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16 www.cipanet.com.br SAUT - REVISTA SAÚDE NO TRABALHO Mudanças no marco legal e instituição de mecanismos de concorrência e cooperação para melhoria dos indicadores de SST são as novidades a ser incorparadas pelos RHs das instituições financeiras nos próximos anos. Os DORTs persistem como principal causa de sinistros no setor BANCOS ALÉM DA SAÚDE FINANCEIRA CAPA

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Especial publicado, em 2008, como capa pela revista Saúde no Trabalho. É um trabalho bastante extenso, que permitiu abordar por diversas vias o mesmo assunto. Assim, os aspectos legais, econômicos, sanitários e humanos do tema estão presentes e descritos com algum grau de detalhamento.

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Mudanças no marco legal e instituição de mecanismos de concorrência e cooperação para melhoria dos indicadores de SST são as novidades a ser incorparadas pelos RHs das instituições financeiras nos próximos anos. Os DORTs persistem como principal causa de sinistros no setor

Bancosalém da saúde financeira

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O modelo atual de organização do trabalho bancário foi posto em xe-que pelo Decreto 6.042, publicado

em fevereiro passado. O texto, entre outras coisas, reclassifica cada atividade econômica do País nos três graus de risco do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT). Assim, a partir de 2008, algumas terão as alíquotas majoradas, outras diminuídas. Na mudança, estima-se que a fatura das instituições finan-ceiras seja elevada para R$ 450 milhões/ano, três vezes mais do que a atual.

Na representação dos empregadores a nova foi recebida “com total indignação”. “Não há nenhum fato que justifique esta alteração de grau de risco 1 para grau de risco 3. Fomos equiparados às piores for-mas de trabalho em termos de risco, o que não é verdade. Criação de jacaré é 2%, trabalhar em banco é 3% [descontados sobre a folha de pagamento]”, compara Magnus Ribas Apostólico, superintenden-te de Relações do Trabalho da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).

É a mesma cobertura de seguro, para os mesmos 430 mil bancários, só que por R$ 300 milhões a mais. Des-contentes, os empregadores querem reverter isso. Mas, via Decreto 6.042, a margem para tanto é estreita: primei-ramente, porque o SAT é compulsório. Segundo, porque o texto amarra as empresas de um setor umas às outras, garantindo apenas benefícios parciais àquelas que diminuírem, individual-mente, o número de sinistros.

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Nos estudos feitos pelo Ministério da Previdência Social (MPS) para reclassifi-cação das atividades econômicas em re-lação ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) foi criada uma nova metodologia para mensurar o grau de periculosidade em termos de risco a que está exposto o trabalhador. Dessa maneira, segundo a metodologia, os bancários devem migrar do grau de risco 1 para o grau 3. Ou seja, a profissão bancário foi alçada pelo Esta-do ao grau máximo de risco, pareando, por exemplo, segundo o Decreto, com carreiras como “imunização e controle de pragas urbanas”?

O pagamento do SAT é calculado pe-las empresas a partir de sua classificação, feita pelo MPS, nas alíquotas de grau de risco. Atualmente, o mercado de trabalho brasileiro divide-se em três bandas: 1, 2 e 3 ou, para fins contábeis, nas alíquotas de 1%, 2% e 3%. Dessa forma, uma fábrica, por exemplo, classificada como grau de risco 2, pagará ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) 2% sobre o total de sua folha de pagamentos, e assim por diante.

Walcir Previtale Bruno, secretário de Saúde e Condições de Trabalho do Sindi-cato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, atribui a elevação do SAT do setor ao histórico de afastamen-tos por DORT. “Hoje é considerada uma epidemia as DORTs, inclusive, atestada pelo próprio INSS. Temos uma nova lei sobre o SAT e os bancos foram reclassifi-cados como grau de risco 3, ou seja, de leve passou para o grau mais alto”.

Esta mudança no arranjo legal da segurança e saúde no trabalho (SST) abriu duas opções aos bancos: A) a princípio, paga-se o que determina o Decreto e, simultaneamente, investe na alteração da organização do trabalho para diminuir drasticamente no setor inteiro o número de casos de adoecimentos e acidentes de trabalho registrados junto ao INSS ou B) parte-se para a disputa judicial para obter a manutenção do grau de risco 1.

Ainda na primeira opção, as ações poderiam resultar em um retorno parcial caso apenas algumas empresas melhorem seus indicadores. O Decreto em questão prevê que mesmo quando o setor inteiro não alcançar um resultado capaz de chan-celar sua queda nas alíquotas do SAT, as empresas que obtiverem individualmente bons resultados terão um desconto de até 50% na contribuição. Por outro lado, aquelas que tiverem piora em relação à média do setor poderão ser oneradas em até 100%. Esse mecanismo de fle-xibilização chama-se Fator Acidentário Previdenciário (FAP).

Como os “intermediários financeiros” passaram a grau de risco 3, ou seja, terão de recolher a título de SAT 3% do total de sua folha de pagamentos, sua margem de flutuação oscilará, aplicado o FAP, entre 1,5% a 6%, considerando seu comportamento no quadro de morbidade definido no Nexo Técnico Epidemiológi-co Previdenciário (NTEP). As atividades econômicas que migrarem para alíquotas menores, finalmente chegando a 1% ain-da terão como instrumento de incentivo a

melhorias o próprio FAP. Na melhor das hipóteses, poderão individualmente em-penhar 0,5% de sua folha de pagamento com o SAT.

Quando os representantes da Febraban receberam a equipe de reportagem da SAUT a decisão já estava tomada e em andamento. A entidade impetrara ação contra o MPS na Justiça. A alegação, em parte, recorre ao argumento de que o sistema financeiro paga ao INSS, a uma alíquota 1% (cerca de R$ 150 milhões), quase o dobro do que o órgão gasta com sinistros do setor e, em parte, tenta relati-vizar o número de casos de afastamentos questionando a consistência de alguns processos de solicitação de benefício au-xílio-doença acidente do trabalho (B-91), que tem como fundo financiador o SAT, e ao ser concedido implica em garantir um ano de estabilidade no emprego, além dos depósitos pelo mesmo período do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

A alegação dos empregadores, não reconhecida pelos meios sindicais, é que trabalhadores demitidos por questões não relacionadas a problemas de saúde, usam a estrutura do sindicato para obter a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), o afastamento e a conseqüente estabilidade, assim se reintegrando ao quadro das empresas. De qualquer forma, a questão não se restringe a capital e trabalho. Este tipo de processo não vinga se não houver o parecer de um médico identificando no trabalhador a doença e o reconhecimento desta por um médico perito do INSS.

Antes da ação, a entidade manteve reuniões com o alto escalão e com o mi-nistro do MPS, Luiz Marinho, para tentar demovê-los da decisão, batendo sempre na tecla do superávit do SAT e de que o número de sinistros não corresponde à realidade. A contra argumentação do governo, segundo a Febraban, reforçou a impressão de o calcanhar-de-aquiles do Decreto ser os números trabalhados pelo ministério.

Ao buscar na Justiça reverter o que estabelece o Decreto 6.042, o setor finan-ceiro tenta fazer com que a Previdência Social exponha detalhadamente seus estudos estatísticos para as alterações de alíquota e, dessa maneira, confrontá-los com levantamentos internos feito pela Febraban.

Estatisticamente, a entidade sustenta que entre 2002 e 2006 a parte dos bancos responsável por 85% dos postos de trabalho no setor conferiram ao INSS um superávit de 44% de SAT. “Qualquer seguradora tem muito sucesso com 75% de sinistralidade e, no caso do INSS, ele gastou 56% do que nós arrecadamos de SAT com benefício acidentário, que é o que conta para este seguro”, contabiliza Ribas.

Vale citar que a parte atingida pela mudança do SAT foi a dos bancos comer-ciais, bancos múltiplos, com e sem carteira comercial, e as caixas econômicas. Juntas, as quatro detêm cerca de 90% da mão-de-obra. Bancos de desenvolvimento, agência de fomento, companhias hipo-tecárias, entre outros permanecem como grau de risco 1.

Bancos questionam mudança de sat na JustiçaPor exemplo, em um setor com cem

empresas, se os indicadores de salubrida-de de apenas uma apresentarem piora em relação à média, mesmo quando os das outras 99 tenham melhorado no período de avaliação, esta, além de impedir que a alíquota geral seja diminuída, terá o valor de sua fatura aumentada. Ou seja, mantida a legislação – e os bancos já a questionam na Justiça (leia mais no quadro ao lado) –, o futuro das empresas em termos de segurança e saúde no trabalho (SST) dependerá de muita cooperação.

A representação dos bancários viu na medida o reconhecimento cabal dos sinistros envolvendo o acometimento por Distúrbios Osteomusculares Rela-cionados ao Trabalho (DORTs) como uma “epidemia”, conforme classificação de Walcir Previtale Bruno, secretário de Saúde e Condições de Trabalho do Sindi-cato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região.

Mas o que levou os bancários, que nos anos 80 gozavam até de prestígio social (sonho de emprego de parcela expressiva da classe média), a hoje ter o exercício de sua profissão associado ao acometi-mento por DORT? Ou, nas palavras dos representantes dos banqueiros, a ser uma profissão “injustamente estigmatizada” pela associação com essas doenças?

Os argumentos para explicar o aumento do risco de adoecimentos e acidentes no se-tor financeiro são diversos. Alguns atribuem à diminuição do número de postos de traba-lho a partir da segunda metade da década de 80, outros à automação das ferramentas de trabalho, outros ainda à fragmentação e ao aumento do ritmo e densidade do trabalho e ainda há aqueles que apontem a pressão pelo cumprimento de metas como fator

que potencializa o risco. No limite, tem quem aposte na somatória de todos esses itens. Contudo, sobram argumentos de empregadores e empregados corroborando ou contestando essas hipóteses.

