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Horizonte, Belo Horizonte, v. 6, n. 12, p.207-229, jun. 2008 207 João Batista Libanio * O autor se apresenta como escritor ensaísta, pesquisador em ciências das religiões e sistemas de pensamento, e especializado nos monoteísmos. Asses- sora empresas internacionais em gestão da diversidade cultural e religiosa e fundou o Instituto das Ciências da Diversidade. Une três campos de interes- ses: empresa, conselho político e pesquisa no campo das relações intercultu- rais e religiosas. Possui enorme experiência mundial de contatos culturais: Europa, Estados Unidos da América, Brasil, Israel, Marrocos etc. As culturas religiosas carecem de tratamento próprio. Não se compor- tam como as outras culturas. As religiões, quais organismos vivos, adaptam- se às mutações contemporâneas, sem perder seu rumo. A diversidade religiosa, que enriquece a sociedade, precisa ser gerida, harmonizada, para que se pre- servem os valores fundamentais da igualdade entre homem e mulher, a pro- moção da miscigenação, o reconhecimento do outro, a rejeição da exclusão, a relação pacífica com a vida e a morte, a busca da paz, a esperança de uma sociedade coerente e a garantia de proteção dos mais fracos. Isso não aconte- cerá sem se definir a pertinência das expectativas culturais e religiosas, nem sem voltar-se ao espírito de uma prática religiosa e medir-lhe o impacto so- bre a sociedade. O autor escolheu o terreno da diversidade para confrontar a história dos sistemas do pensamento religioso em face das expectativas con- temporâneas. A sociedade futura dependerá de como se gerir a diversidade religiosa. O autor pretende, a partir da diversidade religiosa, contribuir para um viver humano junto e não lado a lado, ao preservar o duplo valor da plu- ralidade e da igualdade. BANON, Patrick: La révolution théoculturelle La révolution théoculturelle La révolution théoculturelle La révolution théoculturelle La révolution théoculturelle. Comprendre et gé- rer la diversité religieuse dans notre société. Paris: Presses de la Re- naissance, 2008. 384 p. * Doutor em Teologia (Gregoria-Roma) e professor da Faje (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia), e-mail: [email protected]

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Page 1: BANON, Patrick: La révolution théoculturelle. La révolution ... · Em nome da diversidade cultural e religiosa não podemos manter aspectos arcaicos religiosos. O multiculturalismo

Horizonte, Belo Horizonte, v. 6, n. 12, p.207-229, jun. 2008 207

Resenhas

João Batista Libanio*

O autor se apresenta como escritor ensaísta, pesquisador em ciências dasreligiões e sistemas de pensamento, e especializado nos monoteísmos. Asses-sora empresas internacionais em gestão da diversidade cultural e religiosa efundou o Instituto das Ciências da Diversidade. Une três campos de interes-ses: empresa, conselho político e pesquisa no campo das relações intercultu-rais e religiosas. Possui enorme experiência mundial de contatos culturais:Europa, Estados Unidos da América, Brasil, Israel, Marrocos etc.

As culturas religiosas carecem de tratamento próprio. Não se compor-tam como as outras culturas. As religiões, quais organismos vivos, adaptam-se às mutações contemporâneas, sem perder seu rumo. A diversidade religiosa,que enriquece a sociedade, precisa ser gerida, harmonizada, para que se pre-servem os valores fundamentais da igualdade entre homem e mulher, a pro-moção da miscigenação, o reconhecimento do outro, a rejeição da exclusão, arelação pacífica com a vida e a morte, a busca da paz, a esperança de umasociedade coerente e a garantia de proteção dos mais fracos. Isso não aconte-cerá sem se definir a pertinência das expectativas culturais e religiosas, nemsem voltar-se ao espírito de uma prática religiosa e medir-lhe o impacto so-bre a sociedade. O autor escolheu o terreno da diversidade para confrontar ahistória dos sistemas do pensamento religioso em face das expectativas con-temporâneas. A sociedade futura dependerá de como se gerir a diversidadereligiosa. O autor pretende, a partir da diversidade religiosa, contribuir paraum viver humano junto e não lado a lado, ao preservar o duplo valor da plu-ralidade e da igualdade.

BANON, Patrick: La révolution théoculturelleLa révolution théoculturelleLa révolution théoculturelleLa révolution théoculturelleLa révolution théoculturelle. Comprendre et gé-rer la diversité religieuse dans notre société. Paris: Presses de la Re-naissance, 2008. 384 p.

* Doutor em Teologia (Gregoria-Roma) e professor da Faje (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia), e-mail:[email protected]

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Numa terra sem fronteira, convivem mais de 4.000 formas de crenças edezenas de milhares de divindades numa trajetória perto de 40 mil anos. E,sob o aspecto civil, 38.500 firmas transnacionais e 250.000 filiais constroem oterreno econômico. Mais de 20 milhões de trabalhadores qualificados migra-ram nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Eco-nômico. Em nível mundial, 191 milhões mudaram de país em um ano. Culturase religiões mundializam-se ao mesmo tempo que o trabalho. As vias da infor-mação nos apresentam à porta ofertas espirituais dos quatro cantos do mun-do. É a mundialização do fenômeno religioso e uma convergência daspreocupações com a condição humana. Em vez de religião, o termo melhorseria “teocultura”. Vive-se num mundo em que geografia, economia e reli-gião desenham e redesenham o rosto da humanidade em interação com ascondições cambiantes da sociedade. A mundialização possui força religiosaao provocar mudanças na ordem existencial social. Estamos às vésperas de

uma era pacífica ou de um confronto mundial.

Nesse mapa globalizado, a religião não se comporta como uma cultura

entre outras, mas como a essência de nossas culturas. Esperava-se o fim do

sobrenatural e veio a irresistível individualização do religioso. A história não

acabou com a dinâmica das religiões nem com a necessidade religiosa. Com a

mundialização, o sagrado tornou-se um atravessador de fronteiras, ao pôr em

contato direto as sociedades tradicionais com uma espécie de superorganiza-

ção sociocultural. O mundo mais uma vez se ressacraliza. Haja vista os exem-

plos da Rússia e da China. A União Europeia discute sobre seu patrimônio

cristão, judeu e muçulmano. As religiões em contato umas com as outras seiluminam mutuamente.

A efervescência religiosa não se explica pela fragmentação das religiõesnem pela nostalgia do sagrado. A revolução teocultural resulta da livre circu-lação dos indivíduos, da abolição das fronteiras, da mundialização das cultu-ras, da globalização da oferta espiritual e da confrontação das culturas e dasexperiências históricas. Entramos em novo ciclo religioso. Predomina nele aadaptação das religiões, que migram ou circulam, ao novo contexto geocul-tural onde aterrissam. E o importante em relação à religião é gerenciar as suasações para ver em que medida elas impactam sobre a coesão da sociedade.

