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Atos de fala, gêneros textuaise sistemas de atividades:

como os textos organizam atividades e pessoas*

Introdução

Este capítulo propõe mais uma série de instrumentos conceituaise analíticos para o exame do trabalho realizado pelo texto na socieda-de. Fornece os meios para identificar as condições sob as quais essetrabalho se realiza, para observar a regularidade com que os textosexecutam tarefas reconhecidamente similares, e para ver como certasprofissões, situações e organizações sociais podem estar associadas aum número limitado de tipos de textos. Finalmente, apresenta métodospara analisar como produção, circulação e uso ordenados desses textosconstituem, em parte, a própria atividade e organização dos gruposociais. A abordagem analítica deste capítulo se baseia numa série den itos: fatos sociais, atos de fala, gêneros, sistemas de gêneros e

ist m d tividad s. Esses conceitos sugerem como as pessoas criam1I0}fl~ realidnd« de. igl1ifi a no, reta Õ e conhecimento,jazendo uso de textos .

• 111111111111 di' 111I1111« 1111111111 11011111'11,,11' 1\\11\ 1~I'g 1111 VII'lIl1 1\ V,'I IltllndUI li 1111 \I

"1"1 til' 1'" to' 11111111\ IlItI 111111111'1\111

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20 CHARLES BAZERMAN

Considere a seguinte situação típica dos meios acadêmicos: umconselho acadêmico de uma universidade, após uma série de discus-sões, aprova um regulamento exigindo que os alunos sejam aprovadosem seis disciplinas de escrita intensiva para obterem sua graduação(BN). A regulamentação define uma série de critérios que devem serobservados para que uma disciplina seja aprovada como de escritaintensiva pelo comitê de currículo, como, por exemplo, um númeromínimo de trabalhos escritos, com um número mínimo de um totalrequerido de palavras ao longo de um período. Essa exigência, então,é escrita em uma série de documentos administrativos que incluem ocatálogo da universidade e vários outros documentos de orientaçãodos alunos. Os alunos leem esses documentos (ou são advertidos sobreeles por conselheiros em momentos críticos) e tomam conhecimentode que é preciso selecionar disciplinas que preencham tais exigênciase se matricular, se esperam concluir a graduação. Memorandos e outrosdocumentos administrativos são enviados aos docentes de vários de-partamentos para encorajá-los a oferecer esse tipo de disciplina. Osdocentes desses departamentos elaboram os programas das disciplinas,indicando que os alunos serão solicitados a escrever o número requi-sitado de trabalhos e palavras. Além do mais, os docentes, provavel-mente, ajustam esses trabalhos escritos de acordo com os desafios in-telectuais da área de conhecimento e objetivos da disciplina, tais comoo de desenvolver a habilidade do aluno de compreender e usar mode-los econômicos, ou o de interpretar a poesia espanhola do século XVII.Os docentes, então, submetem esses programas a uma revisão poroutros comitês de docentes, de acordo com os procedimentos deter-minados em documentos administrativos. Uma vez obtida a aprovaçãopelo comitê apropriado, a disciplina é inserida na minuta da reuniãodo comitê, nas futuras edições do catálogo institucional e nas listas dasdisciplinas oferecidas a cada período. Os alunos, em seguida, selecio-nam e matriculam-se nessas disciplinas, usando os formulários s-

I, BA é uma abreviação para "Bach lor of Arts", um prim i I"() grnll rOI) l'dido Iwln 11111Vl'I'

i 1 lt11'Snor-t -arn ri an s a pcssoas quc estud.uu ru tr: (lIId 11 10 "dlll,I"IJldvldl'I\1i'III!1lll1h"

11'1,,,111 1111IIrl1 11

GtNEROS TEXTUAIS, TIPIFICAÇAo E INTERAÇAo 21

guindo os procedimentos típicos de matrícula; ao fim do período, oprofessor atribui e passa as notas para os boletins oficiais de desem-penho acadêmico, para que sejam inseri das no arquivo permanentedo aluno. Quando os alunos chegam aos períodos próximos à gradua-ção, esses arquivos serão revistos por algum funcionário encarregadoque irá, entre outras coisas, acrescentar ao arquivo se seis dessas dis-ciplinas de escrita intensiva foram cursadas. Se todas as exigênciaspara a graduação forem cumpridas, os alunos recebem diplomas queserão úteis para admissão em programas de pós-graduação, para em-pregos e para serem pendurados numa parede. Se as exigências nãoforem cumpridas, os alunos serão informados que ainda precisamcursar mais disciplinas.

Nessa sequência de eventos, muitos textos são produzidos. E oque é mais significante, diversos fatos sociais são produzidos. Essesfatos não poderiam existir se as pessoas não os realizassem por meioda criação de textos: requerimentos de graduação, programas definin-do o trabalho das várias disciplinas, critérios para as disciplinas seremonsideradas de escrita intensiva, listas das disciplinas aprovadas,

matrícula de cada aluno nas disciplinas de escrita intensiva, e assimpor diante. Nesse ciclo de textos e atividades, vemos sistemas organi-zacionais bem articulados dentro dos quais tipos específicos de textosirculam por caminhos previsíveis, com consequências familiares e de, il compreensão (pelo menos para aqueles familiarizados com a vida

universitária). Temos gêneros altamente tipificados de documentos eI'Hlruturas sociais altamente tipificadas nas quais esses documentos('ri, m fatos sociais que afetam as ações, direitos e deveres das pessoas.

uando observamos as disciplinas em que a produção escritaI('qu rida de fato realizada, podemos ver estruturas ainda mais tipi-111'.1d,s d ntr das guais a escrita acontece. Em cada disciplina, temos, 1-10. i I .n li fi ~v i d t xtos e atividades definidos por: programa da,li I il linn.] lanos d aula.Iivros-textos.Ieituras recomendadas e fichas,I" 1.1I'(,r,1., ostrulurnn 10 p tativa 011 quências. Tipicamente,1'1.111111'Pdl'll' tl.1 Pl'illll'irc1 ,1tI1" til nri: dis il lir ( ~ 1IIili7,( < P r,"dlll 01' I' 01 I' 1'1'I'I.1II\.t' dl'lil1lll.1, 11'1°111'01\1'.1111.1.F.1 p,lI'til' ti .1I qlll'

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o aluno, tipicamente, faz projeções sobr com a di iplin v, i B' dt-senvolver, quanto trabalho será requerido, e se a experiên ia vai I'

interessante ej ou valiosa, para, então, decidir se permanece na di i-plina ou a substitui por outra. Mais adiante, neste capítulo, observa-remos mais detidamente as disciplinas como sistemas de atividadeestruturados, construídos sobre uma infraestrutura de gêneros textuais.

Esse longo exemplo sugere como cada texto se encontra encaixa-do em atividades sociais estruturadas e depende de textos anterioresque influenciam a atividade e a organização social. Além disso, esseexemplo sugere como cada texto estabelece condições que, de algumaforma, são levadas em consideração em atividades subsequentes. Ostextos inseridos neste exemplo criam realidades, ou fatos, já que ambos,alunos e professores, vivem naquilo que eles explicitamente afirmame nas estruturas de relações e atividades que implicitamente estabele-cem, simplesmente por estarem juntos, num modo de vida organizado.Cada texto bem sucedido cria para seus leitores um fato social. Os fatossociais consistem em ações sociais significativas realizadas pela lin-guagem, ou atos de fala. Esses atos são realizados através de formastextuais padronizadas, típicas e, portanto, inteligíveis, ou gêneros, queestão relacionadas a outros textos e gêneros que ocorrem em circuns-tâncias relacionadas. Juntos, os vários tipos de textos se acomodam emconjuntos de gêneros dentro de sistemas de gêneros, os quais fazem partedos sistemas de atividades humanas. Na próxima seção, darei explicaçõesmais precisas sobre a que me refiro quando menciono esses termos.

Compreender esses gêneros e seu funcionamento dentro dossistemas e nas circunstâncias para as quais são desenhados pode ajudarvocê, como escritor, a satisfazer as necessidades da situação, de formaque esses gêneros sejam compreensíveis e correspondam às expecta-tivas dos outros. Compreender os atos e fatos criados pelos textos podeajudá-lo também a compreender quando textos, aparentemente bemproduzidos, não funcionam, quando não fazem aquilo que precisamfazer. Talcompreensão pode ajudar a diagnosticar e redefinir sistemasde atividades comunicativas - para determinar se um grupo particu-lar de documentos, utilizado em certos momentos, é redundante ou

111111 "111 II dlllllllll'l\ln. 1' 'ci. .un s -r udi i n d , us algunsdi 111111',1 IlI'fI) I, '111 'r m difi ados. Pode também ajudar

I I .I 1 '1'1.111110 'IW 'i'H';' rio rev r de forma inovadora para rea-I1 I1 "1'.'111\11 I \li. .11 ovs ou dif r nte.

