b094-lou carrigan-duplicata impossível 2

102
Há certas coisas neste mundo que não se pode reproduzir jamais LOU CARRIGAN BRIGITTE MONTFORT DUPLICATA IMPOSSÍVEL

Upload: helena-helenamds

Post on 13-Feb-2015

114 views

Category:

Documents


20 download

TRANSCRIPT

Page 1: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Há certas coisas neste mundo que não se pode reproduzir jamais

LOU CARRIGAN

BRIGITTE MONTFORT

DUPLICATA IMPOSSÍVEL

Page 2: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

PARTE II MEMÓRIA

Uma espetacular chantagem atômica é tentada contra

os Estados Unidos: Karl Obenbauer, um escroque da mais elevada categoria, dispondo de uma organização modelar, consegue produzir doze bombas atômica de pequena potência, mas com as quais ameaça de destruição total a esquadra americana do Pacifico, se o governo estadunidense lhe recusar o pagamento de nada menos que duzentos e cinqüenta milhões de dólares!

Para realizar este ambicioso projeto tem uma idéia digna de seu cérebro diabólico. Descobre em qualquer ponto da Rússia uma bela jovem, Margia Dormedovo, que, após uma série de operações faciais e um treinamento intenso, transforma-se em sósia perfeita de Brigitte Montfort. Seu plano é hábil: capturar a verdadeira, o que consegue logo de inicio. e fazer com que a falsa aconselhe o Comando Naval americano a efetuar o pagamento que exige. Dado o tremendo prestigio de “Baby” junto ao Governo dos Estados Unidos, isto decidirá a seu favor a audaciosa cartada.

Presa numa cela metálica da base subterrânea construída pelo grupo de Obenbauer dentro de um vulcão extinto, no interior da ilha de Oahu, Brigitte é visitada por Margia e o sicário Follingsbee. Depois ao abrir-se a porta de chumbo da ceia, é a sósia que sai, malferida. Dentro, com o pescoço quebrado.

Follingsbee está morto, enquanto a autêntica “Baby”, com um tiro no peito, agoniza...

Page 3: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

CAPÍTULO PRIMEIRO Um caso passageiro de amnésia

Quando um coco pode deixa, de sê-lo O que “Baby” fizer está bem leito

As palavras do dr. Ponky foram acolhidas com fria

indiferença. Certamente, a possibilidade de que a autêntica e famosa “Baby” fosse quase uma defunta não era coisa que pudesse alterar muito os presentes.

E, menos que a ninguém, a Karl Obenbauer; ou Kao, simplesmente.

— Faça o possível para conservá-la viva. Mas, se morrer, isso não terá a mínima importância. De um ou de outro modo, saberemos nos arranjar sem ela. Sobretudo depois que demonstrou ser uma inimiga difícil de tratar... Disse o que você queria, Margia, a respeito do homem com quem se avistou em Honolulu?

— Sim, sim... Lembro-me de alguma coisa... — Você está bem? — inquietou-se novamente

Obenbauer. — Não insista com ela — murmurou Ponky. — Deixe

que sua memória vá retornando lentamente, Kao. — Que... que devo recordar? — perguntou “Baby”, voz

tensa. — O que ela... — começou Obenbauer. — Nada — cortou Ponky. — Não pense em nada agora,

Margia. O melhor é você descansar. Se dormir tranqüilamente esta noite, tudo estará bem amanhã. Eu lhe darei uns comprimidos...

— Sim, quero descansar... Karl, vamos a... Não! — levou as mãos à testa. — Não podemos dorrnir juntos hoje...

Page 4: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Ou sim? Karl: nós já dormimos juntos alguma vez? Sim ou não?

Karl Obenbauer engoliu em seco, olhando de relance para o médico.

— Claro, Margia — murmurou. — Bem... Não me lembrava, Karl. Vamos, então... —

tornou a levar as mãos à cabeça, ficou assim alguns segundos, depois se sentou numa cadeira e ocultou o rosto entre as mãos. Todos mantinham-se expectantes. Por fim, olhou sorridente para Obenbauer. — Creio que estou dizendo muitas tolices. Naturalmente tenho que voltar ao “Hilton Hawaiian Village”... Johnny me chamara às dez da manhã.

— Eu não disse? — comentou triunfalmente Ponky, dirigindo-se a Obenbauer? — Deixe que ela vá se recuperando sozinha.

— Margia, você acha que está em condições de voltar para lá?

— Sem dúvida, querido. Sinto algo estranho em minha cabeça, mas, estou bem. Sim... Estou perfeitamente. A respeito dó que vim fazer nesta base...

— Ah, sim, ela me disse! Antes de atacar Follingsbee... — E você tinha razão? — Claro que tinha. Ela já conhecera esse Johnny, há

cinco anos, em Miami. Lembro-me de tudo, Não se preocupe. Agora, o melhor é que eu volte imediatamente para o hotel. Amanhã tratarei de convencer Johnny que estive brincando com ele, fingindo não conhecê-lo, mas que o recordo perfeitamente... — teve que pigarrear, pois sua voz pareceu arranhar-lhe a garganta. — O importante é que eu volte a Honolulu, Karl. Não aconteceu nada aqui.

Page 5: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— “Baby” podia ter conseguido matá-la... — Mas só conseguiu matar Follingsbee. Partiu-lhe o

pescoço como se fosse um graveto. Primeiro caiu de joelhos diante dele, depois o derrubou de costas e, com uma cabeçada, arremessou-me à parede... Em seguida, não sei direito como foi que ela fez, mas inclinou-se sobre Follingsbee, agarrou-lhe a cabeça assim e...

Ponky adiantou-se, testa franzida, e ajudou Margia a levantar-se, automaticamente.

— Quero que você vá descansar — ordenou. — Esqueça tudo isso, por esta noite. Tomará os comprimidos e dormirá um bom sono. É o que lhe convém... e a todos nos.

— Podemos deixá-la sozinha? — hesitou Obenbauer. — Sem dúvida. Tudo o que necessita é descansar. — Bem... Gruber, procure o Korba; diga-lhe que prepare

o helicóptero para voltarmos imediatamente. E avisem Uloa, para que deixe o carro de Margia onde combinamos. Ela o apanhará e voltará ao “Hilton”. Mas a primeira coisa que você tem que fazer ao despertar, Margia, é chamar-me pelo rádio. Entendido?

— Entendido, Karl. “Baby” olhou Fosett, que junto com Gruber formava a

guarda pessoal de Kao; ele segurava a maletinha vermelha com flores azuis. Parecia que nada mais restava a fazer ali.

Antes de abandonar a enfermaria, ela aproximou-se novamente da outra “Baby”, nua e fria, cada vez mais fria sobre a estreita cama.

Um sorriso cruel, odioso, apareceu em seu lábios. — Adeus, “Baby”... — escarneceu. — Oxalá você

acorde no outro mundo.

Page 6: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Dirigiu-se para a porta, ainda com o bonito rosto desfigurado por uma dura expressão de crueldade.

— Ocupem-se do cadáver de Follingsbee — disse Obenbauer, saindo atrás dela.

“Baby” voltou-se então, com as sobrancelhas contraídas, olhando para Ponky.

— Ah: como está o Johnny que Stanley feriu na casa de Makapuu Point?

— Bem. Creio que poderá salvar-se, a menos que seja resolvido exatamente o contrário. Esta na Recuperação.

— Conviria mantê-lo vivo. Os espiões sempre são úteis. Afinal de contas se quando terminarmos o assunto já não nos for necessário sempre poderemos desfazer-nos dele. E do outro, do que se entrevistou comigo esta tarde... Tudo chegará.

* * * O avião chegou ao “Honolulu Internacional Airport” às

oito e meia da manhã; um caça a jato, que aterrissou na pista mais afastada, na realidade quase na Hickam Air Force Base, que está unida ao aeroporto civil por duas extensas pistas. Pela mais larga destas, deslizou o caça. E quando finalmente se deteve estava já em plena zona militar, na Base Hickham da USAF, separada do aeroporto internacional de Honolulu pelo Canal de Elliot, que as duas mencionadas pistas de ligações transpõem.

Johnny adiantou-se para o homem vestido à paisana, enquanto o general Wamington, chefe da USAF na zona das ilhas Havaí, e o almirante Newcomber, com cargo correspondente na US Navy, esperavam o piloto, que se apressou a chegar a eles, estendendo-lhes um envelope

Page 7: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

fechado, lacrado, com a inscrição TOP SECRET bem visível.

Johnny estendeu a mão ao recém-chegado, que claudicava levemente.

Seja bem-vindo a Honolulu, sir. Permiti-me atender pessoalmente à união da Marinha e das Forças Aéreas. O “G-2” está aguardando nossas instruções para intervir, caso se tome necessário.

— Muito bem, Kendall. Enviei justamente você porque conheço sua capacidade de organização. Por tanto... que significa sua “ordem” para que eu viesse aqui?

— Trata-se de.. Newcomber e Wamington chegaram junto a eles, depois

de examinar por alto, com expressão preocupada, o envelope com a inscrição TOP SECRET.

— Vimos de receber instruções, mister Kendall — murmurou Newcomber. — Se está de acordo, poderemos ver-nos à hora do almoço, para trocar idéias. Já teremos, então, estudado as ordens.

— Perfeitamente, sir. Este é meu chefe, mr. Cavanagh... O almirante Newcomber e o general Wamington. que estão encarregados do assunto em seu aspecto militar.

Os três homens apertaram-se as mãos. Depois os militares se afastaram e Johnny fez um gesto em direção ao mar.

Tenho um carro na Worchester Avenue, sir. Vou conduzi-lo ao cottage que aluguei e esperaremos lá o chamado. Quer dizer, a hora em que “Baby” deverá chamar.

— Bem. E qual é essa hora? — Dez.

Page 8: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Cavanagh estacou em seco, olhando torvamente para Johnny.

— Dez? — repetiu. — Disse que do contrário morreria por, falta de sono. O outro ficou boquiaberto. — “Baby” disse isso? — perguntou por fim. — Parece que eles não têm pressa em efetuar o próximo

contato com ela, de modo que resolveu dormir até tarde. Mmm... Será melhor irmos para o cano, sir. Eu lhe contarei tudo durante o trajeto. Depois, tomaremos o nosso café da manhã.

* * * Mr. Cavanagh terminou de bater o suco de laranja e

ficou olhando para Johnny, que começava a recolher a louça usada, levando-a para a pia da cozinha.

— Você tem certeza de que não está enganado, Kendall? — Absoluta. Não se deixou de me reconhecer, mas disse

que eu podia tomar uísque e ela champanha. Depois, no meio da sua taça de champanha, tomou um pouco do meu uísque.

— Absurdo “Baby” jamais faria isso! Misturar champanha com uísque...

— Pois foi o que fez. — Impossível! — Tampouco se lembrou de que não bebo. Disse-me

que podia pedir uísque, com toda a naturalidade. No entanto, pôde constatar perfeitamente, em Miami, que eu nunca tomava álcool. Claro que se passaram cinco anos... É possível que se tenha esquecido de mim e de um detalhe tão insignificante como o de minha aversão à bebida.

Page 9: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Você está brincando, Kendall? — contrapôs Cavanagh. — “Baby” jamais esquece um rosto! E muito menos, o de um companheiro da CIA, que além disso trabalhou com ela.

— Mas decorreram cinco anos, sir... — Nem que fosse cinqüenta. Ela jamais esquece nada...

Nem o menor detalhe. Em todos os períodos de treinamento, em todos os testes a que foi periodicamente submetida, “Baby” demonstrou que sua memória é comparável à de um cérebro eletrônico. Ela o reconheceria inevitavelmente, Kendall.

— Pois não me reconheceu... Ou não o demonstrou, pelo menos. Deu-me a impressão de que nunca me tinha visto antes.

— É incrível... Bem; foi por isso que me pediu para vir imediatamente?

— Foi. Gostaria que... que o senhor identificasse “Baby”.

Mr. Cavanagh deu um salto em sua cadeira, no meio da operação de acender um cigarro, engasgando-se com a fumaça.

— Você está maluco? — tossiu. — Acaso não o enviei aqui porque já conhecia “Baby”? Ou está querendo me dizer que tampouco você a identificou?

— Identifiquei-a, sim. Não há dúvida de que é ela... Mas quero que o senhor o confirme. Lamento que com isso tenha lhe acarretado um incômodo.

— É inaudito... — Já são dez horas — cortou Johnny. — De modo que

vou chamá-la. Quero que o senhor a ouça bem. * * *

Page 10: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Baby” tinha retirado a bandagem adesiva, colocada pelo

dr. Ponky em sua testa, substituindo-a, após limpar com cuidado a ferida, por um simples adstringente, que mantinha suas bordas fechadas, facilitando a cicatrização. Depois pusera em ordem suas coisas, separando vestido que pensava usar aquela manhã. Finalmente, coberta apenas por uma camisinha de um azul diáfano, sentara-se porto do terraço, com o radinho ao lado. As dez em ponto, quando estava contemplando o mar e os atléticos rapazes que praticavam o surf sobre as ondas, o rádio soou e ela admitiu imediatamente a chamada.

— Alô. — Johnny. Você está bem, “Baby”? — Claro. Já sabe alguma coisa, Johnny? — Sim. A noite passada entrevistei-me com os chefes

das bases de Honolulu e, além disso, pus-me em contato com a Central.

— Perfeito. Conclusões? — Parece que há uma tendência a pagar. Entretanto, isso

ainda não é certo. — Pois tenho que saber com certeza, para poder

prosseguir com meu trabalho. — Bom... Se não a chamarem até a noite, como parece

lógico, você ainda disporá de tempo. “Baby”. — Tenho quer dar uma resposta concreta. — Lamento, mas não a conheço ainda. Já lhe disse que

há uma tendência a pagar. Esta manhã, os comandantes das bases receberam um envelope vindo diretamente de Washington, com instruções precisas. Almoçarei com eles

Page 11: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

e, então, saberei algo definitivo. Onde nos poderemos ver agora?

— Agora? Acho que você não está falando sério. — Ora essa, é lógico que estou. — Pois sua pergunta me parece estúpida, Johnny.

Espero sua chamada quando você tiver algo definido a dizer. É só. E não esqueça que sou eu quem dirige este assunto. Não bastou aquele caso de Miami, há cinco anos, para conhecer-me bem?

Houve um breve silêncio por parte de Johnny. Depois ele perguntou:

— O caso de Miami? — Ora vamos, Johnny, que há com você? Pensou

mesmo que não o reconheci ontem? — Bem... tive essa impressão, realmente. — Pois me lembro de tudo muito bem. De você, em

particular. Mas não gosto de referir-me a tempos passados, só isso. Claro que, se parece conveniente — deslizou “Baby” com ironia — eu lhe explico agora em que constituiu aquela missão, dando-lhe um resumo de nosso trabalho contra os homens-rãs da MVD, que se dedicavam a tirar fotos com luz negra ... Johnny: você está me ouvindo?

— Estou, sim. Mas como ontem estranhei tanto o fato de que você não se recordasse...

— Preferi fazer assim. Não me agradam familiaridades com meus companheiros. Isso torna muito dolorosas as... separações.

— Compreendo. Bem... — Continuo explicando aquele assunto? Que aconteceu

com você, Johnny? Em que está pensando?

Page 12: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Nada — ele sorriu com certo nervosismo. — Nada... Uma tolice. Diabo, uma tolice das grandes, não há dúvida.

— Alguma coisa que eu possa resolver? — Não, não... Tornarei a chamar quando souber algo

definitivo, — De acordo. Adeus, Johnny. — Adeus... “Baby” cortou a comunicação, levanto-se, vestiu-se

rapidamente, apanhou sua maleta e dirigiu-se para a poda da luxuosíssima suíte do “Hilton”. Cento e cinqüenta dólares de diária...

Estava junto à porta, quando regressou à sala de onde estivera falando com Johnny. Colocou-se diante de um bonito quadro com motivos havaianos: uma pitoresca praia de ondas espumejantes onde nativos banhavam-se alegremente, as mulheres com o torso nu; em primeiro plano havia um coqueiro, carregado de frutos. E, por estranho que pareça, os finos dedos de “Baby” descolaram da tela um daqueles cocos... Maravilhosa camuflagem para um diminuto microfone com a forma exata de um coco. Seria preciso saber que o aparelhinho estava ali para descobri-lo. Ou isso, ou possuir uma acuidade visual capaz de merecer curiosidade científica.

Sorrindo, “Baby” beijou a ponta do indicador e transferiu o beijo ao microfone, que ato contínuo recolocou no mesmo lugar. Por fim, ainda sorridente, abandonou a suíte.

* * * — Bem — resmungou Johnny, guardando o rádio —

lamento imensamente tê-lo feito viajar tantos quilômetros por nada, sir.

Page 13: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Não importa. A segurança no serviço vem antes de tudo, Kendall.

— Eu... o levarei ao aeroporto quando o senhor quiser. Suponho que deseje regressar imediatamente à Central.

— Não... Não, Kendall. Ficarei aqui alguns dias. — Ah, sim? É que, como é senhor está sempre na

Central e o detalhe que me preocupava já foi esclarecido... — Não tem importância. Ficarei. — Não quem parecer impertinente, sir, mas creio que

“Baby’ e eu poderemos dirigir todo o grupo de agentes do Honolulu...

— Eu sei. — Então...? — Há qualquer coisa que não está funcionando direito,

Kendall. — Não compreendo, sir... A que se refere? — A “Baby”. Ela jamais chamaria de estúpido um

companheiro. Johnny pestanejou. — Talvez eu a tenha irritado... — Não. Uma falta de controle emocional tão elementar

não é própria dela. Seria absurdo, Kendall; está acontecendo alguma coisa que “Baby” não nos quer dizer. Ela deve encontrar-se em situação perigosíssima. Por um motivo qualquer, não está atuando de um modo... normal. Há alguma coisa. E ela tem conhecimento disso.

— Se o senhor acha que, de um modo ou de outro, conseguiram anulá-la, podemos mantê-la afastada do caso...

— Não. Se fizéssemos isso, talvez a matassem de imediato. Só há um modo de proceder num caso semelhante, Kendall.

Page 14: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— E qual esse modo? — Seguir a corrente. Não sei o que ela está fazendo, o

que pretende nem o que ocorre... Mas seja o que for em qualquer sentido, nossa posição está bem clara. Conheço “Baby” como a mim mesmo... Melhor ainda. E sei positivamente que ela está fazendo, como sempre, o máximo possível. Portanto, nos limitaremos a seguir a corrente... Será a única maneira de não nos arrependermos mais adiante.

— Bem... Isso é ter confiança numa espiã, rir. — Confiança? Fé cega, Kendall. Não importa o que

aconteça... Tenha presente, a todo o momento, que o que “Baby” diga ou faça estará bem feito. Somente ela pode resolver este assunto. E se não o conseguir, já podemos ir preparando os duzentos e cinqüenta milhões de dólares... e, para ela, um ataúde.