O autor não aceita a tese da “saída da religião”, segundo a expressão deGauchet. “O fim das religiões não é para amanhã”. Interpreta a secularizaçãocomo “um sistema de sincronização entre o tempo terrestre e o tempo divino”,

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e não como emancipação em face do religioso nem como oposição às religi-

ões. “Os sistemas de pensamento religioso exprimem as relações da pessoa

com o outro, oferecem um sentido à vida e à morte, permitindo uma solida-

riedade entre os seres inelutavelmente submetidos a um destino comum”. Ao

caírem as fronteiras religiosas, a teocultura toma força. A religião não desapa-

rece, adapta-se às mudanças do mundo. Na base de dados estatísticos, o autor

traça um quadro religioso da atualidade. Repesco, à guisa de exemplo, o caso

dos pentecostais, que hoje somam uns 72 milhões e se anuncia para o ano

2025 a cifra de 800 milhões. O problema para o autor se centra em gerir essa

gigantesca diversidade religiosa a bem da convivência humana como uma

responsabilidade sem fronteiras. Haja vista o exemplo do Canadá. O Estado

de Ontário negou a autorização para tribunais islâmicos de arbitragem religi-

osa e a instauração da charia para regular litígios familiares. A teocultura não

deve ser pensada em função de interesse de uma facção religiosa, mas de ma-

neira global, medindo o impacto que certas práticas de determinada religião

causam no conjunto da sociedade.

Estamos a viver o fim de um ciclo religioso e o nascimento de um novo

mundo. A mundialização decreta a morte do ciclo magicoagrícola de dez mil

anos. Reina a diversidade religiosa a ser harmonizada. A teocultura agrupa ex-

pectativas religiosas as mais diferentes, às vezes contraditórias ou identitárias,

sempre respondendo às individualidades, enquanto as religiões se diversificam.

O problema, portanto, é a diversidade, que pode transformar a sociedade num

paraíso ou num inferno. A revolução teocultural torna obsoleto o sistema dua-

lista, antagônico, nascido com a pré-história. Entra-se auspiciosamente em tem-

pos da diversidade, da tolerância, desde que não sejam acobertadores da

desigualdade injusta e da autorização a qualquer transgressão.

O direito de liberdade de consciência do indivíduo no campo religioso

não pode ser absoluto numa sociedade, mas cessa quando se encontra com o

direito de outro. Esse é o princípio da laicidade francesa. Há casos em que

certas práticas religiosas entram em choque com a convivência humana em

determinada sociedade. Esta lhes põe limites. Existe discussão sobre o uso de

drogas em ritos religiosos: até onde o Estado pode penalizá-lo e até onde os

praticantes desses ritos têm o direito de usá-las? O autor debate uma série de

casos de ritos ou costumes religiosos e culturais e sua compatibilidade com avida social de determinada sociedade, sua legislação, o direito dos outros cida-dãos que não têm a mesma prática religiosa. Existe uma tolerância religiosa,

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levada ao extremo, que se volta contra a sociedade, ao sobrepor a diferençaindividual aos valores coletivos.

O livro faz amplo passeio cultural por inúmeros casos em que ritos oupráticas culturais de determinados sujeitos religiosos se chocam com a vidade determinada sociedade. Além do uso de alucinógenos, entram em ques-tão: poligamia, práticas judaicas do repouso sabático extremo, rejeição dacarteira de identidade numérica, negação da matrícula escolar por razão reli-giosa, segregação de frequência a certos lugares públicos, discriminação porviolação da pureza, casamento anulado por causa da não virgindade, sacrali-dade do hímen, agressão física à mulher, prescrições alimentares, obrigaçãode uma empresa providenciar espaços para a prática religiosa de funcionári-os, demissão do emprego por causa de divórcio, de recasamento, de incom-patibilidade religiosa, da opção homossexual, de não querer trabalhar nalgumaseção de trabalho, como açougueiro judeu que não quer vender carne de por-co, uso do véu e de sinais religiosos em escolas públicas, aposição de sinaisreligiosos em lugares públicos, discriminação contra o uso da barba por ra-zões religiosas em trabalho onde a higiene não permite, o tipo de roupa a serusado, limite sagrado ao tempo de trabalho conforme a religião, enfim, umainfinidade de casos em que a dimensão religiosa e cultural étnica se bate con-tra a mundialização que leva as pessoas a viverem fora dos espaços em queuma religião ou uma cultura hegemônica impunha as regras sociais.

O livro oferece enorme riqueza de informação sobre todas essas ques-

tões e suas implicações sociais. É uma reflexão que não tem fim. A cada mo-

mento surgem novos choques. No fundo está uma discussão sobre a tolerância

e a liberdade. Não se pode negligenciar a verdade em nome da opinião. Não

é possível satisfazer equitativamente às milhares de tradições prescritas por

milhares de religiões e veiculadas por milhões de indivíduos. Não podemosrenunciar a todo um lado da sociedade democrática e laica para respeitar odireito fundamental de consciência e de culto, reivindicado por essa mesmasociedade. Em nome da diversidade cultural e religiosa não podemos manteraspectos arcaicos religiosos. O multiculturalismo pode trazer-nos a morte denossa sociedade democrática e com ela morre também a diversidade, pois é aúnica sociedade capaz de permitir a pluralidade religiosa e garantir a liberda-de de consciência e de culto.

O autor conclui que a coexistência equitativa num mesmo espaço geo-gráfico e temporal de uma diversidade de culturas, de tradições e de religiões

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é uma verdadeira revolução, enriquecedora, humanista e única na históriahumana. Impedir que essa diversidade se perpetue é um crime contra a hu-manidade. Doutro lado, para preservar essa diversidade, a sociedade precisapermanecer indivisível, igualitária e fraterna, como um campo de jogo dasculturas, onde estas, no seu embate, existem e coexistem.

Nem a paz do cemitério em que uma única cultura domine e destruatodas as outras, nem o conflito sem regra, devorador. Os confrontos, as inte-rações e as contradições provocam vida. As religiões possuem enorme forçainterior vital de assumir sempre novas formas conforme as batalhas que tra-vam. A sociedade, por sua vez, não deve acomodar-se sem discernimento àsexpectativas particulares. Arrisca de impedir as culturas religiosas de contri-buir plenamente ao esforço coletivo de organizar na história humana a coe-xistência harmoniosa de uma diversidade reconhecida. A sociedade deveenriquecer-se das diversidades e reforçar-se com elas, sem renunciar a seusvalores fundamentais. Isso implica a busca de harmonização recíproca dasexpectativas culturais, o respeito do princípio de igualdade entre os indivídu-os e de equidade nas respostas dadas às demandas religiosas.