Illtlpn' '11 I 'I' t f rma e a circulação de textos nos sistemas de'"1'111 I'IH), ,isL m d atividadespodeatéajudaraentendercomo

1111'11111111 ('" ou mudar os sistemas pela exclusão, adição, ou modifi-11 11 ti 'lll Lip d documento. Se, por um lado, isso pode levar a

11 '" in I 'vi o do texto, pode também oferecer os instrumentos paraI ",/1, .1 sobr o papel da criatividade social em fazer coisas novas11 tlllll" 'r m de novas maneiras. Se, por exemplo, você está sentado

11111 li rn b m tempo com amigos após o jantar, vocês têm a opção de,1'1111\' utras coisas, ler e selecionar itens na programação da TV,men-, 1111. r a principal notícia política do jornal, mostrar detalhadamenteII •íI uns de fotos da sua última viagem, ou ligar o computador para1I.Ir uma olhada no mais novo site da Internet. Ao introduzir essesI1 j 'r ntes textos, vocês não estarão apenas introduzindo diferentesl<llicos, mas introduzindo diferentes atividades, padrões interativos,.ititudes e relações. A escolha de um texto pode influenciar se vocês(lZ m apostas e piadas sobre um jogo de futebol, discutem política,.\ Imiram ou invejam as aventuras uns dos outros, ou montam esque-mas para seus próprios projetos em comum. Uma vez que uma dessasd tividades padronizadas é aceita, ela pode proporcionar oportunidadesd interação até que o clima seja quebrado e uma nova atividade sejaintroduzida. Numa sala de aula, o trabalho de um professor frequen-L mente serve para definir gêneros e atividades, e, fazendo isso, criarportunidades e expectativas de aprendizagem.

Conceitos básicos

Fatos sociais e definição da situação

Fatos sociais são as coisas que as pessoas acreditam que sejamverdadeiras e, assim, afetam o modo como elas definem uma situação.

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Nota
através de interações
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As pessoas, então, agem como s fc to' )HH -m 'I' I.Hh' () 11

ciólogoW. I. Thomas (1923) afirma que "seasp s a d fin m situ.icorcomo reais, elas são reais em suas consequências". Se as peditam que seu país foi ofendido ou ameaçado por um outro par, ln:podem até ir à guerra baseadas naquilo que acreditam ser um f to.Algumas vezes, esses fatos sociais estão relacionados com a n ncompreensão do mundo físico. Se para algumas pessoas Elvis Presl yainda vive, elas vão agir como se isso fosse verdade, apesar de a maio-ria das pessoas conceber seu sepultamento como um fato consumado.Até mesmo afirmações que são socialmente reconhecidas como cien-tificamente comprovadas podem não ser reconhecidas por algumaspessoas como verdadeiras. Portanto, mesmo sendo bastante conhecidoque os aviões voam e que possuem estatísticas de segurança bem me-lhores do que as dos veículos terrestres, muitas pessoas não acreditamde forma segura nesses fatos e preferem andar de trem.

Mais frequentemente, no entanto, fatos sociais estão relacionadoscom temas que são fundamentalmente matéria de compreensão social,como, por exemplo, se um prefeito tem autoridade para tomar certasdecisões e agir de uma certa maneira. Essa autoridade é baseada numasérie historicamente desenvolvida de compreensões, acordos e insti-tuições políticas, legais e sociais. Desde que as pessoas continuem aacreditar na legitimidade desses acordos, compreensões e instituições,elas irão acatar a autoridade do prefeito em circunstâncias apropriadas.Esses fatos sociais são um tipo de profecia que se auto alimenta, porquequanto mais o prefeito parece exercer uma autoridade legítima, maisas pessoas são levadas a reconhecer e legitimar essa autoridade. Sobcertas condições, no entanto, como após uma condenação por crimesgraves ou depois da queda violenta de um governo, as pessoas podemnão mais respeitar a autoridade daquele prefeito.

Frequentemente os fatos sociais afetam as palavras que as pessoasfalam ou escrevem, bem como a força que tais enunciados possuem.Se todos os alunos de uma turma entenderem que o programa dadisciplina requer que um artigo ou trabalho seja entregue num deter-minado dia, eles assim vão agir. Se, por outro lado, todos entenderem

111 \111,111111'111111101 doi. ,1\11,\, 11' U d l limit para entre-11" 1t'lllld,I,ll\lIilO'ltn I 'r- a a sumir o que eles consi-

li I 1111 '"111" 1111111 111) Ii 01 çao. prof sor pode ou não compartilharli 1111'11111 ol'l,d ohre o q I tcriasidodito,comconsequênciasque

11 111111'1111 (' unlllto O p ração. Da mesma forma, se eu e um ami-11,\1 II'd 11.1 1I11OS~1I fiz m sumaapostaaodizerdeterminadasformas• 1\1111. numa situ ã e pecífica, então um de nós irá pagar o valorI., Ido .\0 iutr n momento apropriado. Por outro lado, se eu acre-

,I 111 lIll ' um posta foi feita, e meu amigo somente acredita que está-.IIIIOS ontando uma piada, então não há um fato social compartilha-

.11, I' iss pod resultar num conflito.I forma similar, meu direito de frequentar uma faculdade pode

.11'1 nd r de alguns fatores como, por exemplo, se eu me matriculei, 1)1'1" tamente, se enviei o cheque para o pagamento das mensalidades

('11 idas, se possuo um diploma de conclusão do Ensino Médio, e uma,'ri de outros fatos sociais determinados por textos. Para que possa

11' -quentar, preciso respeitar aquilo que a instituição define como fatos() iais requeridos e, assim, produzir exemplares textuais aceitáveis de

enda um desses fatos. Se, por exemplo, eu afirmo que, realmente, cur-'i uma disciplina em outra escola mas não tenho nenhum registro

di so, ou se a nova escola rejeita tal registro, é porque não comparti-lhamos essa disciplina como um fato social. Para a instituição e seusins, é provável que isso seja fruto da minha imaginação.

A intertextualidade frequentemente procura criar uma compreen-são compartilhada sobre o que foi dito anteriormente e a situaçãotual como se apresenta. Isto é, as referências intertextuais tentamstabelecer os fatos sociais sobre os quais o escritor tenta fazer uma

nova afirmação. Para fazer uma solicitação à escolaridade, precisareitrazer o histórico escolar da instituição de origem, talvez cópias dosprogramas das disciplinas, e talvez cartas dos professores atuais indi-cando que possuo as habilidades que seriam adquiridas através da-

quelas disciplinas.Muitos dos fatos sociais, como aqueles descritos nos muitos exem-

plos anteriores, dependem inteiramente de atos de fala, se certas for-

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mulações verbais foram correta e apropriadamente feitas. Serealizadasde forma apropriada, essas palavras serão consideradas como atoscompletos que devem ser respeitados como feitos.

Atos de fala

o filósofo [ohn Austin, no seu livro How to do things with words,afirma que palavras não apenas significam, mas fazem coisas. Seusargumentos são construídos sobre alguns exemplos como o de doisamigos que fazem uma promessa e o de um religioso que declara"casadas" duas pessoas. Esses atos são feitos tão somente pelas palavrasem si. Como resultado de uma série de palavras ditas, no tempo apro-priado, em circunstâncias apropriadas e pela pessoa apropriada, al-guém será obrigado a fazer alguma coisa diante da promessa, e deter-minado casal mudará a organização de suas vidas. Considerandodocumentos escritos, pode-se dizer, da mesma forma, que a solicitaçãode um empréstimo bancário é levada a cabo puramente pelas palavrase números usados para preencher os formulários e submetê-los aobanco. Da mesma forma, a aprovação do banco é simplesmente reali-zada através de uma carta emitida na qual se afirma que a solicitaçãofoi aprovada. A partir desses exemplos instigantes, Austin prossegueargumentando que toda declaração realiza alguma coisa, mesmo queapenas declare um certo estado de coisas como verdadeiro. Portanto,todo enunciado incorpora atos de fala.