CAPÍTULO SEGUNDO

As impressões do dono situação Talvez melhor, com um pouco de açúcar

O importante é estar vivo Até as oito da noite não se encerrou a sessão no gabinete

ocupada pelo general. Wamington, na “Hickam Base”. A essa hora, os quatorze homens que ali se haviam reunido optaram por despedir-se e recolher-se para um merecido descanso; todos eles estavam terrivelmente fatigados e desanimados. Depois de muito fumar, muito falar e comentar todos os pontos das instruções recebidas de Washington aquela manhã, a pressão da CIA, exercida por Mr. Cavanagh, que esteve firme e convincente, decidiu a linha de conduta a seguir.

Page 15: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

E às oito e quinze, Johnny chamava finalmente “Baby”, por meio do rádio de bolso.

— Johnny. Já foi tomada a decisão, “Baby”. — Qual é? — Seria conveniente que nos víssemos. — De acordo. Chamaram-me esta tarde, Johnny, as seis:

já queriam saber o que havíamos decidido. Não vejo inconveniente algum em nos encontrarmos agora, mas antes tenho que comunicar o que decidimos.

— É melhor que eu lhe diga isso diretamente, “Baby”. — Bem... Podemos nos ver às nove. Sabe onde fica o

“Natatorium”? — Na Kalakaua Avenue, diante do Kapiolani Park. — Espere-me lá às nove. Terá tempo de chegar? — Sim, não se preocupe por isso. Às nove. — Johnny... O que foi decidido? — perguntou

ansiosamente “Baby”. — Pagar. Fechou o rádio. Com expressão torva, olhou para Mr.

Cavanagh que não parecia absolutamente preocupado pelo que pudesse acontecer com aqueles duzentos e cinqüenta milhões de dólares.

— Suponho que deseje assistir à entrevista, sir. — Sem dúvida, Kendall. Será um prazer avistar-me com

“Baby”. Entretanto, por esta vez, Mr. Cavanagh teve que se

privar do esperado prazer: às dez menos quinze, “Baby” não tinha ainda comparecido à entrevista. Johnny chamou-a várias vezes pelo rádio e Mr. Cavanagh procurou-a pelo “Natatorium”, dirigindo olhares distraídos aos formidáveis saltadores de trampolim e às proezas aquáticas de vários

Page 16: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

jovens nativos. Quando tornaram a encontrar-se, já na porta, ambos moveram negativamente a cabeça. Nada.

— Algo está lhe acontecendo — afirmou sossegadamente Cavanagh. — Não se preocupe sem necessidade, Kendall.

— São muitas as coisas que estão em jogo, sir... — murmurou Johnny. — Não se trata apenas da vida de “Baby” e duzentos e cinqüenta milhões, mas do que essa gente possa decidir-se a fazer, afinal, com uma dúzia de bombas atômicas.

— Eu sei. Será melhor que nos retiremos. — Não esperamos “Baby”? — Não. Já não virá... Ela nos chamará quando puder,

simplesmente. Chamou-os quando acabavam de entrar no carro, com

efeito. Johnny sacou precipitadamente o rádio. — “Baby”! Que aconteceu? — Não se preocupe, Johnny. Eu lhe disse que tinha de

informar sobre a decisão. Agora não estou só. Encontro-me num helicóptero que vai levar-me não sei aonde. Durante dois dias, não saberão nada de mim.

— Mas...! — Insisto em que você não se preocupe. Tudo vai bem.

Necessitam de mim, é indubitável, pois serei quem deverá receber o dinheiro. Mas, segundo me dizem, consideram mais seguro para eles manter-me à margem do que vocês estejam tramando. Temem que se eu colaborar com vocês em qualquer estratagema, isso possa ser perigoso para eles. Portanto, anulam-me, simplesmente retirando-me de circulação.

— “Baby”... Você está bem?

Page 17: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Por ora, estou. E não creio que me façam o menor mal. Apenas me manterão prisioneira, coisa a que aliás estou acostumada... E agora, Johnny, ouça-me atentamente: dentro de quarenta e oito horas, tornarei a chamar. Então, tudo já deverá estar preparado: o dinheiro em grandes bolsas impermeáveis e o helicóptero com o rádio avariado. No tempo devido, você e eu ultimaremos os detalhes. Enquanto isso, vou transmitir-lhe certa advertência que me fizeram: se as nossas forças armadas recorrerem a algum truque, ou tentarem alguma coisa, uma das bombas atômicas será lançada, como advertência, no mar, a vinte e cinco milhas apenas de Honolulu. Não preciso dizer quais serão as conseqüências para toda a zona sul da ilha de Oahu, levando em conta tão-somente os efeitos da radiação. Também, as diferentes bases aéreas e navais vão ser estreitamente vigiadas, todas elas. Desde este momento, fica terminantemente proibida a saída de qualquer avião ou navio americano de sua respectiva base. Toda as unidades deverão permanecer quietas, sem se movimentar sob pretexto algum. Nem sequer sairão os aparelhos de pesquisa meteorológica. Todas as unidades militares, absolutamente todas, permanecerão imóveis. Aviões, carros oficiais, jipes, lanchas, navios... Imobilidade absoluta. Não serão deslocadas forças humanas para lugar nenhum. Tanto os aviadores como os fuzileiros navais permanecerão em suas unidades, confinados, até nova ordem. Os aviões das unhas civis prosseguirão em seus vôos normais e não serão retidos nos aeroportos de nenhuma das Ilhas Havaí, em hipótese alguma, pois isso faria supor que poderiam ser utilizados com fins militares. Outrossim, qualquer iate ou lancha que seja visto no mar com mais de dez pessoas correrá grave

Page 18: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

risco de ser posto a pique. As embarcações de pesca poderão sair, com sua tripulação normal. Qualquer indício de que um iate, lancha ou barco pesqueiro leve mais tripulantes que os necessários será suficiente para que tal embarcação seja atacada por meios convencionais. Numa palavra, ninguém fará nada até você receber minha nova comunicação, dentro de quarenta e cito horas. Tudo bem entendido, Johnny?

O espião passou um lenço pela testa. — Sim, sim... Entendido. — Pois é tudo. Não esqueça que o chamarei dentro de

quarenta e oito horas, Johnny. Então, já devem estar preparados os duzentos e cinqüenta milhões e o helicóptero, a fim de que ambos sejam conduzidos ao local que me será indicado mais adiante. Adeus, Johnny.

— Adeus... Foi “Baby” a primeira a cortar a comunicação. Johnny

guardou lentamente o rádio, olhando para Cavanagh, que não parecia absolutamente impressionado.

— Adivinharam... — murmurou o agente. — Compreenderam que pretendíamos estabelecer um cerco aeronaval em tomo das ilhas.

— Eu o adverti no gabinete do general — lembrou Cavanagh. — Não sei por que você se surpreende, Kendall. É natural que essa gente tenha tomado toda espécie de precauções, além de se tratar de um plano estudado longa e minuciosamente.

— Isso significa que, se entregarmos o dinheiro, não teremos a menor esperança de recuperá-lo. Eles devem ter preparado muito bem o modo de levá-lo daqui.

Page 19: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Sem dúvida. Um projeto desta envergadura tem que ser elaborado cuidadosamente, sem passar por alto o mínimo detalhe.

— Santo Deus! Estamos amarrados de pés e mãos... — Você esperava o quê? — resmungou Cavanagh. —

Uma gente capaz de exigir duzentos e cinqüenta milhões dos Estados Unidos tem que estar muito segura de si mesma, perfeitamente organizada... Será melhor que voltemos à presença dos nossos amigos militares: precisamos transmitir-lhes o aviso de que ninguém deve fazer nada.

— Eles não gostarão disso, si?. — Pois que lhe ponham um pouco de açúcar, para ver se

fica menos amargo. Vamos. * * *

Da orla do Kapiolani Park, escondida atrás de uma moita, “Baby” viu os dois homens se afastarem do “Natatorium”, de carro. Voltou-se para o que estava com ela, sorrindo, estendendo-lhe o binóculo.

— Lá vão eles... — disse. — Menos mal que me ocorreu dar uma olhadela antes de ir falar com esse Johnny.

— Tem certeza de que não conhece o homem que o acompanha?

— Tenho. Mas talvez ele me conheça, quer dizer, a “Baby”. Parece que não desconfiam, por enquanto, de modo que teria sido uma tolice correr o risco de apresentar-me diante de um homem capaz de me conhecer, embora eu não a ele.

— Bem... — o homem baixou o binóculo. — Na verdade, você foi muito precavida. E o importante é que tudo marcha de acordo com o previsto. Kao me disse para

Page 20: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

repetir-lhe todas as instruções, prevendo a possibilidade de você esquecer alguma, devido ao golpe na cabeça...

— O que você fez muito bem... Oh, não consigo lembrar é seu nome... Van... Van...?

— Van Vonder — sorriu aquele homem pequeno e robusto. — O golpe deve ter sido mesmo forte, Margia.

— Se foi! Bom, creio que podemos ir ver Karl. Deixaremos meu carro aqui mesmo, fora do parque. Tomaremos um táxi que nos levará até perto do local onde pousará o helicóptero... Ah: você sabe se tenho ainda alguma coisa a fazer em Honolulu?

— Não! — riu o holandês Van Vonder. — Já está tudo feito. Agora só falta é você desaparecer. Quanto menos a verem, melhor. Sempre há o risco de que encontre alguém que não conheça pelas fotografias... O que bens poderia ter acontecido há pouco se você não tivesse o cuidado de verificar se esse Johnny estava só. E não lhe resta nada mais a fazer. Podemos voltar á presença de Kao.

* * * Karl Obenbauer estava junto ao helicóptero quando

“Baby” saltou em terra. Recebeu-a nos braços e beijaram-se longamente, sob o olhar amavelmente irônico de Van Vonder, Gruber e Fosett.

— Foi tudo bem? — perguntou o gigante ruivo. — Perfeito, querido. Mas continuo sem me lembrar de

algumas coisas, como lhe disse pelo rádio. — Van não esclareceu suas dúvidas? Mandei-o a você

para isso. — Sim, sim... Graças a ele não houve dificuldades. Karl:

você sabe se eu gosto mesmo de champanha? — Como? — surpreendeis-se Obenbauer.

Page 21: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Bom, estou obrigada a gostar, eu sei... Sobretudo, “Perignon 55”, com cereja, Mas eu pergunto é se gosto realmente.

Karl Obenbauer pôs-se a rir, caminhando para a casa, levando “Baby” abraçada pela cintura.

— Seu humor melhorou com o golpe, querida. Claro que você gosta de champanha!

— Então, espero que você me ofereça uma taça: Van Vonder colocou-se ao lado deles. — Vai precisar de mim, Kao? — Não, não, Vau. Pode voltar para a base. Iremos por

nossos próprios meios para a casa da praia. Espero que você esteja presente na festa de amanhã à noite... Não lhe aconselho a perdê-la.

— Claro que lá estarei. Até amanhã... Adeus, Margia. — Adeus, Vau. Pouco depois, Vau Vonder partia no helicóptero. Mas

“Baby” e Kao já não sentiam o menor interesse por ele. Obenbauer estava destampando uma garrafa de champanha, enquanto ela, sentada no sofá, acendia um cigarro, pensativamente.

— Karl... — murmurou de súbito. — Que é? — Você pensar que estou levando longe essa

brincadeira, mas... a que casa da praia se falava com Vau Vonder?

— Ora, vamos, Margia! — É verdade, querido. Não consigo me lembrar; bem...

Vejo umas palmeiras. flores... Não sei... Karl Obenbauer pestanejou rapidamente e, por olhou

para “Baby” com as pálpebras semicerradas.

Page 22: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Referi-me à praia de Kaneohe, ao norte da ilha. Quando você a vir, recordará, não se preocupe mais.

— Gostaria... que você me vigiasse bem, Karl. Receio cometer uma falta de um momento para outro.

— Estaremos juntos durante a festa com nossos convidados especialíssimos. Naturalmente, afluirão como abutres à partilha dos milhões. Todos quererão sua parcela. E enquanto a esperam, aproveitarão para divertir-se... No fundo, lamento que isto seja o fim de “Kao Center”, Margia. Será uma pena abandonar tudo...

— Menos o dinheiro — sorriu “Baby”. — Claro — riu ele. — Nossos cem milhões não serão

tocados por ninguém. — Talvez seja uma boa idéia não repartir os outros cento

e cinqüenta... Karl Obenbauer assentiu com a cabeça, pensativo. — Já falamos disso em outras ocasiões, Margia, e você

conhece meu ponto de vista. Cem milhões de dólares é dinheiro suficiente. Não há razão para complicarmos nossa vida. Será feita a partilha total dos benefícios, o “Kao Center” será dissolvido e cada um irá pata seu lado. É o melhor.

— Você quer dizer que cada um irá viver sua vida... se a conservar.

— Sim, é isso... Esses cientistas, por exemplo, não vejo outra solução que sacrificá-los. Uma lástima! Durante o tempo que passarem em “Kao Center”, souberam demasiadas coisas. Não é prudente deixá-los sair com vida. Bem, tomemos o nosso champanha antes que Uloa nos sirva o jantar... E esta noite ficaremos juntos, Margia.

Ela sorriu docemente.

Page 23: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Esse é o melhor de todos os projetos, querido... * * *

— Margia... — Mmmm...? Obenbauer deslizou a mão no escuro. — Estava dormindo? — Quase... Quer me dizer alguma coisa? — Estive pensando: acho bom eu ir matar Brigitte

Montfort. Continua viva... Tem uma tremenda resistência. Na escuridão do quarto, as mãos de “Baby” encontraram

o rosto de Karl Obenbauer, acariciado-o. — Você a odeia tanto porque atentou contra minha vida,

querido? — Sim. Você está cada dia melhor, Margia. — A que se refere? — Ao seu amor. Não poderia mais viver sem você...

Creio que ficaria louco. E hoje... hoje você acabou de me convencer de que encontrá-la foi a melhor coisa que me aconteceu na vida.

— Hoje? Que ocorreu de especial? — Não sei... Talvez seja tudo impressão minha. Sei

apenas que você sempre tem alguma coisa melhor a oferecer-me.

Os lábios de “Baby” depositaram nos de Karl Obenbauer um beijo longo e suave.

— Durma... Esqueça Brigitte Montfort — disse depois, sonolenta. — Ela morrerá por si mesma...

— Não. Quero matá-la com minhas mãos. Esse será o seu Castigo.

Page 24: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Faça como eu, Karl... — “Baby” bocejou, prestes a mergulhar no sono, — Não pense em nada. O importante é viver, não pensar. E nós estamos vivos.

CAPÍTULO TERCEIRO

Algo com que distrair o espírito “Baby” passeia pelo “Kao Center”

Uma conversa sobre a vida e a morte... Karl Obenbauer olhou uma vez mais o relógio, depois

para a casa, com impaciência. Uloa, no comando dos três outros criados nativos, tinha já seguido num dos carros para a praia de Kaneohe. Gruber e Fosett estavam no banco dianteiro do carro grande, o primeiro ao volante, esperando também com impaciência. Ele se encontrava sozinho no assento de trás. Todos prontos para partir. Todos, menos “Baby”, que não aparecia.

— Vou buscá-la — disse subitamente Obenbauer. Saiu do carro e caminhou em passo rápido para a casa. Teve que subir ao quarto para encontrar “Baby”. Ela eslava sentada numa pequena poltrona, com a cabeça entre as mãos; tinha junto a seus pés a maletinha vermelha com flores azuis. Ao ouvi-lo, ergueu a cabeça e olhou-o inexpressivamente.

— Margia... — murmurou Obenbauer. — Que tem você?

Ajoelhou-se junto a ela e tomou-lhe as mãos. “Baby” sorriu dolorosamente.

— Você está bem? — insistiu ele, ansioso. — Estou... O olhar de Kao dirigiu-se à cicatriz, ainda inflamada, no

alto de sua testa, rente ao cabelo. — Dói?

Page 25: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Muito, Karl. E como se minha cabeça fosse estourar... E dói ainda mais quando a luz dá em minha vista. A verdade é que não estou bem... Lamento, querido.

— Essa maldita Brigitte Montfort! — exclamou raivosamente Obenbauer. — Creio que não vou esperar para matá-la. Iremos os dois a “Kao Center”. Agora!

— Não, não... Deixe-a. Você tem que atender a todos os convidados, que já devem estar esperando na casa da praia. Mas, se possível, eu preferia ir a “Kao Center”. Gostaria que Ponky me examinasse.. Inclusive minha voz está alterada... E às vezes me dói a cabeça como se a estivessem abrindo a machadadas. E a garganta, a nuca... O golpe que ela me aplicou com a metralhadora de Follingsbee, antes que eu pudesse acertar-lhe o tiro, foi terrivelmente forte!

— Esperemos que não tenha conseqüências graves, querida. Eu a levarei a “Kao Center”, claro;

— Karl, eu sinto muito, acredite. Mas não poderia estar ao sol, nem tenho disposição para conversar... Só desejo um pouco de repouso.

— Você não precisa se preocupar por coisa alguma. Iremos ver Ponky imediatamente.

— Não... Você não... Vá a Kaneohe e atenda bem a todos. À noite já estarei melhor e poderemos ver-nos. Apenas chame Korba, para vir me apanhar. Mas não deixe -de fazer o que decidimos só porque estou com dor de cabeça.

— Bem... Será mesmo conveniente que você descanse. Mas, de qualquer modo, se não estiver bem amanhã, avisaremos os americanos que o pagamento se atrasará um ou dois dias.

— Amanhã estarei em forma.

Page 26: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Veremos. Espere-me aqui. Descerei ao refúgio para avisar Korba que venha recolhê-la no caminho.

— Que... que refúgio? — O refúgio atômico, querida. O porão que construímos

especialmente, considerando a possibilidade de que uma explosão acidental nos surpreendesse em casa... Fica embaixo da garagem. Você não se lembra?

“Baby” ficou olhando fixamente para Kao. Por fim, moveu a cabeça em negativa e tomou a esconder o rosto entre as mãos. Ele empalideceu um pouco, depois lhe acariciou os cabelos negros.

— Espere-me aqui... Não. Será melhor que você venha já para o carro. Avisarei Korba pelo rádio do refúgio. Você sente-se em condições de caminhar?

— Sim, sim... Pôs-se de pé, mas em seguida fechou os olhos e teria

caído no chão se o gigante ruivo não a amparasse, empalidecendo ainda mais intensamente. Apanhou a maleta e levantou “Baby” nos braços. Ela apoiou a cabeça em seu ombro e deixou-se levar, encolhida, dolorida...

Fosett e Gruber saltaram apressadamente do carro quando os viram aparecer, correndo para eles.

— Que aconteceu? — alarmou-se Gruber. — Dói-lhe a cabeça, e os olhos, e a nuca... Está tonta.

Foi o golpe que recebeu daquela maldita. Será melhor que você mesmo vá chamar Korba, Gruber. Diga-lhe que venha ao nosso encontro depois que passarmos o túnel da estrada 63.

— Vai mandá-la ao “Center”? — perguntou Gruber. — Pode ser perigoso, Kao, em pleno dia...

Page 27: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Diga a Korba que voe baixo, roçando as árvores. Sei que ó um risco, mas não podemos evitá-lo. Ela está mal e quero que Ponky a veja. É melhor que descanse, para que amanhã à noite esteja em condições de ir receber o dinheiro dos americanos.