O que é con-senso entre eles?

É consenso que da segunda metade da década de 80 e a primeira de 90 o número (não especificado pelas repre-sentações) de casos de DORT alcançou um patamar insustentável. Assim, em 1986, as partes formaram uma mesa permanente de saúde para discutir ex-clusivamente a questão. Esse trabalho teve como fruto maior o estabelecimen-to de um cronograma para a troca do mobiliário nos locais de trabalho, tido naquele momento como o principal cau-sador das lesões, e esta foi feita; dado que hoje ambos concordam.

A mudança de posicionamento dos contratantes ante as DORTs, que com-preendem doenças como bursite, tendi-nite, tenossinovite, hipertrofia muscular, periartrite escápulo-umeral, entre outras, naquele momento contribuiu para facilitar também a obtenção por parte dos traba-lhadores das Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs), preenchida pelo em-pregador. A questão era polêmica dentro das empresas, sendo que algumas chega-vam a propor como alternativa acordos fi-nanceiros para o desligamento do contra-tado, ao invés da emissão do documento.

Magnus Ribas Apostó-lico, superintendente de Relações do Trabalho da Febraban

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Ainda no tema, foram impressas cartilhas de orien-tação e concedi-dos benefícios. A movimentação das partes acom-panhou também a legislação, que desde 1990 con-tava com um novo instrumento para nortear as corpo-rações quanto à

ergonomia: a Norma Regulamentadora nº 17 (NR-17), que entrou em pleno vigor a partir de 1995.

A ação conjunta rendeu resultados. Em 1997, já se registrava sensível di-minuição do número (não especificada pelas representações) de casos no período subseqüente às alterações e aumento de trabalhadores, que no retorno ao traba-lho, passado o intervalo de afastamento, se readaptaram; também ponto pacífico entre as partes.

Daí em diante, a situação muda. A mesa permanente de saúde continuou,

mas o entendimento de seus membros sobre DORT já não apresentava a mesma consonância. Hoje, as representações de capital e trabalho admitem a persistência da doença entre os contratados, mas cada uma dimensiona ao seu modo o problema e cada qual defende uma receita como solução. Porém, independentemente do que diz a régua usada de lado a lado, am-bas apontam essa causa de afastamento como a principal, bem como a que resulta em períodos mais longos reabilitação e aposentadoria por invalidez.

Ao menos até agora, pois se o Judici-ário decidir pela manutenção do Decreto 6.042, as partes terão novamente de en-contrar um denominador comum sobre o assunto. Manter o atual modelo, que tem como efeito colateral o crescimento ano a ano do número de sinistros, conforme consta das estatísticas do Ministério da Previdência Social (MPS), pode impli-car nos próximos anos até mesmo em gastos superiores aos R$ 450 milhões inicialmente previstos, uma vez que o Fator Acidentário Previdenciário (FAP) prevê até dobrar individualmente o valor pago pela empresa que piorar em relação à média do setor.

Discordância“Nos anos 80, você tem a descoberta

das DORTs. Então, nesse momento dis-cutíamos muito a questão do mobiliário. Mas hoje podemos afirmar que elas não estão controladas. Os bancários conti-nuam se afastando por conta de dor nos braços, nos ombros, na coluna”, insiste Previtale, cujo sindicato, o maior do País, com 114 mil profissionais em sua base, 1/4 da força de trabalho do setor, detém uma peculiaridade: sua área de atuação abrange a sede dos dois maiores bancos privados do País, Bradesco e Itaú.

Ainda segundo ele, “os bancos inves-tiram em melhores condições ergonômi-cas, só que introduziram novas formas de organizar o trabalho, novas formas de gerenciar o trabalho. O ritmo de tra-balho dos bancários, também por conta das demissões dos anos 90, sofreu uma intensificação. Hoje ele é polivalente”.

A polivalência mencionada pelo sindi-calista veio a reboque da própria mudança de perfil pela qual passou a atividade bancária, que sepultou o modelo anterior

Nos estudos feitos pelo Ministério da Previdência Social (MPS) para reclassifi-cação das atividades econômicas em re-lação ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) foi criada uma nova metodologia para mensurar o grau de periculosidade em termos de risco a que está exposto o trabalhador. Dessa maneira, segundo a metodologia, os bancários devem migrar do grau de risco 1 para o grau 3. Ou seja, a profissão bancário foi alçada pelo Esta-do ao grau máximo de risco, pareando, por exemplo, segundo o Decreto, com carreiras como “imunização e controle de pragas urbanas”?

O pagamento do SAT é calculado pe-las empresas a partir de sua classificação, feita pelo MPS, nas alíquotas de grau de risco. Atualmente, o mercado de trabalho brasileiro divide-se em três bandas: 1, 2 e 3 ou, para fins contábeis, nas alíquotas de 1%, 2% e 3%. Dessa forma, uma fábrica, por exemplo, classificada como grau de risco 2, pagará ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) 2% sobre o total de sua folha de pagamentos, e assim por diante.

Walcir Previtale Bruno, secretário de Saúde e Condições de Trabalho do Sindi-cato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, atribui a elevação do SAT do setor ao histórico de afastamen-tos por DORT. “Hoje é considerada uma epidemia as DORTs, inclusive, atestada pelo próprio INSS. Temos uma nova lei sobre o SAT e os bancos foram reclassifi-cados como grau de risco 3, ou seja, de leve passou para o grau mais alto”.

Esta mudança no arranjo legal da segurança e saúde no trabalho (SST) abriu duas opções aos bancos: A) a princípio, paga-se o que determina o Decreto e, simultaneamente, investe na alteração da organização do trabalho para diminuir drasticamente no setor inteiro o número de casos de adoecimentos e acidentes de trabalho registrados junto ao INSS ou B) parte-se para a disputa judicial para obter a manutenção do grau de risco 1.

Ainda na primeira opção, as ações poderiam resultar em um retorno parcial caso apenas algumas empresas melhorem seus indicadores. O Decreto em questão prevê que mesmo quando o setor inteiro não alcançar um resultado capaz de chan-celar sua queda nas alíquotas do SAT, as empresas que obtiverem individualmente bons resultados terão um desconto de até 50% na contribuição. Por outro lado, aquelas que tiverem piora em relação à média do setor poderão ser oneradas em até 100%. Esse mecanismo de fle-xibilização chama-se Fator Acidentário Previdenciário (FAP).

Como os “intermediários financeiros” passaram a grau de risco 3, ou seja, terão de recolher a título de SAT 3% do total de sua folha de pagamentos, sua margem de flutuação oscilará, aplicado o FAP, entre 1,5% a 6%, considerando seu comportamento no quadro de morbidade definido no Nexo Técnico Epidemiológi-co Previdenciário (NTEP). As atividades econômicas que migrarem para alíquotas menores, finalmente chegando a 1% ain-da terão como instrumento de incentivo a

melhorias o próprio FAP. Na melhor das hipóteses, poderão individualmente em-penhar 0,5% de sua folha de pagamento com o SAT.

Quando os representantes da Febraban receberam a equipe de reportagem da SAUT a decisão já estava tomada e em andamento. A entidade impetrara ação contra o MPS na Justiça. A alegação, em parte, recorre ao argumento de que o sistema financeiro paga ao INSS, a uma alíquota 1% (cerca de R$ 150 milhões), quase o dobro do que o órgão gasta com sinistros do setor e, em parte, tenta relati-vizar o número de casos de afastamentos questionando a consistência de alguns processos de solicitação de benefício au-xílio-doença acidente do trabalho (B-91), que tem como fundo financiador o SAT, e ao ser concedido implica em garantir um ano de estabilidade no emprego, além dos depósitos pelo mesmo período do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

A alegação dos empregadores, não reconhecida pelos meios sindicais, é que trabalhadores demitidos por questões não relacionadas a problemas de saúde, usam a estrutura do sindicato para obter a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), o afastamento e a conseqüente estabilidade, assim se reintegrando ao quadro das empresas. De qualquer forma, a questão não se restringe a capital e trabalho. Este tipo de processo não vinga se não houver o parecer de um médico identificando no trabalhador a doença e o reconhecimento desta por um médico perito do INSS.

Antes da ação, a entidade manteve reuniões com o alto escalão e com o mi-nistro do MPS, Luiz Marinho, para tentar demovê-los da decisão, batendo sempre na tecla do superávit do SAT e de que o número de sinistros não corresponde à realidade. A contra argumentação do governo, segundo a Febraban, reforçou a impressão de o calcanhar-de-aquiles do Decreto ser os números trabalhados pelo ministério.

Ao buscar na Justiça reverter o que estabelece o Decreto 6.042, o setor finan-ceiro tenta fazer com que a Previdência Social exponha detalhadamente seus estudos estatísticos para as alterações de alíquota e, dessa maneira, confrontá-los com levantamentos internos feito pela Febraban.

Estatisticamente, a entidade sustenta que entre 2002 e 2006 a parte dos bancos responsável por 85% dos postos de trabalho no setor conferiram ao INSS um superávit de 44% de SAT. “Qualquer seguradora tem muito sucesso com 75% de sinistralidade e, no caso do INSS, ele gastou 56% do que nós arrecadamos de SAT com benefício acidentário, que é o que conta para este seguro”, contabiliza Ribas.

Vale citar que a parte atingida pela mudança do SAT foi a dos bancos comer-ciais, bancos múltiplos, com e sem carteira comercial, e as caixas econômicas. Juntas, as quatro detêm cerca de 90% da mão-de-obra. Bancos de desenvolvimento, agência de fomento, companhias hipo-tecárias, entre outros permanecem como grau de risco 1.

