barroco

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Conceptismo, Gongorismo e demais características barrocas Saulo Lopes de Sousa Labirinto e Rebuscamento Fundamentada no dualismo entre os valores antropocêntricos do Classicismo e os valores teocêntricos medievais que a Contra-Reforma tentou resgatar, a Literatura Barroca expressa a angústia do homem dividido entre a efemeridade do mundo material e a incerteza do mundo espiritual, fruto do conflito característico de sua época. Essa desarmonia, esse desequilíbrio, vaza num estilo exagerado, cheio de contrastes entre os ideais materialistas e os espiritualistas: Teocentrismo x antropocentrismo, desejo x castidade, Igreja x pensamento renascentista, salvação x pecado, céu x inferno, espírito x carne, fé x razão são alguns dos conflitos básicos trabalhados por essa estética. O homem está perdido no labirinto da duvida, cercado pelo terror católico, que prefere antes constrangê-lo a crer pela força despótica, a efetivamente convertê-lo pela argumentação. Todo o racionalismo renascentista não lhe deu respostas às questões filosóficas básicas: o que faz ele no universo, a que veio, para onde irá, por que a beleza e o prazer são transitórios? Esse dilema existencial encontra uma saída Gentilmente cedido por Saulo Lopes de Sousa – Graduado em Letras/Literatura pela Universidade Estadual do Maranhão/Centro de Estudos Superiores de Imperatriz, Professor de Língua Portuguesa no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão/ Campus Imperatriz, Pesquisador do GELITI – Grupo de Estudos Literários e Imagéticos, do CESI/UEMA.

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Conceptismo, Gongorismo e demais caractersticas barrocasSaulo Lopes de SousaLabirinto e Rebuscamento

Fundamentada no dualismo entre os valores antropocntricos do Classicismo e os valores teocntricos medievais que a Contra-Reforma tentou resgatar, a Literatura Barroca expressa a angstia do homem dividido entre a efemeridade do mundo material e a incerteza do mundo espiritual, fruto do conflito caracterstico de sua poca. Essa desarmonia, esse desequilbrio, vaza num estilo exagerado, cheio de contrastes entre os ideais materialistas e os espiritualistas: Teocentrismo x antropocentrismo, desejo x castidade, Igreja x pensamento renascentista, salvao x pecado, cu x inferno, esprito x carne, f x razo so alguns dos conflitos bsicos trabalhados por essa esttica.O homem est perdido no labirinto da duvida, cercado pelo terror catlico, que prefere antes constrang-lo a crer pela fora desptica, a efetivamente convert-lo pela argumentao. Todo o racionalismo renascentista no lhe deu respostas s questes filosficas bsicas: o que faz ele no universo, a que veio, para onde ir, por que a beleza e o prazer so transitrios? Esse dilema existencial encontra uma sada provisria na mxima carpe diem, ou seja, colher o dia, viver intensamente, j que a morte certa.Atormentado por este conflito, o homem produz textos literrios com caractersticas bastante ntidas. Dentre elas, observa-se, no texto barroco, a presena de duas vertentes dominantes:

Conceptismo ou Conceitismo (ou Quevedismo, em funo de Francisco Gomez Quevedo y Villegas, escritor seiscentista espanhol, que cultivou esse estilo).

O Conceptismo, vertente literria do estilo barroco surgida em meados do sculo XVII na Espanha, valoriza o contedo do texto num intuito persuasivo, atravs de jogos de idias os quais seguem um raciocnio lgico que se prope evidente. Tambm se verifica o uso da argumentao com base antittica ou paradoxal, com apelo racional, aproximando-se, assim, da dissertao. freqente o uso de comparaes explcitas, analogias e at parbola (uso de smbolos e seres inanimados para se contar uma estria de forma a melhor captar o entendimento do leitor). Muitas vezes so buscadas respostas para um fenmeno que antes eram atribudos obra de Deus. Veja este trecho do poema Ao brao do mesmo menino Jesus quando appareceo, de Gregrio de Matos, onde se busca a compreenso de um fato. O todo sem a parte no todo, A parte sem o todo no parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, No se diga, que parte, sendo todo.

Para compreender a relao entre a parte e o todo, o eu-lrico lana mo de um raciocnio interessante: para o todo ser todo, unidade, no lhe pode faltar nada (a parte), do mesmo modo que a parte, isolada, no parte do todo, mas o prprio todo. Entretanto, se o todo formado pela parte (ou pelas partes), conclui-se que a parte todo, pois o constitui. A este pensamento conceptista, em que uma deduo extrada de duas ou mais premissas, d-se o nome de Silogismo. Percebe, em outro poema gregoriano, o uso deste recurso:

A Christo S. N. crucificado estando o poeta na ltima hora de sua vida

(...)