— Sim, claro... Bem, vou avisar o Korba. — Que venha ao nosso encontro com o helicóptero

menor. Ande depressa, Gruber. — Está bem. Obenbauer meteu “Baby” no carro e ela ficou na

extremidade do assento, sempre encolhida, tapando os olhos com as mãos, rosto crispado numa expressão de dor. Gruber regressou apenas três minutos depois e novamente colocou-se ao volante.

* * * Avistaram Korba a um lado da autopista, fazendo-lhes

sinais com os braços. Gruber desviou o carro para a direita, deteve-o no acostamento e “Baby” saltou imediatamente. Sorriu com doçura para Obenbauer e moveu os lábios sugerindo um beijo.

— Não se preocupe... Estou me sentindo melhor. — Falarei com Ponky, da praia, para saber como você

vai. — Está bem... Sigam. Pode aparecer um carro a

qualquer momento. O veículo prosseguiu a marcha e “Baby” afastou-se da

estrada com Korba, adentrando-se no terreno selvático de Kaneohe Forest Reserve. Em cinco minutos chegaram ao helicóptero e pouco depois o aparelho se elevava, alçando o vôo para oeste, a toda a velocidade, mas sempre se mantendo muito baixo. Korba estava evidentemente

Page 28: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

preocupado e não cessava de olhar o espaço aéreo ao seu redor. Mas teve sorte e pouco depois desciam na cratera do pequeno vulcão extinto. Korba tinha chamado pelo rádio, de modo que quando o helicóptero, levado pela plataforma móvel, penetrou nas grandes grutas, Ponky já ali estava, impaciente. A grande porta camuflada fechou-se, manipulado o volante por um dos guardas. O piloto e o médico ajudaram “Baby” a descer do aparelho, feito o que, Ponky apressou-se a lhe tomar o pulso.

— Está sem febre... — murmurou. — Mas será conveniente um exame cuidadoso. Vamos à Cirurgia.

Meia hora mais tarde, ele movia aprovadamente a cabeça.

— Tudo bem... — assegurou. — Quanto à cefalalgia e essas pequenas falhas de memórias, é natural que ocorram. A pancada foi violenta. Eu lhe preveni que isso aconteceria...

— Mas é que não me lembro de algumas coisas importantes... Nem sequer sei quem está na casa da praia, nem com se chamam alguns homens aqui de “Kao Conter”, nem.

— Precisa descansar mais. E profundamente, Margia. Se não fizer assim, não poderei responder pelas conseqüências. Foi o que disse a Kao quando ele chamou para pedir notícias de você. Na verdade, não é nada grave, mas o repouso é indispensável.

— Mas eu me sinto ainda mais dolorida quando permaneço completamente imóvel.

— Pois se dedique a passear — resmungou o médico. — Mas com calma.

Page 29: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Bem... Darei, então, umas voltas por aqui. Posso pedir-lhe um favor, Ponky?

— Que favor? — Não alarme Karl desnecessariamente. Se ele chamar,

diga-lhe que estou bastante bem. Estamos há muito tempo preparando isto e seria lamentável que tudo falhasse por culpa minha. Amanhã espero estar em condições de ir buscar o dinheiro, mas se assim não for... nada de inquietar Karl até a última hora.

— De acordo. — Como estio os feridos? — Essa mulher é muito forte... Muito. Extraí-lhe a bala e

parece que se restabelecerá. Quer dizer... Bom, quero dizer que se restabeleceria se não tivéssemos outros projetos a respeito dela.

— E o homem da CIA? — Esse ainda está melhor. Agora compreendo por que,

além de exigir inteligência, exigem também dos espiões uma perfeita constituição física. Esse homem é de ferro.

— Pior para ele — sorriu secamente “Baby”. — Será como morrer duas vezes.

Ponky encolheu os ombros. — É melhor que você tome esta drágea. Aliviará muito a

dor de cabeça. Que pensa fazer agora? — Primeiro, quero ver os da CIA. Depois, darei um

longo passeio pelo “Center”... Espero não me perder. — É pouco provável — sorriu Ponky. “Baby” tomou a drágea, apanhou sua maleta e dirigiu-se

para a porta. Três minutos mais tarde, estava na enfermaria. Das seis

camas ali existentes, apenas duas estavam ocupadas. Os

Page 30: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

dois feridos conservavam-se imóveis. ambos muito pálidos. Não havia mais ninguém ali.

“Baby” colocou-se primeiro junto ao leito onde jazia Brigitte Montfort e esteve a contemplá-la durante alguns segundos. No perfeito silêncio ambiente, ouvia-se a respiração débil e lenta da ferida. Tinha o rosto tranqüilo e os formosos lábios entreabertos.

— Sim... — murmurou “Baby”. — Não há dúvida de que você é muito forte, querida.

Depois se aproximou do leito de Johnny, que tinha os olhos abertos e a olhava de um modo estranho. Depois, lentamente, os olhos do espião ferido desviaram-se para o outro leito; E novamente voltaram ao rosto de “Baby”, que sorriu com meiguice.

— Compreendo sua surpresa, querido... — murmurou. — Ver duas mulheres iguais é algo surpreendente, não? Mas ver duas “Babies”, é algo que excede lodos os limites... Parece impossível uma duplicata perfeita, hem?

Johnny pestanejou. Pela expressão de seus olhos, ela compreendeu o que ele estava pensando.

— Gostaria de saber qual das duas é a verdadeira “Baby”? — tomou a sorrir. — Pois pense um pouco, querido, que chegará a encontrar a melhor solução... para seus desejos. Uma de nós é “Baby” e a outra, Margia Dormedovo, é uma jovem russa. Quem é quem? Você já tem algo com que distrair sua mente.

Saiu da enfermaria, sorrindo muito divertida. Até a hora do almoço, esteve percorrendo o “Kao Center”, devagar, olhando para todos os cantos. Viu os geradores elétricos, os sistemas de ventilação, percorreu lodos os corredores. As grutas não formavam um conjunto tão grande como se

Page 31: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

podia pensar. Esteve no amplo recinto onde estavam guardados os helicópteros. Korba e outros homem estavam ocupados em vistoriá-los conscienciosamente. Todos a olharam, mas ninguém lhe disse nada durante seu perambular pelos subterrâneos. Tampouco ninguém lhe disse nada quando percorreu os diversos aposentos destinados ao pessoal, nem quando visitou os alojamentos; havia camas para quarenta homens ali Quer dizer, beliches. A um lado, pequenas escaninhos contendo objetos de uso pessoal. O silêncio era notável por toda parte. Parecia que todos tivessem recebido ordem de permanecer calados, de fazer o menor ruído possível... Esteve nos departamentos de Seleção de Pessoal, Agentes, Aviões, Residentes, Grupo “Baby”. Recreação, Rádio, Grupo Central, Projetos Gerais, Administração...

Havia fichários de pessoal, planificação de manobras aéreas sobre a ilha de Oahu e sobre o resto das Havaí, assim como informes sobre operações já realizadas: assaltos, casos de espionagem, chantagens... Fotografias de agentes, algumas delas riscadas com um grande X. Encontrou testes que pareciam destinados ao recrutamento de pessoal, exigindo um coeficiente de inteligência consideravelmente elevado. Uma das salas, a da Administração, era grande, bem, iluminada, com quadros, livro., mapas, mais arquivos... O Grupo Central era um aposento onde só havia uma grande mesa ovalada, com uma dúzia de cadeiras ao redor e um mapa-múndi numa das paredes. O compartimento de Rádio era pequeno è lá estava um homem, diante de um poderoso aparelho transmissor, aborrecendo-se. Sorriu amavelmente para “Baby” e

Page 32: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

continuou a fumar e a aborrecer-se enquanto ela dava uma olhadela ao rádio.

No Grupo “Baby” havia uma tela branquíssima na parede. Em frente, o projetor cinematográfico. A direita, um grande arquivo, que continha centenas de fotografias, filmes em suas latas circulares, fitas magnéticas... Durante uma hora, ela esteve ali, mexendo em tudo. E tudo, absolutamente tudo, relacionava-se com Brigitte Montfort. Brigitte Montfort numa praia, Brigitte Montfort saindo de um teatro, Brigitte Montfort num aeroporto, Brigitte Montfort numa festa diplomática... Havia fotos aos milhares. Via-se o Tio Charlie, Grogan, Minello, o Johnny da floricultura, Número Um, John Pearson vulgo “Fantasma”, do MI-5 britânico, Peggy... Os personagens com quem Brigitte Montfort tivera contato nos últimos anos ali estavam, com ela, nas fotografias. E também ali estava a voz de Brigitte Montfort, em centenas de fitas magnéticas.

Não havia dúvida de que havia sido um trabalho laborioso e perfeito. Sem falhas. Impecável. E certamente duzentos e cinqüenta milhões de dólares valiam aquele esforço, aquele enorme gasto e o. risco envolvido na consecução de todo aquele material.

A porta do Grupo “Baby” foi subitamente aberta e o Dr. Ponky enquadrou-se nela, sorrindo.

— Enfim a encontro... Não quer almoçar? — Claro que quero. Fizemos um bom trabalho, não é

verdade? — Muito bom. Depois de almoçar com Ponky e Van Vonder, “Baby”

resolveu dormir a sesta, com total aprovação do médico. Por volta das cinco horas, com um aspecto descansado,

Page 33: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

reapareceu nos passadiços, sorridente, saudando com um gesto amável Van Vonder e os demais.

Finalmente, deteve-se diante da porta de chumbo número 6. Abriu-a, entrando com perfeita tranqüilidade. Ainda não começara o turno da noite, de modo que os aparelhos estavam sendo atendidos, ao que parecia, por todo o pessoal científico de “Kao Center”. Seis homens ao todo, que a olharam com expressão torva.

— Por favor — sorriu ela — prossigam com seu trabalho. Não se importem comigo.

Havia telas de reflexão, oscilômetros, contadores Geiger de diferentes tamanhos. Toda uma série de complicados aparelhos, que enchiam completamente a sala.

— Como vai o trabalho? — perguntou ela, de chofre. Os seis homens ergueram a cabeça ao mesmo tempo,

mas só um deles respondeu, de má vontade. Era Sonikov, o russo míope, cujo temperamento, evidentemente, podia ser classificado como agressivo.

— Tudo vai bem — resmungou, — Continuamos obedecendo as ordens.

— Assim deve ser — sorriu “Baby”, mais uma vez. — Não lhes agrada isso, acaso?

Os homens das batas azuis tornaram a olhá-la torvamente.

— Aprendemos a cumprir as ordens — disse Kraywinckel, com voz suave.

— Mas exigimos que nos deixem trabalhar em paz — acrescentou, menos suavemente, Vinson.

— Se veio aqui fustigar-nos, é melhor que se retire — explodiu Sonikov, levantando ameaçador uma barra de aço

Page 34: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

polido. — Ou serei eu quem terminará o trabalho da espiã americana.

— Ah... Conhecem o fato, pelo visto. E suponho que lhes tenha causado grande satisfação saber que “Baby” quase me matou.

— Com efeito. — Bem, os senhores não são muito amáveis, certamente.

Por que esse rancor contra mim? — Porque você é uma criatura diabólica, uma...! O cientista canadense Mackenzie interrompeu

oportunamente o russo. — Não dê importância a Sonikov — murmurou. —

Anda muito irritado estes dias. — Vá-se embora! — gritou furiosamente o russo. — Saia daqui antes que co acabe de lhe quebrar a

cabeça! “Baby” sorriu secamente. — Parece que está precisando de uma sessão de cinema,

dr. Sonikov. Ele a olhou assombrado. Depois, soltou uma gargalhada

estrepitosa. — Bem que eu gostaria dessa sessão de cinema! —

exclamou. — Todos nós gostaríamos, agora que Follingsbee está morto!

— Cale a boca, Sonikov — murmurou o francês Le Mounier. — Talvez ela se mostre ainda pior que Follingsbee.

— Duvido! Aquele maldito se regozijava exibindo-nos filmes de nossas famílias, zombando de nós, fazendo porcas insinuações sobre nossas mulheres e nossas filhas... Não

Page 35: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

creio que ela ser tão indecente. Cruel, sim. Mas não tão indecente... Ou sim, Margia Dormedovo?

— Não sei... — respondeu “Baby”. — Que dizia exatamente o infortunado Follingsbee?

— Peço-lhe que nos deixe tranqüilos — interveio o americano Fabesham. — Já ouvimos muitas mentiras torpes sobre o que fazem nossas mulheres e filhas. Tudo mentira. Quanto a você, não creio que dissesse as mesmas obscenidades que ele. Quero lembrá-la de que estivemos trabalhando para Kao com a promessa de que ficaríamos livres quando terminasse tudo isto. O que parece a ponto de suceder.

— Como sabem? — Temos ouvidos, não? — grunhiu Sonikov, cada vez

mais zangado. — E será melhor que cumpram a promessa de deixar-nos partir.

— Ainda não chegou o momento, senhores. — Por que não? As cargas atômicas das dozes bombas

estão prontas. Tudo está preparado. Já não somos necessários. Tem apenas que colocar os mecanismos nas bombas e isso vocês mesmo podem fazer. Retiveram-nos aqui por tempo demasiado, contra nossa vontade. Agora, temos o direito de voltar para junto de nossas famílias... — falou Le Mounier.

— Não cumprirão a promessa! — cortou Sonikov. — Eu já lhes disse.

“Baby” olhava-os um a um, lentamente, Sonikov, o russo; Fabesham, o americano; Le Mounier, o francês; Kraywinckel, o holandês; Mackenzie, o canadense; e Vinson, o imperturbável britânico.

Page 36: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Todos eles beirando os sessenta anos, exceto o ianque, o qual não podia ter mais de quarenta e cinco.

— Já que, segundo parece — disse ela — os senhores estão inteirados de tudo: sabem para que são essas doze cargas atômicas?

— Naturalmente. — Bem... Estou ouvindo, dr. Vinson. Para que são? — Para algo parecido ao que foi feito com o atol de

Ulahuama: chantagem. Chantagem atômica. — Seja mais explícito, por favor. — Primeiro, destruíram o atol de Ulahuama, e agora

pedirão dinheiro aos Estados Unidos, logicamente. As demais bombas serão utilizadas para assustar também outros governos, que deverão pagar se não quiserem ser molestados. E como prova de que dispõem de bombas atômicas de pequena potência, mas terríveis de qualquer modo, irão destruindo pequenas ilhas ou zonas desérticas de seus respectivos países.

— Ah... E não lhes ocorreu que essas doze bombas poderiam ser utilizadas para atacar uma cidade, por exemplo?

Os seis homens empalideceram, trocando olhares de puro terror.

— Está louca? — exclamou Sonikov. — Não é possível que vocês se atrevam a isso! Uma coisa é destruir um atol inútil e outra é lançar bombas atômicas sobre cidades!

— Sim — sorriu cinicamente “Baby” — são duas coisas bem diversas, não há dúvida. Esperemos que os americanos paguem a importância que lhes exigimos, entretanto...

— Que está... insinuando? — perguntou, intrigado, Fabesham.

Page 37: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Foi uma brincadeira — sorriu novamente “Baby”. — Hoje estou de excelente humor. Inclusive, se me prometem comportar-se bem, eu lhes permitirei assistir a alguns filmes... Há quanto tempo não se projetam para os senhores filmes de suas famílias?

— Mais de dois meses — disse Le Mounier. — O que já é um bocado, não? Que dizem? Tenho sua

promessa de que nada tentarão contra mim? Dr. Sonikov...? O senhor é o mais difícil. Conto com seu bom comportamento?

Os outros cientistas olharam para o russo, ansiosos. Sonikov compreendeu a súplica implícita naqueles olhares e assentiu sombriamente.

— Não a molestarei. Mas se tenciona fazer as vezes de Follingsbee...

— Vou premiá-los por terem concluído seu trabalho, senhores, não castigá-los. Vamos ver esses filmes... Saiam na frente, sem rapapés.

Saíram todos da sala número 6. Dois guardas aproximaram-se, metralhadora em riste, cara feia. “Baby” fez-lhes um sinal imperioso e desinteressou-se deles. Mas a sala de projeções estava fechada e um dos guardas teve que ser solicitado para abri-la com sua chave-mestra. A um gesto de “Baby”, compreendeu que devia ficar de fora, e ela e os seus cientistas atômicos entraram na sala. Eles ficaram olhando a formosa jovem, que encolheu os ombros, sentou-se numa das poltronas e acendeu um cigarro.

— Não olhem para mim... Suponho que já sabem onde estão os filmes, não é mesmo? Pois arranjem-se sozinhos.

Vinson foi o primeiro a dirigir-se ao armário, se-guido de Fabesham, Kraywinckel e Mackenzie. Sonikov e Le

Page 38: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Mounier ocuparam-se em preparar o projetor. Imperturbável em sua poltrona, “Baby” observou-os em silêncio durante os preparativos. Por fim, quando já estava terminando seu cigarro, Sonikov pôs o projetor em marcha, após ser apagada a luz da sala por Le Mounier. E na penumbra, o pálido raio de luz que levava as imagens à tela iluminou os rostos tensos dos seis homens, O mais tenso de todos era o de Vinson, o britânico, de modo que não se tornaria preciso explicar a quem pertencia a família que já aparecia na tela.

Viu-se uma senhora de aproximadamente cinqüenta e cinco anos, saindo de uma bonita casa no meio de um gramado. Uma bonita casa, de aspecto venerável, em estilo vitoriano. Uma paisagem típica do campo inglês, em todos os seus detalhes. A senhora ainda era bonita, agradável. Um carro chegava ao jardim da casa e ela ia a seu encontro. Do carro saltava um menino, que corria para ela. Depois um casal de jovens, sorridentes. A jovem mãe do menino beijava a senhora, depois beijava o elegante rapaz, cuja parecença com Vinson era notável. O menino corria pelo jardim, para a casa, seguido pelas três pessoas maiores. O elegante cavalheiro passava um braço pelos ombros da bonita senhora e outro pela cintura da linda jovem. Um pequeno corte. O mesmo menino, num parque infantil. Junto a ele, uma nurse dizia-lhe alguma coisa. O menino brincando num escorrega. Outro corte. A jovem mãe do menino na porta de um colégio. O menino saía e lançava-se em seus braços. Os dois iam para um carro, a jovem punha-se ao volante, partiam. Outro pequeno corte, e então se viu o bem apessoado filho de Vinson conduzindo um carro por Londres. Chegava a um grande edifício e entrava com o carro num parking subterrâneo. Quase sem transição, via-se

Page 39: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

o mesmo rapaz num bar, bebendo em companhia de amigos. Olhavam a hora, riam... O jovem partia. Mais um corte. A senhora do principio, rosto plácido, tranqüila, estava em seu jardim, cuidando do uma roseira. Empunhava uma tesoura de jardineiro. Súbito, a imagem desapareceu.

E em seu lugar surgiu um texto, escrito em inglês: PROFESSOR VINSON: ESPERO QUE COMPREENDA QUE, DO

MESMO MODO COMO PUDEMOS OBTER ESTAS CENAS, PODERÍAMOS TER DISPARADO COM UMA METRALHADORA CONTRA SUA FAMÍLIA. TENHA ISTO EM MENTE ENQUANTO PERMANECER NO “KAO CENTER”.