Bancos questionam mudança de sat na Justiça

Walcir Previtale Bruno, secretário de Saúde do Sindicato dos Bancários de SP

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20 www.cipanet.com.brSAUT - REVISTA SAÚDE NO TRABALHO 2120

de organização do trabalho. Nos anos 80 e início dos 90, em um contexto macro-econômico de inflação descontrolada e fartura de moeda em circulação, a fonte de ganhos dos bancos se concentrava na intermediação financeira e, internamente, figurava ainda uma alta mecanização das ferramentas de trabalho, operada por uma massa de trabalhadores que beirava um milhão de pessoas.

Plano Real, inflação contida em um dígito, expansão dos bancos em todo o País, fusões e compras, abertura de mercado, aumento expressivo de clientes, terceirização e investimento pesado em TI levaram a uma redução drástica na quan-tidade de empregos diretos oferecidos e à diminuição de tarefas mecânicas.

Nesse sentido, o diagnóstico feito pelo diretor-geral da Febraban, Wilson Levorato, na abertura do 8º Congresso de

Recursos Humanos, ocorrido em 2005, não poderia ser mais preciso quanto à conseqüência: “Muitos anos atrás, os ban-cos atenderam às demandas da sociedade pela rapidez na movimentação de recursos assumindo uma série de serviços que não corresponderiam à atividade bancária tra-dicional. (...) A resultante desses vetores é uma maior pressão sobre as estruturas de atendimento, que precisa ser enfrentado [sic], sobretudo pelas áreas que gerenciam o capital humano dos bancos”.

Aqueles que compõem hoje os qua-dros dessas companhias, maciçamente alocados em agências, têm de negociar abertura de novas contas, cartões, finan-ciamentos, empréstimos, seguros etc. “O perfil do bancário mudou mesmo. Os tra-balhos manuais foram substituídos pela própria automação. O esforço manual está reduzido e o bancário agora é um profissional de atendimento e de vendas mesmo”, define Apostólico.

Mas com a troca de mobiliário, au-tomação e conseqüente diminuição do esforço manual, por que da persistência dessas doenças? A representação dos tra-balhadores entende que os efeitos dessa nova realidade também geraram DORT, em virtude do descompasso entre mão-de-obra e volume de trabalho.

Sustentam, por exemplo, que o núme-ro de bancários por agência caiu de 33, em 1994, para 23, em 2006 (veja tabela abaixo), enquanto o número de unida-des e clientes aumentou, exigindo mais desses profissionais, sobretudo daqueles cuja rotina é composta dos resquícios das tarefas manuais da década de 80, como caixas, tesoureiros, compensadores,

entre outros. Aliás, assim como no perí-odo mais severo de acometimento pelas doenças do grupo, os caixas continuam sendo os mais atingidos; realidade aceita de ambos os lados.

Além disso, as “inovações tecnológi-cas acarretaram mudanças no processo de trabalho dos bancários, uma vez que antes da informatização os caixas trabalhavam com máquinas que armazenavam os dados digitados que precisavam ser transmitidos após o fechamento das agências. A partir do recurso da informática, cada caixa passou a operar com um terminal de computador, agilizando o tempo de atualização dos da-dos. Com a introdução do sistema on-line, o terminal de computador possibilitou maior velocidade no atendimento, trazendo com isso a intensificação do ritmo de trabalho e aumento da produtividade”, defendem as pesquisadoras Neide Tiemi Murofuse, da Universidade de São Paulo (USP) e Maria Helena Palucci Marziale, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), no estudo Mudanças no Trabalho e na Vida de Bancários Portadores de LER.

Ainda segundo o estudo, “com a automação bancária, o caixa foi transfor-mado em digitador, em função de que as atividades anteriormente executadas pelos CPDs foram transferidas para eles. Com a introdução de computadores no caixa, o volume de trabalho aumentou em função do número de operações necessárias para a entrada dos dados na realização das ati-vidades de recebimento ou pagamento de clientes. Desta forma, o modo de operação dos caixas foi alterado e eles passaram a executar tarefas que exigiam muitos movi-mentos das mãos e muita concentração”.

Caixa continua como a função mais propensa ao acome-timento por DORT

NÚMERO DE CONTAS CORRENTES POR EMPREGADOS 1993 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 “Variação %

ContasCorrentes44.0 40.0 42.4 44.7 49.9 63.7 71.5 77.3 87.0 90.2 95.1 102.6 133.2%

(emmilhões)

ContasPoupanças47.0 67.0 52.1 40.0 44.8 45.8 51.2 58.2 62.4 67.9 70.8 75.0 59.6%

(emmilhões)

Empregados 655,211 483,165 446,830 426,442 392,869 402,425 393,140 398,098 389,074 382,786 402,977 424,993 -35.1%

ContasCorrentes/67 83 95 105 127 158 182 194 224 236 236 241 259.5%

Empregados

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 “Variação %

Agências 17,434 17,244 16,484 16,329 16,060 16,158 16,590 16,847 17,049 16,829 17,260 17,515 18,087 -

Empregados 571,252 558,692 483,165 446,830 426,442 392,869 402,425 393,140 398,098 389,074 382,789 402,977 424,993 -

Empregadosporagência 33 32 29 27 27 24 24 23 23 23 22 23 23 -29.78%

Fonte:RelatórioSocialdaFebrabane Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos(Dieese),SubseçãoSindicatodosBancáriosdeSãoPaulo.

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“O grande problema que a sociedade terá que enfrentar é o desrespeito às leis fisiológicas em detrimento da tecnologia e da produtividade. Enquanto não nos conscientizarmos de que tanto o corpo quanto a mente tem limites e que esses limites precisam ser respeitados, vamos ter que pagar o preço de mantermos uma legião com crescimento quase ex-ponencial de inválidos para o trabalho. É preciso entender que o processo de mudança fisiológica e adaptação humana é muito mais lento do que a atual capa-cidade tecnológica. É comum vermos as empresas raciocinando em termos dos riscos objetivos, principalmente biomecâ-nicos, enquanto o problema é muito mais complexo e envolve fatores muito mais subjetivos do que objetivos”, compara a doutora em saúde ocupacional, Anader-gh Barbosa- Branco, do Laboratório da

Saúde do Trabalhador da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB).

Na contra-argumentação os empresá-rios afirmam que, embora tenha havido diminuição dos quadros e expansão das agências, houve um investimento robusto na estrutura de auto-atendimento, como caixas eletrônicos, serviços telefônicos e por internet. Segundo a Febraban, 87% de todas as transações bancárias feitas hoje são por meio eletrônico. Há dez anos, eram 20%.

De acordo com Luiz Cláudio Marcoli-no, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, na atual conjuntura, a saída seria reduzir a intensidade do trabalho e implementar as pausas durante o expedien-te, via ampliação do número de postos de trabalho, principalmente de caixas.

Por sua vez, os contratantes não cor-roboram a tese da expansão do emprego

apoiados em três fatores: primeiro, por en-tenderem que já aplicaram o conhecimento disponível para evitar o acometimento por lesões; em segundo, porque a quantidade de casos de lesionados está inflada, o que destorceria o quadro geral; e, por fim, por-que é necessário, de antemão, reintegrar aqueles que estão afastados.

Segundo Marcolino, cada um dos dez maiores bancos em operação no País atualmente tem uma média de 600 trabalhadores afastados. Quanto aos empregadores, estes optam por não falar em números.

Paras as empresas é fundamental resolver a questão dos afastados. A re-dução de futuros passivos trabalhistas e de recursos gastos com complemento por dois anos dos salários que excedem o teto da Previdência, plano de saúde, re-manejamento/contratação e treinamento de profissional substituto, entre outros, serão diferenciais em um mercado cujo nível de competição tem crescido desde o Plano Real. Há casos de trabalhadores afastados há mais de 15 anos.

A resposta dos empresários tanto para a prevenção de DORT quanto para reintegração dos afastados concentra-se na seguinte estratégia: “Insistimos que os afastados precisam ser acompanha-dos. Temos um aprendizado a fazer no acompanhamento dessas pessoas. Para ver a forma como elas vivem, para saber o que mais, além de tudo aquilo que a gente fez, pode ser feito para a prevenção desse tipo de problema”, defende Apostólico. E continua: “Depois de feita a perícia, e a Previdência dá a ele 120 dias de

afastamento ou 180 dias de afastamento, são dias sem nenhum controle. Eu não sei se ele está se tratando. Eu não sei se ele está tomando remédio. Eu não sei se o tratamento dele está dando certo. Eu não sei nada dele. Esta é outra coisa que estamos tentando consertar.”

A proposta da Febraban vem ao encontro do que pregam especialistas em seguro sobre compartilhamento de responsabilidades. Segundo eles, os gastos da Previdência com afastamentos sofreriam uma considerável redução caso as empresas arcassem com parte do ônus de reabilitar o trabalhador. A Federação, inclusive, afirma ter apre-sentado a idéia ao MPAS, que sinalizou favoravelmente.

“Queremos fazer um protocolo com o sindicato para acompanhar essas pessoas, por isso não queremos fazer nada unilate-ralmente. No entanto, o sindicato resiste a isso. Esta é uma coisa que nem a Previ-dência consegue entender. Conversamos sobre isso com o secretário-executivo da Previdência, em dezembro. Dissemos que estávamos tentando fazer esse acordo com o sindicato e não conseguimos”, relata Apostólico.

Para pôr isso em prática o sindicato patronal terá que firmar um acordo com a representação dos empregados, que nes-te momento não concorda com os termos apresentados. “Concordamos em pensar algo combinado com a Febraban, mas não só do acompanhamento durante o afastamento, mas, inclusive, de preparar o posto de trabalho para o retorno, onde o trabalhador não tenha pressão e possa executar a tarefa corretamente. Não pode ser um processo que só faça o acompa-nhamento sem discutir a reabilitação e o retorno do trabalhador. Discutindo reabi-litação, retorno e a alteração do posto de trabalho, o sindicato não vê problemas de ter um acordo com os banqueiros”, rebate Marcolino.