Mui grande vosso amor, e meu delito, Porm pode ter fim todo o pecar, E no o vosso amor, que infinito.

Esta razo me obriga a confiar, Que por mais que pequei, neste conflito Espero em vosso amor de me salvar.

Nos dois tercetos cima, afirma-se a premissa de que o amor infinito de Deus capaz de salvar o pecador de seu pecado (primeiro terceto). Em seguida, o eu-lrico afirma que um pecador (Que por mais que pequei, neste conflito) . Dessa forma, ele espera ser salvo pelo amor de Deus (Espero em vosso amor de me salvar).O Conceptismo, no Brasil, tem um grande expoente no barroco da lngua portuguesa: o padre luso-brasileiro Antnio Vieira, famoso pelos seus sermes. Um exemplo de seu pensamento conceptista est no trecho de um de seus sermes, conhecido como Sermo de Santo Antnio aos peixes. Observe:

Quis Cristo que o preo da sepultura dos peregrinos fosse o esmalte das armas dos portugueses, para que entendssemos que o braso de nascer portugueses era a obrigao de morrer peregrinos: com as armas nos obrigou Cristo a peregrinar, e com a sepultura nos empenhou a morrer. Mas se nos deu o braso que nos havia de levar da ptria, tambm nos deu a terra que nos havia de cobrir fora dela. Nascer pequeno e morrer grande chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus to pouca terra para o nascimento e tantas para a sepultura. Para nascer, pouca terra; para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal; para morrer, o mundo.

Neste texto, Vieira procura justificar o expansionismo portugus com as Grandes Navegaes e consolar os exilados no Brasil das saudades de sua terra natal. Ser peregrino a misso que Deus, segundo ele, deu aos portugueses. Para comprovar esta afirmao, Vieira usa dois argumentos: Deus deu pouca terra aos portugueses para nascerem, numa aluso pequena extenso do pas, mas deu muitas terras onde morrerem, numa referncia s vrias colnias de Portugal em trs continentes (Amrica, frica e sia). Portanto, como ddivas divinas, as colnias para onde migram os portugueses devem ser recebidas e habitadas com alegria. A inteno de Vieira fazer com que os colonos encarem a vida longe de Portugal com a alegria austera dos cristos que suportam todos os fardos para remir os pecados e alcanar a salvao.

Cultismo ou Culteranismo (ou Gongorismo , em funo de Lus de Gngora, poeta espanhol precursor desse estilo).O Cultismo manifesta a valorizao da forma e da imagem construdas no texto, atravs de jogos de palavras (abuso no uso de metforas, metonmias, hiprboles, antteses, paradoxos e comparaes), alm da adjetivao. Este jogo de palavras alude a uma brincadeira com os sentidos que so construdos ao longo do texto (apelo sensorial). o jogo de palavras; o rebuscamento da forma, a obsesso pela linguagem culta, erudita, por meio de inverso da frase (hiprbato), do uso de palavras difceis. O Cultismo aproxima-se da descrio. muito difcil um texto ser exclusivamente cultista, em geral ele se mescla com o Conceptismo. No Brasil, temos como principal representante cultista o poeta Gregrio de Matos.Neste seu poema, possvel identificar o turbilho de sensaes que perpassam a voz potica:

Soneto VI

Nasce o Sol, e no dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contnuas tristezas a alegria.

Porm se acaba o Sol, por que nascia? Se formosa a Luz , por que no dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, Na formosura no se d constncia, E na alegria sinta-se tristeza.

Comea o mundo enfim pela ignorncia, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstncia.