“Baby” viu o inglês relaxar-se de pronto e ficar enterrado em sua poltrona, com as mios nos olhos. Enquanto isto, havia começado a projeção dedicada ao francês Le Mounier. Variando os personagens, as cenas eram quase as mesmas. E, no final, o texto recordando que em qualquer momento a câmara cinematográfica podia ser substituída por uma metralhadora.

Assim, durante quase uma hora, sete pessoas estiveram assistindo a uma sessão de cinema pouco comum.

Quando terminou, ninguém se moveu durante alguns segundos. Por fim, Sonikov levantou-se, deteve o projetor e acendeu a luz. Todos olharam então para “Baby”.

— Obrigado — murmurou o russo, de má vontade. — Não me agradeça — sorriu ela. — A família é sua, dr.

Sonikov. E de todos os senhores... Estava pensando que, como já terminaram seu trabalho, poderíamos trocar impressões.

— Sobre o quê? pareceu surpreender-se Kraywinckel. — Bem... sobre alguma coisa. Sobre a vida e a morte,

especialmente. Não tenho dúvida de que uma conversa

Page 40: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

sobre tais coisas deve ser sumamente interessante, com pessoas tão inteligentes como os senhores. De modo que, se não fazem objeção, podemos conversar, até que venham buscar-me para assistir a uma festa divertida...

CAPÍTULO QUARTO

Os americanos cumprem seu compromisso “Boa viagem ao mundo dos espiões mortos!”

A sempre sagrada vida de Johnny — Ponky achava muito melhor — murmurou Karl

Obenbauer, esperançado. — Pois se ele, que é médico, o diz, deve ser verdade —

replicou “Baby”, sorrindo. — Karl, sinto o que aconteceu esta manhã, mas eu estava muito confusa e, sobretudo, dolorida. Ponky disse que devo ter muito cuidado com as conseqüências desse golpe.

— Eu sei... Eu sei, querida. E você sabe, Margia, sabe quanto a amo...

— Karl! Por que me diz isso agora? Eu bem sei! — Margia — sorriu ele — você tem que ouvir-me

atentamente. Não se trata de perder a ocasião de conseguir esses duzentos e cinqüenta milhões. Só quero que você esteja convencida de que há algo muito mais valioso para mim que esse dinheiro. Você sabe que, no princípio, me apaixonei por Brigitte Montfort e que... transformei você em sua imagem e semelhança, contratando os melhores cirurgiões plásticos do mundo. Acima de tudo, está você. Talvez isto surpreendesse nossos amigos e associados, mas não a você. Quero dizer que se for necessário esperar para recebermos os duzentos e cinqüenta milhões, esperaremos. Se você não estiver em forma amanhã pela manhã para se

Page 41: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

fazer passar por “Baby” aos olhos da CIA, adiaremos o pagamento.

— Não será necessário, querido. — Quero que você compreenda bem: eles esperarão se

for preciso. Por enquanto, estão cumprindo bem seu compromisso. Nem um só avião ou navio se moveu. Estão todos paralisados em suas bases. É um bom sinal: indica claramente que não farão outra coisa que seguir minhas instruções. Portanto, esperarão mais uma semana, se necessário.

— Já lhe disse que não é necessário. Amanhã estarei em condições de ser, outra vez, Brigitte Montfort. Tudo sairá bem. A única coisa que me inquieta são suas palavras sobre... minha rival. Você disse que se apaixonou por ela e talvez eu não esteja à altura de substituí-la em seu coração.

— Mais que substituí-la, você é para mim o que ela não poderia ser, nunca: você é ela fisicamente e, ao mesmo tempo, é a mulher que eu criei. Por isso, é você é insubstituível. E eu não poderia perdê-la em nenhuma hipótese.

— Eu estou realmente bem, querido. Não se preocupe mais por mim. E que tal a festa em Kaneohe?

— Perfeita. Todos se divertem a valer. — Tive uma longa conversa com Sonikov e os outros.

Pareciam plenamente convencidos de que as bombas serão unicamente utilizadas como advertência.

— É uma gente de princípios demasiado sólidos — sorriu Obenbauer. — Como já comentei com você, faz tempo, se lhes tivesse dito a verdade, isto é, que poderíamos utilizá-las contra pessoas, fatalmente se negariam a

Page 42: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

colaborar conosco, embora o risco de que eliminássemos suas famílias.

— Foi uma boa precaução. Oh, também fui ver Brigitte Montfort e...

— Essa maldita! — cortou Obenbauer. — Creio que não sairei daqui sem liquidar a questão. Ela recuperou os sentidos?

— Até esta manhã, não. Mas talvez agora esteja em condições de ouvir-nos.

— Ouvirá só a mim... Vamos vê-la — voltou-se para seus homens. — Avise Korba que partiremos dentro de dez minutos para a casa da praia, Van. Você está preparado?

— E louco de vontade de chegar lá! — sorriu Van Vonder. — Espero que a festa esteja animada, Kao.

— Você mesmo verá. Iremos daqui a dez minutos. — Vou avisar Korba. Van Vonder foi por um lado, e “Baby” e Kao por outro,

até a enfermaria. Quando lá entraram, Johnny olhou fixamente para ambos. Não lhe fizeram o menor caso. Colocaram-se junto ao leito onde jazia Brigitte Montfort. Tinha os olhos abertos, mas era pouco provável que se desse conta do que acontecia a seu redor. O dr. Ponky, que se havia reunido a eles, estava ainda na porta, testa franzida.

— Não lhes poderá responder nada — informou calmamente. — Sua recuperação é muito lenta.

— Mas pode nos ver? — perguntou Obenbauer. — Sem dúvida. Como uma imagem longínqua,

nevoenta... As vozes soarão quase ininteligíveis a seus ouvidos, mas de qualquer modo creio que poderá compreender o que lhe disserem.

Page 43: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Ótimo! — exclamou sinistramente Obenbauer, sacando seu revólver com silenciador, que apoiou ao seio esquerdo de Brigitte Montfort. — É ótimo que possa ouvir-nos, “Baby”, porque assim saberá que isto é uma despedida definitiva. Tudo vai bem para nossos planos e já não precisamos absolutamente de você... Compreende o que isto significa?

Nos velados olhos azuis apareceu uma luz de angústia, uma expressão de terror. Os lábios pálidos moveram-se, trêmulos, as feições se crisparam...

— Parece que quer dizer alguma coisa — comentou “Baby”.

— Não creio que tenha nada a dizer-nos. Mas eu, sim, tenho o que dizer a ela... e espero que possa ouvir-me. “Baby”: você esteve a ponto de matar Margia e isso eu jamais perdoaria a ninguém. Isso, juntamente com o fato de que não vamos mais precisar de você, define muito bem as coisas. Só me resta dizer-lhe: boa viagem ao mundo dos espiões mortos!

Karl Obenbauer apertou o gatilho do revólver, que mantivera todo o tempo apertado contra o coração de Brigitte Montfort. O corpo desta estremeceu fortemente, as pernas estiraram-se, o lindo rosto contorceu-se, os olhos pareceram querer sair das órbitas... Depois, tudo foi paz para ela. Bruscamente, o rosto suavizou-se e os olhos, muito abertos, fixaram-se no que se convencionou chamar o Além. Um fio de sangue apareceu no canto de sua boca para sempre imobilizada pela morte.

Ponky examinou com rotineira frieza o corpo rígido. — Podia ter-me poupado os cuidados que lhe dediquei...

— murmurou. — A agente “Baby” deixou de existir.

Page 44: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Lamentável... — sorriu perversamente Obenbauer. — E agora, para que não empreenda sozinha essa longa viagem, lhe proporcionaremos um companheiro...

Tinha-se virado para Johnny, mas “Baby”, a “Baby” que ainda permanecia viva, segurou-lhe o pulso.

— Não, Karl... Tenho um plano muito melhor para esse homem.

— Melhor que matá-lo? Bem, estou disposto a ouvir esse plano, querida.

— Quero que ele viva. E lhe direi por quê: amanhã à noite, quando eu for receber os duzentos e cinqüenta milhões de dólares, ele irá comigo.

— Como assim? — Não seja tolo, querido. Estudamos “Baby” durante

meses e meses... Você esqueceu sua principal característica a respeito daqueles que a acompanhavam numa missão?

— Mmmm... Sempre os livrava de perigos, protegia-os acima de tudo. E se matassem algum Johnny, ela o vingava, custasse o que custasse.

— Exato. Agora, considere a situação... Para os da CIA, “Baby” e este homem estão prisioneiros. Amanhã à noite, ela terá que ir buscar o dinheiro e levá-lo, sem explicações, sem dar a menor indicação a respeito da rota que seguirá com sua preciosa carga. O homem que esteve comigo em Honolulu tinha suas dúvidas quanto à minha personalidade. Quem nos assegura que não as tenha ainda?

— É possível — admitiu Kao. — Mais que possível! Suponhamos, porém, que quando

eu for buscar o dinheiro leve esse Johnny para que seja hospitalizado, para que sua vida seja preservada... Quem desconfiaria de mim quando eu dissesse que impus a

Page 45: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

condição de que ele tinha que vir comigo para ser devolvido aos americanos, a fim de que possa continuar vivendo? Quem duvidaria de que a mulher capaz de fazer isso, de impor condições a pessoas que dispõem de bombas atômicas, fosse realmente “Baby” e nada mais que “Baby”? Seria o fator definitivo para que suas suspeitas deixassem de existir.

— Margia — exclamou Obenbauer — você é formidável! Tem toda... toda razão. E, afinal de contas, que nos importa que este homem viva ou morra?

— A nós, nada — sorriu friamente “Baby” — mas à autêntica “Baby” importaria — e muito. Se eu o levo comigo, se conservo sua vida, ninguém, absolutamente ninguém, se atreverá a duvidar, nem sequer por um segundo, de que sou a verdadeira “Baby”.

— Ótimo! Nem se fala mais.... Ponky: este homem deverá estar pronto amanhã à noite para ser transportado no helicóptero. E quero que suas condições sejam as melhores possíveis, de modo que você o atenderá bem. Está certo?

— Sem dúvida, Kao. Não se preocupe. — Bem. Quanto ao cadáver desta maldita, que seja

destruído no triturador de detritos, como os outros. Já não serve absolutamente para nada. É só.

Dez minutos mais tarde, um dos helicópteros saía da cratera do vulcão, levando Karl Obenbauer, “Baby” e Van Vonder. Nos controles, naturalmente, o impassível e quase simpático e amável Korba.

Enquanto isto, o cadáver de Brigitte Montfort era fragmentado e incinerado nem mais nem menos que num triturador de detritos.

Page 46: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

CAPÍTULO QUINTO Um animal do luau na praia de Kaneohe

Saia de ráfia e colares de ilimas A última ordem...

Na casa da praia de Kaneohe, foram recebidos por Fosett

e Gruber, que pareciam um tanto impacientes e não pouco preocupados. Obenbauer ainda estava ajudando “Baby” a descer do helicóptero, quando Fosett murmurou:

— Kao, os convidados querem começar o luau o quanto antes... Todos já beberam mais do que convêm.

— A festa pode ter inicio — sorriu Obenbauer. Vários homens corriam para eles, procedentes das imediações da casa. Seriam doze, pelo menos, e cada um trazia uma nativa abraçada pela cintura, vestida unicamente com uma saia de palha e um colar de flores. Também eles usavam colares de flores e pareciam estar se divertindo imensamente. Das imediações da casa vinha o saiu adocicado da música havaiana e, à luz vermelha das fogueiras, divisavam-se as silhuetas de algumas jovens, sem os colares de flores, dançando a hula-hula. O plangente tanger das guitarras punha uma nota melancólica na noite. Na pequena praia de ondas mansas, coroadas de espumas, viam-se alguns iates e lanchas. Uma amável festa típica, entre amigos... Era isso o que parecia.

Na piscina, algumas nativas saltavam do trampolim, sem saia de palha e sem colar de flores, enquanto outros homens brancos riam alegremente, também eles abraçados a garotas de suave pele morena que tinham escolhido para lhes fazer companhia. A água estava iluminada num leve tom avermelhado e sua perfeita transparência permitia ver os corpos jovens nela mergulhados. Servos nativos dedicavam-

Page 47: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

se à preparação de abundante ceia, ao ar livre e ao nível do chão, entre as fogueiras que davam a tudo um aspecto selvagem, ardente.

— Kao, estávamos à sua espera. Olá, Margia! — Olá, Kimbely — sorriu “Baby”. — Ah, lembra-se de mim, apesar de só me ter visto uma

vez! Kao, suponho que você não quererá trocar de par... — Não — riu Obenbauer. Os homens que os rodeavam puseram-se a rir, muito

divertidos. As garotas havaianas que estavam com eles riram também, mostrando seus branquíssimos dentes.

— Já deveria ser amanhã... — comentou alguém. — Estou ansioso por embolsar a minha parte.

— Todos estamos impacientes, Novikov... Mas vinte e quatro horas passam depressa... Sobretudo, quando as coisas saem bem... e quando se passa bem.

— Farei o possível por passar melhor ainda! — riu Novikov, abraçando com mais ardor a sua nativa.

— Não se afastem da casa. Lembrem-se que de madrugada todos devemos retirar-nos para “Kao Center”.

— Por que você não deixa que Margia dance a hula-hula?

Ouviram-se risos e Obenbauer apertou a cintura de “Baby”, como se temesse que a pudessem arrancar de seu lado.

— Deixem Margia tranqüila. Ela não está muito bem... Ei, McGregor, para que quer você as duas garotas?

— Por que uma delas pode acabar! O riso foi geral. Rodeados de amigos e de havaianas,

Kao e “Baby” dirigiram-se para a casa. No chão, perto da piscina, a ceia já estava disposta sobre a relva, formando

Page 48: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

como que um tapete de iguarias, ladeado de coxins coloridos e ornamentado de flores. A animação em aumento e a música lânguida fora substituída por algo frenético, à cadência febril, quase alucinante de tambores. Umas vinte garotas agitavam com velocidade incrível os quadris, como se quisessem libertar-se das farfalhantes saias de ráfia, ao mesmo tempo em que iam retirando seus colares de ilimas, que jogavam para os convidados de Karl Obenbauer.

Este e “Baby” tomaram lugar no centro da mesa nativa, deixado vago para ambos. Ao lado de Obenbauer veio agachar-se um tipo alto e ossudo, de olhar frio e expressão torva, o único que, aparentemente, não precisava da proximidade de uma jovem morena para divertir-se.

— Entendo que tudo vai bem, Kao. — Perfeito, Wolfang. — Não será necessário lançar mais nenhuma bomba;

então? — Não. Os americanos vão pagar os duzentos e

cinqüenta milhões. — Bem... Na verdade, tivemos sorte. — Sorte? — Sim. Agora posso dizer que em nenhum momento

confiei no êxito da operação. — Você está brincando, Wolfang! — Não estou. Creio que somos todos um pouco

insensatos. Olhe para eles... Estão dançando e rindo como se esta fosse, na verdade, uma inocente, embora pecaminosa festa entre amigos! Ao que parece, ninguém se dá conta da importância deste assunto.

— Que pretende você com isso? — resmungou Obenbauer. — Estragar minha noite?

Page 49: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Não. Afianço-lhe que não. E, para ser franco, acho que também eu vou arranjar uma garota e divertir-me o mais que puder...

— O luau é para isso, Wolfang. — Eu sei. O diabo é que estou achando incrível... — O que você está achando incrível, homem? — Tudo. Naturalmente você tem todo o direito de

possuir uma casa na praia e convidar seus amigos que têm estado de férias nas ilhas Havaí... Ninguém nos incomodará por isso. Inclusive, parece-me conveniente que as patrulhas costeiras americanas...

— Não há patrulhas costeiras americanas esta noite — sorriu Kao. — Todas as unidades de terra, mar e ar estão em suas respectivas bases... até que eu ordene o contrário. Wolfang, preparamos tudo isto durante dois anos e agora vamos colher o fruto. Que diabo está acontecendo com você? De que se queixa? Ainda que houvesse alguma patrulha costeira americana, de quem menos poderia suspeitar seria de um grupo de amigos reunidos para celebrar um luau. Você se inquieta sem razão.

— Estarei mais tranqüilo quando tudo terminar e eu sair destas ilhas levando a minha parte. Admito esta festa, pois reconheço ser o melhor modo de não despertar suspeitas, mas creio que deveríamos estar mais atentos aos possíveis contratempos...

— Não haverá contratempos — grunhiu Kao, já impaciente. — Tenho muitos homens vigiando as bases militares. Ao menor movimento de tropas ou material, eles darão aviso a “Kao Center” e de lá o aviso nos será retransmitido... Agora, chega, Wolfang! Vá se divertir.

Page 50: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— De acordo — sorriu este, não muito convencido. — Creio que sou um pouco desmancha-prazeres. Talvez seja porque estes nativos, com sua alegria infantil, me põem nervoso. Que acontecerá quando terminar a festa?

— Todos irão embora. Falarão de nosso luau... mas só alguns. As garotas não dirão nada, satisfeitas com os dólares que ganharam sem muito esforço, pois têm apenas que ser amáveis. Aliás, tudo quanto poderiam dizer seria que estiveram numa festa muito bem paga... Só isso, Wolfang. Você tem algum inconveniente em ir divertir-se e deixar-nos em paz?

— Está bem, está bem... Bom divertimento, Margia. — Já estou me divertindo, à minha maneira — sorriu

“Baby”. — Que está esperando, Wolfang? Sorrindo, Wolfang levantou-se e lançou-se nada menos

que no centro das luau-dancers, dentre as quais escolheu uma, que deixou de dançar para dedicar-se de corpo e alma ao estrangeiro.

Comia-se e bebia-se abundantemente, e a alegria dos convivas de Karl Obenbauer já tinha chegado ao auge. Alguém propôs uma competição de surfing e o desafio foi aceito imediatamente por quinze ou vinte pares. Um dos iates ancorados na praia zarpou mar adentro, até chegar à primeira arrebentação bem distante da orla da areia. Sobre as longas pranchas, os pares iniciaram a competição, alguns dos homens ainda vestidos normalmente e suas companheiras nativas só com as saias de palha. Da vasta mesa posta no chão, “Baby” via aquela cena aquática como um filme fantástico, iluminado em azul pela luz de uma lua cintilante. E enquanto alguns pares conseguiam deslizar na crista das ondas e outros, em maior número, caíam

Page 51: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

espetacularmente no meio do trajeto, por entre as palmeiras se ouviam risos e gritos, produzidos por outros pares que começavam a considerar o luau uma festa particular, íntima.

— Kao. Um outro homem acocorou-se ao lado de Obenbauer,

olhando sorridente para “Baby” e saudando-a com aceno amistoso.

— Que há, Ricardo? — Nada... A festa está formidável Tenho duas garotas à

minha espera por ai, muito simpáticas. Mas essas nativas são todas iguais, por muito sofisticadas que estejam...

— Se você tem duas garotas à sua espera, não sei que raio de coisa veio fazer aqui.

— É sobre os aviões. Os outros cinco e eu gostaríamos de saber se serão necessários.

— Não. — Com certeza? — Olhe, Ricardo, você e os outros cinco trabalharam

muito e bastante bem durante dois anos... São do Grupo “Baby”, conseguiram fotografias, filmes, gravações... Empregaríamos os aviões só em último caso. Mas não serão necessários porque os americanos vão pagar.