Numa palavra, trata-se de harmonizar sem discriminar. Já Spinoza es-crevia em 1670: “O culto exterior da religião e todo exercício de piedade de-vem estar de acordo com a tranquilidade e conservação do Estado para serrealmente conforme à vontade de Deus”. Harmonizar a diversidade cultural ereligiosa num mundo aberto impõe melhor conhecimento das expectativas euma definição clara dos critérios de apreciação das demandas. Nossa respon-sabilidade é de harmonizar as culturas para permitir aos indivíduos partici-par plenamente, na sua pluralidade pessoal, do projeto coletivo de perpetuaçãode uma sociedade. Missão quase religiosa, assim termina o livro.

O livro afirma a tese da harmonia sem acomodação, do respeito às cul-turas e religiões sem tergiversação, da diversidade sem capitulação aos capri-chos individuais, da manutenção dos princípios fundamentais da democraciasem secularização religiosa. Ele mostra a rapidez de como se aceitou a mortedo religioso por desconhecimento histórico do dinamismo das religiões aolongo dos milênios da cultura humana. O autor mostra enorme conhecimen-to das religiões até as minúcias. Conjuga alto nível de informação históricacom excelente percepção da problemática atual de diferentes espaços cultu-rais e religiosos.

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João Batista Libanio*

O livro encerra série de pequenos trabalhos de autores diversos. Reúnealgumas contribuições do VII Simpósio da Associação Brasileira de Históriadas Religiões, do I Simpósio de Ciências da Religião e do XIX Ciclo de Palestrase Debates do Núcleo de Estudos em Teologia realizados na PUC Minas. O títu-lo do livro não corresponde perfeitamente à diversidade das colaborações, quetêm perspectivas independentes da relação entre sagrado e urbano. Difícil per-ceber um eixo que as une a não ser a extrinsecidade da origem de serem apre-sentações em simpósios que tratam da temática geral das ciências da religião.

A apresentação do livro de Flávio Senra vai além de mera introdução dolivro. Faz rápido e pertinente mergulho em Max Weber, ao aprofundar o queo autor alemão chamou de “desencantamento do mundo” por obra do pro-cesso de intelectualização com o afastamento dos grupos humanos em rela-ção à magia para dominar a natureza ou para obter favores do mundo espiritual.Persegue a tensão entre religião e mundo em Weber, ao passar pelas esferaseconômica, política, ética religiosa, erótica, intelectual. Conclui que o proces-so de racionalização se desenvolve pelo pensamento teórico que desencanta omundo, mas também pela própria tentativa da ética religiosa de salvação deracionalizar prática e eticamente o mundo.

Silas Guerreiro tipifica o campo religioso brasileiro em quatro grupos,ao estudar os novos movimentos religiosos. Um grupo, cujos casos específi-cos são a Renovação Carismática Católica e os neopentecostais, acontece nointerior das grandes religiões constituídas. Outros se situam externamente aelas com forte caráter salvacionista em face do mal. Rompem com a cultura

BAPTISTA, Paulo Agostinho Nogueira; PASSOS, Mauro; SILVA, We-llington Teodoro da (Org.). O sagrado e o urbanoO sagrado e o urbanoO sagrado e o urbanoO sagrado e o urbanoO sagrado e o urbano. Diversidades,manifestações e análise. São Paulo: Paulinas, 2008 (Coleção estudosda ABHR). 159 p.

* Doutor em Teologia (Gregoria-Roma) e professor da Faje (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia), e-mail:[email protected]

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abrangente e com a ortodoxia religiosa em busca de resgatar tradição religio-sa perdida. Cita os casos de Iskcon (The International Society for Krishna Cons-ciousness), Instituto Osho Brasil (Rajneesh), Santo Daime etc. Um terceirogrupo dentre essas religiões se associa às novas religiões orientais, iniciadasno seio das comunidades étnicas, especialmente na colônia japonesa, am-pliando-se com novos adeptos, tais como Soka Gakkai, Perfect Liberty, Sei-cho-No-Ie. Enfim um quarto grupo, amplo e diverso, pode ser identificadocom a Nova Era.

Mauro Passos apresenta interessante estudo sobre a questão do sagradoe religioso na Primeira República, quando aconteceu a separação civil entreIgreja Católica e Estado. Criou-se o Estado laico brasileiro. Estuda documen-tos da Igreja oficial, que relutava em aceitar tal fato como legítimo, já que aIgreja Católica reivindicava o direito (divino) de formar a consciência cristãdos povos, especialmente pela educação. Lendo os textos citados do magisté-rio com os olhos de hoje, percebe-se a profunda mudança de mentalidade nasociedade moderna em face do ensino religioso. Tema que volta hoje soboutros aspectos.

Marcelo Camurça chama a atenção, ao basear-se em vários cientistaspolíticos, para a importância da liturgia do poder como forma relevante delegitimação. Cita especialmente os casos do nazismo em tempos de Hitler e odo comunismo soviético.

Leonildo Campos estuda a influência dos meios de comunicação naexpansão dos evangélicos no Brasil, que passaram da evangelização oral para aescrita e terminaram na televisiva. Mostra como as Igrejas evangélicas usaramdiferentemente tais recursos. Não faltam alusões também à Igreja Católicasobre o mesmo problema do uso dos meios de comunicação social.

Leila de Albuquerque vai buscar as raízes dos novos movimentos religi-osos lá nos inícios da contracultura com a estética da espontaneidade da déca-da de 1940. Esta caminhou depois para o movimento dos beats e hippies atéchegar à nova sensibilidade religiosa. No Brasil, tal itinerário é pouco estudado.

Karina Bellotti debruça-se também sobre a temática da mídia evangéli-ca, perguntando-se como estudá-la e por quê. Recorre ao instrumental teóri-co oferecido pela história cultural de origem francesa. Define mídia comoprodução, difusão e recepção de mensagens por diversos formatos eletrôni-cos, impressos e digitais. Portanto, para além dos meios e mensagens dosprodutos de mídia, considera as relações entre emissores e receptores, tendo

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em vista as mediações que interferem na produção, na circulação e na apro-priação. As categorias analíticas usadas formam a linguagem, a identidade e arepresentação. No cotidiano aparece o espaço-tempo fundamental para en-

tender a apropriação de sentidos e a reafirmação de identidades que as religi-

ões fazem, sobretudo em face de outras. A mídia com seus produtos legitima

um discurso, uma posição ideológica e moral, além de instruir os fiéis e fazer

propaganda entre não-fiéis. Só pesquisando a mídia entendemos as razões de

existência das mensagens evangélicas.