ntida, no texto de Gregrio, a capacidade de transmisso ao seu ouvinte do sentimento angustiante que assola o eu-lrico, feita mediante a mistura confusa dos sentidos das palavras, da incompreenso, do questionamento do mundo. O nascer e o questionamento desta ao, a constncia que se revela inconstante, e a firmeza que tem como caracterstica ser inconstante (e por isso no ser firme) revelam uma dificuldade em compreender e aceitar a realidade tal qual ela .O uso excessivo das figuras de linguagem uma vertente muito marcante no Cultismo. Entre elas, destacam-se:* Metforas: comparaes de ordem subjetiva, em que um termo adquire o sentido de outro por afinidade de caracterstica. Ex.: Seus dois sis me contemplavam. Sis por olhos, a caracterstica que os aproxima o brilho intenso.* Antteses: oposio entre duas ideias, expressas por palavras de sentidos contrrios. Ex.: E na alegria sinta-se tristeza. (Gregrio de Matos)* Paradoxos: oposio de ideias que leva a um contra-senso, um absurdo. Ex.: Amor fogo que arde sem se ver/ ferida que di e no se sente. (Lus de Cames)* Oxmoros: conflito de ideias que leva a um contra-senso, mas formado pela oposio entre um substantivo e um adjetivo, ou entre um advrbio e um adjetivo, Ex.: (O amor) um contentamento descontente. (Lus de Cames)* Hiprboles: expresso exagerada de uma ideia. Ex.: [...] no bastam nem cem nem mil pequenos para um s grande. (Padre Antnio Vieira)* Hiprbatos: as palavras apresentam uma ordem considerada natural dentro de uma orao: sujeito + verbo + objeto + complemento. Quando ocorre inverso dessa ordem, existe um hiprbato. Ex.: Ontem, a amar-vos me dispus. Dispus-me a amar-vos ontem (Gregrio de Matos)

Como demais caractersticas literrias barrocas, figuram as seguintes:* Culto do contraste: consequncia da dualidade na maneira de ver o mundo e interpretar as coisas, o Barroco tende a aproximar os opostos, destacando o contraste, ao mesmo tempo em que tenta conciliar os extremos como carne/esprito, pecado/perdo, juventude/velhice, cu/terra, erotismo/espiritualidade, visveis nas diversas formas de manifestao artstica.

mesma D. ngela

Anjo no nome, Anglica na cara! Isso ser flor e Anjo juntamente: Ser Anglica flor e Anjo florente, Em quem, seno em vs, se uniformara:

Quem vira uma tal flor, que a no cortara De verde p, da rama florescente; E quem um Anjo vira to luzente; Que por seu Deus, o no idolatrara?

Se, pois como Anjo sois dos meus altares, Freis o meu Custdi,o e a minha guarda, Livrara eu de diablicos azares.

Mas vejo, que por bela, e por galharda, Posto que os Anjos nunca do pesares, Sois Anjo, que me tenta, e no me guarda.

Este soneto, de Gregrio de Matos, possui carter cultista, ao trabalhar com jogo de palavras que constituem imagens: ngela = Anglica: Anjo, flor: florente. A contradio dos sentimentos do eu lrico pela mulher amada povoa todo o soneto. A dama , ao mesmo tempo, flor (metfora da beleza) e objeto de desejo, e anjo (metfora de pureza) e smbolo da elevao espiritual. O poema celebra a tenso entre a imagem feminina angelical e a tentao da carne que atormenta o esprito. Nele, v-se uma mulher aparentemente angelical que, ao fim, revela-se fonte de perdio individual para o eu lrico, consumido pelo amor que a ela devota. O conflito entre amar e querer atinge seu pice no paradoxo do verso final: Sois Anjo, que me tenta, e no me guarda.

* Conflito entre o eu e o mundo: trata-se, na verdade, da recuperao de uma tendncia j observada nas obras de alguns mestres do Renascimento, como Cames. Incapaz de compreender a ordem das coisas do mundo em que vive, o artista se v dividido entre a razo e a f. Essa caracterstica bem visvel neste soneto de Gregrio de Matos.

Ao mesmo assunto e na mesma ocasio

Pequei, Senhor, mas no porque hei pecado Da vossa piedade me despido:Porque quanto mais tenho delinqido,Vos tenho a perdoar mais empenhado.Se basta a vos irar tanto um pecado,A abrandar-vos sobeja um s gemido:Que a mesma culpa que vos h ofendido,Vos tem para o perdo lisonjeado.Se uma ovelha perdida e j cobradaGlria tal e prazer to repentinoVos deu, como afirmais na Sacra Histria:Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada;Cobrai-me; e no queirais, Pastor Divino,Perder na vossa ovelha a vossa glria.

No soneto acima, o pensamento medieval cristo reaparece, onde o equilbrio do homem se transforma em conflito permanente, representado pelo jogo de oposies e contrastes: Porque quanto mais tenho delinqido,/Vos tenho a perdoar mais empenhado.. O homem se debate num conflito oriundo do duelo entre o esprito cristo e o esprito secular, que tenta conciliar o sagrado e o profano, o que, no fim, torna-o dividido em seu estado de alma: Glria tal e prazer to repentino.