— Devo compreender que o trabalho de meu grupo está terminado?

— Teoricamente, está. Entretanto, vocês se manterão a postos para qualquer emergência. O trabalho só terminará definitivamente quando tivermos repartido o dinheiro.

— Bem... e que faremos depois? Refiro-me a mim e aos outros cinco.

— Não estou entendendo. — Você não precisará mais de nós?

Page 52: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Não, não, Ricardo. Depois da partilha, tal como combinamos, cada um irá para seu lado.

— E “Baby”? — Está morta. — Morta... Quase lamento isso, Kao. Foram dois anos

dedicados a ela e... na verdade, nunca ninguém me impressionou tanto. Creio que me aborrecerei não tendo mais que segui-la, fotografá-la, filmá-la... E com meus companheiros sucederá o mesmo.

— Vocês poderão pedir trabalho a qualquer serviço secreto — sorriu Obenbauer. — Demonstraram de sobra que possuem os necessários requisitos.

Ricardo assentiu com a cabeça, olhando agora para “Baby”.

— Está contente, Margia? — interessou-se. — Contente? Por que? A que se refere? — Bom... Durante mais de um ano estivemos em

freqüente contato. Informei-a de milhares de coisas a respeito de Brigitte Montfort e lembro-me das ocasiões em que você se desesperava, declarando que jamais conseguiria imitá-la...

— São, tempos passados — sorriu ela. — Não está de acordo?

— Sim, claro. Continuarei divertindo-me... — E não esqueça, Ricardo — advertiu Kao: — o

trabalho de vocês ainda não está terminado. Nunca se sabe o que pode se tomar necessário à última hora.

Ricardo assentiu com a cabeça, levantou-se agilmente e foi em busca de suas havaianas, sorrindo. Enquanto isto, os pares que tinham vencido as ondas e feito um longo trajeto pelo mar estavam chegando à praia, firmes em suas

Page 53: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

pranchas de fibra de vidro. Eram quatro apenas. Atrás, apareciam e desapareciam na superfície da água as cabeças dos “náufragos”.

Meia hora depois, a animação da festa mantinha-se inalterável. A mesa estava sempre cheia de gente, ao mesmo tempo em que a circulação era constante entre estas e as palmeiras. As morenas garotas ostentavam apenas restos de saia e já nenhuma delas tinha colares, mas continuavam todas com flores de hibisco na cabeça, sobre os negríssimos cabelos.

Já passada meia-noite, a mesa foi-se esvaziando. Pouco a pouco, os convidados iam desaparecendo para ali não voltar mais. Estavam magnificamente comidos e bebidos, e seus instintos os orientavam em outras direções.

Quase à uma da madrugada, a lua cheia já iniciando seu declínio, restavam à mesa Karl Obenbauer e “Baby”, praticamente. Estavam sóbrios e silenciosos. Tinham-se dedicado mais a olhar que a participar. E, finalmente, Karl Obenbauer olhou a jovem de olhos azuis.

— Já está no fim... Precipitaram muito as coisas. — Parece que tinham mesmo vontade de se divertir —

sorriu ela. — Pois não há dúvida de que o estão conseguindo, ao

que parece... Vamos? — Para as palmeiras? — Não, não... — ele riu. — Para a casa. Uloa e os outros

receberam ordem de não deixar entrar ninguém lá, de modo que estaremos sozinhos. Deixemos que os animais se refocilem do jângal. Para nós, a casa.

— Sozinhos de verdade... por fim? — Sozinhos.

Page 54: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

“Baby” sorriu e, prendendo-se ao pescoço de Kao, beijou-o nos lábios.

— Cheguei a temer que nunca chegasse este momento — suspirou.

* * * Meia hora antes do amanhecer, Uloa, Gruber, Fosett,

Van Vonder e o próprio Kao dedicavam-se a. ir recolhendo os convidados por entre as palmeiras, enquanto Korba se encarregava de distribuí-los entre seu helicóptero e os outros que tinham vindo de “Kao Center”, inclusive o grande aparelho pintado de preto. Algumas das nativas haviam partido e as que ainda ali estavam dormiam pesadamente, descansando da agitada noite. Perto da mesa, também alguns nativos dormiam, apoiando a cabeça nos tambores. O mar, já com uma franja dourada sobre as ondas, continuava imperturbável a acometer a prata, andas após onda, com seu rumor profunda, embalador.

Ainda não tinha amanhecido completamente quando os helicópteros sobrevoaram a cratera do vulcão extinto. Korba, como chefe dos pilotos, pediu entrada e a luz azul brilhou imediatamente no âmago da cratera. O rádio informou que em “Kao Center” tudo continuava bem, não havendo novidade alguma. Tudo ia igualmente bem na casa da praia de Kaneohe, onde os criados de Obenbauer, dirigidos por Uloa, se encarregariam de apagar todos os vestígios da festa, segundo as instruções recebidas.

A primeira coisa que fez Karl Obenbauer, ao chegar à sua base, foi dirigir-se à sala do rádio, onde o aborrecidíssimo encarregado lhe comunicou que os informes recebidos dos homens que vigiavam os aviões e navios americanos tinham chegado com regularidade, todos

Page 55: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

eles afirmando não ter havido movimento de material ou de homens.

Os americanos, evidentemente, se tinham rendido e sua posição era bem clara: iam pagar sem resistência.

A última ordem de Karl Obenbauer foi dada a Korba: — Ninguém, absolutamente, pode abandonar a base.

Entendido? — Entendido, Kao. — Se ocorrer algo imprevisto, avise Van Vonder. Ele

decidirá se é necessário despertar-me. — Entendido. Às seis da manhã, talvez uns minutos mais, o silêncio

era completo, mais que nunca, em “Kao Center”. Tudo o que restava a fazer era cobrar duzentos e

cinqüenta milhões de dólares americanos. O que, indubitavelmente, seria um digno fim de festa

para aqueles que tanto se tinham divertido no luau, à luz da lua cheia.

Page 56: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

CAPÍTULO SEXTO

Os últimos detalhes O velho leão em socorro dos filhotes Cinco alentados sacos impermeáveis

No fundo da cratera, aberta a grande porta dissimulada

na rocha, tendo lá em cima o círculo de estrelas delimitado pela boca estreita, todos estavam pendentes de “Baby”, que se dispunha a efetuar a chamada pelo rádio de bolso, cuja potência utilizaria quase até o limite, já que a distância dali a Honolulu se aproximava das vinte milhas.

O silêncio era total; a expectação, enorme. Todos estavam presentes, anelantes. Da resposta que ela obtivesse, muitas coisas iam depender. Possivelmente, centenas de milhares de vidas, humanas. Mas, certamente, os americanos são muito “sentimentais” e, sem dúvida, prefeririam pagar a correr o risco mais ou menos certo de que a organização que os estava extorquindo dispusesse, realmente, de outras bombas atômicas iguais à que tinha riscado do mapa o atol de Ulahuama.

— Você tem certeza de que está bem? — insistiu Karl Obenbauer uma vez mais... — Se necessário, podemos atrasar um dia ou dois o recebimento do dinheiro

— Estou bem, querido. — Lembra-se de tudo? De todas as instruções que deve

dar aos americanos? — Creio que sim... Mas não será demais que as

recapitulemos. — É o melhor, claro. Você tem que lhes dizer que as

doze bombas atômicas estão prontas, que esta manhã nossos técnicos procederam aos últimos testes. Insista neste ponto,

Page 57: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

para que eles não tenham dúvidas. Depois, você lhes dará as instruções sobre o modo de entregar o dinheiro e o lugar onde deverão esperá-la. E não esqueça de que vai ser “Baby” uma vez mais. Esqueça completamente que você é Margia Dormedovo. Um erro quanto a este detalhe poderia...

— Ora vamos, Karl, por favor! — Bem... Terão que levar o dinheiro numa lancha de

pesca, pouca veloz. Cinco grandes bolsas impermeáveis. Eles partirão nessa lancha para sudoeste e navegarão até que vocês lhes saiam ao encontro. Na lancha não poderio ir mais que seis homens. Além. disso, recorde-lhes que se alguma embarcação militar ou civil’ for vista nas imediações, será afundada. Insista, também, em que nossos homens estão vigiando todos os efetivos militares que saberíamos imediatamente se algum avião ou navio abandonasse sua base. Como você tem que recolher o dinheiro, é quase certo eles pensarem que utilizará uma embarcação, em vez de um helicóptero. Mas você irá com Korba no helicóptero grande. Ele sabe como funcionam os flutuadores de borracha com ar comprimido, de modo que poderão pousar no mar, junto das lanchas dos americanos. Enquanto eles colocam as bolsas com o dinheiro no aparelho, você falará com os homens da CIA, garantindo-lhes que tem um plano para a localização posterior de nosso grupo e que não se devem preocupar pelos duzentos e cinqüenta milhões, pois serão recuperados oportunamente. Não se esqueça de dizer-lhes que viu com seus próprios olhos as bombas atômicas, mas não mencione nenhum nome. Absolutamente nenhum, Margia.

— Essa recomendação é desnecessária — sorriu ela.

Page 58: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Eu sei... Bom, creio que é tudo. Os americanos confiarão plenamente em você... Você é “Baby”. Depois, Korba e você partirão com o helicóptero mar adentro, para que fiquem convencidos do que pensam atirar as bolsas impermeáveis na água, num ponto qualquer do oceano. E por fim, quando vocês tiverem certeza de que os enganaram, voltarão para cá, com o dinheiro... É necessário que lhe recorde mais alguma coisa?

— Não. — Pois faça a chamada. Rodeada pelos tensos e silenciosos homens que

compunham a totalidade da organização, “Baby” dispôs-se a acionar o rádio. Ao redor dela, os seis aviadores..espiões que durante dois anos tinham-se dedicado a vigiar estreitamente Brigitte Montfort; outros dez espiões, recrutados por Kao entre os diversos sistemas de espionagem mundial; os capitalistas que tinham iniciado com Karl Obenbauer a estrutura daquela organização que finalmente ia cobrar duzentos e cinqüenta milhões de dólares; pilotos de helicópteros, mecânicos, guardiões, colaboradores de várias espécies que vinte e quatro horas antes haviam organizado o grande luau à luz da lua. Todos estavam ali, pendentes da linda jovem de olhos azuis. Todos, exceto os seis cientistas nucleares: Vinson, Kraywinckel, Sonikov, Fabesham, Mackenzie e Le Mounier. Estes seis homens tinham sido encerrados.

— Johnny? — Pode falar, “Baby”! — ouviu-se a voz excitada do

espião americano. — Som um pouco fraco, mas suficientemente claro.

Page 59: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Eu também o escuto com clareza, Johnny. Está tudo preparado?

— Sim, está... — Você parece hesitante... Há alguma coisa? — Não. É que tínhamos esperança de que você

conseguisse evitar esse pagamento, de algum modo. — Lamento, mas não é possível, Johnny, acredite. Não

há nada que eu possa fazer. E pelo que pude ver estes dias, meu conselho é que peguem. Se você ou quem quer que seja tem alguma dúvida a respeito da existência dessas bombas, pode perdê-la. São doze, Johnny: eu vi.

— Você viu? — Sim, tiveram a “amabilidade” de mostrar-me; logo,

sei que existem. Olhe, Johnny... não estou sozinha agora, suponho que você o tenha compreendido. De modo que nossa conversa deve cingir-se às instruções que me foram dadas. Diga-me somente se estão dispostos a entregar o dinheiro ou não.

— Estamos. — Bem. Então, estas são as instruções que tenho a

transmitir-lhe: numa lancha de pesca... Durante uns minutos, esclarecendo as dúvidas

manifestadas por Johnny, “Baby” o informou sobre o lugar onde deveria ser feita a entrega do dinheiro, bem como sobre todos os detalhes e condições exigidas pela organização que dispunha de doze bombas atômicas.

Por fim, fechou o pequeno rádio, guardou-o na maletinha vermelha adornada de flores azuis e olhou sorridente para Karl Obenbauer.

— Pronto, querido.

Page 60: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Então, em marcha. Korba terá o controle exclusivo do helicóptero; sabe exatamente o que deve fazer. Não esqueça...

— Não esqueço nada — atalhou ela. — nem sequer de Johnny. Refiro-me ao nosso prisioneiro ferido. Ele está bem acomodado no helicóptero? Tenho que dar a impressão de que sou a autentica “Baby”, lembre-se.

— Sim, ele já está no aparelho — sorriu Obenbauer — e foi uma boa idéia sua devolvê-lo à CIA. Não se preocupe: chegará vivo e em boas condições.

— Bem, já não temos mais que falar. Senhores, até a vista.

Despediu-se de todos acenando com a mão e encaminhou-se para o grande helicóptero preto, que esperava sobre a plataforma rolante, pronto para empreender o vôo. Korba subiu pelo outro lado, enquanto Kao punha suas enormes mãos nos ombros de “Baby” e olhava intensamente seus olhos azuis, que reluziam na obscuridade da cratera, sob o círculo de estrelas.

Ela beijou-o rapidamente no rosto. — Não se preocupe — murmurou. — Tudo sairá bem,

querido. Suavemente, desvencilhou-se de suas mãos e subiu com

agilidade ao helicóptero. Segundos depois, este empreendia a ascensão vertical para a abertura da cratera.

* * * Korba apontou para o mar, à frente deles. — Aquela deve ser a lancha, Margia. — Com certeza... Farei um sinal com a lanterna. Utilizando uma grande lanterna de pilha, lançou um

sinal de chamada à lancha de pesca que se avistava,

Page 61: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

diminuta e branca, sobre as águas escuras. E, poucos segundos depois, nela piscou um sinal de resposta.

— Desçamos — disse “Baby”. Levantou-se, deslocando-se para o centro do grande

helicóptero, onde Johnny jazia numa estreita maca. O luar, entrando pelo plástico transparente de uma das portas, iluminava-lhe o rosto.

“Baby” agachou-se a seu lado, sorrindo. — Suponho que já tenha compreendido a verdade,

espião — sussurrou. — Mas ainda não está em condições de falar, de modo que pouco importa. Aconselho-o a que se dê por satisfeito com a sorte que teve e que não faça esforços para dizer nada.. Isso poderia custar-lhe uma perigosa hemorragia, acredite. Assim, aceite as coisas como são, feche os olhos e, dentro de alguns dias, tomará a gozar do sol e da vida... É mais do que podia esperar, não acha?

— Estamos chegando — preveniu Korba. “Baby” bateu levemente no rosto do espião ferido e

regressou a seu lugar, com um sorriso seco nos lábios. Apenas dez segundos depois, o grande helicóptero preto, pousava sobre a água, junto à lancha parada. Os flutuadores infláveis, de borracha, funcionaram à perfeição, sustentando o pesado aparelho metálico.

— Há um detalhe que também lhe quero lembrar, Margia: se propuserem que você fique não esqueça de dizer que...

— Não esqueci tudo, Korba — sorriu ela. — Sei muito bem o que devo dizer e fazer. Não se arrede daqui, você.

— Insista em que, se não voltar comigo, a lancha deles será afundada e que...

— Não se preocupe mais. Até já.

Page 62: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Saiu do helicóptero, descendo até o trem de aterrissagem normal e, deste, passando à lancha de pesca. E de seu posto nos controles, Korba viu os dois homens que se adiantaram imediatamente para ajudá-la a subir a bordo, enquanto os outros quatro, que completavam a tripulação máxima permitida por Kao, permaneciam imóveis, olhando sombriamente para o helicóptero, o que o fez sorrir. “Baby” disse qualquer coisa precisamente aqueles quatro homens e Korba viu-os aproximar-se da borda. Junto a esta, ela gritou:

— Korba, eles vão buscar o Johnny! Não esqueça o que foi combinado!

Ele encolheu os ombros e manteve-se imóvel, enquanto os quatro agentes da CIA se dispunham a passar ao helicóptero, em busca do companheiro ferido.

Enquanto isto, “Baby” apertava a mão de Johnny, depois olhava ironicamente para Mr. Cavanagh.

— Incrível — sorriu: — o velho leão abandonou seu covil... Decerto pensou que os filhotes precisavam de sua ajuda pessoal.

Cavanagh apertou-lhe a mão sorrindo mas com ar preocupado.

— Coisas de Kendall... Bem, do seu Johnny de turno. Lamento ter pronunciado o nome.

— Não o ouvi... — sorriu ela. — Tudo está preparado? — Sim, claro. — Suponho que não tenha sido fácil reunir duzentos e

cinqüenta milhões de dólares. — Pelo contrário — tornou a sorrir Cavanagh: — foi

facílimo.

Page 63: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Puxa! Sempre disse que não há nada como ser rico. Vamos ajudar a remover Johnny... Custou-me bastante trazê-lo até aqui, e não gostaria nada que agora caísse no mar...

Os três foram até a borda, dispostos a ajudar os quatro agentes que estavam trazendo Johnny.

— Cuidado... — recomendou “Baby”. — Qualquer movimento brusco pode reabrir a ferida. Devagar...

Imóvel em seu posto. Korba sorriu. Não havia dúvida de que Margia estava imitando às maravilhas a autêntica “Baby”. Teria, forçosamente, que convencer a todos.

Por fim, o espião ferido foi colocado a bordo da lancha de pesca, e “Baby” e os dois homens que a haviam recebido transportaram-no para dentro do barco, com grande cuidado, enquanto os quatro agentes restantes começavam a trazer as enormes bolsas impermeáveis para o helicóptero. Grandes e pesadas bolsas brilhantes, repletas. Cinqüenta milhões em cada uma. A idéia aproximada do que podia conseguir com aquele dinheiro, ou parte dele apenas, alterou o pulso de Korba.

Custou quase um quarto de hora transferir as cinco enormes bolsas ao helicóptero. Um dos agentes da CIA tinha permanecido neste e vira-se obrigado a solicitar o auxílio de Korba, enquanto Kendall-Johnny, aparecendo no convés, ajudava os três outros. Não foi fácil, mas finalmente as bolsas ficaram acomodadas na ampla carlinga, que encheram completamente, só restando livre o espaço dos dois assentos dianteiros.

A esta altura, “Baby” e o homem que claudicava tinham reaparecido no convés, onde ficaram esperando, em silêncio, até a operação de carga terminar. Quando o último

Page 64: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

dos agentes da CIA abandonou o helicóptero Korba fez funcionar as hélices e viu, ato contínuo, “Baby” despedir-se do homem ligeiramente manco, depois, com um gesto, dos outros cinco.

Segundos após, a agilíssima jovem estava sentada a seu lado, sorrindo zombeteiramente.

— Vamos, Korba. — Vamos — repetiu este, estremecendo de alegria. —

Você os enganou muito bem, Margia. — Fui preparada para isso, não? O helicóptero elevou-se rapidamente, na vertical mais

absoluta, para em seguida lançar-se mar adentro, em vôo baixo, de acordo com os planos de Kao. Durante quatro ou cinco minutos, nenhum dos dois falou. Depois, subitamente, Korba exclamou:

— Com todos os diabos! Eu bem que gostaria de ver esse dinheiro, de mergulhar as mãos dentro de uma dessas bolsas!