“O acompanhamento seria feito por uma equipe composta por profissionais do banco e do sindicato, a convite do afastado. Não perdemos de vista que a apresentação é voluntária, mas é uma oportunidade para rever o tratamento e adquirir condições de retornar ao trabalho com maior bre-vidade. Este acordo deverá ter o aval da Previdência Social. A alta médica seria

Anadergh Barbosa-Branco, da Universidade de Brasília

Luiz Cláudio Marcolino, presidente do Sindicato dos Bancários de SP

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“VocÊ é lesionada!”Lígia (nome fictício) foi contratada

como compensadora, em 1991, por um dos grandes bancos privados do País. Sua função na agência à qual foi alocada, na capital paulista, era separação, soma e microfilmagem de cheques. Sua principal ferramenta de trabalho eram as calcula-doras. Tinha uma rotina simples, embora de grande responsabilidade.

E nessa toada permaneceu até meados de 1992 quando passou a sentir os pri-meiros sintomas de algumas das doenças da família dos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORTs). A prin-cípio, se dividiu entre as obrigações como compensadora e o tratamento. Neste período, em função das dores, colecionou “várias ausências esporádicas”.

Mas ainda naquele ano teve seu primeiro dos oito afastamentos que a deixariam com a pecha de “lesionada” entre os colegas de trabalho. Seu chefe na época a encaminhou ao médico do trabalho da empresa, e este pediu que fosse emitida a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT).

“Quando fui ao RH do banco para fazer o tal documento, foi muito des-gastante pois demoraram, passando do prazo, e com isso fiquei sem rendimento. Com muita luta o RH emitiu a CAT, e foi aí que questionei sobre o meu pagamento. Disseram que eu teria que esperar o INSS. Eu fiquei desesperada pois tinha na época dois filhos pequenos e não poderia ficar sem meus rendimentos. A única saída foi

assinar um documento me comprometendo que, assim que recebesse do INSS, de-volveria ao banco. Foi desgastante, tanto que para os outros afastamentos consegui a CAT pelo sindicato dos bancários, o banco só emitiu duas CATs”, lembra a bancária.

“Volto a trabalhar e, sem condições de exercer minhas funções, acabo me afastando novamente”, conta ela. Seu afastamento mais longo chegou a qua-tro anos e sete meses. Mas nem isso a livrou do choque do regresso. “Eu entro em pânico só de pensar em retornar ao trabalho, foi muita luta, muitos descasos, muita descriminação e muita humilha-ção. Só de demissões foram duas e depois de algum tempo reintegrada judicialmente.” Em um dos retornos ao trabalho ouviu de um colega de traba-lho, ao qual se dirigiu solicitando que lhe fosse passado algum trabalho: “‘Você não pode, você é lesionada!’”

Lígia é portadora de tenossinovite, tendinite do supra-espinhal, epecondili-te, bursite e túnel do carpo. Já passou por duas cirurgias, imobilizações e ainda hoje faz fisioterapia, RPG e acupuntura. Contudo, o ocorrido e seu próprio contexto trouxeram outro agravante. Certa vez, em um momento de aumento das dores e ausência de sono, foi diagnosticada com depressão e síndrome do pânico. Resultado: desde então, usa medicamento controlado e se trata pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com psiquiatra.

Lígia: “Eu entro em pânico só de pensar em retornar ao trabalho”

dada pela Previdência com as informações da equipe de acompanhamento, sobre as condições do trabalhador, a função a ser assumida, a reabilitação necessária etc., sob autorização do trabalhador”, detalha o superintendente da Febraban.

Transtornos mentais E a discordância entre contratantes e

contratados se intensifica quando o assunto são os acometimentos por males psíquicos. Neste tema, as partes ainda não chegaram sequer a um acordo se realmente eles existem como decorrência da interação com elemen-tos do ambiente do trabalho ou não.

Enquanto o sindicato dos trabalha-dores lida com a perspectiva de que os distúrbios mentais sejam a segunda maior causa de afastamento na catego-ria, o sindicato patronal não reconhece o vínculo entre as doenças do grupo e a rotina profissional, a não ser em casos pontuais de bancários que foram vítimas diretas de assalto a banco. No extremo, é também admitida a hipótese em alguns casos como conseqüência de períodos longos de afastamento por DORT.

“Temos enormes dúvidas quanto à associação de determinados transtornos mentais com a atividade bancária. Se

relacionarmos uma atividade específica de trabalho e transtorno mental, vamos pegar a classe dos policiais, a classe dos médicos como, do ponto de vista epidemiológico, profissões que causam maior número de transtornos. Porém, o transtorno mental cresceu muito na população como um todo, por situações do dia-a-dia: segurança, trânsito, até questões pessoais. Não há na atividade bancária uma função específica que se possa dizer que cause transtorno mental. Não dá para falar que é o caixa, o gerente, o que trabalha em suporte ou em RH”, acredita Apostólico.

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O autor da mudança, o Ministério da Previdência Social (MPS), por sua vez, limita-se a defender o texto sob a alegação de que foram usados parâ-metros objetivos para reclassificar as atividades dentro do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT), tais como quantidade, freqüência e tempo dos afastamentos, tipos de acidentes e doenças mais re-correntes, média salarial, comparação receita x despesa, entre outros. Em suma, probabilidade e custo de eventual sinistro para a seguradora.

Pelas estatísticas do MPS, a atividade econômica “intermediários financeiros”, que detém um contingente de 430 mil contratados, teve um total de 7.331 sinis-tros registrados, em 2005, com agravante de vir em curva ascendente. Em 2002, os registros davam conta de 5.722, aumento de 22%. Em 2005, ficou acima de atividades como “extrativa mineral” (4.687 casos), cujo total de contratados é 116 mil, e ligeiramente abaixo de “produtos químicos” (7.648), com 250 mil. Segundo a Febraban, a média de afastamento no setor é de 18 meses, nível tido como elevado pela Previdência. Por fim, o salário médio dos bancários (R$ 2,7 mil) corresponde praticamente ao teto da Previdência: R$ 2,8 mil.

Contudo, apenas esses dados dizem pouco sobre a relação comercial entre a seguradora, o Instituto Nacional de Segu-ridade Social (INSS), e, no caso, alguns de seus segurados economicamente mais prósperos. Por suas próprias fontes de captação de dados, as estatísticas do MPS citadas lêem com debilidade o que ocorre dentro das companhias. Elas registram apenas os casos em que foram emitidas Comunicações de Acidente de Trabalhos (CATs). Dessa maneira, sinistros cuja cau-salidade encontre-se no meio laboral, mas que por alguma razão não tiveram CAT preenchida pelo empregador, sindicato ou trabalhador, ficam de fora.

Ainda para efeito de avaliação da relação entre as partes, vale citar que mes-mo entre casos que estão nas estatísticas nem todos são convertidos em benefícios. A seguradora só os concede a partir do 16º dia de afastamento do trabalho, no entanto, constam do levantamento todos sem distinção, mesmo aqueles que resul-taram em apenas um dia de ausência ao trabalho. Ou seja, os quinze primeiros dias correm por conta do empregador.

O INSS nessa questão tem um duplo papel. Além de fazer os pagamentos referentes ao SAT, ele deve prover ren-dimentos aos trabalhadores contratados

sob regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de acordo com o estabe-lecido no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), também afastados por razões clínicas de suas atribuições, mas sem CAT. Esse empregado, formalmente, não tem como causa do afastamento seu trabalho. Porém, devido ao alto índice de subnotificação em todo o mercado de trabalho, há um comprometimento da dimensão dos dois grupos.

Como o INSS atua nas duas pontas como seguradora, por lei não deve usar os mesmos fundos para fazer os pagamen-tos. Enquanto o benefício auxílio-doença acidente do trabalhador (B-91), tem como fundo financiador o SAT, o auxílio-doença previdenciário (B-31) é financiado pelo Tesouro Nacional. E para intervir na sub-notificação, o MPS lançou mão do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), cujo objetivo é inverter o ônus da prova (os empregadores passariam a ter que provar que o local de trabalho não adoeceu aquele trabalhador) a partir da associação entre doença e trabalho.

“O choque dos contratantes ocorreu porque, finalmente, se está tentando corrigir um equívoco, cuja origem é em parte histórica. Na prática, a classificação anterior é que estava errada, pois se base-

ava principalmente na probabilidade de uma empresa ter acidente de trabalho, no entanto, estes eram basicamente lesões, ou seja, fratura de perna, de mão, corte de dedo, de mão etc. e praticamente não comportavam as doenças, sobretudo por limitação diagnóstica ou de nexo técnico. As doenças são de desenvolvimento, em geral, crônico, sendo muito mais confortável jogar ou diluir a culpa com os vários fatores externos ao trabalho. Quem conhece bem a lei de SST, sabe que a doença do trabalho não precisa ser causada pelos fatores ocupacionais, basta que estes agravem uma condição la-tente, em princípio, controlável”, analisa a doutora em saúde ocupacional, Anadergh Barbosa-Branco.

“Os empregadores de modo geral, quando percebem que o funcionário não está mais produzindo ou atingindo as expectativas, não se preocupam em saber qual é o verdadeiro motivo disso estar acontecendo, apenas demitem. Quando o funcionário vai ao médico e este, eticamente, solicita a emissão de CAT, por entender que a doença é de origem ocupacional, os empregadores não reconhecem o vinculo da doença com o ambiente de trabalho e tentam descaracterizar, não emitindo a CAT, por

estatísticas

isso é tão importante a implementação do NTEP”, defende Fátima Ribeiro dos Santos, secretária de Saúde do Sindicato dos Bancários de Guarulhos e Região.