É claro que para nossas palavras realizarem seus atos, elas devemser ditas pela pessoa certa, na situação certa, com o conjunto certo decompreensões. Sedois apostadores em potencial fossem dois estranhosque provavelmente não se encontrariam após o jogo de futebol, senenhum valor de aposta fosse estabelecido, se o evento sobre o qual aaposta se refere já tivesse acontecido, se o contexto e a entonação u-gerissem que se tratava de uma piada e não de uma apo ta, li m i 1

outras coisas não fossem corr ta ,uma LI utrz ~ < rt -nvolvldn I 0-

ti 'ri. 11;0. rrdil, r 1(' urnr 'I OHI, 1'(,:1I~' 1111'01 ,.lnd I 11'1' I' ido

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feita. De modo similar, se a pessoa que declara duas pessoas "casadas"não fosse um membro do clero ou do Judiciário com poderes naquelajurisdição, ou se as pessoas fossem legalmente impedidas de casar umacom a outra, ou se estivessem apenas desempenhando seu papel numapeça teatral, não haveria um casamento real e legal. Uma solicitaçãode empréstimo feita por um menor de 18 anos não é uma solicitaçãolegal, assim como uma carta de aprovação de crédito assinada pelozelador noturno do banco ou não definindo os termos para quitaçãodo empréstimo, não se configura como uma aprovação de crédito real.Todos esses elementos representam as condições de "felicidade" quedevem ser observadas corretamente para que o ato de fala sejabem-su-cedido. Sem a satisfação dessas condições de felicidade, o ato não seriaum ato, ou pelo menos o mesmo tipo de ato. Austin e [ohn Searle, quedeu continuidade às análises de atos de fala, demonstraram que osatos operam em três níveis distintos. O primeiro é o ato locucionário que,por sua vez, inclui um ato proposicional. O ato locucionário é literalmen-te o que é dito. Então, ao dizer "está um pouco frio nesta sala", eustarei reportando um estado de coisas e fazendo uma proposiçãoobre a temperatura na sala.

Muito possivelmente, o ato que eu estava tentando realizar, con-tudo, era um pedido para que meu anfitrião aumentasse o termostato.

u quem sabe eu estava discordando das afirmações um tanto quanto11frias" que foram feitas sobre alguém. Ao falar indiretamente, eu pre-l mdia que minhas palavras fossem dotadas de uma força ilocucionária'sp cífica, que acreditava seria reconhecida pelos outros, em função

tiL circunstâncias imediatas e do modo como a sentença foi expressa.) < t que pretendo que meu ouvinte reconheça é o ato ilocucionário.

ouvintes, no entanto, podem considerar que meus comentáriosignifi e m urna coisa completamente diferente, como uma reclamaçãoI li r ( Li tud vina do anfitrião ou uma tentativa de mudar o assun-

In til' umr dts u ão d agradável. As suas reações subsequentes levam\'111 '011, kl r. ç50 o li e! s p n aram a respeito do que eu estava fa-zl'llllo,\'I1,\OI1(' (\ nrinmct te c uilo qu ellp 11S iqu tava fazendo,1111 ,dI' li '1"1' ou 111('1',111111'111(' di ,I'. ) modo como nH I (. HO, fi rv el em

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11'.uo determinam as consequências deste ato para futuras interaçõesI' «humado de efeito perlocucionário. Para tornar a questão ainda maisIIUlll licada, os ouvintes podem não se mostrar satisfeitos ou coope-1IIIjvo com aquilo que entendem que eu estou fazendo, e desconside-'" I' o to que realizei nos seus próximos enunciados e atos. Meu pro-1'"' iL) pode até ser apenas o de conseguir um ajuste no termostato, eIIII'U t nfitrião pode até compreender meu pedido, mas pode ainda vir"diz r algo como "tenho lido sobre como a escassez de energia podeli, .ir uma instabilidade econômica internacional". De onde pôde ter

111' li o isso? Por que o anfitrião está falando de suas leituras sobre1'(onornia? Talvez ele esteja tentando me dizer que não quer desper-II1 '1 r nergia e que pretende manter o termos tato baixo.

E sa análise em três níveis dos atos de fala - o que foi literalmenteIito, o ato pretendido e seu efeito real- é também aplicável a textos

I' 'rit . Você pode escrever uma carta a uma amiga contando os últi-IIHlH< ntecimentos em sua vida, mas sua intenção ilocucionária pode1'1'.1 d manter uma simples amizade ou provocar uma resposta es-

I 111.,qu revele se um determinado problema foi resolvido. E a recep-110 I rlocucionária da leitora pode ser a de acreditar que você sente

11111ita audade dela e que está tentando reacender um intenso roman-lI' Hnl- I para não encorajá-lo, ela pode decidir nunca responder a

11.1 l'tl rt

I\SS análise dos atos de fala em três níveis também nos permiteI 1111II r nder o status das afirmações ou representações contidas nosli' 1o, sobre estados de coisas no mundo - os atos proposicionais,1IIIIlOsã denominados por Searle. Muitos textos asseveram proposi-I 111',I orno uma nova descoberta científica sobre o valor do chocolate11111'11., s, LIde,ou "fatos" novos sobre alguma manifestação pública, ou11/1 I'nl< iro significado" de um poema. Assim, a força ilocucionária

r a aceitação do ato proposicional. Porém, apenas sob d -ndições, os leitores acreditarão nessas asserções c mo

1,II1! No as do fitos maravilhosos do chocolate, se exi tiremd.' IlIlwrl,lS {i 'nlífi a ntrárias, u erros evidentes nos proc dirnen111 1lt'llltlj( tl, ,I'~'lli los, li H' 01'1 autor s nã por uír m r 'n( idl

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médicas, ou se for descoberto que os autores receberam suporte finan-ceiro da associação dos fabricantes de chocolate, a proposição podenão ser aceita por um número de leitores suficientemente relevantepara conquistar o status de um "fato". Outras condições podem in-fluenciar o modo como as pessoas recebem as asserções sobre eventosnoticiosos ou interpretações literárias. Pode ser que o único efeitoperlocucionário que se mantenha seja o de que a proposição é vistacomo uma asserção dúbia. Com a realização apenas desse ato maislimitado, o fato social resultante será somente o de que os autores estãotentando convencer certas pessoas dessa ou daquela afirmação. Se,contudo, os autores conseguirem uma aceitação mais ampla, novosfatos sociais sobre o valor do chocolate, um evento histórico, ou osignificado de um poema serão estabelecidos, até que alguém enfra-queça esses fatos ou os substitua por novas "verdades". Quando vistoa partir dessa análise, o problema de defender a verdade de proposiçõesse torna uma questão de satisfazer as condições de felicidade que le-varão os ouvintes relevantes a aceitarem as afirmações como verda-deiras, estabelecendo assim a convergência do efeito perlocucionárioom sua intenção ilocucionária.

Tipificação e gêneros

A distinção em três níveis de análise daquilo que falamos ou es-(r v mo loque pretendemos realizar com o que falamos ou escreve-1111 1'>, qu as pessoas entendem que estamos tentando fazer, mostraI (1I))()no' G intenções podem ser mal compreendidas e como é difícilI onrdcn: r n a ações entre si. A falta de coordenação é potencial-1III'IIIt'milito me i grave quando nos comunicamos através da escrita,I' '1"1' 11.lIlI () 1t'11 v r os gestos e as atitudes uns dos outros, nemI ""1'( li1l'Illlh I rvn r f rma mais imediata a recepção do outro, num,'1IIII1IIt'IItHIH!OI, rio III nã r fletenossaintençãoilocucionária.lsto

11(111"1111'1111111'1',lU'., o o n anfitrião imediatamente dizendo.\1 • 11 111111111'dl'( 111111.1dl' qu \ vo t- st: va d onfortável" e andan-

111.1111I (111111"111\111.1111,qlld"dtl ,( qllt'd.Hnt):4 SI'r irôni O. m

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o rumo desagradável que tomou a conversa. Sepercebemos os mal-en-t ndidos em situações face-a-face, então podemos sempre reparar osstragos com comentários do tipo "oh, eu só estava brincando". Mas

na modalidade escrita as oportunidades de reparo são sempre extre-mamente limitadas, mesmo que tenhamos informações suficientes parauspeitar que podemos ter sido mal compreendidos.

Uma maneira de coordenar melhor nossos atos de fala uns comos outros é agir de modo típico, modos facilmente reconhecidos comorealizadores de determinados atos em determinadas circunstâncias.Sepercebemos que um certo tipo de enunciado ou texto funciona bemnuma situação e pode ser compreendido de uma certa maneira, quan-do nos encontrarmos numa situação similar, a tendência é falar ouescrever alguma coisa também similar. Secomeçamos a seguir padrõescomunicativos com os quais as outras pessoas estão familiarizadas,elas podem reconhecer mais facilmente o que estamos dizendo e o quepretendemos realizar. Assim, podemos antecipar melhor quais serãoas reações das pessoas se seguimos essas formas padronizadas e reco-nhecíveis. Taispadrões se reforçam mutuamente. As formas de comu-nicação reconhecíveis e autorreforçadoras emergem como gêneros.