Sérgio Ferretti discorre sobre as religiões afro-brasileiras e pentecosta-

lismo no fenômeno urbano. Tem realizado pesquisas no campo das culturas

populares e das religiões afro-brasileiras no Maranhão e estuda o campo pen-

tecostal por interesse recente. Alude ao fato de que 60% ou mais de seus alu-

nos na área sócio-humanística, nos últimos tempos, pertencem, de conversão

recente, ao neoprotestantismo. Debate no artigo ideias que vigem na relação

entre religião e raça, discutindo características das religiões afro-brasileiras e

do pentecostalismo no ambiente urbano. Está aí um dos desafios contempo-

râneos de análise do sagrado. Aumenta o número dos participantes das religi-

ões pentecostais e diminui o das religiões afro-brasileiras. O autor analisa a

diversidade das expressões das religiões afro que se organizaram no Brasil a

partir de meados do século XIX, sobretudo no mundo urbano. Descreve-lhes

as características principais com concisão, clareza e pertinência. De maneira

breve, faz o mesmo quanto ao pentecostalismo. Constata a relação paradoxal

das religiões afro com o pentecostalismo de proximidade e de rejeição. Con-

clui o estudo com a afirmação de que o pentecostalismo se adaptou bem aos

tempos atuais, aos fenômenos de marketing e ao idioma da indústria cultural.

Carlos R. J. Cury aborda o tema da laicidade e religião. Parte da conhe-

cida constatação de que as sociedades ocidentais, a partir da modernidade,

transferiram a religião do espaço do poder terreno para a figura do indivíduo.No exercício do poder distingue laicidade de secularização. A laicidade doEstado significa sua neutralidade em face das religiões, ao permitir-lhes legal-mente a expressão livre, a liberdade religiosa, o caráter público dos cemitéri-os, o casamento civil, a possibilidade de divórcio, os registros civis denascimento e morte etc. A secularização, por sua vez, se define como processosocial do humanismo moderno, que privilegia a vontade humana na buscade soluções terrenas para os problemas terrenos, distanciando-se da visão edas normas religiosas.

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Fechando o livro, Ana M. Casasanta Peixoto estuda a luta dos católicospela escola na década de 1930. Tema que também Mauro Passos tratou noutraperspectiva e contexto mais amplo. A autora delineia a batalha entre o emer-gir do projeto educativo da escola pública em choque com o monopólio doensino por parte da educação confessional no contexto do exercício de poderdo Estado. Os princípios da Escola Nova se consignaram no “Manifesto dospioneiros da educação nova” de 1932, que respondia ao desafio levantado porGetúlio Vargas de o Brasil definir um projeto educacional nacional. A autorapersegue a reação de tal projeto nos rincões mineiros de aparente apatia dian-te da polêmica em torno da Escola Nova. De fato, havia clara afirmação daeducação pública, leiga, mista, popular, obrigatória e gratuita, que soava parao clero mineiro como séria ameaça à sua imagem de educador e ao espaçoconquistado penosamente. Ana Peixoto persegue a tensão entre o manifesto,que expressava o ideário do Estado, e as reações opostas a ele na imprensamineira, que traduzia o pensar católico e que buscava os caminhos de harmo-nia entre ambos, bem ao estilo mineiro. O governo mineiro antecipa-se aofederal na política de colaboração com a Igreja Católica, especialmente nocampo da educação.

O conjunto de trabalhos, embora díspares quanto à temática e ao tipode abordagem, oferece reflexões esclarecedoras no jogo da religião com o Es-tado, com a cultura moderna e pós-moderna. Assinala a pluralidade do atualcampo religioso e a enorme complexidade da problemática numa sociedadeque se declarara secular na convicção de ter sepultado definitivamente a reli-gião. Aí está ela com novas funções sociais. Cabe às ciências da religião estu-dar-lhes as figuras que emergem.

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João Batista Libanio*

Este livro faz parte de uma coleção de textos e pesquisas de Ciências Re-ligiosas em que figuram obras de excelente valor. No prefácio, Gustavo Guti-érrez relembra a importância de Medellín como recepção fiel e criativa doConcílio Vaticano II. 1968 foi ano marcante para a Igreja e a sociedade. Mes-mo ao vivermos agora contexto bem diferente daqueles idos, Medellín é-nosmemória no sentido de Santo Agostinho: “o presente do passado”, ponto departida de um caminho. Gutiérrez acena para dois dados. Tanto o Concíliocomo a realidade latino-americana levaram muitos cristãos a buscarem no-vos caminhos na promoção da justiça, no testemunho do evangelho e na re-flexão teológica. E também se afirmou com força em Medellín oreconhecimento da pobreza, não só como problema social, mas mais global-mente como um dos maiores desafios para o anúncio do evangelho. Gutiér-rez considera a pesquisa de Scatena excelente e pontual, seguindo passo a passoas origens de Medellín e sua preparação, compulsando fontes diversas, reco-lhendo numerosos testemunhos. Mesmos os atores dos eventos de então apren-dem muito de tal investigação, conclui Gutierrez sua introdução. Torna-seobra imprescindível para avaliar o significado de Medellín. Com tal introdu-ção de tão abalizado teólogo, que esteve no coração do evento de Medellín, oleitor se sinta estimulado a recorrer ao texto para ampliar seu conhecimentosobre momento fundamental da vida eclesial da América Latina. Semelhanterecomendação veio da parte de Mons. Samuel Ruiz, bispo emérito de Chia-pas e renomado prócer da libertação. Assim o texto se vê bem respaldado porconhecedores e protagonistas do processo.

SCATENA, Silvia. InInInInIn populo pauperumpopulo pauperumpopulo pauperumpopulo pauperumpopulo pauperum. La Chiesa Latinoamerica-na dal Concilio a Medellín (1962-1968). Bologna. Il Mulino, 2007.Nuova serie; 40. 545p.