Com o NTEP, a partir de uma lista fechada de cruzamentos de dados da Classificação Internacional de Doenças (CID) com as da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE), o mé-dico perito do INSS terá margem para atribuir, por presunção, o nexo de causa-lidade em casos de trabalhador afastado. Por exemplo, se um profissional acometido por asma for contratado de uma empresa cujo CNAE esteja associado ao CID desta doença, feita a avaliação, o perito pode, presumivelmente, atribuir como causa o ambiente de trabalho, cabendo ao empregador, e não ao seu empregado, como era até então, provar que não foi o meio laboral o responsável por aquele adoecimento.

Quando o NTEP começar a gerar os primeiros resultados, é possível que haja um total redimensionamento dos benefícios administrados pelo INSS, com tendência de queda dos B-31 e elevação dos B-91. Por enquanto, o número de casos é uma incógnita, independente da atividade econômica. No universo dos “intermediários financeiros”, não há um

controle preciso por parte dos sindicatos dos trabalhadores. Os empregadores preferem não divulgar. Nas estatísticas publicadas anualmente pelo MPS, ainda não estão disponíveis dados referentes ao cruzamento da CID com a CNAE, o que permitiria saber exatamente o quanto os DORTs e as doenças psicológicas corres-pondem do total de sinistros do setor. A publicação da informação está prometida para ainda este ano.

Mas, como jornalismo também é prestação de serviço, a pedido da SAUT, Anadergh, que atua do Laboratório da Saúde do Trabalhador da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), fez um breve levantamen-to sobre a relação dos bancários com o INSS. Anadergh participou do grupo de estudo que formulou a metodologia que ampara as mudanças no Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) e a criação do NTEP. Em função dessa parceria com o governo, a pesquisadora tem desenvol-vido trabalhos acadêmicos, “recortes”, como gosta de chamar, a partir do banco de dados de benefícios do MPAS.

Segundo o levantamento, referente a 2004, foram concedidos aos CNAEs pertencentes à atividade “intermediários financeiros” 17.720 benefícios, sendo

“Quanto mais cedo a Febraban perce-ber que as doenças mentais estão vincu-ladas à dinâmica e à gestão do trabalho, mais rápido conseguiremos coletivamente resolver os problemas”, convida Marco-lino. Os sindicatos almejam estabelecer, a exemplo do que foi feito em relação aos DORTs, um trabalho conjunto com a classe patronal para tratar do tema. Para tanto, é preciso que esta, primeiramente, as reconheça como problema laboral.

Segundo a psiquiatra Rosita Pontes de Araújo, co-fundadora da clínica Núcleo Sistema de Saúde Mental, as principais queixas dos bancários são “problemas de sono, depressão e irritabilidade”, embora existam casos mais graves de desenvol-vimento de “psicose”. “Alguns atribuem ao trabalho, outros reconhecem situações estressantes em suas vidas pessoais, mas nem sempre compreendem o que exata-mente lhes acontece”, aponta.

Rosita já atuou como psiquiatra no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, na Volkswagen, no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Prefeitura de São Paulo e, atualmente, em paralelo aos trabalhos da clínica, presta serviço “a duas grandes instituições bancárias”, em sua descrição, que contemplam exame ad-missional, consultas e encaminhamentos para tratamento intensivo.

Sua tese sobre a deterioração das con-dições de saúde mental dos bancários se aproxima da apresentada pela Febraban, ao menos quanto às situações em que isso seria possível. Basicamente, em casos de assalto no local de trabalho e por decor-rência de DORT (leia caso no quadro da página 22).

“As pessoas portadoras de DORT em sua maioria já apresentam características psíqui-cas que contribuem para o aparecimento de doença mental e quando essa a incapacita

a freqüência de depressão é maior”, avalia Rosita. “Em saúde mental, assim como em qualquer setor da medicina, as patologias são conseqüências de várias causas. No caso específico dos bancários, as situações pós-as-salto são as únicas que podem ser atribuídas exclusivamente ao trabalho.”

A psiquiatra Rosita Pontes de Araújo

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Anadergh, porém, afirma ser insusten-tável o não reconhecimento, pois as taxas de acometimento de profissionais do setor por patologias de cunho psicológico são maiores, tanto no comparativo com a mé-dia nacional quanto com outros setores. “Eles estão contratando ‘doidinhos’ ou fazendo ‘doidinhos’?”, ironiza (leia mais no quadro da pág. 24).

Um caso emblemático do impacto de um assalto sobre a mente desses profissionais foi o da tesoureira Ângela (nome fictício). Em 4 de março de 2005, assaltantes interessados nos malotes do dia de pagamento impuseram cativeiro à família de sua gerente. Ao chegar à agência, localizada no bairro de Itaim Paulista, na capital paulista, a gerente “mostrou duas fotos na qual estavam ela e o marido com dois homens com camise-tas na cabeça apontando armas para eles”, relata ela. Coagidas, a partir daí, as duas

seguiram passo a passo as recomendações, passadas por telefone por um membro da quadrilha, até que os malotes fossem retirados da agência e entregues aos marginais.

“Como o assalto foi numa sexta-feira, voltei a trabalhar na segunda, normalmente, sem ter a opção de ser transferida e acumulando as funções da gerente. Não foi fácil, pois desconfiava de todo mundo. No mesmo dia senti os sintomas da síndrome do pânico. Na minha cabeça, continuar trabalhando era o melhor remédio para o que eu estava passando. Não fui afastada em nenhum momento, mas comecei um trata-mento com a ginecologista, pois estava com mudança de hormônio, minha menstruação não parava de jeito nenhum”, conta ela.

Mesmo nessa situação, da qual seus superiores estavam cientes, no dia 1º de junho daquele mesmo ano, Ângela foi demitida. Orientada pelo sindicato, moveu ação judicial contra o banco, e foi reinte-

O autor da mudança, o Ministério da Previdência Social (MPS), por sua vez, limita-se a defender o texto sob a alegação de que foram usados parâ-metros objetivos para reclassificar as atividades dentro do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT), tais como quantidade, freqüência e tempo dos afastamentos, tipos de acidentes e doenças mais re-correntes, média salarial, comparação receita x despesa, entre outros. Em suma, probabilidade e custo de eventual sinistro para a seguradora.

Pelas estatísticas do MPS, a atividade econômica “intermediários financeiros”, que detém um contingente de 430 mil contratados, teve um total de 7.331 sinis-tros registrados, em 2005, com agravante de vir em curva ascendente. Em 2002, os registros davam conta de 5.722, aumento de 22%. Em 2005, ficou acima de atividades como “extrativa mineral” (4.687 casos), cujo total de contratados é 116 mil, e ligeiramente abaixo de “produtos químicos” (7.648), com 250 mil. Segundo a Febraban, a média de afastamento no setor é de 18 meses, nível tido como elevado pela Previdência. Por fim, o salário médio dos bancários (R$ 2,7 mil) corresponde praticamente ao teto da Previdência: R$ 2,8 mil.

Contudo, apenas esses dados dizem pouco sobre a relação comercial entre a seguradora, o Instituto Nacional de Segu-ridade Social (INSS), e, no caso, alguns de seus segurados economicamente mais prósperos. Por suas próprias fontes de captação de dados, as estatísticas do MPS citadas lêem com debilidade o que ocorre dentro das companhias. Elas registram apenas os casos em que foram emitidas Comunicações de Acidente de Trabalhos (CATs). Dessa maneira, sinistros cuja cau-salidade encontre-se no meio laboral, mas que por alguma razão não tiveram CAT preenchida pelo empregador, sindicato ou trabalhador, ficam de fora.

Ainda para efeito de avaliação da relação entre as partes, vale citar que mes-mo entre casos que estão nas estatísticas nem todos são convertidos em benefícios. A seguradora só os concede a partir do 16º dia de afastamento do trabalho, no entanto, constam do levantamento todos sem distinção, mesmo aqueles que resul-taram em apenas um dia de ausência ao trabalho. Ou seja, os quinze primeiros dias correm por conta do empregador.

O INSS nessa questão tem um duplo papel. Além de fazer os pagamentos referentes ao SAT, ele deve prover ren-dimentos aos trabalhadores contratados

sob regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de acordo com o estabe-lecido no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), também afastados por razões clínicas de suas atribuições, mas sem CAT. Esse empregado, formalmente, não tem como causa do afastamento seu trabalho. Porém, devido ao alto índice de subnotificação em todo o mercado de trabalho, há um comprometimento da dimensão dos dois grupos.

Como o INSS atua nas duas pontas como seguradora, por lei não deve usar os mesmos fundos para fazer os pagamen-tos. Enquanto o benefício auxílio-doença acidente do trabalhador (B-91), tem como fundo financiador o SAT, o auxílio-doença previdenciário (B-31) é financiado pelo Tesouro Nacional. E para intervir na sub-notificação, o MPS lançou mão do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), cujo objetivo é inverter o ônus da prova (os empregadores passariam a ter que provar que o local de trabalho não adoeceu aquele trabalhador) a partir da associação entre doença e trabalho.

“O choque dos contratantes ocorreu porque, finalmente, se está tentando corrigir um equívoco, cuja origem é em parte histórica. Na prática, a classificação anterior é que estava errada, pois se base-

ava principalmente na probabilidade de uma empresa ter acidente de trabalho, no entanto, estes eram basicamente lesões, ou seja, fratura de perna, de mão, corte de dedo, de mão etc. e praticamente não comportavam as doenças, sobretudo por limitação diagnóstica ou de nexo técnico. As doenças são de desenvolvimento, em geral, crônico, sendo muito mais confortável jogar ou diluir a culpa com os vários fatores externos ao trabalho. Quem conhece bem a lei de SST, sabe que a doença do trabalho não precisa ser causada pelos fatores ocupacionais, basta que estes agravem uma condição la-tente, em princípio, controlável”, analisa a doutora em saúde ocupacional, Anadergh Barbosa-Branco.