Ao criar formas tipificadas ou gêneros, também somos levados atipificar as situações nas quais nos encontramos. Percebemos que,quando um convidado na casa de alguém faz um comentário sobredesconforto físico, o anfitrião tipicamente compreende isso como umaobrigação para deixar o convidado mais confortável. Podemos, então,ajustar nossos comentários de forma a não colocar nosso anfitrião,quivocadamente, num estado de obrigação qualquer. A tipificação dá

uma certa forma e significado às circunstâncias e direciona os tipos d, cão que acontecerão.

Este processo de mover-se em direção a formas de enunciadospa d ronizados, que reconhecidamente realizam certas ações em d ter-minadas circunstâncias, e de uma compreensão padronizada d til'

(('FI inadas situações, é chamado de tipificação. Assim, em ,lglll11,l.1 roCiHSÕ s, d sejamos conquistar um cargo, precisam S (11'(" ,li ,li

11111 1'/lr/';I'/l11I1II oitoe para numerar todo os fatos r 1 vt I tl'H (' 1'\'111 '/1

GtNEROS TEXTUAIS, TIPIFICAÇÃO E INTERAÇÃO31

ções profissionais de nossa vida, além de ressaltar nossas qualidadmais desejáveis para o empregador em potencial. Os formatos padro-nizados nos direcionam no sentido de qual informação apresentar,como, por exemplo, o endereço, a formação acadêmica e as experiênciaanteriores. O formato padrão também nos direciona no sentido dcomo apresentar tais informações. Seguir um formato padronizadajuda igualmente o empregador a encontrar e interpretar a informaçã .Além disso, existem diferenças padronizadas de formato em diferentprofissões. Para empregos acadêmicos, as publicações e pesquisas sãcentrais, enquanto que, nos negócios, enumerar as responsabilidadassumidas em cargos anteriores e os dados sobre habilidades e treina-mentos específicos são frequentemente importantes. É claro que, m _mo no interior de formas padronizadas, as pessoas tentam expres arsuas características individuais e tornar seus currículos de certa formdiferentes e memoráveis, para assim distingui-l os dentre os demai .Mesmo assim, tão logo alguém invente um novo elemento ou forma toque aparentemente funcione bem, esse formato provavelmente 1'.

copiado por outros e poderá vir a se tornar um padrão razoavelm nlc

stável naquela área. Como, por exemplo, a nova prática estabel i I,'nos currículos de algumas profissões de listar os programas de om

utador com os quais a pessoa tem certa familiaridade.

A definição de gênero apresentada aqui é um pouco difer n(

It qu Ia noção mais trivial que temos de gêneros; no entanto, é rn-, atfv J com ela. Com o passar de nossas vidas, reconhecemos muitoI.•'pid m nt quando um texto pertence a um ou outro tipo familir I~

I'l'rnll nt p rgu r nh cemosalgumascaracterísticastextuai q 1('

Illl,.in.llizemqu tip d mnsagempodeseraquela.Num nv 1(1',Itll'illlhost'tn { dc p st m P ciais(comolmpr s o,Contrat Jt. "I'

"llttllll),1l0Hin,iHI "p talrlacionad aprp ande soll,11,11111'; o orrnnto l.k m im r, nd inad I' Igu I') lU 'VI'('I'

111')11 ,dlll 11111 'jlO 1111111.1 organix ão inaliz: um ornuni • d ) OU 1111111

di, 'li í", 1'lIltlo,1I'lIdvll)O," id 'I í ifi ar (, dI' inir' o. f,( 1H'r<l. por (', ,,\, " "/t I1 111ti tl,tI1/111 IOl'tI, 1'.'II'l'Ítli , I' d"llIli 11111 IlIdtl, 01 111111'"

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Essa identificação de gêneros através de características é um co-nhecimento muito útil para interpretarmos e atribuirmos sentido adocumentos, mas isso nos dá uma visão incompleta e enganadora degênero. Ao ver os gêneros apenas caracterizados por um número fixode elementos, estaremos vendo os gêneros como atemporais e iguaispara todos os observadores. Todo mundo sempre sabe o que nós sa-bemos, certo? Errado! O conhecimento comum muda com o tempo,assim como mudam os gêneros e as situações; o "conhecimento co-mum" varia até de pessoa para pessoa, ou até numa mesma pessoaem situações e humores diferentes. A definição de gêneros como ape-nas um conjunto de traços textuais ignora o papel dos indivíduos nouso e na construção de sentidos. Ignora as diferenças de percepção ecompreensão, o uso criativo da comunicação para satisfazer novasnecessidades percebidas em novas circunstâncias e a mudança no modode compreender o gênero com o decorrer do tempo.

Podemos chegar a uma compreensão mais profunda de gênerosse os compreendermos como fenômenos de reconhecimento psicossocialque são parte de processos de atividades socialmente organizadas.Gêneros são tão-somente os tipos que as pessoas reconhecem comosendo usados por elas próprias e pelos outros. Gêneros são o que nósacreditamos que eles sejam. Isto é, são fatos sociais sobre os tipos deatos de fala que as pessoas podem realizar e sobre os modos como elasos realizam. Gêneros emergem nos processos sociais em que pessoastentam compreender umas às outras suficientemente bem para coor-denar atividades e compartilhar significados com vistas a seus propó-itos práticos.

Os gêneros tipificam muitas coisas além da forma textual. Sãoparte do modo como os seres humanos dão forma às atividades so~ia~s.Quando você está num jogo de futebol e reconhece que uma multidãstá entoando uma canção para o seu time, ao se unir à torcida, vo "stá sendo atraído para o espetáculo e emoções de um evento atlé ti o

munitário. Quando você lê e é convencido por um panfleto p líli od um < n idat a ongrc so, você está sendo c Ir, í O para o mundod,l plllnil'll' d.) ridndanin. li, nd V) '\ i)1 1'1'11111·.1 h-r I' us: r ti 1'111',11

GÊNEROS TEXTUAIS, TIPIFICAÇÃO E INTERAÇÃO 33

científicos do seu campo de estudo, você está sendo atraído por ummodo profissional de ser e de trabalhar. Quando um novo site na W bse desenvolve, sua organização local de serviços comunitários podse transformar numa organização arrecadadora de doações corpora-tivas dos excessos de produção. Você e seus amigos voluntários pod mentão se verem atraídos para uma série totalmente nova de atividade papéis.

Para caracterizar como os gêneros se configuram e se enquadramem organizações, papéis e atividades mais amplas, são propostos váriconceitos que se sobrepõem, cada um envolvendo um aspecto difer n-te dessa configuração: conjunto de gêneros, sistema de gêneros e si -tema de atividades.

Um conjunto de gêneros é a coleção de tipos de textos que umapessoa num determinado papel tende a produzir. Ao catalogar todos gêneros que alguém, exercendo um papel profissional, é levadescrever e falar, você estará identificando uma boa parte do seu traba-lho. Se você descobrir que um engenheiro civil precisa escrever pr -postas, ordens de serviços, relatórios de andamento das obras, r Iat -rios de teste de qualidade, avaliações de segurança e um núm rolimitado de outros documentos similares, você terá avançado muitona identificação do trabalho que ele realiza. Se você descobrir q ua i'I abilidades são necessárias para que ele seja capaz de escreverr 'I tórios (e isso inclui as habilidades matemáticas de medir e d t -1M n ssárias para produzir os números, desenhos, cálculos et . n 'I -lat ri ), você terá identificado uma grande parte do que um nnhc ir) pr j a aprender para fazer esse trabalho com competên ia.