* Doutor em Teologia (Gregoria-Roma), professor da Faje (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia), e-mail:[email protected]

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Na introdução, Scatena traça excelente, breve e contundente quadro da

situação política e eclesial da América Latina, ao mostrar a relação entre am-

bas, seja nas sintonias como nas oposições, mas, em todo caso, profunda-

mente entrelaçadas. Quando acontece Medellín, a América Latina fervia com

golpes e ações revolucionárias. Desde a Revolução Cubana em 1959, a movi-

mentação revolucionária e contrarrevolucionária se chocavam. E no coração

de tal tensão, a Igreja, animada pelas aberturas do Concílio Vaticano com as

subsequentes tensões, expunha-se a fortes movimentos internos de politiza-

ção e de reações opostas. A autora salienta a presença de clero estrangeiro de

abertura social e de latino-americanos formados em centros europeus social-

mente avançados. Explode o fenômeno da latino-americanização da consci-

ência política e eclesial, com a fundação de uma série de instituições de cunho

continental, desde a criação do Colégio Pio Latino (1858), a convocação do I

Concílio Plenário Latino-americano (1899), passando pela constituição do

Celam até a instituição de órgãos e secretariados de universidades católicas,

sindicatos cristãos. Nessa efervescência latino-americana acontece Medellín.

Tem-se escrito muito sobre o significado teológico, simbólico de Me-

dellín para a Igreja da América Latina. Mas, excetuando o estudo de O. Beo-

zzo sobre a atuação do episcopado brasileiro no Concílio Vaticano II, diz

Scatena que o esforço de historização desse período da vida da Igreja no con-

tinente aparece limitado e insuficiente. O livro pretende suprir tal lacuna. Cobre

o percurso da Igreja latino-americana do Concílio a Medellín. Tal percurso

encontra no Celam o fulcro institucional da recepção do Vaticano II vigoro-

samente encarnada na prática pastoral das igrejas do continente. O processo

se inicia bem antes do final do Concílio, graças ao empenho antecipado de

um grupo de bispos para propiciar a atualização das orientações conciliares

na realidade concreta latino-americana. Esse é o tema central dessa publica-

ção. Procurou-se reconstruir e documentar o itinerário desse grupo, na con-

vicção de que a forma peculiar de colegialidade que se exprime em Medelín

não se compreende sem a experiência dessa “esquadra de bispos” criada por

Mons. LARRAÍN, presidente do Celam de novembro de 1963 até sua morte

precoce em 1966 num acidente. Esse grupo foi logo ampliado por uma cola-

boração sistemática de religiosos, sacerdotes, teólogos e leigos. Tornou-se en-

tão foco da assimilação seletiva e criativa da atualização conciliar em relação

com outros sujeitos individuais e coletivos. O foco da pesquisa se põe sobre a

atuação do Celam, especialmente por tal órgão representar um observatório

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privilegiado e um elemento fundamental catalisador do processo eclesial maisamplo de que Medellín representa um produto e uma clara expressão.

Atende-se também aos microprocessos dos diversos sujeitos que semovem em escala continental, as reuniões informais de Roma organizadaspor D. Hélder. Sob a gestão de Mons. LARRAÍN, deu-se verdadeira refunda-ção do Celam, com sistemático recurso às análises da sociologia religiosa, quequestionaram a pastoral até então praticada e estimularam o começo de umareflexão teológica autóctone.

O livro se ateve a alguns momentos pouco conhecidos da preparaçãolonga e árdua de Medellín: os encontros episcopais promovidos entre 1966 e1968 por alguns departamentos do Celam. Deles resultaram a participação econfirmação de novas práticas pastorais, o amadurecimento de alguns con-teúdos importantes de Medellín, a criação de uma rede de relações entre as-sessores e bispos, que não passavam de uma minoria no interno dasconferências. Captam-se assim as inquietações de setores da Igreja, o esgota-mento da temática do desenvolvimento e a irrupção estudantil de 68, o surgirda discussão sobre a violência revolucionária, a presença de setores significa-tivos do catolicismo continental, que começa a falar de libertação.

Não se pode esquecer que todo esse processo preparativo e a própriaconferência foram percebidos sob o ângulo da experiência espiritual do Espíri-to. E as celebrações litúrgicas da assembleia ajudaram a manter vivo tal clima.

Sob essa ocular principal, Scatena desenvolve cuidadoso e exaustivoprocesso de pesquisa para documentar essa trajetória da Igreja Latino-ameri-cana sob a batuta do Celam. No primeiro capítulo, traça a reestruturação doCelam por departamentos sob a égide de Mons. LARRAÍN. E descreve a ati-vidade desses departamentos, dos cursos e institutos que organizaram. Valo-riza sobretudo a criação do Instituto Superior de Pastoral Latino-americana.Em todo esse período, avulta a maravilhosa figura de Mons. LARRAÍN e deD. Hélder. Eles conseguiram implantar no Celam a dinâmica do próprio Con-cílio. Criaram ambiente de liberdade, de discussão, de análise da realidadecom a excelente relação entre bispos e assessores. E naqueles idos havia dosdois lados figuras de primeira plana.

O segundo capítulo continua trabalhando a dinâmica do Celam em ati-tude de revisão permanente. Buscou viver no seu interior o estilo do VaticanoII. D. Hélder resumira-o no fato de ter “habituado os bispos a assumiremposições não em termos de direito e autoridade, mas de responsabilidade e

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serviço”. Aprendeu-se no Concílio a atitude colegial que marcará o Celam. Ea CNBB tornou-se o eixo essencial da recepção conciliar com suas experiênci-as e planos pastorais. Assim também em outras conferências episcopais surgi-

ram iniciativas pastorais relevantes no espírito do Concílio. Havia, porém, focos

de resistência. O impulso renovador afetou organismos eclesiais continentais

não sem ligação com o Celam. No Chile, onde o episcopado se mostrou especi-

almente empenhado na recepção conciliar, a convocação de sínodos foi um

sinal. Relevante foi a figura do Card. Silva Henríquez, que reunia qualidade de

homem prático, de autoridade, acessível e comprometido no campo social.

Com o desaparecimento precoce de Mons. Larraín, o Celam herdou-

lhe a agenda de repensar a relação entre os diversos níveis da colegialidade

episcopal – Celam e conferências nacionais – e buscar novo equilíbrio entre a

autonomia dos departamentos e as exigências de planejamento de uma pasto-

ral de conjunto continental. O novo secretário geral, Mons. McGrath, desem-

penha então papel importante para a concretização de tais objetivos. No campo

antes teórico, o Celam se propõe pensar uma teologia condizente com a sua

linha, ao valorizar a eclesiologia e elementos de análise da situação social do

continente. Mais tarde, no famoso encontro em Mar del Plata, outubro de

1966, já se buscou uma superação da ideologia do desenvolvimento, embora

sem consegui-lo plenamente. Essa reunião foi o precedente imediato de Me-

dellín. Daí sua importância. A autora descreve com pormenores as vicissitu-

des da preparação e da condução de tal encontro. Acena para a importância

tanto da mensagem de Paulo VI incentivando os bispos a assumirem partici-

pação ativa no processo de transformação em curso e nas “sugestões frater-

nas” de D. Hélder, ao criticar a ideologia do desenvolvimento no sentido de

esconder uma relação de dependência respeito aos países capitalistas. O livrotraz elementos interessantes sobre a repercussão da presença de D. Hélder emmomento de alta tensão política na Argentina e de vigilância romana. Suasideias marcaram notavelmente o debate em Mar del Plata, comenta a autora.Estamos nos primórdios da teoria da dependência que Fernando Cardoso eEnzo Faletto formularão em publicação do ano seguinte.