“Os empregadores de modo geral, quando percebem que o funcionário não está mais produzindo ou atingindo as expectativas, não se preocupam em saber qual é o verdadeiro motivo disso estar acontecendo, apenas demitem. Quando o funcionário vai ao médico e este, eticamente, solicita a emissão de CAT, por entender que a doença é de origem ocupacional, os empregadores não reconhecem o vinculo da doença com o ambiente de trabalho e tentam descaracterizar, não emitindo a CAT, por

estatísticas

isso é tão importante a implementação do NTEP”, defende Fátima Ribeiro dos Santos, secretária de Saúde do Sindicato dos Bancários de Guarulhos e Região.

Com o NTEP, a partir de uma lista fechada de cruzamentos de dados da Classificação Internacional de Doenças (CID) com as da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE), o mé-dico perito do INSS terá margem para atribuir, por presunção, o nexo de causa-lidade em casos de trabalhador afastado. Por exemplo, se um profissional acometido por asma for contratado de uma empresa cujo CNAE esteja associado ao CID desta doença, feita a avaliação, o perito pode, presumivelmente, atribuir como causa o ambiente de trabalho, cabendo ao empregador, e não ao seu empregado, como era até então, provar que não foi o meio laboral o responsável por aquele adoecimento.

Quando o NTEP começar a gerar os primeiros resultados, é possível que haja um total redimensionamento dos benefícios administrados pelo INSS, com tendência de queda dos B-31 e elevação dos B-91. Por enquanto, o número de casos é uma incógnita, independente da atividade econômica. No universo dos “intermediários financeiros”, não há um

controle preciso por parte dos sindicatos dos trabalhadores. Os empregadores preferem não divulgar. Nas estatísticas publicadas anualmente pelo MPS, ainda não estão disponíveis dados referentes ao cruzamento da CID com a CNAE, o que permitiria saber exatamente o quanto os DORTs e as doenças psicológicas corres-pondem do total de sinistros do setor. A publicação da informação está prometida para ainda este ano.

Mas, como jornalismo também é prestação de serviço, a pedido da SAUT, Anadergh, que atua do Laboratório da Saúde do Trabalhador da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), fez um breve levantamen-to sobre a relação dos bancários com o INSS. Anadergh participou do grupo de estudo que formulou a metodologia que ampara as mudanças no Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) e a criação do NTEP. Em função dessa parceria com o governo, a pesquisadora tem desenvol-vido trabalhos acadêmicos, “recortes”, como gosta de chamar, a partir do banco de dados de benefícios do MPAS.

Segundo o levantamento, referente a 2004, foram concedidos aos CNAEs pertencentes à atividade “intermediários financeiros” 17.720 benefícios, sendo

Ângela: “o assalto foi numa sexta-feira, voltei a trabalhar na se-gunda, normalmente”

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26 www.cipanet.com.brSAUT - REVISTA SAÚDE NO TRABALHO 2726

grada em 10 de outubro. Está previsto para outubro próximo seu retorno ao trabalho. Retoma sua vida profissional ainda sem obter alta do psiquiatra, do psicólogo e da ginecologista que acompanham seu caso, fazendo uso de medicamentos para con-

trolar os sintomas da síndrome do pânico e depressão e com a vida financeira há tempos um “desastre”.

Independente da ação de criminosos, o bancário, alocado em uma agência, tem em seu cotidiano a sombra destes. Ele

está inserido em um meio muito delica-do, extremamente visado, que depende de um arranjo complexo de homens e máquinas para manter-se fora do alcance de criminosos. Nestes locais, todos de-vem seguir à risca rotinas de segurança,

Lesões

DORT

Doenças Mentais

Outros

Total de Benefícios (B-31 e B-91) por Grupo de Doenças (2004)

32,9%

17,2%32,5%

17,4%

14.954 de auxílio-doença previdenciário (B-31) e 2.776 de auxílio-doença acidente do

trabalhado (B-91) (veja gráfico ao lado ). A pesquisadora aponta que no geral

os dados do setor financeiro não apre-sentam grandes diferenças em relação à média nacional. A taxa de incidência de afastamento por mais de 15 dias é de 396,80 por grupo de 10 mil trabalhado-res, enquanto que a média nacional é de 415,51/10.000. O percentual de casos de B-91 (15,6%) também está próximo à média (13,5%) (veja gráfico abaixo).

“O diferencial está em algumas ca-racterísticas destes benefícios. Enquanto na maioria dos outros ramos a predominância do B-91 é decorrente de lesões, na “interme-diação financeira” esta causa representa a terceira, atrás das doenças osteomusculares (41,9%) e das mentais (19,6%). Quando analisamos esses benefícios por doença específica observa-se que as doenças mais caracterizadas como do trabalho foram as tendinites e tenossinovites, depressão, lesões do ombro, transtornos de disco, dorsalgias, ou seja, predomínio das osteo-musculares e mentais”, analisa Anadergh (veja tabela abaixo).

Analisando em separado somente as doenças mentais, o “recorte” da pes-quisadora mostra disparidades maiores

em relação ao restante das atividades econômicas. No grupo dos transtornos de humor, em que está inserida a depressão, a média dos bancários é 43,88/10.000 contra 22,29/10.000. Os transtornos neuróticos (grupo que inclui a reação agu-da ao stress, síndrome do pânico, transtor-nos obsessivo-compulsivo) correspondem a 19,91/10.000 e 7,15/10.000.

Sob a ótica do gênero, o cruzamento dos dados expõe também resultados inte-ressantes. As mulheres, embora estejam em discreta minoria na população de bancários, detêm um índice de afastamento superior aos dos homens, 9.861 e 7.859, respectivamente (veja gráficos ao lado). Em outras variáveis, os gêneros praticamente se igualam: período médio de afastamento

PRinciPais causas de aFastamento entRe BancÁRios PoR tiPo de BeneFício (2004)

CID-10* B-31** B-91*** TOTAL DESCRIÇÃO

M65 707 162 869 Sinovite e tenossinovite

F32 390 93 483 Episódios depressivos

Z54 410 45 455 Convalescença

M54 268 51 319 Dorsalgia

M75 242 73 315 Lesões do ombro

S62 271 32 303 Fratura ao nível do punho e da mão

M51 198 64 262 Outros transtornos de disco invertebrais

S82 208 45 253 Fratura da perna, incluindo tornozelo

F41 134 39 173 Outros transtornos ansiosos

G56 131 41 172 Mononeurapatias dos membros superiores

F43 128 25 153 Reação ao stress grave e transtornos de adaptação

S52 136 15 151 Fratura do antebraço

S83 128 20 148 Luxação, entorse e distensão das articulações

dos ligamentos do joelho

S92 127 17 144 Fratura do pé (exceto tornozelo)

F33 108 21 129 Transtorno depressivo recorrente

S42 98 24 122 Fratura do ombro e do braço

M77 90 20 110 Outros entesopatias

M23 94 9 103 transtornos internos dos joelhos

6,578 1,281 7,859

Fonte: Anadergh Barbosa-Branco, a partir do banco de dados do MPS * Classificação Internacional de Doenças ** Auxílio-doença previdenciário *** Auxílio-doença acidentário do trabalho

Benefícios Concedidos a Bancários por Tipo (2004)

Auxílio - doença previdenciária (B-31)

Auxílio - doença acidente do trabalho (B-91)

14.954

84%

2.77616%

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26 27 SAUT - REVISTA SAÚDE NO TRABALHO www.cipanet.com.br26

todos de alguma maneira participam do esquema de segurança montado. A bancária Ângela, por exemplo, tinha entre suas primeiras atribuições do dia desligar o alarme noturno e entregar as armas e o pânico aos vigilantes.

Contudo, entre 2004 e 2006, apenas no Estado de São Paulo foram registrados 1.053 casos de assalto a bancos, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública. E é freqüente encontrar nas pautas de reivindicações da categoria itens tratando exatamente de aumentar os investimentos nessa área. Para este ano, a previsão de gastos na área é de R$ 7 bilhões.

Não existe a menor dúvida de que os casos de bancários com problemas psicológicos têm aumentado signifi-cativamente nos últimos anos, devido ao assédio moral e à constante pressão para que cumpram as metas, cada vez mais abusivas, impostas pelos bancos�, aponta a secretária de Saúde do Sindicato dos Bancários de Guarulhos e Região, Fátima Ribeiro dos Santos.

Segundo ela, não existe função espe-cífica dentro da agência bancária em que a incidência seja maior, pois todos os fun-cionários sofrem de uma forma ou de outra o assédio moral e a pressão para o cum-primento das metas abusivas, o que gera estresse, depressão, síndrome do pânico, alcoolismo, consumo de drogas etc.”

Seu colega de sindicalismo, Previtale, vê na figura do assédio moral uma espé-cie de �estratégia de gestão de pessoas�. �Obviamente, não é nada discutido pela diretoria de um banco, nada colocado em circulares ou papéis, mas é uma coisa que de tão recorrente passa o nível de ser pontual. Ele é muito difundido. Em mui-tas empresas é uma estratégia gerencial, algo estrutural”, acusa.

Entre seus pacientes, Rosita nota que o assédio moral “não aparece como queixa preponderante, mas como algo subliminar, como ameaças veladas ou ironias sutis, e às vezes nem a própria pessoa se dá conta de que o que está acontecendo pode ser chamado de assé-dio”. Por outro lado, a psiquiatra alerta para o fato de existirem pessoas com mais facilidade em lidar com o público, resistir às pressões, suportar frustrações, o que as faria desempenhar melhor suas funções em bancos.

Pela própria natureza do dano psi-cológico, é difícil a percepção deste por parte dos leigos em circunstâncias não evidentes quanto a assaltos. No geral, aqueles que realmente são acometidos por alguma doença mental têm dificuldade

de se perceberem doentes, quanto mais fazer uma ligação precisa entre o apare-cimento de sintomas e seus respectivos fatores desencadeantes. A subjetividade é a tônica. Os próprios sindicatos vêem o crescimento dos casos (a partir da quantidade de queixas dos bancários), apontam a pressão, o assédio, o ritmo, as metas, mas ainda não detêm estudos capazes de comprovar suas teses, e assim sair do estágio da discordância para um processo de negociação.

