 °C and 34 PSU). All treatments were carried out with four replicates. The
determination of biomass, RGR and in vivo chlorophyll fluorescence was measured every 2
days during a 12-day period. In all treatments, G. birdiae showed positive values of biomass
and RGR throughout the experiment. Both biomass and RGR exhibited higher values in the
treatment with higher temperature and lower salinity (T4). When analyzing ETRmax, Ik and
Yield, the seaweed showed better performance in treatments with lower salinity (T2 and T4).
Among all the treatments tested, T3 was the scenario in which G. birdiae exhibited the lowest
values. Given these results, we can observe that G. birdiae, being considered an euryhaline and
eurythermal species, which is present in an environment with great environmental stress, may
not suffer negative influences due to the climate changes predicted for RCP 2.6 and 4.5
scenarios. Thus, this seaweed shows a great potential for cultivation with regards to the Earth’s
climate situation. However, longer-term experiments as well as more critical temperature
scenarios must be performed to confirm the results for this species.
Keywords: Global warming; temperature; salinity; seaweed farming.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Foto da macroalga Gracilaria birdiae.....................................................................16
Figura 2 – Mapa da áre de coleta na praia de Cotovelo, Parnamirim, RN.................................17
Figura 3 – G. birdiae após triagem............................................................................................18
Figura 4 – Delineamento do experimento. Câmara de cultivo contendo oito recipientes, sendo
quatro para a salinidade de 36 PSU e outros quatro para a de 34 PSU.......................................................................................................................................................................19
Figura 5 – Variação dos valores médios ± erro padrão da biomassa de Gracilaria birdiae entre os tratamentos ao longo do período experimental....................................................................22
Figura 6 – Variação dos valores médios ± erro padrão da taxa de crescimento relativo
(TCR) de Gracilaria birdiae entre os tratamentos ao longo do período experimental............24
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Valores de máximo, mínimo e média ± erro padrão para a biomassa e taxa de
crescimento relativo (TCR) de Gracilaria birdiae durante o período de estudo........................23
Tabela 2. Summary da ANOVA de medidas repetidas e do teste de Friedman das variáveis de
peso, crescimento e Fotossíntese para os quatro tratamentos.....................................................23
Tabela 3. Valores de média ± erro padrão para a rendimento quântico efetivo (Yield), eficiência
fotossintetizante (αETR), taxa máxima de transporte de elétrons (ETRmax) e irradiância de
saturação (Ik) de Gracilaria birdiae durante o período de estudo...............................................25
LISTA DE ABREVIAÇÕES
ANOVA – Análise de Variância
αETR – Eficiência fotossintetizante
ETRmáx – Taxa máxima de transporte de elétrons
Ik – Irradiância de saturação
PSU – Unidade de Salinidade Prática
TCR – Taxa de Crescimento Relativo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12
2. OBJETIVO ............................................................................................................ 15
3. MATERIAL E MÉTODOS ..................................................................................... 16
3.1. DESCRIÇÃO DA ESPÉCIE..................................................................................16
3.2. COLETA DE MATERIAL....................................................................................16
3.3. PROCEDIMENTO EM LABORATÓRIO...........................................................17
3.4. DELINEAMENTO EXPERIMENTAL.................................................................18
3.5. TAXA DE CRESCIMENTO (TCR)......................................................................20
3.6. FLOURECÊNCIA IN VIVO DA CLOROFILA....................................................20
3.7. ANÁSILE ESTATISTICA.....................................................................................21
4. RESULTADOS .......................................................................................................22
4.1. BIOMASSA E CRESCIMENTO...........................................................................22
4.2. FLOURECÊNCIA IN VIVO DA CLOROFILA....................................................24
5. DISCUSSÃO .......................................................................................................... 26
6. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 28
REFERÊNCIAS ............................................................................................................29
12
1. INTRODUÇÃO
As mudanças climáticas já são uma realidade e com isso vem a pergunta de como
essas alterações no clima irão afetar os organismos e ecossistemas, especialmente nos
ambientes marinhos costeiros. Muitos dos organismos desse ambiente desempenham
diversos serviços ecológicos, além de apresentarem diversas aplicabilidades econômicas.