Consagrando de certa maneira elementos da Conclusão de Mar del Pla-ta, Paulo VI publica a Encíclica Populorum progressio, que adquiriu amplarepercussão no III Mundo. D. Hélder a chamou de “a mais corajosa encíclicapublicada até os nossos dias”. A autora continua seu detalhado estudo, aoabordar o Encontro de Buga, em que o tema da educação libertadora esteve

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em pauta. Menciona a contribuição significativa de Luiz Alberto Gómez de Sou-za sobre os principais problemas da educação no continente. Elementos dessa

exposição foram largamente assumidos pelo documento final do encontro.

A temática missionária ocupou o final do capítulo. Em Mar del Plata

criou-se o departamento para as missões, que se transformou, em breve tem-

po, em um lugar fecundo de encontro entre o magistério conciliar em assun-

to missionário e a reflexão teológico-pastoral contemporânea, permitindo

uma elaboração teológica original latino-americana sob a presidência do bis-

po colombiano Valencia Cano. Este fez belo processo de conversão social por

força do contato com regiões pobres do país. Termina abordando as dificul-

dades do Ipla e as atividades do Cidoc de Cuernavaca. Pesavam críticas e res-

trições sobre este por causa da pessoa carismática, crítica e original de Ivan

Illich. A aproximação do Ipla com Cuernavaca suscitou reservas no episcopa-

do latino-americano.

O capítulo terceiro trata da preparação imediata de Medellín no ano

1968. Chamou-o “a hora da sinceridade”. Esperava-se com ansiedade a con-

vocação de Paulo VI. Havia dois anos que Mons. Larraín tinha feito o pedido

e depois vieram repetidas solicitações. Já se faziam implícita preparação e

tratativas meândricas com Roma sobre a estrutura da conferência. E chega,

numa reunião já de preparação para Medellín, a 21 de janeiro de 2008, o tele-

grama de Mons. Samoré anunciando o envio da carta de convocação oficial

da conferência por parte do secretário de Estado. Nessa reunião já se debate-

ram temas como a promoção humana (Poblete), a vida da Igreja como insti-

tuição na América Latina (Caramuru) e as tarefas evangelizadoras da Igreja na

América Latina (Gutiérrez). No final, confeccionou-se o documento-base

como instrumento para iniciar confronto alargado sobre o sentido e as mo-

dalidades de presença da Igreja no continente já à base do método ver, julgar

e agir. A convocação oficial deu início à fase de consulta aos episcopados. E

também as congregações romanas examinaram o documento-base e fizeram

observações. A organização preocupou-se também com o espírito da confe-

rência para que se adequasse ao da Igreja do momento, vinculada intima-

mente à preocupação com todas as classes sociais em estilo de simplicidade e

eficácia. A sobriedade devia manifestar-se nas celebrações litúrgicas em sinto-

nia com a metodologia de trabalho. Pensou-se a conferência em três momen-tos: mentalização movida por cinco relações introdutórias, trabalho dascomissões pastorais e assembleias gerais de revisão e aprovação dos textos. O

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Celam submeteu-se a cerradas tratativas para a nomeação dos relatores, asses-sores e observadores. Seguiram-se meses de encontros: de Melgar por umaIgreja missionária e pascal, jornada de estudos sobre o diaconato permanente,reunião de Salvador na Bahia sobre o subdesenvolvimento como fato socialglobal e a exigência de uma teologia comprometida.

Nesses idos vivia-se pesada contingência histórica. Constatava-se a fa-lência dos reformismos e da doutrina da segurança nacional. A Igreja latino-

americana encontrava-se entre a violência institucionalizada e a violência

revolucionária.

Paulo VI anuncia sua vinda ao Congresso Eucarístico Internacional de

Bogotá. Por trás do Congresso Eucarístico e da viagem papal se escondiam

divergências e contrastes em quente contexto político e no meio da contesta-

ção juvenil generalizada. Acontece a publicação não autorizada do documen-

to de trabalho pelo Jornal El TiempoEl TiempoEl TiempoEl TiempoEl Tiempo de Colômbia. Este fora pensado como

um texto reservado para uso exclusivo dos membros da conferência. Uma

vez publicado, foi recomendado ao estudo de grupos, organismos, leigos. O

debate sobre o documento de trabalho cruzou com o sobre a viagem de Paulo

VI no contexto do Congresso Eucarístico. O Papa era consciente da possívelinstrumentalização da viagem por parte da manutenção do status quo. Deusinais de não aceitá-la, ao programar encontro com os camponeses, visita à

paróquia pobre de Bogotá e ao pedir simplicidade no ato de abertura da con-

ferência. Antes de viajar, porém, fez alocução onde se mostrava compreensi-

vo com a tentação da violência, mas se distanciava de tal solução. A autora

termina o capítulo com uma referência à semana internacional de catequese

de Medellín numa perspectiva de catequese situada e evangelizadora.

Em capítulo menor, concentra a atenção sobre o evento de Medellín.Cognomina-o “o pequeno concílio”. Esse já é um tema mais trabalhoso. Co-menta as palavras do Papa, que o bispo de Riobamba resumiu: “mudança,mas sem violência”. Depois da inauguração em Bogotá, os bispos se dirigema Medellín. Os participantes somavam 250 pessoas. Analisa as falas iniciais,descreve a ambientação. Depois de certa desorientação no começo, a atmos-fera do seminário de Medellín se tornou simples e fraterna.

Para criar clima de reflexão e discussão, contribuíram as conferências dosrelatores e em seguida os sete seminários de estudo, presididos pelos própriosexpositores. Para não alongar ainda mais a recensão, indico os pontos aborda-dos no resto desse quarto capítulo: o trabalho das comissões, as questões mais

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debatidas, as áreas de resistência, a opção por um documento composto doconjunto dos 16 textos integrais como sairão dos grupos de trabalho, a vota-ção dos textos, a consagração do método ver-julgar-agir, a articulação salva-ção e libertação, evangelização conscientizadora e descentralização dasestruturas paroquiais, a opção pelos pobres. A presença ecumênica foi im-portante, mas ficou a dor da não hospitalidade eucarística.