— Nada mais fácil — sorriu “Baby”. — Troque de lugar comigo, que guiarei o helicóptero enquanto você dá uma olhadela a esses milhões.

— Ótimo! Trocaram de lugar, com certa dificuldade. Já naquele até

então ocupado por “Baby”, Korba voltou-se, colocando-se de joelhos e puxando para si um dos grandes sacos, cuja beca estava fortemente fechada por corda de plástico.

— Ah-ah-ah!... Duzentos e cinqüenta milhões! Com dedos trêmulos, nervosíssimo, começou a abrir o pesado saco.

— Korba. — Que é? — perguntou, ainda rindo, sem olhar para ela;

Page 65: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Korba, sinto porque você não me pareceu mau de todo, mas não há outro jeito.

Agora ele virou a cabeça, surpreendido. — De que...? Plop. Ao mesmo tempo em que recebia a pequenina bala na

testa, ele pôde ver aquela mão delicada empunhando uma pistola que parecia de brinquedo. Viu também o rapidíssimo clarão do disparo e, a este clarão, o belo rosto de “Baby”.

Fim. Ficou estendido sobre a grande bolsa impermeável, que

não chegara a abrir. O helicóptero estremecera um instante, mas em seguida as mãos de “Baby” voltaram plenamente aos controles, estabilizando-o. Olhou para Korba, que tinha o rosto virado em sua direção e os olhos abertos. Pôs-lhe a mão no ombro e empurrou-o para a outra porta. Depois inclinou-se para aquele lado, abriu a porta e acabou de empurrar o cadáver, que desapareceu na escuridão. Uma rajada de ar impeliu violentamente a porta para trás, mantendo-a aberta. Teve que fazer verdadeiros malabarismos com os controles para chegar até ela e tornar a fechá-la.

Imediatamente, o grande helicóptero preto fez a volta, regressando para o interior da ilha do Oahu. Em menos de quinze minutos ataria sobrevoando a cratera do vulcão extinto.

* * * Conseguiu facilmente o contato pelo rádio. — Margia chamando... — disse. — Dêem-me sinal para

entrar. — Imediatamente. Foi tudo bem?

Page 66: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Não. Preciso ver Kao sem demora. O sinal. Lá embaixo, no fundo da cratera, começou a piscar a luz

azul. Em poucos segundos, ela estava exatamente sobre ela. Iniciou a descida vertical.

Uma coisa era certa: Karl Obenbauer não ia gostar daquela parte da operação. E não tardaria a concluir que, afinal de contas, tudo não passara de um grande fracasso.

CAPÍTULO SÉTIMO

Cédulas voam para todos os lados Mobilização total em “Kao Center”

Horror de uma represália... Karl Obenbauer precipitou-se para ela antes que seus pés

tivessem tocado o solo. Tinha o rosto barbudo crispado numa expressão de fúria.

— Que aconteceu? — olhou para o helicóptero. — Onde está Korba?

— O dinheiro está aqui! — exclamou Wolfang. Seguido de um grupo ansioso, apressou-se a subir no helicóptero, enquanto “Baby” olhava com expressão assustada para Kao, como se temesse alguma reação violenta contra ela.

— Karl, sinto muito... Korba quis me matar... Estávamos voando mar adentro, quando disse que queria todo o dinheiro para ele, que sabia de um local onde poderíamos atirá-lo ao mar e mais tarde ir buscá-lo... Tive que lhe dar um tiro, depois abri a porta da carlinga e empurrei-o para fora...

— Que miserável! — bramiu Kao. — Você fez muito bem. E se foi só isso o que aconteceu, não tem a menor import...

— Papéis! — ouviu-se o grito de Wolfang. — PAPÉIS!

Page 67: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Karl Obenbauer voltou-se para o helicóptero, agora com uma expressão de perplexidade, como se não tivesse compreendido bem o que acabava de revelar um de seus sócios capitalistas. Ficou olhando atônito para o ossudo e louro Wolfang, que estava na porta do helicóptero, com as mãos cheias de retângulos de papel recortados de jornais... Agora, com um estridente grito de raiva, ele atirava os papéis em cima de Obenbauer. Depois, meteu-se novamente na carlinga e reapareceu com mais papéis, que continuou lançando furiosamente no ar.

— Papéis! Só papéis! — ululava. — Simples pedaços de papel de jornal!

— Vejamos os outros sacos! — propôs alguém. — Karl! — gritou Wolfang, ameaçando Kao com o

punho — não foi isso o que, você prometeu a todos, maldito!

Parecia prestes a rebentar, tão congestionado estava, as veias da testa intumescidas, um rito feroz na boca. Agitava os punhos como se estivesse despedaçando o ar. Obenbauer virou-se para “Baby”, ainda aturdido, pálido, com a capacidade de pensar completamente anulada.

— Margia... — tartamudeou. — Margia, que significa...? — Estou tratando de dizer-lhe! — gritou ela,

histericamente. — Já sabia que era tudo papel, mas nem tive tempo de dizer a Korba, porque ele...!

— Esqueça Korba! Explique-me o que aconteceu! — Karl... Karl querido, precisamos ter calma... Não me

fale assim, pois não foi por minha culpa... — Está bem — Kao tratou de controlar sua cólera. —

Você tem razão, querida. Precisamos ter calma... Diga-me o que aconteceu.

Page 68: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Eles estavam convencidos de que eu era “Baby”, naturalmente, portanto revelaram-me o plano que haviam preparado. Disseram-me que as bolsas só continham pedaços de papel, mas que eu precisava aceitá-las. Seu plano era localizar “Kao Center”... Avisaram-me que devia fazer exatamente o que você me tinha mandado, mas colocando um transmissor no helicóptero, de modo que eles pudessem encontrar-nos mais tarde... Eu tinha que chegar até “Kao Center”, melhor dito, até suas proximidades, e então matar Korba, descer fora da cratera e esperá-los. Eles não tardariam a chegar, com tropas, e eu lhes diria como e por onde se entrava em “Kao Center”... Estavam convencidos de que eu era “Baby”!

— E você veio até cá trazendo um transmissor no...? — Karl! Não sou nenhuma estúpida! O transmissor está

no fundo do mar, com o cadáver do idiota do Korba! A cor voltou ao rosto de Obenbauer. — E... Você fez o que devia fazer, Margia querida...

Está segura de que não poderão encontrar “Kao Center”? — Claro que não encontrarão! — Mas talvez a tenham seguido... — Não. Devem estar agora procurando inutilmente o

sinal no receptor. Não desconfiaram de mim, claro... Disse que sim a tudo e deixei-os, Karl: não podia fazer outra coisa...

— Tranqüilize-se. Lógico que você não podia fazer outra coisa, querida. Para eles, você é “Baby” e tinha que aceitar tudo.

— De boa vontade teria liquidado com aqueles malditos, mas...

Page 69: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Acalme-se. Vamos dar uma lição nos americanos... Uma lição que jamais será esquecida! Você está completamente certa de que não tem nenhum outro meio de localizar-nos?

— Eles me teriam dito. — É fato. Bem... Quiseram ser mais espertos que nós,

acreditando que contavam com “Baby”... Por estes dois erros vão pagar caro. Muito caro... Ricardo!

O chefe do grupo dos seis pilotos-espiões aproximou-se, expressão torva, trazendo nas mãos um punhado de “cédulas”. Os demais tinham esvaziado furiosamente as cinco grandes bolsas tudo estava cheio de pedaços de jornal, que agora voavam por todos os lados. No rosto de cada uni era bem visível a raiva e os olhares já se dirigiam, malévolos, para Karl Obenbauer. Justamente um dos mais indignados parecia ser Ricardo, que se deteve diante de Kao e arremessou no ar as “cédulas”, com um gesto colérico.

— Quantos milhões para você, Kao? Dois, dez, cem, mil...? Pode ficar com a minha parte, se quiser!

— Cale-se — rosnou Kao. — Calem-se vocês todos! Trata-se de uma jogada dos americanos, que Margia esteve me explicando enquanto vocês se comportavam como animais... Quero que todos me escutem! Vamos dai-lhes uma...

O encarregado do rádio apareceu correndo, com o espanto estampado no rosto.

— Kao! Kao...! Deteve-se por fim diante de Obenbauer, arquejando, os

pés mergulhados em centenas, milhares de “cédulas”, que cobriam o chão.

— Fale de uma vez! O que há?

Page 70: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Os que vigiavam... as bases aéreas e navais... chamaram... Há movimento de tropas e material... em todas... Os americanos estão agindo...

Margia puxou Kao pela manga. — Eles me disseram — murmurou. — Esperam

localizar “Kao Center” por meio do transmissor que me deram. Enquanto isto, as tropas se preparam para intervir, se necessário. Querem encher o céu de aviões e o mar de navios... Não esqueça que eu lhes disse que dispomos realmente das bombas atômicas.

— Vão bombardear “Kao Center”! — gritou alguém. — Calma! — pediu “Baby”. — Não poderio fazer isso,

pois que os enganei! Não encontrarão nunca esta base. Aliás, os aviões não decolarão até que saibam para onde se dirigir exatamente... Coisa que não saberão nunca! Compreendam bem: eles confiavam em mim, em “Baby”, para encontrar “Kao Center” por meio do transmissor. Mas o tal transmissor está no fundo do mar! Esperarão inutilmente meu sinal!

Houve umas quantas dezenas de suspiros de alívio. Depois todos os olhares tornaram a convergir para Kao, que erguia as mãos pedindo atenção.

— Margia está dizendo a verdade. Não nos encontrarão nunca! Mas nós, sim, vamos ao encontro deles... Enquanto esses aviões aguardam a ordem de decolar, nós iremos dar-lhes a lição que merecem. E garanto-lhes que dentro de dois dias os americanos pagarão... Quinhentos milhões de dólares!

As palavras de Kao foram acolhidas com um silêncio estupefato. Houve trocas de olhares, primeiro, depois murmúrios, quando todos foram compreendendo a idéia de

Page 71: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

seu chefe e diretor. Já que os americanos haviam querido bancar os espertos, a tarifa seria agora o dobro daquela que se haviam audaciosamente aventurado a economizar: quinhentos milhões de dólares redondos!

— Vejo que compreenderam — sorriu Obenbauer. — Ricardo: você e seu grupo ficam encarregados de dar a lição aos americanos. Sairão imediatamente com os três helicópteros pequenos e iram em busca de seus aviões. É hora de retirá-los esconderijos. Eu estarei à espera de vocês onde guardamos as bombas. Em marcha! Van!

Van Vonder apareceu de imediato na frente de Obenbauer.

— Diga, Kao! — Encarregue-se de transpor as cargas atômicas para o

helicóptero grande! Vamos levá-las para onde estão as bombas e, enquanto Ricardo e seu grupo dirigem-se para lá, colocaremos as cargas. Tudo tem que ser feito com a maior rapidez. Ricardo, aguardaremos vocês na praia, com as bombas já preparadas para o lançamento. Não esperem mais!

— Está bem! — E você, Van, apresse-se também. As cargas foram

inspecionadas pela última vez esta manhã. Estão prontas. Cuidado com elas... Os do grupo de Agentes virão com Van Vonder e comigo... os dez. Todos os demais para dentro. Vamos, vamos, não quero ver ninguém inativo! Cada um em seu posto! Florêncio!

O encarregado do rádio levantou a mão, avisando Kao que estava junto dele. -

— Aqui, Kao.

Page 72: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Volte ao rádio e transmita a ordem: todos devem vir a “Kao Center” imediatamente. Já não é necessário vigiar as bases americanas. E diga-lhes que convém se apressarem a chegar aqui, se quiserem livrar-se de boa... Entendido? Que utilizem carros e que os deixem fora da estrada. O resto do caminho a pé... O que tiver a idéia de chegar aqui em helicóptero morrerá por minhas próprias mãos! É só!

Todos os que tinham coisas a fazer corriam de um lado para outro, levantando montões de “cédulas” com pontapés involuntários. Os três helicópteros pequenos já estavam chegando sobre suas plataformas respectivas do fundo da grande gruta, empurrados por seus três pilotos e por meia dúzia de pilotos-espiões, os homens que durante dois anos tinham vigiado magnificamente “Baby” e que agora estavam encarregados de cumprir a segunda missão de que deveriam incumbir-se caso necessário.

Wolfang e vários outros se colocaram diante de Kao. — E nós? — Eu disse que todos aqueles sem nada que fazer

deviam entrar. O que permanecer de fora que se arranje depois como puder.

— Entendido. Os não designados a nenhuma ação desfilaram para o

interior de “Kao Center”. O primeiro dos helicópteros pequenos já ascendia para o círculo de estrelas, enquanto os outros dois já tinham suas hélices girando a toda a velocidade.

— Karl, você pensa realmente lançar essas bombas? — Claro, querida. Será uma boa lição para eles! — Onde serão lançadas?

Page 73: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Darei a ordem quando tomar a reunir-me com Ricardo e seu grupo, na praia. Faremos os lançamentos ao redor da ilha de Oahu, formando um círculo, a umas vinte e cinco milhas da costa, apenas. Espero que levem um bom susto.

— A essa distância, talvez seja algo mais que um susto. — Não. As bombas são pequenas, querida, e não haverá

mais que susto. Embora, por simples “equivoco”, uma delas vá cair exatamente a cinco milhas escassas de Honolulu...

— Sim — sorriu “Baby”. — Isso, sim, que será uma boa lição!

— Só que não restarão muitos para recordá-la... Mas espero que aprendam a não enviar a Kao pedaços de jornal. E, a próxima vez, serão quinhentos milhões!

— Poderia ser um bilhão — sugeriu “Baby”, sorrindo. — A idéia não é má. Pensarei a respeito... Será melhor

que você também vá para dentro, Margia. — Não posso ficar aqui até sua partida? Obenbauer

sorriu e abraçou com força a linda jovem de olhos azuis. Já subira para a noite estrelada o último helicóptero pequeno e do fundo da grande caverna chegavam vários homens, empurrando carretas metálicas com rodas revestidas de borracha, silenciosas. Três carretas ao todo, cada uma delas contendo duas caixas grandes, de chumbo. Para manejar cada caixa foram necessários quatro homens. Finalmente, todas ficaram arrumadas na carlinga do grande helicóptero preto. Van Vonder colocou-se nos controles e os dez homens que formavam o grupo de Agentes, todos eles havendo traído suas pátrias para trabalhar com Kao, subiram a bordo. “Baby” olhava-os inexpressivamente.

Page 74: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Sabia que dois eram americanos, dois russos, um inglês, dois franceses, um italiano, um alemão e um belga.

— Adeus — murmurou Obenbauer. — Não tente sair daqui, querida.

— Você voltará? 1 — Não creio que disponha de tempo. Terei quer esperar

ate que passe o efeito das explosões. Até então, ficarei no refúgio da casa de Mount Tantalus, sob a garagem.

— Karl... — Não se inquiete por mim. Ela abraçou-o freneticamente, como se temesse não

tornar a vê-lo. Seu beijo impressionou Karl Obenbauer de maneira profunda. — Não saia daqui — insistiu ele, voz rouca. — Se

acontecesse alguma coisa com você, eu lançaria as outras seis bombas sobre... sobre Nova Iorque, Los Angeles, Chicago...

— Não sairei daqui — sorriu ela. Karl Obenbauer subiu ao helicóptero e, segundos depois,

este desaparecia no negro céu estrelado. A represália ia ser terrível.

Page 75: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

CAPÍTULO OITAVO

Funciona bem o rádio de “Kao Center” Ah! Os saudosos tempos da juventude! Um vulcão extinto entra em erupção...

A grande porta de madeira, com armação metálica e

recoberta de cartão-pedra simulando lava vulcânica, foi fechada, ficando dentro de “Kao Center” todos aqueles que não tinham intervindo em nenhum aspecto da operação de represália. Junto a ela ficaram dois homens, que manobrariam o volante para abri-la quando chegassem os que até então tinham estado vigiando a imobilidade dos efetivos militares americanos na ilha de Oahu.

Dentro de “Kao Center”, pelos corredores, viam-se grupos de homens comentando excitadamente as possíveis conseqüências de tudo aquilo e, sobretudo, a formidável perspectiva de cobrar, em breve tempo, quinhentos milhões de dólares em vez de duzentos e cinqüenta.

Ignorando as consultas e perguntas a respeito dos planos finais que Karl Obenbauer pudesse ter preparados para uma ação definitiva, “Baby” foi-se desvencilhando dos que a cercavam e caminhou resolutamente para o fundo da base.

Um dos guardiões das salas com porta de chumbo mereceu sua atenção. Foi por ela chamado, com uni sinal, e colocou-se à sua frente, expectante.

— Onde estão agora os cientistas? — Nas celas, como Kao determinou. — Bem... Traga-os à sala 6. E nada de comentar com

eles ou entre vocês o que aconteceu. Está claro? — Está, Margia.

Page 76: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Nem uma palavra. Traga-os à sala 6, tranque-os lá dentro e espere-me diante da porta, com a chave-mestra.

— Está bem. O homem foi cumprir a ordem e “Baby” dirigiu-se então

ao compartimento do rádio. Entrou tranqüilamente, encostou a porta atrás de si e olhou sorrindo para o operador, que tinha voltado a cabeça e também sorria, embora sem poder ocultar sua expressão preocupada.

— Vai tudo bem? — interessou-se ela. — Parece que sim. — Avisou a todos? — À maior parte. Mas terminarão por se avisar entre

eles, com os rádios de bolso. — Ótimo. Quanto tempo acha você que levarão para

chegar aqui? — Não sei... Mas o último não deverá tardar mais que

uma hora. Até então, os outros têm que permanecer no exterior, esperando que façamos subir a escada elétrica. Espero que funcione, pois há muito tempo que não a utilizamos. Mas tudo irá bem, claro...

— Suponho que sim, Florêncio. Este iniciou outro sorriso... que se. transformou numa

careta de sobressalto ao ver chegar a seu rosto a mão direita de “Baby”. Tentou afastar-se, mas a surpresa anulou a rapidez de seus reflexos. Recebeu um tremendo impacto em plena testa, sendo violentamente lançado contra o rádio. Escorregou de sua cadeira e ficou estendido de lado, sem sentidos, aos pés de “Baby”. Sorrindo ironicamente, esta abriu sua maletinha, sacou o rolo de esparadrapo cor da pele e com duas longas tiras atou Florêncio, primeiro as mãos e depois os pôs. Finalmente, colocou outro pedaço em sua

Page 77: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

boca, fechando-a hermeticamente. Agarrando-o pela roupa, arrastou-o para trás do rádio e ali o deixou, com indiferença.

Sentou-se diante do aparelho e durante alguns segundos examinou-o com atenção, contraindo as sobrancelhas. Por fim, moveu um dial para a direita, cautelosamente. Encolheu os ombros e fez a primeira tentativa;

— Está me escutando, Johnny? Câmbio. Silencio. Moveu um pouco o dial e fez a mesma pergunta. Mas,

evidentemente, Johnny não a escutava... Não a escutou até a quinta tentativa. Então, sua voz chegou clara aos ouvidos de “Baby”.

— Escuto-a perfeitamente. Câmbio. — Como vão as coisas? Câmbio. — Sem nenhuma falha. Só estamos esperando seu aviso

para proceder de acordo com o plano previsto. Podemos agir? Câmbio.