(H (' i :i 'n ti fi ar todas as formas de escrita com as quais um aluno d vc1'1 nvulv 'r para estudar, para comunicar-se com o professor

di' "I, I DI', submeter-se ao diálogo e à avaliação, você t rá d Iini 10

\' I 11I'\) H'I n i. I afios e oportunidades de apr nd iza m of r' i Ia,1'111 I' ," di. ril lint

1111\ ./ ,/"11/11 rll'SI III'/'tl' 11111'1111"'1111 o di '1',0, 11I11jlll1ln. di' f,' I I'

"liI .\ 111' 1'"1 1'1' 'PII I1 \11.1111.1111 jlllll.l di' \1111.1 1111111.1 1111',.1

.t I , 111111 •• 111 I I 1 11\\1111111.1 q"l I I 1.11 l'h'\1 111 11.1

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CHARLES BAZERMAN

I r dução, circulação e uso desses documentos. Um sistema de gênerosc ptura as sequências regulares com que um gênero segue um outro

gênero, dentro de um fluxo comunicativo típico de um grupo de pes-s as. O conjunto de gêneros escritos por um professor de uma deter-minada disciplina pode consistir em um programa da disciplina,xercícios escritos, anotações pessoais sobre leituras, anotações paraar aula e planos de aula, questões de exames, avisos por e-mail para

a turma, respostas individuais a questionamentos e comentários dealunos, comentários e notas sobre a produção escrita dos alunos, eboletins de notas ao final do semestre. Alunos dessa mesma disciplinateriam um conjunto de gêneros de certa forma diferente: anotaçõesobre o que foi dito nas palestras e aulas, anotações sobre as leituras,sclarecimentos nas fichas de trabalhos solicitados e no programa da

disciplina, questionamentos e comentários para o professor e! ou co-legas de turma por e-mail, anotações sobre pesquisa bibliográfica eoleta de dados para tarefas, rascunhos de trabalhos e cópias finais de

trabalhos, respostas dos exames, carta de solicitação de revisão de nota.Contudo, esses dois conjuntos de gêneros estão intimamente ligados

circulam em sequências e padrões temporais previsíveis. Do instru-tor, espera-se que entregue o programa da disciplina no primeiro diade aula e que distribua trabalhos ou tarefas no decorrer do semestr~.Em seguida, os alunos fazem perguntas, na sala de aula ou por e-mail,obre suas expectativas e, depois, escrevem os esclarecimentos nas

fichas de ·trabalho. Essas fichas de trabalho, por sua vez, guiam osalunos na coleta de dados, nas visitas à biblioteca e no desenvolvimen-t do trabalho em si. O ritmo de trabalho deve aumentar quando oprazo final de entrega dos trabalhos se aproximar. Quando os trabalhosão entregues, o professor comenta e atribui notas para todos eles. De

f rma similar, o instrutor prepara e depois dá as aulas. Espera-se quealunos façam previamente anotações sobre as leituras e, posterior-

m nt ,sobre o que o instrutor disse em sala; depois disso, que estud mn ssas notas de sala e nas leituras antes dos vários t t S I

I' .1111 R. N rmalm nte, o professor dá uma olhada nas aula 11,1.

11'11111'''' oliciln II R, nt d creverasquestõesparaost tcs t' .11111' ,

GENEROS TEXTUAIS, TIPIFICAÇÃO E INTERAÇÃO

35

Os alunos, então, fazem os exames e o professor atribui notas. No fimdo semestre, o instrutor calcula através de alguma fórmula a soma deto~as as notas com a finalidade de produzir um boletim, que é enca-minhado ao funcionário encarregado, para entrar num sistema degêneros institucional.

Esse sistema de gêneros é também parte do sistema de atividades dasala de aula. Ao definir o sistema de gêneros em que as pessoas estãoenvolvidas, você identifica também umframe que organiza o seu tra-balho, ~ua ate~ção e suas realizações. Em algumas situações, os gêne-ros orais dominam, mas quando você se desloca para cima na escalae~ucacional e entra no mundo profissional, o sistema de gêneros es-cntos se torna especialmente importante. Em algumas atividades, osaspectos físicos assumem um papel altamente visível e central

A , e osgeneros orais e escritos se tornam mais periféricos ou de Suporte doque centrais. Jogar basquete, por exemplo, pode se tratar basicamen-te ~e movime~tos e manuseio da bola, mas existem regras, estratégias,gntos da tO:CIda, org~nização de ligas e reportagens de jornal quenvolvem generos orais e escritos. A produção industrial, da mesma

forma, está lig~da.a orde~s, relatórios de controle e qualidade, regis-tros de produçao, mstruçoes de operação de máquinas e manuais de

nserto. Em áreas centradas no conhecimento, como na Medicina, e:n outras áreas nas quais o produto principal é produzir e distribuirslmbolos, como no jornalismo, o sistema de atividades é organizadoli forma central em torno de documentos escritos.

var em consideração o sistema de atividades junto com o sis-11'f))éJ d êner s é focalizar o que as pessoas fazem e como os textos"Jlldnm t p ssoas a fazê-lo, em vez de focalizar os textos como fin' s1'111 • I m 'SI'l1, ,Na esfera educacional, a atividade dirige seu foco para11

111' 11) 's 181' mo: de que forma os alunos constroem conceitos e

1(ll1h"I'illllIlIO tr vés da solução de problemas; como atividades11' /1111 IOJl liH v~' ilizs rn t n trução do conhecimento e Oportunida-

d" dI' dl'lI"ltll~')I\I'"1; "OlllO n, inslrutor apeiam e estruturam al'IIJ"11I1i .t};"III, " 11111111, I' 1'"1111'"' 1 1'01 SiLOs, OH ht bilidad dosti 111 111 I1 I I d, (d I

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36 CHARLES BAZERMAN

Questões metodológicas

A análise textual, neste capítulo, focaliza o gênero e agregadosmaiores (os conjuntos de gêneros, os sistemas de gêneros e os sistemasde atividades) dos quais os gêneros são parte. Os conceitos de fatosocial e ato de fala servem de base para se compreender a abordagemanalítica deste capítulo. Contudo, nós não oferecemos aqui instrumen-tos analíticos específicos para a investigação de fatos sociais e atos defala. A investigação e análise empíricas de fatos sociais e atos de falalevantariam muitas considerações metodológicas adicionais pertinen-tes à Sociologia, à Antropologia e à Linguística, para as quais nãodispomos de espaço aqui. Para simplificar nossa tarefa, manteremosnosso foco analítico no nível do gênero e, em particular, dos gênerosde textos escritos, colocando de lado, assim, questões metodológicasque dizem respeito primordialmente aos enunciados orais.

Antes de abordarmos os métodos de estudo de gêneros escritos,porém, precisamos esclarecer uma questão que vem à tona quandoconsideramos gêneros escritos extensos como atos de fala. O conceitode atos de fala foi desenvolvido por Austin e Searle, utilizando enun-ciados curtos e em sua maioria falados. Os linguistas e antropólogoslinguistas que usaram o conceito de atos de fala em suas investigações,tipicamente o fizeram em enunciados orais breves, do tamanho de umasentença curta. A brevidade do enunciado simplifica a tarefa de iden-tificar atos proposicionais e ilocutórios distintos. Uma única sentençapode ser vista como realizando um pedido único, ou uma aposta úni-ca, ou uma afirmação única, e pouco mais do que isso. E a respostaimediata possível em interações orais oferece pistas importantes sobrea recepção perlocucionária do ouvinte. Ademais, a resposta do falanteinicial pode oferecer evidências de se ele sentiu que a intenção ouforça da enunciação inicial foi compreendida corretamente (isto 6,a força perlocucionária aproximou-se ou distanciou-se da int n ãcilocucionária).

Os textos escritos não oferecem tipicam nte essa vants g I sI ,11'"análi .11 xt rito ã tipi arn ntc 111,1i I ng , ~II' 11111.1111111"

GÊNEROS TEXTUAIS, TIPIFICAÇÃO E INTERAÇÃO 37

sentença. As sentenças dentro dos textos são tipicamente mais longase complexas. Assim, cada sentença pode conter vários atos, e as mui-tas sentenças que compõem o texto ampliam o problema infinitamen-te. No entanto, nós normalmente consideramos o texto, de uma formageral, como tendo uma ou algumas ações dominantes que definemsua intenção e propósito, que recebemos como o efeito perlocucioná-rio ou como o fato de realização social do texto. Uma inscrição numprograma de pós-graduação pode ser vista como um agrupamentde ações que inclui escrever inúmeros fatos identifica dores e descri-tivos a nosso respeito, enaltecer as nossas realizações, expor o qupensamos sobre nossos objetivos profissionais, tirar uma cópia de umtrabalho concluído anteriormente durante nossa formação acadêmica,pedir cartas de recomendação a uma série de pessoas, preencher for-mulários para que várias instituições nos enviem nossas notas e hi -tórico, e passar um cheque para pagar a taxa de inscrição. De quforma nós, como analistas, reconhecemos esse gênero agregado, comuas ações e seus contextos implicados?