A revolução industrial foi um grande passo para a civilização, mas trouxe
consigo graves consequências ambientais. Atualmente, uma das implicações mais sérias
são as mudanças climáticas, que são alterações na atmosfera da terra e nos oceanos,
provocando a acidificação dos mares, aumento de temperatura, mudanças de salinidade e
elevação do nível dos oceanos, entre outras (PANDOLFI et al., 2011; IPCC, 2014). Essa
alteração tem como principal gerador o aumento das emissões de gases de efeito estufa
(GEE), principalmente o CO2 (IPCC, 2014; VILAS-BOAS, 2016).
Além de ser o causador do aquecimento global, o CO2 vem alterando o pH dos
oceanos e gerando um evento de acidificação (WOOTTON et al., 2008; HARLEY et al.,
2011; IPCC, 2014). Essas alterações químicas e físicas nos oceanos têm grande impacto
sobre a biodiversidade, chegando a causar modificações na estrutura das cadeias tróficas,
com extinção de algumas espécies e dominância de outras (WOOTTON et al., 2008;
HARLEY et al., 2012). De acordo com o cenário mínimo de mudanças climáticas e
baseando-se nas taxas atuais de extinção, podemos ter uma taxa de espécies extintas de
11% a 34% até 2050 (THOMAS et al., 2004).
Diante dos crescentes impactos ambientais causados pelo homem, a
Organização das Nações Unidas (ONU) em conjunto com a Organização Meteorológica
Mundial (WMO) decidiram no ano de 1988 criar o Intergovernmental Panel on Climate
Change (IPCC). Esse painel tem como principal objetivo estimar e mensurar as mudanças
climáticas advindas das atividades humanas e a partir disso prever quais poderiam ser as
futuras consequências de tais mudanças (IPCC, 1992; VILAS-BOAS,2016). Com essas
informações, o IPCC projetou cenários futuros, nomeados de Representative
Concentration Pathways (RCP), para as mudanças climáticas. Os RCPs foram elaborados
através de modelos matemáticos que preveem os picos de radiação para os anos 2081 a
2100 contrapondo com o de 1850 (IPCC, 2013; 2014). Os cenários ao todo são quatro:
RCP 2.6, que seria o mais otimista; 4.5 e 6.0, que são os cenários moderados e, por fim,
o mais extremo 8.5, que pode ser alcançado caso as emissões de gases de efeito estufa
não cessem e continuem a crescer exponencialmente (IPCC, 2013;2014).
13
Mitigar as emissões dos gases de efeito estufa permanece um desafio complexo
e necessita de muitos esforços para combater as mudanças climáticas. Os ecossistemas
costeiros em todo o mundo são conhecidos por fornecerem uma gama de valiosos serviços
ecossistêmicos para o homem, como por exemplo, proteção costeira, provisão de
alimentos e recreação (BARBIER et al., 2011). Entre esses serviços, o "carbono azul",
que é capturado e armazenado como biomassa permanente ou sequestrado pela vegetação
costeira, como manguezais, pântanos e algas marinhas (PENDLETON et al., 2012), está
ganhando atenção como um importante serviço global de regulação (Avaliação
Ecossistêmica do Milênio - Millenium Ecosystem Assessment).
Estratégias estão sendo propostas e implementadas para combater as mudanças
climáticas, incluindo uma das mais citadas: compensação de carbono (e.g. crédito para
reduzir, evitar ou sequestrar carbono). No entanto, essas estratégias são difíceis de colocar
em prática, principalmente no que concerne, espaço disponível na terra (i.e. florestas) e
na água (bancos de algas). Entretanto, novos setores estão surgindo e podem ter um
potencial considerável para ajudar a reforçar a nossa capacidade de combater as emissões.
Um dos setores mais promissores nesse meio é o cultivo de algas (FROEHLICH et al.,
2019).