* Pessimismo: reflexo dessa existncia conflituosa, o trao pessimista marca fundamental em muitos textos e manifestaes artsticas o Barroco. Aparentemente h a depreciao da vida terrena, vista como triste, decepcionante e cheia de sofrimento, em oposio glorificao da vida celestial, luminosa e tranquila.

Aos Missionrios, em ocasio que corriam a Via Sacra

Via de prefeio a Sacra Via,Via do Cu, caminho da verdade;Mas ir ao Cu com tal publicidadeMais que virtude o boto hipocrisia.O dio dalma infame companhia,A paz deixou-a Deus Cristandade;Mas arrastar por fora uma vontade,Em vez de caridade tirania.O dar preges no plpito indecncia:[]Qu de fulano?[] e []Venha aqui sicrano![],Porque pecado e pecador se veja; prprio de um porteiro daudincia;E se nisto mal digo ou mal me engano,Eu me submeto Santa Madre Igreja.

O pessimismo que aflora no texto nasce, justamente, desse conflito entre eu e o mundo, que leva o eu lrico ou confrontamento do homem, santo e pecador (Porque pecado e pecador se veja). O poeta ainda reitera a ideia de que a vida humana desprezvel e repugnante, onde O dio dalma infame companhia, e A paz deixou-a Deus Cristandade, sendo hipocrisia e indecncia, neste mundo, O dar preges no plpito. Em face disso, o nico lugar de perfeio e tranquilidade espiritual [...] a Sacra Via,/Via do Cu, caminho da verdade. * Fusionismo: fuso das antagnicas vises medieval e renascentista, traduzida, na pintura, pela mistura entre luz e sombra (chiaroscuro: claro-escuro); na msica, pela fuso de sons; na literatura,pela associao entre o racional e o irracional, entre a razo e a f. O homem busca unir-se imagem divina. Mais uma vez, recorre-se ao mestre Gregrio de Matos.

Continua o poeta com este admirvel a quarta feyra de cinzas.

Que s terra, homem, e em terra hs de tornar-te,Te lembra hoje Deus por sua Igreja;De p te faz espelho em que se vejaA vil matria de que quis formar-te.Lembra-te Deus que s p para humilhar-te,E como o teu baixel sempre fraquejaNos mares da vaidade onde peleja, Te pe vista a terra onde salvar-te.Alerta, alerta, pois que o vento berra,E se assopra a vaidade e incha o pano,Na proa a terra tens, amaina e ferra.Todo o lenho mortal, baixel humano,Se busca a salvao, tome hoje terra,Que a terra de hoje porto soberano.

Pode-se constatar a fuso do humano com o divino, do terreno com o celeste. Logo no primeiro verso, possvel verificar esta unio (Que s terra, homem, e em terra hs de tornar-te,). Trata-se de uma intertextualidade bblica, do livro de Eclesiastes, que refora a ideia de aliana entre cu e terra: o homem terra, p, moldado pelas mos divinas, e a ela voltar, como forma de se fundir ao que era antes, matria, para sei livramento (Todo o lenho mortal, baixel humano,/Se busca a salvao, tome hoje terra,/Que a terra de hoje porto soberano.).

* Fesmo: decorrncia da perspectiva pessimista enfatizada por muitos autores, frequente, na obra dos artistas barrocos, a explorao da misria da condio humana, referida por aspectos cruis, dolorosos e muitas vezes repugnantes. Observe o poema de Gregrio de Matos e a tela de Jusepe Ribera.

A Cristo Senhor Nosso crucificado, estando o Poeta na ltima hora da sua vida

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,Em cuja Lei protesto de viver,Em cuja Santa Lei hei de morrer,Animoso, constante, firme e inteiro.Neste lance, por ser o derradeiro,Pois vejo a minha vida anoitecer,, meu Jesus, a hora de se verA brandura de um Pai, manso cordeiro.Mui grande vosso amor e meu delito;Porm pode ter fim todo o pecar,E no o vosso amor, que infinito.Essa razo me obriga a confiarQue por mais que pequei neste conflito,Espero em vosso amor de me salvar.O eremita, de Jusepe Ribera, 1640. leo sobre tela. Museu do Prado, Madri.

Note que tanto o poema quanto a tela retratam aspectos cruis e dolorosos da vida humana. No soneto, vemos o eu lrico beira da morte, agonizando seu ultimo suspiro, enquanto fixa olhar no Cristo crucificado, pendente em um madeiro, a verter sangue e dor. O quadro de Jusepe destaca a decadncia humana trazida pela passagem do tempo. Nessa obra, vemos So Paulo no fim de sua vida. Observe sua pele flcida, corpo fragilizado, desnudo (apenas um trapo lhe cobre a cintura), esttico numa caverna escuro, as mos sobrepostas, como em posio de defunto. O crnio que ele contempla uma metfora da mortalidade humana. A luz que lhe incide alude ao momento finito de sua existncia, quando sua alma elevar-se-, iluminada, aos cus.