Além disso, os textos escritos geralmente oferecem pouca vi-dência imediata da recepção do leitor. Essa recepção pode ser muitomais complexa e ponderada do que aquelas em resposta a enunciadosorai , porque o leitor pode se deparar com variações de sentido t

ti nvolver múltiplas reações durante a leitura do texto mais lon o.( I it r pode, então, fazer ponderações sobre o texto por um perío111,1isI n . Como a resposta do leitor está quase sempre separada n11'111\1) paço do momento da escrita e, frequentemente, é pr t gi-11.1I l'lil I riv idade da leitura silenciosa, o escritor provav 1m nl1IlIItol COI p li a vidências sobre a recepção do leitor. Mai ain I. ,1111'III1lIl'1110 onh cimento dessa recepção, o escritor g ralm nt t'll11'11111I (llorluni ad decorrigir,repararour lab rar t to pnra"It I11111\tlI'111,)I n l nd ido ou diferenças n tr e in t n ;'O i\( LI i( 11,)

11011'111'11011111orlo li i I < ri . Fin 1m nt / um l' to '. rito I Otk, m.i]1111I11H'IIII''1"1' 11111h 101",,1, ioljoll'1011'.slrun (1\', lot.lIlll1'lll!· 111101,1\1'1"1 1",,1"1,1 1'1VII 111 1111 ""1\ jlll·\'i 111di' 1111\11 11'111111'I" 11111111111111 111'101" 111111.\1111111t" 1/1/1// I" ,,,li , I 1',111101li I

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38 CHARLES BAZERMAN

Internet, ou quando um relatório médico de um político cai nas mãosda imprensa.

Esse dilema metodológico de identificar atos de fala em textos escritos ésimilar ao dilema que enfrentamos como leitores e escritores de textos. Comoconstruímos sentido diante da complexidade, da indeterminação e damultiplicidade contextual que um texto nos apresenta? Usamos osgêneros e as tipificações para nos ajudar a solucionar justamente essedilema. Como leitores e escritores usamos tudo o que aprendemosdurante nossa vida sobre textos, tipos de textos e situações para apreen-der um sentido do texto à mão, e atribuir uma ação dominante paracada texto. Mas existem sérias dificuldades metodológicas em confiar-mos totalmente nas nossas "intuições de falantes nativos", como algomais do que uma primeira aproximação do texto. Tecnicamente, aoconfiarmos em nossas intuições já estamos assumindo como verdademuitas das coisas que queremos investigar. Nós já estamos assumindoque todos entendem esses textos exatamente da mesma forma queentendemos - que todos compartilham exatamente o mesmo tipo enível de conhecimento textual e social, e que todos compartilhamos amesma cultura textuaL Isto, de certa forma, é assumir o problema dacompreensão do gênero como sempre trivial e sempre resolvido, e que,de fato, não requer educação, socialização ou aculturação. Se todos nóscompreendêssemos os textos uns dos outros tão facilmente e tão bem,muitos professores estariam sem emprego. Mas não se alcança a com-preensão mútua de textos com tanta facilidade assim. Os estudos dosgêneros são necessários exatamente porque nós não compreendemosos gêneros e as atividades de áreas não-familiares que são importantespara nós e para nossos alunos. Até mesmo aqueles sistemas de gênerose de atividades com os quais estamos, até certo ponto, mais familiari-zados, podem ser submetidos a análises adicionais, de modo qupossamos agir de forma mais eficaz e precisa, com uma noçã me i1

articulada do que está acontecendo.Então, como vamos sair desse dilema das múltiplas cornpr ' 'I1Km'.

de gêneros e atos? Como irmos além da nossa visão "n turaliznd.i" \11'

u uéri d i t ma d gên r atividad na dir 50 d(1 11111 ('1111111'

G~NEROS TEXTUAIS, TIPIFICAÇÃO E INTERAÇÃO 39

cimento mais cuidadosamente pesquisado, observado e analisado?Como incorporarmos uma compreensão das práticas e conhecimentode outras pessoas - para, então, entendermos como essas mesmapráticas surgem e são aprendidas? Isso é a essência do problema me-todológico do estudo de gêneros para o qual não existe uma respostarápida e simples. Ao contrário, temos aí apenas um trabalho inicialpara aumentar nosso conhecimento e ampliar nossa perspectiva atra-vés da pesquisa, como a de examinar mais textos de um modo mairegulado; entrevistar e observar mais escritores e leitores, e etnografi-camente documentar como os textos são usados nas organizaçõe .Quanto mais rico e mais empírico for esse trabalho, menos dependen-tes seremos das limitações de nossa própria experiência e treinament .Os comentários metodológicos seguintes objetivam precisamente usarnossa perspectiva sobre gêneros e os sistemas dos quais eles são part 'onstitutivas.

Questões metodológicas e ferramentas analíticas: o que é um gênero e comoreconhecemos um?

Nas últimas páginas, desenvolvi uma resposta complicada p, 1\1

digo que reconhecemos todos os dias de forma bastante direta. Qu 11-

110 n deparamos com documentos, percebemos certas característi < H

1III r r m sinalizar-nos que pertencem a um gênero ou outr I I

.undn I pr uram realizar um certo tipo de interação conosco.Vo b uma oferta via correio de um cartão de crédito. 1111('

dlollolllll'l t ,V Ar onh ce o que é,talvez sem nem abrir o nv lopo,( IIIIH) I' qll(\ vo Afaz i so? Está em um envelope padronizad I 11 I

111111 111\1,1 [nn -I. t pap 1 transparente para o endereço, d f rrns que\I \1'1'1111111'\'('1110, orno om rcial ou in titucional, R onhc 'mo, 11

111111 I 1111 l,tI \' Pl' i, I, ab mo qu algum ti o lc Holi iln [i(l illl

1'1 IlltI 1'1'11'1 hl'IIHl, , Of('I'I, de r lu ão d \ I D, I fi 1,1 I. d(' [uro , 11\

11111111 '1"1', dlllllmdllt'II\'I·IIlI'I',I'IH'OI11I'IIIt·1l1l1 1111111 olit'illll, 111 poli 11

111" 1 I I1 I I li' I \I I 1III1 1"11 I1 I I I 111I 1111101 I "I I, t\ 1.ti 111 I I" / "I",,, 111' I'

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40CHARLES BAZERMAN

queremos nos envolver de alguma forma com aquilo que eles estãooferecendo.

Vocêentra numa cafeteria e dá uma olhada num jornal sobre umamesa. Vocêimediatamente sabe muita coisa sobre qual será o seu con-teúdo e como serão os textos, em que estilo estarão escritos, comoserão organizados, e até onde diferentes textos serão encontradosdentro do jornal. Novamente, esse conhecimento de rápido acesso nosajuda a estrutura r o que faremos com aquele jornal.

A maioria dos gêneros tem características de fácil reconhecimen-to que sinalizam a espécie de texto que são. E, frequentemente, essascaracterísticas estão intimamente relacionadas com as funções princi-pais ou atividades realizadas pelo gênero. As manchetes de jornal emletras grandes e negrito que mencionam os acontecimentos mais rele-vantes são elaboradas para atrair sua atenção, mostrando as notíciasmais interessantes sobre as quais você vai querer ler um pouco mais arespeito. A data e o lugar onde se passa o acontecimento permite quevocê saiba de que lugar do mundo essa notícia vem (é claro que issosó se tornou realmente uma característica importante depois que otelégrafo e outras formas de comunicação a distância transformaramo jornal em mais do que um noticiário local). O lead tipicamente dizquem, o que, quando e onde, e, assim, você decide se quer ler mais embusca de detalhes. O papel barato é escolhido porque o conteúdo dojornal envelhece rapidamente e os jornais são jogados fora, dentro deuns poucos dias. Essas características direcionam a forma como nósusamos o jornal e até mesmo por quanto tempo o conservamos.

Somos tentados a ver os gêneros apenas como uma coleção desseselementos característicos porque os gêneros são reconhecidos por suascaracterísticas distintivas que parecem nos dizer muito sobre sua fun-ção. Somos, então, tentados a analisar os gêneros selecionando e acaracterísticas regulares que percebemos e descrevendo a razão pa rtais características, com base no nosso conhecimento de mund .fato, muito pode ser aprendido sobre gêneros familiar s, d 110!"lHO

t m munidad ,pro d nd de aman 'il'l I ma m nt 101"11'11'

•• 11lI .ll"tl' d( no,. ( mundo culí ur: I m.il illl,·,II.lltl \. L'II'III,I'Ollllldt1,

G~NEROS TEXTUAIS, TIPIFICAÇÃO E INTERAÇÃO 41

limitações e problemas em identificar e analisar gêneros dando razõeplausíveis para elementos de fácil observação.

Primeiro, isso nos limita a compreender aqueles aspectos do gê-nero de que já temos conhecimento.