A aquicultura (peixes, camarão e algas) é um dos setores de produção de
alimento que mais cresce no planeta, com a aquicultura de algas marinhas mostrando um
crescimento mais rápido (8% ao ano) (FAO, 2018). Atualmente, as algas marinhas são
cultivadas principalmente para alimento, medicamento, cosmético e bioenergia. Porém,
esse ramo da aquicultura, ainda se encontra com pouco uso estratégico em larga escala
para compensação explícita de carbono (BUSCHMANN et al., 2017). No entanto, o
interesse em usar a aquicultura de algas marinhas para combater as emissões dos gases
estufa está aumentando. Embora haja desacordo sobre como os bancos algais atenderiam
os critérios do quadro “Carbono azul”, existem evidências crescentes para o importante
papel das algas marinhas em relação ao sequestro de carbono, particularmente no que se
refere à produção cultivada (KRAUSE-JENSEN et al., 2018). Estudos recentes sugerem
que os bancos de algas podem sequestrar quantidades significativas de carbono nos
oceanos através da matéria orgânica (dissolvida e particulada), sendo exportada
posteriormente para o oceano profundo (>1.000 m), onde é essencialmente armazenada e
mineralizada, permanecendo por centenas de milhares de anos (HILL et al., 2015).
O futuro da aquicultura de algas marinhas tem um grande potencial para
contribuir com a mitigação das emissões do CO2 na atmosfera. Entretendo, as mudanças
14
dos fatores abióticos (temperatura, salinidade, pH) e outras alterações nas condições
oceanográficas, incluindo correntes, velocidade do vento e ondas, também pode afetar
esse setor econômico (CHUNG et al., 2017). A forma como as mudanças climáticas irá
impactar a produtividade das algas marinhas dependerá da tolerância das espécies às
novas mudanças globais.
Existe realmente um potencial significativo para aumentar o sequestro do CO2
usando o cultivo de macroalgas. No entanto, é claro que muitas das algas marinhas que
são usadas na aquicultura no momento são suscetíveis às mudanças climáticas, portanto,
mais esforços devem ser concentrados no sentido de identificar espécies para uso em
sistemas de aquicultura. Vale salientar, no entanto, que no futuro será necessário levar em
conta a tolerância fisiológica das espécies frente às mudanças climáticas (CHUNG et al.,
2017).
O Brasil possui uma longa faixa litorânea com grande potencial para a
aquicultura. Este potencial está relacionado à sua extensão costeira de mais de oito mil
quilômetros, à sua zona econômica exclusiva (ZEE) de 3,5 milhões de km² e suas
condições ambientais. As áreas recifais e as águas mornas do Nordeste são o habitat de
diversas espécies de algas verdes, marrons e vermelhas, muitas das quais de grande
potencial econômico (MARINHO-SORIANO et al., 1999). Em relação à aquicultura, o
Rio Grande do Norte é um dos maiores produtores de camarão oriundas da aquicultura
do Brasil. Contudo, em relação ao cultivo de algas, ele ainda está na sua infância, embora
projetos pilotos e cultivos em pequena escala venham sendo desenvolvidos com sucesso
nessa região do país.
15
2. OBJETIVO
O presente estudo teve como objetivo avaliar os impactos das possíveis
alterações da temperatura e salinidade relacionadas às mudanças climáticas globais sobre
o crescimento e as respostas fotossintéticas da macroalga Gracilaria birdiae, conforme a
previsão dos cenários futuros RCP2.6 e RCP4.5 projetados pelo IPCC (IPCC, 2014).
16
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1. DESCRIÇÃO DA ESPÉCIE
Nessa pesquisa, selecionamos como objeto de estudo a macroalga Gracilaria
birdiae (figura 1), uma alga pertencente ao grupo das Rodofíceas (Rhodophyta) de cor
vermelho-escura, talo ereto e cilíndrico, apresentando ramificação subdicotômica a
unilateral (MARINHO-SORIANO et. al., 2009). Esta alga tem sido coletada dos bancos
naturais há décadas para extração do polissacarídeo ágar. Recentemente essa espécie tem
sido cultivada na região Nordeste (MARINHO-SORIANO, 2017).
Figura 1. Foto da macroalga Gracilaria birdiae
Fonte: Diogo Raposo (2013).