Um pequeno e último capítulo, à guisa de conclusão, traça o retrato daIgreja latino-americana como “pobre, missionária e pascal”.

Em nível de documentação extremamente detalhada, bem elaborada einterpretada, esse livro torna-se fonte imprescindível para conhecer os basti-dores de Medellín. As afirmações genéricas e programáticas, que se fazemsobre a conferência episcopal, recebem embasamento e inteligência até entãoinsuficiente e parcial. Impressiona a capacidade de pesquisa da autora, quepenetrou meandros eclesiásticos e conseguiu acumular fantástica documen-tação, que nos faz reviver os cenários anteriores e concomitantes à Conferên-cia de Medellín. Permanece fonte de informação inesgotável a saciar-nos odesejo de conhecer melhor esse momento importante da vida da Igreja lati-no-americana.

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João Batista Libanio*

O livro quer ser uma fonte de dados para o estudo inter-religioso. Oautor, sacerdote religioso da Congregação da Santa Cruz, é professor de teo-logia na Universidade de Notre Dame, EUA. Nesse livro, responde às pergun-tas: o que os católicos e seguidores de Jesus deveriam pensar sobre as grandesreligiões do mundo? Deus atua nessas religiões? Numa palavra: as religiõesnão cristãs são verdadeiras religiões e conduzem seus seguidores à salvação?Que significa para os cristãos viverem com pessoas de outras religiões? E fi-nalmente, qual a relação entre o Cristianismo e essas religiões?

Tema fortemente discutido no meio católico antes e depois da interven-ção da Congregação para a Doutrina da fé com o documento Dominus Jesus.O autor lança um olhar sobre as fontes da revelação e da fé cristã – escritura,tradição e ensinamento da Igreja – para captar o que aí se ensina sobre osignificado e o valor das religiões mundiais não cristãs à luz da atual contro-vérsia e debate teológico sobre o pluralismo e diálogo inter-religioso. Desen-volve um estudo histórico e fenomenológico das principais religiões mundiaiscomo base para abordagem estritamente teológica sob diferentes aspectos:

1. localiza as origens das religiões num amplo horizonte da históriamundial e procura descobrir se elas tiveram desenvolvimento histó-rico significante;

2. descreve o que aparece como características essenciais dessas religiõese as experiências fundamentais de seus fundadores;

3. inquire se as religiões mundiais partilham de certos atributos e de umaestrutura espiritual comum;

GORSKI, Eugene F. Theology of religionsTheology of religionsTheology of religionsTheology of religionsTheology of religions. A sourcebook for inter-religious study. New York/Mahwah: NJ/Paulist Press, 2008. 324 p.

* Doutor em Teologia (Gregoria-Roma), professor da Faje (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia), e-mail:[email protected]

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4. especifica o que aparece ser a relação do Cristianismo com as outrasreligiões;

5. levanta questões que pertencem à verdade última das religiões mun-diais, a qual vai além da história e fenomenologia, para encontrarsomente resposta no interior das fontes transcendentes da fé cristã.

O pressuposto metodológico fundamental do autor distingue-se daquelesque julgam somente a salvação dos não cristãos ter relevância teológica paraos cristãos na questão da multiplicidade das religiões mundiais. Em últimaanálise, não é relevante a distinção das religiões entre si. Pelo contrário, oautor afirma a convicção de que uma investigação histórica e fenomenológi-ca necessita preceder qualquer juízo teológico sobre elas. Para isso, ele segue opercurso indicado acima nos cinco pontos. Só assim se consegue desentra-nhar o significado último das religiões não cristãs.

No estudo das religiões, o autor recorre ao bem conhecido conceito deK. Jaspers de “tempo axial”. Tempo que girou em torno de 500 a.C., numprocesso espiritual que ocorreu entre os anos 800 e 200 a.C. Surgiram entãograndes movimentos religiosos em lugares distantes sem mútuo contato. Numprimeiro capítulo, trata das religiões anteriores ao tempo axial, praticadas porcomunidades que iniciam a história na era arcaica ou tradicional no períododos 2000 a.C. Estuda a Suméria, o Egito, Creta, o Vale do rio Indo, a China,Olmec da América Central, Chaves (Peru). Esses sete povos caracterizam oinício das civilizações pré-axiais. E em seguida, assinalam-se algumas caracte-rísticas comuns, tais como: o sentido do sagrado num único mundo, a expe-riência dos deuses revelando-se nas realidades naturais e humanas, a expressãodas crenças em forma de mitos e ritos sacrificiais, o código de ética das obri-gações em relação aos deuses e aos humanos, a consciência de sofrimento,ainsegurança e mortalidade, as religiões étnicas e não universais e a não sobre-vivência de nenhuma delas com o advento do tempo eixo.

A parte mais longa do livro é o desenvolvimento e a definição das carac-terísticas das religiões pós-axiais. Foram tratadas: Zoroastrismo, Hinduísmo,Budismo e Jainismo, Confucionismo, Daoismo, Shintoísmo e BudismoMahayana, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. O autor faz relativo minu-cioso estudo de cada religião de maneira clara e didática, dispondo em negri-to os pontos importantes, de modo que facilita a percepção da estruturareligiosa, com sumários e conclusões parciais.

As religiões se caracterizam por uma estrutura soteriológica e conse-quentemente incorporam um otimismo cósmico, uma afirmação da bondade

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última da existência humana e do universo. No entanto, as religiões pós-axi-ais não afirmam a gratuidade da vida da humanidade na presente situaçãoatual, mas na dimensão escatológica do otimismo cósmico: a crença no desti-no último da humanidade. Afirma-se no presente que uma existência huma-na melhor sem limite se realizará na ultimidade, dando à existência ummovimento em direção a um fim de bem ilimitado.

O autor conclui a segunda parte com a nova visão das necessidades hu-manas e da função da religião nesse momento pós-axial. Estabelece paralelosentre as religiões mundiais, ao perceber uma unidade expressiva entre elas nomomento axial. O Sagrado, o Transcendente, Deus parece ter-se tornado ati-vo na história humana, a saber, nos fundadores, nos seguidores e em formasconcretas pelas quais se faz conhecer. No histórico desenvolvimento do tem-po pré-axial para o pós-axial, constata-se que as religiões foram impactadaspelo Absoluto e responderam de formas semelhantes. Constituíram uma es-trutura espiritual comum. Tal conclusão leva a pôr diferentes perguntas parao estudo ulterior.