Segundo, ignora como as pessoas podem receber cada texto dformas diferentes, por causa dos seus diferentes conhecimentos sobrgêneros, dos diferentes sistemas de que os gêneros fazem parte, dadiferentes posições e atitudes que as pessoas têm em relação a deter-minados gêneros, ou das suas diferentes atividades no momento. Umcartaz de "procurado", por exemplo, é lido de formas diferentes e temsignificados muito diferentes para um agente do FBI,2 para pais ner-vosos com a segurança dos filhos e para o fugitivo. Os pesquisadornuma determinada área, por exemplo, podem ser capazes de distinguirmuitos tipos diferentes de artigos que aparecem nas revistas de suárea, enquanto os alunos da pós-graduação talvez reconheçam apena 'alguns, dos quais não compreenderão a totalidade das suas implicaçõ .Em que aspectos uma crítica da literatura de uma linha de pesqui seque aparece numa revista especializada na área difere de uma res nhnde um livro ou de uma revisão literária apresentada em sala de aula

s alunos do primeiro ano da graduação podem até nem saber qm'lit ratura de pesquisa existe e podem achar que toda produção e ritui ntífica se parece com a dos livros-textos comos quais estão familis

rizados. No mundo dos negócios, alguém familiarizado com os t xtos1 irculam numa companhia de seguros pode não estar tão família-riz om os textos envolvidos numa operação de vendas no ataca o.M -srn d ntro de uma mesma indústria, os conjuntos de docum nlo

Ilpi '()t; P d m variar em aspectos significantes de uma companhin1'"I\loulr .

1\111 t 'r ira lugar, tal coleção de elem ntodlll II Illl n'HH~ d que tai el m ntos do texto ;;0 fin m 'i n '101110 I

'1'11' lodo 11. o d um te to . mvdid segundo un I LImo I t Imlo di'

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42 CHARLES BAZERMAN

correção em relação à forma, em vez de se levar em conta o trabalhopara o qual foi desenvolvido. Um artigo de jornal impresso num papelde alta qualidade deixa de ser um artigo de jornal? Se ele não citar o"quem, o que, quando e onde" no parágrafo de abertura, estará come-tendo um erro muito sério? É claro que todo exemplar de um gêneropode variar em particularidades de conteúdo, situação e intenção doescritor, que podem levar a diferenças na forma. Ainda assim, nóscontinuaremos a usar nosso conhecimento de gêneros para compre-endê-lo. Nós até podemos usar múltiplos modelos de gêneros paracompreendê-lo e usá-lo. Os elementos característicos e os gêneros in-vocados encontram sua única justificativa e razão na compreensão ena atividade que acontecem entre as pessoas e, finalmente, o que querque funcione é levado em consideração.

Em quarto lugar, consequentemente, a visão de gênero que sim-plesmente o concebe como uma coleção de elementos característicosencobre como esses elementos são flexíveis em qualquer instância, ouaté como a compreensão geral do gênero pode mudar com o passardo tempo, à medida que as pessoas passam a orientar-se por padrõesem evolução. Os alunos, quando produzem trabalhos escritos parasuas disciplinas, têm uma grande variedade de maneiras para preen-cher os requisitos da tarefa e podem até mudar o seu direcionamento,desde que seus professores ou avaliadores concordem com a mudan-ça. As reportagens jornalísticas de hoje têm um "sabor" diferentedaquelas de um século atrás - o que pode ser atribuído às mudançasna compreensão dos artigos - tais como a expectativa de uma comu-nicação rápida, o reconhecimento do papel da celebridade e de pessoasfamosas.

Para lidar com todas essas questões, podemos sugerir uma séride abordagens diferentes para identificar e analisar gêneros que vãalém da catalogação de seus elementos característicos que nó jereconhecemos.

Primeiro, para ir além desses elementos característicos que já re 011111'

cemos, podemos usar uma variedade de con itos nl alíti os li: 1'" ~ti ,r t6ri n , ,\1 C1 1,.11.11' .1I11 i11ti I 11111.1

GÊNEROS TEXTUAIS, TIPIFICAÇÃO E INTERAÇÃO 43

coleção de textos de um mesmo gênero. Assim, podemos descobrir shá consistências dentro de um mesmo gênero que vão além das ca-racterísticas distintivas mais óbvias. Examinando padrões típicos dsujeitos e verbos, nós podemos, por exemplo, considerar se os padrõda educação pública conferem, ou não, agência e de que tipo aoalunos, ou se esses documentos colocam a maior parte da tomada ddecisão nas mãos de professores, administradores, ou em princípiabstratos de conhecimento. Ou podemos ver como os livros didáticde ciências usam imagens gráficas e tabelas, e comparar esses uscom outros em documentos científicos mais profissionais, para veros alunos estão tendo a oportunidade de se familiarizar com práticacientíficas de representação gráfica. A maioria dos métodos de anál i-

se textual pode ser considerada na perspectiva do gênero, emboranem todos, necessariamente, revelem um padrão em qualquer gên -ro particular.

Segundo, para considerar variações em diferentes situações e periodos,nós podemos estender a amostra para incluir um maior número e un il

maior variedade de textos que ainda podem ser considerado 10111. smo gênero. Mais exemplos nos permitem ver como a forma 10.! xtos varia. Mais importante ainda, se você for capaz de obter ín ( r

m ções da situação retórica de cada um dos exemplos, você poddi ali ar como essas variações estão relacionadas a diferenças n siIlI, - na interação.

P d mos, ainda, fazer considerações sobre como podem xis!iI'III r '11 ça de padrões naquilo que se chama de "o mesmo gêner " -m11 1\'1 v/ t r as ou campos. Secomeçamos a olhar artigos de p q rilio" p"l'irn ntai m Biologia e Psicologia, podemos observar dif r n .1.1.\111 '11'1' sll ntre eles. Podemos, então, considerá-Ias naquilo em'1"' .1O () nll'8111 gAnero,e até onde se pode considerá-l dif r 'nl(', .

I 1111, I \\ I 'mo r fi tir como as diferenças nas form li stão r '1.1 '101\ td I I' di ('1'('1) 'os / O cial na ar aniz <10 d.1 nli idlld,

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44 CHARLES BAZERMAN

rentes papéis assumidos pelas notícias nas vidas política, social eeconômica encontradas nesses países. Ou podemos comparar as notí-cias de primeira página de um jornal de circulação nacional, como oNew York Times, e de um tablóide ou jornal local. Esse tipo de investi-gação revela como as expectativas sobre o gênero podem se tornaraltamente especializadas em áreas diferentes, como aquilo que aspessoas reconhecem é muito mais uma questão de cultura local, e comoas notícias de jornal se inserem no complexo das atividades de vidaorganizadas.

Outra forma de estender sua amostra é olhar historicamente. Comexemplos suficientes do gênero ao longo do tempo, podemos ter umanoção de como a compreensão do gênero muda quando um campo eo contexto histórico mudam. Essas mudanças podem ser tão grandesque os nomes dos gêneros mudam, ou coisas muito diferentes são con-sideradas como um gênero. Os primeiros artigos científicos parecemmais cartas do que qualquer coisa que vemos hoje na revista PhysicsReview. Quanto mais mantivermos constantes todos os outros aspectosda situação, mais poderemos perceber até onde a mudança é devida aalterações no modo de compreender o gênero. A comparação entre asmatérias jornalísticas de um século atrás com as de hoje é facilitada seolharmos os jornais de uma cidade do mesmo tamanho, com o mesmonível de leitores, e numa região similar, de forma a identificarmos quediferenças são mais prováveis de serem resultados de mudanças históri-cas no formato do jornal do que de diferenças nos leitores a que servem.

Terceiro, para lidar com o problema de caracterização de gêneroscom os quais você não éfamiliarizado ou quando os outros os compreendemde modo diferente do seu, você precisa colher informações não só sobros textos, mas também sobre como as outras pessoas entendemtextos. Uma forma mais geral de fazer isso é pedir às pessoas d umcerto campo que nomeiem os tipos de textos com os quais trab lhs 11

(para identificar seu conjunto de gêneros). Sevocê descobrir q I l( 1.\.as pessoas de um campo fazem uma lista de tipos de t xt in i1.11' .1\1

que contador u rr tor d gur USe I ,( I tão vocx polll' 11'1

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G~NEROS TEXTUAIS, TIPIFICAÇÃO E INTERAÇÃO45

tência de um nome conhecido para um gênero dentro de uma esferade práticas sugere que isso é realmente um conhecimento comum àpessoas envolvidas naquelas práticas. No entanto, as pessoas podemcompreender algo diferente mesmo sob um nome único e comparti-lhado. Averiguar o grau de concordância para entender as particula-ridades do gênero, coletando exemplares do que as pessoas conside-rariam como cada um desses gêneros conhecidos, dá a você umachance de examinar o quão similares eles são na forma e na função.Algumas vezes, documentos profissionais, legais ou administrativodefinem e especificam o que cabe em vários documentos e como devemser usados. Manuais de procedimentos e regulamentações, por exem-plo, podem identificar doze tipos de formulários que devem ser preen-chidos, em que ocasiões eles devem ser preenchidos e a maneira comfazê-lo. Porém, seja cuidadoso, porque as pessoas nem sempre faz mas coisas exatamente como mandam as regulamentações, ou interpr _tam as regulamentações de forma diferente, ou tentam realizar outrascoisas que estão além da alçada das regulamentações.