3.2. COLETA DO MATERIAL
A coleta das macroalgas foi realizada em maio de 2019 na praia de Cotovelo
(05°56’23’’S 35°09’15’’W), situada no município de Parnamirim, litoral sul do estado do
Rio Grande do Norte, Brasil (figura 2). Esse local apresenta uma zona intertidal formada
por recifes de arenito-ferruginoso, os quais servem como substrato para diversos grupos
bentônicos, com destaque para as macroalgas.
17
Figura 2. Mapa da área de coleta de G. birdiae. Praia de cotovelo, Parnamirim, RN.
Fonte: Rodrigo Soares (2019).
3.3. PROCEDIMENTO EM LABORATÓRIO
Após a coleta, as algas foram levadas para o laboratório de Macroalgas,
localizado no Departamento de Oceanografia e Limnologia – DOL, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Foi realizada a triagem do material para retirada
de possíveis organismos associados que não são de interesse para a pesquisa em questão
(figura 3). Em seguida, as macroalgas foram distribuídas em aquários de 20L contendo
água do mar a salinidade de 36 PSU, enriquecida com solução de nutriente Von Stosch,
VS/2, e aeração adequada. Durante 8 dias, as algas ficaram nos aquários em temperatura
ambiente para aclimatação.
18
Figura 3. G. birdiae após triagem.
Fonte: Elaborado pelo autor (2019).
3.4. DELINEAMENTO EXPERIMENTAL
Foi conduzido um experimento em laboratório onde as macroalgas foram
cultivadas em incubadora térmica (Ethiktechnology 411FPD, com irradiância de ≅ 70
µmol. m2 s-1) a temperaturas de 28 °C e 29 °C. A primeira temperatura teve como
finalidade simular o aumento de 1 °C projetado pelo cenário RCP2.6 e a segunda, o
aumento de 2 °C projetado pelo cenário RCP4.5 (IPCC, 2014). Ambas tiveram como base
o aumento em relação à temperatura de 27 °C, que é a média para a área de coleta da
macroalga. Para a salinidade, foram considerados as previsões de redução para esta área
e com isso elaboramos uma redução para 34 PSU e manutenção da salinidade da área de
coleta à 36 PSU, para ambas as temperaturas. No experimento foram utilizados 8
erlenmeyer contendo 5g de alga e 1L de água do mar filtrada (filtro fibra de vidro de 0,6
µm - Macherey-Nagel), enriquecida com solução de nutriente Von Stosch, VS/2, e
aeração adequada (figura 4).
19
Figura 4. Delineamento do experimento. Câmara de cultivo contendo oito recipientes,
sendo quatro para a salinidade de 36 PSU e outros quatro para a de 34 PSU.
Fonte: Elaborado pelo autor (2019).
O experimento foi realizado em duas baterias de 12 dias de duração cada, sendo
a primeira com temperatura de 28 °C e a segunda de 29 °C e ambas contendo quatro
réplicas para cada salinidade testada (34 PSU e 36 PSU). Sendo assim, obtivemos quatro
tratamentos com as seguintes condições: T1, aumento de 1° C (28 °C) e salinidade local
(36 PSU); T2, aumento de 1° C (28 °C) e redução da salinidade (34 PSU); T3, com
aumento de 2 °C (29 °C) e salinidade local; e, T4, com aumento de 2 °C na temperatura
(29 °C) e diminuição da salinidade (34 PSU). Durante os 12 dias de experimento, foram
realizadas medições da biomassa algal em balança analítica (Marte científica AY220) em
intervalos de 2 dias. Simultaneamente, a fluorescência in vivo da clorofila das algas
também foi mesurada.
20
3.5. TAXA DE CRESCIMENTO RELATIVA (TCR)
A determinação da taxa de crescimento relativa (TCR) foi realizada a partir da
fórmula descrita por De Casabianca et al. (1997).
TCR= [ (Pf/Pi)1/t - 1] x 100
Onde Pf é o peso final (g), Pi o peso inicial (g) e t é o intervalo de tempo entre
as duas medidas (dias).