TeleatendimentoMas, contrariando o que sugere as

divergências recentes entre bancários e ban-queiros sobre saúde do trabalhador, é traço comum nas relações entre eles o avanço, a obtenção de consensos quando postos frente a frente em uma mesa de negociação. São duas representações de classe com imensa força, ocupam posição estratégica no arranjo econômico do País. E quando as duas representações negociam conjun-tamente com outras atividades econômicas essas diferenças ficam mais nítidas.

Nesse sentido, vale nota o trabalho conjunto de capital e trabalho, mediados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para a elaboração do texto final do Anexo II da Norma Regulamentadora nº 17 (NR-17). As instituições financeiras detêm atualmente um contingente de

(180 dias masculino e 181 dias feminino), idade média de dos afastados (41,8 anos e 39,4 anos), valor mensal médio pago pelo INSS (R$ 1.585,40 e R$ 1.588,82).

“Este ramo apresenta algumas par-ticularidades em relação às causas de adoecimento, à caracterização do nexo técnico, principalmente para os benefícios decorrentes de doenças, e é um dos pouquís-simos ramos em que as mulheres conseguem caracterizar mais o nexo técnico do que os homens, sendo o único em relação às doen-ças osteomusculares e mentais”, conclui.

Feminino

Masculino

54%

46%201.910

237.682

Total de Trabalhadores com Carteira Assinada (2004)

Feminino

Masculino

7.859

9.861

56%

44%

Total de Benefícios por Gênero (2004)

Fátima Ribeiro dos Santos, secretária de Saúde do Sindicato dos Bancários de Guarulhos

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cerca de 20 mil trabalhadores em suas centrais de teleatendimento (ou telemarke-ting), e a tendên-cia é de cresci-mento.

Embora seja expressivo o nú-mero de teleope-radores, os ban-cos possuem uma fatia pequena da mão-de-obra total, estimada em cerca de 700 mil profissionais. Ainda assim, esta-vam lá os representantes, tanto do lado dos contratantes quanto dos contratados. E por lá permaneceram por sete meses de longas rodadas de negociação.

A média do setor de teleatendimento em termos de SST no País não é das melhores. Os mais pessimistas chegam a chamá-lo de “senzala eletrônica”. Para se ter uma idéia em que ponto está essa média, o texto final do Anexo II, em seu item 5.7, teve de garan-tir a ida espontânea dos teleoperadores ao banheiro. Início de século XXI, está lá no texto: “Com o fim de permitir a satisfação das necessidades fisiológicas, as empresas devem permitir que os operadores saiam de seus postos de trabalho a qualquer momento da jornada, sem repercussões sobre suas avaliações e remunerações.”

Assim, em um contexto de divergências que alcançavam questões de foro íntimo como o sacio de necessidades fisiológicas, a atividade econômica “intermediação fi-nanceira” lado a lado estava “confortável”, conforme definição de Apostólico. “Se você visitar um callcenter de um banco e visitar um callcenter de uma empresa que tenha essa atividade como atividade fim, verá uma diferença brutal em termos de cuidados”, diferencia.

“Antigamente, a parte de teleatendi-mento nos bancos era uma das áreas que tinha um índice alto de DORT. Então, foi feito um processo de negociação entre os bancários e os banqueiros para fazer alteração ergonômica. Hoje, temos uma situação melhor do que em outros setores, mas ainda necessita de algumas altera-ções. Porém, é bem melhor que nas outras categorias”, concorda Marcolino.

Isso não quer dizer que não houve divergências durante as negociações. Se-gundo Previtale, que foi o representante dos bancários na bancada dos trabalha-dores, estas se concentraram basicamen-te em um único ponto: a instituição das pausas durante o expediente.

Cada parte defendia uma posição: os trabalhadores uma pausa de 10 minutos a cada 50 minutos trabalhados. A proposta do governo era de 10 minutos a cada 90 minutos trabalhados, enquanto que a pro-posta do setor patronal eram os tempos

sem atendimento (TSA). Os TSA são os segundos entre o término de um atendi-mento e o início de outro. Nas contas de seus proponentes, eles totalizam ao final de uma jornada de seis horas aproxima-damente 15 minutos.

Na redação, prevaleceram as duas pausas de dez minutos ao longo do ex-pediente, além do aumento de 15 para 20 minutos do período reservado para lanche, este podendo, a critério do em-pregador, ter de ser compensado, o que estenderia a jornada para 6h20.

Ao final, Previtale avalia que “faltou à norma a bandeira histórica dos traba-lhadores: 10 minutos para 50 minutos trabalhados”. E só. Já Apostólico diz que o texto trouxe alguns problemas para os empregadores, como quebra na jornada de trabalho, “mas, paciência, o que é combinado não é caro.” E só. Já as em-presas de telemarketing, principalmente as médias e pequenas, terão de passar por um árduo período de transição para adaptarem suas relações de trabalho a princípios elementares de prevenção a danos à saúde.

Contudo, as companhias bancárias que terceirizam seus serviços de telea-tendimento para empresas especializadas, ainda que parcialmente, devem atentar para as relações de trabalho dessas. Even-tuais passivos trabalhistas dessas podem respingar em seus faturamentos.

Os resultados das primeiras análises feitas sobre pessoas acometidas por sinto-mas que hoje são atribuídos ao grupo de doenças que compreendem as Lesões por Esforço Repetitivo/Distúrbios Osteomuscula-res Relacionados ao Trabalho (LERs/DORTs) remontam ao século XVIII. À época, o médi-co italiano Bernardino Ramazzini dava os primeiros passos em seus estudos acerca da relação do desenvolvimento de processos de adoecimento em trabalhadores com suas respectivas funções. Sobre a LER assinalou: “doença dos escrivões”, devido à maior incidência desta entre esses profissionais.

No século seguinte, já com algumas teorias sobre o assunto em discussão nos meios acadêmicos, os males que viriam a ser chamados de LER eram definidos como “movimentos repetitivos e freqüentes de

um grupo isolado de músculos, enquanto o resto do corpo permanece horas a fio parado na mesma posição”, conforme anotaram as pesquisadoras Neide Tiemi Murofuse e Maria Helena Palucci Marzia-le, no estudo Mudanças no Trabalho e na Vida de Bancários Portadores de LER.

No Brasil a sigla foi reconhecida como doença ocupacional só em 1980, pelo Ministério da Previdência Social (MPS). Seu uso deveria ser feito para caracterizar síndrome resultante do desconforto, incapa-cidade ou dor persistente em articulações, músculos, tendões e outros tecidos moles, com ou sem manifestações físicas ou clíni-cas. Por conta dos questionamentos dos profissionais ligados ao tema, o termo LER foi modificado para DORT, em 1997, pelo MPS. O argumento desses defendia que

semanticamente o termo não dava conta do total de doenças pertencentes ao grupo.

Segundo as pesquisadoras, mesmo passados 27 anos desde o reconhecimen-to da ligação entre ocupação e doença persiste ainda a dificuldade de reconhe-cimento do acometimento pela doença no mercado de trabalho. “A complexidade da questão reside no fato de a LER não ser uma doença aguda, mas que se de-senvolve durante o exercício profissional e o seu quadro sintomatológico progride, às vezes, irregularmente, existindo uma progressão do quadro, quando as condi-ções de trabalho não são alteradas. Desta forma, os sintomas freqüentemente são multiplicados em novos sintomas e sinais, devido à extensão dos agravos a outros grupos musculares”, afirmam no estudo.

leR/doRt: a doença

Cartilha com a íntegra do Anexo II da NR-17

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Ação diferenciada“O desafio das empresas e do nos-

so ramo é conseguir manter a saúde, a preservação da saúde do trabalhador em um ambiente de alta performance”, avalia o médico do trabalho Marcos José Campello Baptista. Para ele, essa situação se dá por conta da necessidade das empresas de “sobreviver em um meio competitivo.”

Embora o País conte com mais de 150 instituições bancárias, a maior parte do mercado é dividido entre dez companhias, sendo que o Itaú, empresa na qual Baptista atua como superintendente de Saúde Ocupacional, ocupa atualmente o topo do ranking em termos de lucro líquido: R$ 4,016 bilhões (resultado referente ao primeiro semestre deste ano).

Baptista tem sob seus cuidados a saúde de 60 mil trabalhadores. Desses, 78% são bancários. Assim como as ou-

tras corporações, o Itaú também acom-panhou as tendências de sinistralidade que marcaram o setor financeiro durante as décadas 80 e 90 e hoje enfrenta as mesmas questões de seus concorrentes, como mudança de legislação, passivo trabalhista, persistência dos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Tra-balho (DORTs), entre outros.

Contudo, em 2003, a empresa adotou posicionamento ímpar. A partir de uma solicitação da diretoria do banco, foi formulado “um conjunto de políticas e procedimentos corporativos visando re-duzir o número de funcionários afastados junto ao Instituto Nacional de Seguro Social por motivo de doença”, conforme consta de documento interno cedido por Baptista.

“De forma geral, nesse período hou-ve um crescimento de ocorrências nas

empresas do setor. Nós entramos para atuar sem o cinismo de dizer que estamos aqui para fazer as pessoas mais felizes. Estamos aqui para ajudar as pessoas, para melhorar a saúde delas, recuperá-las e trazer resultados para a empresa. Tínha-mos que compatibilizar essas coisas”, expõe ele.