Quarto, para ir além da compreensão explícita do que as pesnomeiam em uma determinada área, para visualizar toda a gama til'

práticas implícitas, você pode fazer uma pesquisa etnográfica no I lide trabalho, sala de aula, ou outro local de produção, distribuição, I

uso de textos. Coletando todos os textos que as pessoas usam ao longod um dia, semana, ou mês, assim como anotando em que ocasi~ H

são usados, com que propósitos, e como elas produzem, trabalha minterpretam esses textos, você terá um retrato mais complet do

I und textual dessas pessoas. Se você fizer isso, faça da forma ms is

orn I ta possível, incluindo coisas do tipo mensagens de e-mail.n l.,, (IHHOnis br v s escritas nas margens de outros formulários, ou utrn:lIliSíl:-> ILI P ssoas podem não considerar como docum nt f rn ni.

1/111' jll, li i 11 m er mencionados. Entrevistar p oa no r '8:->0 diI1 ti di' 1(' 10' po lh ds r III insight a mai r signif] f , S, il I 'lI1111' I PI'"I', 1,;1ll', 1'. lividlld., do pdrli il (111 •• ,

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a que atividades, e quais documentos são mencionados no curso daleitura e da escrita de cada novo documento. Esses dados vão ajudá-loa documentar e compreender o conjunto de gêneros, o sistema degêneros e o sistema de atividades. Examinar o conjunto de gênerospermite a você ver a extensão e variedade do trabalho escrito requerido porum determinado papel, e identificar o conhecimento de gênero e ashabilidades de escrita necessárias para alguém realizar esse trabalho.Examinar o sistema de gêneros permite a você compreender as interaçõespráticas, funcionais e sequenciais de documentos. Compreender essas in-terações também permite a você ver como os indivíduos, ao escreverqualquer novo texto, estão intertextualmente situados dentro de umsistema, e como sua escrita é direcionada pelas expectativas de gênerose amparadas por recursos sistêmicos. Finalmente, considerar o sistemade atividades permite a você compreender o trabalho total realizado pelosistema e como cada texto escrito contribui para o trabalho como um todo. Aanálise de sistemas de gêneros e de atividades permite a você avaliara eficiência dos sistemas totais e a adequação de cada um dos docu-mentos caracterizados como gêneros em levar adiante aquele trabalho.Essa análise poderá ajudá-lo a determinar se alguma mudança emqualquer dos documentos, distribuição, sequência, ou circulação podemelhorar o sistema de atividades como um todo.

Enfim, ofereço algumas diretrizes metodológicas para definir erealizar uma investigação sobre gênero:

1. Enquadre seus propósitos e questões para delimitar o seu foco. Comoem qualquer tipo de pesquisa e análise, a primeira e mais importantetarefa é saber por que você está envolvido neste empreendimento e queperguntas espera responder com ele. Dependendo de seus propósitos,dos dados a que você tem acesso, da quantidade de tempo e energiaque você pode dedicar ao projeto, é possível realizar uma investigaçãoem qualquer dos níveis discutidos na seção anterior. Cada nível danálise traz seus problemas e benefícios. Nenhum é certo ou errado,Vocêsó precisa estar atento aos limites e valores de cada um.

2. Defina o seu corpus. Uma vez que você saibu () lU si', PI'tH'11

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cificas que você quer examinar, fazendo com que eles sejam extensos osuficiente para muni-lo com evidências substanciais para fazer afirma-ções, mas não tão amplos a ponto de fugirem do seu controle. Nãexiste uma equação mágica para determinar o que lhe oferece umevidência adequada de um gênero, mas uma boa regra é a seguint :ao atingir o ponto em que o retorno vai diminuindo, acrescente maialguns exemplares. Isto é, o tamanho da amostra deve ser grande osuficiente de forma que, mesmo a adição de mais exemplares, dificil-mente implicará maiores novidades ou variações. Uma vez encontra-do esse ponto, adicione um pouco mais de exemplares só por umaquestão de segurança.

Por outro lado, se você está examinando a história de um jornal,ou fazendo uma comparação que envolve várias subespecialidade ,sua amostra deve ser rica o suficiente para incluir mais do que un 'poucos exemplares de cada período ou domínio.

Sevocê está colhendo gêneros de um grupo ou sistema de gêneros,novamente, o ponto em que o retorno vai diminuindo e onde voacrescenta mais alguns exemplares é um bom parâmetro. Seos gênero,

o trabalho são organizados dentro de um ciclo limitado e coeren t "ntão vocêpode utilizar o ciclopara organizar sua coleta. Por exemplo,

na observação de uma turma, você pode considerar o ciclo compl tod um período acadêmico; ou você pode examinar o ciclo de text H

t'I1V lvidos numa única unidade ou sequência de tarefa. Você nãI 1"(' i a examinar o trabalho ou produção de cada aluno para cada un n

1.1H t, r fas, mas deve ter uma amostra razoável de todos os trabalh R,

"l1junt de anotações etc. Sevocê está trabalhando como um p qu '-111) grupo descrita colaborativa na aula, todos os textos com os qUt i.

"1,, Irnbs lha! m podem definir sua amostra de trabalhos col tados,... '('/e ione e aplique suas ferramentas analíticas. Baseado n bjc Ij

I) li, un inv tigação, você precisa selecionar ferram nta (ll/n/rUelll"1'/"11/ /,1111111 I nra xarninar (H on i tência variaçô ~R I r. Il'" I

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lise, ficará evidente se você está explorando alguns padrões relativa-mente estáveis de textos e atividades.

Após uma coleta e análise abrangentes, se nenhum padrão estávelemergir, isso pode ser atribuído a uma destas duas dificuldades:

• a coleção não reflete as práticas reais dos usuários ou um fluxocoerente de documentos. Por exemplo, se você coletar todos ostextos vistos ou trabalhados por alunos que se encontram nasala de estar do centro estudantil, você pode estar explorandotantos sistemas de atividades diferentes trazidos pelos alunosque estão apenas de passagem por ali, que não encontrará ne-nhuma coerência. Se quisesse apreender algum sentido dosmuitos gêneros que atravessam a vida de um aluno, seriamelhorque acompanhasse um único aluno por um ou alguns dias;

• o foco analítico pode estar mal colocado. Por exemplo, se vocêestá vendo propagandas de televisão, assumindo que o propó-sito delas é dar informações sobre o produto anunciado, pode-rá descobrir que, em grande parte das propagandas, há poucainformação sobre o produto para considerar. Vocêpode ficarestarrecido, mas as propagandas quase sempre buscam varie-dade e novidade para ganhar a atenção de espectadores desa-tentos e, assim, dão pouca informação. Algumas vezes, aspropagandas evitam até mesmo identificar o produto antes dofinal para fazer você pensar. Talvez, nesse caso, sua análiseestaria melhor enquadrada se girasse em torno da novidade edos mecanismos para atrair atenção. É possível que o movi-mento no sentido de ganhar a atenção do espectador e deapresentar a novidade seja tão forte que provoque mudançasmuito rápidas nas características reconhecíveis das propagan-das, e sua análise precisará levar isso em consideração.

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Formas sociais como habitats para ação *

o conceito de gênero, tipo de texto, ou espécies literárias tem sidum permanente quebra-cabeça para os estudos literários.' Como I i-tores, críticos, historiadores, professores e escritores, precisamos, comfr quência, caracterizar a espécie de texto com que trabalhamos. ComeI itores, usamos o gênero para demarcar o tipo de mundo em qu 'ntramos em cada texto; para identificar os tipos de atividades simb )_

Ii ,emocionais, intelectuais, críticas e outras atividades mente i.ov adas; para reconhecer os tipos de jogos em ação aos quais pr i-.im ficar atentos. Como críticos e historiadores, atribuímos expli i

í.un .nt um gênero para categorizar séries de textos como similarp.irn map ar as mudanças na prática literária. Dependemos impli it(11H 11 t \ ên ro na nossa invocação dos procedimentos interpreta ti vo,. 11 .lli, tiv qu consideramos apropriados a cada texto, segund S '\I

t I 11. .ornc dagogos, usamos o conceito de gênero para organiz li'