3.6. FLUORESCÊNCIA IN VIVO DA CLOROFILA
As medidas de fluorescência in vivo da clorofila foram realizadas por meio do
fluorímetro submersível (Walz Diving-PAM). Para essa medição, as algas eram retiradas
da incubadora e posicionadas em placas de petri para a medição. Teve-se o cuidado de
reposicionar a extremidade da fibra ótica, para não ocorrer a repetição da medição em
uma região da alga que já estava saturada. Por meio do programa Wincontrol, foi
selecionada a opção “light curve”, sendo usados 8 níveis de irradiância (0 – 1462 μmol
fótons.m-2s-1). Os valores colhidos a partir do processo descrito acima foram usados para
a criação de curvas de fotossíntese x irradiância (FI). O rendimento quântico efetivo
(ΔF/Fm’) foi gerado pelo próprio equipamento, sendo calculado de acordo com Genty e
colaboradores (1989). Para estimarmos o fluxo de elétrons no aparelho fotossintetizante
da alga, foi realizado um cálculo das taxas de transporte de elétrons (ETR) segundo
Schreiber e colaboradores (1994).
ETR = F/Fm’ x PAR x 0,15 x 0,5
Onde F/Fm’ é o rendimento quântico efetivo obtido nas diferentes intensidades
de PAR (irradiância) e os fatores 0,15 e 0,50 referem-se a absorbância utilizada para
Rhodophytas e a quantidade de fótons associados ao fotossistema II (PSII) (SCHREIBER
et al., 1995), respectivamente.
As curvas foram produzidas baseadas nos valores dos ETRs calculados e os
valores de PAR (0 – 1462 μmol fótons.m-2.s-1). Os parâmetros fotossintéticos, fotossíntese
máxima (ETRmax) e eficiência fotossintetizante (αETR), foram determinados por meio da
função não-linear de Jassby e Platt (1976):
ETR = ETRmáx · tanh (ETR · Is/ETRmáx )
21
Onde ETR é a taxa de transporte de elétrons, mencionada acima; ETRmáx é a ETR
saturada (intercepto da regressão); tanh é a função tangente hiperbólica; ETR é a
eficiência fotossintetizante (inclinação da curva F x I) e Is é a irradiância incidente (PAR).
A partir dos valores de ETRmáx e ETR, foi calculado o valor da saturação da
irradiância (IK) a partir da razão entre eles. As curvas foram projetadas no software R
estúdio (versão 3.5.0) (script em anexo) e ajustadas de acordo com Weeb e colaboradores
(1974). As curvas e os parâmetros gerados foram usados nas análises estatísticas descritas
a seguir.
3.7. ANÁLISE ESTATÍSTICA
Para análise de biomassa, TCR, rendimento quântico efetivo (Yield) e eficiência
fotossintetizante (αETR), foi realizada uma ANOVA one way de medidas repedidas. Já
para a fotossíntese máxima (ETRmax) e a irradiância de saturação (Ik), o teste estatístico
usado foi o Friedman test (teste não paramétrico equivalente a uma ANOVA one way de
medidas repetidas). Os testes foram realizados no software R estúdio (versão 3.5.0).
22
4. RESULTADOS
4.1. BIOMASSA E CRESCIMENTO
A biomassa de G. birdiae apresentou um aumento considerável durante o
período do experimento (Figura 5). O T4 apresentou os maiores ganhos de biomassa ao
longo do período, seguido pelo T2 e T1 (Tabela 1). Os menores valores foram registrados
para o T3. Durante o período do experimento o valor máximo da biomassa foi registrado
para as algas do T4, com uma biomassa máxima de 6,417 ± 0,095 g, ao final do
experimento. O valor mínimo da biomassa foi de 5,543 ± 0,063 g, registrado no T3. De
acordo com os dados obtidos, foram observadas diferenças significativas entre os
diferentes tratamentos testados (p<0,001) (Tabela 2). Além da significância observada
para tratamentos, também houve diferenças significativas para o tempo (p<0,001) e para
a interação entre tratamento e tempo (p<0,05), o que mostra que o tempo e os tratamentos
têm efeito sobre o ganho de biomassa da alga.
Figura 5. Variação dos valores médios ± erro padrão da biomassa de Gracilaria birdiae
entre os tratamentos ao longo do período experimental.
Fonte: Elaborado pelo autor (2019).