1. Como tornar compreensível a quase simultânea aparição de extraordi-nários e talentos sábios, no tempo axial, em áreas geograficamente iso-ladas entre si?

2. Como é que, durante o milênio antes de Cristo, regiões separadas domundo produziram criações religiosas admiráveis sobre as quais a his-tória do espírito humano desde então se apoiou, conduzindo os hu-manos a transcenderem o mundo material e a terem acesso a uma vidamelhor em união com o Sagrado ou Transcendente?

3. Tal fato foi simplesmente aleatório ou evidencia a intencionalidade deuma força espiritual, de um plano de providência divina?

4. O Sagrado, o Transcendente apareceu somente para tornar-se atuantenos membros das religiões pós-axiais ou aconteceu isso realmente? Oúnico Deus foi ativo não somente no Cristianismo, mas também nasoutras religiões mundiais?

A última parte trata de buscar respostas, ao explicitar o status teológicodas religiões não cristãs. Isso o faz ao refletir sobre as fontes da fé cristã – Escri-tura e, para os católicos, o magistério – e ao identificar os elementos que asunem e as diferenciam em relação ao Cristianismo. Para tanto, ele trabalha qua-tro pontos: a existência humana comum a todas religiões, a questão da verda-deira religião, a originalidade única do Cristianismo e o diálogo inter-religioso.

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Em relação à existência humana de que todos participam, salienta ostraços que estão na base imediata e diretamente relacionados com a existênciareligiosa, tais como: relação consigo, com os outros e com a história; angús-tia, pecado e culpa; relação com Deus; autocomunicação de Deus em Cristo; odesejo natural por Deus e o existencial sobrenatural; a universalidade da auto-comunicação de Deus em Cristo; o pecado primordial; a vontade salvíficauniversal de Deus. O autor reflete a posição rahneriana da marca crística detodo homem religioso, ao participar de uma estrutura comum da existênciahumana cristocêntrica e por habitar um universo cristocêntrico.

O capítulo sobre a verdadeira religião começa recapitulando os dadosobtidos pelo estudo histórico e fenomenológico das religiões mundiais: apresença ativa do Transcendente em todas elas; a qualidade cristocêntrica daessência da comum existência humana; o desejo natural por Deus e o existen-cial sobrenatural presente e atuante no profundo delas e nas formas concretasde sua institucionalização, ao serem envolvidas pela vontade salvífica univer-sal de Deus. O autor procede a uma revisão histórica do pensamento católicosobre o significado e valor das outras religiões. Detém na posição do ConcílioVaticano II, do teólogo K. Rahner, do documento Dominus Jesus, dos ensina-mentos de João Paulo II e de outras expressões da doutrina oficial da IgrejaCatólica. O seu ensinamento oficial reconhece verdade, bondade e a presençasalvífica do Espírito nas outras religiões. Nelas seus membros encontram averdade de Deus e recebem a graça de Cristo pela mediação do seu mistériosalvador presente em plenitude na Igreja Católica. Uma ulterior especificaçãodo status das religiões não cristãs permanece questão aberta para os teólogos.E o autor prossegue a reflexão, ao aprofundar a questão da verdade das religi-ões não cristãs, a ação de Cristo nelas, a relação entre revelação e fé. Assume aposição de que existe salvação na fé, esperança e caridade do não cristão. E,portanto, as religiões não cristãs desempenham papel positivo na ação salvífi-ca de seus membros. O poder de Cristo age nelas de maneira escondida. Con-clui retomando a pergunta: o que causou o fenômeno do tempo axial,mencionado no início do livro? Não se explica por mera coincidência, nempela simples ação de sábios daquele momento histórico, mas pelo fato de seruma resposta humana de fé à graça da Revelação divina e à ação de Cristo demaneira escondida e misteriosa na história humana.

A singularidade e originalidade do Cristianismo ocuparam um capítu-lo importante na ulterior reflexão teológica. As religiões não cristãs e o Cristi-anismo se assemelham por serem verdadeiras religiões. Mas permeiam entre

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ambos diferenças significativas do ponto de vista da experiência e da inter-pretação do Sagrado, de credos, de dogmas, de práticas litúrgicas, de teologiae espiritualidade. O ponto crucial da diferença entre o Cristianismo e as ou-

tras religiões funda-se na pessoa de Jesus Cristo, crido como único e incom-

parável redentor e mediador entre Deus e a humanidade. Ele é o salvador

universal destinado a todos e é a plenitude da revelação de Deus. Esse ensina-

mento baseia-se no testemunho das Escrituras e do ensinamento da Igreja.

Isso não nega o que já se afirmou antes: embora as religiões não cristãs não

tenham a plenitude da verdade, contudo são verdadeiras e válidas ao partici-

par implicitamente e realizar a verdade e os valores do Cristianismo. O autor

expõe o pensamento de Bento XVI sobre a teologia das religiões e as críticas

que se lhe fazem.

O livro conclui com consideração sobre o mistério das religiões mun-

diais. Como devem os católicos considerar os fiéis não cristãos e suas religi-

ões? Com sentido de respeito, admiração e amor. Elas pertencem à vontade

misteriosa de Deus e a seu plano de salvação. O único verdadeiro Deus está

presente e atuante nelas e nos seus membros. Manter em relação a elas mente

aberta e dialogante. Mesmo tendo a plenitude e a perfeição da verdade de

Deus, os cristãos, ao dialogar com as religiões não cristãs, não só aprendem

muito sobre elas, mas delas. Eles se humanizam e abrem os horizontes, supe-

rando a reivindicação da posse exclusiva da verdade. Elas ensinam-lhes a apre-

ciar o fato de Deus ter-se manifestado historicamente de muitos modos e

aberto muitos caminhos para chegar até Ele. Pedem que os cristãos conheçam

melhor a própria tradição para responder aos ensinamentos das outras religi-

ões. Não se trata de criar uma religião “universal” onde as diferenças desapa-

reçam, mas de levar a sério as mútuas diferenças e de praticar o diálogo e a

cooperação. As religiões mundiais são uma realidade misteriosa e sagrada. O

amor de Deus estende-se incondicionalmente a todos os seres humanos. Tor-

na acessível a todos sua graça salvadora. Finalmente os cristãos deveriam apro-

ximar-se da diversidade de religiões com sentido de admiração, gratidão ecompromisso sério com a missão.

O livro não avança nenhuma posição nova. Dispõe, porém, de excelen-te nível de informação sobre a complexidade da questão das religiões mundi-ais. Assume postura de abertura, de diálogo. Matiza afirmações do magistério.Guarda profundo respeito pelas religiões mundiais e seus seguidores, ao des-pertar no leitor cristão tal postura fundamental.