— Ainda não, Johnny. Tem certeza de que localizaram exatamente o lugar? Câmbio.

— Absoluta certeza. Já disse que só estamos à espera de seu aviso. Câmbio.

— Será conveniente esperar uma hora. Os homem que vigiavam as bases militares estão vindo para cá. Receberam ordem de abandonar seus postos e reunir-se em “Kao Center”. Tardarão, segundo parece, uma hora no máximo. Acho melhor deixar que todos entrem na ratoeira, eis por que sugiro essa espera. Diga-me se há algum inconveniente. Câmbio:

A resposta de Johnny demorou alguns segundos a chegar:

Page 78: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Nenhum inconveniente, “Baby”. você iniciou este assunto, de medo que tudo se fará à sua maneira. Mais alguma coisa? Câmbio.

— Sobre isso, não. Atuem dentro de uma hora exatamente. Mas há outros detalhes que devem ser tomados em conta. Karl Obenbauer saiu daqui com seis cargas atômicas. Tal como suspeitava, as bombas portadoras não estão em “Kao Conter”, por isso foram buscá-las. Seis aviões estão numa praia para receber as bombas, que logo serão montadas por Karl Obenbauer e o grupo de agentes secretos traidores de que lhe falei. Tinha que ser assim: gente especializada, a serviço de Kao. Uma vez colocadas as cargas nas bombas e estas nos aviões, Obenbauer Irá para sua cata em Mount Tantalus, onde tem um porão transformado em refúgio atômico. Seu plano consiste em lançar essas seis bombas ao redor de Oahu, a vinte e cinco milhas de. distância. Uma delas, somente a cinco milhas de Honolulu... Também é possível que, à última hora, Obenbauer resolva regressar a “Kao Center” com esse dez homens, no helicóptero grande, o preto. Se vier para cá, tanto melhor. Se for para a casa de Mount Tantalus, espero que você se encarregue desse assunto. Entendido? Câmbio.

— Perfeitamente entendido! — quase gritou Johnny. — E parece que você está concedendo prioridade a algo que não a tem. O que mais interessa neste momento é localizar esses aviões, impedir que levantem vôo com as cargas atômicas já montadas! Sabe você onde serão recolhidas as bombas? Câmbio.

— Ah, sim... As bombas... Pois suponho eu que, ao falar da “praia”, Kao se referia à de sua vila em Kaneohe. Não sei ao certo. Câmbio.

Page 79: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Não sabe ao certo! Você está brincando? Câmbio. — Não estou brincando, querido. A verdade é que não

sei mesmo... Compreenda: há coisas que minha memória teria que recordar forçosamente. Não podia perguntar isso. Tudo tem um limite. Meu conselho é que alguém seja enviado à vila de Kaneohe, claro, e vejam se podem evitar que essas bombas sejam lançadas. Suponho que a vila de Kaneohe esteja bem localizada, Johnny. Câmbio.

— Claro que está localizada! Nunca em minha vida tive noticia de tanta tranqüilidade e sangue-frio... Há seis bombas atômicas a ponto de serem lançadas, e você se põe a dar-me instruções sobre coisas de somenos importância! Câmbio.

— Tudo tem sua importância, Johnny. E um trabalho bem feito é aquele que se realiza tendo-se em conta todos os detalhes, não somente o mais importante... ou o que assim parece. Bem, já nada mais temos que falar. Confio em que você tratará de impedir que essas bombas sejam lançadas. E de todo o resto, naturalmente. Pode avisar a Guarda Costeira do Marine Corps da base de Kaneohe, para que dê uma voltinha pelas praias do norte, pois daí pode resultar alguma coisa... Perguntas, Johnny? Câmbio.

— Só uma: como é possível que você se mostre tão calma diante da possibilidade de que seis bombas atômicas sejam lançadas num círculo de vinte e cinco milhas... e uma delas a cinco milhas apenas de Honolulu? Câmbio.

— Bah! Não passam de bombinhas, Johnny. É só. Fora. Cortou a comunicação, sorrindo. Abriu novamente, a

maleta vermelha, sacou um pote de creme facial e, do duplo fundo rosado, uma ampola de vidro azul claro, quase transparente. Depois, colocou uma gaze diante da boca e do

Page 80: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

nariz, deixando cair a ampola sobre o rosto do desacordado Florêncio, que assim não despertada antes de decorridas vinte e quatro horas. Esperou quinze segundos, guardou a gaze na, maleta e saiu do compartimento do rádio, fechando a porta por fora e ficando com a pequena chave.

Depois, tranqüilamente, sem fazer o menor caso da excitação que reinava a seu redor, regressou ao corredor das salas com portas de chumbo. O mesmo homem ao qual havia dado ordens estava diante da número 6, esperando-a.

— Estão todos aí? — perguntou-lhe. — Estão. — Muito bem. Vou entrar e não quero que pessoa

alguma nos incomode. Dê-me a chave-mestra. — Mas... — Que há? — estranhou ela, — Tem alguma dúvida em

me entregar a chave? — Bom... Kao sempre diz que a chave tem que ficar em

poder do chefe de cada turno de vigilância e... — E daí? —cortou “Baby”. — Vai ou não vai entregar-

me essa chave? O guardião passou a língua pelos lábios. Por fim, soltou

um suspiro e cedeu. — Muito bem — disse ela, sorrindo. — E agora, tal

como lhe disse, ocupe-se de que ninguém, absolutamente ninguém, venha nos perturbar aqui. Alguma dúvida?

— Não — resmungou o homem. “Baby” fez meia volta, abriu a porta, entrou e fechou por

dentro, deixando a chave especial na fechadura. Virou-se então, sorrindo amavelmente, e olhou um a um os seus cientistas.

Page 81: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Então, cavalheiros? — saudou-os. — Como estão passando?

— Muito bem — ganiu Senikov, o russo, — Ah-ah, um sorriso... Alguma vez lhe disseram,

professor Sonikov, que embora seja russo e feio o senhor se toma simpático quando sorri?

— Alguma vez me disseram, sim — sorriu mais ainda o míope cientista russo — mas isso foi há muito tempo, quando eu era jovem. E não creio que mal parecido, então. Mmm... Bem, quero dizer...

Os outros também sorriram. “Baby” abriu uma vez mais sua maletinha, sacou um maço de cigarros e ofereceu-os aos cientistas. Já todos fumavam, quando ela prosseguiu sua amável brincadeira com Senikov.

— Sabe o que estou pensando, professor? Que o senhor nos poderia contar coisas de sua juventude... Aposto que foi um namorador terrível.

— Não — atrapalhou-se ele. — Pelo contrário, eu sempre me dediquei demais aos estudos e...

Fabesham soltou uma gargalhada, engasgando-se com a fumaça, recebendo um olhar enviesado de Sonikov. Os demais também riram e o russo teve que aceitar a situação, a qual compreendia perfeitamente: ele fora durante todo o tempo o mais agressivo, portanto, tocava-lhe agora pagar por seu “delito” fazendo rir, por fim, seus companheiros de infortúnio.

— Estou certa de que todos nos divertiremos bastante ouvindo-o, professor Sonikov. E o senhor. Fabesham, não ria tanto... Depois lhe tocará a vez de contar suas travessuras juvenis.

— Eu também? — protestou o americano.

Page 82: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Por que não? Passaram aqui muito tempo encerrados. E também estiveram encerrados seus pensamentos... Já F tempo de que abram as portas de suas mentes e até, se quiserem, as de seus corações.

— Por mim — interveio o francês Le Mounier, sorrindo — não veio nenhum inconveniente em recordar os bons tempos de minha juventude. Lembro-me justamente de uma pequena aventura que tive em Paris, quando...

— Um momento, Le Mounier, um momento! — interrompeu-o bruscamente Sonikov. — Não ficou decidido que eu seria o primeiro?

— Mmmm... Como me pareceu que você não queria contar nada...

— Mas aqui ninguém quer saber de suas desavergonhadas aventuras parisienses!

— Você não pode falar por todos, Sonikov — riu o francês.

— Cale-se! — teimou o russo. — É minha vez, já disse, e eu vou contar minha primeira aventura amorosa, quando estudava em São Petersburgo... Em... Sim, em São Petersburgo, por que não lhe daria este nome?

— Muito bem! — exclamou Mackenzie, esfregando as mãos. — Isto promete ser divertido de verdade! Um russo contando histórias de amor de sua juventude! O que estivemos perdendo até agora, amigos!

Todos se puseram a rir. “Baby”, que se havia sentado sobre um grande aparelho, com olímpico desprezo por seus complicados mecanismos, sorria e olhava em silêncio os seis homens, um a um, à medida que iam tomando a palavra.

Page 83: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Se vocês estão à espera de qualquer coisa indecente, perdem seu tempo asseverou Sonikov. — Para nós, russos, o amor é doce, triste e nostálgico. E também puro como o ar límpido das taigas1.

— Palmas para o Dimitri! — gritou Fabesham, aplaudindo. — Agora, toca a vez a Le Mounier.

— Silêncio — disse suavemente o imperturbável Vinson. — Ouçamos Sonikov, que está com a palavra.

Todos se mantiveram expectantes. “Baby” inclusive, que lançou um rápido olhar ao seu relógio.

— É... — prosseguiu o russo. — Eu devia ter então uns dezoito anos. Estava...

* * * Vinson e Kraywinckel ainda aguardavam sua vez,

quando, numa pausa do relato de Mackenzie, ouviram no profundo silêncio da sala hermética o suave zumbido de um aparelhinho que “Baby” tinha na mio. Viram-na apertar um pequeno botão e murmurar:

— Escuto. — “Baby”? — Eu. — Sou um Johnny qualquer.. Um dos que você viu na

lancha de pesca. Onde você se meteu? — Atrás da porta de chumbo número 6, Johnny — Sorriu ela. — Como vão as coisas aí por fora? — Assunto resolvido. — Okay. Até já. Fechou o radinho e guardou-o na maleta.

1 tipo de floresta boreal

Page 84: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Cavalheiros — sorriu: — foi uma agradável reunião que não esquecerei. Agora, temos que sair daqui.

— Mas eu não terminei minha história! — protestou Mackenzie.

— E eu nem sequer comecei a minha — acrescentou Vinson.

— Nem eu — reforçou Kraywinckel. — Tenho uma idéia que talvez agrade a todos — propôs

“Baby”, risonha. — Por que não se juram amizade eterna e se reúnem de quando em quando para trocar idéias?

— Você compareceria? — perguntou Sonikov. — Sim, se me convidassem. Por que não? Já conhecem

meu endereço: Agente “Baby”, CIA, Washington, USA. — Receberá nosso convite — afirmou Vinson. — Mas, diga-nos: que vai acontecer agora? — Serão levados a Honolulu por companheiros meus,

que lhes entregarão dinheiro e passagem aéreas para seus respectivos destinos. Amanhã, antes do meio-dia, cada um dos senhores poderá abraçar seus familiares.

Os seis homens estavam pálidos de incredulidade e emoção.

— Podemos... ir para casa? — balbuciou o habitualmente impassível Vinson.

— Podem. — Já? Esta mesma noite? — insistiu Le Mounier. — Assim é, professor. — Bem... Estivemos trabalhando com bombas atômica,

e talvez... — O que os senhores tenham feito ou aprendido em

matéria de bombas atômicas já é do conhecimento dos técnicos de outros países. De qualquer modo, se algo novo e

Page 85: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

mais destrutivo aprenderam, lamento. Não sei se puderam compreender que o átomo... ou a energia atômica, no momento, é um brinquedo perigoso nas mãos dos homens. Espero que, em tempo não muito distante, saibamos utilizar essa energia para o verdadeiro fim que, sem dúvida, lhe reserva o Criador: para o bem da humanidade. Enquanto isso, até que o homem tenha melhorado, creio que a energia atômica estaria melhor se totalmente ignorada. Desejo-lhes muito boa sorte, cavalheiros. E uma boa viagem.

Abriu a porta de chumbo e três homens apareceram imediatamente no limiar, revólver na mão. Mas permaneceram pacificamente imóveis diante de “Baby”, após um rápido olhar de curiosidade aos seis cientistas.

— Há algum helicóptero esperando, Johnny? — Sim — assentiu um dos três homens. — Que os leve imediatamente ao aeroporto. Mas antes,

que passem pela Seleção de Pessoal e apanhem seus documentos. Não quero que sejam incomodados:

— De acordo. Venham comigo — Johnny olhou para os cientistas.

Vinson foi o primeiro que estendeu a mão a “Baby”, em silêncio. Como os outros, estava emocionado e, no fundo, parecia pensar que tudo aquilo de sua imediata liberdade e regresso à pátria fosse um sonho, ou uma brincadeira de mau-gosto... O último a apertar a mio de “Baby” foi Sonikov, que a olhava fixamente através de seus grossos óculos. Súbito, muito desajeitado, ele avançou um passo e beijou-lhe o rosto riso alio.

— Adeus... — murmurou por fim. — E, em nome de todos...

Page 86: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Será melhor que se livrem dessas feias batas azuis — disse Brigitte, cortando os agradecimentos. — E não esqueçam de pôr um colar de flores no pescoço quando saírem de Honolulu.

Sonikov esboçou um sorriso e afastou-se com os outros cientistas,, atrás de Johnny, que olhavam Riu-pressionados a seu redor. Os corredores estavam tragicamente juncados de cadáveres e, por toda parte, viam-se pára-quedistas das forças americanas levando prisioneiros, enquanto alguns iam colocando os mortos a um lado. Impactos de balas marcavam as paredes de pedra e ainda flutuava no ar uma ligeira neblina que irritava os olhos e a garganta. Gás lacrimogêneo, certamente. Quando já com seus documentos, que tinham ficado arquivados na Seleção de Pessoal, saiam pela grande caverna, ainda viram mais cadáveres e mais pára-quedistas americanos. Jovens que pareciam assustados e assombrados. Alguns dela faziam o possível para não gemer com a dor de seus ferimentos. A grande porta estava rebentada, retorcida, quase arrancada por efeito da explosão que a arrombara. Alguns feridos eram carregados para helicópteros da USAF, pois deviam ser atendidos com urgência.

E enquanto tudo aquilo acontecera, eles tinham permanecido a salvo, na sala hermética, trancados por dentro, começando a esquecer seus longos meses de encerramento, de cativeiro... Quando o helicóptero os levava na vertical para aquele maravilhoso pedaço de céu circular cheio de estrelas, os sem cientistas estavam ainda mudos de espanto, de incredulidade... e de uma alegria que certamente teria estremecido suas vozes se houvessem tentado falar.

Page 87: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

“Baby” apareceu quando o helicóptero chegava ao alto e colocou-se junto a Johnny, que a olhou sorridente.

— Ainda estão assustados — comentou. — Amanhã esquecerão tudo, espero. Johnny chamou? — Até agora, não. — Consiga-me um helicóptero... Não. Irei num dos que estão levando os feridos, e que me deixará em

Mount Tantalus. Suponho que Mr. Cavanagh tenha-se encarregado dessa parte, com um grupo de nossos companheiros?

— Sim, com efeito. — Bem. Veja se me arranja lugar num helicóptero... Oh,

o dr. Ponky! Livrou-se da morte, ao que vejo... Ponky chegava entre dois pára-quedistas, que se

detiveram quando “Baby” interpelou seu prisioneiro. Ele olhava para ela sem compreender, amedrontado e perplexo.

— Margia, não entendo... — murmurou. — São seus amigos estes homens? Eu...

— Talvez entenda ante, que o executem — sorriu venenosamente Brigitte. — Adeus, dr. Ponky. Estimo que passe mal.

Pouco depois, junto com pára-quedistas feridos que regressavam à sua base, ela também ascendia pela cratera, num helicóptero, após instruir o piloto a respeito do lugar onde queria ser desembarcada.

Restava ainda um pequeno assunto a resolver.

Page 88: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

CAPÍTULO NONO

A função ainda continua Afinal, cargas atômicas não são a mesma coisa que abacaxis havaianos...

Um erro grave Karl Obenbauer saltou da motocicleta quase sem detê-la,

deixou-a atirada junto a uns arbustos floridos e correu para. a casa, que estava às escuras, silenciosa, solitária. Uloa e os outros criados também se encontravam em “Kao Center”, de modo que só precisaria preocupar-se consigo mesmo.

Estava correndo para a casa quando, de repente, apareceram perto dele quatro homens, dois vindo de cada lado. Quatro homens desconhecidos, cuja presença fez empalidecer o chefe da organização montada para praticar uma extorsão atômica contra os Estados Unidos. Antes de parar bruscamente, crispando o rosto e levando a mão à axila esquerda, Obenbauer pôde dar-se conta de que um daqueles homens claudicava ligeiramente ao avançar, em passo lento, fechando o círculo com os outros três, em torno dele.

Chegou a tocar no revólver, mas a voz do homem claudicante pareceu-lhe golpear os ouvidos com um impacto duro, frio, seco:

— Quieto, Obenbauer! Ao mesmo tempo, atirava. Ouviu-se um abafado “plop”

e a bala enterrou-se entre os pés de Kao, fazendo-o compreender que se insistisse em sacar sua arma o próximo tiro seria muito mais certeiro e definitivo.

Ficou imóvel, como petrificado. Lentamente, os quatro homens o rodearam e um deles, por trás, retirou-lhe o revólver. Depois, empurrou-o rudemente para a casa.

Page 89: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Caminhe. Por fim, Obenbauer pôde articular, numa voz áspera, que

lhe arranhava a garganta: — Quem são vocês? Com que direito...? — Somos da CIA — cortou o homem que coxeando. —

e temos direito de fazer o que nos agrade. Vamos para a casa... Ou não é lá que fica o refúgio atômico?

— Refúgio...? Estão loucos? Não sei nada a esse respeito. E não sou dos que se assustam facilmente. A Polícia...

— Não diga mais tolices. A caminho! — Mas... O rumor do um helicóptero chegou até eles. O

cavalheiro manco fez um sinal e um dos agentes da CIA surpreendeu Obenbauer com uma presa de judô, derrubando-o de bruços: Imediatamente, os outros dois se estenderam junto a ele, apontando revólver contra sua cabeça. Os outros dois homens também se estenderam no chão, à sombra de uns arbustos, olhando para o céu.

No qual logo apareceu o helicóptero da USAF. Karl Obenbauer ficou como que paralisado. Não tinha

nenhuma idéia do que ocorrera em “Kao Center”, mas, sem dúvida, a presença de um helicóptero das Forças Aéreas americanas não podia significar nada bom. Viu o aparelho baixar num extremo do vasto jardim, depois tomar a elevar-se, afastando-se.

Mas, lá onde estivera apenas dois segundos, agora havia alguém. Ele podia distinguir claramente a silhueta feminina contra o azulado horizonte noturno, destacando-se em sua mão esquerda uma pequena maleta e na direita... Sim,

Page 90: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

parecia um subfuzil ianque. E, certamente, aquela mulher só podia ser uma.

Sem se importar com o que lhe pudesse acontecer, ele ergueu-se de um salto, gritando:

— Fuja! Aqui estão...! Foi agarrado por um pé e derrubado com violência. Um

dos agentes sentou-se sobre seu peito e cravou-lhe a ponta do revólver na garganta.