4,5
5,0
5,5
6,0
6,5
7,0
DIA 0 DIA 2 DIA 5 DIA 7 DIA 9 DIA 12
Bio
mas
sa (
g)
T1
T2
T3
T4
23
Tabela 1. Valores de máximo, mínimo e média ± erro padrão para a biomassa e taxa
de crescimento relativo (TCR) de Gracilaria birdiae durante o período de estudo.
Máx – Min Méd ± EP
Biomassa (g)
T1 6,380 - 5,110 5,662 ± 0,071
T2 6,556 - 5,190 5,736 ± 0,080
T3 6,219 - 5,125 5,543 ± 0,063
T4 6,586 - 5,188 5,844 ± 0,089
TCR (%d-1)
T1 1,825 - 0,622 1,277 ± 0,068
T2 2,0 - 0,772 1,399 ± 0,083
T3 1,936 - 0,698 1,144 ± 0,069
T4 2,739 - 0,775 1,765 ± 0,100
Fonte: Elaborado pelo autor (2019).
Com base na análise de variância (ANOVA), foram observadas variações
significativas da TCR entre os tratamentos (p<0,001), assim como para a interação
tratamento e tempo (p<0,001) (Tabela 2). Todas as algas mostraram uma resposta positiva
de crescimento nas temperaturas (28°C e 29°C) e salinidades (34 e 36 PSU) testadas
(Tabela 1). No entanto, observa-se que as algas do T4 crescendo na temperatura de 29°C
e salinidade de 34 PSU tiveram um melhor desempenho quando comparadas com os
outros tratamentos (Figura 6). Como para a biomassa, as maiores TCRs foram registradas
para o T4 (1,765 ± 0,100 %d-1) e as menores para o T3 (1,144 ± 0,069 %d-1). A TCR
Fonte: Elaborado pelo autor (2019).
Tabela 2. Summary da ANOVA de medidas repetidas e do teste de Friedman das
variáveis de peso, crescimento e Fotossíntese para os quatro tratamentos.
ANOVA Teste de
Friedman
Tratamento Tempo Interação
Variáveis F p F p F p X2 p
Biomassa 8,95 < 0,001 793,57 < 0,00 3,71 < 0,01 - -
TCR 13,60 <0,001 0,02 >0,05 6,67 <0,001 - -
Yield 0,65 >0,05 0,78 >0,05 0,68 >0,05 - -
αETR 1,36 >0,05 0,42 >0,05 0,60 >0,05 - -
ETRmax - - - - - - 4,58 >0,05
Ik - - - - - - 8,05 >0,05
24
registrada no T4 foi 54,28% vezes maior do que a do T3. No entanto, embora o T3 tenha
apresentado um desempenho mais baixo quando comparado aos demais tratamentos, as
algas continuaram a crescer até o final do experimento.
Figura 6. Variação dos valores médios ± erro padrão da taxa de crescimento relativo
(TCR) de Gracilaria birdiae entre os tratamentos ao longo do período experimental.
Fonte: Elaborado pelo autor (2019).
4.2. FLORURECÊNCIA IN VIVO DA CLOROFILA
As características fotossintéticas de cada tratamento estão apresentadas na
Tabela 3. O rendimento quântico (Yield), medido ao longo do experimento, foi similar
para todos os tratamentos, exceto para o T3 que apresentou valores mais baixos (0,322 ±
0,010). Nesse tratamento (29 °C e 36 PSU), o Yield apresentou valores mais baixos,
enquanto nas condições de temperaturas menos elevadas e maior salinidade (28 °C e 36
PSU), as algas alcançaram valores mais elevados. O maior valor médio do Yield foi
observado no T1 (0,367 ± 0,014), seguido pelo T4 (0,340 ± 0,013) e T2 (0,337 ± 0,016)
respectivamente. Em geral, não foram observadas variações significativas no Yield em
relação aos tratamentos (p>0,05) (Tabela. 2). Os valores da eficiência fotossintética
(αETR) foram bastante similares entre os tratamentos (p>0,05). Os valores mais elevados
do ETRmax foram observados no T4 (0,699 ± 0,087) e T2 (0,699 ± 0,060), seguido do T1
(0,602 ± 0,043). O menor valor foi registrado para o T3 (0,478 ± 0,045), mas esse
parâmetro apresentou bom desempenho durante todo o experimento. Não foram
observadas diferenças significativas de ETRmax entre os tratamentos (P>0,05). A
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
DIA 2 DIA 5 DIA 7 DIA 9 DIA 12
TC
R (
%d
1) T1
T2
T3
T4
25
saturação luminosa (Ik), assim como o ETRmax, teve aumento durante todo o período
experimental, tendo os maiores valores para o T2 (69,329 ± 6,343) e T4 (55,888 ± 6,724)
e mais baixas no T1 (49,705 ± 4,003) e T3 (33,492 ± 2,873). Não houve diferenças
significativas dessa variável entre os tratamentos (p>0.05).