* Rebuscamento lingustico: linguagem trabalhada, repleta de recursos imagticos e de figuras, na tentativa de emprestar literatura a riqueza visual da pintura e da escultura. Destacam-se as antteses, como expresso de um mundo contraditrio, e os hiprbatos, inverses lingusticas que valorizam o torneado frasal. H, ainda, o uso freqente de frases interrogativas, repeties, paralelismo e expresses eruditas. Esses recursos estilsticos so trabalhados em dois poemas de Gregrio de Matos:

Buscando a Cristo

A vs correndo vou, braos sagrados, Nessa cruz sacrossanta descobertos Que, para receber-me, estais abertos, E, por no castigar-me, estais cravados. A vs, divinos olhos, eclipsados De tanto sangue e lgrimas abertos, Pois, para perdoar-me, estais despertos, E, por no condenar-me, estais fechados. A vs, pregados ps, por no deixar-me, A vs, sangue vertido, para ungir-me, A vs, cabea baixa, p'ra chamar-me A vs, lado patente, quero unir-me, A vs, cravos preciosos, quero atar-me, Para ficar unido, atado e firme.

A Nosso Senhor Jesus Cristo com atos de arrependido e suspiros de amor

Ofendi-vos, Meu Deus, bem verdade, verdade, meu Deus, que hei delinqido,Delinqido vos tenho, e ofendido,Ofendido vos tem minha maldade.

Maldade, que encaminha vaidade,Vaidade, que todo me h vencido;Vencido quero ver-me, e arrependido,Arrependido a tanta enormidade.

Arrependido estou de corao,De corao vos busco, dai-me os braos,Abraos, que me rendem vossa luz.

Luz, que claro me mostra a salvao,A salvao pretendo em tais abraos,Misericrdia, Amor, Jesus, Jesus.No soneto Buscando a Cristo, nota-se o paralelismo, pela repetio de A vs, no decorrer das estrofes, assim como na repetio da estrutura sinttica dos versos (A vs + vocativo + por...). No outro soneto, o ltimo termo dos versos repetido no verso seguinte (Ofendi-vos, Meu Deus, bem verdade,/ verdade, meu Deus, que hei delinqido,/Delinqido vos tenho, e ofendido,/Ofendido vos tem minha maldade.), numa relao constante de causa-efeito: o primeiro verso provoca o segundo e este, sendo resultado daquele, causa do verso que o segue. esta reiterao de ideias que d uniformidade ao poema, no sentido de torn-lo circular, amarrado a sua temtica.

* Transitoriedade da vida: por ser curta, a vida no permite que o homem a viva intensamente, como seria seu desejo. E o homem tem conscincia dessa brevidade. Por isso, buscava aproveitar ao mxima a vida enquanto havia tempo (Carpe Diem) como forma de salvao. Por outro lado, viver intensamente a vida era sinal de pecado, e pecando, no se atinge a salvao.

Poesia Sacra: A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor, mas no porque hei pecado,Da vossa alta clemncia me despido;Porque, quanto mais tenho delinqido,Vs tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,A abrandar-vos sobeja um s gemido:Que a mesma culpa, que vos h ofendido,Vos tem para o perdo lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e j cobradaGlria tal e prazer to repentinoVos deu, como afirmais na Sacra Histria,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,Cobrai-a; e no queirais, Pastor Divino,Perder na vossa ovelha a vossa glria.

No soneto, a nsia por querer aproveitar o momento, carpe diem, faz-se latente. A efemeridade do tempo torna o homem dividido entre o mundo material e o mundo espiritual. Existe a angstia causada pelo desejo de aproveitara vida e a necessidade de salvao divina, concentrada na anttese que enfoca o perdo e o pecado (Porque, quanto mais tenho delinqido,/Vs tenho a perdoar mais empenhado.).Gentilmente cedido por Saulo Lopes de Sousa Graduado em Letras/Literatura pela Universidade Estadual do Maranho/Centro de Estudos Superiores de Imperatriz, Professor de Lngua Portuguesa no Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Maranho/ Campus Imperatriz, Pesquisador do GELITI Grupo de Estudos Literrios e Imagticos, do CESI/UEMA.