— Será melhor que esteja quieto — grunhiu. Desesperado, Kao desferiu um tremendo soco, que

arrancou de cima dele o americano, mandando-o longe, rolando pela grama. Pôs-se de joelhos, tentando gritar novo aviso, mas o outro agente aplicou-lhe uma coronhada na cabeça, derrubando-o de bruços. Depois colocou um pé em sua nuca, enterrando-lhe a cara no chão. Por fim, ele foi levantado rudemente por trás dos agentes, enquanto o homem manco chegava diante dele acompanhado de “Baby”, que sorria.

— Então, Obenbauer, parece que acabou caindo nas garras da CIA, hem? Falta de sorte. Talvez lhe tivesse resultado mais prático regressar a “Kao Center”. Ou não? Sem dúvida, veio aqui por algum motivo. Correto?

Tinha-se aproximado dele, que, segundo lhe pareceu, foi o único a captar uma leve piscadela de cumplicidade. Logo compreendeu a jogada e estremeceu de alegria.

— Sim... Vim por um motivo — murmurou: — seis bombas atômicas estão no ar e, em menos de quinze minutos, cairão nos lugares assinalados. Neste meio-tempo, tinha pensado em recolher todo o dinheiro que tenho em casa, depois me esconder no abrigo atômico sob a garagem.

Page 91: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Excelente idéia, Obenbauer. Soltem-no. Iremos em busca desse dinheiro e depois, por via das dúvidas, bom será que todos aproveitemos o tal abrigo... Podem soltá-lo, está muito debilitado pelo golpe recebido e naturalmente já compreendeu que e inútil qualquer resistência de sua parte.

Os da CIA soltaram Karl Obenbauer e “Baby” empurrou-o para trás com a ponta de seu subfuzil. Em seguida, virou-se como um rato para Cavanagh e seus homens.

— Não se movam, cavalheiros — sorriu secamente. — A função ainda não terminou. Agora vem a cena em que vocês deixam cair suas armas.

— “Baby”! — exclamou Cavanagh. — Que significa...? — Bico calado— cortou ela, sempre em tom seco. — Eu

me encarrego deles, Karl. Vá buscar o dinheiro, enquanto isso.

— Deixe-me que os... — Eu mesma o farei. Vá buscar o dinheiro, que é mais

importante. “Kao Center” foi invadido. — Não! — Foi, querido. Qualquer coisa falhou... Os idiotas da

CIA que foram lá continuam acreditando que eu sou “Baby”. Compreendi que você também estaria em perigo e fiz com que me trouxessem até aqui. Vá depressa. Temos que escapar.

Obenbauer teve que fazer um esforço para reagir. Tudo perdido. Tudo. Felizmente, em casa guardava sempre dois milhões de dólares, bem escondidos. E no momento eram três os milhões, pois ainda estava o que cobrara dias atrás da CIA.

— Eu vou... Mate-os!

Page 92: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Farei sua vontade. Vocês — dirigiu-se aos da CIA — caminhem para aqueles arbustos. Depressa!

Karl Obenbauer correu para a casa, entrou nela e dirigiu-se diretamente para o grande living, cujas luzes acendeu. Foi até um canto, levantou um tapete de palha e apertou com força uma das lajotas de cerâmica... Fora, naquele momento, ouviu-se a longa rajada de metralhadora.

Sorrindo friamente, Kao retirou do vão aberto no piso do living a pasta da CIA e uma outra que continha os dois milhões em cédulas grandes, para emergências. E de emergência era o caso atual, não havia dúvida. Tudo perdido, ele e Margia escapariam mima lancha para outra ilha, depois tomariam um aviso para qualquer ponto da Ásia...

— Já apanhou o dinheiro? Virou-se, com uma pasta em cada mão, sorrindo. “Baby”

estava entrando no living, também sorrindo. — Já... São três milhões, apenas. Mas nos arranjaremos

com eles. Você os matou? — Claro. Não ouviu a rajada? Esse subfuzil americano é

mesmo uma grande arma. — Bem. Agora, o melhor é partirmos imediatamente,

ante que... — Um mometito — sorriu ela: — Parece que me

chamam, querido... — entregou-lhe o revólver que tinha na mão. — É

melhor que você guarde sua arma. Ela sentou-se num sofá e Obenbauer se instalou ao seu

lado, guardando o revólver e sorrindo ao vê-la sacar o pequeno rádio da maleta e admitir a chamada...

— Escuto.

Page 93: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— “Baby”, os aviões decolaram com as bombas! — Oh! — exclamou ela, ao mesmo tempo em que

piscava para Obenbauer, o qual quase não podia conter o riso. — Como foi isso, Johnny?

— Estivemos na casa da praia de Kaneohe, mas lá não apareceu ninguém para apanhar bomba alguma. Chamei a Guarda Costeira e percorremos o litoral, para oeste... Ainda estávamos longe de Waikane quando vimos decolar um avião e atrás dele ia um helicóptero enorme. Naturalmente, não pudemos alcançá-los, mas chegamos à praia onde os aviões tinham carregado as bombas. Ao que parece, elas estavam dentro d’água, em grossas bolsas de plástico. Havia equipamento submarino, também...

— Johnny, basta de explicações. Um fato é evidente, os aparelhos de Kao decolaram levando as bombas. Não é assim?

— É! Não sei o que fazer... Se mandarmos nossos aviões atacar essa gente, as. bombas poderão ser lançadas sobre a cidade, em represália, em vez de no mar... Há cinco grupos de caças, prontos para sair imediatamente contra cases aviões, mas se algum deles tiver tempo de chegar a Honolulu antes de ser abatido...

— Vou lhe dizer qual a solução, Johnny: primeiro, deixem que esses aviões soltem suas bombas no mar. Depois, derrubem os seis. Quanto ao helicóptero, não poderá regressar ao vulcão, de modo que mande os caças derrubá-lo também. É só.

— Santo Deus! — arquejou Johnny. — Você está desvairando, “Baby”! Não me parece prudente que lancem bombas, atômicas...!

Page 94: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Já lhe disse que eram pequeninas, Johnny — sorriu ela. — Mas, além disso, as cargas atômicas não vão funcionar, pois os cientistas nucleares as desarmaram esta manhã, na última revisão, seguindo minhas instruções. Deliberadamente, desregularam os mecanismos, de modo que explosão nenhuma ocorrerá e, além disso, as bombas poderão ser recolhidas mais adiante pelos nossos homens-rã, tranqüilamente. Portanto, o melhor mesmo é que esses aviões as lancem no mar. Depois, nossos caças se encarregarão devidamente dos seis e do helicóptero com os dez espiões traidores. Okay, Johnny?

— Você.. você é maravilhosa, “Baby”! — Previdente, apenas. Compreenda, Johnny, que eu não

ia permitir o deslocamento de uma dúzia de cargas atômicas, de um lado para outro, como se fossem suculentos abacaxis havaianos; assim, meus amigos cientistas as inutilizaram. Mais alguma coisa?

— Não... Não, nada mais! Avisarei quando tudo estiver terminado.

— Ótimo. Até logo, Johnny. Fechou o rádio, guardou-o na maleta junto com a

pistolinha e olhou sorridente para o não menos sorridente Karl Obenbauer.

— Esse americano tem razão — acabou rindo Kao: — você é maravilhosa! Enganou a todos eles como bobocas completos e...

— Receio, querido, que o completo boboca seja você. — Como? — As bombas, realmente, não explodirão. — Mas, querida...

Page 95: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Karl Obenbauer calou-se de súbito e empalideceu. A porta do living acabavam de aparecer os quatro homens que ele julgava terem sido ceifados por uma rajada de subfuzil. O que mancava foi diretamente para onde estavam as duas pastas cheias de dinheiro, abriu-as e assentiu com a cabeça.

— Como sempre, um trabalho limpo e rápido, “Baby”. Vamos?

Obenbauer olhava para esta com olhos arregalados, — Mas... você... não os tinha liquidado? — Ora vamos, Obenbauer, não me diga que ainda está

iludido sobre minha personalidade. — Sua personalidade...? “Baby” levantou-se, aceitando o cigarro que lhe estendia

um dos agentes, já aceso. — Será mesmo que ainda não desconfiou de nada? Pois

é simples, Obenbauer: eu sou “Baby”. A autêntica, naturalmente.

Karl Obenbauer levantou-se devagar, lívido como um morto.

— Não... — moveu a cabeça com crescente desespero. — Não, não, não!

— Vou lhe dizer o que aconteceu em minha cela. Realmente, matei Follingsbee quebrando-lhe o pescoço e pude dominar muito bem a sua Margia. Para ser “Baby”, Kao, não bastam uns olhos azuis num bonito rosto. Sua Margia precisava ainda de muito anos de treinamento para começar a tentar parecer-se comigo. Impossível a duplicata, na verdade. Atordoei Margia com um golpe, troquei de roupa com ela e dei-lhe um tiro no peito...

— Não...

Page 96: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Asseguro-lhe que minha mão não tremeu um instante, Kao. Depois, dei eu mesma uma forte pancada em minha cabeça, com a pistola, e apertei o botão para chamar o guarda. O resto foi fácil. E, para o caso de que falhasse meu inocente truque, fiquei com a pistola bem apertada na mão. Isso quer dizer, claro, que em nenhum momento estive desmaiada, mas fingindo apenas, não é? Ah; para contornar as dificuldades que poderiam surgir do meu desconhecimento de muitas coisas a respeito de você e seus homens, simulei que minha memória falhava... Modéstia à parte, devo admitir que minha atuação foi perfeita durante todo o tempo, não lhe parece?

— Impossível! Você correspondeu ao meu amor, esteve em meus braços..

— Uma espiã — cortou Brigitte Montfort — dispõe de muitas armas, Kao. Uma delas, quase sempre eficaz, é o amor. Não me arrependi nunca de ser... carinhosa. Oh, esquecia outro pequeno detalhe: matei Korba porque assim convinha aos meus planos. O coitado não pensou jamais em traição. A respeito do microfone que seus homens colocaram em minha suíte do “Hawaiian Village”, foi uma tolice. Depois da conversa com Johnny, na qual o chamei de estúpido, saí, a passeio, como se nada tivesse acontecido. Não era preciso mais para que ele compreendesse. E quando à noite, no “Natatorium”, vi meu querido Mr. Cavanagh, soube que tudo ia bem. Depois, quando nos encontramos na lancha de pesca, dei-lhe umas breves instruções e... voilà! Agora, sim, a função está terminada, Kao.

Karl Obenbauer parecia uma estátua de gelo. Seu rosto estava rígido, de um tom quase azul, como congelado. Sua voz soou rouca.

Page 97: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

— Então... a mulher que incineramos no triturador de resíduos...?

— Era Margia Dormedovo, lógico. E você, pessoalmente, a matou. Lamentável, Kao, porque compreendi quanto você a amava.

— Eu a matei... Eu matei Margia... — Um conselho, querido: encare isso com filosofia —

disse friamente “Baby”. Os olhos de Kao pareciam saltar das órbitas, como os de

um louco. Olhou alguns segundos para Brigitte e, súbito, com uma rapidez de que ninguém o julgaria capaz, sacou o revólver que ela lhe devolvera pouco antes, no sofá.

— Que ninguém se mova! — berrou. — Oh, querido, não faça mais tolice.... — Vou matá-la... E desta vez saberei que a verdadeira

“Baby morrerá! Vou descarregar contra você todas estas balas, fazê-la em pedaços... Não se mova!

Todos pareciam petrificados, embora absolutamente não surpreendidos. Cavanagh tinha a testa franzida, um de seus homens olhou as próprias unhas e os outros dois continuaram fumando, calmamente. Quanto a Brigitte, sem fazer o menor caso da ordem de Kao, continuou caminhando em direção à parede.

— Pare! — gritou ele. — Pare, senão...! Imperturbável, “Baby” levou a mão a uma daquelas

agudas lanças nativas. E, enquanto o fazia, Karl Obenbauer acionou furiosamente o gatilho, uma, duas vezes... Ao mesmo tempo ela voltava-me, levantando bem alto a lança. Ficou um instante imóvel, depois a atirou com toda sua força contra aquele homem que, furioso como estava, não havia ainda se dado conta de que nenhuma bala saía do

Page 98: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

revólver.., Só se deu conta disso uma fração de segundo antes que a ponta da lança se cravasse profundamente em seu peito, atravessando-lhe o coração. Foi um impacto tremendo, violentíssimo, que o lançou contra o sofá e finalmente no solo. Ficou estendido de costas, com os olhos abertos, a boca retorcida num terrível esgar de ódio. Em seu peito, vertical agora, continuava cravada a lança.

Brigitte olhou para Mr. Cavanagh com seus olhos azuis que ainda pareciam gelados.

— Agradeço-lhe que me tenha deixado encerrar este caso à minha maneira... Um julgamento teria sido desnecessariamente dispendioso.

— Além do que — comentou, ainda impressionado, um dos agentes. — Você economizou o dinheiro do Governo, “Baby”.

— Assim parece. — Devemos avisar as Forças Aéreas para... — Tudo está feito, Mr. Cavanagh. Não se preocupe. — Bem... Eu já sabia que, confiando esta missão a você,

não haveria dificuldade intransponíveis. — Pois nós até que resistimos a acreditar em tudo isto..

tudo o que aconteceu com este assunto da chantagem atômica — murmurou um dos agentes da CIA.

Brigitte sorriu e aproximou-se do cadáver de Karl Obenbauer. Esteve alguns segundos contemplando-o... Um bonito gigante. E muito inteligente, sem dúvida.

Mas tinha cometido um grave erro. — Insisto neste ponto, Kao — murmurou ela: — você,

que tanto me conhecia, que tanto conhecia “Baby”, devia saber que era absolutamente impossível uma duplicata...

Page 99: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

ALOHA, COMPANHEIROS... O olhar do sorridente Johnny ia de um para outro, mas

terminou por fixar-se no rosto de “Baby”, com o que ficou demonstrado ser ele um admirador da beleza.

— Então, todos foram caçados? — perguntou. — Não escapou ninguém, Johnny — sorriu Brigitte. —

Os do helicóptero grande foram derrubados no mar quando pretendiam fugir para Molokai. Os aviões que lançaram as bombas foram abatidos pelos nossos caças, caindo também no mar. Quanto a “Kao Center”, funcionou como uma gigantesca ratoeira. Ah... as bombas estão sendo recuperadas. Até o momento, nossos homens-rãs já retiraram quatro. As outras não tardarão a ser encontradas.

— Bem... Foi um assunto de envergadura. Só lamento não ter podido intervir.

— Você interveio. Cada um tem sempre sua parte em todas os trabalhos.

— Mas eu não fiz nada... — Querido, parece-lhe pouco ter levado um balaço no

peito que quase lhe custou a vida? — Bom, a coisa vista desse modo... — De que outro modo poderia ser? Não se queixe. Você

continuará de cama por mais alguns dias, depois poderá sair a passeio pela ilha... É maravilhosa! Durante as últimas quarenta e oito horas tenho-me sentido num paraíso.

— Mas não esteve ocupada redigindo seu relatório para a Central?

— Eu nunca redijo relatório. Utilizo um gravador, envio a fita magnética e lá eles se arranjam. Sou uma espiã, Johnny, não uma datilógrafa.

Page 100: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Johnny pôs-se a rir, secundado pelos demais agentes da CIA que tinham ido visitá-lo depois de tudo ter passado aos trâmites burocráticos. Todos eles olhavam com adoração para “Baby”, cuja radiante beleza parecia absorver toda a luz solar. Com seu vestido matinal de mini-saia, uma flor de hibisco na cabeça à maneira havaiana e, sobretudo, com seus admiráveis olhos azuis e seu divino sorriso, tinha reanimado mais Johnny que todos os cuidados com que o haviam rodeado na clínica.

— Bem... Tenho que voltar aos Estados Unidos, Johnnies do Havaí.

Kendall mostrou-se desconsolado. — Que diabo! Por que não fica mais uns dias? — Bem que gostaria. Mas já nadei em Waikiki, pratiquei

o surfing, participei de festas nativas, saboreei pratos típicos, dancei a hula-hula...

— Dançou mesmo... a hula-hula? — exclamou o Johnny que jazia ferido na cama.

— Muito mal, receio, mas dancei. Não é verdade, Johnny?

— Claro que é — confirmou Kendall. — E dançou muito bem.

— Vocês todos são muitos gentis — declarou ela, olhando um por um seus companheiros. — Espero poder voltar logo em viagem de prazer, para prosseguir praticando o surfing. É simplesmente sensacional.

— Ei — gritou o ferido. — Eu sou um dos campeões da ilha, “Baby”. Já conquistei uma enormidade prêmios. Se você voltar...

— Se eu voltar, você será meu professor, querido. Espero não lhe causar maiores incômodos.

Page 101: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Ele a olhou incredulamente, antes de compreender que era uma brincadeira. Incômodos! “Baby” o retirara de “Kao Center” com vida, trazia-o para de seus amigos, visitava-o duas vezes por dia para saber como cicatrizava sua ferida... e dizia que esperava não lhe causar incômodos!

— Sou muito educado disse ele, sorrindo: — embora você me causasse algum incômodo, eu não diria. De você, sou capaz de aceitar qualquer coisa com a mais perfeita resignação.

— Egoísta é o que você é! — manifestou-se um outro. — Mas não pense que se “Baby” voltar a estas ilhas você será o único a ter o privilégio de sua companhia!

— Como está ferido — comentou um terceiro — quer bancar o mártir para enternecer “Baby”.

— Espere um momento, “Baby” — disse rindo um quarto agente; — vou dar um tiro em minha perna e já volto!

Todos riram alegremente e os olhos de Brigitte pareceram banhar de luz azul o rosto de cada um. Por fim, ela levantou-se, suspirando.

— Meu avião não esperará, suponho. Assim... adeus a todos.

— Mas não há pressa! — insistiu ainda um dos Johnnies. — Mr. Cavanagh já regressou e ninguém vai dizer nada se você ficar mais alguns dias.

— Ninguém... exceto meu trabalho. Porque, Johnny, se você quiser eu faço uma aposta.

— Que aposta? — Um dólar como, ao chegar em casa, terei outro

trabalho esperando. Aceita? — Não!

Page 102: B094-Lou Carrigan-Duplicata Impossível 2

Todos tornaram a rir. Brigitte apanhou sua bolsa, que estava junto a um pacote

que havia trazido. Pareceu recordar-se de alguma coisa ao vê-lo e, sorrindo, desembrulho-o lentamente, ante o olhar atento de todos, que começaram a lançar exclamações ao ver o lindo colar de flores de hibisco. Quando o colocou em Johnny, que se soergueu um pouco na cama, os demais começaram a protestar.

— Não é direito! — Parece que só se importa com ele! — Já disse! Vou dar um tiro na perna! Sorrindo sempre, Brigitte Montfort, aliás “Baby”, a

espiã cuja duplicata era impossível, dirigiu-se para a porta, abriu-a e virou-se.

Atirou alguns beijos alegres com as pontas dos dedos, mas sua voz soou um tanto emocionada quando disse:

— Aloha, companheiros.

A seguir: RELAÇÕES-PÚBLICAS

© 1970 - LOU CARRIGAN 400813/401202