Fonte: Elaborado pelo autor (2019).
Tabela 3. Valores de média ± erro padrão para a rendimento quântico efetivo (Yield),
eficiência fotossintetizante (αETR), taxa máxima de transporte de elétrons (ETRmax) e
irradiância de saturação (Ik) de Gracilaria birdiae durante o período de estudo.
Média ± Erro Padrão
T1 T2 T3 T4
Yield 0,367 ± 0,014 0,337 ± 0,016 0,322 ± 0,010 0,340 ± 0,013
αETR 0,013 ± 0,001 0,011 ± 0,001 0,014 ± 0,001 0,013 ± 0,000
ETRmax 0,602 ± 0,043 0,699 ± 0,060 0,478 ± 0,045 0,699 ± 0,087
Ik 49,705 ± 4,003 69,329 ± 6,343 33,492 ± 2,873 55,888 ± 6,724
26
5. DISCUSSÃO
Os estudos realizados sobre os limites de tolerância das macroalgas têm
enfatizado que diversos fatores abióticos podem influenciar o desenvolvimento das
macroalgas (MARBÀ et al., 2017). Essas informações têm ajudado a compreender as
respostas fisiológicas e a prever o comportamento das algas frente às mudanças
climáticas.
No presente estudo, G. birdiae apresentou valores positivos tanto para a
produção de biomassa como para a taxa de crescimento na escala de projeções otimista
(RCP2.6) e intermediária (RCP4.5) do IPCC (2014). Isto indica que o crescimento pode
ser sustentado nesses dois cenários, o qual se reveste de grande importância para o sucesso
de cultivo dessa espécie em águas tropicais. Embora esse padrão de crescimento tenha
sido observado nos diferentes tratamentos, os resultados obtidos demonstraram que o
efeito sinérgico da temperatura mais alta com a menor salinidade testada (29 °C e 34
PSU) favoreceu um melhor desempenho da espécie estudada. Estes resultados indicam
uma adaptação de G. birdiae a um possível aumento de temperatura e redução da
salinidade ocasionada pelo aquecimento global. A boa performance de G. birdiae na
temperatura de 29 °C ocorreu provavelmente por causa de sua habilidade em tolerar
temperaturas elevadas. Isso se deve ao fato dessas macroalgas estarem na zona intertidal
sujeitas às variações constantes de diversos parâmetros ambientais (VALDIVIA et al.,
2011), o que faz que sejam mais adaptadas às condições peculiares (stress) desse
ambiente.
Estudos anteriores têm relatado valores “ótimos” de temperatura e salinidade
para diferentes espécies de algas vermelhas (MANSILLA et al., 2014), verdes (CHOI et
al., 2010) e marrons (FIETT, 2014). No entanto, pesquisas realizadas sobre gracilarióides
mostram que as espécies desse grupo apresentam uma ampla tolerância às variações de
temperatura e salinidade (PENG et al., 2009; KIM, 2016, 2017). No que diz respeito aos
limites de tolerância das espécies, os estudos experimentais têm fornecido informações
valiosas (CELIS-PLA et al., 2017), mas a extrapolação de resultados de laboratório para
condições de campo pode ser superestimada. Além disso, a resposta de determinadas
espécies às mudanças climáticas tem sido muitas vezes muito sútil e, dessa forma, difícil
de ser avaliada simplesmente a partir dos resultados obtidos em estudos de curta duração
(XIAO et al., 2015). Por outro lado, as mudanças climáticas não ocorrem de forma
repentina, mas sim ao longo de vários anos e, portanto, as espécies podem se ajustar a tais
mudanças até certo ponto, alterando suas necessidades fisiológicas (POLOCZANSKA et
27
al., 2016; PIÑEIRO‐CORBEIRA et al., 2018;). Com base no efeito da temperatura sobre
o crescimento de G. birdiae, podemos deduzir que um aumento na temperatura da água
variando entre 28 e 29 °C não causa danos e não compromete o crescimento e produção
de biomassa dessa espécie.