Hoje, esse conjunto de políticas e procedimentos atende pelo nome de “Programa de Apoio para o Retorno ao Trabalho e Reabilitação Profissional”, cujos objetivos são resumidos em três pontos: prevenir a ocorrência de incapa-cidade laborativa; reduzir os índices de licenciados junto ao INSS por doenças ocupacionais; melhorar a qualidade de vida dos funcionários.

Desde sua implementação, 500 tra-balhadores já foram atendidos pelo Pro-grama, sendo que a taxa de “sucesso”,

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Sede administrativa do grupo, em São Paulo

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ou seja, o percentual de pessoas que “está trabalhando” é de 75%, de acordo com Baptista, que é responsável pela execução do mesmo. Embora ressinta-se de não ter outros parâmetros para qualificar/quantificar o “sucesso” do projeto, ele admite que em um horizonte próximo serão trabalhadas para fins de avaliação variáveis como satisfação do profissional e da chefia, produtividade e desenvolvimento de carreira. “Por enquanto, temos olhado o lado empresa, radical, o lado sociedade, que é pagar benefício por incapacidade, e o lado pessoa, que é estar produtivo”, aponta o superintendente.

Parte do mérito da ação em anda-mento no Itaú está em sua leitura obje-tiva dos fatos, na admissão dos limites e do contexto em que está inserida e, destoando do discurso médio dos pro-fissionais que trabalham com segurança e saúde no trabalho (SST), dado a doses “açucaradas” de argumentos, na visão realista das relações de trabalho.

“Em outros países que a mão-de-obra é mais qualificada a visão da preservação da capacidade produtiva é diferente do que em países do Terceiro Mundo. Um país que tem mão-de-obra farta, barata e pouco qualificada, ficou doente, põe outro no lugar e manda a conta para a Previdência. Isso não é uma acusação a nenhuma empresa. É um macrossistema que em um país como o nosso tende a se estabelecer”, contextualiza Baptista.

E completa: “a lei brasileira de re-abilitação é de 1991. É de lá da época da industrialização neoclássica [1950-1990]. A lei brasileira em reabilitação foca muito na seqüela, na amputação. E dificilmente há seqüelas definitivas entre bancários. A maioria dos casos é um pouquinho de físico, muito de men-tal e o social rompido. Recuperar isso com uma lei feita para a indústria, não servia. Por isso, criamos um conjunto de normas internas.”

Uma vez que se tornou uma política corporativa, as diretrizes do Programa garantem por um lado que os trabalhos sejam realizados independentemente de quem esteja ocupando o cargo no momento e, por outro, confere auto-nomia para que esses intervenham em

situações delicadas como demissão, reintegração e afastamento. O envol-vimento direto dos diferentes níveis de chefia também se mostrou um mecanis-mo importante para se aproximar dos trabalhadores.

Por recomendação de sua chefia, a matemática Roberta Stuani procurou a superintendência de Saúde Ocupacional da empresa. A bancária vinha desde de 1993 colecionando promoções. Começara como teleatendente e, em 2003, já era gerente de uma agência na cidade de São Paulo. Entre um extremo e outro, passou por agente comercial e assistente de gerente.

Naquele ano, o que no início eram pequenos mal-estares assumiu a pro-porção de síndrome do pânico, assim suas ausências esporádicas logo se transformaram em um longo período de afastamento. “Tive mais problemas ao voltar, me sentia o próprio ‘café com leite’, cheguei a achar que não me adaptaria mais. Foi na terceira tentativa de voltar que conheci o doutor Marcos e sua equipe. Eles me apoiaram no retorno, inclusive se preocupando com aonde eu ia trabalhar, se teria problemas com condução, com algum trauma e até os cursos que me atualizariam para me sentir mais confiante para voltar a exer-cer minha profissão. O banco também me disponibilizou assistente social e o médico fez visitas ao meu trabalho para orientar minha chefia sobre o programa de reabilitação”, descreve Roberta.

O superintendente aponta que não basta reintegrar o contratado sem lhe atribuir uma tarefa com valor para a equipe. “A tarefa tem que ter valor, a pessoa não vai para o subsolo rasgar papel, porque isso é dar uma carga de trabalho excessivamente pequena, que gera tédio, fadiga mental, depressão e não ajuda em nada. É feito um estudo no local de trabalho, a partir da restrição médica. Tem que ser uma tarefa que a pessoa se sinta parte da equipe.”

A receita no caso de Roberta a rein-seriu. “O doutor Marcos acompanhou meu afastamento e me ajudou a ir para uma área interna, em que dou suporte para as agências. Como gerente, me fortaleci e consegui voltar. Continuo como gerente, mas me esforço pra estar

sempre um passo adiante, para quando chegar a hora de ser promovida, estar pronta. Me sinto capaz, embora ainda esteja terminando o programa de reabi-litação”, ressalva ela.

O receituário desenvolvido pelo banco contempla ainda empregabilidade assegurada por seis meses após a rein-tegração e flexibilização da política de metas, chegando a tê-las suspensas por até um ano. Com ambos os mecanismos, o Programa procura criar um ambiente que propicie mais segurança para o tra-balhador regresso de um período de afas-tamento. “Conforme a necessidade de cada um, criamos uma regra específica. A pessoa volta contando individualmen-te no cálculo de produtividade. Isso cria um facilitador, uma aceitação melhor por parte do trabalhador, do gestor”, afirma o médico do trabalho.

Na leitura do Itaú, ao ter de reintegrar um contratado há muito afastado, per-deu-se ao menos três chances de inter-venção: quando da ausência da doença, por meio de ações para manter os bons indicadores clínicos; quando a doença não incapacita, nesse estágio a ação junto ao trabalhador tende a ser menos complexa e evitam perdas de grandes proporções para ambas as partes; doen-ça seguida de incapacidade até 15 dias, aqui, a intervenção pode ser mais drásti-ca dependendo da causa do afastamento; e incapacidade por mais de 15 dias. Segundo Baptista, dos 500 casos do qual tratou, metade atende aos requisitos das três primeiras fases, enquanto o restante corresponde aos que ultrapassaram os 15 dias de afastamento.

A Superintendência de Saúde Ocu-pacional está dividida em quatro unida-des regionais (nas capitais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais). Nos quatro estados, onde concentra-se 90% da mão-de-obra da empresa, os trabalhos da equipe são feitos pessoalmente nas agências. No restante do País, o meio ainda é o tele-fone. Por fim, o vale citar que o próprio trabalhador pode solicitar, indepen-dente da anuência de seu chefe, ajuda ao departamento médico caso entenda necessário. Após entrevista preliminar com membro da equipe, pode seguir para avaliação médica.

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“Pane” em Plena maRginal tietÊ e PRomoção

Foi graças à orientação de seu chefe que a administradora de empresas, Karina Yumi Motoda, procurou os serviços da equipe de Baptista. Contratada em 2002, como agente comercial, em uma agência na capital paulista, Karina começou a sentir os primeiros sintomas (dor de cabe-ça, tontura e fraqueza) do que logo seria diagnosticado como síndrome do pânico, em março de 2004. Nas primeiras crises, ela teve afastamentos breves. Ficava em pronto-socorros. A suspeita era enxaqueca e pressão baixa.

Essa situação se manteve até o dia que, dirigindo em plena na marginal Tie-tê, uma das principais vias expresso da cidade, ela desmaiou. Para sua sorte, a “pane” não resultou em um acidente. Ao ser socorrida, a bancária tremia e cho-rava de modo compulsivo. O psiquiatra que a atendeu por conta do episódio a afastou por 60 dias já pela Classificação Internacional de Doenças (CID) respectiva à síndrome pânico.

Karina teve dificuldades de lidar com a doença. “Não tinha a idéia que era a doença se manifestando. Aliás, tive muitos problemas com isso, pois parecia falta de vontade, preguiça. Era difícil acreditar que se tratava de uma doença”. O afastamento foi o primeiro de uma série. Ao todo, foram quase dois anos recebendo pelo INSS. Nesse intervalo, ela colecionou tam-bém algumas tentativas frustradas de retorno. Agravou a situação o fato de, concomitantemente à síndrome, ela ter adquirido depressão.

A melhora só veio após passar por tratamento específico oferecido pela universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em conjunto com a admi-nistração de “grandes quantidades” medicamentos, segundo sua descrição. Já mais estável, começou o processo de reintegração. “O retorno foi extrema-mente complicado. Eu não me sentia capaz de voltar a trabalhar. Tinha muito medo. Aí que entrou o doutor Marcos. Ele, que acompanhara o meu caso desde o princípio, me colocou no programa de reabilitação. Eu pude escolher uma agência próxima à minha residência e tive todo o apoio, inclusive respaldo da assistente social. É incrível, mas até o layout da agência mudou devido à minha chegada”, lembra ela.

Baptista, ou doutor Marcos, como preferem chamar seus colegas de traba-lho, aponta o período de reintegração é dos mais complexos de se trabalhar, por depender de uma ação coletiva. Todo o

trabalho pregresso pode se perder nesta etapa. “No primeiro dia de retorno, fui levada à agência por um médico do banco e a assistente social. Foi uma batalha grande por todo o ano passado. Fui recebida por uma equipe maravilho-sa, junto com a gerente da agência, a Magda Vieira. Eles seguraram a minha mão, e toda às vezes que eu tendia a cair, eles me puxavam para cima”, relata Karina. E continua: “eles tiveram que aprender a lidar com minha doen-ça, pois infelizmente as pessoas não possuem muitos conhecimentos e pode ser confundida com preguiça, falta de vontade. A gerente foi pesquisar sobre a doença para saber como lidar.”

De agente comercial, Karina foi promovida no início deste ano a assis-tente de gerente. Mantém ainda a me-dicação, vez ou outra sofre crises, mas toca sua rotina “matando um gigante a cada dia”.

Fábio Caldeira Ferraz

Karina Yumi Motoda

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Com o apoio de Magda conseguiu recuperação e ascensão profissional

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