As variações de salinidade também podem levar ao estresse celular nas algas,
causando dispersão dos íons e eletrólitos, alterações de pH, cristalização do soluto e
desnaturação de proteínas, os quais, por sua vez, desencadeiam alterações em uma série
de processos fisiológicos (BISCHOF; RAUTENBERGER, 2012). Estudos têm
demonstrado que o estresse hipersalino é mais prejudicial para as algas do que o estresse
hiposalino. Enquanto a hipersalinidade envolve a privação de água, a hiposalinidade
promove a hidratação celular (KUMAR et al., 2014). O decréscimo do volume celular
resultante da pressão do turgor ocasiona a interrupção da divisão celular (BISCHOF;
RAUTENBERGER, 2012). Isso pode explicar as menores taxas de crescimento
registrado para G. birdiae na salinidade mais elevada (36 PSU). Essas observações
concordam com os resultados obtidos com Hypnea cervicornis (DING et al., 2013) e
Stylonema alsidii (NITSCHKE et al., 2014), os quais evidenciaram que o estresse salino
era a causa da redução do crescimento das espécies.
O desempenho fotossintético das macroalgas varia de acordo com diferentes
condições ambientais (WILLIAMS; DETHIER, 2005). Os resultados obtidos nesse
estudo indicaram que G. birdiae tem sua taxa máxima fotossintética (ETRmáx) tanto na
temperatura de 28 °C como na de 29 °C, como observado para o T2 e T4. No entanto,
observa-se que o ETRmax foi maior na salinidade mais baixa (34 PSU) do que na alta (36
PSU). O Yield reflete a eficiência intrínseca da conversão de intensidade de luz
(Fotossistema II). As mudanças no Yield durante o crescimento da macroalga foram muito
pequenas e aparentemente não afetaram o desenvolvimento da espécie, exceto para o T3,
onde os valores desse parâmetro foram comparativamente mais baixos. Esses resultados
corroboram com os estudos realizados por Borlongan et al. (2016) e Xing et al. (2019)
sobre o efeito da temperatura e salinidade na eficiência da fotossintética das macroalgas.
Finalmente, os dados oriundos da técnica de fluorescência mostram que
efetivamente houve uma pequena queda na eficiência fotossintética de G. birdiae na
temperatura de 29 °C e salinidade de 36 PSU correspondente ao cenário RCP 4.5
(intermediário). Esta diminuição ficou evidenciada pela redução dos valores do Yield e
ETRmax observado no T3. No entanto, vale salientar que mesmo diante desse cenário as
algas apresentaram valores positivos de crescimento.
28
6. CONCLUSÃO
Com base no desempenho do crescimento e análise fotossintética apresentada
por G. birdiae no presente estudo, podemos inferir que a espécie em questão tem potencial
para cultivo, mesmo diante da previsão de aumento de temperatura ocasionado pelas
mudanças climáticas. No entanto, para melhor elucidar os efeitos ecológicos das
mudanças climáticas sobre a espécie, estudos futuros deverão investigar os efeitos das
alterações climáticas em experimentos com maior tempo de duração e cenários mais
críticos de temperatura. Além disso, os estudos devem considerar o efeito interativo do
aumento da concentração de CO2, nutrientes e acidificação dos oceanos sobre a fisiologia
da alga. O desenvolvimento de uma maior capacidade de monitoramento e compreensão
destas alterações será fundamental para a futura gestão dos recursos oceânicos e costeiros,
em especial para a implementação da aquicultura de algas.
29
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